XXIX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
A Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão.
Salvador, BA, Brasil, 06 a 09 de outubro de 2009
DESAFIOS DA PRODUTIVIDADE NO
SETOR DE TRIAGEM DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS
Fabiana Goulart de Oliveira (UFMG)
[email protected]
Gabriela Fonseca Parreira (UFMG)
[email protected]
Francisco de Paula Antunes Lima (UFMG)
[email protected]
A triagem dos materiais recicláveis é um dos maiores gargalos do
processo de reciclagem realizada pelas organizações de catadores. Ela
é responsável pela agregação de valor aos materiais que são coletados
por meio de caminhões, carroças ou carrinhos. O setor de triagem
ocupa grande parte da mão de obra presentes nas organizações de
catadores (em torno de 40%, dependendo do arranjo organizativo).
Por tratar-se de uma atividade manual, baseada na força de trabalho
humana, o aumento da produtividade na triagem apresenta uma série
de limitações. Buscaremos abordar estes problemas a partir de três
lógicas distintas: taylorista, que propõe a economia dos gestos; a
dádiva que sugere usar os vínculos sociais e a mecanização que
substitui a natureza humana pela mecânica. Cada uma delas traz
contribuições importantes para compreensão do problema.
Palavras-chaves: catadores de materiais recicláveis, lixo urbano,
coleta seletiva, triagem, produtividade, manufatura
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Introdução:
No Brasil, acredita-se que grande parte dos materiais recicláveis que abastecem as indústrias
recicladoras é proveniente da ação dos catadores de materiais recicláveis, que coletam,
separam e comercializam os materiais com pequenos depósitos ou outros compradores, como
é o caso das associações e cooperativas de catadores.
No final da década de 80, iniciou-se no Brasil um processo de organização dos catadores em
cooperativas e associações. Muitos que antes separavam os materiais embaixo de viadutos,
marquises, ou mesmo em lixões, passaram a trabalhar junto a outros catadores, tendo um
espaço físico reservado para a separação dos materiais coletados e equipamentos para a
prensagem e agregação de valor. Atualmente o número de iniciativas como estas têm
aumentado significativamente em todo o Brasil. Elas se constituem formalmente como
cooperativas ou associações e têm dupla função na medida em que atuam na economia
ambiental e, ao mesmo tempo, na recuperação de pessoas que participam dos
empreendimentos e através deles se (re)constroem como cidadãos.
O processo produtivo destes empreendimentos consiste nas atividades de coleta, transporte,
triagem, prensagem e comercialização dos materiais, entretanto cada grupo desenvolve uma
forma
diferente
de
produzir
e
organizar
o
trabalho.
Estas formas se dão a partir dos recursos de que cada grupo dispõe de maneira que consiga
responder às exigências da produtividade, da qual depende a renda e, portanto a sobrevivência
de cada um, e ao mesmo tempo às necessidades da gestão, a qual reconhece que exige
solidariedade e “união” do grupo para poder avançar. Alguns empreendimentos realizam a
coleta com caminhões, outros o fazem com carrinhos, bags ou combinando várias dessas
possibilidades. Da mesma forma, a separação dos materiais, etapa conhecida como triagem,
em alguns grupos é feita em esteiras móveis, outros utilizam silos, mesas ou boxes. Alguns
grupos distribuem o resultado do trabalho de forma igual, enquanto outros o fazem de acordo
com a produção de cada associado. As possibilidades de arranjos organizativos são várias e da
mesma forma, a produtividade de cada empreendimento e as relações estabelecidas a partir de
cada arranjo também são diversificadas.
De todo o processo de reciclagem, a triagem dos materiais recicláveis é a etapa onde se
encontra a principal restrição ao aumento de produtividade, especialmente por ser ainda
baseada exclusivamente no trabalho manual. Ela se caracteriza pela separação dos materiais
em diferentes tipos, formas, cores, entre outros critérios. Esta separação é o que agrega valor
aos materiais e viabiliza a comercialização dos mesmos. Os preços de venda dos materiais são
em grande parte definidos pela quantidade e pelo nível de qualidade da triagem. As garrafas
plásticas, por exemplo, tem preços diferenciados conforme separadas por tipo, cor, presença
ou não de rótulo e tampa etc.
O faturamento das associações de catadores depende quase exclusivamente da
comercialização dos materiais. Portanto, a baixa produtividade destes empreendimentos
reflete diretamente na renda dos associados, que por sua vez influencia a “motivação” para o
trabalho e é também fonte conflitos e indisciplinas.
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Nosso objetivo nesse texto é discutir os limites e possibilidades do aumento da produtividade
na triagem dos materiais recicláveis. Abordaremos essa questão a considerando três
possibilidades distintas: 1. o taylorismo; 2. a mecanização e 3. a dádiva
A triagem e os limites do trabalho manual
A triagem consiste em separar os materiais, de acordo com o tipo (tipos de plástico, papel,
papelão, alumínio, vidro) cor e forma, para que eles possam ser reprocessados como matériaprima ou reaproveitados, como no caso de garrafas de vidro inteiras. As triadoras abrem os
sacos recolhidos na coleta, separam os materiais e os depositam em bags ou bombonas. Os
critérios de separação (cor, embalagens com ou sem rótulo, com ou sem tampa) variam em
cada empreendimento de acordo com uma série de fatores, dentre os quais destacam-se as
exigências do mercado e a infra-estrutura disponível para a realização do trabalho,
considerando o espaço, os equipamentos e ferramentas disponíveis em cada associação e o
número de associados.
Nas associações, a separação normalmente é feita em 19 subgrupos diferentes: papelão
ondulado, papelão fino, papel revista, papel branco, jornal, PC, PI, PEAD branco, PEAD
colorido, plástico filme, PET, PP5, PS, garrafas de água mineral, alumínio, sucata,
embalagem tetrapak, vidro quebrado e vidro inteiro. Depois de triados, os materiais são
pesados, prensados, embalados e armazenados até que a venda seja efetivada.
O caráter exclusivamente manual da etapa de triagem estabelece limites à sua produtividade e
compromete a eficiência do sistema como um todo. Assim como todo o processo de
manufatura, o limite fundamental da triagem está constituído por sua base técnica artesanal. A
análise científica proposta por Taylor, busca controlar o trabalho através do planejamento dos
tempos e extinção de movimentos improdutivos. Para isso é necessário que os meios de
trabalho sejam adequadamente projetados e previamente organizados. A economia do gesto
depende de uma organização anterior.
1. Taylorismo - Dispositivos técnicos e racionalização de movimentos
Para que os movimentos dos trabalhadores sejam eficientes, várias possibilidades de
organização podem ser imaginadas afim de manter a disciplina e o rítmo de trabalho. As
associações de catadores tentam combinar diversas possibilidades, de forma a aumentar a
produtividade na triagem e ao mesmo tempo manter a solidariedade necessária para a gestão
dos empreendimentos.
A divisão do trabalho é uma forma desenvolvida para aumentar a eficiência de gestos cada
vez mais simples e mecânicos. Em algumas associações as triadoras realizam exclusivamente
a triagem. Em outras associações, a atividade de triagem é combinada com a coleta, e algumas
vezes, especialmente quando o número de pessoas no galpão é insuficiente, a triagem é
freqüentemente interrompida para a realização de outras atividades, como descarregamento de
caminhão, organização do galpão, pesagem, entre outros.
As associações trabalham com número reduzido de associados, visto que o excesso de
trabalhadores em relação a produção pode implicar em baixo rendimento per capita. Dessa
forma, as faltas, atrasos, ou indisciplinas comprometem sensivelmente o planejamento das
atividades e por isso são reprimidas duramente em alguns grupos. Em algumas associações,
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por exemplo, o atraso superior a 10 minutos do horário de início de trabalho (6h), sem
justificativa aceita pela assembléia acarreta a perda de 2 dias de trabalho do associado.
A esteira é um bom exemplo da linha de montagem criada por Ford no século XX. Ela cria
um mecanismo que controla o ritmo de trabalho, obrigando todos os trabalhadores a
realizarem suas tarefas em um mesmo ritmo. Na Coopert a triagem é feita na esteira, e cada
dupla de triador é responsável pela triagem de 5 ou 6 tipos de materiais. A falta de algum
triador compromete o ritmo de trabalho do grupo que tem que redistribuir as tarefas, o que
acarreta muitas vezes a sobrecarga de funções e a redução da velocidade da esteira,
comprometendo a produção do dia e muitas vezes a qualidade da triagem.
A Coopert trabalha com a esteira em movimento, o que garante uma produtividade maior,
devido ao ritmo estabelecido pela velocidade da esteira. Na Ascapel entretanto, a esteira fica
parada e acaba funcionado como mesa de triagem. O triadores não conseguem trabalhar no
ritmo da esteira, cujo motor acabou estragando pela freqüência com que era ligado e
desligado. A comparação entre o perfil social dos associados da Coopert e Ascapel mostra que
o segundo grupo tem um número maior de idosos e pessoas com restrições físicas, o que pode
justificar a dificuldade de trabalhar no ritmo da esteira.
As diferenças físicas e de produtividade dos triadores, levou a ASCAPEL a criar dois grupos
de produção diferentes, que trabalham em funções e turnos alternados. Cada grupo divide os
rendimentos da produção igualmente entre seus membros. Um grupo é composto por pessoas
mais velhas e consideradas menos produtivas enquanto o outro é formado por pessoas mais
jovens. Na ASMARE, onde a distribuição dos rendimentos é feita com proporcional a
produção de cada um, criou-se um espaço de triagem reservado a idosos e mulheres grávidas.
O chamado “asilo” é um setor com dois boxes onde são colocados apenas materiais de
doação, como papel, e outros materiais que chegam ao galpão pré-triados e que facilita o
trabalho de pessoas com capacidade funcional reduzida.
Em algumas associações, a separação dos materiais é feita em bags que ficam no chão ou com
o apoio de uma mesa, onde os materiais são despejados e posteriormente separados em bags
ou conteiners, posicionados em torno do triador. Cada triadora trabalha com um número de
bags, onde depositam os materiais que separam até alcançar volume suficiente para pesagem.
Em algumas associações, as triadoras tem metas de produção individual que devem ser
cumpridas diariamente. Em todos esses casos, a técnica de organização cria um mecanismo de
controle externo ao coletivo de trabalhadores, a fim de aumentar a eficiência da produção.
1.2 Estratégias e modos operatórios
O reconhecimento das diferentes características dos materiais faz com que as triadoras adotem
estratégias e modos operatórios distintos para a execução do trabalho de triagem. Assim, é
possível perceber a importância da experiência da triadora na execução do trabalho.
As triadoras mais experientes conseguem reconhecer a origem dos materiais de acordo com as
características apresentadas e identificar muitas vezes, os bairros e doadores que melhor
separam os materiais para a coleta seletiva. Dessa forma, muitas triadoras regulam sua
atividade, por exemplo, agilizando a triagem de determinados lotes que ela identifica a
presença de matéria orgânica, e que pode provocar decomposição e perda do material, além
de atração de vetores, mau cheiro, dentre outros.
De forma geral, os materiais oriundos de grandes geradores apresentam-se menos misturados
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que os materiais coletados em bairros residenciais. Eles caracterizam-se por maior quantidade
e menor diversidade de tipos de materiais e o nível de rejeito são em torno de 5%. Os
materiais advindos de a coleta domiciliar apresentam maior diversidade de menor quantidade
de materiais por tipos, sendo também relevante o alto índice de rejeito que é em torno de 40%
do peso total dos materiais.
Os materiais de grandes geradores normalmente chegam armazenados em sacos plásticos ou
caixas de papelão, o que facilita o transporte do material até o local da triagem. As triadoras
mais experientes identificam, ainda no saco, o tipo de material que existe em maior
quantidade, e a partir disso decidem sobre o melhor local para despejar o conteúdo. Esta
experiência é importante sobretudo quando a triagem é realizada em bags o mesas de triagem.
Uma triadora explicou seu processo de trabalho num momento de observação dos autores:
“Eu faço assim: abro o saco; se eu vejo que tem mais (papel) branco, eu tiro os outros
materiais e viro o resto no bag de papel branco. O material da coleta, como tem muito
rejeito, a gente já abre direto no rejeito e cata o que tiver por cima.” (Triadora)
Outra estratégia utilizada pela triadora diz respeito à organização e disposição dos bags nos
boxes de triagem. As mais experientes adotam critérios que consideram funcionais para sua
produção. A figura abaixo ilustra a disposição dos bags na triagem do material da doação,
criada por uma das triadoras reconhecidas entre as demais como uma das mais produtivas.
Vidro
PET
colorido e
incolor
Jornal
Ondulado
Sucata
Revista
PEAD
misturado
LIXO
Tetra Pak
PP5
Plástico
colorido
Papel
Branco
Plástico
incolor
Papel
Branco
PP5
Figura 1 – Disposição dos bags na triagem do material
Os materiais que chegam ao galpão estão representados na figura por retângulos. Eles são
empilhados no chão, ao lado da triadora que pega os sacos na medida em que tria. Cada saco é
rasgado com a mão e despejado no bag que ela identifica conforme a quantidade de materiais
presente no saco. Por exemplo, se a triadora percebe que num determinado saco a quantidade
de papel revista é maior que a dos demais materiais, ela despeja o conteúdo no bag de revista
e, em seguida, separa os demais materiais.
O posicionamento de cada bag obedece uma lógica que considera o espaço disponível, o tipo
e a quantidade de material a ser triado, que é estimado, a partir da experiência do triador, com
base na densidade de cada material e na freqüência com que ele aparece nos sacos.
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A triadora explica que os bags de papel branco e revista ficam próximos a ela, visto que estão
presentes em maior quantidade na doação. Na coleta, porém, eles seriam posicionados mais
distantes, visto que pouco aparecem. Como mostra a figura, um segundo bag para papel
branco foi aberto, depois que o primeiro preenchido e não havia ajudante disponível para
retirá-lo do local. Com isso o acesso da triadora ao material foi dificultado.
O bag do rejeito também fica próximo devido à freqüência de rejeito encontrado nos sacos:
“Tudo o que eu pego tem lixo” diz a triadora se referindo ao rejeito. O papel ondulado e o
jornal podem ser posicionados há uma distância maior, já que podem ser lançados com
facilidade, por serem mais densos.
Com relação aos plásticos, o filme incolor e o colorido são posicionados lado a lado.
Normalmente os dois tipos chegam juntos e por se tratar de um material leve e volumoso, é
importante que fiquem próximos à triadora para que esta possa, com freqüência, compactá-lo
com as mãos para que não transborde no bag. O PEAD e o PET ficam mais distantes, mas
posicionados de tal forma que a triadora consiga lançá-los no bag com precisão: “Dá pra jogar
o PEAD e o PET, mas tem que saber a força porque senão ele quica e cai no chão” (Triadora).
PET e PEAD são, posteriormente, separados por cor, já que não existe espaço para a
colocação de mais dois bags do box. A falta de espaço acarreta retrabalho para as triadoras,
que deixam de triar outros materiais para separar novamente PET e PEAD.
O PP5, por se tratar de um material muito leve, que não pode ser lançado, fica próximo à
triadora. Contudo, para otimizar o espaço, ela utiliza um contêiner menor e, à medida em que
este enche, ela despeja o conteúdo em outro contêiner mais distante. Os contêineres menores
também são utilizados para os materiais pouco encontrados na doação, como a sucata e o
vidro. Estes ficam mais distantes, pois são pouco presentes, pesados e fáceis de lançar. O
tetrapak é disposto num bag maior, quando se trata de material de coleta domiciliar, visto que
ele se encontra em maior quandidade onde vêm em maior quantidade, mas também mais
distante, quando parece em menor quantidade, o que acontece com material de doação.
1.3 A remuneração
A remuneração por produção é outra forma de organização que busca incentivar os
trabalhadores a manter um ritmo acelerado de trabalho. No caso das triadoras, a remuneração
normalmente é vinculada à quantidade produzida e as retiradas são feitas semanalmente ou
mensalmente, conforme critério de cada empreendimento. Algumas associações adotam o
sistema de metas, definindo uma cota mínima de triagem por dia. Na ASCAMP, por exemplo,
a meta de triagem de cada triadora são 12 bags por dia e a remuneração é divida em parcelas
iguais a todos os associados que atingem a meta mínima. A produção que excede a meta,
entretanto, tem um valor menor que o considerado dentro da meta. Essa regra tem o objetivo
de garantir um certo nivelamento na remuneração do grupo, evitando diferenças muito
grandes entre um associado e outro.
A remuneração por produção como estratégia ao aumento da produtividade encontra limites
relacionados ao esforço dispensado pelo trabalhador na realização da atividade, sobretudo no
que diz respeito a fatores externos ligados a qualidade do material que chega aos galpões de
catadores.
Quanto maior o nível de mistura dos materiais, como é o caso da coleta seletiva domiciliar,
maior é a quantidade de movimentos exigidos e portanto o esforço para separação dos
materiais. O trabalho se torna ainda menos produtivo quanto maior é a quantidade de rejeito
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presente e o nível de compactação utilizado na coleta dos materiais. O nível de rejeito dos
materiais oriundos da coleta domiciliar chega a 40%, enquanto os materiais de grandes
doadores é de 5%.
Em algumas associações onde a remuneração é feita conforme a produção individual, muitos
conflitos eram provocados pelo fato de que algumas triadoras trabalhavam apenas com
materiais provenientes da coleta domiciliar, enquanto outras trabalhavam com materiais de
grandes geradores. Isso fazia com que o esforço e consequentemente a remuneração entre
umas e outras fossem diferentes. Em função disso, a associação criou um sistema de rodízio
mensal, alternando as triadoras entre a triagem dos materiais da coleta domiciliar e de grandes
geradores. Estes conflitos, antes de serem pessoais, se explicam por diferenças entre os
materiais que já foram reconhecidas pelos triadoras na execução do trabalho.
Se, por um lado, a remuneração de acordo com a produção pode ser considerada “justa”, pelo
fato de cada um receber de acordo com o tempo e esforço dedicado, a análise desses conflitos
mostra, por outro, que as condições de produção das triadoras não são as mesmas, embora os
critérios de remuneração sejam iguais. Usam-se dois pesos e duas medidas.
Considerando os limites apontados, mesmo a partir das contribuições do taylorismo, a
mecanização da triagem poderia funcionar com alternativa possível ao aumento da
produtividade da triagem.
2. Mecanização
A teoria da ação morphicity, descrita por Collins e Kusch (1998. Apud, Ribeiro e Collins
2007) apresenta a classificação de ações polimórficas e mimeomórficas que nos ajudam a
compreender as possibilidades de mecanização do processo produtivo, realizado pelos
catadores. Collins e Kusch (apud Ribeiro e Collins, 2007) estabelecem uma distinção entre a
parte intencional e a comportamental das ações humanas. A ação é definida por eles como o
comportamento (movimento físico humano) mais a intenção. Eles dividem a ações humanas
em dois tipos: polimórficas e mimeomórficas. De acordo com estes autores, a ação
polimórfica geralmente é executada com muitos comportamentos diferentes, que dependem
das circunstâncias sociais. O sucesso na execução desse tipo de ação depende do
conhecimento tácito necessário para viver numa sociedade e requer que o comportamento se
ajuste às mudanças das circunstâncias sociais. Como as máquinas não são capazes de entender
o contexto da vida social, seria impossível mecanizar esse tipo de ação. A ação mimeomórfica
normalmente é realizada com o mesmo comportamento em todas as ocasiões. Pequenas
variações podem ser aceitas dentro de uma determinada área de tolerância. A execução desse
tipo de ação não muda de acordo com o contexto social e por isso, a princípio, a ação
mimeomórfica pode ser mimicada por máquinas.
A triagem dos materiais é realizada de acordo com os critérios de classificação adotados em
cada empreendimento. Estes critérios - tipo de material, cor etc - são definidos conforme
exigências do mercado, preço dos produtos, infra-estrutura disponível nas associações
(espaço, pessoal etc). Algumas associações criam padrões visuais de separação com o
objetivo de orientar os triadores, sobretudo os novatos, a executar o trabalho. O processo de
separação dos materiais requer muitas vezes habilidades somáticas ou conhecimentos ainda
não explicitados para reconhecer diferenças entre os diversos tipos de materiais, que muitas
vezes são identificados pela textura, cheiro, barulho, etc. Esta atividade independe do
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contexto social e trata-se, portanto de um tipo de ação mimeomórfica, passível de
mecanização. Entretanto, no presente estágio de desenvolvimento tecnológico e considerandose as restrições econômicas presentes, não foram ainda desenvolvidas tecnologias capazes de
realizar esse tipo de trabalho.
A presença de mão de obra barata em países como Brasil, sobretudo quando se trata de
trabalhadores com baixa qualificação profissional, como é o caso dos triadores, é o que torna
economicamente viável a reciclagem a partir da triagem artesanal. Em países desenvolvidos,
onde o custo da mão de obra é mais alto, alguns materiais como por exemplo os metais, já são
separados através de processos magnéticos. Para outros materiais, o processo de incineração
dos resíduos muitas vezes é preferido em detrimento da reciclagem.
Assim, não sendo possível atualmente um processo de mecanização, como no caso da coleta
com caminhão ou na manipulação do material já triado (prensagem, movimentação, carga), a
alternativa é desenvolver o máximo possível de dispositivos auxiliares para facilitar os gestos
dos triadores (Lima e Oliveira, 2008). Neste caso, além da perspectiva taylorista já descrita, a
solução parcial do problema pode ser encontrada a partir da economia de tempo de trabalho,
que poderia ser transferida dos geradores para os triadores.
3. A dádiva
A crítica ao economicismo e à racionalidade econômica, em especial dos agentes econômicos
que racionalmente otimizam recursos e sempre agem buscando seus próprios interesses, levou
ao reconhecimento de outras relações econômicas, ou mais propriamente sociais, que não se
reduzem ao comportamento do homem econômico racional. Relações de confiança, parcerias
mesmo entre empresas concorrentes, e, de modo geral, relações de troca que não se medem
por valores monetários, comumente associadas épocas pré-capitalistas, às sociedades
tradicionais, não regidas por relações econômicas racionais. A economia da dádiva readquiriu
força neste fim de século em parte devido ao crescimento da economia solidária, que desperta
interesse enquanto fenômeno empírico e enquanto modelo de organização social, sustentada
em princípios e relações de intercâmbio que subsumem o econômico ao humano-social. As
trocas entre os homens já não se regeriam mais pelas medidas e valores econômicos, mas por
medidas e valores sociais, como a dádiva, cuja dinâmica não obedecem normas de
equivalência econômica. Como mostra Mauss, em seu Essai sur le don, os presentes trocados
servem de suporte para estabelecimento de relações pessoais, ao mesmo tempo
desinteressadas e obrigatórias, pois o dom implica o contra-dom, devolver ou prestar serviço a
quem lhe presenteou. Diferentemente das vendas mercantis, na economia da dádiva, as coisas
não se separam de quem as trocam. Elas se movimentam, mesmo quando se trata do mesmo
objeto, apenas porque tecem uma rede de vínculos e obrigações sociais.
Os empreendimentos da economia solidária seriam o locus social ideal para desenvolver
relações de troca não econômicas, devido ao espírito de solidariedade que as anima. A partir
da natureza do processo de triagem, uma atividade essencialmente manual, que impede a
mecanização por razões técnicas ou econômicas, mostraremos como as relações solidárias se
mesclam à economia ou se a ela se contrapõem.
Dadas as restrições inerentes ao processo de trabalho manual para aumento da produtividade,
uma das ações mais importante devem ser direcionadas ao sistema de coleta seletiva. Além de
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equipamentos adequados, como caminhões gaiola ou baú, o envolvimento da população é
condição indispensável para aumentar a produtividade da triagem. Além dos materiais que são
entregues aos catadores, os moradores, ao “se darem o trabalho” de separar matérias para
coleta seletiva, instituem relações de dádiva. Como em sociedades tradicionais ou précapitalistas, os objetos que se movem, no caso o lixo, não se trocam pelo valor econômico (a
rigor este não existe para o consumidor que o descarta). Para fazer com que os materiais
recicláveis cheguem às mãos dos catadores, é necessário se doar, na medida em que parte do
tempo social é transferida, na forma de dádiva, da população aos trabalhadores. A separação
domiciliar requer certo cuidado e um pouco de tempo, que se transformam em valor quando
contribuem para aumentar a eficiência na triagem dos materiais nas ACs. No entanto, como
todo intercâmbio social, a dádiva implica reciprocidade. O que esperam os munícipes dos
catadores? É sempre perturbador quando os catadores recolhem apenas os materiais de maior
valor mercantil, como se quebrassem a relação implícita de levar desinteressadamente todo o
“presente”. Aos olhos da população, além do lixo que suja e enfeia as ruas, os catadores não
se dedicam de fato à preservação ambiental.
Uma característica da relação de serviços é a co-construção entre usuário e trabalhador do
resultado esperado. Neste caso, cada gesto dos munícipes que possa facilitar a triagem
(separação de vidros, retirar rótulos, não recolocar tampas em garrafas, lavar embalagens de
laticínios etc.) representa valor agregado ao trabalho dos catadores devido ao aumento da
eficiência no gargalo. Não é possível transferir toda a experiência e conhecimento da triagem
para os cidadãos comuns, mas pode-se ampliar sua cidadania no que for possível, por meio de
uns poucos gestos, de dádivas de tempo e cuidado, que, somados, fazem diferença no
momento da triagem. Neste aspecto, os catadores são também portadores de uma larga
experiência em mobilização social e criação de vínculos sociais com a população (ver Lima e
Oliveira, 2008), os quais, direcionados aos gestos que melhoram a eficiência na triagem,
podem gerar valor ao se transformarem em dádivas de tempo e cuidado com os outros. O
vínculo social torna-se, de imediato, uma fonte de riqueza econômica.
Evidenciou-se, por exemplo, que a qualidade da separação feita pela população que participa
da coleta seletiva é determinante da eficiência da triagem, assim como o sistema de
transporte, por caminhão gaiola ou compactador. Este último, aliás, tem um efeito
desmobilizador, pois a população o associa com o caminhão da coleta convencional, perdendo
motivação para fazer uma separação mais cuidadosa, pois acreditam que “o material é
misturado depois no caminhão”.
Considerações finais:
As organizações de catadores participam de um contexto amplo e complexo, no qual diversos
aspectos de natureza técnica, econômica, política e social estão entrelaçados e influenciam
uns aos outros. A sustentabilidade do atual modelo de reciclagem no Brasil se deve em
grande parte ao estado de pobreza de grande parte da população que apesar da importância do
seu trabalho, se submete a condições muitas vezes precárias de trabalho e buscam a partir dos
meios disponíveis produzir sua dignidade e a eficiência no trabalho.
A análise da eficiência do processo global da reciclagem não pode prescindir da avaliação de
cada etapa da cadeia, considerando os limites e possibilidades da criação de novas
alternativas baseadas em inovações técnicas e especialmente de mobilização e ao apelo social.
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Referências Bibliográficas:
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MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri, Essai sur lê don. Forme t raison de l`échange dans lês
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