ACÓRDÃO CSM
DATA: 16/2/2006 FONTE: 482-6/0 LOCALIDADE: SANTA ISABEL
Relator: Gilberto Passos de Freitas
Legislação: Decreto-lei nº 58/37; Lei nº 4.591/64 e Decreto-lei nº 271/67.
PARCELAMENTO DO SOLO. LOTEAMENTO – CONDOMÍNIO ESPECIAL. COMPRA E VENDA
– ESCRITURA PÚBLICA RE-RATIFICADA. REGULARIZAÇÃO.
Registro de imóveis - Dúvida procedente - Inadmissibilidade de diligências, no procedimento de
dúvida, para sanear vício de loteamento disfarçado em condomínio especial - Escrituras públicas
de compra e venda de lote, uma delas com cessão e re-ratificada, outorgada em cumprimento de
anterior contrato de compromisso de compra e venda averbado - Loteamento anterior à Lei nº
6.766/79, indevidamente inscrito como condomínio, que estava sujeito ao Dec.-lei nº 58/37, não
observado - Aparência registral sobrepujada pela realidade jurídica que não justifica a persistência
no erro - Prévia regularização do parcelamento necessária - Registros inviáveis - Recurso não
provido.
Íntegra:
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 482-6/0, da Comarca de
SANTA ISABEL, em que são apelantes ROQUE DE FRANÇA ZUCCARO e OUTRA e apelado o
OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA
JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em
negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte
integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI,
Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente
do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 16 de fevereiro de 2006.
(a)GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO
Registro de imóveis - Dúvida procedente - Inadmissibilidade de diligências, no procedimento de
dúvida, para sanear vício de loteamento disfarçado em condomínio especial - Escrituras públicas
de compra e venda de lote, uma delas com cessão e re-ratificada, outorgada em cumprimento de
anterior contrato de compromisso de compra e venda averbado - Loteamento anterior à Lei nº
6.766/79, indevidamente inscrito como condomínio, que estava sujeito ao Dec.-lei nº 58/37, não
observado - Aparência registral sobrepujada pela realidade jurídica que não justifica a persistência
no erro - Prévia regularização do parcelamento necessária - Registros inviáveis - Recurso não
provido.
1. Trata-se de apelação interposta por Roque de França Zuccaro, tempestivamente, contra r.
sentença que julgou procedente dúvida suscitada e manteve a recusa do Oficial do Registro de
Imóveis de Santa Isabel oposta ao registro de duas escrituras de venda e compra, uma delas com
cessão e re-ratificada, ambas referentes ao lote de terreno nº 34 do loteamento denominado
Chácaras Alvorada, por se cuidar de parcelamento ilegal que depende de regularização.
Sustenta o apelante, em suma, que: a) o loteamento, em regime condominial, seguiu os
parâmetros legais, observando que posição anterior meramente duvidosa foi detalhadamente
esclarecida no curso da dúvida pelo atual Oficial do Registro Imobiliário, embora desconsiderada
na sentença; b) dos 39 lotes existentes apenas 02 ou 03 não foram registrados em razão da
falência da empresa Yoshioka S/A Comércio e Indústria, mas já houve expedição de alvará para
lavratura das escrituras e de mandado de averbação, pelo Juízo Falimentar, sequer sopesado; c) o
compromisso de venda e compra do lote 34, em favor de Jean Michel Casemart (cedente) consta
averbado e o Registro de Imóveis registrava os lotes existentes atestando posição de regularidade;
d) na trilha da manifestação do atual Oficial de Registro, bastavam as providências por ele
indicadas para constatar a regularidade do loteamento e conseqüente registro dos títulos. Assim,
invocando de modo especial os princípios da fé pública e da igualdade, bem como a situação
peculiar do caso, pede a procedência do recurso para, reformando a sentença, deferir o registro
dos títulos, ou converter o julgamento em diligência para expedição de ofícios à Prefeitura
Municipal de Arujá e ao INCRA, ou, ainda, para anular o julgado por ofensa à ampla defesa, pois
cerceada a produção de novas provas.
A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 156/157).
É o relatório.
2. As questões relacionadas à produção de novas provas, à conversão de julgamento em
diligências (para oficiar à Municipalidade e ao INCRA), à nulidade de sentença por cerceamento de
defesa, em rigor, são preliminares de ordem processual que não vingam, porque processo de
dúvida é de finalidade meramente requalificadora de título desqualificado para o registro em
sentido estrito, em que não há espaço para a ampla instrução saneadora ou supletiva pretendida.
Dúvida registrária é só para dirimir o dissenso, entre o registrador e o apresentante, sobre a prática
de ato de registro, referente a título determinado que, para esse fim (registro) foi protocolado e
prenotado.
Logo, não se admite, no seu curso, diligências ou dilação de provas destinadas à complementação
de título desqualificado, à apuração de fatos extratabulares demonstrativos de situação jurídica de
loteamento ou à promoção de medidas de saneamento de vício que macula o parcelamento do
solo.
A razão dessa restrição cognitiva, ademais, é evitar a indevida prorrogação do prazo da
prenotação, consoante firme orientação deste Conselho Superior da Magistratura: A dilação
probatória em procedimento desta natureza prorrogaria indevidamente o prazo da prenotação,
potencializando prejuízo para o direito de prioridade de terceiros, que também tivessem prenotado
outros títulos que refletissem direitos contraditórios (Apelação Cível nº 027583-0/7, Santa Rosa do
Viterbo, j. 30.10.1995, rel. Des. Alves Braga, in Revista de Direito Imobiliário 39/297-298). Confira,
ainda, Apelação Cível nº 97.090-0/4, São José do Rio Preto, j. 12.12.2002, Rel. Des. Luiz
Tâmbara; Apelação Cível nº 000.176.6/4-00, Socorro, j. 16.09.2004, Rel. Des. José Mário Antonio
Cardinale.
No mérito, correta a recusa, não se acolhe a irresignação recursal.
Pretende-se o registro de duas escrituras de compra e venda, uma delas com cessão e
re-ratificada, referentes ao lote de terreno nº 34 do loteamento denominado Chácaras Alvorada.
Ocorre, no entanto, que o referido loteamento foi inscrito como condomínio no livro 8-B, fls. 566,
sob número 02, do Registro Predial de Santa Isabel, em desconformidade com o Decreto-lei 58/37
(fls. 30, v).
Condomínio de lotes de terreno singularizados, sem construção, não é condomínio especial - é
loteamento disfarçado - uma vez que para esse tipo de condomínio é sempre indispensável
vincular o terreno às construções (CSM, Apelações Cíveis 2.349-0, 2.966-0, 10.807-0, 20.439-0/0).
Ademais, loteamento, ainda que anterior à Lei nº 6.766/79, com venda de lotes mediante
pagamento do preço a prazo, urbano ou rural, exigia inscrição imobiliária adequada, com
observância e na forma dos artigos 1º, 2º e 4º do Dec.-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937.
É certo que o Dec.-lei nº 271/67, em seu artigo 3º, determinava aplicar ao loteamento às regras da
Lei nº 4.591/64, equiparando o loteador ao incorporador, bem como que havia previsão para
regulamentação deste diploma legal quanto à aplicação da Lei nº 4.591/64 aos loteamentos, com
as adaptações necessárias (§ 1º do referido artigo 3º), o que talvez poderia ter gerado a figura
jurídica do condomínio especial apenas de lotes de terreno. No entanto, ineficaz o artigo 3º do
Dec.-lei nº 271/67 (que não era auto-aplicável), por falta da regulamentação específica (e, agora,
ainda, pelo advento da Lei nº 6.766/79), nele não se pode buscar suporte legal ao loteamento em
questão, erroneamente inscrito como condomínio.
Ilegal, pois, o loteamento, ainda que anterior à Leinº 6.766/79, por falta do registro adequado e até
por carência dos suportes jurídico-causais necessários, nos termos do Dec-lei nº 58/37, realmente
não se pode afastar a exigência da prévia regularização do parcelamento do solo, cuja falta obsta
os registros dos títulos em questão.
Diversos os precedentes do Egrégio Conselho Superior da Magistratura:
* Esse parcelamento ocorreu antes da vigência da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, mas,
tratando-se, ao que se verifica dos autos, de loteamento, já era exigível sua inscrição pelo
Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1.937. Daí não se possa admitir sequer a denominada
averbação de controle (artigo 167 - II - nº 4, Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973), só permitida
para os casos de desmembramento anterior à vigência da Lei nº 6.766, citada, e não para os de
loteamento (neste sentido é a jurisprudência deste Egrégio Conselho, consoante se pode verificar,
v.g., das Apelações Cíveis nºs 376-0, 1.353-0, 1.702-0, 1958-0, 2.164-0, 2.540-0 e 5.579-0) (Apelação Cível nº 13.823-0/6, São Sebastião, j. 08.07.1992, rel. Des. Dínio de Santis Garcia).
* É verdade que os denominados empreendimentos Arujazinho I, II e III são anteriores à Lei
Federal 6.766, de 19 de dezembro de 1979, mas isso, por si só, não os torna regulares. Ao
contrário, ao tempo vigorava o Decreto-Lei 58/37, que tinha aplicação para os loteamentos em
geral, como o que se verifica no caso dos autos, que foi realizado nos imóveis das transcrições
aquisitivas 6.057, 7.172 e 7.509 todas do Registro de Imóveisde Santa Isabel (Apelação Cível nº
57.227.0/8-00, Santa Isabel, j. 10.09.99, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição);
* Nem se diga que o loteamento em questão, por ter sido implantado antes da Lei 6766/79 estaria
dispensado da regularização, pois à época vigia o Decreto 58/37, que exigia a inscrição no registro
do projeto de loteamento. Neste sentido a Apelação Cível 44.297-0/6, de Birigui (Apelação Cível nº
118-6/0, São Sebastião, j. 25.11.2003 , rel. Des. Luiz Tâmbara).
Registros anteriores para outros lotes, averbação pretérita do compromisso de venda e compra
referente ao lote 34, noticiada, ou, ainda, o argumento de que as tábuas do Registro Predial de
Santa Isabel publicavam a regularidade do empreendimento, não justificam os registros
pretendidos: a) a uma, porque aparência de regularidade não é regularidade real, ou, nas palavras
de Afrânio de Carvalho, que para cá se pode transpor, a aparência registral é sobrepujada pela
realidade jurídica (Registro de Imóveis, Ed. Forense, 4ª edição, p. 226); b) a duas, diante de
sedimentada orientação do Conselho Superior da Magistratura, afirmando a inexistência de direito
adquirido ao engano e, assim, constatado o erro, nele não se pode persistir (CSM, Apelações
Cíveis nºs 306.6/9-00, 118-6/0, 44.297-0/6, 41.855-0/1, 28.280-0/1). Não há, pois, violação alguma
aos princípios de isonomia de tratamento e de fé pública, como se alega, mas apenas respeito à
legalidade que deve nortear todos os atos de registro.
Por fim, como visto, não é (ou foi) a falência da empresa loteadora, Yoshioka S/A Comércio e
Indústria, que inibi (ou inibiu) os registros pretendidos. Alvará e mandado (fls. 17) expedidos pelo
Juízo Falimentar, que serviram de suporte à escritura de venda e compra com cessão (fls. 12/14) e
à escritura de re-ratificação posterior (fls. 15/16), respectivamente, não têm força alguma para
alterar a sorte da presente qualificação registrária, que se deve pautar pelo respeito à lei e aos
princípios de registro de imóveis.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
(D.O.E. de 05.05.2006)
Vide → Ap. Civ. 1.161-6/3
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