1 PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ - 5ª VARA SENTENÇA Nº _________/99 AÇÃO CRIMINAL - CLASSE 07000 PROCESSO Nº: 98.21262-0 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORA DA REPÚBLICA: NILCE CUNHA RODRIGUES RÉUS: SILVANIA CLEIDE BARROS VASCONCELOS ADVOGADO: LINCOLN SOARES JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO: JOÃO LUIS NOGUEIRA MATIAS Vistos, etc. I - RELATÓRIO 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio da Procuradora da República que funciona junto a este Juízo, ofereceu DENÚNCIA contra SILVANIA CLEIDE BARROS VASCONCELOS e ASAF DAFAN, qualificados às folhas 04 dos autos, pelos crimes tipificados nos arts.231, parágrafo terceiro, combinado com o art.288 Código Penal Brasileiro. 2. Consta da peça acusatória, e da documentação anexa, que a acusada SILVANIA CLEIDE BARROS VASCONCELOS, segundo noticiou à Superintendência Regional da Polícia Federal a Sra. L.S.C., mãe de uma das vítimas, abordava moças a fim de trabalharem em Paris/França, como garçonetes no restaurante de ASAF DAFAN. De Paris as moças seguiam para Tel-Aviv/Israel, onde eram obrigadas a se prostituir. 3. Em 27 de outubro de 1998, a denunciada foi presa em flagrante por agentes da Polícia Federal, em posse de documentos que revelavam a prática de tráfico de mulheres para o exterior ( Auto de Prisão em Flagrante às folhas 12/15). 1 2 4. O feito foi desmembrado, seguindo o presente apenas em relação à ré Silvania Cleide Barros Vasconcelos, conforme despacho de folhas 64 dos autos, com a finalidade de dar maior celeridade ao feito, posto que o acusado ASAF DAFAN reside em Telaviv\Israel. 5. A exordial acusatória (folhas 03/09) veio instruída com rol de testemunhas (folha 10) e Inquérito Policial nº 613/98-DPF/SR-CE. 6. A DENÚNCIA foi recebida em 23 de novembro de 1998, na forma do despacho de folhas 66. 7. O interrogatório da ré consta às folhas 71/73. 8. A acusada apresentou Defesa Prévia às folhas 74/79, apresentando, preliminarmente, pedido de relaxamento de prisão, reservando-se para as alegações finais. 9. O Ministério Público Federal ofereceu parecer, às fls. 81/85, pronunciando-se desfavorável ao relaxamento da prisão. 10. Durante a fase instrutória, foram oitivadas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público na exordial, M.S.C., T.S.L., I.K.L.S., L.S.C., Cleide Alves Ferraz, folhas 99/101, 102/103, 104/105, 106/107, 108/110, respectivamente, e A.P.L.C., folhas 135/136. 11. As testemunhas de defesa, Maria da Conceição da Silva Vieira, Maria Liduína dos Anjos, foram ouvidas às folhas 137 e 138, respectivamente. 12. Nenhuma diligência foi requerida com base no disposto do art. 499 do Código de Processo Penal (folhas 134). 13. Sobrevieram as Alegações Finais. 14.O Órgão Acusador requereu a CONDENAÇÃO da RÉ, considerando comprovado o enquadramento de sua conduta ao delitos previstos nos artigos 231, parágrafo terceiro e 288 do Código de Processo Penal. 15. A Defesa de SILVANIA CLEIDE BARROS VASCONCELOS, folhas 202/208 dos autos, requer em alegações finais, preliminarmente, a soltura imediata da ré face à ilegalidade de sua prisão. O mérito, requer a absolvição, pela inadequação do tipo penal às condutas da Acusada e pela inexistência de prova hábil a albergar um provimento condenatório. 16. É o relatório. 2 3 Passo ao julgamento. II - FUNDAMENTAÇÃO 17. Á denunciada SILVÂNIA CLEIDE BARROS VASCONCELOS é imputada a conduta delituosa descrita nos artigos 231 e 288, do Código Penal Pátrio : “ Art. 231 - Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha a exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro. Pena – reclusão, de quatro a dez anos. Parágrafo 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes : Pena - reclusão de um a três anos. ” 18. Urge averiguar se a conduta da ré enquadra-se nas molduras acima descritas. 19. Ab initio, afasto as considerações da defesa da ré no que se refere à necessidade de sua imediata soltura, em face do constrangimento ilegal a que está submetida. 20. Na verdade, o excesso de prazo na instrução da presente lide não pode ser reputado a este juízo ou ao órgão acusador, conforme já foi exaustivamente demonstrado no indeferimento do pedido de relaxamento de prisão, bem como, no despacho denegatório do pedido de liminar em Habeas Corpus, interposto perante o E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 21. Passo ao mérito. 22. Apesar de admitir a prática das condutas narradas na peça de acusação durante a fase de investigação policial ( folhas 14\15 e 59\60 dos autos ), em seu interrogatório judicial ( folhas 71\73 dos autos ) a ré recusa o cometimento das mesmas, declarando textualmente: “ que a autoridade policial fez com que a depoente assinasse alguns papéis, que a depoente leu sem entender o seu conteúdo e manifestou que não assinaria tais papéis, pois não entendia nada ”. 3 4 23. A prova dos autos, entretanto, não corrobora a tese de inocência da acusada. Observe-se o depoimentos que se seguem, proferidos por uma das garotas que viajaram para Israel: “ que a depoente conheceu a acusada SILVÂNIA VASCONCELOS na praia do Náutico onde ficam localizadas as Boites Africa`s e Atenas; que segundo a depoente SILVÂNIA em conversa com a depoente nessas Boites já mencionadas fez referência a possibilidade da depoente também viajar para o exterior, pois é do conhecimento de algumas garotas que freqüentam estas casas noturnas que muitas viajam para o exterior principalmente a Espanha, que a depoente recebeu um convite de SILVÂNIA para viajar para a França, que lá seu marido de nome ASAF tinha um restaurante e a mesma iria trabalhar como garçonete; que a depoente esclarece que SILVÂNIA comentou que dinheiro não seria problema que ela iria providenciar a sua passagem, a depoente porém disse que sozinha não iria viajar, nesta oportunidade SILVÂNIA lhe esclareceu que outra garota também iria viajar juntamente com ela, de nome C.; que segundo a depoente, SILVÂNIA pegou seu passaporte e com uma semana ficou de lhe entregar as passagens aéreas; que a acusada SILVÂNIA providenciou o seu embarque inclusive despachando a bagagem, depois a depoente recebeu o bilhete de passagem e embarcou no vôo internacional; que ao chegar em Paris foram abordadas por um homem grande de nome SHUKY e que o mesmo já conhecia a depoente e C. pois SILVÂNIA havia feito a descrição de suas vestes, segundo informações passadas por SHUKY, posteriormente foi que SHUKY entrou em contato com ASAF...; que a depoente juntamente com C. e seus condutores retornaram ao aeroporto de Paris e seguiram para onde seria o chamado local de trabalho; (...) que a depoente foi levada a um local onde se encontravam muitas garotas do Rio de Janeiro e que o local era formado por vários apartamentos tipo alojamento onde elas moravam, tendo embaixo uma grande sala de encontros e, do outro lado, os quartos onde aconteciam os encontros amorosos; que a depoente não ficou nesse local para trabalhar, mas foi conduzida para um outro local onde ficava a área de Hotéis pois eles entenderam que a depoente era mais bem afeiçoada que as outras; que segundo a depoente, ao chegar nesse novo local foi apresentada a uma senhora gorda que era a proprietária e que a depoente não sabe dizer o nome e que através de uma tradutora lhe foi repassada a informação de que ela iria trabalhar já naquela noite, que lhe foi repassada uma roupa bastante curta e que lhe seria dado um salário de 1500 dólares por mês, e que as gratificações ficariam por conta dos homens que quisessem lhe agradar; que segundo a depoente, o seu passaporte e a sua passagem 4 5 foram entregues a essa mulher por SHUKY, o que lhe sujeitava a aceitar essas condições de trabalho sem as quais não retornaria ao Brasil (...). ” ( depoimento de M.S.C., fls 99/101 ) depoimentos que se seguem: 24. A conduta criminosa de SILVÂNIA ainda é confirmada pelos “ que a depoente conhece SILVÂNIA VASCONCELOS da casa de sua sobrinha; que segundo a depoente sua sobrinha conheceu SILVÂNIA na Beira-Mar e que a mesma a convidou para trabalhar como garçonete em um restaurante na França com um ganho aproximado de 1500 ( hum mil e quinhentos dólares ), que posteriormente veio a conhecer SILVÂNIA; que foi SILVÂNIA quem providenciou a passagem aérea e a anotação no passaporte para a viagem à França, porém a depoente ou sua sobrinha não viram o bilhete da companhia aérea, apenas o cartão de embarque no dia da viagem; ( ... ) que segundo a depoente quando do embarque de sua sobrinha juntamente com a jovem de nome M., a mesma foi advertida de que ao chegar na França duas pessoas estariam lhe esperando sendo que uma das pessoas seria o suposto marido de SILVÂNIA, ao chegar na França foram recebidas por essas pessoas e delas foi solicitado os documentos, que posteriormente lhes foi comunicado que iriam para Israel e que não permaneceriam na França, tal comunicação foi feita já no Hotel; (...); que segundo a depoente depois do Hotel retornaram para o aeroporto para seguir viagem para Israel, nessa oportunidade sua sobrinha pediu permissão para ir ao banheiro, e lá conseguiu escapar de seus condutores tendo posteriormente entrado em contato com o seu namorado e este orientou que a mesma fosse para a Espanha; que depois desse fato a SILVÂNIA entrou em contato com a depoente e sua irmã, mãe de I., e que a mesma estava indignada reclamando do procedimento de C., pois havia realizado uma despesa de aproximadamente 4000 mil reais e que se C. retornasse ao Brasil seria uma pessoa morta, que de imediato a depoente reagiu. (...); que o tom em que SILVÂNIA se dirigiu a depoente foi de ameaça pois entende a depoente que SILVÂNIA devia estar sendo pressionada pela fuga de C. (...).” ( depoimento de T.S.L., folhas 102\103 dos autos, tia de I.C. ) “ que sua filha M. não tinha recursos próprios para comprar passagem aérea, o que foi providenciado por SILVÂNIA, sob o argumento de que a mesma pagaria pela passagem quando começasse a trabalhar; que segundo a depoente sua filha ao 5 6 chegar em Israel fez contato por telefone esclarecendo que não estava na França e sim em Israel, que o seu trabalho não era de garçonete, e que foi obrigada a se prostituir pois as pessoas que a conduziram a Israel ficaram com o seu passaporte e demais documentos, e que sua filha era obrigada a fazer entre oito a dez programas por dia, recebendo dinheiro apenas por mês, ficando o dinheiro dos programas que fazia com os cafetões; que segundo a depoente foi SILVÂNIA VASCONCELOS que intermediou a ida de sua filha para Israel (...). ” ( depoimento de L.S.C., folhas 106\107 dos autos, mãe de M. DO CARMO ) “ que segundo a depoente a mesma foi contactada pela acusada SILVÂNIA VASCONCELOS para trabalhar como segurança em um restaurante na França; que a depoente não aceitou o convite; que segundo a depoente M.S.C. viajou para o exterior pelo intermédio da acusada SILVÂNIA VASCONCELOS, tendo inclusive a mesma providenciado a passagem aérea; que depois do embarque de M. para o exterior a depoente veio a saber por contato telefônico que M. não se encontrava na França e sim em Israel e lá estava trabalhando em uma Boite, uma casa noturna, mantida constantemente sob vigilância, obrigada a fazer programas de prostituição, que lá também veio a descobrir que o Sr. ASAF DAFAN não era marido de SILVÂNIA VASCONCELOS, e sim segurança de tal casa noturna, na condição de apenas namorado da mesma. ( ... ).” ( depoimento de C.A.F., folhas 108\110 dos autos ) 25. Consta dos autos como prova documental do delito, às folhas 19, o passaporte de A.P.L.C. e da própria acusada, apreendido na casa da ré. Às folhas 114\118 dos autos constam os bilhetes aéreos referentes à viagem empreendida por M. DO CARMO, nos trechos Fortaleza\Rio de Janeiro\Paris\Telaviv\Madrid\Rio de Janeiro\Fortaleza. manifestou : 26. A testemunha A.P. , em seu depoimento judicial, assim se “ que a acusada abordou a depoente, C. e M., a fim de trabalhar em restaurante, de propriedade de seu esposo, sediado em Paris; que inicialmente apenas C. e M. forneceram seus passaportes para a acusada; que posteriormente a depoente entregou seu passaporte para a acusada; que a viagem da depoente para Paris não se concretizou em face de que M. telefonara para CLEIDE relatando que, na verdade, encontrava-se em Telaviv e não em Paris, trabalhando como prostituta; (...); que tentou reaver seu passaporte que estava 6 7 em poder da acusada, entretanto, somente a reencontrou na Polícia Federal... ” ( folhas 135\136 dos autos ) 27. Durante o seu depoimento na fase de investigação policial, constante dos autos às folhas 30 e 31, posteriormente confirmado perante este juízo, A.P. declarou que: “ que as despesas com as passagens seriam patrocinadas por SILVÂNIA; que quinze dias após o contato com SILVÂNIA a declarante presenciou quando a mesma compareceu até a residência de M. pedindo para essa preparar a bagagem pois já tinha a passagem em mãos; que foi a própria SILVÂNIA que conduziu M. até o aeroporto para embarcar a mesma para a França; (...); que SILVÂNIA falou para a declarante que iria embarcar primeiramente M. e que a passagem da declarante demoraria alguns dias, pois só poderia viajar uma de cada vez; que a declarante entregou seu passaporte para SILVÂNIA, o qual se encontra na posse da mesma até os dias de hoje; ” 28. As testemunhas de defesa, oitivadas às folhas 137 e 138 dos autos, foram testemunhas de mera abonação. 29. Ressai da prova dos autos, portanto, que a acusada promoveu ou facilitou a entrada em território estrangeiro de M. DO CARMO e de I.C., com a finalidade de que as mesmas exercessem a atividade de prostituição, tendo providenciado o atendimento de todos os requisitos necessários para a viagem, inclusive o próprio embarque, bem como, custeado o valor das passagens. 30. A circunstância do eventual conhecimento do destino final e objetivo da viagem por M. e I.C., o que parece evidenciado nos autos, não exclui a ocorrência do delito, já que SILVÂNIA atuou no sentido de promover ou facilitar a viagem das mesmas para o exterior com o objetivo de exercício da atividade de prostituição. 31. Penso que, ante a consistência e coerência da prova testemunhal somada as evidências da prova material, resta comprovado o cometimento da conduta descrita no artigo 231 do Código Penal Pátrio. 32. Reputo inexistente o crime de quadrilha ou bando, tipificado no artigo 288, do Código Penal Pátrio, já que inexiste nos autos a comprovação efetiva da 7 8 reunião ou associação de pelo menos quatro pessoas para a prática organizada de condutas delituosas. Observe-se o seguinte acórdão, que detalha a caracterização do aludido delito: “ I – Quadrilha: requisitos de fundamentação da sentença condenatória. 1. O crime de quadrilha se consuma, em relação aos fundadores, no momento em que aperfeiçoada a convergência de vontades entre mais de três pessoas, e, quanto àqueles que venham posteriormente a integra-se ao bando já formado, no momento da adesão de cada qual; crime formal, nem depende, a formação consumada de quadrilha, da realização ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas, nem, consequentemente, a imputação do crime coletivo a cada um dos partícipes da organização reclama que se possa atribuir participação concreta na comissão de algum dos crimes-fim da associação. 2. Segue-se que à fundamentação da sentença condenatória por quadrilha bastará, a rigor, a afirmação motivada de o denunciado se ter associado à organização formada por mais de três elementos e destinada à prática ulterior de crimes; não é necessário que se demonstre a sua cooperação na prática dos delitos a que se destine a associação, aos quais se refira a denúncia, a título de evidências da sua formação anteriormente consumada. II – Quadrilha armada: caracterização, Incide a causa especial de duplicação da pena, quando a própria inteireza lógica da imputação formulada na denúncia e acolhida na sentença reclama a circunstância de a associação dispor de armamentos, na medida mesma em que uma de suas atividades-fim seria a eliminação física de intrusos não desejados na exploração cartelizada da contravenção, a que se dedicavam os seus integrantes. ” ( STF, 1ª Turma, relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 29.04.94, página 9731 ) III - DISPOSITIVO 33. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA e, por conseqüência, condeno a ré SILVÂNIA CLEIDE BARROS VASCONCELOS, como incursa nas sanções do artigo 231, do Código Penal Brasileiro. Resta a acusada absolvida da acusação do cometimento do delito de formação de quadrilha ou bando ( artigo 288 do CP). 34. Considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, como a pequena culpabilidade, bons antecedentes, conduta social razoável, personalidade sem meios de aferição, motivos direcionados à obtenção de lucro, aplico-lhe pena de 4( quatro ) anos de reclusão, cumulada com 30 dias multa ( cada dia equivalente a um trigésimo do salário mínimo ), a qual, pela inocorrência de circunstâncias agravantes ou 8 9 atenuantes, não havendo, também, causas especiais de aumento ou de diminuição, torna-se definitiva. O regime inicial de cumprimento de pena é semi aberto. 35. Transitada em julgado esta decisão, lance-se o nome da ré no rol dos culpados. 36. Custas na forma da lei. 37. P.R.I. Fortaleza, 21 de maio de 1996 JOÃO LUIS NOGUEIRA MATIAS Juiz Federal Substituto da 5ª Vara 9