JORGE, Miguel. A goleada da China. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 setembro 2005. Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/. Acesso em: 26 setembro 2005. JEL: F00 A derrota das exportações brasileiras para produtos chineses em quatro entre cinco mercados analisados pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), com perdas calculadas em quase US$ 900 milhões, nos impõe uma visão mais pragmática das relações bilaterais e multilaterais com a China. Fabricantes chineses de produtos tecnológicos - caso da TCL, gigante chinesa com US$ 5 bilhões de faturamento, no ano passado - estudam instalar fábricas no Brasil para produzir tevês, computadores, celulares, geladeiras etc. O déficit brasileiro no ramo têxtil em 2004, de US$ 219 milhões, já é de US$ 173 milhões de janeiro a julho deste ano, e as exportadoras mudam de estratégia para enfrentar a ''invasão chinesa'', pois os prejuízos são grandes em vários segmentos. Ao anunciar que, até o fim do mês, o regime de salvaguardas contra produtos têxteis e calçados chineses será regulamentado, e que o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, viajará a Pequim, o governo Lula tenta ''reajustar'' a relação Brasil-China. Não será fácil: à margem do quadro formal da visita, o que se avaliará são os motivos de nossas queixas - no mundo do comércio exterior, a China não diz, mas demonstra que, comparada a boa vontade entre os povos, pesam mais a conjuntura internacional, as relações de oferta e demanda, preços dos produtos etc. Se é assim, esses fatores terão que ser vistos com mais pragmatismo por nosso governo, que precisa colocá-los de uma vez fora do contexto da aliança incondicional que tem permeado seus discursos - valor que, aliás, não sensibiliza os chineses. A excepcional perfomance econômica da China repercute nos países desenvolvidos e em desenvolvimento - convergência no comércio, globalização econômica e outras expressões são palavras sempre usadas na teoria econômica, mas a visão de Pequim é que cada país precisa fazer sua lição de casa. Em recentes declarações, o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, se disse ''decepcionado'' em relação aos compromissos comerciais que a China teria assumido em troca do erro de estratégia? - reconhecimento do país como economia de mercado, em novembro passado. Portanto, nosso êxito no esforço de reaproximação com a China dependerá de nossa capacidade para deter as importações chinesas, por meio de cotas ou tarifas, sem deixar de atraí-la para uma parceria sólida num mundo de feroz competição. Outro aspecto relevante é que a China, ao contrário do Brasil, não depende nem se queixa da falta de investimentos estrangeiros em sua economia, o que não impede os investidores de se dirigirem para lá, embora Pequim manifeste que falta de dinheiro não inviabiliza o crescimento - o que o impede são poucos recursos em educação. Na política externa, os chineses têm o mesmo pragmatismo, como o apoio dado, e depois negado, à pretensão brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), ao lado dos Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido. Nas exportações, a mesma conduta: transferir empregos de países ricos e pobres para a China lhes parece algo tão racional - nada mais que uma vantagem comparativa - que não merece muitas análises e discussões. Pelo estudo da Cepal - ''Comércio externo da China e efeitos sobre as exportações brasileiras'' -, entre 1996-1997 e 2001-2002, os chineses ganharam de nossos exportadores nos Estados Unidos, na União Européia e na Ásia Pacífico (Coréia do Sul, Hong Kong, Malásia etc). Nos cinco mercados analisados, só com a Argentina tivemos um saldo comercial positivo - US$ 11,7 milhões o que, certamente, explica os impasses entre os dois maiores sócios do Mercosul, solidários apenas na posição contrária à ''invasão de produtos chineses''. A sociedade brasileira e os exportadores, sobretudo os que apóiam as iniciativas do governo e têm compromissos com a modernização, e que tentam vencer as resistências e as barreiras impostas pelos países ricos às suas exportações, precisam tomar conhecimento dessa violação das regras do livre comércio.