PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1° GRAU SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VARGINHA/MG SENTENÇA TIPO "A" Processo: 1211-76.2010.4.01.3809/Vara Única Classe: 1900 - Ação Ordinária/Outras Autora: Márcia Valéria de Campos Nery Brito Ré: União Federal 1. Márcia Valéria de Campos Nery Brito ajuizou a presente ação em desfavor da União Federal, com o escopo de obter indenização a título de danos morais, em face de alegado abuso de direito concernente na instauração de inquérito policial para averiguação de falsidade ideológica cometida pela Autora, ao apresentar atestado médico para obtenção de licença para tratamento de saúde. 2. Alegou a Autora ser escrivã da Polícia Federal, lotada na Delegacia de Varginha e que, no dia 22/08/2005, em virtude de fortes dores na coluna, a Autora procurou atendimento médico junto ao Dr. Renato Machado Massote, recebendo o diagnóstico de osteoartrose e dor articular. Em decorrência da patologia, foi fornecido um atestado médico, afastando a Autora de suas atividades pelo período de 30 (trinta) dias. 3. Aduziu que, em 01/09/2005, foi surpreendida pela convocação para comparecer à delegacia, com o desígnio de ser submetida a exame realizado por junta médica da própria polícia federal, tendo se submetido ao referido exame. 4. Posteriormente, em 18/10/2005, a Junta Médica Pericial concluiu pela não homologação do atestado médico apresentado pela Autora, sob o argumento de que os exames realizados a pedido da Junta Médica Pericial não confirmaram o diagnóstico do médico da Autora. 5. Consequentemente, asseverou a Autora que o Delegado da Polícia Federal, Sebastião Augusto Camargo Pujol, decidiu instaurar Inquérito Policial, visando apurar suposta prática do delito de falsidade ideológica ante a inserção de informação supostamente falsa no atestado médico apresentado pela Autora. Tal inquérito, conforme explanou a Autora, foi arquivado a pedido do Ministério Público Federal. 6. Concluiu que, em função da instauração de Inquérito Policial, foi exposta a todo tipo de constrangimento e humilhação, visto que, além da publicidade, convocou a maioria de seus colegas a prestarem depoimento, razão pela qual pleiteia a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais). PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1°GRAU SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VARGINHA/MG 7. Instruiu a inicial com os documentos de fls. 13/257. Custas recolhidas à fl. 261. 8. Citada, a União apresentou contestação às fls. 268/274. Acometeu a tese da Autora, alegando que os fatos aduzidos por ela não se coadunam com a realidade. Disse que a Autora, em 16/08/2005, requererá à chefia imediata compensação de trabalho extraordinário em um momento que a DPF de Varginha padecia de sensíveis dificuldades operacionais, decorrentes de excesso de serviço e carência de servidores. 9. Elucidou que, em virtude de tais dificuldades, atrelado ao fato que haveria Correição Ordinária daquela DPF, estimada para aquela data, o pedido da Autora foi sobrestado. No entanto, após ter conhecimento do indeferimento de sua compensação, a Autora, surpreendentemente, apresentou atestado médico solicitando licença para tratamento de saúde, pelo interregno de 30 (trinta) dias. 10. Desta forma, asseverou que o parecer negativo da Junta Médica quanto à moléstia da Autora, adido ao fato de que o atestado médico foi apresentado imediatamente após o sobrestamento do seu pedido de compensação, constituíram indícios suficientes da prática do delito contra a fé pública, o que se tornou objeto do Inquérito Policial instaurado. 11. Afastou a responsabilidade civil tendo em vista a ausência de conduta lesiva, dano injusto e nexo causal, levando-se em conta as circunstâncias fáticas do caso, o que inviabiliza a procedência da indenização pleiteada. 12. Requereu, por fim, que, na hipótese de condenação, seja reduzido o montante condenatório para patamar condizente com a peculiaridade do caso. Acostou os documentos de fls. 275/331. 13. Réplica às fis. 333/334 14. Instadas a produzirem provas, a Autora requereu, à fi. 340, a produção de provas pericial, testemunhal e documental. A União nada requereu. 15. Foi deferida a prova testemunhal (fl. 353). Os depoimentos foram realizados por carta precatória e pela audiência de instrução e julgamento (fls. 399/402) 16. É o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1° GRAU SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VARGINHA/MG a ASA. •15 17. A responsabilidade civil se assenta sobre três pressupostos: a comprovada existência de conduta potencialmente lesiva, a ocorrência de dano e o nexo de causalidade entre os dois primeiros elementos, sendo certo que a ausência de um deles inviabiliza a pretensão reparatória. 18. A fim de verificar tais pressupostos passo a análise dos documentos acostados aos autos. 19. O parecer da Junta Médica Policial, acostado às fls. 24/25, não homologou o atestado médico apresentado pela Autora, o que ensejou a instauração do Inquérito Policial, cuja cópia consta às fls. 17/257. 20. No referido inquérito, o Dr. Renato Machado Massote, médico que emitiu o laudo, prestou depoimento (fls. 89/92), confirmando a patologia da Autora, alegando que ela possui uma doença crónica e que, naquele momento, estava em um período de agudização, com intensas dores, o que a impedia de exercer suas atividades laborativas. 21. Por outro lado, os depoimentos dos médicos que integraram a Junta Médica Policial, à qual foi submetida a Autora, constantes às fls. 130/131, 132/133 e 189/191, confirmaram os fundamentos que concluíram pela não homologação do laudo. 22. Portanto, foi solicitada ao INSS, nos autos do inquérito (fl. 197), a realização de perícia médica a ser realizada por médico vinculado à autarquia, com especialização da área da patologia da Autora. Conforme laudo de fls. 213/222, restou concluído que os resultados dos exames complementares (radiografia e tomografia computadorizada) foram compatíveis com o atestado médico do Dr. Renato Machado Massote (itenn 6), bem como que poderia haver divergência nos laudos, tendo em vista que a Junta Médica examinou a Autora 08 (oito) dias após o uso de medicamentos. 23. O Ministério Público Federal, ao final do inquérito, promoveu o seu arquivamento, em face à atipicidade dos fatos. 24. Pela análise dos autos, entendo que a instauração de inquérito policial, atribuindo à Autora prática de crime, foi medida exagerada e desnecessária, em relação aos fatos ocorridos. 25. Diz-se isso, porque, em primeiro lugar, caracteriza-se o exagero pelo fato de o Sr. Delegado da Polícia Federal, Sebastião Augusto Camargo Pujol haver determinado diligências meramente especulativas, sem expedição de qualquer ordem de serviço. Tal fato resta comprovado pelos depoimentos das testemunhas Maria PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1° GRAU SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VARGINHA/MG Thereza Moreira Estanislau e Batista (fls. 76/77) e Celso João Mansur Pereira (fls. 109/110). 26. A primeira testemunha afirmou (fl. 77) que, a pedido do DPF Pujol, levara efetivamente o ofício de f l. 62, o qual especulava sobre a frequência da Autora em curso preparatório, ao Instituto Luiz Flávio Gomes. A segunda testemunha alegou (fl. 110) que, por determinação verbal do Delegado Pujol, fora verificar o consultório médico do signatário do atestado. 27. Assim, verifica-se que foram tomadas diversas medidas especulativas para apurar, injustificadamente, a falsidade das alegações constantes no laudo médico apresentado pela Autora. 28. Essas especulações afrontam o princípio do devido processo legal, pois, tanto na esfera sede criminal quanto na esfera administrativa, existem procedimentos a serem observados para apuração de eventual irregularidade na conduta do servidor público, previstos pelo Código de Processo Penal e pela Lei n. 8112/90, respectivamente. No presente caso, imperioso notar que sequer seria o próprio delegado Pujol o responsável pelas apurações, visto que ele teria interesse no deslinde da apuração, fosse pelo fato de seu manifesto interesse na regularização do serviço, ou por ter sido a autoridade que negou o pedido de compensação. 29. Destarte, a inobservância do procedimento legal, pela autoridade policial que se sentiu desrespeitada, seguida das medidas de aspecto especulativo tomadas, as quais adentraram, ilegalmente, o campo pessoal da Autora, caracterizam abuso de poder. 30. Ressalte-se que, conforme depoimentos de várias testemunhas, nos autos do inquérito policial (fls. 76/77, 78/79, 81/82, 84/85, 88, 109/110), são tecidos elogios à Autora no que tange à sua seriedade e dedicação. Alegam, ainda, as testemunhas, que a Autora reclamava continuamente das dores, tendo comparecido à DPF com colar cervical algumas vezes. 31. Os depoimentos são confirmados em juízo, às fls. 399/402. 32. A União alegou, em sede de contestação, que, na versão oficial, apresentada pelo Delegado Pujol, a Autora requererá compensação de trabalho extraordinário num momento em que a DPF de Varginha padecia de sensíveis dificuldades operacionais decorrentes de excesso de serviço e carência de recursos humanos, além da proximidade de Correição Ordinária que seria realizada na referida DPF. 33. Sabendo da situação, de maneira surpreendente, a Autora teria, após conhecimento do indeferimento de sua compensação, apresentado atestado médico solicitando licença, o que ocasionou a instauração do inquérito. 4 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1° GRAU SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VARGINHA/MG 34. O argumento, a princípio, poderia até ensejar desconfiança, visto que a licença pleiteada foi imediatamente posterior ao indeferimento da compensação. 35. Contudo, em novo depoimento, gravado em áudio - CD à f l. 411 - a testemunha Celso João Mansur Pereira, decorridos aproximadamente entre 5min15s e 6min15s, afirmou ter presenciado uma conversa entre a Autora e o Delgado Pujol, na qual ela solicita a compensação de suas horas extraordinárias, alegando não estar suportando a dor, o que foi indeferido. Destarte, a Autora afirmou, na oportunidade, ao próprio delegado, que em face ao indeferimento da compensação, procuraria a obtenção de licença médica, mediante atestado. 36. Depreende-se, portanto, que o intuito da Autora em obter a compensação pleiteada, consistia no próprio tratamento de sua doença. Assim, resta evidente a responsabilidade da Autora com o serviço, considerando que ela usaria tempo de compensação a que teria direito para tratar de sua saúde. Uma vez que a compensação foi negada, não restou outra alternativa à Autora, se não a tentativa de obter licença médica para tratamento de sua doença. 37. E nem se diga que o requerimento da Autora não se justificava pelo excesso de serviço da delegacia ou pela proximidade da Correição Ordinária à qual seria submetida a DPF de Varginha. O órgão público não pode estabelecer metas para suportar o excesso de serviço ou pelo eventual receio de resultado insatisfatório perante a Corregedoria em detrimento da saúde de seus servidores. 38. Assim sendo, caberia à própria DPF e, subsidiariamente, à União, promover as medidas paliativas necessárias à demanda de serviço atribuída às delegacias, sem interferir na saúde dos servidores. 39. O procedimento tomado pela autoridade policial, em instaurar inquérito policial contra servidora que, sabidamente, necessitava de auxílio à sua saúde, somado às medidas especulativas tomadas, em desrespeito aos procedimentos legais para apuração de eventual comportamento irregular da servidora, configuram condutas potencialmente lesivas à Autora, capaz de ensejarem a indenização demandada. 40. Passo assim, afixação do quantum indenizatório. 41. Para fixação do valor devido a título de indenização por danos morais, deve-se considerar a capacidade económica do responsável pelo dano, o constrangimento indevido suportado pela parte que o sofrera, além de outros fatores específicos do caso submetido à apreciação judicial. A reparação deve ser estipulada, PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1° GRAU SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE VARGINHA/MG estimativãmente, de modo a desestimular a ocorrência de repetição de prática lesiva, sem reduzi-la a um mínimo inexpressivo, nem elevá-la a cifra enriquecedora. 42. Releva-se notar que, segundo se depreende dos depoimentos de testemunhas arroladas {fls. 380, 381, 382), bem como dos documentos dos autos, a instauração do inquérito policial contra a Autora, repercutiu dentro e fora dos limites da DPF, causando-lhe grande constrangimento seja perante seus colegas, seja perante a sociedade. Ressalte-se ainda que, o fato de o conhecimento sobre as limitações da Autora ser notório, além do fato de que fora informado por ela ao Delegado Pujol, que o indeferimento de sua compensação acarretaria a busca pela licença médica, e mesmo assim fora instaurado contra ela o Inquérito Policiai, configuram fatos relevantes a mensurar a quantia devida. 43. Dessa forma, levando-se em conta o grau do constrangimento sofrido pela Autora e o abuso de poder inerente à instauração de um inquérito policial contra a Autora, tomo a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), como quantitativo razoável. 44. Pondere-se que a fixação de danos morais ern valor inferior ao requerido não retira da Ré o ónus da sucumbencia, tendo em vista que, em ação para reparação civil, o valor atribuído na petição inicial é meramente estimativo, devendo ser arbitrado pelo Juízo a partir de ponderações sobre as peculiaridades do caso. DISPOSITIVO 45. Pelo exposto, julgo procedente o pedido formulado por MÁRCIA VALÉRIA DE CAMPOS NERY BRITO para condenar a UNIÃO ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de reparação pelos danos morais decorrentes da conduta indevida. Juros de mora de 1% ao mês, incidentes desde a citação. Correção monetária cabível a partir da prolação da sentença (Súmula n. 362/STJ). 46. Processo extinto corn resolução do mérito (art. 269, l, CPC). 47. Condeno a União ao pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios, os quais, com fulcro no art. 20, §4° do CPC, fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 48. Publique-se e registre-se. Intime-se. Varginha/MG, -A) / *i /2Q12. LUIZ AlsKrONI<5gfftBE1RO DA CRUZ Juikf eder'al Substituto