ID: 57648803
26-01-2015
Tiragem: 8000
Pág: 29
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 21,16 x 29,23 cm²
Âmbito: Regional
Corte: 1 de 1
Opinião
SAÚDE LIGADA À MÁQUINA
OPINIÃO | FELISBELA LOPES*
T
odos nós sentimos alguma revolta
face àquilo que se passa nas Urgências Hospitalares. Num país
que se quer desenvolvido, não se morre
à porta de um hospital, porque não se foi
atendido a tempo por um médico; também não se esperam horas intermináveis
por uma consulta, quando estamos doente.
Em Portugal, tudo isto é possível... e muito
revoltante.
Não acredito que o responsável pela pasta
da Saúde não sinta um grande incómodo
perante o caos que se vive por estes dias
nos hospitais portugueses. Paulo Macedo é
um ministro competente que tem feito um
bom trabalho à frente de um Ministério gigante e atacado em permanência por inúmeros lobbies. Também será improvável
que médicos e enfermeiros não se sintam
incomodados por este ambiente descontrolado que pesa sobre o seu trabalho diário.
Ora, se tal se passa, por que não se resolve
isso? A resposta não será difícil de encontrar. Estamos perante um problema sistémico, que se arrasta há muito tempo e que se
torna mais grave quando há um surto, como
este da gripe sazonal. Por isso, não é resolúvel com medidas pontuais.
Analisemos, por exemplo, duas medidas
que foram propostas nos últimos tempos: a
transferência de algumas competências para os enfermeiros e a alteração do sistema
de triagem. Como escrevi anteontem no JN,
nada disto é exequível.
Ao permitir que os enfermeiros possam
pedir exames complementares de diagnóstico na triagem das urgências, o Ministério
da Saúde resolve um problema e cria dois:
diminui os tempos de espera, mas cria um
clima de incompatibilidades entre médicos
e enfermeiros que dificilmente concordarão
com o diagnóstico feito e, ao mesmo tempo, provoca uma grande confusão na gestão
dos exames solicitados. Será que o autor
desta medida sabe quanto tempo demora,
numa qualquer urgência hospital, fazer um
simples exame ao sangue e será que se lem-
“Analisemos, por exemplo,
duas medidas que foram
propostas nos últimos tempos:
a transferência de algumas
competências para os
enfermeiros e a alteração
do sistema de triagem.”
brou que para certos exames o paciente é
obrigado a deslocar-se a outras alas do edifício que o acolhe, fazendo frequentemente
isso com acentuada dor física? É que o gargalo não está apenas na triagem, existe também à porta dos meios de diagnóstico, pelo
que mudar a fila de lugar nada resolve.
Outra das putativas medidas avançadas
foi a de repetir a triagem quando a espera
“Tudo isto seria anedótico,
se não se tratasse de vidas
de pessoas, muitas delas sem
qualquer poder para se
indignarem ou procurarem
alternativas junto do sector
privado.”
for longa. Isto significa que há consciência
de que o tempo é uma variável crítica para
o agravamento do estado clínico do doente.
Poder-se-ia aqui apontar os custos que essa
evolução da doença implica para o Sistema
Nacional de Saúde, mas tal exigiria pensar
o problema numa perspetiva sistémica, algo
que inexiste em Portugal. Acresce que fazer
uma segunda triagem implica ver novamente um doente que já foi visto anteriormente, ou seja, repetir o trabalho feito. Tudo isto seria anedótico, se não se tratasse de
vidas de pessoas, muitas delas sem qualquer poder para se indignarem ou procurarem alternativas junto do sector privado.
Também por estes dias, o líder do PS veio
propor a isenção de taxas moderadoras nos
Centro de Saúde para os casos mais graves
a fim de tirar alguma pressão dos Hospitais.
O ministro rejeitou a proposta, dizendo que
o perfil dos utentes não era coincidente. Até
certo ponto, tem razão. No entanto, não foi
com base nesta premissa que o Ministério
da Saúde alargou o horário de funcionamento dos Centros de Saúde. Todavia, em
Portugal poder e oposição devem estar em
lados opostos da barricada, sendo o consenso muito difícil. Nada de novo aqui, mas isso não deve ser motivo de orgulho. Pelo
contrário.
Não se espera para os próximos dias uma
melhoria disto. O tempo frio vai continuar e
o surto de gripe ainda não abrandou. Como
nunca houve uma reforma de fundo (neste
governo e nos anteriores), o problema subsiste. Este ano e nos próximos. Poderia não
ser grave, se não estivéssemos a falar da vida de cada um.
* Docente do departamento de Ciências
da Comunicação da Universidade do Minho
(Este texto foi escrito ao abrigo
do novo Acordo Ortográfico)
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