Alianças Público-Privadas
para o Desenvolvimento Local
Volume VII
GESTÃO
INTEGRADA
DE
RESÍDUOS
SÓLIDOS EM REGIÃO DE FRONTEIRA
Estudo de Caso – Ponta Porã (BR) &
Pedro Juan Caballero (PY)
Um aterro binacional
Coletânea
Alianças Público-Privadas para o Desenvolvimento Local
Volume VII
GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM
REGIÃO DE FRONTEIRA
Estudo de Caso – Ponta Porã (BR) & Pedro Juan
Caballero (PY)
Um aterro binacional
Janeiro – 2014
Realização:
Apoio para edição:
2
BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO
FUNDO MULTILATERAL DE INVESTIMENTOS
Especialista Setorial
Ismael Gillio
INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
Superintendente Geral
Paulo Timm
Coordenador Geral do Programa Micro APP
Alexandre C. de Albuquerque Santos
Coordenador Adjunto
Gil Soares Junior
Publicação
Coordenação Geral
Karin Segala
Redação
Karin Segala
Rômulo Silveira da Rocha Sampaio
Rosa María Ruffinelli Gómez
Silvia Martarello Astolpho
Coordenação Editorial
Sandra Mager
Revisão
Ricardo Ditchun
3
Segala, Karin (Coord.)
S454
Gestão integrada de resíduos sólidos em região de fronteira: estudo de caso:
Ponta Porã BR e Pedro Juan Caballero PY: um aterro binacional. / [coordenação de]
Karin Segala; [redação de] Karin Segala; Rômulo S. da Rocha Sampaio; Rosa María R.
Gómez; Silvia M. Astolpho – Rio de Janeiro: IBAM; Fomin/BID, 2014. (Coletânea
Alianças Público-Privadas para o Desenvolvimento Local, v.7)
93p.
1.Resíduos sólidos – Ponta Porã (MS). 2. Resíduos sólidos – Pedro Juan
Caballerlo (Paraguai) I. Segala, Karin; II. Sampaio, Rômulo S.R. III. Gómez, Rosa M.R.
IV. Astolpho, Silvia M. V. Instituto Brasileiro de Administração Municipal. VI. Banco
Interamericano de Desenvolvimento. Fundo Multilateral de Investimentos. VII. Título.
CDU 364:81 + 364:893
4
APRESENTAÇÃO
Este conjunto de publicações sintetiza os mais importantes aprendizados e, sobretudo,
informações e conhecimentos produzidos, sistematizados e agregados à experiência do
Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM decorrentes dos quatro anos de
parcerias com o Fomin/BID (Fondo Multilateral de Inversiones/Banco Interamericano de
Desenvolvimento) no Programa de Promoção de Microalianças Público-Privadas
municipais.
Estruturada em fascículos, a série inclui os estudos e experiências mais expressivos,
sobretudo, pelas lições aprendidas e níveis de amadurecimento resultantes das
iniciativas. Todas as informações produzidas estão disponíveis no portal do Programa na
internet: www.aliancaspublicoprivadas.org.br
A árvore de conhecimento que orientou a organização da coletânea segue o esquema:
1 – A cooperação entre os setores
público, privado e o terceiro setor nos
municípios – um balanço das ações do
Programa Alianças Público-Privadas
2 – Marco Legal das Alianças PúblicoPrivadas
4 – Coleta
Seletiva
Inclusiva no
Contexto das
Alianças
PúblicoPrivadas
6 – Gestão
Integrada de
Resíduos
Sólidos em
Região de
Fronteira
5 – Estudo de
caso de Ilhéus
(BA) –
múltiplas
parcerias para
a inclusão
produtiva
7 – Estudo de
caso de Ponta
Porã (BR) e
Pedro Juan
Caballero (PY) –
um aterro
binacional
8 – Mecanismos de
Desenvolvimento
Limpo Programático
– uma oportunidade
para as Alianças
Público-Privadas
3 – Guia de Procedimentos
para a constituição de uma
Aliança Público-Privada
9 – Desenvolvimento
Local Sustentável –
distintas
oportunidades de
Alianças PúblicoPrivadas
10 – Estudo de
caso de
Japaratinga (AL)
– turismo e
agricultura
familiar
11 – Estudo de
caso de Ponta
Porã (MS) –
Convention &
Visitors Bureau
Os três primeiros fascículos tratam dos fundamentos do Programa. O primeiro,
introdutório, apresenta os conceitos básicos e a evolução dos trabalhos realizados. O
segundo discorre sobre o marco legal, ao mesmo tempo em que traça um panorama
5
geral dos instrumentos jurídicos de cooperação a partir do próprio setor público e até as
relações com a iniciativa privada e o terceiro setor. O terceiro é um guia de
procedimentos para a construção e implementação de uma Aliança Público-Privada
(APP), um instrumento de balizamento geral que deve ser adaptado a cada situação.
Os cinco fascículos seguintes compõem o quadro da Política Nacional de Resíduos
Sólidos e afetam diretamente as responsabilidades dos Municípios nesta matéria.
O quarto trata especificamente da implantação da coleta seletiva e das diretrizes
associadas à inclusão socioprodutiva dos catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis no âmbito do panorama nacional para o setor. Nesse sentido, destaca-se a
possibilidade de uma abordagem inovadora para as APPs, detalhada no estudo de caso
de Ilhéus, tema do fascículo cinco. Em outro extremo, no fascículo seis, o foco é a
questão da destinação final dos resíduos no cenário desafiante das conurbações
existentes em faixa de fronteira. O sétimo texto discute as possibilidades de
enfrentamento dessas dificuldades segundo as experiências nas cidades fronteiriças de
Ponta Porã, no Brasil, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Finalmente, ainda no campo
dos resíduos sólidos, o fascículo oito examina as oportunidades para ampliar o potencial
do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo Programático no âmbito da constituição de
APPs.
Os fascículos nove, dez e onze analisam a promoção do desenvolvimento econômico
local e territorial dentro da perspectiva de adoção de APPs, entendida como estratégia de
inserção socioprodutiva de segmentos sociais distintos.
Assim, o fascículo nove trata da questão desde um ponto de vista conceitual e os dois
textos finais ilustram situações distintas por meio de estudos de casos realizados no
âmbito do Programa. O décimo aborda o segmento social de agricultores familiares e
periurbanos em uma região afetada intensamente pela expansão do turismo no litoral
norte de Alagoas e apresenta as parcerias constituídas no Município de Japaratinga,
fundamentais para a inserção daquelas pessoas na cadeia do turismo. O último fascículo
também tem a cadeia produtiva do turismo como pano de fundo, especificamente a
estruturação de um Convention&Visitors Bureau em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul,
ação que mobilizou os empresários do trade dos Municípios conurbados, Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero, e abriu caminho para a ação conjunta com o Poder Público Local.
Este é o sétimo fascículo da Coletânea e, para sua edição e publicação, o IBAM contou
ainda com o apoio da Fundación Avina, no âmbito do Programa CataAção, igualmente
amparado pelo Fomin/BID.
Boa leitura!
Alexandre Carlos de Albuquerque Santos
Coordenador Geral
Programa de Microalianças Público-Privadas
6
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 5
1.
Antecedentes......................................................................................................... 9
2.
MERCOSUL e Unasul ........................................................................................... 9
3.
Faixa de Fronteira................................................................................................ 10
4.
Linha de Fronteira................................................................................................ 12
5.
Questões ambientais e a soberania nacional....................................................... 13
6.
O papel dos municípios na federação brasileira................................................... 14
7.
O papel dos governos municipais no Paraguai .................................................... 14
8.
Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.............................................. 15
9.
8.1
Município de Ponta Porã – BR...................................................................... 16
8.2
Município de Pedro Juan Caballero – PY...................................................... 17
Bacia hidrográfica nos municípios DE PP E PJC................................................. 18
10. DiagnÓstico dos Resíduos Sólidos ...................................................................... 18
10.1
Volumes coletados de resíduos sólidos ........................................................ 18
11. Gestão dos Resíduos Sólidos e os municípios fronteiriços .................................. 19
11.1 Gestão dos resíduos sólidos nos Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero................................................................................................................. 19
12. Estudo para a gestão conjunta dos resíduos sólidos nos municípios de Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero ................................................................................................. 22
12.1
Parâmetros para a elaboração dos cenários................................................. 22
12.2
Classificação dos resíduos sólidos ............................................................... 26
12.3
Infraestrutura considerada necessária .......................................................... 26
13. Eixos de sustentabilidade .................................................................................... 27
14. Cenários – Modelo de Gestão Conjunta PP e PJC .............................................. 28
14.1
Cenário I....................................................................................................... 28
14.2
Cenário II...................................................................................................... 31
14.3
Cenário III ..................................................................................................... 34
14.4
Cenário IV..................................................................................................... 40
15. AnÁlise JurÍdica dos cenários estudados............................................................. 43
15.1
Cenário I....................................................................................................... 44
15.2
Cenário II...................................................................................................... 46
15.3
Cenário III ..................................................................................................... 49
15.4
Cenário IV..................................................................................................... 51
7
16. Procedimentos para assentimento do Cenário IV ................................................ 62
17. Quesitos complementares ................................................................................... 63
18. O processo para escolha do melhor cenário........................................................ 64
18.1
Processo participativo................................................................................... 64
18.2
Definição da ordem de prioridade dos parâmetros........................................ 64
18.3
Definição do melhor Cenário......................................................................... 65
19. Complexo para tratamento dos resíduos sólidos ................................................. 66
20. Considerações sobre a operação do Empreendimento sobre a linha de fronteira 69
20.1
Formação de empresa binacional ................................................................. 70
20.2
Formação de empresa pública municipal...................................................... 71
21. Considerações sobre o processo de licenciamento ambiental no Brasil .............. 72
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.................................................................................. 75
ANEXOS 77
Anexo 1 – Lista dos Municípios na Faixa de Fronteira Brasileira ................................ 78
Anexo 2 – Resolução MERCOSUL/GMC/Res n. 30/2007........................................... 78
Anexo 3 – Quesitos Complementares......................................................................... 78
Anexo 4 – Memorando de Entendimento .................................................................... 90
8
1.
ANTECEDENTES
O Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991 entre Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai, instituiu o Mercosul (Mercado Comum do Sul), que possibilitou a
aproximação de organismos governamentais e não-governamentais dos estados
membros constituintes com o objetivo de discutir temas comuns.
Em 2008, um novo tratado, aprovado e ratificado em Brasília, deu origem a Unasul (União
das Nações Sul-Americanas), organização que prioriza o diálogo como meio de obter paz
e segurança, de forma a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão
social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco
do fortalecimento da soberania e independência dos Estados.
A criação de ambas as instâncias propicia condições para a plena aproximação dos
poderes locais e regionais dos dois lados das fronteiras dos países para a solução de
aspectos comuns e consensuais.
A gestão dos resíduos sólidos em Municípios pertencentes a países que integram os
blocos instituídos pelos tratados, e que se encontram na Faixa de Fronteira, deve ser
enfatizada pelos Estados Partes, uma vez que a questão está profundamente vinculada
aos aspectos de saúde pública e de segurança nacional.
2.
MERCOSUL E UNASUL
O Mercosul, inspirado no Mercado Comum Europeu, representa uma etapa importante
nos esforços de integração da América Latina e tem seu marco histórico no Tratado de
Assunção, firmado em março de 1991 na capital paraguaia, pelos presidentes do Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai e seus respectivos ministros de Relações Exteriores.
Integra, portanto, a República da Argentina, a República Federativa do Brasil, a República
do Paraguai, a República Oriental do Uruguai e, recentemente, a República Bolivariana
da Venezuela ingressada no bloco.
Os países, denominados Estados Partes, compartilham valores que encontram
expressão em suas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades
fundamentais, dos direitos humanos, da proteção ao meio ambiente e ao
desenvolvimento sustentável, bem como seu compromisso com a consolidação da
democracia, a segurança jurídica, o combate à pobreza e o desenvolvimento econômico
e social igualitário.
Entre os objetivos estabelecidos para o bloco no sentido de fortalecer a integração dos
paises envolvidos estão a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, por meio
de mecanismos como a eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias
ao trânsito de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente, e o
compromisso de harmonizar legislações nas áreas pertinentes.
A Unasul é formada pelos doze países da América do Sul. O tratado constitutivo da
organização foi aprovado em Brasília, em maio de 2008, por Brasil, Argentina, Bolívia,
Paraguai, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
9
O Paraguai está suspenso da Unasul desde a destituição do presidente Fernando Lugo,
em junho de 2012, quando os presidentes sul-americanos consideraram que houve
transgressão à ordem democrática no processo de impeachment do presidente. Os
paraguaios, entretanto, negaram irregularidades. A Unasul argumenta que a realização
de eleições democráticas e transparentes é condição fundamental para acabar com a
suspensão do Paraguai do bloco.
Entre as missões da Unasul está a construção, de modo participativo e consensual, de
um espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus
povos. A organização prioriza ações que fortaleçam o diálogo político, as políticas sociais,
a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente a fim de criar
paz e segurança, eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a
participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do
fortalecimento da soberania e independência dos estados.
3.
FAIXA DE FRONTEIRA
A Faixa de Fronteira interna do Brasil com os países vizinhos foi estabelecida em 1979
(Lei nº 6.634/79, regulamentada pelo Decreto nº 85.064/80). Essa região (Figura 1),
geograficamente, é uma faixa de 150 quilômetros de largura ao longo de 15.719
quilômetros da fronteira brasileira, abrange 11 Estados e 588 Municípios com
aproximadamente 10 milhões de habitantes, conforme indicado no Anexo 1 (MI, 2010).
A Faixa de Fronteira possui três macro-segmentos (Arco Norte, Arco Central e Arco Sul),
cada qual com sub-regiões formadas por agrupamentos de Municípios.
Figura 1. Municípios integrantes da Faixa de Fronteira
Fonte: MI, 2010
10
Entre as características das cidades localizados nesta faixa estão: baixa densidade
demográfica, grandes distâncias e dificuldades de comunicação com os principais centros
decisórios dos governos e a existência de populações híbridas, decorrente da
formalização espontânea de dupla nacionalidade.
A integração econômica e política entre Brasil e Paraguai segundo as normas do
Mercosul e da Unasul atenuam o efeito de fronteira e tem significado a abertura de o
portunidades no âmbito da cooperação entre os territórios fronteiriços. Vive-se, assim, um
período em que a cooperação, vista como meio sistemático e eficaz de desenvolvimento
de territórios contíguos com problemas comuns, supera o tradicional isolamento e
desconfiança gerados ao longo de séculos de contradições históricas.
No Paraguai, a Faixa de Fronteira foi estabelecida pela Lei nº 2.532/2005 (Zona de
Seguridad Fronteriza) que estabelece como Zona de Segurança Fronteiriça uma faixa de
50 quilômetros da linha de divisa terrestre e fluvial.
Por outro lado, o Protocolo de Instruções firmado entre o Brasil e o Paraguai determina
como área non aedificandi 25 metros na zona rural e 10 metros na zona urbana de cada
lado da linha limite internacional (Figura 2). Estabelece ainda que as autoridades dos
Municípios e prefeituras fronteiriças deverão definir em seus Planos de Desenvolvimento
Urbano que a faixa non aedificandi seja utilizada somente para a construção de ruas ou
avenidas, praças e estacionamentos, assegurando em todos os casos, e para ambos os
lados, a plena visibilidade entre os marcos sucessivos.
11
Figura 2. Limites das zonas entre o Brasil e Paraguai
4.
LINHA DE FRONTEIRA
Linha de fronteira é um marco imaginário que estabelece os limites geográficos entre dois
ou mais países e pode ser caracterizada como seca ou úmida, neste caso quando a linha
está localizada sobre lagos, rios e canais. Brasil e Paraguai compartilham uma linha de
fronteira com 1.365 quilômetros de extensão, sendo 437 quilômetros secos e 928
quilômetros úmidos.
Os Municípios localizados na extensão da Faixa de Fronteira do Brasil apresentam
situação geográfica distinta em relação à nossa linha de fronteira e podem ser
classificados como lindeiros e não lindeiros. No primeiro grupo, três situações merecem
destaque:

Municípios com sedes localizadas no limite internacional, podendo ou não
apresentar conurbação ou semiconurbação com uma localidade do país vizinho
(cidades gêmeas);

Municípios cujas sedes não estão situadas no limite internacional;

Municípios com sedes fora da Faixa de Fronteira.
12
Os Municípios lindeiros, conurbados ou semiconurbados, acabam por desenvolver uma
identidade própria por diversas razões como as oscilações entre o local e o internacional,
a presença constante de estrangeiros, os movimentos de integração e isolamento, a
alteridade e intolerância, as aproximações e distanciamentos e os marcos divisórios reais
e simbólicos.
Formulam, por isso, estratégias próprias que resultam de complementaridades,
independentemente das macrodecisões nacionais, pela via dos fluxos de pessoas, bens e
serviços, de modo a aproveitar vantagens econômicas, geralmente proporcionadas pelas
oscilações cambiais.
Pode-se conceituar a linha de fronteira, então, como zona de separação e de
aproximação, linha de barreira e espaço polarizador de culturas, políticas, economias etc.
Com a criação do Mercosul e da Unasul, a linha de fronteira passa a ter um papel de
limitação geográfica, pois apenas separa os Municípios segundo uma visão territorial e
une as sociedades neles inseridos em uma visão integradora.
5.
QUESTÕES AMBIENTAIS E A SOBERANIA NACIONAL
A partir das décadas de 1970 e 1980, a questão ecológica foi introduzida nas políticas
internacionais com significativas influências na forma de exigências para que os estados
e a sociedade alterassem atitudes no sentido de preservar o meio ambiente. Ao mesmo
tempo, com a maior percepção de que os países são interdependentes, e que suas
políticas internas provocam impactos globais, as ações estatais passaram a sofrer
pressões cada vez mais fortes.
Como todas as nações são suscetíveis aos impactos causados por outros países, gerase uma vulnerabilidade recíproca, o que sugere a necessidade de cooperação para obter
a melhor ação política para resolver as questões, sempre sob a orientação dos âmbitos
social e de preserrvação dos recursos naturais.
Somente a partir da globalização das questões ecológicas é que foram construídas
normas e outros elementos regulatórios para a ação dos atores em problemas mútuos
que exigem cooperação coletiva para a sua solução. Neste novo contexto, os conceitos e
ações de âmbito internacional, como soberania, segurança e o papel do Estado, passam
a ser configurados a partir da questão ambiental.
A segurança nacional é uma atribuição fundamental do Estado e de prerrogativa
exclusiva. Consiste em assegurar, em qualquer circunstância, a integridade do território, a
proteção da população e a preservação dos interesses nacionais contra ameaças e
agressões externas.
Ao considerar a inadequada gestão dos resíduos sólidos, e os problemas ambientais e de
saúde pública a ela associados, a segurança pode se assentar em comprometimentos
em razão destas agressões, uma vez que expõe os estados, os indivíduos e a sociedade
a fragilidades de primeira ordem.
13
6.
O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA
No Brasil, a autonomia dos entes federados é definida como o poder de gerir seus
próprios assuntos dentro de um campo prefixado por instância superior – a Constituição
Federal – nos planos organizativo, político, administrativo e financeiro. Na qualidade de
ente federado, o Município possui autonomia política (o poder de eleger seus
governantes) e competências exclusivas e comuns com outros entes, pode ordenar sua
lei orgânica (antes delegada aos estados), além de ter ampliada sua base tributária.
No que diz respeito à competência para legislar, ela é delimitada de modo indicativo: os
Municípios podem legislar sobre todos os assuntos de interesse local e suplementar à
legislação federal e estadual, excluídos os temas de competência exclusivamente federal.
Quanto aos assuntos de competência municipal exclusiva há os serviços consagrados na
tradição da administração municipal: o saneamento básico que engloba os serviços de
abastecimento de água potável, de coleta e tratamento de esgotos domésticos, de drenagem
e manejo de águas pluviais urbanas, de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos,
pavimentação, iluminação pública, trânsito em área urbana, estradas vicinais, mercados,
feiras, matadouros, segurança urbana, higiene, assistência social, esporte, lazer e recreação.
Ainda que não seja assunto expressamente tratado no plano constitucional, deve ser
mencionada a responsabilidade exclusiva de estabelecer suas zonas urbana e rural,
indissociável de sua obrigação de ordenar o território.
7.
O PAPEL DOS GOVERNOS MUNICIPAIS NO PARAGUAI
A Constituição da República do Paraguai, de 1992, institui um Estado unitário, indivisível
e descentralizado, mas formado por Departamentos, Municípios e Distritos, entes que
desfrutam de autonomia política, administrativa e normativa para a gestão de seus
interesses. Diferentemente do que ocorre no Brasil, os Municípios paraguaios têm
autonomia constitucional para decidir e legislar acerca das atividades e recursos de
cunho municipal (Quadro 1).
Quadro 1. Competências dos Municípios paraguaios
Atribuições municipais
Artigo 168 da
Constituição
do Paraguai
Livre gestão em materiais de sua competência, particularmente nas
áreas de urbanismo, ambiente, abasto, educação, cultura, desporto,
turismo, assistência sanitária e social, instituições de crédito, corpos de
inspeção e de polícia. Administração e disposição de seus bens;
Elaboração do orçamento municipal (entradas e saídas);
Participação nas rendas nacionais;
Regulação do montante das taxas retribuídas de serviços efetivamente
prestados, não podendo ultrapassar o custo das mesmas;
Ditado de ordenamentos, regulamentos e resoluções;
Acesso ao crédito privado e ao crédito público, nacional e internacional;
Regulamentação e fiscalização do trânsito, do transporte público e
outras meios relacionados à circulação de veículos.
14
8.
MUNICÍPIOS DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO
Não são muitos os Municípios lindeiros nos 15.719 quilômetros que formam a fronteira do
Brasil com seus países vizinhos. Consideradas cidades gêmeas pelo Ministério da
Integração Nacional (Figura 3), Ponta Porã, no Brasil, e Pedro Juan Caballero, no
Paraguai, estão situadas na Faixa de Fronteira.
São Municípios contíguos e de grande interação uma vez que o limite territorial que os
divide se concentra literalmente na linha internacional de separação territorial de ambos os
países (Figura 4). Juntos, concentram uma população de 166.061 habitantes (Quadro 2).
Figura 3. Cidades gêmeas no Brasil
Fonte: MI, 2010
Quadro 2. População municipal
Município
População (hab.)
Ponta Porã
77.872
Pedro Juan Caballero
88.189
Total
166.061
Fonte: IBGE, 2007 – Censo PY, 2002
15
Figura 4. Linha internacional de separação territorial PP-PJC
8.1
Município de Ponta Porã – BR
O Município de Ponta Porã está localizado em território brasileiro, no Estado de Mato
Grosso do Sul, e dista aproximadamente 330 quilômetros sua capital, Campo Grande.
Breve histórico
Pouco antes da guerra com o Paraguai, o imperador dom Pedro 2º, temendo uma
possível invasão do território nacional, estabeleceu na região uma colônia militar a fim de
garantir a fronteira e propiciar contato frequente com a Capital do Império. A guarnição
instalou-se na encosta da Serra de Amambai, sobre as cabeceiras do rio Dourados, sob o
comando do tenente Antônio João Ribeiro, natural de Poconé. Mais tarde, perseguidos
políticos, que haviam emigrado do Rio Grande do Sul para a Argentina e o Uruguai,
atravessaram o Paraguai e penetraram em território mato-grossense-do-sul, fixando-se
onde hoje se encontra Ponta Porã.
O completo desbravamento da região, em 1883, estabeleceu o primeiro arranchamento à
margem direita do rio Verde, a aproximadamente 53 quilômetros da atual sede municipal.
O local teve, a princípio, o nome de Nhu-verá, depois Antônio João e, por fim, Ponta
Porã, ou Ponta Bonita, em guarani.
Distrito subordinado a Nioaque e, mais tarde, a Bela Vista, Ponta Porã emancipou-se em
julho de 1912 (Decreto 617). Em outubro de 1920, o Decreto 820 elevou a sede municipal
à categoria de cidade.
A composição administrativa do Município foi alterada várias vezes. Em 1936, por
exemplo, havia oito distritos: Ponta Porã, Antônio João, Cabeceira do Apa, Lagunita,
Paranhos, Amambai, Carapó e Patrimônio da União. No ano seguinte já não eram
16
registrados os três últimos; e, de 1939 a 1943, não figura Paranhos, mas aparecem
Patrimônio e União.
O Decreto 5.812, de 13 de setembro de 1943, criou o Território Federal de Ponta Porã,
formado por este Município (a capital), Porto Martinho, Bela Vista, Dourados, Miranda,
Nioaque e Maracaju. A capital foi transferida para Maracaju em maio de 1944 (Decreto
6.550), com retorno a Ponta Porã em virtude de um Decreto. As Disposições
Constitucionais Transitórias extinguiram o referido Território, reincorporando-os ao Estado
do Mato Grosso.
Na divisão territorial do Estado, vigente de 1949 a 1953, o Município contava com apenas
quatro distritos: Ponta Porã (sede), Bocajá, Cabeceira do Apa e Eugênio Penzo.
Poteriormente surgiram mais três: Rio Verde do Sul, criado pela lei 702, de dezembro de
1953, com terras desmembradas do distrito sede; Sanga Puitã, também originado da
sede, constituído em novembro de 1958, e Laguna Carapã, desmembrado de Bocajá, no
mesmo mês e ano.
Atualmente, o Município tem três unidades distritais: Cabeceira do Apa, Sanga Puitã e
distrito sede. A área de Ponta Porã é de 5.330km2 (IBGE, 2010), equivalente a 1,49% do
território do Estado, e a população é de 77.872 habitantes (IBGE, 2007).
8.2
Município de Pedro Juan Caballero – PY
O Município de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, é a capital do Distrito de Amambay.
Breve histórico
A história de Pedro Juan Caballero remonta ao término da Guerra do Paraguai (18641870), quando Brasil, Argentina e Uruguai (a Tríplice Aliança) uniram forças para derrotar
a política expansionista de Francisco Solano López. Após o conflito houve a transferência
de terras públicas ao setor privado, que iniciou na região uma série de atividades de
exploração dos recursos naturais ali existentes (madeira, mate etc.). Em 1893 foi fundado
o povoado de Pedro Juan Caballero, ano em que se ergue a primeira moradia na região e
quando foi adotada uma estratégia de ocupação populacional, reforçada em 1902 com o
surgimento da localidade de Bela Vista.
Pedro Juan Caballero era conhecida, no fim do século 19, como “Parada Ponta Porã” por
causa da lagoa homônima que servia de escala a quem viajava pela região, sobretudo as
caravanas que transportavam a erva-mate ao porto de Villa Real, atual Concepción. Por
sua localização territorial, fronteiriça com o Brasil, foi muito frequentada pelos
bandeirantes que partiam dali em busca de índios guaranis.
O processo mais significativo de povoamento na região de Pedro Juan Caballero ocorre
no século 20, com o Município obtendo destaque como centro urbano a partir da
colonização agrícola e de atividades correlatas e da expansão da fronteira. O Município,
hoje, está consolidado como a capital do Distrito de Amambay, com 88.189 habitantes
(Censo PY, 2002).
17
9.
BACIA HIDROGRÁFICA NOS MUNICÍPIOS DE PP E PJC
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero integram a bacia hidrográfica transfronteiriça do rio
Apa, localizada na bacia do Prata, no extremo sul da bacia do Alto Paraguai, com
15.617,53km². Desta área, 12.181,31km2 estão no Brasil e 3.436,22 km2 no Paraguai.
A bacia abrange, em território brasileiro, sete Municípios do Mato Grosso do Sul: Ponta
Porã, Antônio João, Bela Vista, Caracol, Porto Murtinho, Bonito e Jardim. No Paraguai,
compreende Pedro Juan Caballero e Bella Vista, Concepción, San Carlos e San Lázaro
(Quadro 3).
Quadro 3. Participação dos Municípios de PP e PJC na bacia hidrográfica
transfronteiriça do rio Apa
Estado/Departamento
% de superfície
na bacia
Município
% de superfície
na bacia
Mato Grosso do Sul (BR)
78
Ponta Porã
1,43
7
Pedro Juan
Caballero
1,17
Amambay (PY)
10. DIAGNÓSTICO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
10.1 Volumes coletados de resíduos sólidos
De acordo com o Diagnóstico Departamental de Amambay, realizado em 2007, o
Município de Pedro Juan Caballero coleta aproximadamente 50 toneladas de resíduos
sólidos por dia. O documento aponta que esse baixo volume resulta da ação de
“recicladores” (aproximadamente 40 famílias da periferia) que comercializam com o Brasil
papéis, plásticos e latas de alumínio.
Em Ponta Porã, segundo o relatório sobre resíduos sólidos de 2012, disponibilizado pela
prefeitura local, o volume produzido e coletado é tipificado como: domiciliar, do passeio
público, do comércio, da indústria, de origem agrícola, entulhos, de terminais rodoviários
e de serviços de saúde. O total coletado soma 42 toneladas por dia.
Assim, em relação à geração de resíduos sólidos, e na ausência de dados pontuais e
mensurados, devem ser consideradas correções. No Brasil, a versão preliminar do
Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), de 2011, indica que a coleta de resíduos
sólidos corresponde a 1,1 kg por habitante/dia. Ao considerar a integração existente entre
os dois Municípios, é possível concluir que a quantidade apresentada pelo Planares é
aplicável para ambos. A coleta de resíduos sólidos em Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero é, portanto, de 182 toneladas diárias.
18
11. GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS E OS MUNICÍPIOS FRONTEIRIÇOS
Os múltiplos fatores implicados na gestão de resíduos sólidos vão além das fronteiras e
exigem uma abordagem integrada, com a implementação de ações regionalizadas e de
cooperação entre os países, que possa minimizar os impactos ambientais, sociais e de
saúde pública envolvidos.
Ponto de encontro para os mais importantes projetos multinacionais, a fronteira deixa de
ser elemento de separação e transforma-se em faixa de contato. Ali, não apenas
começam e terminam as soberanias nacionais formais, mas é construído um lugar de
cooperação, integração social, cultural, comercial e, em especial, de um mercado comum.
11.1 Gestão dos resíduos sólidos nos Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero
O atual modelo praticado para a gestão dos resíduos sólidos em Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero é individualizado e segue as legislações próprias de Brasil e Paraguai.
Ponta Porã não dispõe de PGIRS (Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos),
conforme estabelecido pelo art. 18 da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos). A
coleta dos resíduos sólidos domiciliares é realizada pela própria prefeitura e a coleta
seletiva não esta formalmente instituída conforme o artigo 36 da PNRS. Os caminhões da
coleta convencional recolhem os materiais recicláveis por meio de bags fixadas nas
laterais dos veículos. A mesma guarnição que faz o recolhimento convencional é
responsável por coletar materiais recicláveis segregados e dispostos pela população.
Os resíduos recicláveis coletados são encaminhados a um galpão onde ocorre a triagem
e o beneficiamento primário (enfardamento, acondicionamento separado etc.). Cada
equipe de coleta é responsável pela triagem dos materiais oriundos de sua rota e, após a
comercialização, recebem o equivalente por essa produção, retirado o rejeito. A
infraestrutura do galpão foi disponibilizada por meio de um acordo firmado entre a
prefeitura e a União Europeia, o Projeto para o fortalecimento da gestão municipal e
comunitária da coleta seletiva para Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.
Os resíduos sólidos inadequados para a reciclagem são encaminhados para um lixão em
área municipal, onde trabalham catadores que separam os resíduos potencialmente
recicláveis que não foram segregados pela população para posterior comercialização.
A prefeitura construiu um novo galpão para triagem de materiais recicláveis próximo à
área do lixão e inicia o processo para equipar o local. No entanto, o galpão em final de
construção apresenta deficiências nos layouts externo e interno, um vez que está situado
muito perto da rodovia (a menos de 7 metros) e o vão de entrada principal fica em uma
curca, o que inviabilizaria qualquer manobra para carregamento ou descarregamento de
caminhões.
Quanto ao layout interno, não foram previstas instalações industriais adequadas para a
operação de equipamentos de grande porte. Apesar do empreendimento construído
possuir área para o manejo de resíduos sólidos, algumas modificações serão necessárias
19
para seu pleno funcionamento. Não foi estabelecido um projeto de uso e ocupação do
local, tampouco um plano de negócios.
Em Pedro Juan Caballero, os resíduos são coletados seguindo o mesmo modelo de
Ponta Porã, ou seja, o caminhão que realiza a coleta convencional recolhe os materiais
recicláveis disponibilizados pela população em bags e os encaminha para um galpão de
triagem e beneficiamento primário gerenciado pela Intendência.
Os resíduos da coleta convencional são transportados diretamente para o lixão da
municipalidade, onde se encontra uma grande quantidade de catadores (homens
mulheres e crianças) que separam os resíduos potencialmente recicláveis e providenciam
sua comercialização por meio das empresas instaladas em Ponta Porã. A municipalidade
de Pedro Juan Caballero não conta com um planejamento para os resíduos sólidos, que
são geridos somente no viés da prestação dos serviços.
Os dois Municípios contam com catadores (carrinheiros) dispersos e, ainda, com
associações de catadores de materiais recicláveis.
A comercialização dos materiais separados por catadores de ambos os Municípios é feita
por meio de empresas locais de comércio de sucata. Ponta Porã possui duas. Uma
compra e comercializa os materiais coletados diretamente pelos catadores dos lixões e
dos materiais triados e beneficiados primariamente pelos coletores municipais. A outra
empresa beneficia apenas os resíduos plásticos, transformando-os em flakes (flocos) que
são comercializados diretamente com as indústrias consumidoras.
O fluxo dos resíduos sólidos no modelo praticado nesses Municípios é representado na
Figura 5.
20
Figura 5. Fluxo atual dos resíduos sólidos nos Municípios
de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero
21
12. ESTUDO PARA A GESTÃO CONJUNTA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NOS
MUNICÍPIOS DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO
A partir da realidade encontrada no âmbito da gestão dos resíduos sólidos nos dois
Municípios, foi possível formular cenários para avaliar as condições de cada um no
sentido de obter uma atuação conjunta. Para tanto, foram estabelecidos parâmetros de
implicação direta para a elaboração dos cenários.
12.1 Parâmetros para a elaboração dos cenários
O estabelecimento de parâmetros para a construção de cenários pretende criar uma
interconexão entre as diversas características e condicionantes implicadas nos
Municípios e no manejo de resíduos sólidos para prover a definição de grupos de
incertezas e balizar o planejamento futuro. Os critérios considerados são ambientais,
jurídicos, técnicos, sociais e econômicos, definidos a partir do diagnóstico de percepção
participativo realizado com o Grupo Técnico Local.
Como condições territorial e demográfica há dados sobre a localização dos Municípios,
bem como sobre os contingentes populacionais e respectivas densidades, além de
informações sobre o expressivo fluxo turístico na região. Nos critérios ambientais foram
consideradas as especificidades do clima, relevo e da complexa hidrografia da região.
Foram estudados também o espaço disponível para a instalação das infraestruturas
necessárias, a dispersão habitacional presente nos territórios e o desenvolvimento e
ocupação de infraestruturas já existentes.
Nos parâmetros técnicos consideram-se as atividades necessárias referentes ao manejo
dos resíduos sólidos, tais como: coleta convencional, coleta seletiva, transporte,
tratamento e disposição final etc. Nos parâmetros econômicos, foram apreciadas as
vocações econômicas, hábitos de consumo da população, comercialização de material
reciclável etc.
As diretrizes sociais levaram em conta o modelo de relacionamento e cultura que foi
estabelecido pelos cidadãos de fronteira, com particularidades próprias, e pelos
catadores de materiais recicláveis. Por fim, o parâmetro jurídico, mais contundente para o
estabelecimento de um modelo de gestão conjunta que implicou na análise tanto da
questão territorial nacional quanto dos possíveis limitadores conferidos pelas legislações
internacionais: Mercosul e Unasul, entre outras.
22
Figura 6. Parâmetros para a construção dos cenários
12.1.1 Análise dos parâmetros
Para a análise dos parâmetros escolhidos, buscou-se identificar as implicações na
construção dos cenários, considerando sua interferência para a definição do modelo
(Quadro 4).
23
Quadro 4. Implicação dos parâmetros
Implicações
Parâmetros
Na definição do modelo
Soluções de menor
fragilidade com vistas à
minimização dos impactos e
riscos em relação a:
Ambientais
Fauna, flora, paisagem, solo
e sua utilização, clima,
recursos hídricos, qualidade
do ar, incêndios e menor
impacto nas bacias
hidrográficas
Na fase operacional
No momento de
reorganização operacional
das infraestruturas
existentes/fechamento dos
lixões
Minimizar os impactos e os
riscos em relação a:
Minimizar os impactos e os
riscos em relação a:
Fauna, flora, paisagem, solo e
sua utilização, clima, recursos
hídricos, segurança nacional,
qualidade do ar, incêndios e
outros incidentes
Fauna, flora, paisagem, solo e
sua utilização, clima, recursos
hídricos, segurança nacional,
qualidade do ar, incêndios e
outros incidentes
Reduzir os impactos sobre a
utilização da infraestrutura
local
Redefinir o uso da
infraestrutura existente
Reduzir os impactos sobre a
utilização da infraestrutura
local
Harmonizar as legislações;
Jurídicos
Propor instrumentos que
possibilitem a adoção do
modelo;
Favorecer as possibilidades
técnicas com vistas à
melhoria da gestão dos RS
Técnicos
Baseia-se nos poucos
estudos existentes para
economia de tempo e
recursos
Equalizar os processos e
procedimentos
Normatizar os procedimentos
de acordos a propostas
comuns
Factibilidade e funcionalidade
Adequar a exigências técnicas
Previsão de acessos
adequados
Recuperar estruturas em
desuso
Recuperação da área
degradada
Previsão de acessos
adequados
Sociais
Alternativas que favoreçam
uma integração plena de
cidades gêmeas, como
saúde publica, a cultura com
relação aos resíduos e a
responsabilidade individual e
coletiva sobre os mesmos
Instalar instância de
capacitação permanente
Estabelecer um modelo
comum de cuidado ambiental
Fortalecer a equipe de saúde
pública de fronteira
Contribuir para a segurança
nacional
Econômicos
Concentração na qualidade
dos serviços públicos
ofertados às populações
Analise do custo/benefício
direto e indireto
Recuperação da área
degradada
Recuperar estruturas em
desuso
24
12.1.2 Aspectos sociais
A gestão conjunta de resíduos sólidos entre Pedro Juan Caballero e Ponta Pora é um
elemento necessário e de suma importância para a criação de valores junto aos cidadãos
que residem na zona de fronteira. Ao considerar-se como tal, os cidadãos têm uma
primeira grande responsabilidade no âmbito municipal, uma vez que é em casa que se
gera a maior quantidade de resíduos sólidos.
Por essa razão se mostra importante envolver os diferentes setores da sociedade no
processo, que busca principalmente a integração plena nos Municípios.
As cidades gêmeas não apenas compartilham o mesmo território, mas uma história
comum que as faz dividir também os problemas e o esforço para buscar as soluções. As
propostas deste estudo são, portanto, uma alternativa real em que os cidadãos,
autoridades e instituições assumem responsabilidades no sentido de conquistar soluções
compartilhadas para obstáculos comuns.
As naturais diferenças políticas decorrentes do fato de se tratar de dois países exige que
seja levada em conta a construção social dos hábitos e modelos de interação das
sociedades. Esta dinâmica é feita a partir das famílias, que estão plenamente integradas
e comprometidas com a cultura de fronteira. É indispensável resgatar o melhor de cada
um e integrar as formas de vida para que seja possível gerar, por meio da capacitação
continuada dos atores sociais, hábitos saudáveis, comprometimento com a preservação
do meio ambiente e a transformação de valores danosos para o desenvolvimento
econômico sustentável da região.
A gestão conjunta dos resíduos sólidos, por outro lado, constrói uma oportunidade para a
criação de formas de trabalho inovadoras para os setores sociais mais carentes, uma
população ainda submetida a condições insalubres, exposta a enfermidades causadas
pelo permanente contato com os resíduos, sem a proteção adequada, em condições
mínimas de segurança e com escassos ingressos econômicos.
A geração de novos empregos implica ainda a dignificação do trabalho, a inclusão dos
catadores nas cadeias produtivas, a redução da pobreza e o incremento do nível de
recuperação dos resíduos, por meio da reciclagem e da transformação dos materiais.
A organização formal dos catadores, obtida a partir de associações e cooperativas, cria,
ainda, oportunidades para que estes trabalhadores exerçam seu direito de liberdade
econômica, o que certamente resultará em maior eficiência, sustentabilidade e inovação
em seus modelos de negócios. Como consequência, as oportunidades surgirão também
para os setores público e privado envolvidos.
O meio ambiente está acima das fronteiras e suas questões são absolutamente
compartilhadas no caso das cidades gêmeas. A necessidade de preservar as riquezas
naturais deve ter como base medidas comuns e hábitos semelhantes. A capacitação
constante é, por isso, um dos pilares deste estudo, seu elemento de construção social
mais importante.
De forma geral, a integração regional tende a favorecer a organização de vários aspectos
da saúde pública, como acesso aos recursos, a promoção de medidas preventivas e a
25
adoção de estilos de vida saudáveis. A comunidade que promove a boa saúde é aquela
que promove o bem-estar. A melhora na qualidade do meio ambiente urbano é
fundamental para que haja mais ganhos na saúde pública.
12.2 Classificação dos resíduos sólidos
Foram consideradas para a elaboração dos cenários, as tipologias de resíduos sólidos
determinadas pela PNRS, uma vez que a Lei nº 3.956/2009, da República do Paraguai,
não estabelece classificações específicas e define resíduos como todo material resultante
dos processos de produção, transformação e utilização que seja suscetível de ser
tratado, reciclado, reutilizado e recuperado. As tipologias de resíduos sólidos
consideradas na elaboração dos cenários são:

Resíduos domiciliares – Os originários de atividades domésticas em residências
urbanas;

Resíduos de limpeza urbana – Os originários da varrição, limpeza de logradouros
e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana;

Resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços – Os
gerados nessas atividades;

Resíduos de serviços de saúde – Os gerados nos serviços de saúde;

Resíduos da construção civil – Os gerados nas construções, reformas, reparos e
demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes da preparação e
escavação de terrenos para obras civis.
12.3 Infraestrutura considerada necessária
A elaboração dos cenários considerou a necessidade da infraestrutura mínima para a
otimização do manejo dos resíduos sólidos, estabelecida no Quadro 5.
Quadro 5. Infraestrutura necessária
Infraestrutura
Função
Local de recepção de resíduos
(Administrativo/Recepção)
Pesagem, contabilização, conferência das quantidades
e qualidade dos resíduos sólidos.
Local de tratamento primário
Segregação e beneficiamento dos materiais
recicláveis.
Zona de compostagem
Compostar resíduos orgânicos gerados para obter
composto de pronta utilização.
26
Depósito para resíduos
volumosos
Receber e acondicionar os resíduos volumosos
descartados pela população.
Postos de coleta de pneus
Receber e acondicionar pneus descartados para
possibilitar seu retorno ao fabricante ao mesmo tempo
em que elimina-se os problemas de saúde pública
associados.
Locais para destinação de
animais mortos
Receber e destinar as carcaças dos animais mortos
nos Municípios.
Áreas para estocagem e
processamento de resíduos da
construção civil
Local para recebimento e
tratamento de resíduos de
serviços de saúde
Aterro sanitário
Área de convivência e
capacitação
Receber, criar escala e beneficiar os resíduos oriundos
da construção civil.
Receber e tratar resíduos de serviços de saúde
previamente segregados.
Receber os rejeitos para disposição final.
Combater a contaminação (água, ar e solo) por meio
de laboratórios de controle dos resíduos e rejeitos.
Construção de valores conjuntos e articulação
comunitária.
Capacitar os recursos humanos empenhados na
execução de tarefas voltadas à gestão e ao manejo de
resíduos sólidos.
13. EIXOS DE SUSTENTABILIDADE
Prever cenários no âmbito da sustentabilidade provocou uma análise aprofundada em
torno dos eixos pertinência, eficiência e eficácia, uma vez que eles são responsáveis por
uma série de contribuições para as ações voltadas à gestão e ao manejo dos resíduos
sólidos:

Pertinência – Considera-se a conveniência para a adoção dos cenários em
análise, ou seja, o cenário mais apropriado que possibilitará a gestão conjunta dos
resíduos sólidos.

Eficiência – Considera-se a capacidade do cenário para a obtenção de bons
resultados (produtividade, desempenho etc.) utilizando a menor quantidade de
recursos (tempo, mão de obra, material etc.) possíveis, ou a obtenção de mais
resultado utilizando a mesma quantidade de recursos.

Eficácia – Considera-se a capacidade de empreender o necessário, na forma
tecnicamente possível, para o alcance dos objetivos. Ou seja, a escolha dos
melhores meios para possibilitar que os parâmetros estudados (ambiental,
jurídico, técnico, social e econômico) conduzam a resultados positivos.
A eficiência envolve a forma com que uma atividade é executada, enquanto a eficácia se
refere ao resultado da mesma. Ressalta-se que uma atividade pode ser desempenhada
com eficácia, porém sem eficiência, e vice-versa.
27
14. CENÁRIOS – MODELO DE GESTÃO CONJUNTA PP E PJC
Os cenários para viabilizar a implementação de um modelo de gestão conjunta dos
resíduos sólidos entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero foram esboçados para
possibilitar a reorganização e a potencialização dos sistemas já existentes nos
Municípios, bem como minimizar os impactos econômicos, sociais e ambientais
provocados pela gestão inadequada. Foram considerados os aspectos relacionados ao
planejamento para os resíduos sólidos, tanto a elaboração dos PMGIRS (Planos
Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos) quanto a gestão dos mesmos no
âmbito municipal (Quadro 6).
Quadro 6. Descrição dos cenários
Cenário
Descrição
Gestão dos
resíduos sólidos
Atuação individualizada de cada Município
PMGIRS
Alguma compatibilidade/implementados individualmente
Gestão dos
resíduos sólidos
Adoção do modelo brasileiro para os Municípios
PMGIRS
Compatíveis/implementados individualmente
Gestão dos
resíduos sólidos
Adoção do modelo europeu
PMGIRS
Compatíveis/implementados em conjunto
Gestão dos
resíduos sólidos
Atuação conjunta entre os Municípios
PMGIRS
Elaborados e implementados em conjunto
I
II
III
IV
14.1 Cenário I
O Cenário I apresenta a possibilidade de atuação dos Municípios frente à gestão dos
resíduos sólidos de forma individualizada, porém mantendo alguma comunicação e/ou
compatibilidade no planejamento de ações para com os resíduos no que diz respeito aos
limites dos territórios, às legislações pertinentes e à preservação da infraestrutura
existente em cada Município. O compartilhamento da gestão e do manejo dos resíduos
sólidos ocorre na forma espelhada1.
1
Forma espelhada: conceito extraído da isomeria óptica, na qual as imagens são duplicadas ou
simétricas diante de contextos idênticos.
28
Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Foi considerada, no Cenário I, a existência de PMGIRS elaborados e implementados
individualmente, mas sempre com alguma correlação (Figura 7).
Figura 7. Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Fluxo dos resíduos sólidos
Os fluxos foram estabelecidos em conformidade com as políticas para resíduos de cada
um dos países. A gestão individual dos resíduos sólidos exige a implantação de novas
áreas para possibilitar a destinação final dos resíduos gerados uma vez que ambos os
Municípios apresentam lixões como forma de disposição final. Além da necessidade de
novas áreas para destinar seus resíduos, será preciso que os Municípios aportem
recursos para a recuperação das áreas degradadas pelos lixões (Figura 8).
Os municípios brasileiros devem adotar a logística reversa para a assunção da
responsabilidade compartilhada e, do lado paraguaio, os Municípios têm de atuar no
âmbito da corresponsabilidade sem que tenha sido estabelecido qualquer instrumento
para sua implementação.
Assim, nos dois países, os resíduos sólidos deverão ser segregados em conformidade
com sua classificação, com a segregação obrigatória (regida por meio do PMGIRS) em
Ponta Porã e a voluntária, em Pedro Juan Caballero (pode ser compulsória no âmbito de
um PMGIRS). Os resíduos sólidos devem ser segregados em secos e úmidos, incluindo a
separação do infectante quando se tratar de resíduos de serviço de saúde. Tais resíduos
deverão ser coletados na coleta convencional (úmidos), seletiva (secos) e diferenciada
(infectante). Os resíduos secos deverão ser encaminhados para central de
triagem/beneficiamento; resíduos úmidos deverão seguir para disposição final em aterro
sanitário implantado no país.
A comercialização da matéria-prima secundária, formada pelos materiais triados e
beneficiados, poderá ser feita em empresas instaladas nos dois Municípios e geridas
pelas organizações de catadores ou outra pessoa jurídica de direito privado, situação
prevista na legislação nacional e do Mercosul.
29
No Brasil, as ações para a adoção da Logística Reversa podem ser estabelecidas uma
vez que o Município contará com centrais de triagem/beneficiamento e empreendimentos
privados para possibilitar a sua comercialização.
Figura 8. Fluxo espelhado – Cenário I
Análise expedita – Cenário I
A análise do Cenário I indica a necessidade de duas intervenções que garantam o
aterramento de resíduos, com um aterro sanitário servindo Ponta Porã e outro a
população de Pedro Juan Caballero.
Centrais que permitam a triagem e o beneficiamento de materiais deverão ser
implementadas ou, no caso das já existentes, adaptadas para dar suporte à coleta
seletiva. A política brasileira estabelece a obrigatoriedade da coleta seletiva nos
Municípios enquanto a política paraguaia é omissa neste sentido. Assim, a população
local estará dividida em termos desta obrigatoriedade. Os planos municipais poderão
corrigir as distorções.
30
Diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia –, a análise do
Cenário I apontou questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado
neste cenário (Quadro 7).
Quadro 7. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário I
Eixos de
sustentabilidade
Questões de fundo
Pertinência
Objetivos e resultados poderão ser diferenciados.
Prioridades poderão ser definidas para beneficiários
diferenciados.
Níveis de importância poderão ser desiguais.
Fatores políticos, econômicos e sociais podem receber pesos
diferenciados.
Eficiência
Utilização e aplicação de recursos de forma diferenciada.
Diferentes insumos transformados em diferentes resultados.
Produtividade induzida diferenciada.
Timings incompatíveis.
Diferenciação nos aportes (gastos com pessoal, viagens,
capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em
relação aos resultados obtidos.
Assimetria.
Espelhamento da aplicação de recursos (duplicação).
Eficácia
Diferentes dimensões, alcance e qualidade de ações poderão ser
encontradas.
Metas diferenciadas.
Objetivos institucionais podem ser diferenciados.
Possibilidade de apoio apenas a atividades-meio.
Capacidades diferenciadas.
Correlações divergentes entre os planos.
14.2 Cenário II
O Cenário II reflete o modelo estabelecido no Brasil pela PNRS para a gestão dos
resíduos sólidos, no fluxo conjunto dos resíduos gerados em Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero. Adota-se a logística reversa como instrumento aplicável aos dois Municípios
no sentido de propiciar o retorno da matéria-prima secundária oriunda dos resíduos e a
comercialização desses materiais. A imposição para reincorporar resíduos em processos
produtivos como matéria-prima secundária é expressa de igual forma na legislação
paraguaia (Lei nº 3.965/2009, art. 23). O compartilhamento da Gestão e Manejo dos
Resíduos Sólidos ocorre na forma combinada2.
2
Fluxo unidirecional nos dois Municípios.
31
Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Considera-se no Cenário II a existência de PMGIRS elaborados em conjunto e
implementados individualmente (Figura 9).
Figura 9. Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Fluxo dos resíduos sólidos
Neste Cenário II, os resíduos gerados nos dois municípios têm fluxo combinado. São
segregados, obrigatoriamente, em seco, úmido e infectante para o caso dos resíduos de
serviços de saúde. São coletados na forma convencional, seletiva e diferenciada. Os
resíduos de serviços de saúde devem ser tratados em solo paraguaio (quando gerados
no Paraguai) e em solo brasileiro (quando gerados no Brasil) e estarão sujeitos à
disposição final nos países em que foram gerados. Os demais resíduos quando
coletados, devem ser encaminhados para centrais de triagem e beneficiamento de seus
respectivos países (operadas por organizações de catadores de materiais recicláveis
legalmente constituídas). A disposição final dos rejeitos deverá ser efetuada em aterros
sanitários implementados em cada município. A matéria-prima proveniente das centrais
poderão ser comercializadas tanto em solo brasileiro quanto em solo paraguaio, conforme
estabelece a resolução Mercosul/GMC/Res. 30/2007 (Anexo 2). Neste fluxo combinado
foi considerado o equilíbrio entre as atividades estabelecidas, mas resguardando as
determinações estabelecidas nas políticas de cada país.
32
Figura 10. Fluxo combinado – Cenário II
Análise expedita – Cenário II
Diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia –, a análise do
Cenário II apontou questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado
neste cenário (Quadro 8).
33
Quadro 8. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário II
Eixos de
sustentabilidade
Questões de fundo
Pertinência
Objetivos e resultados poderão ser diferenciados.
Prioridades definidas para os mesmos beneficiários.
Níveis de importância poderão ser desiguais.
Fatores políticos, econômicos e sociais podem receber pesos
diferenciados.
Eficiência
Utilização e aplicação de recursos de forma diferenciada.
Diferentes insumos transformados em diferentes resultados.
Produtividade induzida diferenciada.
Timing incompatível.
Aportes deverão ser compatíveis (gastos com pessoal, viagens,
capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em
relação aos resultados obtidos.
Simetria.
Duplicação de investimentos na disposição final.
Eficácia
Dimensões, alcance e qualidade de ações devem ser iguais.
Metas iguais.
Objetivos institucionais podem ser diferenciados, mas serão
resguardados pela existência dos PMGIRS.
Possibilidade de apoio apenas a atividades-meio.
Capacidades diferenciadas.
Baixa escala.
14.3 Cenário III
O Cenário III demonstra a introdução do modelo estabelecido para a gestão de resíduos
sólidos pela Legislação Comunitária Europeia (Quadro 9), que integra os entendimentos
efetuados por ocasião da instalação das centrais para recebimento de resíduos
recicláveis em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, por meio de projeto específico
desenvolvido pela União Europeia nos dois países.
A Legislação Comunitária Europeia estabelece que as diversas tipologias de resíduos
devem estar inseridas em fluxos especiais para que depois possam ser encaminhadas
para tratamento, reciclagem ou recuperação. A reciclagem e a recuperação desses
materiais são priorizadas. As centrais de reciclagem ou recuperação são geridas de
forma independente por empresas privadas constituídas para atender à necessidade de
participação de operadores econômicos.
Desta forma, a implementação deste Cenário deve estabeler arranjos entre os setores
público e privado (parcerias, alianças etc.) a fim de permitir a reciclagem e a recuperação
dos resíduos sólidos. É importante que os arranjos considerem que os municípios, ao
destinarem os resíduos coletados ao agente privado para recuperação, reciclagem e
comercialização, estarão atuando no âmbito do poluidor pagador e, como tal, deverão
34
acordar na reversão financeira dos serviços prestados por facilitarem o retorno dos
materiais aos agentes privados. A reversão financeira prevista deverá considerar ainda
que os resíduos sólidos coletados poderão chegar ao seu beneficiário nas modalidades
FOB3 (Free on Board) ou CIF4 (Cost, Insurance and Freight).
Este modelo evidencia o fortalecimento pelos municípios das empresas privadas
legalmente constituídas voltadas a recuperação e a reciclagem dos resíduos. Ainda
assim, a disposição final dos rejeitos fica a cargo de cada um dos municípios. Como o
modelo europeu considera importação e exportação como o fluxo de resíduos em limites
de fronteiras territoriais, as soluções para a disposição final devem ocorrer de forma
simétrica, uma vez que tanto a legislação brasileira quanto à paraguaia proíbem também
a importação e a exportação de resíduos sólidos.
O planejamento de ações, entretanto, deverá ser compartilhado para permitir sua adoção
e implementação.
Quadro 9. Aspectos da gestão de resíduos sólidos na União Europeia
Programas
Síntese
O ambiente é um todo e os problemas devem ser resolvidos por meio
Sexto programa da de uma visão holística, com estratégias específicas e coordenadas.
União Europeia em Para os resíduos, a prevenção e a redução são temas prioritários.
matéria ambiental
Referência: Decisão 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho de 22 de julho de 2002.
Estratégia
temática para o
uso sustentável
dos recursos
naturais
O documento revela a urgência do estabelecimento de medidas em
contraste ao depauperamento dos recursos naturais. Individualiza
instrumentos avançados para analisar a situação atual e encontrar
soluções eficazes: indicadores ambientais, integração dos diversos
setores ambientais (entre os quais o de resíduos), política integrada
do produto e análise de custo-benefício.
Referência: COM 670, Bruxelas, 21 de dezembro 2005
Estratégia
temática de
prevenção e
reciclagem de
resíduos
O documento parte da análise da situação atual dos membros,
em termos de ação, da legislação sobre a prevenção da geração
de resíduos, seu reaproveitamento e reciclagem. Examina os
instrumentos aplicados partindo da análise dos impactos
ambientais dos processos produtivos e da transformação da
matéria-prima. Prevê atenção específica para as mudanças
climáticas, avalia o impacto ambiental do ciclo de vida dos
3
Modalidade FOB: as empresas destinatarias assumem os riscos e custos com o transporte dos
resíduos coletados, assim que são descarregados na planta da empresa. A obrigação de colocar o
material na planta da empresa recicladora fica por conta e risco do Município.
4
Modalidade CIF: O Município é responsável por todos os custos e riscos envolvidos na entrega
dos resíduos coletados. Esta responsabilidade termina assim que os resíduos são entregues na
planta da empresa recicladora.
35
produtos e verifica a possibilidade de modificar os modelos de
consumo, também com incentivos e desincentivos econômicos.
Referência: COM 301, Bruxelas, 27 de maio 2003
Diretiva
2006/12/CE
relativa aos
resíduos (modifica
a diretiva
75/442/CE)
A diretiva quadro em matéria de resíduos indica princípios e
critérios gerais para que os estados membros atuem por meio de
legislação própria sobre a temática dos resíduos. Prevê, ainda,
que, para obter elevada proteção do ambiente, é necessário que
os estados membros tomem providências responsáveis para
garantir seu tratamento e recuperação, adotando medidas que
limitem a formação de resíduos e promovendo tecnologias limpas
e produtos recicláveis e reutilizáveis, considerando os atuais e
potenciais mercados para os resíduos recuperados.
Referência: Diretiva 2006/12/CE de 5 de abril de 2006.
Estabelece que os estados membros providenciem medidas de
prevenção de formação de resíduos de embalagens como por
exemplo, programas nacionais ou em ações análogas. A diretiva
demanda aos estados membros que sejam estabelecidos:

Medidas que incentivem os sistemas de reutilização
Os estados membros devem favorecer a reutilização de embalagens
para que estas possam ser reempregadas de modo ecologicamente
adequado.
 Sistemas de restituição
Diretiva 94/62
sobre embalagens
e resíduos de
embalagens
Os estados membros devem adotar as medidas necessárias para
garantir que sejam introduzidos sistemas de restituição e/ou
coleta de embalagens usadas e/ou de resíduos de embalagens e
sistema de reemprego ou recuperação, incluindo a reciclagem
das embalagens e/ou dos resíduos de embalagens recolhidas.
Tais sistemas devem ser abertos à participação dos operadores
econômicos dos setores interessados e à participação da
competente autoridade pública. Isso se aplica também aos
produtores e importadores em condições não discriminadas e
concebidas de forma a evitar obstáculos às trocas ou distorções
da concorrência em conformidade com o tratado.
 Promoção do emprego do material reciclado
Para a fabricação de embalagens e outros produtos será
encorajada de forma oportuna a utilização de material provindo
de resíduos de embalagens recicladas. Os estados membros
devem publicar as medidas com o objetivo de recuperar e reciclar
e por meio de campanhas de informação destinadas ao público
em geral e aos operadores econômicos.
 Campanhas de informação
Os estados membros devem garantir que todos os utilizadores de
embalagens, em particular os consumidores, tenham acesso às
informações necessárias acerca do sistema de restituição, de
coleta e de recuperação disponível, do seu envolvimento no
36
processo de reutilização, recuperação e reciclagem das
embalagens, do significado das medidas para o mercado e os
pertinentes elementos que devem ser introduzidos nos planos de
gestão de resíduos sólidos.
 Instrumentos econômicos
Nas medidas comunitárias, os estados membros adotarão
diretrizes de acordo com os princípios da política da União
Europeia, com ênfase no princípio do poluidor pagador.
Referência: Diretiva 1994/62/CE de 20 de dezembro de 1994.
Política Integrada
do Produto (IPP)
Visa a redução do impacto ambiental dos produtos em seu ciclo
de vida completo: produção, uso e tratamento dos resíduos.
Ressalta atenção específica aos instrumentos de gestão
ambiental e à difusão da rotulagem ambiental. Outros
instrumentos, como as subvenções, são impostos aos diversos
setores produtivos em grau de orientação e escolha de “produção
verde” e consumo.
Referência: COM 302, Bruxelas, 18 de junho de 2001.
Diretiva
2004/18/CE
Contém a regulação para conceder por decisão judicial aos entes
públicos, a título pleno, as características ambientais dos critérios
de transferência.
Referência: Diretiva 2004/18/CE, 31 de março de 2004.
Planos Municipais de Resíduos Sólidos
O Cenário III considera a existência de PMGIRS elaborados e implementados em
conjunto (Figura 11).
Figura 11. Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Fluxo dos resíduos sólidos
Para a adoção do modelo europeu, o fluxo dos resíduos sólidos, tanto para os gerados
em Ponta Porã quanto em Pedro Juan Caballero, deve ser simétrico, uma vez que a
política europeia tangencia as determinações das políticas nacionais de ambos os países
37
e sua adoção seria uma inovação. Neste Cenário III, os resíduos são coletados e
segregados de acordo com suas características. A coleta é efetuada de forma
diferenciada, com coleta exclusiva para resíduos de serviços de saúde, úmidos e secos.
Os secos são encaminhados para as empresas particulares especializadas em
tratamento, recuperação e reciclagem. Do faturamento mensal destas empresas, uma
parcela retorna ao município para que seja reaplicada na gestão dos resíduos sólidos. Os
resíduos úmidos seguem para a compostagem. Os rejeitos são considerados materiais
perigosos e são dispostos em aterros sanitários, cujas características são as mesmas dos
aterros sanitários para resíduos perigosos implantados no Brasil, ou tratados por meio de
tecnologias específicas.
A legislação europeia inibe a disposição final de resíduos sólidos ao aplicar taxas
significativas para esse fim. Assim, quando segregados e coletados, os resíduos gerados
são encaminhados a empresas privadas ou de relação público-privada, atividade que
gera valorização e restituição econômica. Estas empresas operam exclusivamente com
trabalhadores qualificados.
38
Figura 12. Fluxo simétrico – Cenário III
39
Análise expedita – Cenário III
Diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia –, a análise do
Cenário III apontou questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado
neste cenário (Quadro 10).
Quadro 10. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário III
Eixos de
sustentabilidade
Questões de fundo
Objetivos e resultados compatibilizados.
Prioridades definidas para os mesmos beneficiários.
Pertinência
Níveis de importância poderão ser desiguais.
Fatores políticos, econômicos e sociais podem receber pesos
iguais.
Utilização e aplicação de recursos de forma equilibrada.
Mesmos insumos transformados nos mesmos resultados.
Produtividade induzida uniforme.
Timing compatível.
Eficiência
Aportes deverão ser compatíveis (gastos com pessoal, viagens,
capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em
relação aos resultados obtidos.
Simetria.
Duplicação de investimentos no tratamento e na disposição final.
Dimensões, alcance e qualidade de ações devem ser iguais.
Metas iguais.
Objetivos institucionais podem ser diferenciados, mas serão
resguardados pela existência de um único PMGIRS.
Eficácia
Possibilidade de apoio a atividades-meio e fim.
Capacidades compatíveis.
Maior escala e possibilidade da existência de um maior número de
empresas privadas atuando na recuperação e reciclagem e/ou na
disposição final.
14.4 Cenário IV
O Cenário IV é apresentado como uma fusão entre os modelos brasileiro e europeu, com
destaque na adoção de elementos relevantes que possibilitarão atuar em um modelo de
Gestão Conjunta dos Resíduos Sólidos. O planejamento de ações, entretanto, deverá ser
compartilhado para tornar possível sua adoção e implementação.
40
Planos Municipais de Resíduos Sólidos
Considera-se no Cenário IV a existência de Plano Municipal Conjunto de Gestão
Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) entre os municípios de Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero (Figura 13).
Figura 13. Plano Municipal Conjunto de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
PMCGIRS
PP-PJC
Fluxo dos resíduos sólidos
No Cenário IV, a possibilidade de consorciamento com outros municípios deverá ser
analisada no momento em que for elaborado o plano municipal conjunto, uma vez que os
municípios brasileiros serão privilegiados pelas ações do Governo Federal quando
operarem por meio de consórcios públicos. Essa mesma possibilidade ganha destaque
no caso paraguaio, caso seja aplicada, em função da obtenção de escala e
economicidade.
Os resíduos gerados nos municípios deverão ser segregados compulsoriamente. A
parcela infectante dos resíduos de serviços de saúde é encaminhada para tratamento em
planta comum aos municípios. Os resíduos úmidos devem ser passíveis de
compostagem em planta igualmente compartilhada. Os resíduos recicláveis coletados
deverão, em respeito às atividades já consolidadas na região, ser encaminhados para as
centrais de triagem e empresas privadas de recuperação e reciclagem instaladas, desde
que essa condição esteja assegurada no âmbito de alianças público-privadas.
As centrais de triagem já instaladas nos municípios deverão ser gerenciadas de forma
compartilhada a fim de obter maior escala econômica e disponibilidade de acesso à
população. Os catadores de materiais recicláveis presentes nos lixões deverão ser
organizados e capacitados para atuarem na triagem e no beneficiamento prévio destas
centrais.
A disposição final de rejeitos dos dois municípios deverá ser efetuada em aterro sanitário
comum, local em que poderão ser implementados projetos relativos ao Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto pelo Protocolo de Quioto. Desta forma, apenas
um aterro sanitário atenderá aos dois municípios e às centrais de triagem já instaladas
por outros projetos, situação que permite operar em rede, com qualidade e com estrutura
operacional única.
41
As ações para a Logística Reversa serão comuns aos municípios de forma a atender às
exigências políticas brasileira e paraguaia.
Figura 14. Fluxo Conjunto – Cenário IV
42
Análise expedita – Cenário IV
Ao proceder uma breve análise do Cenário IV diante dos eixos de sustentabilidade –
pertinência, eficiência e eficácia – foi possível observar questões de fundo que implicarão
na adoção do modelo apresentado neste Cenário (Quadro 11).
Quadro 11. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário IV
Eixos de
sustentabilidade
Questões de fundo
Objetivos e resultados compatibilizados.
Prioridades definidas para os mesmos beneficiários.
Pertinência
Níveis de importância compatibilizados.
Fatores políticos, econômicos e sociais com pesos iguais.
Impacto ambiental minimizado com a existência de apenas uma
estrutura de disposição final.
Utilização e aplicação de recursos de forma equilibrada.
Mesmos insumos transformados nos mesmos resultados.
Produtividade induzida uniforme.
Timing compatível.
Eficiência
Aportes deverão ser compatíveis (gastos com pessoal, viagens,
capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em
relação aos resultados obtidos.
Simetria.
Investimentos compatíveis no tratamento e na disposição final.
Dimensões, alcance e qualidade de ações iguais.
Metas iguais.
Objetivos institucionais podem ser diferenciados, mas serão
resguardados pela existência do PMGIRS conjunto.
Eficácia
Possibilidade de apoio a atividades meio e fim.
Capacidades compatíveis.
Maior escala e possibilidade da existência de um maior número de
empresas privadas atuando na recuperação e reciclagem e/ou na
disposição final.
Organização dos catadores locais.
15. ANÁLISE JURÍDICA DOS CENÁRIOS ESTUDADOS
Com base na infraestrutura necessária, apresentada no Quadro 5, o critério orientador
para o delineamento dos cenários foi o da sustentabilidade, com análise aprofundada dos
eixos pertinência, eficiência e eficácia. O objetivo definido foi o de viabilizar a
implementação de um modelo conjunto de gestão dos resíduos sólidos entre Ponta Porã
43
e Pedro Juan Caballero. Para tanto, os cenários foram planejados de forma a possibilitar
a reorganização e a potencialização dos sistemas já implementados nos municípios.
Além disso, foram considerados os aspectos relacionados ao planejamento para os
resíduos, por meio da elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada de
Resíduos Sólidos.
Deve-se ressaltar, no entanto, que ambos os municípios ainda não dispõem de planos
para o alinhamento das questões relacionadas aos resíduos sólidos na região, situação
que apresenta um grande desafio do ponto de vista operacional e jurídico. Os cenários
apresentados, portanto, possibilitaram nortear a análise jurídica de desafios e
oportunidades.
15.1 Cenário I
No Cenário I, os Municípios brasileiro e paraguaio preservam suas estruturas individuais
de gestão de resíduos sólidos. Cada um é responsável pela gestão do seu próprio
resíduo. A infraestrutura necessária para viabilizar a coordenação dos resíduos sólidos
seria duplicada. Cada Município construiria e se responsabilizaria pela sua própria
infraestrutura, desde o local de recebimento de resíduos até o aterramento. Toda a
infraestrutura seria duplicada: uma em cada lado da fronteira.
Diante da inexistência de infraestrutura mínima e da ocorrência de lixões em ambos os
municípios, haverá a necessidade de adequação, no caso brasileiro, aos termos do que
dispõe a PNRS. Para ter acesso a repasses de recursos públicos federais, o Município de
Ponta Porã deverá desenvolver o PMGIRS, de acordo com o art. 18, da PNRS. O
município pode designar uma comissão para harmonizar o seu plano ao disposto no
PMGIRS de Pedro Juan Caballero, desde que o conteúdo previsto pela política paraguaia
não apresente conflito com dispositivos da política brasileira. A princípio, não existe
obstáculo jurídico internacional que impeça uma ação colaborativa de iniciativa dos
próprios municípios para harmonizarem os termos dos seus respectivos PMGIRS.
Neste Cenário I, como as estruturas são duplicadas e não há movimento transfronteiriço
de resíduos, não há implicações jurídicas internacionais. No caso brasileiro, desde que
Ponta Porã cumpra o estabelecido na PNRS, poderá, de forma individualizada, ou
consorciada com outros municípios brasileiros (art. 18, par. 1º, I, da PNRS), implementar
a gestão dos resíduos sólidos. Segundo a PNRS, essa gestão deverá obedecer a
diretrizes como a logística reversa, a responsabilidade compartilhada, políticas de
reciclagem, entre outras previstas na legislação e no seu regulamento.
Sobre a comercialização de matéria-prima secundária em ambos os países, o caso
brasileiro exige que seja observado o disposto na Resolução Conama 452/2012, que
dispõe sobre os procedimentos de controle da importação de resíduos, segundo a
Convenção de Basiléia. Se os resíduos forem beneficiados em seus países de origem,
não haverá fluxo de resíduos, podendo haver a comercialização da matéria-prima
secundária segundo as regras do livre mercado do Mercosul. Se houver a necessidade
de beneficiamento de resíduos paraguaios no Brasil, ou o contrário, há movimento
44
transfronteiriço de recursos e, neste caso, no Brasil, será necessário observar o disposto
na Resolução Conama 452/2012.
Logo, segundo consta da descrição do Cenário I, quando não ocorre fluxo de resíduos,
não há qualquer barreira jurídica que impeça a imediata elaboração do PMGIRS pelo
município de Ponta Porã. Desde que o PMGIRS contenha o mínimo estabelecido pela
legislação (arts. 18, 19 e 20 da PNRS), poderá contemplar critérios e diretrizes, que não
sejam conflitantes, previstos na lei paraguaia de gestão de resíduos sólidos. Não
havendo movimento transfronteiriço de resíduos, não há obstáculo em normativa
internacional.
Ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência
e eficácia para o Cenário I, as questões de fundo apresentadas parecem não recomendar
o modelo operacional proposto. Por outro lado, a análise do parâmetro jurídico, como
elemento adicional, traduzido em critérios de tempo, viabilidade, custo-eficiência,
intermediários institucionais e participação do município, é favorável ao Cenário I,
conforme apresentado no Quadro 12.
Quadro 12. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidade para o Cenário I
Análise de possibilidades
Parâmetro
Jurídico
Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC.
Tempo
Elaboração de PMGIRS para PP e PJC – Poder Executivo.
Comissão conjunta PP-PJC para harmonização dos PMGIRS.
Viabilidade
jurídica
Plenamente possível.
Custo-eficiência
Baixo custo e alta eficiência jurídica para o Cenário proposto.
Intermediários
institucionais
Poder Executivo Municipal e sociedade civil na formulação do
PMGIRS.
Participação do
Total.
município
Uma ressalva adicional quanto a esse modelo diz respeito à ausência de mecanismos
internacionais de obrigação de um país com relação a outro. Ou seja, Ponta Porã poderá
elaborar e executar o PMGIRS, mas não há instrumento jurídico capaz, nesse cenário, de
obrigar o município paraguaio a fazer o mesmo. Além disso, as responsabilidades de cada
Estado não estarão claramente previstas, o que gera insegurança jurídica ao projeto que não
terá previsão do foro competente ou das normas aplicáveis a uma possível controvérsia.
45
15.2 Cenário II
O Cenário II assemelha-se ao Cenário I. As estruturas de coleta, tratamento e disposição
final também são duplicadas para cada município fronteiriço. Ocorrem nos respectivos
países em que os resíduos são gerados. O elemento distintivo para o Cenário I parece
ser o fato de o PMGIRS ser elaborado de forma conjunta, ou seja, por Ponta Porã e por
Pedro Juan Caballero. A execução do PMGIRS é que se daria de forma diversa.
Não há impedimento legal relacionado à participação de representantes de Pedro Juan
Caballero na elaboração do PMGIRS de Ponta Porã. Ao contrário, pelas características
da fronteira e das duas cidades, é aconselhável que haja a participação efetiva de
representantes de ambos os lados. Desde que respeitado o conteúdo mínimo previsto no
art. 19, da PNRS, o PMGIRS poderá ser realizado de forma conjunta por representantes
dos dois municípios. O conteúdo mínimo previsto no referido art. 19 não impede que
eventual política paraguaia de gestão de resíduos sólidos incremente o PMGIRS
elaborado para Ponta Porã. Uma vez que o conteúdo previsto por política paraguaia não
conflite com dispositivos da política brasileira, é possível, e recomendável, que a
elaboração do PMGIRS agregue o conteúdo brasileiro e o paraguaio. Ainda assim, tratase da elaboração de duas políticas autônomas para as quais se busca a harmonização
na medida do possível.
Observada a regra geral estabelecida pela PNRS, o mesmo PMGIRS aprovado para ser
executado em Pedro Juan Caballero pode ser utilizado para Ponta Porã. Como no caso
de qualquer política pública ambiental, é recomendável que sejam oferecidas
possibilidades amplas de acesso às informações e da participação da sociedade civil na
discussão do PMGIRS. Tal medida está de acordo com as premissas do art. 225, da
CF/1988 e da Lei 6.938/1981 (Política Nacional de Meio Ambiente).
Em termos de relevância jurídica, merece ser mencionado o fato de que a execução do
PMGIRS será feita de forma separada e independente, com a infraestrutura necessária
sendo reproduzida nos dois lados da fronteira.
Outro fator distintivo em relação ao Cenário I está na observação de que “a matéria-prima
provinda das centrais poderão ser comercializadas tanto em solo brasileiro quanto em
solo paraguaio, conforme estabelece a resolução Mercosul/GMC/Res. 30/2007”.
Logo, as matérias-primas advindas das centrais de resíduos, ainda que com destinação
para reciclagem, só poderão ser movimentadas entre os municípios se forem observados
os requisitos estabelecidos pela Res. Conama 452/2012, que regulamenta a PNRS em
relação aos procedimentos de controle da importação de resíduos, segundo a Convenção
de Basiléia. O fluxo desses resíduos que podem ser destinados à reciclagem não está
proibido, mas deve obedecer aos critérios estipulados pela normativa do Conama (art. 6º
e segs. da Res. 452/2012).5
5
o
Art. 6 . Não estão sujeitos à restrição de importação os Resíduos Inertes – Classe IIB, desde que
não controlados pelo Ibama e não combinados com outros resíduos ou rejeitos, à exceção dos
pneumáticos usados cuja importação é proibida.
46
o
§ 1 O Ibama, mediante decisão motivada e exclusiva, poderá ampliar a lista de Resíduos Inertes Classe IIB sujeitos à restrição de importação, cujas características causem dano ao meio
ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma,
reuso, reutilização ou recuperação.
§ 2o No caso de estabelecimento de restrições de importação para os Resíduos Inertes -Classe IIB
o
referidos acima, deverão ser adotados os procedimentos constantes no art. 7 desta Resolução.
o
§ 3 Fica excluída da proibição contida no caput deste artigo a reimportação de pneumáticos de
uso aeronáutico com vistas à extinção de operação anterior de exportação efetuada sob o regime
aduaneiro especial de exportação temporária para aperfeiçoamento passivo.
o
Art. 7 . A importação de Resíduos Controlados só poderá ser realizada por Destinador de
Resíduos para reciclagem, em instalações devidamente licenciadas para tal fim, após autorização
e anuência prévia do Ibama com o atendimento das seguintes exigências:
I - regularidade perante o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou
Utilizadoras de Recursos Ambientais (CTF), gerenciado pelo Ibama;
II - apresentação de licença ambiental do Destinador de Resíduos, expedida pelo órgão ambiental
competente;
III - laudo técnico atestando a classificação da carga de resíduos que esteja sendo importada,
exceto nos casos onde houver dispensa fundamentada do Ibama;
IV - atendimento às normas nacionais e internacionais de acondicionamento e transporte, bem
como observância dos cuidados especiais de manuseio em trânsito, inclusive interno, além da
previsão de ações de emergência para cada tipo de resíduo;
V - cumprimento das condições estabelecidas pela legislação federal, estadual e municipal de
controle ambiental pertinente quanto à armazenagem, manipulação, utilização e reprocessamento
do resíduo importado, bem como de eventuais resíduos gerados nesta operação, inclusive quanto
à sua disposição final.
o
§ 1 A autorização de que trata o caput deste artigo deve se referir a cada tipo de resíduo que se
pretenda importar.
o
§ 2 O Importador de Resíduos deverá inserir, quando do registro no Sistema Integrado de
Comércio Exterior-SISCOMEX, a descrição e a destinação do resíduo em campo específico da
licença de importação.
o
§ 3 Quando a importação de Resíduos Controlados não for realizada diretamente pelos
Destinadores de Resíduos, mas sim por terceiros, estes ficam obrigados a cumprir o disposto
neste artigo, além deapresentar cópia do contrato firmado com os Destinadores de Resíduos.
o
§ 4 Quando a importação de resíduos Classe II-A for realizada por terceiros, ficam estes
obrigados a cumprir o disposto neste artigo, além de apresentar a cópia do contrato firmado com a
empresa que se responsabilizará formalmente pela destinação ambientalmente adequada.
o
§ 5 O Ibama poderá solicitar aos Importadores de Resíduos a qualquer tempo outros documentos
e informações necessários para autorizar a importação de Resíduos Controlados.
o
§ 6 Para atestar a classificação da carga de resíduos, somente serão aceitos laudos técnicos
emitidos por laboratórios acreditados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
- Inmetro para realização deste ensaio ou por laboratórios estrangeiros acreditados por
47
Ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência e
eficácia para o Cenário II, as questões de fundo assemelham-se àquelas apresentadas
para o Cenário I. Ou seja, elas parecem não recomendar o modelo operacional proposto no
Cenário II. Por outro lado, a análise do parâmetro jurídico, como elemento adicional,
traduzido em critérios de tempo, viabilidade, custo-eficiência, intermediários institucionais e
participação do Município é favorável ao Cenário II, conforme apresentado no Quadro 13.
Quadro 13. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidade para o Cenário II
Análise de possibilidades
Parâmetro
Jurídico
Tempo
Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC.
Elaboração de PMGIRS para PP e PJC de forma conjunta –
Poder Executivo, com representantes de ambos os municípios.
Comissão conjunta PP-PJC para elaboração do PMGIRS, que
será duplicado: um PMGIRS para PP, sob a égide do regime
jurídico brasileiro e outro de igual teor para PJC, sob a égide do
regime jurídico paraguaio.
Viabilidade
jurídica
Plenamente possível.
Custo-eficiência
Baixo custo – Alta eficiência jurídica para o Cenário proposto.
Intermediários
institucionais
Poder Executivo Municipal e sociedade civil na formulação do
PMGIRS.
Participação do
Total.
município
Uma ressalva adicional relacionada a esse modelo diz respeito à ausência de mecanismos
internacionais de obrigação de um país com relação ao outro. Ponta Porã poderá elaborar e
executar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, mas não há
instrumento jurídico capaz, nesse cenário, de obrigar o município paraguaio a fazer o mesmo.
Além disso, as responsabilidades de cada Estado não estarão claramente previstas, o que
resulta em uma situação de insegurança jurídica ao projeto que não terá previsão do foro
competente ou das normas aplicáveis a uma possível controvérsia.
organismos de acreditação, signatários de um acordo de reconhecimento mútuo, do qual o Inmetro
faça parte.
o
Art. 8 A importação de Resíduos Não Inertes - Classe IIA controlados deverá também atender aos
procedimentos de notificação prévia, conforme determinado na Convenção de Basiléia em seu art.
o
6 e Anexos V-A e V-B.
48
15.3 Cenário III
O Cenário III apresentado não inova em relação à localização da infraestrutura
necessária, ou em relação ao fluxo de resíduos esperado para o Cenário II. A inovação
limita-se aos aspectos operacionais da gestão integrada de resíduos sólidos. Para o
Cenário III, propõe-se que sejam utilizados critérios e padrões previstos pela normativa
europeia. A disposição final continua a cargo dos municípios, assim como as estruturas
de tratamento e central de compostagem, tal como apresentado na Figura 12.
O Cenário III propõe formas de coleta, gestão e reciclagem simétricas, de acordo com
critérios estabelecidos em normativas europeias. Não há qualquer óbice legal para que o
PMGIRS seja acrescido de critérios técnicos constantes de políticas comparadas. Aliás, a
própria PNRS do Brasil foi inspirada, em grande parte, em modelos europeus. Tal como
no processo de harmonização proposto no Cenário I, ou integração de políticas, tal como
proposto no Cenário II, a agregação de critérios operacionais, desde que adicionais às
diretrizes estabelecidas na PNRS, são perfeitamente viáveis e possíveis juridicamente, no
caso brasileiro.
É importante reiterar que, para o impacto jurídico da análise desenvolvida para
implementação de um modelo de gestão conjunta de resíduos entre PP e PJC, há dois
fatores relevantes: local da infraestrutura e se há fluxo, isto é, movimento transfronteiriço
de resíduos. Como nesses dois aspectos o Cenário III limita-se a repetir o proposto para
os Cenários I e II, não há qualquer óbice legal à incorporação de critérios operacionais e
técnicos previstos na legislação europeia, desde que adicional e não conflitante com os
critérios e diretrizes previstas na PNRS.
Como detalhe operacional constante do Cenário III está o arranjo entre setor público e
privado (parcerias, alianças etc.) “para possibilitar de forma prioritária a reciclagem e a
recuperação dos resíduos sólidos”. Nesses arranjos, a proposta para o Cenário III prevê
ainda que os municípios “deverão acordar na reversão financeira dos serviços prestados
ao ser o facilitador do retorno dos materiais aos agentes privados”. Seja na modalidade
Free on Board, seja na modalidade Cost, Insurance and Freight, propostas no Cenário III,
para efeito de responsabilidade por eventuais danos causados, não há qualquer
possibilidade de seu afastamento contratual. Permanecem em vigor as regras de
responsabilidade ambiental previstas no art. 225, § 3º, da CF/1988, Lei nº 6.938/1981, Lei
nº 9.605/1998 e art. 25 e segs. da Lei nº 12.305/2010. As responsabilidades contratuais
devem ser objeto de ações judiciais específicas e não eximem as pessoas físicas ou
jurídicas, de direito público ou privado, das responsabilidades civil, administrativa e
criminal por danos causados ao meio ambiente.
Importante notar que o arranjo público-privado contido na normativa europeia também
vem previsto na PNRS (Lei nº 12.305/2010). O art. 36 da PNRS6 estabelece diretrizes
6
Art. 36. No âmbito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, cabe ao
titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, observado, se
houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos: I – adotar procedimentos para
reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos de
49
para o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.
Prevê ainda o fomento a parcerias com associações de catadores e dispensa de licitação
para maximizar essas parcerias. Neste particular, portanto, a PNRS está bem equipada
para produzir efeitos jurídicos semelhantes aos propostos com base em normativa
europeia.
Logo, ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência,
eficiência e eficácia para o Cenário III, há evidente ganho de eficácia e pertinência ao se
aumentar os requisitos operacionais e técnicos da implantação dos PMGIRS. O eixo
jurídico, conforme já ressaltado, não muda em relação aos Cenários I e II, considerando
que os países mantêm individualizadas as suas infraestruturas e responsabilidades pela
coleta, transporte e disposição final dos resíduos. Não há fluxo, ou movimento
transfronteiriço. O Quadro 14 apresenta as conclusões da análise jurídica do Cenário III.
Quadro 14. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidades para o Cenário III
Parâmetro
jurídico
Análise de possibilidades
Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC.
Elaboração de PMGIRS para PP e PJC de forma conjunta – Poder
Executivo, com representantes de ambos os municípios, integrando
critérios da normativa europeia sobre resíduos sólidos.
Tempo
Análise de adequação da normativa europeia com as políticas
brasileira e paraguaia de gestão de resíduos sólidos.
Comissão conjunta PP-PJC para elaboração do PMGIRS, que será
duplicado: um PMGIRS para PP, sob a égide do regime jurídico
brasileiro, e outro de igual teor para PJC, sob a égide do regime
jurídico paraguaio.
limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; II – estabelecer sistema de coleta seletiva; III –
articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo
dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e de
manejo de resíduos sólidos; IV – realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de
compromisso na forma do § 7º do art. 33, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial;
V – implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes
econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido; VI – dar disposição final
ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza
urbana e de manejo de resíduos sólidos; § 1º Para cumprimento do disposto nos incisos I a IV do
caput, o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos priorizará
a organização e o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de associação de
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda,
bem como sua contratação. § 2º A contratação prevista no § 1º é dispensável de licitação, nos
termos do inciso XXVII do art. 24 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993.
50
Viabilidade
jurídica
Plenamente possível.
Custoeficiência
Baixo custo – Alta eficiência jurídica para o Cenário proposto.
Intermediários Poder Executivo Municipal, sociedade civil na formulação do
institucionais PMGIRS e parceiros europeus.
Participação
do município
Total.
15.4 Cenário IV
A inovação no Cenário IV fica por conta da proposta de infraestrutura compartilhada. Por
se tratarem de municípios fronteiriços, a análise dos eixos de sustentabilidade, a partir
dos elementos de pertinência, eficiência e eficácia, parece sugerir vantagens em relação
aos demais cenários. Neste Cenário IV, a proposta é que a infraestrutura comum seja
construída sobre a linha de fronteira, o que evitaria fluxo de resíduos e, com isso, não
atrairia a legislação restritiva sobre movimento transfronteiriço de resíduos (com exceção
dos resíduos perigosos em razão dos compromissos assumidos na Convenção de
Basiléia). Cada município procederia a disposição final dos rejeitos em aterro
compartilhado, construído sobre a linha de fronteira.
Neste Cenário IV, propõe-se uma análise jurídica para viabilizar a implementação da
infraestrutura pretendida sobre a linha de fronteira. Embora a operação seja fator
relevante e que apresenta seus próprios desafios jurídicos, o enfoque restringiu-se às
questões jurídicas implicadas para viabilizar a localização da infraestrutura. Para tanto,
faz-se necessário analisar a legislação pertinente para a construção de obra ou atividade
com potencial de causar impacto ambiental. Outra questão relevante é a localização da
obra e quais são os organismos competentes para empreenderem no local proposto.
Por serem Municípios fronteiriços integrados sem separação física natural 7 , o
compartilhamento de infraestrutura para a gestão dos resíduos sólidos parece ser a
melhor opção do prisma da tutela ambiental. No caso específico dos aterros sanitários,
estes são, em regra, obras com potencial de significativo impacto ambiental. Tal
presunção decorre de norma do Conama, por meio da Res. 1/1986. Seu art. 2º dispõe
sobre as atividades que dependerão de prévio Estudo de Impacto Ambiental e respectivo
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). O art. 225, § 1º, inc. IV, da CF/1988,
estabelece que dependerão de EIA/RIMA as atividades com potencial de causar
7
A separação dos Municípios está prevista em Tratado. O fato de não existir uma linha natural
formada por um rio ou mar não descaracteriza a divisão territorial que está juridicamente garantida
pelo Tratado de 1872 que foi internalizado no Brasil pelo Decreto 4911 de 27 de março de 1872.
51
significativo impacto ambiental. A presunção de risco ambiental de um aterro sanitário é,
portanto, constitucional e legal.
Duplicar essas estruturas em Municípios fronteiriços significa dobrar também o risco
ambiental. O art. 225, § 1º, inc. V, da CF/1988, impõe ao Poder Público o dever de pautar
as políticas públicas ambientais pelo controle de atividades que coloquem em risco a
saúde da população e o equilíbrio ecológico.
Portanto, um projeto conjunto de gestão de resíduos entre nações irmãs está de acordo
com o dever geral de proteção da saúde e do meio ambiente previsto pela Constituição
Federal do Brasil.
15.4.1 Análise jurídica dos eixos de sustentabilidade
Ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência
e eficácia para o Cenário IV, há evidente ganho em relação aos demais cenários
apresentados. O parâmetro jurídico é bastante alterado no Cenário IV, em relação aos
Cenários I, II e III. Também no Cenário IV assume-se que não haverá fluxo ou movimento
transfronteiriço de resíduos. O que muda é a localização da infraestrutura. No Cenário IV,
a infraestrutura é compartilhada e construída sobre a linha de fronteira. O Quadro 15
apresenta as conclusões da análise jurídica do Cenário IV.
Quadro 15. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidades para o Cenário IV
Parâmetro
jurídico
Análise de possibilidades
Tempo
Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC.
Elaboração de PMGIRS para PP e PJC de forma conjunta – Poder
Executivo, com representantes de ambos os municípios, integrando
critérios da normativa europeia sobre resíduos sólidos.
Comissão conjunta para elaboração do PMGIRS entre Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero, sob a égide do regime jurídico brasileiro e
paraguaio.
Requerimento ao Conselho de Defesa Nacional.
Requerimento ao Ministério de Relações Exteriores, Comitê de Fronteira e
Comissão Mista.
Elaboração e aprovação do modelo de operação.
Processo de licenciamento ambiental integrado – Brasil-Paraguai.
Viabilidade
jurídica
Plenamente possível.
Custoeficiência
Alto custo – Alta eficiência jurídica para o Cenário proposto.
52
Poder Executivo Municipal; sociedade civil na formulação do PMGIRS;
Conselho de Defesa Nacional; Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Intermediários
Presidência da República; Ministérios do Meio Ambiente e da Integração
institucionais
Nacional; IBAMA; Ministério de Relações Exteriores; Comitê de Fronteira;
Comissão Mista; e Empresas Públicas.
Participação
do município
Total.
Outras variáveis merecem especial atenção para o aprofundamento da análise de
viabilidade jurídica da localização de infraestrutura sobre a Faixa de Fronteira entre Brasil
e Paraguai.
15.4.2 Utilização da Faixa de Fronteira
A faixa de fronteira é regulada no Brasil pela Lei nº 6.634/1979. Segundo seu art. 1º, “é
considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150km (cento e
cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional,
que será designada como Faixa de Fronteira”. Nessa área, de 150 quilômetros, será
vedada a prática de atos referentes ao “III - estabelecimento ou exploração de indústrias
que interessem a Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder
Executivo”. A vedação expressa na lei é excepcionada pelo consentimento prévio do
Conselho de Segurança Nacional, atualmente transformado em Conselho de Defesa
Nacional (CDN)8 conforme disposição do art. 91, da CF/1988.
Segundo o art. 91, § 1º, inc. III, da CF/1988, compete ao CDN “propor critérios e
condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e
opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com
a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”. A construção de
uma infraestrutura/empreendimento voltada à gestão dos resíduos sólidos sobre a linha
de fronteira com o Paraguai poderia, em tese, ser interpretado como projeto que, entre
outros objetivos, visa à preservação de recursos naturais da região: proteção de recursos
hídricos, qualidade do solo, entre outros. Pela análise do art. 91, § 1º, inc. III, da CF/1988
c/c art. 2º, inc. III, da Lei nº 6.634/1979, é possível a interpretação de que essa
8
“O Conselho de Segurança Nacional (CSN) foi criado pelo artigo 162 da Constituição de 1937,
inicialmente com a função de estudar todas as questões relativas à segurança nacional. No quadro
das transformações geradas pela instituição do governo militar no Brasil, em 1964, o CSN tornouse, pelo Decreto-Lei 900, de 29 de setembro de 1969, o “órgão de mais alto nível de
assessoramento direto do presidente da República, na formulação e na execução da política de
segurança nacional”. Em 1980, o Conselho de Segurança Nacional passou a ter um novo
regimento determinado pelo Decreto nº 85.128. Durante a década de 1980 foi perdendo suas
funções até a criação do Conselho de Defesa Nacional em 1988.” – in
http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/CSN.pdf, última visita em 26/set./2012.
53
infraestrutura/empreendimento se enquadra no conceito de indústria que interessa à
Segurança Nacional. De todo modo, a sua instalação em faixa de fronteira depende de
assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional.
Segundo os requisitos formais da Lei nº 6.634/1979, o requerimento de assentimento
prévio deve ser endereçado à Secretaria-Geral do CDN e dependerá de parecer do órgão
federal controlador da atividade. Segundo o art. 4º, do Dec. nº 893/1993, a SecretariaGeral é órgão que compõe a estrutura do CDN. Com o advento da Lei nº 8.183/1991, foi
prevista também a função de Secretaria-Executiva (art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.183/1991).
O Secretário-Executivo do CDN é o Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) (art. 1º, § 3º, do Dec. nº 893/1993). A
Secretaria-Executiva e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República são responsáveis pela execução das atividades permanentes necessárias ao
exercício da competência constitucional do CDN (art. 4º, caput, da Lei nº 8.183/1991). A
SAE/PR, na condição de Secretaria-Geral do CDN, é responsável pela execução das
atividades permanentes, técnica e de apoio administrativo necessárias ao exercício da
competência do CDN.
A SAE/PR coordena os estudos e pareceres sobre os assuntos submetidos ao CDN.
Caso entenda necessário, o Secretário-Executivo poderá solicitar estudos, pareceres,
informações e esclarecimentos necessários à consecução dos seus objetivos. Por se
tratar de infraestrutura/empreendimento localizado em área de fronteira, e ser atividade
com objetivo de reduzir impactos ambientais, é provável que a SAE/PR busque
informações junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).9
A Lei nº 10.466/2002, que instituiu o Programa Grande Fronteira do Mercosul (PGFM)
deve ser utilizada como subsídio ao requerimento endereçado ao CDN. Segundo o
PGFM, a área de fronteira é estendida para uma faixa de até 450 quilômetros onde
estejam localizados municípios dos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande
do Sul e Santa Catarina. Entre os objetivos do PGFM “destacam-se: promover, mediante
ações integradas das diferentes esferas de governo, o desenvolvimento econômico e
social da área de abrangência...; estabelecer modelos de desenvolvimento sustentável
adequados às características naturais, à vocação econômica e às potencialidades de
microrregiões homogêneas na área de abrangência;” (art. 2º, incs. III e IV, da Lei nº
10.466/02).
A questão fundiária da área de fronteira é regida também pela Lei 6.634/79, que permite
a alienação e a concessão de terras públicas, não podendo exceder 3 mil hectares. Caso
haja necessidade de área maior, desde que haja manifesto interesse para a economia
9
Art. 2º, § 3º, da Lei n. 6.634/1979, e art. 6º, caput, da Lei nº 8.183/1991: “Os órgãos e as
entidades de Administração Federal realizarão estudos, emitirão pareceres e prestarão toda a
colaboração de que o Conselho de Defesa Nacional necessitar, mediante solicitação de sua
Secretaria-Executiva.
54
regional, e com autorização do Senado Federal, o Presidente da República, após ouvir o
CDN, poderá autorizar alienação ou concessão de área superior a 3 mil hectares.
O requerimento ao CDN de instalação de infraestrutura/empreendimento na linha de
fronteira deve estar fundamentado em parecer técnico que justifique tratar-se de atividade
que atende aos interesses da Segurança Nacional. Deve ter como base laudos científicos
que apontem que a construção e a operação de infraestrutura conjunta, que inclua um
aterro sanitário, na linha de fronteira atende aos objetivos da Segurança Nacional. Deve
incorporar também os objetivos do PGFM.
Caso a fundamentação seja acatada pelo CDN, o PMGIRS pode servir de instrumento
para garantir verba da União, conforme previsto pelo art. 9º, da Lei nº 6.634/1979: “Toda
vez que existir interesse para a Segurança Nacional, a união poderá concorrer com o
custo, ou parte deste, para a construção de obras públicas a cargo dos Municípios total
ou parcialmente abrangidos pela Faixa de Fronteira. § 2º. – Os recursos serão
repassados diretamente às prefeituras municipais, mediante a apresentação de projetos
específicos.” O projeto específico a que se refere o § 2º pode ser o PMGIRS de Ponta
Porã, desenvolvido e formulado em conjunto com o município paraguaio de Pedro Juan
Caballero. O PMGIRS é o instrumento eleito pela Lei nº 12.305/2010 para que os
Municípios brasileiros possam ter acesso aos recursos da União, “destinados a
empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos
sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamento de entidades
federais de crédito ou fomento para tal finalidade.” (art. 18, da Lei nº 12.305/2010).
Aplicam-se também recursos do PGFM. Segundo o art. 3º, inc. IV, da Lei nº10.466/2002,
os recursos do PGFM serão aplicados, prioritariamente, em projetos voltados para: ... “IV
– a proteção do meio ambiente e o gerenciamento dos recursos hídricos”.
15.4.3 Ministério das Relações Exteriores
Após consultar a SAE/PR/CDN, em caso de consentimento ao projeto, o próximo passo é
acionar o Ministério de Relações Exteriores (MRE), via Comitê de Fronteira Pedro Juan
Caballero/Ponta Porã, ou por meio do departamento responsável pela América Latina no
MRE. O MRE é o órgão competente no Brasil, por meio de seus diplomatas, para
negociar com o Governo do Paraguai uma solução jurídica para formalizar a relação entre
os dois municípios pertencentes a países diferentes. A formalização da relação deve ser
feita por um tratado novo ou se basear em um tratado já existente e que pode garantir a
cooperação para a realização da atividade sob análise. O processo para a negociação de
um novo tratado e sua posterior internalização, tanto no Brasil como no Paraguai, pode
durar mais de cinco anos10. Por esse motivo, a utilização de um tratado em vigor facilitaria
a formalização da atividade.
10
Por exemplo, no caso do Acordo de Cooperação para o rio Apa, a assinatura ocorreu em
Brasília, em 11 de setembro de 2006, enquanto que o decreto foi promulgado em 6 de maio de
2010. Cabe destacar que não foi contabilizado nesse período de quatro anos o tempo de
negociação do tratado. No Brasil, para que um tratado tenha validade dentro do território brasileiro,
55
Convergindo para essa segunda opção, três tratados que já estão em vigor podem ser
utilizados concomitantemente: a) Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o
Paraguai de 1987, subscrito em Assunção, em 27 de outubro de 1987; b) Acordo-Quadro
sobre Meio Ambiente do Mercosul; c) Acordo de Cooperação entre o Governo da
República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai para o
Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa,
internalizado por meio do Decreto 7.170/201011.
Para que os três acordos possam ser utilizados como instrumento jurídico para formalizar
a relação jurídica, é necessário um Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação
Técnica ou uma Declaração de Intenções. Trata-se de procedimentos diplomáticos
simplificados em razão de não necessitar de ratificação do Congresso Nacional, por estar
escorado em Acordo já ratificado.
15.4.4 Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Paraguai de 1987
O Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Paraguai foi firmado em Assunção,
em 27 de outubro de 1987. Segundo seu art. II , a cooperação compreende, entre outros
objetivos: “d) a implementação conjunta ou coordenada de programas, projetos e
atividades nos territórios de uma ou de ambas as Partes Contratantes, e e) outras formas
de cooperação técnica que puderem ser mutuamente acordadas pelas Partes
Contratantes”. O art. III define que o estabelecimento de projetos será definido “por
Ajustes Complementares a serem concluídos entre as Partes Contratantes e que
entrarão em vigor por via diplomática” (destaque nosso).
A utilização desse Tratado de Cooperação como “guarda-chuva” para a atividade sob
análise possibilitará uma formalização mais rápida da relação jurídica, com a dispensa de
todo o processo de internalização de um tratado. Para tanto, deverá ser negociado entre
os diplomatas brasileiros e paraguaios um Ajuste Complementar ao Tratado de
Cooperação, que dispensa o processo de internalização de Tratados no Brasil, pois
decorre de um Tratado que já está em vigor e que prevê a possibilidade de Ajustes
Complementares.
O art. IV prevê, ainda, a possibilidade de envolvimento e participação de “organizações e
instituições privadas de seus respectivos países na implementação de programas,
projetos e outras atividades de cooperação previstas nos Ajustes Complementares...”.
Pode haver também participação de organizações e instituições de terceiros países ou
organizações internacionais, quando as Partes considerarem conveniente. É de se
é necessário que ele seja internalizado, o que ocorre por meio da promulgação do Decreto
Executivo. A competência para a assinatura dos tratados é do presidente da República. Após
assinado, o tratado deve cumprir as seguintes etapas para que seja incorporado ao ordenamento
interno: a) Apreciação do Congresso Nacional; b) Ratificação pelo poder executivo; c)
Promulgação. Estes procedimentos são indispensáveis para a incorporação e vigência dos
tratados no ordenamento jurídico brasileiro.
11
Decreto n. 7.170, de 6 de maio de 2010.
56
destacar que o mesmo Acordo, no art. VII. 3, isenta “...de todos os impostos aduaneiros,
e de outros impostos de natureza similar, as importações e as exportações, de um país
para o outro, de equipamentos e materiais necessários à implantação deste Acordo e de
seus Ajustes Complementares...”.
15.4.5 Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul
A relação jurídica analisada poderá ser formalizada ainda por meio do Acordo-Quadro
sobre Meio Ambiente do Mercosul. A decisão do Conselho Mercado Comum (CMC),
2/2001, aprovou o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul, que foi
internalizada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 5.208/2004.
O Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul estabelece disposições gerais sobre
a cooperação em matéria ambiental. Em seu art. 3º, dispõe que, para alcançar o seu
objetivo, os Estados Partes deverão orientar-se pela: “a) promoção da proteção do meio
ambiente e aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis mediante a coordenação
de políticas setoriais, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio;
(...) d) tratamento prioritário e integral às causas e fontes dos problemas ambientais;”.
Especificamente sobre a cooperação, o Acordo sobre Meio Ambiente trata, em seu art.
5º, do compromisso dos Estados Partes de cooperarem “no cumprimento dos Acordos
Internacionais que contemplem matéria ambiental dos quais seja parte. Esta
cooperação poderá incluir, quando se julgar conveniente, a adoção de políticas
comuns para a proteção do meio ambiente, (...)”. (destaque nosso) 12.
O art. 5º evidencia a possibilidade de adoção de políticas comuns. O referido artigo é
complementado pelo art. 6º, que dispõe que os Estados Partes “...aprofundarão a análise
dos problemas ambientais da subregião, com a participação dos organismos nacionais
competentes...”. Para efeito da gestão conjunta, objeto do presente trabalho, pode-se
interpretar que a subregião em questão é a área de fronteira compreendida pelos
municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. O organismo nacional competente, no
caso do Brasil, pode ser considerado o município de Ponta Porã, e a União, por se tratar
de área de fronteira.
Entre as ações que devem ser implementadas de forma conjunta, destaca-se, no próprio
art. 6º, do Acordo, “b) incentivar políticas e instrumentos nacionais em matéria
ambiental, buscando otimizar a gestão do meio ambiente” (grifo nosso). A política
nacional que se pretende incentivar é a PNRS, instituída pela Lei 12.305/2010. O
incentivo das políticas brasileira e paraguaia, no caso, visa justamente otimizar a gestão
do meio ambiente. É, portanto, ação que encontra respaldo no Acordo.
Outra ação de cooperação fomentada pelo art. 6º, do Acordo, é “e) contribuir para a
promoção de condições de trabalho ambientalmente saudáveis e seguras para, no marco
12
Disponível em:
http://www.mercosur.int/t_ligaenmarco.jsp?contentid=4823&site=1&channel=secretaria >. Acesso
em: 27 set. 2012.
57
de um desenvolvimento sustentável, possibilitar a melhoria da qualidade de vida, o bemestar social e a geração de emprego”. A realidade atual de gestão de resíduos sólidos
pelos municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é a de lixões (um em cada lado
da fronteira), expondo crianças e adultos a condições degradantes de vida e de trabalho.
Uma iniciativa de gestão conjunta de um aterro sanitário também compartilhado estaria
alinhada ao objetivo do art. 6º, “e”, do Acordo.
O mesmo art. 6º do Acordo traz ainda dois pontos de cooperação de especial relevância
para o caso em exame. O primeiro é a possibilidade de cooperação para “g) promover a
adoção de políticas (...) não degradantes do meio ambiente”. O segundo, de especial
relevância para as áreas de fronteira: “j) estimular a harmonização das diretrizes
legais e institucionais com o objetivo de prevenir, controlar e mitigar os impactos
ambientais nos Estados Partes, com especial atenção às áreas fronteiriças;”
(destaque nosso).
Da leitura dos respectivos dispositivos, é possível inferir que: a concepção de um modelo
de gestão conjunta de resíduos sólidos para os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero é a política que evitará a degradação do meio ambiente na região, pois tem o
objetivo de prevenir, controlar e mitigar os impactos ambientais naquela região de
fronteira entre Brasil e Paraguai. Encontra, portanto, amparo jurídico total no AcordoQuadro sobre Meio Ambiente do Mercosul.
A implantação do art. 6º do Acordo do Mercosul no caso concreto está prevista no art. 6º.:
por meio de “...acordos setoriais, em temas específicos, conforme seja necessário para a
consecução do objetivo deste Acordo.” O artigo seguinte, 7º, atribui aos Estados Partes a
responsabilidade por acordarem sobre as pautas de trabalho que contemplem as áreas
temáticas contidas no Anexo do Acordo. Entre as áreas contidas no referido Anexo, no
item “2”, sob o título “Qualidade de vida e planejamento ambiental”, estão: “2.b. resíduos
urbanos e industriais”; e “2.c. resíduos perigosos”.
O Acordo Setorial a que se refere o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul
pode ser implantado por meio de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação
Técnica. Com a aprovação do Conselho de Defesa Nacional, o Ministério das Relações
Exteriores poderia provocar o Governo do Paraguai para negociar um Ajuste
Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica, elegendo como entes responsáveis
pela implantação do projeto os municípios de Ponta Porã, pelo lado brasileiro, e de Pedro
Juan Caballero, pelo lado paraguaio. O comitê de fronteira poderia ser designado como
organismo de apoio e monitoramento do trabalho realizado pelos municípios.
Exemplo de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica entre os dois
países e que pode servir de fundamento para a execução de projeto conjunto de
construção de aterro sanitário é o que trata da cooperação em matéria de medições da
qualidade de águas, de 26 de agosto de 1991. Por este Ajuste Complementar, o Brasil e
o Paraguai decidiram realizar trabalhos conjuntos de medições de qualidade de água em
trechos contíguos de rios internacionais. Elegeram como entidades executoras o então
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), do então Ministério da
Infra-Estrutura, e o Ibama, da então Secretaria do Meio Ambiente, pelo lado brasileiro, e o
58
Serviço Nacional de Saneamento Ambiental (Senasa), do Ministério da Saúde Pública e
Bem-Estar Social, pelo lado paraguaio.
Outro instrumento diplomático que poderia ser utilizado pelos Estados para formalizar a
atividade de cooperação é a Declaração de Intenções. Essa declaração poderá fazer
referência ao Acordo de Cooperação Técnica de 1987 como tratado guarda-chuva
aplicável para autorizar a deliberação entre os dois países via declaração de intenções. O
Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercolsul também pode ser o instrumento
jurídico aplicável à formalização da cooperação entre os países. Essa declaração poderá
designar instituições, organismos ou entidades responsáveis pela implementação do
projeto básico que, no caso, poderiam ser as prefeituras de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero.
Um exemplo de Declaração de Intenções para construção de uma obra conjunta é a que
dispôs sobre a “elaboração de projeto básico de implantação de uma linha de
transmissão de 500 quilowatts entre a subestação Itaipu-Margem Direita e a subestação
de Limpio, no Paraguai, para o melhor aproveitamento da energia produzida na UHE
Itaipu pelo Sistema Interligado do Paraguai”, assinada em 28 de junho de 2007. A referida
Declaração de Intenções traz expressa referência ao Acordo de Cooperação Técnica de
2007, nos seguintes termos: “Determinados a desenvolver e aprofundar as relações de
cooperação que têm sido fortalecidas pelo Acordo de Cooperação Técnica entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai,
subscrito em Assunção, em 27 de outubro de 1987”.
15.4.6 Acordo de Cooperação entre o Brasil e o Paraguai para o Desenvolvimento
Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia do Rio Apa
O referido Acordo compromete as Partes a promoverem a “identificação de áreas de
interesse comum e a realização de estudos, programas e obras, (...) e a promoção de
outros projetos de interesse comum”.
Pela natural e lógica relação entre políticas de gestão de resíduos sólidos e os recursos
hídricos, a construção de um aterro sanitário na linha de fronteira que possibilite a
eliminação de lixões que impactam os corpos d’água da região poderia ser compreendida
como passível de ser objeto de deliberação da comissão instituída no âmbito do Acordo,
denominada Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia para o Desenvolvimento Sustentável e
a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa (CRA). No entanto, é preciso
ressaltar que pode haver entendimento contrário. Ou seja, no sentido de que o referido
tratado só alcança políticas diretamente relacionadas a recursos hídricos.
Ao contrário do que dispõe o Acordo de Cooperação Técnica de 1987, o Acordo da Bacia
do Rio Apa não prevê a possibilidade de Ajustes Complementares. Eventual proposta de
construção de aterro sanitário sobre a linha de fronteira deve partir da CRA,
apresentando as Partes os estudos técnicos e científicos que justifiquem a gestão
conjunta de resíduos sólidos. Na prática, o efeito jurídico é o mesmo do Ajuste
Complementar.
59
Com relação à aplicabilidade do Acordo de Cooperação para a gestão do rio Apa, podem
ser destacados dois argumentos que viabilizam a interpretação de que o tratado é
aplicável ao caso concreto: a) a previsão de gestão de aspectos que vão além da gestão
das águas; b) o destaque para o desenvolvimento sustentável da bacia.
No preâmbulo do Acordo há previsão expressa de que o tratado tem um objeto mais
amplo que vai além da simples gestão de águas. O documento expressa a necessidade
de considerar recursos naturais superficiais e subterrâneos que possam ter um impacto
na gestão as águas. Nesse sentido, o artigo prevê especificamente alguns temas
importantes que são também objeto do Acordo: “(...) c) proteção das áreas de mananciais
de fontes superficiais e subterrâneas; e) o saneamento ambiental das áreas urbanas; f) a
ação integrada para a conservação de áreas protegidas; h) a conservação, utilização
adequada, monitoramento e recuperação dos solos da região; k) o desenvolvimento de
projetos específicos de interesse mútuo”. Cabe ressaltar ainda que o Art. III do tratado
que dispõe sobre o âmbito de aplicação do Acordo compreende, além da Bacia
Hidrográfica do Rio, “(...) as suas áreas de influência direta e ponderável que, caso
necessário, serão determinadas de comum acordo pelas Partes”.
Considerando que a gestão de resíduos sólidos pode ter um grande impacto na proteção
de mananciais, no saneamento ambiental e na conservação dos solos da região, o
tratado sob análise evidencia-se como aplicável ao caso concreto. O inciso f) deixa
evidente no tratado o fato de que as Partes, ou seja, os governos do Paraguai e do Brasil,
devem levar em consideração o desenvolvimento de projetos específicos de interesse
comum.
Além disso, o preâmbulo destaca que o tratado é aplicável no caso de realização de
projetos conjuntos na Bacia para implementar o desenvolvimento sustentável. Além do
preâmbulo, o art. I estabelece que as partes “(...) estabelecerão uma estreita cooperação
para promover o desenvolvimento sustentável e a gestão integrada da Bacia Hidrográfica
do Rio Apa”. A gestão de resíduos sólidos está diretamente ligada à implementação do
desenvolvimento sustentável na região, considerando os aspectos sociais, econômicos e
ambientais dessa atividade.
Com relação aos requisitos necessários para a implementação do acordo, o artigo IV do
acordo prevê a necessidade de constituir a Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia para o
Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia do Rio Apa. Essa comissão
é competente para gerenciar e contratar, com prévia autorização expressa das Partes,
financiamento de estudos e obras 13 , além de gerir e supervisionar a execução de
projetos, obras e serviços comuns ligados à bacia14. A comissão, ainda, é competente
para celebrar contratos necessários para a execução de projetos aprovados pelas
partes15.
13
Art. V c).
14
Art. V d).
15
Art. V. e).
60
Em razão dessa competência, a realização de qualquer obra nessa bacia deve ser gerida
por essa comissão. É importante destacar que o Art. III do Estatuto da Comissão Mista
Brasileiro-Paraguaia prevê que a área de ação da comissão “(...) compreenderá a Bacia
Hidrográfica do Rio Apa e as áreas contíguas de influência direta e ponderável que, caso
necessário, serão determinadas de comum acordo pelas Partes”. A comissão dedve,
então, determinar juntamente com as Partes o que são essas áreas contíguas. A área do
caso concreto poderá ser diretamente classificada pela comissão e pelas Partes como
área contígua, o que deixará evidente a aplicação do tratado ao caso concreto.
Em termos práticos, no entanto, há um problema, pois e ssa comissão ainda não foi
formada. É necessário, então, um contato anterior com o Ministério das Relações
Exteriores para que essa comissão seja formada, ou para que outra “comissão” possa ser
designada pelas Partes como competente para formalizar a atividade do aterro.
15.4.7 Área non aedificandi
Seja por Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica Brasil-Paraguai, ou por
Declaração de Intenções, a aprovação da localização do aterro sanitário encontrará
resistência em regra non aedificandi estipulada entre Brasil e Paraguai para a área de
fronteira. Segundo o art. 10º do Protocolo de Instruções entre o Brasil e o Paraguai para a
demarcação e caracterização da fronteira Brasil-Paraguai, firmado no Rio de Janeiro, em
9 de maio de 1930, os marcos existentes nos limites entre os dois países devem ser
“intervisíveis a olhos desarmados”. Com base no referido dispositivo, os países sugeriram
na Ata da 30ª Conferência da Comissão Mista de Limites e de Caracterização da
Fronteira entre Brasil e Paraguai, de 11 de outubro de 1977, que até 25 metros dentro do
território de cada um dos países, na zona rural, não poderá ser efetuada nenhuma
construção, ficando a faixa de 50 metros de largura destinada exclusivamente ao trânsito.
A sugestão das Partes foi referendada pelo Acordo por Troca de Notas 275, de 16 de
setembro de 1980, trocado entre os dois países16.
Em novo Acordo por Troca de Notas, n 3/2008, o Governo do Paraguai propôs a
extensão da faixa non aedificandi para zonas urbanas, com 10 metros de largura de cada
lado da linha limite internacional. Nessa mesma proposta, constou que “as autoridades
dos municípios e prefeituras fronteiriços deverão estabelecer nos Planos de
Desenvolvimento Urbano que a faixa non aedificandi seja utilizada somente para a
construção de ruas ou avenidas, praças e estacionamentos assegurando em todos os
casos a intervisibilidade entre os marcos sucessivos.” Em ofício de 9 de abril de 2008, em
resposta, o Governo Brasileiro concordou com os termos propostos na Nota paraguaia,
formalizando assim a constituição de um Acordo entre os dois governos.
16
VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 44.
“As trocas de notas são tratados de natureza administrativa que cuidam de procedimentos
burocráticos adotados entre os dois Estados, normalmente inseridos no quadro de cooperação
internacional mais ampla”.
61
Com base nos acordos por troca de notas examinados acima, fica vigente a regra non
aedificandi de 25 metros para zona rural e 10 metros para zona urbana em cada lado da
fronteira entre Brasil e Paraguai. Eventual Ajuste Complementar ao Acordo de
Cooperação Técnica entre os dois países, ou por meio de Declaração de Intenções
deverá excetuar a regra non aedificandi vigente pelos referidos acordos por troca de
notas.
O requerimento de exceção à regra non aedificandi pode ser fundamentado no Programa
Grande Fronteira do Mercosul (PGFM), estabelecido pela Lei nº 10.466/2002. Segundo o
PGFM, a área de fronteira é estendida para uma faixa de até 450 quilômetros onde
estejam localizados municípios dos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande
do Sul e Santa Catarina. Entre os objetivos do PGFM, destacam-se: promover, mediante
ações integradas das diferentes esferas de governo, o desenvolvimento econômico e
social da área de abrangência, (...); estabelecer modelos de desenvolvimento sustentável
adequados às características naturais, à vocação econômica e às potencialidades de
microrregiões homogêneas na área de abrangência; (art. 2º, incs. III e IV, da Lei
nº10.466/2002).
Uma vez superado este tema, deverá ser avaliado quem é o proprietário da área em que
se situará o aterro sanitário no solo brasileiro para, se for o caso, celebrarem-se os
instrumentos jurídicos pertinentes. De acordo com o art. 20 da Constituição Federal, são
bens da União “as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação
ambiental, definidas em lei”, dispondo, ainda, o § 1º, que “faixa de até cento e cinquenta
quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como Faixa de
Fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação
e utilização serão reguladas em lei”.
16. PROCEDIMENTOS PARA ASSENTIMENTO DO CENÁRIO IV
Diante do que foi tratado até este ponto, os procedimentos necessários para a aprovação
de localização e construção de uma infraestrutura/empreendimento para a gestão dos
resíduos sólidos sobre a linha de fronteira entre Brasil e Paraguai são:

Requerimento ao Conselho de Defesa Nacional, endereçado ao SecretárioExecutivo da pasta – o Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, solicitando assentimento para a proposta de construção
de uma infraestrutura/empreendimento sobre a linha de fronteira entre Brasil e
Paraguai.

A SAE/PR, no exercício das suas funções de Secretaria-Geral do CDN, poderá
solicitar pareceres e estudos técnicos dos órgãos e entidades da Administração
Federal, direta e indireta, para fundamentar a decisão do CDN sobre os interesses
da Segurança Nacional.

Caso haja o entendimento de que existe interesse para a Segurança Nacional na
construção de infraestrutura/empreendimento conjunto, o requerimento pode ser
62
acompanhado de pedido de indicação de empenho de recursos da União para a
realização da obra, com base nas Leis 6.634/1979; 8.183/1991; 10.466/2002 e
12.305/2010.

Requerimento ao Ministério das Relações Exteriores para manifestação de
interesse em celebração de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação
Técnica entre Brasil e Paraguai de 1987, consistente na implementação conjunta
e coordenada de projeto de construção de uma infraestrutura/empreendimento
sobre a linha de fronteira entre os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero. O Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica, de forma
justificada e embasada em outros tratados entre o Brasil e o Paraguai, como o
Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul e o Acordo de Cooperação
para a Gestão do Rio Apa. Além disso, a lei brasileira que instituiu o Programa
Grande Fronteira excepcionaria a regra non aedificandi vigente entre Brasil e
Paraguai.

Concomitantemente, para abarcar todas as possibilidades, requerimento ao
Comitê de Fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero para que encaminhe
solicitação de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica ao
Ministério das Relações Exteriores de ambos os países consistente na
implementação conjunta e coordenada de projeto de construção de
infraestrutura/empreendimento.

Concomitantemente, para abarcar todas as possibilidades, requerimento à
Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia para o Desenvolvimento Sustentável e a
Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa, para que encaminhe
solicitação de formalização de consentimento ao Ministério das Relações
Exteriores para a construção de infraestrutura/empreendimento sobre a linha de
fronteira entre Brasil e Paraguai.
Em todas as hipóteses, requerimentos ao Ministério das Relações Exteriores, Comitê de
Fronteira ou Comissão Mista devem ser instruídos com o consentimento do Conselho de
Defesa Nacional.
Com o consentimento do Conselho de Defesa Nacional, e com o Ajuste Complementar
ao Acordo de Cooperação Técnica assinado pelos respectivos ministérios das Relações
Exteriores, designando os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero como
organismos responsáveis pela execução do projeto, há a necessidade de encaminhar
pedido de licenciamento ambiental, segundo as legislações ambientais brasileira e
paraguaia, como também viabilizar o modelo jurídico-administrativo para sua operação.
17. QUESITOS COMPLEMENTARES
Da análise dos elementos levantados e da estratégia jurídica proposta surgiram
questionamentos na forma de quesitos. Tratam-se de questões adicionais que detalham e
aprofundam alguns pontos que embasaram a escolha dos melhores cenários e
encontram-se descritos em sua íntegra no Anexo 3.
63
18. O PROCESSO PARA ESCOLHA DO MELHOR CENÁRIO
A escolha do melhor Cenário se deu por meio de um processo participativo e da adoção
de metodologia que considerou a ponderação dos eixos de sustentabilidade confrontados
com parâmetros impostos para a elaboração dos cenários. O melhor cenário aplicável
será aquele que obtiver o maior número de pontos após a aplicação dos pesos aos
parâmetros.
18.1 Processo participativo
Foi criado um Grupo Técnico Local, formado por representantes dos Municípios de Ponta
Porã e Pedro Juan Caballero, do Estado do Mato Grosso do Sul e do Departamento de
Amambay, para acompanhar os trabalhos, com vistas a possibilitar o reconhecimento da
situação dos resíduos sólidos na região em seus aspectos técnicos, sociais e jurídicos, e,
também, contribuir para a concepção do modelo de gestão pretendido.
Inicialmente foi realizada uma oficina de capacitação e de integração entre as equipes
IBAM e GT Local para introdução ao estudo e o estabelecimento das bases de trabalho,
seguido de reuniões e visitas técnicas que resultaram no diagnóstico participativo de
percepção, na modelagem dos parâmetros aplicáveis ao modelo de gestão conjunta dos
resíduos sólidos e, por fim, na escolha do melhor cenário.
18.2 Definição da ordem de prioridade dos parâmetros
Os eixos de sustentabilidade estabelecidos – pertinência, eficiência e eficácia – serão
analisados com base nos parâmetros e seu grau de importância (prioridade) na estrutura
dos Municípios (Quadro 16). A esses eixos será atribuído um peso e um valor
correspondente ao atendimento dos parâmetros utilizados – total, parcial ou não atende
(Quadro 17).
Quadro 16. Priorização dos critérios de seleção de áreas
Parâmetros
Prioridade
Peso
Jurídicos
1
10
Ambientais
2
8
Técnicos
3
6
Sociais
4
4
Econômicos
5
2
64
Quadro 17. Atendimento aos parâmetros
Atendimento aos parâmetros
Peso
T – Total
100%
P – Parcial
50%
N – Não atende
0%
18.3 Definição do melhor Cenário
Como resultado das reuniões realizadas com o Grupo Técnico Local, nos dias 17 e 18 de
outubro de 2012, com o objetivo de analisar os parâmetros jurídicos, técnicos, sociais e
econômicos levantados, e discutir as implicações e oportunidades que possibilitariam a
concepção do cenário mais adequado para a gestão dos resíduos sólidos junto aos
Municípios de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, o Cenário IV recebeu a maior
pontuação. Este Cenário reflete o melhor modelo em relação a pertinência, eficiência e
eficácia e propicia a gestão conjunta dos resíduos sólidos nesses Municípios.
Após uma análise preliminar por parte do GT Local, os Cenários I e II foram excluídos por
não agregarem inovação aos serviços de manejo dos resíduos sólidos, tornando-se foco
da aplicação da metodologia os Cenários III e IV, conforme demonstra o Quadro 18.
Quadro 18. Síntese da pontuação para a escolha do melhor Cenário
Prioridade
Ambientais
Técnicos
Sociais
Econômico
Jurídicos
Ambientais
Técnicos
Sociais
Econômico
Cenário IV
Jurídicos
Cenário III
Peso total correspondente
10
8
6
4
2
10
8
6
4
2
5
4
3
2
1
5
8
6
4
2
5
4
3
2
0
5
8
6
4
2
5
4
6
2
1
5
8
6
2
2
15
12
12
6
2
15
24
18
10
6
Eixos
T – 100%
Pertinência
P – 50%
N – 0%
T – 100%
Eficácia
P – 50%
N – 0%
T – 100%
Eficiência
P – 50%
N – 0%
Soma
Pontuação final
47
73
65
Diante do Cenário IV escolhido, da real possibilidade de empreender um modelo conjunto
e para dar continuidade às atividades necessárias, foi elaborado um memorando de
entendimento (Anexo 4) firmado pelos respectivos gestores municipais, com ciência do
gestor eleito do município de Ponta Porã, e ratificado pelos órgãos ambientais dos
Estado/Departamento.
Este documento leva adiante as tratativas entre os Municípios para viabilizar a gestão
conjunta de um Complexo para Tratamento dos Resíduos Sólidos na Faixa de Fronteira.
19. COMPLEXO PARA TRATAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
O conceito existente na necessidade da elaboração de um complexo plano conjunto
voltado à gestão integrada de resíduos sólidos, conforme apresentado no Cenário IV, é o
da integração dos municípios gêmeos ou na linha de fronteira, de forma a estabelecer e
aprimorar a gestão dos resíduos sólidos, o que engloba todas as condicionantes
envolvidas no processo e possibilita um desenvolvimento uniforme e harmônico entre os
entes. A finalidade é atingir os objetivos propostos, adequados às necessidades e
características das comunidades, traduzida no contexto comum dos municípios de
fronteira.
Neste contexto encontram-se inseridas as diretrizes para a coleta convencional e a coleta
seletiva de resíduos que deverão ser efetuadas em uma mesma estrutura operacional,
planejada de forma a atender concomitantemente aos dois municípios. O tratamento
biológico de resíduos, contudo, só faz sentido quando inserido no contexto da gestão
integrada dos mesmos.
O complexo para o tratamento dos resíduos sólidos proposto para receber e tratar os
resíduos gerados em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero deve contar com uma
infraestrutura mínima capaz de cuidar das tipologias de resíduos gerados de forma a
minimizar os impactos na saúde pública e ao meio ambiente provocados pela gestão e
tratamento inadequado dos mesmos.
O Complexo, portanto, deve conter no mínimo:

Local para recebimento de resíduos (administrativo/recepção) – A recepção dos
resíduos sólidos coletados deve ser realizada em portaria/guarita do Complexo. A
operação de recepção de resíduos é a operação de inspeção preliminar, durante a
qual os veículos coletores, previamente cadastrados e identificados, são
vistoriados e pesados. Neste local, devem ser verificadas e registradas a origem,
a natureza e a classe dos resíduos que chegam ao empreendimento e os
motoristas precisam receber orientações quanto à unidade na qual os resíduos
devem ser descarregados de modo a impedir que sejam lançados resíduos
incompatíveis com as características do empreendimento ou provenientes de
fontes não autorizadas.

Local para tratamento primário – Por tratamento primário de resíduos sólidos
entende-se a operação de segregação dos materiais oriundos da coleta seletiva.
A coleta seletiva é o processo pelo qual os resíduos sólidos são recolhidos
66
separadamente, a princípio em dois tipos: o orgânico (resíduo úmido/compostável)
e o inorgânico (resíduo seco/reciclável). Os materiais orgânicos coletados devem
ser encaminhados à zona de compostagem e os materiais secos recicláveis
encaminhados para zonas de triagem.

Zonas de triagem – Galpão preparado para a triagem e acumulação/enfardamento
dos materiais recicláveis.

Zonas de compostagem – Local específico para que ocorra o tratamento biológico
de resíduos. Cabe ressaltar que o tratamento biológico de resíduos, contudo, só
faz sentido quando inserido no contexto da gestão integrada dos mesmos.

Depósito para resíduos volumosos – Os resíduos volumosos coletados devem ser
estocados em locais específicos para propiciar a sua recuperação e/ou restituição
aos seus responsáveis.

Posto de coleta de pneus – Posto de coleta e acumulação de pneumáticos
inservíveis deverá ser projetado de forma a possibilitar que os mesmos sejam
coletados para recuperação ou reciclagem por seus responsáveis.

Locais para destinação de animais mortos – As carcaças de animais mortos
devem ser encaminhadas a locais seguros. Para tanto, o complexo deverá contar
com um local para recebimento e destinação destes resíduos.

Local para recebimento e tratamento de resíduos de serviços de saúde – Os
resíduos provenientes das unidades de prestação de Serviços de Saúde (RSS)
são aqueles gerados em qualquer unidade que execute atividades de natureza
médico-assistencial humana ou animal; os originados em centros de pesquisa,
desenvolvimento ou experimentação na área de farmacologia e saúde;
medicamentos e imunoterápicos vencidos ou deteriorados, os provenientes de
necrotérios, funerárias e serviços de medicina legal e os procedentes de barreiras
sanitárias, entre outros classificados. O tratamento de RSS é o “conjunto de
unidades, processos e procedimentos que alteram as características físicas,
físico-químicas, químicas ou biológicas dos resíduos, podendo promover a sua
descaracterização, visando à minimização do risco à saúde pública, à
preservação da qualidade do meio ambiente, à segurança e à saúde do
trabalhador”. A codisposição dos resíduos de serviços de saúde classificados
como Grupo A (com risco biológico, pós-tratamento), Grupo B (no estado sólido e
sem periculosidade) e Grupo D (comuns) pode ser efetuada em conjunto com os
resíduos comuns, desde que atendam ao disposto na referida Resolução. Os
demais resíduos devem ser tratados com tecnologia apropriada.

Áreas para estocagem e processamento de resíduos da construção civil – A
disposição inadequada de resíduos é uma das principais causas da degradação
do meio ambiente, com potencial de afetar a qualidade de vida da população, os
serviços dos ecossistemas e a disponibilidade de recursos naturais. Os resíduos
oriundos das atividades da construção civil não são exceção, e podem se tornar
parte deste problema caso não sejam gerenciados corretamente. Além disso, a
gestão inadequada desses materiais representa um grande desperdício
67
econômico, visto que estes não só constituem a maior fração em massa dos
resíduos gerados nas cidades, como, em muitos casos, são compostos em
grande parte por material passível de reciclagem ou reaproveitamento.

Aterro sanitário – Conforme a NBR 8419/1992, da ABNT, aterro sanitário é uma
técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo (rejeitos em função da
PNRS), sem causar danos à saúde pública e ao meio ambiente, minimizando os
impactos ambientais. Tal método utiliza princípios de engenharia para confinar os
rejeitos à menor área possível e para reduzí-los ao menor volume permissível,
cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada trabalho, ou em
intervalos menores, se necessário. Este método de disposição final dos resíduos
deve contar com todos os elementos de proteção ambiental: sistema de
impermeabilização de base e laterais; sistema de recobrimento diário e cobertura
final; sistema de coleta e drenagem de líquidos percolados; sistema de coleta e
tratamentos dos gases; sistema de drenagem superficial; sistema de tratamento
de líquidos percolados; e sistema de monitoramento.
Além dessas exigências técnicas estruturais e construtivas é necessário avaliar as
probabilidades de impacto local e sobre a área de influência do empreendimento e
se há a necessidade de buscar medidas para mitigá-los.
Embora consistindo numa técnica simples, os aterros sanitários exigem cuidados
especiais, e procedimentos específicos devem ser seguidos desde a escolha da
área até a sua operação e monitoramento.

Área de convivência e capacitação – A valorização dos profissionais que atuam no
CTRS e o bom relacionamento com a comunidade devem ser priorizados pelo
empreendimento. Para isso, deve ser prevista a criação de um espaço para a
capacitação continuada dos trabalhadores e para promover a articulação
institucional que facilite a interface com a população e com potenciais parceiros.
68
Figura 15. Complexo para Tratamento dos Resíduos Sólidos
As localizações das instalações mínimas do complexo são apenas ilustrativas e devem
necessariamente respeitar as normativas nacionais e internacionais para sua construção
e localização.
20. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO DO EMPREENDIMENTO SOBRE A
LINHA DE FRONTEIRA
O presente estudo apresenta uma alternativa jurídica para a operação de um aterro
sanitário sobre a linha de fronteira, com base em regras de direito administrativo para o
caso brasileiro.
A partir do momento em que a instalação de um aterro sanitário sobre a linha de fronteira
é aprovada é necessário que sua operação seja viabilizada juridicamente e, então, há
duas situações possíveis: 1) formação de empresa binacional, no caso do Cenário IV; e
2) formação de empresa pública municipal responsável pela atividade do aterro, no caso
dos Cenários I, II e III.
69
20.1 Formação de empresa binacional
A formação de uma empresa binacional está relacionada à viabilização de uma execução
e administração conjunta do projeto entre o Brasil e o Paraguai. A forma desta empresa
seria similar à que foi realizada no caso de Itaipu, cujo tratado firmado entre a República
Federativa do Brasil e a República do Paraguai para aproveitamento hidrelétrico dos
recursos hídricos do rio Paraná criou a Itaipu Binacional17. Ainda sobre a criação de uma
empresa binacional é importante destacar as seguintes etapas: a definição e as
características de empresa binacional, bem como um exemplo de empresa binacional
como a Itaipu.
A empresa binacional é um modelo empresarial que poderá ser adotado para a
administração do empreendimento pertencente a duas nações. Além do tratado para criar
a binacional é preciso redigir um estatuto para prever a denominação, o objeto e a
duração da entidade, o seu capital e a sua administração por meio, por exemplo, de um
Conselho de Administração e de uma Diretoria Executiva.
Cabe ressaltar que a empresa pública binacional pode ter personalidade outorgada de
acordo com a legislação própria de um dos países membros, mas com a obrigação de
reconhecimento pelo outro país estabelecido no próprio tratado constitutivo18. Além disso,
a sua nacionalidade pode ser de um dos países partes ou de todos. Uma das principais
vantagens da empresa binacional é a maior facilidade de receber financiamento, pois
esse instrumento evita a concessão de empréstimos separados a cada governo ao
mesmo tempo em que simplifica a supervisão da utilização dos fundos19.
A Itaipu Binacional é, mais uma vez, um bom exemplo. A negociação para a sua
constituição tratou, em atas e em notas diplomáticas, sobre as cláusulas necessárias
para um tratado de cooperação para o aproveitamento hidrelétrico. Foram abordados
diversos aspectos sobre responsabilidade, tributação, abertura de crédito, garantia de
créditos, competência para celebrar contratos e designação de representantes.
17
Tratado internalizado no Brasil pelo Decreto legislativo 23 de 1973.
18
SARAVIA, Enrique J. “As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América Latina:
aspectos jurídicos e administrativos”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 12 (4),
1978, p. 252.
19
SARAVIA, Enrique J. “As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América Latina:
aspectos jurídicos e administrativos”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 12 (4),
1978, p. 262.
70
Para a composição societária da empresa20, que compreende a Eletrobrás (sociedade de
economia mista) e a Ande (entidade autárquica) com igual participação no capital21, foram
designadas no tratado: as autoridades competentes para a administração da binacional22;
o foro competente para a solução de controvérsias 23 ; as normas para a utilização
equitativa de mão de obra brasileira e paraguaia e os equipamentos e materiais
disponíveis nos dois países; as normas referentes à tributação; a compra e venda dos
produtos; e os dispositivos referentes à responsabilidade civil e penal dos dirigentes
administrativos e empregados da entidade.
A empresa binacional a ser constituída para realizar a atividade compartilhada do aterro
poderá ser formalizada da mesma forma que a Itaipu Binacional, ou seguir outras
estruturas societárias que possam ser adequadas aos interesses das partes.
20.2 Formação de empresa pública municipal
A criação da empresa pública municipal depende de prévia lei autorizativa municipal (art.
37, XIX, CF/1988), devendo o processo legislativo ser iniciado pelo chefe do Poder
Executivo (prefeito). Deve-se verificar, ainda, se a legislação municipal de Ponta Porã
contém normas específicas relativas à criação de empresas estatais locais.
É preciso cuidar também da justificativa para a criação dessa empresa, que poderia ter
como base a prestação de serviço público local (tratamento e disposição de resíduos
sólidos). A prestação de serviços ao cliente paraguaio é uma operação que, em princípio,
terá de ser lucrativa, sob pena de os administradores e o controlador da estatal ficarem
expostos a questionamentos, com base na legislação societária e administrativa, por
estarem utilizando recursos que na origem eram públicos (o capital investido na estatal)
para subsidiar serviços em país vizinho ou, ainda, não estarem tomando decisões “no
melhor interesse da companhia”. A função social presente na destinação apropriada dos
resíduos sólidos em área de fronteira pode ser uma justificativa para minimizar esse risco
que, no entanto, não pode ser de todo afastado, especialmente em caso de operação
deficitária.
Além disso, é preciso considerar que esta solução apresenta limitações como: (i) o fato
de não promover a gestão integrada entre Brasil e Paraguai, pois o gerenciamento ficará
20
Ver sobre o tema: CAVALCANTI, José Costa. “A Itaipu binacional: um exemplo de cooperação
internacional na América Latina”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 10 (1), 1976,
p. 19-68; SARAVIA, Enrique J. “As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América
Latina: aspectos jurídicos e administrativos”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 12
(4), 1978, p. 245-265; BETIOL, Laércio. Itaipu: modelo avançado de cooperação internacional na
Bacia do Prata. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1983; CAUBET (C.G.). As
grandes manobras de Itaipu: energia, diplomacia e direito na Bacia do Prata. São Paulo:
Acadêmica, 1989; ALMEIDA, Heloisa Helena de. As empresas binacionais e sua efetividade na
liberdade de estabelecimento no MERCOSUL. Portugal: Scientia Iuris, 2012, Vol.4(0).
21
Art. III, parágrafo 1º.
22
Art. IV, parágrafo 1º.
23
Art. XIX.
71
unicamente com o Brasil; (ii) depender de o lado paraguaio contratar a empresa
brasileira, o que não é possível assegurar; (iii) continuar trabalhando com a lógica da
existência de aterro sanitário titulados por pessoas jurídicas distintas, o que dificulta a
adoção de uma política unificada de disposição de resíduos; (iv) depender de negociação
do prazo de vigência do contrato; (v) e a empresa pública municipal de Ponta Porã ficar
sujeita ao risco de inadimplemento do “cliente paraguaio” (o que, eventualmente, poderia
ser mitigado mediante a exigência de garantias contratuais). Por fim, deve ser analisado,
desde a perspectiva da legislação paraguaia, se haveria qualquer impedimento para a
contratação direta da empresa pública municipal de Ponta Porã.
Esta é uma sugestão inicial que, evidentemente, poderá ser objeto de maior
aprofundamento caso seja considerada uma possibilidade interessante para a
viabilização do empreendimento. Deve ser ressaltado, ainda, que a localização aterro em
solo brasileiro ou paraguaio suscita regras de movimento transfronteiriços de resíduos
analisadas em tópico próprio no presente trabalho.
21. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO
BRASIL
Resolvidas as regras de operação do aterro sanitário sobre a linha de fronteira, com
identificação do órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta
responsável pelo empreendimento, há a necessidade de encaminhamento, no lado
brasileiro, de pedido de licença ambiental prévia ao Ibama. A Lei Complementar 140/2011
estabelece em seu art. 7º, inc. XIV, “ser ação administrativa da União, promover o
licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos
conjuntamente no Brasil e em país limítrofe.” Segundo o art. 8º, da Res. Conama
237/1997, a licença ambiental prévia é necessária para aprovação da localização e
concepção do empreendimento, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os
requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de
implementação do projeto. Trata-se, portanto, da aprovação da viabilidade ambiental do
projeto, sem prejuízo das demais licenças: licença de instalação e de operação. O
processo de licenciamento ambiental deverá ser coordenado com a autoridade ambiental
competente do lado paraguaio para evitar ineficiências e decisões conflitantes.
Entretanto, se a opção for por dois aterros sanitários distintos, em princípio, o “aterro
brasileiro” seria objeto de licenciamento ambiental pelo Ibama, e o “aterro paraguaio” pelo
ente paraguaio competente, a Secretaria Del Ambiente (Seam). Essa duplicidade de
licenciamentos seria prejudicial tanto pela disparidade de exigências que podem ser feitas
pelas entidades brasileiras e paraguaias, bem como pela diferença no tempo de
tramitação e aprovação do licenciamento.
A aprovação do local do empreendimento sobre a linha de fronteira também é um
requisito indispensável para a viabilidade ambiental do projeto. Juridicamente, se o
empreendimento for aprovado sobre a linha de fronteira, é possível sustentar a
inexistência de fluxo ou movimento transfronteiriço de resíduos. Conforme ressaltado
anteriormente, há dois elementos relevantes para a análise jurídica conduzida no
72
presente trabalho: localização e fluxo de resíduos. Com a localização aprovada, para que
haja viabilidade ambiental do projeto e, portanto, legal, não pode haver fluxo de resíduos
entre ambos os países. Os resíduos gerados no Brasil devem entrar no aterro pelo lado
brasileiro. Os resíduos gerados no Paraguai devem entrar no aterro pelo lado paraguaio.
Esta solução permite que Ponta Porã e Pedro Juan Caballero se consorciem com outros
municípios dos seus respectivos países para que possam receber resíduos e, com isso,
viabilizar economicamente a gestão do aterro.
As regras de movimento transfronteiriço de resíduos no Brasil são pautadas pela
Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e
seu Depósito, promulgada pelo Decreto 875/1993. A construção do aterro sanitário sobre
a linha de fronteira evita a aplicação deste convenção (Convenção de Basiléia). Se
houver a necessidade de transporte dos resíduos de qualquer categoria, perigosos ou
não, aplica-se o disposto na Convenção de Basiléia.24
Na hipótese de um aterro sobre a linha de fronteira ser inviabilizado, as consequências
jurídicas para que seja possível implementar um sistema de gestão conjunta do aterro
construído em qualquer lado da fronteira são severas e podem impedir o projeto. Em
ambos os cenários, com aterro no Paraguai ou no Brasil, haverá a necessidade de
envolvimento de autarquias federais para regulamentar o movimento entre os países.
No caso brasileiro, haveria ainda uma restrição aos resíduos perigosos, de acordo com o
art. 49 da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, regulamentada pela Res.
Conama 452/2012. As duas normas proíbem a importação de resíduos sólidos. O art. 49,
da PNRS determina ser “proibida a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos,
bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à
saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reúso,
reutilização ou recuperação.” A proibição de importação de resíduos perigosos é
reafirmada pelo art. 3º, da Res. Conama 452/2012, assim classificados como “Classe I”.
Para “outros resíduos”, a proibição persiste, salvo “os casos previstos em acordos
bilaterais firmados pelo Brasil.” (art. 4º, § único, da Res. 452/2012).
Para os cenários em que o aterro é construído integralmente no Paraguai ou no Brasil, há
movimento transfronteiriço de resíduos. Pela análise da legislação nacional, confrontada
com a internacional, a viabilização ambiental da construção de um aterro em qualquer um
desses cenários depende de acordo bilateral específico entre Brasil e Paraguai, com
24
É importante destacar que a referido acordo internacional não proíbe a importação/exportação
de resíduos. Impõe critérios que devem ser observados. O caso de gestão conjunta para área de
fronteira não é especificamente tratado, mas pode ser encaixado na hipótese prevista pelo art. 4º,
§ 2º, alínea “h”, que determina que “as Partes devem cooperar com outras Partes e organizações
interessadas em atividades, diretamente e através do Secretariado, inclusive divulgando
informações sobre o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos, com o
objetivo de aprimorar a administração ambientalmente saudável desses resíduos e impedir o
tráfico ilegal”. A conclusão é a de que se o Estado de importação permitir o movimento
transfronteiriço dos resíduos e zelar pela proteção do meio ambiente, não parece haver qualquer
problema, uma vez que estaríamos diante de um movimento lícito de resíduos. Tal conclusão,
inclusive, está em perfeita consonância com o art. 4º, § 2º, alínea “d”, da Convenção de Basiléia.
73
envolvimento de diferentes órgãos e autarquias federais. Pela Convenção de Basiléia, há
a possibilidade de entendimentos entre autarquias federais de ambos os países para
autorizar o movimento e a gestão. Pela legislação interna do Brasil, há a necessidade de
acordo bilateral específico.
74
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procedimentos de controle da importação de resíduos, conforme as normas adotadas pela
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BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 140/2011: Fixa normas, nos termos dos
incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a
cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações
administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das
paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de
suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de
agosto de 1981. Brasília: Casa Civil, 2011.
__________. Lei n. 12.305/2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília: Casa Civil,
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Brasília: Casa Civil, 2002.
__________. Lei n. 8.183/1991. Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Conselho de
Defesa Nacional e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1991.
__________. Lei n. 6.938/1981. Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília: Casa Civil, 1981.
__________. Lei n. 6.634/1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135,
de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1979.
__________. Decreto n. 893/1993. Aprova o Regulamento do Conselho de Defesa Nacional.
Brasília: Casa Civil, 1993.
75
__________. Decreto n. 85.128/1980. Aprova o Regulamento da Secretaria-Geral do Conselho de
Segurança Nacional. Brasília: Casa Civil, 1980.
__________. Decreto n. 875/1993. Internaliza a Convenção de Basiléia e promulga o texto da
Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu
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__________. Decreto n. 5.208/2004. Promulga o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do
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VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 225.
76
ANEXOS
77
ANEXO 1 – LISTA DOS MUNICÍPIOS NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA
Disponível em:
http://www.mi.gov.br/programas/programasregionais/faixa/municipios.asp?area=spr_front
eira
ANEXO 2 – RESOLUÇÃO MERCOSUL/GMC/RES N. 30/2007
Disponível em:
http://www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/pdf/GMC_RES_2007_030.pdf
ANEXO 3 – QUESITOS COMPLEMENTARES
Esses quesitos complementares são incorporados ao estudo jurídico para efeitos de
complementação e esclarecimentos adicionais. Eles foram reorganizados, segundo os
pontos levantados, inclusive com nova redação para que se adequem à formatação do
presente estudo, listados e respondidos, conforme segue:
A viabilidade jurídica do projeto foi tomada como pressuposto do estudo. A justificativa
apresentada para essa conclusão preliminar foi a constatação da existência de um
shopping center construído sobre a Faixa de Fronteira.
A conclusão preliminar sobre a viabilidade jurídica do projeto como pressuposto, não
corresponde com a complexidade normativa que recai sobre a construção de um aterro
sanitário. Foram apresentados quatro cenários técnicos – operacionais. No Cenário IV, o
mais desejado do ponto de vista técnico, o aterro é proposto para a linha de fronteira.
A comparação com um shopping center é inadequada. Trata-se de empreendimento com
natureza jurídica ambiental totalmente distinta de um aterro sanitário. As regras aplicáveis
ao aterro sanitário são muito diferentes daquelas aplicáveis a um shopping center. A
conclusão contida no presente parecer de ser "plenamente possível" construir um aterro
sanitário sobre a linha de fronteira não foi tomada como pressuposto. Pelo contrário,
surgiu após a análise detalhada de regras e normas nacionais (brasileiras) e
internacionais. No entanto, a conclusão depende de estudo das normas paraguaias e de
elementos políticos que escapam ao escopo da presente análise.
Há regras non aedificandi que só podem ser contornadas com vontade política. Vontade
política é fator alheio à conclusão jurídica. Por se tratar de entendimento entre Estados
soberanos é juridicamente possível excepcionar a regra. A viabilidade jurídica não pode
ser tomada como "pressuposto".
A preferência técnica - operacional pelo Cenário IV foi confirmada juridicamente pela
análise dos Cenários I, II e III. Nos três primeiros cenários há movimento transfronteiriço
de resíduos. Este fato produz obstáculos jurídicos para a instalação de aterro de um ou
de outro lado da fronteira. Como os Cenários I, II e III foram listados por documento
técnico – operacional, foram também objeto de análise jurídica pelo presente parecer.
78
Há uma desqualificação técnica – operacional, considerando aspectos ambientais e
sociais, dos Cenários I, II e III. Em quesito complementar, foi indicado que se a solução
fosse pela duplicidade de infraestrutura, não haveria porque realizar estudos de solução
técnica e operacional. E que, por isso, não poderiam ser válidas as recomendações
jurídicas para cenários de duplicação de infraestrutura (especificamente, Cenários I, II e
III).
O parecer não sugere ou indica como melhor opção jurídica a duplicação de
infraestrutura. Pelo contrário, parte da premissa de que o melhor cenário técnico e
operacional é, de fato, o Cenário IV. Porém, como os Cenários I, II e III foram submetidos
ao exame jurídico, o parecer não se furtou de analisa-los. E, ao assim proceder,
ponderou a viabilidade jurídica com possíveis dificuldades e desafios políticos. Nos
Cenários I, II e III apresentados, o fator político tem menor influência, considerando a
duplicidade de infraestrutura e de mecanismos de gestão. Nesses cenários, foi
pressuposto graus diferentes de harmonização e integração de políticas de gestão de
resíduos sólidos. Juridicamente isso é possível, conforme apresentado em análise
individualizada para cada um dos Cenários.
A construção de dois aterros aparece em três dos quatro cenários. A questão levantada
neste quesito sugere um outro cenário: sistemas de gestão completamente
independentes e sem nenhum grau de harmonização ou integração de políticas. Isso não
apareceu em nenhum dos cenários submetidos à análise jurídica. Os Cenários I, II e III
delimitados pela análise técnica operacional apresentaram três distintas possibilidades:
política de gestão harmonizada, integrada ou inspirada em modelo europeu (Cenários I, II
e III, respectivamente). Juridicamente são cenários muito distintos e com efeitos diversos.
Este terceiro quesito complementar indica a necessidade de apresentação de melhores e
piores cenários para embasar deliberações de gestores municipais.
A indicação de alternativas de melhores ou piores cenários é decisão executiva e de
governança que deve avaliar: 1) a melhor solução técnica – operacional; 2) a viabilidade
jurídica dos diferentes cenários; e 3) as dificuldades e desafios políticos dos diferentes
cenários. A análise jurídica conduzida neste parecer indica a viabilidade jurídica para os
quatro cenários apresentados. Entende que a melhor solução técnica e operacional é a
construção de uma única infraestrutura de gestão de disposição final de resíduos. De
acordo com essa delimitação de melhor cenário técnico operacional, a análise jurídica
considerou três possibilidades geográficas: 1) infraestrutura única no Paraguai; 2)
infraestrutura única no Brasil; e 3) infraestrutura única sobre a linha de fronteira.
O parecer concluiu que a melhor solução jurídica é, de fato, a de construção de aterro
sobre a linha de fronteira, assumindo que barreiras e obstáculos políticos possam ser
superados. Os dois primeiros cenários (I e II) implicam em movimentação transfronteiriça
de resíduos e que, portanto, apresentam sérios obstáculos jurídicos em normas internas
(Brasil) e internacional. Essas barreiras normativas foram objeto de análise do parecer
jurídico. Sobre o terceiro cenário (III), a de construção de aterro sobre a linha de fronteira,
há viabilidade jurídica, conforme análise constante de tópico próprio no presente parecer,
mas ela é dependente de fatores políticos, a saber: 1) exceção de regra non aedificandi;
2) aceitação pelo Conselho de Defesa Nacional; 3) manifestação de interesse do
79
Ministério de Relações Exteriores; e 4) fatores políticos ligados a fatores jurídicos do lado
paraguaio.
Quais seriam as implicações caso os Municípios resolvam implementar o Cenário IV de
forma conjunta? Quais as possibilidades jurídicas para avançarem desta forma e quais as
dificuldades projetadas? Quais seriam as soluções neste âmbito e as propostas para
tornar mínimo o dano, caso haja?
As implicações jurídicas para que os Municípios implementem o Cenário IV de forma
conjunta são aquelas analisadas no item 15.4 do presente estudo. Observado os
procedimentos nele listados, as implicações deixam de ser jurídicas e passam a
depender de fatores políticos. São procedimentos jurídicos que dependem de
manifestações do Conselho de Defesa Nacional, Ministério de Relações Exteriores e pelo
processo de licenciamento ambiental junto ao IBAMA e à SEAM, órgão competente no
Paraguai.
Sobre as alternativas existentes para minimizar possíveis danos ambientais, apenas a
avaliação de impacto ambiental é que pode produzir informações precisas e suficientes
para que medidas de mitigação e compensação possam ser analisadas juridicamente.
Trata-se, porém, da fase de licenciamento e que, no plano jurídico, pressupõe que as
etapas perante o Conselho de Defesa Nacional e Ministério de Relações Exteriores
estejam satisfeitas.
Em que o Estado e o Departamento poderiam estar comprometidos? Caso a
decisão sobre a implementação do modelo parta dos dois Estados ela é possível?
Caso não seja possível, o que deve ser feito para possibilitar?
O Estado, no caso brasileiro, é força política adicional. O Estado, segundo dispõe o art.
23, inc. VI da Constituição Federal, compartilha com a União e com os Municípios a
competência para adotar medidas de proteção ambiental. Segundo dispõe o art. 24, inc.
VI, também da CF/88, o Estado também compartilha com Municípios (por força da
interpretação conjunta do art. 30, incs. I e II, c/c art. 18, ambos da CF/88), competência
para legislar de forma supletiva às normas gerais promulgadas pela União, ou de forma
plena, na ausência de norma geral federal. A regulamentação da cooperação em matéria
constitucional foi feita pela recém promulgada Lei Complementar n. 140/11.
Logo, pela análise da competência constitucional executiva e legislativa do Estado, pode
o Estado, somando forças com o Município, encaminhar requerimento conjunto, através
de sua Procuradoria, ao Conselho de Defesa Nacional e ao próprio Ministério de
Relações Exteriores para adoção de diligências necessárias à satisfação dos requisitos
legais.
No melhor cenário técnico, operacional e jurídico, o IV, em que se propõe a construção
de aterro sobre a linha de fronteira, a participação do Estado é facultativa. Recomenda-se
envolver o Estado se a disposição política for favorável ao empreendimento. Neste caso,
trata-se de força política adicional e que fortalece os requerimentos encaminhados às
instâncias políticas.
80
A legislação paraguaia permitira? O que pode ou não pode ser feito no PY? Qual a
confluência legislativa?
Sobre este quesito adicional, com base no estudo jurídico que desenvolvemos sobre as
exigências legais brasileiras e a interpretação que oferecemos das regras internacionais,
apenas advogado(a) devidamente habilitado(a) no Paraguai pode opinar sobre a
adequação ou harmonização do direito paraguaio. Após levantado o regime de regras e
regulamentos paraguaios por profissional devidamente habilitado, a análise deve ser
incorporada ao presente estudo, como variável adicional de controle das possibilidades
jurídicas paraguaias. Como não se trata de estudo de harmonização de regras brasileiras
ou paraguaias, mas de análise de viabilidade jurídica, não há necessidade de estudo
propositivo que harmonize regras. Tal iniciativa cumpriria finalidade meramente
acadêmica, sem efeito prático ao caso, pois dependeria dos processos legislativos
federais de ambos os países.
Quem deve encaminhar os requerimentos? Os Municípios? Os Estados? Quanto
tempo levaria? Qual o tipo de gerenciamento que as partes teriam no processo?
Nenhum? Como faríamos para gerenciar?
Pela Constituição Federal do Brasil, o Município ou o Estado podem encaminhar o
requerimento, pois desfrutam de competência executiva comum (art. 23, VI, da
Constituição Federal de 1988). Sobre o tempo de tramitação do procedimento proposto,
não é possível prever. O requerimento pode ser preparado em uma semana pelas
procuradorias do Município e do Estado. O tempo de tramitação no Conselho de Defesa
Nacional e no Ministério de Relações Exteriores, infelizmente, não é possível estimar.
Não há casos paradigmas que possibilitem estudos de análise de estimativa prospectiva
de tempo. O gerenciamento jurídico seria feito pelas procuradorias da mesma forma que
acompanhamentos judiciais são feitos. O acompanhamento político depende de
avaliação de mecanismos que extrapolam o escopo daquilo que juristas estão
capacitados ou habilitados a opinar. A força política é fundamental para agilização de
processos dessa natureza.
Resolvidos os requerimentos de cunho político, o de cunho técnico, processo de
licenciamento ambiental perante o IBAMA, pode levar de 1 (um) a 4 (anos),
aproximadamente. A nossa avaliação não encontra respaldo em metodologia específica,
senão na experiência dos profissionais que subscrevem este estudo com projetos de
envergadura semelhante.
Somente encaminhar o ajuste complementar não facilitaria? Quais os riscos? Qual
a sugestão para minimização desses riscos?
O requerimento pode ser encaminhado com uma sugestão de texto do ajuste
complementar. Isso facilitaria. Teria que ser negociado entre os Municípios, ou entre os
Estados, se eles forem envolvidos. O risco é político: decisão do MRE de não aceitar ou
entender que não é o caso de um ajuste complementar. A minimização do risco político,
só com mecanismos e instrumentos políticos que não são previsíveis tampouco podem
ser estimados por um estudo jurídico.
81
Caso entenda-se pela execução das medidas legais necessárias para viabilizar o Cenário
IV, é possível propor uma minuta para deliberação entre os atores públicos e privados
envolvidos, antes de apresenta-la como anexo ao requerimento a ser encaminhado ao
Ministério de Relações Exteriores.
É possível a criação de um consórcio internacional tanto para a gestão quanto para
a execução de serviços?
Sim. O consórcio internacional se dá mediante a criação de uma empresa binacional,
conforme restou analisado no item “20.1”. Nesta modalidade, uma empresa binacional
pode ser criada tanto para a gestão quanto para a execução de serviços. O caso de Itaipu
é exemplo de empresa binacional para a gestão e para a execução dos serviços. No caso
em tela, para gestão e execução de disposição final de resíduos.
No licenciamento qual seria a solução proposta para a minimização do dano? Além
disso, em sendo dois aterros sanitários distintos, em princípio, o “aterro brasileiro”
seria objeto de licenciamento ambiental pelo IBAMA, e o “aterro paraguaio” pelo
ente paraguaio competente. Essa duplicidade de licenciamentos seria prejudicial
tanto pela disparidade de exigências que podem ser feitas pelas entidades
brasileiras e paraguaias, bem como disparidade no tempo de tramitação e
aprovação do licenciamento.
No licenciamento, a solução para minimização de dano é condicional à avaliação prévia
técnica e operacional do empreendimento. Em sendo um aterro sobre a fronteira ou dois
aterros, haverá a necessidade de participação do IBAMA e do órgão ambiental paraguaio,
necessariamente. O risco jurídico é a disparidade de exigências. Mas isso é algo que
todo empreendedor no Brasil já está bastante acostumado a lidar. No Brasil,
frequentemente órgãos ambientais da União, dos Estados e dos Municípios interferem
nos processos de licenciamento com exigências díspares e, muitas vezes, conflitantes.
Juridicamente, a negociação direta com os órgãos ambientais envolvidos resolve e
minimiza os riscos de decisões conflitantes. Para o caso de um licenciamento conjunto,
entre órgão brasileiro e paraguaio, haveria a necessidade de técnicas semelhantes de
harmonização e solução consensual de eventuais normas conflitantes.
A Convenção de Basiléia trata apenas de resíduos perigosos, ou também trata de
outros tipos de resíduos? Como ficaria a questão frente à Lei 12.305/12?
A análise da Convenção de Basiléia só é relevante para os Cenários I, II e III. Esse fato
foi ressaltado em tópico próprio, tratando desses cenários. A análise de viabilidade
jurídica do Cenário IV, de construção de aterro sobre a linha de fronteira, evitaria a
aplicação da Convenção de Basiléia, pois evitaria movimento transfronteiriço de resíduos.
De qualquer sorte, a referida convenção trata também de "outros resíduos”. Dependendo
da tipologia dos resíduos e do movimento transfronteiriço proposto, aplica-se a Res.
CONAMA n. 452/12, citada e analisada pelo parecer, e que foi editada com base na
Convenção de Basiléia e na Lei n. 12.305/2010.
A Convenção de Basiléia, concluída em 1989 na Suíça, dispõe sobre o controle dos
movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito. A Convenção entrou
em vigor em 1992 e o Brasil a ratificou em 1993, através do Decreto nº 875/1993. Em
82
1998, durante a IV Conferência das Partes, houve uma emenda ao Anexo I da
Convenção, bem como a incorporação dos Anexos VIII e XIX, o que determinou, por
parte do Brasil, a edição do Decreto nº 4.581/2003. O Paraguai, por sua vez, tornou-se
membro em setembro de 1995.
O principal objetivo da Convenção de Basiléia é a organização do movimento de resíduos
sólidos considerados perigosos e outros resíduos. Tal preocupação encontrou
fundamento em um crescente tráfico ilícito de resíduos, no qual os países industrializados
destinavam seus resíduos perigosos aos países em desenvolvimento.
O Governo Brasileiro, ao aderir à Convenção de Basiléia, “se associa a instrumento que
considera positivo, uma vez que estabelece mecanismos internacionais de controle
desses movimentos - baseados no princípio do consentimento prévio e explícito para a
importação e o trânsito de resíduos perigosos -, procura coibir o tráfico ilícito e prevê a
intensificação da cooperação internacional para a gestão adequada desses resíduos” (art.
1º, (1), Decreto nº 875/1993).
No art. 1º, § 1º, a Convenção determina que serão perigosos os seguintes resíduos
objetos de movimento transfronteiriço: (a) resíduos que se enquadrem em qualquer
categoria contida no Anexo I, a menos que não possuam quaisquer das características
descritas no Anexo III; e (b) resíduos não cobertos pelo parágrafo (a), mas definidos, ou
considerados, resíduos perigosos pela legislação interna da Parte que seja Estado de
exportação, de importação ou de trânsito25.
Para o caso específico de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, vale observar algumas
definições trazidas pelo art. 2º da Convenção ora analisada:

Por "movimento transfronteiriço" se entende todo movimento de resíduos
perigosos ou outros resíduos procedentes de uma área sob a jurisdição nacional
de um Estado para ou através de uma área sob a jurisdição nacional de outro
Estado ou para ou através de uma área não incluída na jurisdição nacional de
qualquer Estado, desde que o movimento afete a pelo menos dois Estados.

Por "local ou instalação aprovada" se entende um local ou uma instalação para o
depósito de resíduos perigosos e outros resíduos, autorizada ou liberada para
operar com esta finalidade por uma autoridade competente do Estado no qual o
local ou a instalação esteja localizada.

Por “autoridade competente” se entende uma autoridade governamental
designada por uma Parte para ser responsável, dentro das áreas geográficas
consideradas adequadas pela Parte, para receber a notificação de um movimento
transfronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos, bem como qualquer
informação relativa ao mesmo, e para dar resposta a tal notificação, como prevê̂ o
Artigo 6.
25
Os Anexos I e III da Convenção de Basiléia podem ser encontrados no seguinte link:
http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=7&data=20/07/1993.
83

Por "administração ambientalmente saudável de resíduos perigosos ou outros
resíduos" se entende a tomada de todas as medidas práticas para garantir que os
resíduos perigosos e outros resíduos sejam administrados de maneira a proteger
a saúde humana e o meio ambiente de efeitos nocivos que possam ser
provocados por esses resíduos.

Por "área sob a jurisdição nacional de um Estado" se entende qualquer área
terrestre, marítima ou aérea dentro da qual um Estado exerça responsabilidade
administrativa e regulamentadora de acordo com o direito internacional em
relação à proteção da saúde humana ou do meio ambiente.

Por "Estado de exportação" se entende uma Parte a partir da qual se planeja
iniciar um movimento tranfronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos.

Por "Estado de importação" se entende uma Parte para a qual se planeja fazer ou
se faz efetivamente um movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ou
outros resíduos com a finalidade de aí depositá-los ou de carregá-los antes de
depositá-los numa área não incluída na jurisdição nacional de qualquer Estado.

Por "tráfico ilegal" se entende qualquer movimento transfronteiriço de resíduos
perigosos ou outros resíduos na forma especificada no Artigo 926.
26
Artigo 9 - Tráfico ilegal:
1. Para os fins da presente Convenção, qualquer movimento transfronteiriço de resíduos perigosos
ou outros rejeitos: (a) sem notificação, segundo os dispositivos da presente Convenção, para
todos os Estados interessados; ou (b) sem o consentimento, segundo os dispositivos da presente
Convenção, de um Estado interessado; ou (c) com o consentimento de Estados obtido por meio de
falsificação, descrição enganosa ou fraude; ou (d) que não esteja materialmente em conformidade
com os documentos; ou (e) que resulte num depósito deliberado (por exemplo, “dumping”) de
resíduos perigosos ou outros resíduos caracterizando violação da presente Convenção e de
princípios gerais do direito internacional, será considerado tráfico ilegal.
2. No caso de um movimento transfronteirico de resíduos perigosos ou outros resíduos
considerado tráfico ilegal em função da conduta do exportador ou gerador, o Estado de exportação
deverá assegurar que os resíduos em questão sejam: (a) levados de volta pelo exportador ou pelo
gerador ou, se necessário, pelo próprio Estado para dentro de se território ou, se isto for
impraticável, (b) depositados de alguma outra forma de acordo com os dispositivos da presente
Convenção, em um prazo de 30 dias a contar da data em que o Estado de exportação foi
informado do tráfico ilegal ou em qualquer outro prazo acordado entre os Estados interessados.
Para esse fim, as Partes interessadas não deverão se opor, dificultar ou impedir o retorno desses
resíduos para o Estado de exportação.
3. No caso de um movimento trans fronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos
considerado tráfico ilegal em função da conduta do importador ou do encarregado do depósito, o
Estado de importação deverá assegurar que os resíduos em questão sejam depositados de forma
ambientalmente saudável pelo importador ou encarregado do depósito ou, se necessário, pelo
próprio Estado de importação em um prazo de 30 dias a partir da data em que o tráfico ilegal tenha
chegado ao conhecimento do Estado de importação ou em qualquer outro prazo acordado entre
os Estados interessados. Para esse fim, as Partes interessadas deverão cooperar umas com as
outras, conforme necessário, no depósito dos resíduos de forma ambientalmente saudável.
4. Nos casos em que a responsabilidade pelo tráfico ilegal não possa ser atribuída ao exportador
ou gerador nem ao importador ou encarregado do depósito, as Partes interessadas ou outras
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O artigo 4º da Convenção traz as obrigações gerais para os Estados-membros. O
parágrafo 1º, item (c) diz que “as Partes deverão proibir ou não permitir a exportação de
resíduos perigosos e outros resíduos se o Estado de importação não der consentimento
por escrito para a importação específica, no caso de o Estado de importação não ter
proibido a importação desses resíduos”. Ou seja, a Convenção não proíbe toda e
qualquer importação de resíduos, mas apenas aquelas que o Estado de importação não
der consentimento. No caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, portanto, desde que
as respectivas autoridades competentes autorizem a importação de resíduos, não há
vedação jurídica ao movimento transfronteiriço. No caso brasileiro, pelo que dispõe o art.
49 Lei n. 12.305/10, há expressa vedação de importação de “resíduos sólidos perigosos e
rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio
ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento,
reforma, reúso, reutilização ou recuperação.” Logo, se o aterro for planejado para o lado
brasileiro, qualquer recebimento de resíduos paraguaio deverá observar a restrição do
referido dispositivo, limitando-se a outras categorias de resíduos.
No artigo 4º vale observar também a determinação do parágrafo 2º, item (b): “cada Parte
deverá tomar medidas adequadas para: (...) (b) assegurar a disponibilidade de
instalações adequadas para o depósito, visando a uma administração ambientalmente
saudável de resíduos perigosos e outros resíduos, as quais deverão se localizar, na
medida do possível, dentro de seu território seja qual for o local de depósito”. Deste
dispositivo podem ser retiradas algumas conclusões. Em primeiro lugar, há uma
preocupação com a garantia de instalações adequadas para o depósito de resíduos
perigosos, evitando, assim, que estes sejam importados para outros Estados de forma
ilícita. A criação dessas instalações deve visar uma administração ambientalmente
saudável dos resíduos. Portanto, um dos objetivos em proibir o tráfico ilícito é evitar que o
meio ambiente sofra com uma destinação inadequada dos resíduos.
Além disso, veja-se que o próprio artigo determina que as instalações adequadas para o
depósito dos resíduos deverão se localizar, na medida do possível, dentro do território do
Estado-parte. Ou seja, a própria Convenção admite que nem sempre será possível para
um Estado-parte criar essas instalações no seu próprio território. É possível, pois,
exceções que permitam o movimento transfronteiriço de categorias de resíduos não
proibidas por legislações nacionais, se o resultado final almejado for a maior proteção do
meio ambiente.
Partes, de acordo com a situação, deverão assegurar, por meio de cooperação, que os resíduos
em questão sejam depositados o mais rapidamente possível de forma ambientalmente saudável
no Estado de exportação, no Estado de importação ou em algum outro lugar considerado
adequado.
5. Cada Parte devera implementar uma legislação nacional/interna adequada para impedir e punir
o tráfico ilegal. As Partes deverão cooperar umas com as outras para atingir os objetivos deste
Artigo.
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A conclusão da leitura em conjunto dos dispositivos supramencionados é a de que se o
Estado de importação permitir e o movimento transfronteiriço dos resíduos zelar pela
proteção do meio ambiente, não parece haver qualquer problema, uma vez que
estaríamos diante de um movimento lícito de resíduos. Tal conclusão, inclusive, está em
perfeita consonância com o item (d) do parágrafo 2º do artigo 4º que determina que as
Partes devem “assegurar que o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e
outros resíduos seja reduzido ao mínimo compatível com a administração
ambientalmente saudável e eficiente desses resíduos e que seja efetuado de maneira a
proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos que possam resultar
desse movimento”, bem como com o item (h) do mesmo dispositivo: “as partes devem
cooperar com outras Partes e organizações interessadas em atividades, diretamente e
através do Secretariado, inclusive divulgando informações sobre o movimento
transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos, com o objetivo de aprimorar a
administração ambientalmente saudável desses resíduos e impedir o tráfico ilegal”.
Ainda no artigo 4º há outras previsões que permitem concluir pela possibilidade de
autorização de alguns casos de movimento transfornteiriço de resíduos. É o caso do
parágrafo 7º, item (a), que determina que cada Parte deverá “proibir todas as pessoas
sob sua jurisdição nacional de transportarem ou depositarem resíduos perigosos ou
outros resíduos, a não ser que essas pessoas estejam autorizadas ou tenham permissão
para realizar esse tipo de operações”. Importante observar também que, quando
autorizado um movimento transfornteiriço de resíduos, algumas formalidades devem ser
observadas: os resíduos devem ser embalados, etiquetados e transportados em
conformidade com normas e padrões internacionais (artigo 4º, parágrafo 7º, item (b)) e
devem estar acompanhados de um documento de movimento (artigo 4º, parágrafo 7º,
item (c)).
O parágrafo 9º desse mesmo artigo 4º estabelece alguns critérios que devem ser
observados pelas Partes caso haja um movimento transfronteiriço. O item (c) estabelece
que será permitido o movimento transfronteiriço que “estiver de acordo com outros
critérios a serem acordados pelas Partes, desde que esses critérios não divirjam dos
objetivos da presente Convenção”. Ou seja, a própria Convenção dá às partes a
liberdade de convencionar o movimento transfronteiriço, desde que este seja convergente
com os objetivos da Convenção.
O artigo 6º da Convenção de Basiléia determina o procedimento formal que deve ser
observado em movimentos transfronteiriços entres Partes.
O artigo 9º prevê quais movimentos transfronteiriços serão considerados como tráfico
ilegal: “(a) sem notificação, segundo os dispositivos da presente Convenção, para todos
os Estados interessados; ou (b) sem o consentimento, segundo os dispositivos da
presente Convenção, de um Estado interessado; ou (c) com o consentimento de Estados
obtido por meio de falsificação, descrição enganosa ou fraude; ou (d) que não esteja
materialmente em conformidade com os documentos; ou (e) que resulte num depósito
deliberado (por exemplo dumping) de resíduos perigosos ou outros resíduos
caracterizando violação da presente convenção e de princípios gerais do direito
internacional”.
86
Em seu artigo 11, a Convenção de Basiléia permite que sejam estabelecidos acordos ou
arranjos bilaterais, multilaterais ou regionais no que se refere ao movimento
transfronteiriço de resíduos, “desde que esses esquemas ou acordos não derroguem a
administração ambientalmente saudável dos resíduos perigosos e outros resíduos exigida
pela presente Convenção. Esses acordos ou esquemas deverão estabelecer dispositivos
que não sejam menos ambientalmente saudáveis que aqueles previstos na presente
Convenção, particularmente levando-se em consideração os interesses dos países em
desenvolvimento” (as Partes deverão notificar o Secretariado a respeito de tais acordos,
assim como a respeito daqueles firmados antes da entrada em vigor da Convenção –
artigo 11, parágrafo 2º). Esse dispositivo na Convenção está alinhado ao procedimento
de consulta às instâncias competentes e da necessidade de formalização de acordo
específico entre Brasil e Paraguai, que pode, por sua vez, se aproveitar de acordos
guarda-chuva, como o Acordo de Cooperação Técnica de 1987.
Por último, é importante dizer que o Anexo I traz as categorias de resíduos a serem
controlados; o Anexo II as categorias de resíduos que exigem consideração especial; o
Anexo III a lista de categorias perigosas; o Anexo IV as operações de depósito; o Anexo
VA as informações a serem fornecidas por ocasião da notificação; o Anexo VB as
informações a serem fornecidas no Documento de Movimento; o Anexo VIII os resíduos
caracterizados como perigosos; e o Anexo XIX os resíduos que não estão acobertados
pelo artigo 1o, parágrafo 1o, item (a), a menos que contenham elementos do Anexo I em
concentração tal que apresentem características do Anexo III. A Resolução CONAMA n.
452/2012 está alinhada à Convenção de Basiléia, constituindo-se como a materialização
normativa sobre o tema na esfera nacional. A mesma análise deve ser feita da normativa
paraguaia.
Dessa análise, no que diz respeito ao caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, podese concluir que é possível haver um aterro sanitário, seja no território paraguaio seja no
território brasileiro, que irá suprir a necessidade de todo o Município, mesmo que para
isso tenha de haver um movimento transfronteiriço de resíduos, desde que respeitadas as
regras nacionais proibitivas como, no caso brasileiro, as categorias listadas pelo art. 49,
da Lei n. 12.305/10.
Os acordos internacionais existentes entre BR-PY foram analisados? Acordo em
matéria de defesa pode auxiliar na escolha do modelo?
Todos os acordos bilaterais entre BR-PY foram analisados. Eles constam de uma lista de
mais de 10 páginas publicadas no site MRE. A análise de viabilidade jurídica conduzida
no presente parecer foi fortemente inspirada nos acordos analisados. A questão da
defesa está na esfera da discricionariedade do Conselho de Defesa Nacional previsto no
art. 91, da CF/88. Compete ao CDN a análise discricionária sobre projetos na fronteira.
Se o CDN acatará ou não o requerimento, fica por conta de fatores metajurídicos, que
extrapolam o escopo da análise de viabilidade jurídica.
O objetivo do requerimento ao CDN não é a declaração de que um aterro sanitário seja
enquadrado como caso de proteção e defesa ao território nacional. É justamente o
contrário. Ou seja, é a declaração de um “nada a opor”, reconhecendo a importância do
projeto para a região, descaracterizando-o como questão de defesa nacional que possa
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inviabilizar o projeto. Por isso, não se aplicam acordos ou ajustes específicos que tratam
de projetos de defesa.
O Ajuste sobre Cooperação e Intercâmbio de Tecnologia de Saúde entre Brasil e
Paraguai poderia ser utilizado para implantação do modelo de gestão conjunta de
resíduos sólidos? Se a lei 6.634/79 estabelece o que se pode ou não construir na
faixa e um aterro não se relaciona com qualquer atividade proibida, isso não seria o
permissível? Dispõe também que a alienação e a concessão de terras públicas em
área de fronteira não poderá ultrapassar o limite de 3.000 ha, ou seja, o que esta
abaixo desse limite 'e alienável ou sujeito à concessão? Se for assim, ela
estabelece que a alienação e concessão de terrenos urbanos estão regidas por
legislação especifica. Isso não facilitaria?
O referido Ajuste sobre Cooperação e Intercâmbio de Tecnologia de Saúde entre Brasil e
Paraguai foi um dos acordos bilaterais examinados na análise exaustiva da lista que
consta do site do Ministério de Relações Exteriores. Entendemos não ser aplicável ao
caso em tela. O referido ajuste está atrelado ao Acordo Sanitário celebrado entre os dois
países, em Assunção, em 16 de julho de 1971. Apesar da gestão integrada e eficiente
dos resíduos sólidos ser questão da mais alta relevância para a saúde pública, referido
Acordo Sanitário limita o escopo da área de saúde, logo em seus considerandos, para as
seguintes áreas: a) erradicação da malária; b) erradicação da varíola; c) o controle da
febre amarela silvestre e a vigilância contra a reinfestação pelo Aedes aegypti; d) a
hanseníase, a tuberculose, as enfermidades venéreas e outras doenças transmissíveis
que necessitem de ação coordenada dos governos de ambos os países; e o controle do
uso de estupefacientes, narcóticos e alucinógenos. Nenhuma dessas áreas, ou das
disposições que constam do referido Acordo de Cooperação tangenciam ou fazem
referência, ainda que indireta, à gestão conjunta de resíduos sólidos. Seria, portanto, uma
estratégia muito arriscada, do ponto de vista jurídico, tentar enquadrar a gestão conjunta
de resíduos sólidos nesse acordo guarda-chuva, quando há alternativas mais adequadas
já analisadas em tópicos próprios no presente estudo.
Se o principal (Acordo sobre Cooperação Técnica na Área de Saúde) não está adequado,
a mesma sorte recai sobre o acessório, ou seja, o Ajuste sobre Cooperação e
Intercâmbio de Tecnologia de Saúde. A interpretação para o Direito não pode se valer de
dispositivos isolados selecionados oportunisticamente para viabilizar estratégias
pretendidas. Trata-se de lição geral do Direito, a que faz com que dispositivos específicos
tenham que ser interpretados sistematicamente, à luz da natureza dos instrumentos que
o preveem e em sintonia com as demais normas e regras do regime jurídico aplicável.
Exemplo da inadequação do referido Ajuste é a designação do Ministério da Saúde, do
lado brasileiro, e do Ministério da Saúde Pública e Bem-Estar Social, do lado paraguaio,
como entidades responsáveis pela execução do Ajuste. O Ministério da Saúde carece de
competência constitucional e legal para executar ou delegar competência de execução de
projeto de aterro sanitário para Municípios com mais de 50 mil habitantes.
Sobre as atividades listadas na Lei n. 6.634/79, embora o aterro sanitário não esteja
listado expressamente, pode ser considerada, a teor do que dispõe o art. 2o, inc. III,
como “estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança
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Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo.” Referido dispositivo
consta da referida lei para ilustrar atividades e empreendimentos que dependem de
prévio consentimento do Conselho de Defesa Nacional. A última parte do referido
dispositivo serve de embasamento para o requerimento a ser feito ao CDN. Os
estabelecimentos ou indústrias que interessam à segurança nacional devem estar
listados em decreto do Poder Executivo. A inexistência de decreto listando a atividade de
aterro, pode significar dispensa da necessidade de consulta prévia ao CDN.
Por que então o parecer sugere a necessidade de consulta prévia ao CDN, se a
atividade de aterro sanitário não está listada em decreto como de interesse para a
segurança nacional?
Trata-se de diligência de precaução para evitar intervenção superveniente que possa
impedir a continuidade da execução do projeto. O próprio requerimento ao CDN deve
especificar que a atividade não está listada em decreto, mas que o Município de Ponta
Porã e o Estado do Mato Grosso do Sul resolvem pela consulta para evitar intervenção
posterior que possa prejudicar a execução do projeto. Medida, pois, meramente
acautelatória.
A alienação ou concessão de uso de áreas em faixa de fronteira não é problema. A
própria lei assim dispõe. Não se trata de obstáculo à viabilidade jurídica do projeto. O
obstáculo não está na alienação, mas sim na regra non aedificandi analisada em tópico
próprio e que deve ser excepcionada por acordo entre os países. Essas regras são
posteriores às construções já existentes, podendo estar incluídos nessa categoria os
próprios Municípios. Prevalece a regra geral do direito adquirido.
Construções municipais urbanas, de médio ou baixo impacto, nos territórios dos
respectivos países, ou mesmo sobre a linha de fronteira, não são equiparáveis à natureza
do aterro sanitário. A gestão conjunta de resíduos sólidos suscita questões e regras de
Direito Internacional, de vontade soberana de Estados. Devem, por cautela, contar com
anuência do CDN, e pelo regime jurídico internacional - conforme analisado no presente
Estudo -, de acordo ou ajuste específico entre os dois países.
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ANEXO 4 – MEMORANDO DE ENTENDIMENTO
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91
92
93
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Estudo de caso de Ponta Porã