Alianças Público-Privadas para o Desenvolvimento Local Volume VII GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM REGIÃO DE FRONTEIRA Estudo de Caso – Ponta Porã (BR) & Pedro Juan Caballero (PY) Um aterro binacional Coletânea Alianças Público-Privadas para o Desenvolvimento Local Volume VII GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM REGIÃO DE FRONTEIRA Estudo de Caso – Ponta Porã (BR) & Pedro Juan Caballero (PY) Um aterro binacional Janeiro – 2014 Realização: Apoio para edição: 2 BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO FUNDO MULTILATERAL DE INVESTIMENTOS Especialista Setorial Ismael Gillio INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL Superintendente Geral Paulo Timm Coordenador Geral do Programa Micro APP Alexandre C. de Albuquerque Santos Coordenador Adjunto Gil Soares Junior Publicação Coordenação Geral Karin Segala Redação Karin Segala Rômulo Silveira da Rocha Sampaio Rosa María Ruffinelli Gómez Silvia Martarello Astolpho Coordenação Editorial Sandra Mager Revisão Ricardo Ditchun 3 Segala, Karin (Coord.) S454 Gestão integrada de resíduos sólidos em região de fronteira: estudo de caso: Ponta Porã BR e Pedro Juan Caballero PY: um aterro binacional. / [coordenação de] Karin Segala; [redação de] Karin Segala; Rômulo S. da Rocha Sampaio; Rosa María R. Gómez; Silvia M. Astolpho – Rio de Janeiro: IBAM; Fomin/BID, 2014. (Coletânea Alianças Público-Privadas para o Desenvolvimento Local, v.7) 93p. 1.Resíduos sólidos – Ponta Porã (MS). 2. Resíduos sólidos – Pedro Juan Caballerlo (Paraguai) I. Segala, Karin; II. Sampaio, Rômulo S.R. III. Gómez, Rosa M.R. IV. Astolpho, Silvia M. V. Instituto Brasileiro de Administração Municipal. VI. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Fundo Multilateral de Investimentos. VII. Título. CDU 364:81 + 364:893 4 APRESENTAÇÃO Este conjunto de publicações sintetiza os mais importantes aprendizados e, sobretudo, informações e conhecimentos produzidos, sistematizados e agregados à experiência do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM decorrentes dos quatro anos de parcerias com o Fomin/BID (Fondo Multilateral de Inversiones/Banco Interamericano de Desenvolvimento) no Programa de Promoção de Microalianças Público-Privadas municipais. Estruturada em fascículos, a série inclui os estudos e experiências mais expressivos, sobretudo, pelas lições aprendidas e níveis de amadurecimento resultantes das iniciativas. Todas as informações produzidas estão disponíveis no portal do Programa na internet: www.aliancaspublicoprivadas.org.br A árvore de conhecimento que orientou a organização da coletânea segue o esquema: 1 – A cooperação entre os setores público, privado e o terceiro setor nos municípios – um balanço das ações do Programa Alianças Público-Privadas 2 – Marco Legal das Alianças PúblicoPrivadas 4 – Coleta Seletiva Inclusiva no Contexto das Alianças PúblicoPrivadas 6 – Gestão Integrada de Resíduos Sólidos em Região de Fronteira 5 – Estudo de caso de Ilhéus (BA) – múltiplas parcerias para a inclusão produtiva 7 – Estudo de caso de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY) – um aterro binacional 8 – Mecanismos de Desenvolvimento Limpo Programático – uma oportunidade para as Alianças Público-Privadas 3 – Guia de Procedimentos para a constituição de uma Aliança Público-Privada 9 – Desenvolvimento Local Sustentável – distintas oportunidades de Alianças PúblicoPrivadas 10 – Estudo de caso de Japaratinga (AL) – turismo e agricultura familiar 11 – Estudo de caso de Ponta Porã (MS) – Convention & Visitors Bureau Os três primeiros fascículos tratam dos fundamentos do Programa. O primeiro, introdutório, apresenta os conceitos básicos e a evolução dos trabalhos realizados. O segundo discorre sobre o marco legal, ao mesmo tempo em que traça um panorama 5 geral dos instrumentos jurídicos de cooperação a partir do próprio setor público e até as relações com a iniciativa privada e o terceiro setor. O terceiro é um guia de procedimentos para a construção e implementação de uma Aliança Público-Privada (APP), um instrumento de balizamento geral que deve ser adaptado a cada situação. Os cinco fascículos seguintes compõem o quadro da Política Nacional de Resíduos Sólidos e afetam diretamente as responsabilidades dos Municípios nesta matéria. O quarto trata especificamente da implantação da coleta seletiva e das diretrizes associadas à inclusão socioprodutiva dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis no âmbito do panorama nacional para o setor. Nesse sentido, destaca-se a possibilidade de uma abordagem inovadora para as APPs, detalhada no estudo de caso de Ilhéus, tema do fascículo cinco. Em outro extremo, no fascículo seis, o foco é a questão da destinação final dos resíduos no cenário desafiante das conurbações existentes em faixa de fronteira. O sétimo texto discute as possibilidades de enfrentamento dessas dificuldades segundo as experiências nas cidades fronteiriças de Ponta Porã, no Brasil, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Finalmente, ainda no campo dos resíduos sólidos, o fascículo oito examina as oportunidades para ampliar o potencial do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo Programático no âmbito da constituição de APPs. Os fascículos nove, dez e onze analisam a promoção do desenvolvimento econômico local e territorial dentro da perspectiva de adoção de APPs, entendida como estratégia de inserção socioprodutiva de segmentos sociais distintos. Assim, o fascículo nove trata da questão desde um ponto de vista conceitual e os dois textos finais ilustram situações distintas por meio de estudos de casos realizados no âmbito do Programa. O décimo aborda o segmento social de agricultores familiares e periurbanos em uma região afetada intensamente pela expansão do turismo no litoral norte de Alagoas e apresenta as parcerias constituídas no Município de Japaratinga, fundamentais para a inserção daquelas pessoas na cadeia do turismo. O último fascículo também tem a cadeia produtiva do turismo como pano de fundo, especificamente a estruturação de um Convention&Visitors Bureau em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, ação que mobilizou os empresários do trade dos Municípios conurbados, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, e abriu caminho para a ação conjunta com o Poder Público Local. Este é o sétimo fascículo da Coletânea e, para sua edição e publicação, o IBAM contou ainda com o apoio da Fundación Avina, no âmbito do Programa CataAção, igualmente amparado pelo Fomin/BID. Boa leitura! Alexandre Carlos de Albuquerque Santos Coordenador Geral Programa de Microalianças Público-Privadas 6 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 5 1. Antecedentes......................................................................................................... 9 2. MERCOSUL e Unasul ........................................................................................... 9 3. Faixa de Fronteira................................................................................................ 10 4. Linha de Fronteira................................................................................................ 12 5. Questões ambientais e a soberania nacional....................................................... 13 6. O papel dos municípios na federação brasileira................................................... 14 7. O papel dos governos municipais no Paraguai .................................................... 14 8. Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.............................................. 15 9. 8.1 Município de Ponta Porã – BR...................................................................... 16 8.2 Município de Pedro Juan Caballero – PY...................................................... 17 Bacia hidrográfica nos municípios DE PP E PJC................................................. 18 10. DiagnÓstico dos Resíduos Sólidos ...................................................................... 18 10.1 Volumes coletados de resíduos sólidos ........................................................ 18 11. Gestão dos Resíduos Sólidos e os municípios fronteiriços .................................. 19 11.1 Gestão dos resíduos sólidos nos Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero................................................................................................................. 19 12. Estudo para a gestão conjunta dos resíduos sólidos nos municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero ................................................................................................. 22 12.1 Parâmetros para a elaboração dos cenários................................................. 22 12.2 Classificação dos resíduos sólidos ............................................................... 26 12.3 Infraestrutura considerada necessária .......................................................... 26 13. Eixos de sustentabilidade .................................................................................... 27 14. Cenários – Modelo de Gestão Conjunta PP e PJC .............................................. 28 14.1 Cenário I....................................................................................................... 28 14.2 Cenário II...................................................................................................... 31 14.3 Cenário III ..................................................................................................... 34 14.4 Cenário IV..................................................................................................... 40 15. AnÁlise JurÍdica dos cenários estudados............................................................. 43 15.1 Cenário I....................................................................................................... 44 15.2 Cenário II...................................................................................................... 46 15.3 Cenário III ..................................................................................................... 49 15.4 Cenário IV..................................................................................................... 51 7 16. Procedimentos para assentimento do Cenário IV ................................................ 62 17. Quesitos complementares ................................................................................... 63 18. O processo para escolha do melhor cenário........................................................ 64 18.1 Processo participativo................................................................................... 64 18.2 Definição da ordem de prioridade dos parâmetros........................................ 64 18.3 Definição do melhor Cenário......................................................................... 65 19. Complexo para tratamento dos resíduos sólidos ................................................. 66 20. Considerações sobre a operação do Empreendimento sobre a linha de fronteira 69 20.1 Formação de empresa binacional ................................................................. 70 20.2 Formação de empresa pública municipal...................................................... 71 21. Considerações sobre o processo de licenciamento ambiental no Brasil .............. 72 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.................................................................................. 75 ANEXOS 77 Anexo 1 – Lista dos Municípios na Faixa de Fronteira Brasileira ................................ 78 Anexo 2 – Resolução MERCOSUL/GMC/Res n. 30/2007........................................... 78 Anexo 3 – Quesitos Complementares......................................................................... 78 Anexo 4 – Memorando de Entendimento .................................................................... 90 8 1. ANTECEDENTES O Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991 entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, instituiu o Mercosul (Mercado Comum do Sul), que possibilitou a aproximação de organismos governamentais e não-governamentais dos estados membros constituintes com o objetivo de discutir temas comuns. Em 2008, um novo tratado, aprovado e ratificado em Brasília, deu origem a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), organização que prioriza o diálogo como meio de obter paz e segurança, de forma a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados. A criação de ambas as instâncias propicia condições para a plena aproximação dos poderes locais e regionais dos dois lados das fronteiras dos países para a solução de aspectos comuns e consensuais. A gestão dos resíduos sólidos em Municípios pertencentes a países que integram os blocos instituídos pelos tratados, e que se encontram na Faixa de Fronteira, deve ser enfatizada pelos Estados Partes, uma vez que a questão está profundamente vinculada aos aspectos de saúde pública e de segurança nacional. 2. MERCOSUL E UNASUL O Mercosul, inspirado no Mercado Comum Europeu, representa uma etapa importante nos esforços de integração da América Latina e tem seu marco histórico no Tratado de Assunção, firmado em março de 1991 na capital paraguaia, pelos presidentes do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e seus respectivos ministros de Relações Exteriores. Integra, portanto, a República da Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai, a República Oriental do Uruguai e, recentemente, a República Bolivariana da Venezuela ingressada no bloco. Os países, denominados Estados Partes, compartilham valores que encontram expressão em suas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, da proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, bem como seu compromisso com a consolidação da democracia, a segurança jurídica, o combate à pobreza e o desenvolvimento econômico e social igualitário. Entre os objetivos estabelecidos para o bloco no sentido de fortalecer a integração dos paises envolvidos estão a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, por meio de mecanismos como a eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias ao trânsito de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente, e o compromisso de harmonizar legislações nas áreas pertinentes. A Unasul é formada pelos doze países da América do Sul. O tratado constitutivo da organização foi aprovado em Brasília, em maio de 2008, por Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. 9 O Paraguai está suspenso da Unasul desde a destituição do presidente Fernando Lugo, em junho de 2012, quando os presidentes sul-americanos consideraram que houve transgressão à ordem democrática no processo de impeachment do presidente. Os paraguaios, entretanto, negaram irregularidades. A Unasul argumenta que a realização de eleições democráticas e transparentes é condição fundamental para acabar com a suspensão do Paraguai do bloco. Entre as missões da Unasul está a construção, de modo participativo e consensual, de um espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos. A organização prioriza ações que fortaleçam o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente a fim de criar paz e segurança, eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos estados. 3. FAIXA DE FRONTEIRA A Faixa de Fronteira interna do Brasil com os países vizinhos foi estabelecida em 1979 (Lei nº 6.634/79, regulamentada pelo Decreto nº 85.064/80). Essa região (Figura 1), geograficamente, é uma faixa de 150 quilômetros de largura ao longo de 15.719 quilômetros da fronteira brasileira, abrange 11 Estados e 588 Municípios com aproximadamente 10 milhões de habitantes, conforme indicado no Anexo 1 (MI, 2010). A Faixa de Fronteira possui três macro-segmentos (Arco Norte, Arco Central e Arco Sul), cada qual com sub-regiões formadas por agrupamentos de Municípios. Figura 1. Municípios integrantes da Faixa de Fronteira Fonte: MI, 2010 10 Entre as características das cidades localizados nesta faixa estão: baixa densidade demográfica, grandes distâncias e dificuldades de comunicação com os principais centros decisórios dos governos e a existência de populações híbridas, decorrente da formalização espontânea de dupla nacionalidade. A integração econômica e política entre Brasil e Paraguai segundo as normas do Mercosul e da Unasul atenuam o efeito de fronteira e tem significado a abertura de o portunidades no âmbito da cooperação entre os territórios fronteiriços. Vive-se, assim, um período em que a cooperação, vista como meio sistemático e eficaz de desenvolvimento de territórios contíguos com problemas comuns, supera o tradicional isolamento e desconfiança gerados ao longo de séculos de contradições históricas. No Paraguai, a Faixa de Fronteira foi estabelecida pela Lei nº 2.532/2005 (Zona de Seguridad Fronteriza) que estabelece como Zona de Segurança Fronteiriça uma faixa de 50 quilômetros da linha de divisa terrestre e fluvial. Por outro lado, o Protocolo de Instruções firmado entre o Brasil e o Paraguai determina como área non aedificandi 25 metros na zona rural e 10 metros na zona urbana de cada lado da linha limite internacional (Figura 2). Estabelece ainda que as autoridades dos Municípios e prefeituras fronteiriças deverão definir em seus Planos de Desenvolvimento Urbano que a faixa non aedificandi seja utilizada somente para a construção de ruas ou avenidas, praças e estacionamentos, assegurando em todos os casos, e para ambos os lados, a plena visibilidade entre os marcos sucessivos. 11 Figura 2. Limites das zonas entre o Brasil e Paraguai 4. LINHA DE FRONTEIRA Linha de fronteira é um marco imaginário que estabelece os limites geográficos entre dois ou mais países e pode ser caracterizada como seca ou úmida, neste caso quando a linha está localizada sobre lagos, rios e canais. Brasil e Paraguai compartilham uma linha de fronteira com 1.365 quilômetros de extensão, sendo 437 quilômetros secos e 928 quilômetros úmidos. Os Municípios localizados na extensão da Faixa de Fronteira do Brasil apresentam situação geográfica distinta em relação à nossa linha de fronteira e podem ser classificados como lindeiros e não lindeiros. No primeiro grupo, três situações merecem destaque: Municípios com sedes localizadas no limite internacional, podendo ou não apresentar conurbação ou semiconurbação com uma localidade do país vizinho (cidades gêmeas); Municípios cujas sedes não estão situadas no limite internacional; Municípios com sedes fora da Faixa de Fronteira. 12 Os Municípios lindeiros, conurbados ou semiconurbados, acabam por desenvolver uma identidade própria por diversas razões como as oscilações entre o local e o internacional, a presença constante de estrangeiros, os movimentos de integração e isolamento, a alteridade e intolerância, as aproximações e distanciamentos e os marcos divisórios reais e simbólicos. Formulam, por isso, estratégias próprias que resultam de complementaridades, independentemente das macrodecisões nacionais, pela via dos fluxos de pessoas, bens e serviços, de modo a aproveitar vantagens econômicas, geralmente proporcionadas pelas oscilações cambiais. Pode-se conceituar a linha de fronteira, então, como zona de separação e de aproximação, linha de barreira e espaço polarizador de culturas, políticas, economias etc. Com a criação do Mercosul e da Unasul, a linha de fronteira passa a ter um papel de limitação geográfica, pois apenas separa os Municípios segundo uma visão territorial e une as sociedades neles inseridos em uma visão integradora. 5. QUESTÕES AMBIENTAIS E A SOBERANIA NACIONAL A partir das décadas de 1970 e 1980, a questão ecológica foi introduzida nas políticas internacionais com significativas influências na forma de exigências para que os estados e a sociedade alterassem atitudes no sentido de preservar o meio ambiente. Ao mesmo tempo, com a maior percepção de que os países são interdependentes, e que suas políticas internas provocam impactos globais, as ações estatais passaram a sofrer pressões cada vez mais fortes. Como todas as nações são suscetíveis aos impactos causados por outros países, gerase uma vulnerabilidade recíproca, o que sugere a necessidade de cooperação para obter a melhor ação política para resolver as questões, sempre sob a orientação dos âmbitos social e de preserrvação dos recursos naturais. Somente a partir da globalização das questões ecológicas é que foram construídas normas e outros elementos regulatórios para a ação dos atores em problemas mútuos que exigem cooperação coletiva para a sua solução. Neste novo contexto, os conceitos e ações de âmbito internacional, como soberania, segurança e o papel do Estado, passam a ser configurados a partir da questão ambiental. A segurança nacional é uma atribuição fundamental do Estado e de prerrogativa exclusiva. Consiste em assegurar, em qualquer circunstância, a integridade do território, a proteção da população e a preservação dos interesses nacionais contra ameaças e agressões externas. Ao considerar a inadequada gestão dos resíduos sólidos, e os problemas ambientais e de saúde pública a ela associados, a segurança pode se assentar em comprometimentos em razão destas agressões, uma vez que expõe os estados, os indivíduos e a sociedade a fragilidades de primeira ordem. 13 6. O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA No Brasil, a autonomia dos entes federados é definida como o poder de gerir seus próprios assuntos dentro de um campo prefixado por instância superior – a Constituição Federal – nos planos organizativo, político, administrativo e financeiro. Na qualidade de ente federado, o Município possui autonomia política (o poder de eleger seus governantes) e competências exclusivas e comuns com outros entes, pode ordenar sua lei orgânica (antes delegada aos estados), além de ter ampliada sua base tributária. No que diz respeito à competência para legislar, ela é delimitada de modo indicativo: os Municípios podem legislar sobre todos os assuntos de interesse local e suplementar à legislação federal e estadual, excluídos os temas de competência exclusivamente federal. Quanto aos assuntos de competência municipal exclusiva há os serviços consagrados na tradição da administração municipal: o saneamento básico que engloba os serviços de abastecimento de água potável, de coleta e tratamento de esgotos domésticos, de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, pavimentação, iluminação pública, trânsito em área urbana, estradas vicinais, mercados, feiras, matadouros, segurança urbana, higiene, assistência social, esporte, lazer e recreação. Ainda que não seja assunto expressamente tratado no plano constitucional, deve ser mencionada a responsabilidade exclusiva de estabelecer suas zonas urbana e rural, indissociável de sua obrigação de ordenar o território. 7. O PAPEL DOS GOVERNOS MUNICIPAIS NO PARAGUAI A Constituição da República do Paraguai, de 1992, institui um Estado unitário, indivisível e descentralizado, mas formado por Departamentos, Municípios e Distritos, entes que desfrutam de autonomia política, administrativa e normativa para a gestão de seus interesses. Diferentemente do que ocorre no Brasil, os Municípios paraguaios têm autonomia constitucional para decidir e legislar acerca das atividades e recursos de cunho municipal (Quadro 1). Quadro 1. Competências dos Municípios paraguaios Atribuições municipais Artigo 168 da Constituição do Paraguai Livre gestão em materiais de sua competência, particularmente nas áreas de urbanismo, ambiente, abasto, educação, cultura, desporto, turismo, assistência sanitária e social, instituições de crédito, corpos de inspeção e de polícia. Administração e disposição de seus bens; Elaboração do orçamento municipal (entradas e saídas); Participação nas rendas nacionais; Regulação do montante das taxas retribuídas de serviços efetivamente prestados, não podendo ultrapassar o custo das mesmas; Ditado de ordenamentos, regulamentos e resoluções; Acesso ao crédito privado e ao crédito público, nacional e internacional; Regulamentação e fiscalização do trânsito, do transporte público e outras meios relacionados à circulação de veículos. 14 8. MUNICÍPIOS DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO Não são muitos os Municípios lindeiros nos 15.719 quilômetros que formam a fronteira do Brasil com seus países vizinhos. Consideradas cidades gêmeas pelo Ministério da Integração Nacional (Figura 3), Ponta Porã, no Brasil, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, estão situadas na Faixa de Fronteira. São Municípios contíguos e de grande interação uma vez que o limite territorial que os divide se concentra literalmente na linha internacional de separação territorial de ambos os países (Figura 4). Juntos, concentram uma população de 166.061 habitantes (Quadro 2). Figura 3. Cidades gêmeas no Brasil Fonte: MI, 2010 Quadro 2. População municipal Município População (hab.) Ponta Porã 77.872 Pedro Juan Caballero 88.189 Total 166.061 Fonte: IBGE, 2007 – Censo PY, 2002 15 Figura 4. Linha internacional de separação territorial PP-PJC 8.1 Município de Ponta Porã – BR O Município de Ponta Porã está localizado em território brasileiro, no Estado de Mato Grosso do Sul, e dista aproximadamente 330 quilômetros sua capital, Campo Grande. Breve histórico Pouco antes da guerra com o Paraguai, o imperador dom Pedro 2º, temendo uma possível invasão do território nacional, estabeleceu na região uma colônia militar a fim de garantir a fronteira e propiciar contato frequente com a Capital do Império. A guarnição instalou-se na encosta da Serra de Amambai, sobre as cabeceiras do rio Dourados, sob o comando do tenente Antônio João Ribeiro, natural de Poconé. Mais tarde, perseguidos políticos, que haviam emigrado do Rio Grande do Sul para a Argentina e o Uruguai, atravessaram o Paraguai e penetraram em território mato-grossense-do-sul, fixando-se onde hoje se encontra Ponta Porã. O completo desbravamento da região, em 1883, estabeleceu o primeiro arranchamento à margem direita do rio Verde, a aproximadamente 53 quilômetros da atual sede municipal. O local teve, a princípio, o nome de Nhu-verá, depois Antônio João e, por fim, Ponta Porã, ou Ponta Bonita, em guarani. Distrito subordinado a Nioaque e, mais tarde, a Bela Vista, Ponta Porã emancipou-se em julho de 1912 (Decreto 617). Em outubro de 1920, o Decreto 820 elevou a sede municipal à categoria de cidade. A composição administrativa do Município foi alterada várias vezes. Em 1936, por exemplo, havia oito distritos: Ponta Porã, Antônio João, Cabeceira do Apa, Lagunita, Paranhos, Amambai, Carapó e Patrimônio da União. No ano seguinte já não eram 16 registrados os três últimos; e, de 1939 a 1943, não figura Paranhos, mas aparecem Patrimônio e União. O Decreto 5.812, de 13 de setembro de 1943, criou o Território Federal de Ponta Porã, formado por este Município (a capital), Porto Martinho, Bela Vista, Dourados, Miranda, Nioaque e Maracaju. A capital foi transferida para Maracaju em maio de 1944 (Decreto 6.550), com retorno a Ponta Porã em virtude de um Decreto. As Disposições Constitucionais Transitórias extinguiram o referido Território, reincorporando-os ao Estado do Mato Grosso. Na divisão territorial do Estado, vigente de 1949 a 1953, o Município contava com apenas quatro distritos: Ponta Porã (sede), Bocajá, Cabeceira do Apa e Eugênio Penzo. Poteriormente surgiram mais três: Rio Verde do Sul, criado pela lei 702, de dezembro de 1953, com terras desmembradas do distrito sede; Sanga Puitã, também originado da sede, constituído em novembro de 1958, e Laguna Carapã, desmembrado de Bocajá, no mesmo mês e ano. Atualmente, o Município tem três unidades distritais: Cabeceira do Apa, Sanga Puitã e distrito sede. A área de Ponta Porã é de 5.330km2 (IBGE, 2010), equivalente a 1,49% do território do Estado, e a população é de 77.872 habitantes (IBGE, 2007). 8.2 Município de Pedro Juan Caballero – PY O Município de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, é a capital do Distrito de Amambay. Breve histórico A história de Pedro Juan Caballero remonta ao término da Guerra do Paraguai (18641870), quando Brasil, Argentina e Uruguai (a Tríplice Aliança) uniram forças para derrotar a política expansionista de Francisco Solano López. Após o conflito houve a transferência de terras públicas ao setor privado, que iniciou na região uma série de atividades de exploração dos recursos naturais ali existentes (madeira, mate etc.). Em 1893 foi fundado o povoado de Pedro Juan Caballero, ano em que se ergue a primeira moradia na região e quando foi adotada uma estratégia de ocupação populacional, reforçada em 1902 com o surgimento da localidade de Bela Vista. Pedro Juan Caballero era conhecida, no fim do século 19, como “Parada Ponta Porã” por causa da lagoa homônima que servia de escala a quem viajava pela região, sobretudo as caravanas que transportavam a erva-mate ao porto de Villa Real, atual Concepción. Por sua localização territorial, fronteiriça com o Brasil, foi muito frequentada pelos bandeirantes que partiam dali em busca de índios guaranis. O processo mais significativo de povoamento na região de Pedro Juan Caballero ocorre no século 20, com o Município obtendo destaque como centro urbano a partir da colonização agrícola e de atividades correlatas e da expansão da fronteira. O Município, hoje, está consolidado como a capital do Distrito de Amambay, com 88.189 habitantes (Censo PY, 2002). 17 9. BACIA HIDROGRÁFICA NOS MUNICÍPIOS DE PP E PJC Ponta Porã e Pedro Juan Caballero integram a bacia hidrográfica transfronteiriça do rio Apa, localizada na bacia do Prata, no extremo sul da bacia do Alto Paraguai, com 15.617,53km². Desta área, 12.181,31km2 estão no Brasil e 3.436,22 km2 no Paraguai. A bacia abrange, em território brasileiro, sete Municípios do Mato Grosso do Sul: Ponta Porã, Antônio João, Bela Vista, Caracol, Porto Murtinho, Bonito e Jardim. No Paraguai, compreende Pedro Juan Caballero e Bella Vista, Concepción, San Carlos e San Lázaro (Quadro 3). Quadro 3. Participação dos Municípios de PP e PJC na bacia hidrográfica transfronteiriça do rio Apa Estado/Departamento % de superfície na bacia Município % de superfície na bacia Mato Grosso do Sul (BR) 78 Ponta Porã 1,43 7 Pedro Juan Caballero 1,17 Amambay (PY) 10. DIAGNÓSTICO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS 10.1 Volumes coletados de resíduos sólidos De acordo com o Diagnóstico Departamental de Amambay, realizado em 2007, o Município de Pedro Juan Caballero coleta aproximadamente 50 toneladas de resíduos sólidos por dia. O documento aponta que esse baixo volume resulta da ação de “recicladores” (aproximadamente 40 famílias da periferia) que comercializam com o Brasil papéis, plásticos e latas de alumínio. Em Ponta Porã, segundo o relatório sobre resíduos sólidos de 2012, disponibilizado pela prefeitura local, o volume produzido e coletado é tipificado como: domiciliar, do passeio público, do comércio, da indústria, de origem agrícola, entulhos, de terminais rodoviários e de serviços de saúde. O total coletado soma 42 toneladas por dia. Assim, em relação à geração de resíduos sólidos, e na ausência de dados pontuais e mensurados, devem ser consideradas correções. No Brasil, a versão preliminar do Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), de 2011, indica que a coleta de resíduos sólidos corresponde a 1,1 kg por habitante/dia. Ao considerar a integração existente entre os dois Municípios, é possível concluir que a quantidade apresentada pelo Planares é aplicável para ambos. A coleta de resíduos sólidos em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é, portanto, de 182 toneladas diárias. 18 11. GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS E OS MUNICÍPIOS FRONTEIRIÇOS Os múltiplos fatores implicados na gestão de resíduos sólidos vão além das fronteiras e exigem uma abordagem integrada, com a implementação de ações regionalizadas e de cooperação entre os países, que possa minimizar os impactos ambientais, sociais e de saúde pública envolvidos. Ponto de encontro para os mais importantes projetos multinacionais, a fronteira deixa de ser elemento de separação e transforma-se em faixa de contato. Ali, não apenas começam e terminam as soberanias nacionais formais, mas é construído um lugar de cooperação, integração social, cultural, comercial e, em especial, de um mercado comum. 11.1 Gestão dos resíduos sólidos nos Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero O atual modelo praticado para a gestão dos resíduos sólidos em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é individualizado e segue as legislações próprias de Brasil e Paraguai. Ponta Porã não dispõe de PGIRS (Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos), conforme estabelecido pelo art. 18 da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos). A coleta dos resíduos sólidos domiciliares é realizada pela própria prefeitura e a coleta seletiva não esta formalmente instituída conforme o artigo 36 da PNRS. Os caminhões da coleta convencional recolhem os materiais recicláveis por meio de bags fixadas nas laterais dos veículos. A mesma guarnição que faz o recolhimento convencional é responsável por coletar materiais recicláveis segregados e dispostos pela população. Os resíduos recicláveis coletados são encaminhados a um galpão onde ocorre a triagem e o beneficiamento primário (enfardamento, acondicionamento separado etc.). Cada equipe de coleta é responsável pela triagem dos materiais oriundos de sua rota e, após a comercialização, recebem o equivalente por essa produção, retirado o rejeito. A infraestrutura do galpão foi disponibilizada por meio de um acordo firmado entre a prefeitura e a União Europeia, o Projeto para o fortalecimento da gestão municipal e comunitária da coleta seletiva para Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Os resíduos sólidos inadequados para a reciclagem são encaminhados para um lixão em área municipal, onde trabalham catadores que separam os resíduos potencialmente recicláveis que não foram segregados pela população para posterior comercialização. A prefeitura construiu um novo galpão para triagem de materiais recicláveis próximo à área do lixão e inicia o processo para equipar o local. No entanto, o galpão em final de construção apresenta deficiências nos layouts externo e interno, um vez que está situado muito perto da rodovia (a menos de 7 metros) e o vão de entrada principal fica em uma curca, o que inviabilizaria qualquer manobra para carregamento ou descarregamento de caminhões. Quanto ao layout interno, não foram previstas instalações industriais adequadas para a operação de equipamentos de grande porte. Apesar do empreendimento construído possuir área para o manejo de resíduos sólidos, algumas modificações serão necessárias 19 para seu pleno funcionamento. Não foi estabelecido um projeto de uso e ocupação do local, tampouco um plano de negócios. Em Pedro Juan Caballero, os resíduos são coletados seguindo o mesmo modelo de Ponta Porã, ou seja, o caminhão que realiza a coleta convencional recolhe os materiais recicláveis disponibilizados pela população em bags e os encaminha para um galpão de triagem e beneficiamento primário gerenciado pela Intendência. Os resíduos da coleta convencional são transportados diretamente para o lixão da municipalidade, onde se encontra uma grande quantidade de catadores (homens mulheres e crianças) que separam os resíduos potencialmente recicláveis e providenciam sua comercialização por meio das empresas instaladas em Ponta Porã. A municipalidade de Pedro Juan Caballero não conta com um planejamento para os resíduos sólidos, que são geridos somente no viés da prestação dos serviços. Os dois Municípios contam com catadores (carrinheiros) dispersos e, ainda, com associações de catadores de materiais recicláveis. A comercialização dos materiais separados por catadores de ambos os Municípios é feita por meio de empresas locais de comércio de sucata. Ponta Porã possui duas. Uma compra e comercializa os materiais coletados diretamente pelos catadores dos lixões e dos materiais triados e beneficiados primariamente pelos coletores municipais. A outra empresa beneficia apenas os resíduos plásticos, transformando-os em flakes (flocos) que são comercializados diretamente com as indústrias consumidoras. O fluxo dos resíduos sólidos no modelo praticado nesses Municípios é representado na Figura 5. 20 Figura 5. Fluxo atual dos resíduos sólidos nos Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero 21 12. ESTUDO PARA A GESTÃO CONJUNTA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NOS MUNICÍPIOS DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO A partir da realidade encontrada no âmbito da gestão dos resíduos sólidos nos dois Municípios, foi possível formular cenários para avaliar as condições de cada um no sentido de obter uma atuação conjunta. Para tanto, foram estabelecidos parâmetros de implicação direta para a elaboração dos cenários. 12.1 Parâmetros para a elaboração dos cenários O estabelecimento de parâmetros para a construção de cenários pretende criar uma interconexão entre as diversas características e condicionantes implicadas nos Municípios e no manejo de resíduos sólidos para prover a definição de grupos de incertezas e balizar o planejamento futuro. Os critérios considerados são ambientais, jurídicos, técnicos, sociais e econômicos, definidos a partir do diagnóstico de percepção participativo realizado com o Grupo Técnico Local. Como condições territorial e demográfica há dados sobre a localização dos Municípios, bem como sobre os contingentes populacionais e respectivas densidades, além de informações sobre o expressivo fluxo turístico na região. Nos critérios ambientais foram consideradas as especificidades do clima, relevo e da complexa hidrografia da região. Foram estudados também o espaço disponível para a instalação das infraestruturas necessárias, a dispersão habitacional presente nos territórios e o desenvolvimento e ocupação de infraestruturas já existentes. Nos parâmetros técnicos consideram-se as atividades necessárias referentes ao manejo dos resíduos sólidos, tais como: coleta convencional, coleta seletiva, transporte, tratamento e disposição final etc. Nos parâmetros econômicos, foram apreciadas as vocações econômicas, hábitos de consumo da população, comercialização de material reciclável etc. As diretrizes sociais levaram em conta o modelo de relacionamento e cultura que foi estabelecido pelos cidadãos de fronteira, com particularidades próprias, e pelos catadores de materiais recicláveis. Por fim, o parâmetro jurídico, mais contundente para o estabelecimento de um modelo de gestão conjunta que implicou na análise tanto da questão territorial nacional quanto dos possíveis limitadores conferidos pelas legislações internacionais: Mercosul e Unasul, entre outras. 22 Figura 6. Parâmetros para a construção dos cenários 12.1.1 Análise dos parâmetros Para a análise dos parâmetros escolhidos, buscou-se identificar as implicações na construção dos cenários, considerando sua interferência para a definição do modelo (Quadro 4). 23 Quadro 4. Implicação dos parâmetros Implicações Parâmetros Na definição do modelo Soluções de menor fragilidade com vistas à minimização dos impactos e riscos em relação a: Ambientais Fauna, flora, paisagem, solo e sua utilização, clima, recursos hídricos, qualidade do ar, incêndios e menor impacto nas bacias hidrográficas Na fase operacional No momento de reorganização operacional das infraestruturas existentes/fechamento dos lixões Minimizar os impactos e os riscos em relação a: Minimizar os impactos e os riscos em relação a: Fauna, flora, paisagem, solo e sua utilização, clima, recursos hídricos, segurança nacional, qualidade do ar, incêndios e outros incidentes Fauna, flora, paisagem, solo e sua utilização, clima, recursos hídricos, segurança nacional, qualidade do ar, incêndios e outros incidentes Reduzir os impactos sobre a utilização da infraestrutura local Redefinir o uso da infraestrutura existente Reduzir os impactos sobre a utilização da infraestrutura local Harmonizar as legislações; Jurídicos Propor instrumentos que possibilitem a adoção do modelo; Favorecer as possibilidades técnicas com vistas à melhoria da gestão dos RS Técnicos Baseia-se nos poucos estudos existentes para economia de tempo e recursos Equalizar os processos e procedimentos Normatizar os procedimentos de acordos a propostas comuns Factibilidade e funcionalidade Adequar a exigências técnicas Previsão de acessos adequados Recuperar estruturas em desuso Recuperação da área degradada Previsão de acessos adequados Sociais Alternativas que favoreçam uma integração plena de cidades gêmeas, como saúde publica, a cultura com relação aos resíduos e a responsabilidade individual e coletiva sobre os mesmos Instalar instância de capacitação permanente Estabelecer um modelo comum de cuidado ambiental Fortalecer a equipe de saúde pública de fronteira Contribuir para a segurança nacional Econômicos Concentração na qualidade dos serviços públicos ofertados às populações Analise do custo/benefício direto e indireto Recuperação da área degradada Recuperar estruturas em desuso 24 12.1.2 Aspectos sociais A gestão conjunta de resíduos sólidos entre Pedro Juan Caballero e Ponta Pora é um elemento necessário e de suma importância para a criação de valores junto aos cidadãos que residem na zona de fronteira. Ao considerar-se como tal, os cidadãos têm uma primeira grande responsabilidade no âmbito municipal, uma vez que é em casa que se gera a maior quantidade de resíduos sólidos. Por essa razão se mostra importante envolver os diferentes setores da sociedade no processo, que busca principalmente a integração plena nos Municípios. As cidades gêmeas não apenas compartilham o mesmo território, mas uma história comum que as faz dividir também os problemas e o esforço para buscar as soluções. As propostas deste estudo são, portanto, uma alternativa real em que os cidadãos, autoridades e instituições assumem responsabilidades no sentido de conquistar soluções compartilhadas para obstáculos comuns. As naturais diferenças políticas decorrentes do fato de se tratar de dois países exige que seja levada em conta a construção social dos hábitos e modelos de interação das sociedades. Esta dinâmica é feita a partir das famílias, que estão plenamente integradas e comprometidas com a cultura de fronteira. É indispensável resgatar o melhor de cada um e integrar as formas de vida para que seja possível gerar, por meio da capacitação continuada dos atores sociais, hábitos saudáveis, comprometimento com a preservação do meio ambiente e a transformação de valores danosos para o desenvolvimento econômico sustentável da região. A gestão conjunta dos resíduos sólidos, por outro lado, constrói uma oportunidade para a criação de formas de trabalho inovadoras para os setores sociais mais carentes, uma população ainda submetida a condições insalubres, exposta a enfermidades causadas pelo permanente contato com os resíduos, sem a proteção adequada, em condições mínimas de segurança e com escassos ingressos econômicos. A geração de novos empregos implica ainda a dignificação do trabalho, a inclusão dos catadores nas cadeias produtivas, a redução da pobreza e o incremento do nível de recuperação dos resíduos, por meio da reciclagem e da transformação dos materiais. A organização formal dos catadores, obtida a partir de associações e cooperativas, cria, ainda, oportunidades para que estes trabalhadores exerçam seu direito de liberdade econômica, o que certamente resultará em maior eficiência, sustentabilidade e inovação em seus modelos de negócios. Como consequência, as oportunidades surgirão também para os setores público e privado envolvidos. O meio ambiente está acima das fronteiras e suas questões são absolutamente compartilhadas no caso das cidades gêmeas. A necessidade de preservar as riquezas naturais deve ter como base medidas comuns e hábitos semelhantes. A capacitação constante é, por isso, um dos pilares deste estudo, seu elemento de construção social mais importante. De forma geral, a integração regional tende a favorecer a organização de vários aspectos da saúde pública, como acesso aos recursos, a promoção de medidas preventivas e a 25 adoção de estilos de vida saudáveis. A comunidade que promove a boa saúde é aquela que promove o bem-estar. A melhora na qualidade do meio ambiente urbano é fundamental para que haja mais ganhos na saúde pública. 12.2 Classificação dos resíduos sólidos Foram consideradas para a elaboração dos cenários, as tipologias de resíduos sólidos determinadas pela PNRS, uma vez que a Lei nº 3.956/2009, da República do Paraguai, não estabelece classificações específicas e define resíduos como todo material resultante dos processos de produção, transformação e utilização que seja suscetível de ser tratado, reciclado, reutilizado e recuperado. As tipologias de resíduos sólidos consideradas na elaboração dos cenários são: Resíduos domiciliares – Os originários de atividades domésticas em residências urbanas; Resíduos de limpeza urbana – Os originários da varrição, limpeza de logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana; Resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços – Os gerados nessas atividades; Resíduos de serviços de saúde – Os gerados nos serviços de saúde; Resíduos da construção civil – Os gerados nas construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis. 12.3 Infraestrutura considerada necessária A elaboração dos cenários considerou a necessidade da infraestrutura mínima para a otimização do manejo dos resíduos sólidos, estabelecida no Quadro 5. Quadro 5. Infraestrutura necessária Infraestrutura Função Local de recepção de resíduos (Administrativo/Recepção) Pesagem, contabilização, conferência das quantidades e qualidade dos resíduos sólidos. Local de tratamento primário Segregação e beneficiamento dos materiais recicláveis. Zona de compostagem Compostar resíduos orgânicos gerados para obter composto de pronta utilização. 26 Depósito para resíduos volumosos Receber e acondicionar os resíduos volumosos descartados pela população. Postos de coleta de pneus Receber e acondicionar pneus descartados para possibilitar seu retorno ao fabricante ao mesmo tempo em que elimina-se os problemas de saúde pública associados. Locais para destinação de animais mortos Receber e destinar as carcaças dos animais mortos nos Municípios. Áreas para estocagem e processamento de resíduos da construção civil Local para recebimento e tratamento de resíduos de serviços de saúde Aterro sanitário Área de convivência e capacitação Receber, criar escala e beneficiar os resíduos oriundos da construção civil. Receber e tratar resíduos de serviços de saúde previamente segregados. Receber os rejeitos para disposição final. Combater a contaminação (água, ar e solo) por meio de laboratórios de controle dos resíduos e rejeitos. Construção de valores conjuntos e articulação comunitária. Capacitar os recursos humanos empenhados na execução de tarefas voltadas à gestão e ao manejo de resíduos sólidos. 13. EIXOS DE SUSTENTABILIDADE Prever cenários no âmbito da sustentabilidade provocou uma análise aprofundada em torno dos eixos pertinência, eficiência e eficácia, uma vez que eles são responsáveis por uma série de contribuições para as ações voltadas à gestão e ao manejo dos resíduos sólidos: Pertinência – Considera-se a conveniência para a adoção dos cenários em análise, ou seja, o cenário mais apropriado que possibilitará a gestão conjunta dos resíduos sólidos. Eficiência – Considera-se a capacidade do cenário para a obtenção de bons resultados (produtividade, desempenho etc.) utilizando a menor quantidade de recursos (tempo, mão de obra, material etc.) possíveis, ou a obtenção de mais resultado utilizando a mesma quantidade de recursos. Eficácia – Considera-se a capacidade de empreender o necessário, na forma tecnicamente possível, para o alcance dos objetivos. Ou seja, a escolha dos melhores meios para possibilitar que os parâmetros estudados (ambiental, jurídico, técnico, social e econômico) conduzam a resultados positivos. A eficiência envolve a forma com que uma atividade é executada, enquanto a eficácia se refere ao resultado da mesma. Ressalta-se que uma atividade pode ser desempenhada com eficácia, porém sem eficiência, e vice-versa. 27 14. CENÁRIOS – MODELO DE GESTÃO CONJUNTA PP E PJC Os cenários para viabilizar a implementação de um modelo de gestão conjunta dos resíduos sólidos entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero foram esboçados para possibilitar a reorganização e a potencialização dos sistemas já existentes nos Municípios, bem como minimizar os impactos econômicos, sociais e ambientais provocados pela gestão inadequada. Foram considerados os aspectos relacionados ao planejamento para os resíduos sólidos, tanto a elaboração dos PMGIRS (Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos) quanto a gestão dos mesmos no âmbito municipal (Quadro 6). Quadro 6. Descrição dos cenários Cenário Descrição Gestão dos resíduos sólidos Atuação individualizada de cada Município PMGIRS Alguma compatibilidade/implementados individualmente Gestão dos resíduos sólidos Adoção do modelo brasileiro para os Municípios PMGIRS Compatíveis/implementados individualmente Gestão dos resíduos sólidos Adoção do modelo europeu PMGIRS Compatíveis/implementados em conjunto Gestão dos resíduos sólidos Atuação conjunta entre os Municípios PMGIRS Elaborados e implementados em conjunto I II III IV 14.1 Cenário I O Cenário I apresenta a possibilidade de atuação dos Municípios frente à gestão dos resíduos sólidos de forma individualizada, porém mantendo alguma comunicação e/ou compatibilidade no planejamento de ações para com os resíduos no que diz respeito aos limites dos territórios, às legislações pertinentes e à preservação da infraestrutura existente em cada Município. O compartilhamento da gestão e do manejo dos resíduos sólidos ocorre na forma espelhada1. 1 Forma espelhada: conceito extraído da isomeria óptica, na qual as imagens são duplicadas ou simétricas diante de contextos idênticos. 28 Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Foi considerada, no Cenário I, a existência de PMGIRS elaborados e implementados individualmente, mas sempre com alguma correlação (Figura 7). Figura 7. Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Fluxo dos resíduos sólidos Os fluxos foram estabelecidos em conformidade com as políticas para resíduos de cada um dos países. A gestão individual dos resíduos sólidos exige a implantação de novas áreas para possibilitar a destinação final dos resíduos gerados uma vez que ambos os Municípios apresentam lixões como forma de disposição final. Além da necessidade de novas áreas para destinar seus resíduos, será preciso que os Municípios aportem recursos para a recuperação das áreas degradadas pelos lixões (Figura 8). Os municípios brasileiros devem adotar a logística reversa para a assunção da responsabilidade compartilhada e, do lado paraguaio, os Municípios têm de atuar no âmbito da corresponsabilidade sem que tenha sido estabelecido qualquer instrumento para sua implementação. Assim, nos dois países, os resíduos sólidos deverão ser segregados em conformidade com sua classificação, com a segregação obrigatória (regida por meio do PMGIRS) em Ponta Porã e a voluntária, em Pedro Juan Caballero (pode ser compulsória no âmbito de um PMGIRS). Os resíduos sólidos devem ser segregados em secos e úmidos, incluindo a separação do infectante quando se tratar de resíduos de serviço de saúde. Tais resíduos deverão ser coletados na coleta convencional (úmidos), seletiva (secos) e diferenciada (infectante). Os resíduos secos deverão ser encaminhados para central de triagem/beneficiamento; resíduos úmidos deverão seguir para disposição final em aterro sanitário implantado no país. A comercialização da matéria-prima secundária, formada pelos materiais triados e beneficiados, poderá ser feita em empresas instaladas nos dois Municípios e geridas pelas organizações de catadores ou outra pessoa jurídica de direito privado, situação prevista na legislação nacional e do Mercosul. 29 No Brasil, as ações para a adoção da Logística Reversa podem ser estabelecidas uma vez que o Município contará com centrais de triagem/beneficiamento e empreendimentos privados para possibilitar a sua comercialização. Figura 8. Fluxo espelhado – Cenário I Análise expedita – Cenário I A análise do Cenário I indica a necessidade de duas intervenções que garantam o aterramento de resíduos, com um aterro sanitário servindo Ponta Porã e outro a população de Pedro Juan Caballero. Centrais que permitam a triagem e o beneficiamento de materiais deverão ser implementadas ou, no caso das já existentes, adaptadas para dar suporte à coleta seletiva. A política brasileira estabelece a obrigatoriedade da coleta seletiva nos Municípios enquanto a política paraguaia é omissa neste sentido. Assim, a população local estará dividida em termos desta obrigatoriedade. Os planos municipais poderão corrigir as distorções. 30 Diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia –, a análise do Cenário I apontou questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado neste cenário (Quadro 7). Quadro 7. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário I Eixos de sustentabilidade Questões de fundo Pertinência Objetivos e resultados poderão ser diferenciados. Prioridades poderão ser definidas para beneficiários diferenciados. Níveis de importância poderão ser desiguais. Fatores políticos, econômicos e sociais podem receber pesos diferenciados. Eficiência Utilização e aplicação de recursos de forma diferenciada. Diferentes insumos transformados em diferentes resultados. Produtividade induzida diferenciada. Timings incompatíveis. Diferenciação nos aportes (gastos com pessoal, viagens, capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em relação aos resultados obtidos. Assimetria. Espelhamento da aplicação de recursos (duplicação). Eficácia Diferentes dimensões, alcance e qualidade de ações poderão ser encontradas. Metas diferenciadas. Objetivos institucionais podem ser diferenciados. Possibilidade de apoio apenas a atividades-meio. Capacidades diferenciadas. Correlações divergentes entre os planos. 14.2 Cenário II O Cenário II reflete o modelo estabelecido no Brasil pela PNRS para a gestão dos resíduos sólidos, no fluxo conjunto dos resíduos gerados em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Adota-se a logística reversa como instrumento aplicável aos dois Municípios no sentido de propiciar o retorno da matéria-prima secundária oriunda dos resíduos e a comercialização desses materiais. A imposição para reincorporar resíduos em processos produtivos como matéria-prima secundária é expressa de igual forma na legislação paraguaia (Lei nº 3.965/2009, art. 23). O compartilhamento da Gestão e Manejo dos Resíduos Sólidos ocorre na forma combinada2. 2 Fluxo unidirecional nos dois Municípios. 31 Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Considera-se no Cenário II a existência de PMGIRS elaborados em conjunto e implementados individualmente (Figura 9). Figura 9. Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Fluxo dos resíduos sólidos Neste Cenário II, os resíduos gerados nos dois municípios têm fluxo combinado. São segregados, obrigatoriamente, em seco, úmido e infectante para o caso dos resíduos de serviços de saúde. São coletados na forma convencional, seletiva e diferenciada. Os resíduos de serviços de saúde devem ser tratados em solo paraguaio (quando gerados no Paraguai) e em solo brasileiro (quando gerados no Brasil) e estarão sujeitos à disposição final nos países em que foram gerados. Os demais resíduos quando coletados, devem ser encaminhados para centrais de triagem e beneficiamento de seus respectivos países (operadas por organizações de catadores de materiais recicláveis legalmente constituídas). A disposição final dos rejeitos deverá ser efetuada em aterros sanitários implementados em cada município. A matéria-prima proveniente das centrais poderão ser comercializadas tanto em solo brasileiro quanto em solo paraguaio, conforme estabelece a resolução Mercosul/GMC/Res. 30/2007 (Anexo 2). Neste fluxo combinado foi considerado o equilíbrio entre as atividades estabelecidas, mas resguardando as determinações estabelecidas nas políticas de cada país. 32 Figura 10. Fluxo combinado – Cenário II Análise expedita – Cenário II Diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia –, a análise do Cenário II apontou questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado neste cenário (Quadro 8). 33 Quadro 8. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário II Eixos de sustentabilidade Questões de fundo Pertinência Objetivos e resultados poderão ser diferenciados. Prioridades definidas para os mesmos beneficiários. Níveis de importância poderão ser desiguais. Fatores políticos, econômicos e sociais podem receber pesos diferenciados. Eficiência Utilização e aplicação de recursos de forma diferenciada. Diferentes insumos transformados em diferentes resultados. Produtividade induzida diferenciada. Timing incompatível. Aportes deverão ser compatíveis (gastos com pessoal, viagens, capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em relação aos resultados obtidos. Simetria. Duplicação de investimentos na disposição final. Eficácia Dimensões, alcance e qualidade de ações devem ser iguais. Metas iguais. Objetivos institucionais podem ser diferenciados, mas serão resguardados pela existência dos PMGIRS. Possibilidade de apoio apenas a atividades-meio. Capacidades diferenciadas. Baixa escala. 14.3 Cenário III O Cenário III demonstra a introdução do modelo estabelecido para a gestão de resíduos sólidos pela Legislação Comunitária Europeia (Quadro 9), que integra os entendimentos efetuados por ocasião da instalação das centrais para recebimento de resíduos recicláveis em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, por meio de projeto específico desenvolvido pela União Europeia nos dois países. A Legislação Comunitária Europeia estabelece que as diversas tipologias de resíduos devem estar inseridas em fluxos especiais para que depois possam ser encaminhadas para tratamento, reciclagem ou recuperação. A reciclagem e a recuperação desses materiais são priorizadas. As centrais de reciclagem ou recuperação são geridas de forma independente por empresas privadas constituídas para atender à necessidade de participação de operadores econômicos. Desta forma, a implementação deste Cenário deve estabeler arranjos entre os setores público e privado (parcerias, alianças etc.) a fim de permitir a reciclagem e a recuperação dos resíduos sólidos. É importante que os arranjos considerem que os municípios, ao destinarem os resíduos coletados ao agente privado para recuperação, reciclagem e comercialização, estarão atuando no âmbito do poluidor pagador e, como tal, deverão 34 acordar na reversão financeira dos serviços prestados por facilitarem o retorno dos materiais aos agentes privados. A reversão financeira prevista deverá considerar ainda que os resíduos sólidos coletados poderão chegar ao seu beneficiário nas modalidades FOB3 (Free on Board) ou CIF4 (Cost, Insurance and Freight). Este modelo evidencia o fortalecimento pelos municípios das empresas privadas legalmente constituídas voltadas a recuperação e a reciclagem dos resíduos. Ainda assim, a disposição final dos rejeitos fica a cargo de cada um dos municípios. Como o modelo europeu considera importação e exportação como o fluxo de resíduos em limites de fronteiras territoriais, as soluções para a disposição final devem ocorrer de forma simétrica, uma vez que tanto a legislação brasileira quanto à paraguaia proíbem também a importação e a exportação de resíduos sólidos. O planejamento de ações, entretanto, deverá ser compartilhado para permitir sua adoção e implementação. Quadro 9. Aspectos da gestão de resíduos sólidos na União Europeia Programas Síntese O ambiente é um todo e os problemas devem ser resolvidos por meio Sexto programa da de uma visão holística, com estratégias específicas e coordenadas. União Europeia em Para os resíduos, a prevenção e a redução são temas prioritários. matéria ambiental Referência: Decisão 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de julho de 2002. Estratégia temática para o uso sustentável dos recursos naturais O documento revela a urgência do estabelecimento de medidas em contraste ao depauperamento dos recursos naturais. Individualiza instrumentos avançados para analisar a situação atual e encontrar soluções eficazes: indicadores ambientais, integração dos diversos setores ambientais (entre os quais o de resíduos), política integrada do produto e análise de custo-benefício. Referência: COM 670, Bruxelas, 21 de dezembro 2005 Estratégia temática de prevenção e reciclagem de resíduos O documento parte da análise da situação atual dos membros, em termos de ação, da legislação sobre a prevenção da geração de resíduos, seu reaproveitamento e reciclagem. Examina os instrumentos aplicados partindo da análise dos impactos ambientais dos processos produtivos e da transformação da matéria-prima. Prevê atenção específica para as mudanças climáticas, avalia o impacto ambiental do ciclo de vida dos 3 Modalidade FOB: as empresas destinatarias assumem os riscos e custos com o transporte dos resíduos coletados, assim que são descarregados na planta da empresa. A obrigação de colocar o material na planta da empresa recicladora fica por conta e risco do Município. 4 Modalidade CIF: O Município é responsável por todos os custos e riscos envolvidos na entrega dos resíduos coletados. Esta responsabilidade termina assim que os resíduos são entregues na planta da empresa recicladora. 35 produtos e verifica a possibilidade de modificar os modelos de consumo, também com incentivos e desincentivos econômicos. Referência: COM 301, Bruxelas, 27 de maio 2003 Diretiva 2006/12/CE relativa aos resíduos (modifica a diretiva 75/442/CE) A diretiva quadro em matéria de resíduos indica princípios e critérios gerais para que os estados membros atuem por meio de legislação própria sobre a temática dos resíduos. Prevê, ainda, que, para obter elevada proteção do ambiente, é necessário que os estados membros tomem providências responsáveis para garantir seu tratamento e recuperação, adotando medidas que limitem a formação de resíduos e promovendo tecnologias limpas e produtos recicláveis e reutilizáveis, considerando os atuais e potenciais mercados para os resíduos recuperados. Referência: Diretiva 2006/12/CE de 5 de abril de 2006. Estabelece que os estados membros providenciem medidas de prevenção de formação de resíduos de embalagens como por exemplo, programas nacionais ou em ações análogas. A diretiva demanda aos estados membros que sejam estabelecidos: Medidas que incentivem os sistemas de reutilização Os estados membros devem favorecer a reutilização de embalagens para que estas possam ser reempregadas de modo ecologicamente adequado. Sistemas de restituição Diretiva 94/62 sobre embalagens e resíduos de embalagens Os estados membros devem adotar as medidas necessárias para garantir que sejam introduzidos sistemas de restituição e/ou coleta de embalagens usadas e/ou de resíduos de embalagens e sistema de reemprego ou recuperação, incluindo a reciclagem das embalagens e/ou dos resíduos de embalagens recolhidas. Tais sistemas devem ser abertos à participação dos operadores econômicos dos setores interessados e à participação da competente autoridade pública. Isso se aplica também aos produtores e importadores em condições não discriminadas e concebidas de forma a evitar obstáculos às trocas ou distorções da concorrência em conformidade com o tratado. Promoção do emprego do material reciclado Para a fabricação de embalagens e outros produtos será encorajada de forma oportuna a utilização de material provindo de resíduos de embalagens recicladas. Os estados membros devem publicar as medidas com o objetivo de recuperar e reciclar e por meio de campanhas de informação destinadas ao público em geral e aos operadores econômicos. Campanhas de informação Os estados membros devem garantir que todos os utilizadores de embalagens, em particular os consumidores, tenham acesso às informações necessárias acerca do sistema de restituição, de coleta e de recuperação disponível, do seu envolvimento no 36 processo de reutilização, recuperação e reciclagem das embalagens, do significado das medidas para o mercado e os pertinentes elementos que devem ser introduzidos nos planos de gestão de resíduos sólidos. Instrumentos econômicos Nas medidas comunitárias, os estados membros adotarão diretrizes de acordo com os princípios da política da União Europeia, com ênfase no princípio do poluidor pagador. Referência: Diretiva 1994/62/CE de 20 de dezembro de 1994. Política Integrada do Produto (IPP) Visa a redução do impacto ambiental dos produtos em seu ciclo de vida completo: produção, uso e tratamento dos resíduos. Ressalta atenção específica aos instrumentos de gestão ambiental e à difusão da rotulagem ambiental. Outros instrumentos, como as subvenções, são impostos aos diversos setores produtivos em grau de orientação e escolha de “produção verde” e consumo. Referência: COM 302, Bruxelas, 18 de junho de 2001. Diretiva 2004/18/CE Contém a regulação para conceder por decisão judicial aos entes públicos, a título pleno, as características ambientais dos critérios de transferência. Referência: Diretiva 2004/18/CE, 31 de março de 2004. Planos Municipais de Resíduos Sólidos O Cenário III considera a existência de PMGIRS elaborados e implementados em conjunto (Figura 11). Figura 11. Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Fluxo dos resíduos sólidos Para a adoção do modelo europeu, o fluxo dos resíduos sólidos, tanto para os gerados em Ponta Porã quanto em Pedro Juan Caballero, deve ser simétrico, uma vez que a política europeia tangencia as determinações das políticas nacionais de ambos os países 37 e sua adoção seria uma inovação. Neste Cenário III, os resíduos são coletados e segregados de acordo com suas características. A coleta é efetuada de forma diferenciada, com coleta exclusiva para resíduos de serviços de saúde, úmidos e secos. Os secos são encaminhados para as empresas particulares especializadas em tratamento, recuperação e reciclagem. Do faturamento mensal destas empresas, uma parcela retorna ao município para que seja reaplicada na gestão dos resíduos sólidos. Os resíduos úmidos seguem para a compostagem. Os rejeitos são considerados materiais perigosos e são dispostos em aterros sanitários, cujas características são as mesmas dos aterros sanitários para resíduos perigosos implantados no Brasil, ou tratados por meio de tecnologias específicas. A legislação europeia inibe a disposição final de resíduos sólidos ao aplicar taxas significativas para esse fim. Assim, quando segregados e coletados, os resíduos gerados são encaminhados a empresas privadas ou de relação público-privada, atividade que gera valorização e restituição econômica. Estas empresas operam exclusivamente com trabalhadores qualificados. 38 Figura 12. Fluxo simétrico – Cenário III 39 Análise expedita – Cenário III Diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia –, a análise do Cenário III apontou questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado neste cenário (Quadro 10). Quadro 10. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário III Eixos de sustentabilidade Questões de fundo Objetivos e resultados compatibilizados. Prioridades definidas para os mesmos beneficiários. Pertinência Níveis de importância poderão ser desiguais. Fatores políticos, econômicos e sociais podem receber pesos iguais. Utilização e aplicação de recursos de forma equilibrada. Mesmos insumos transformados nos mesmos resultados. Produtividade induzida uniforme. Timing compatível. Eficiência Aportes deverão ser compatíveis (gastos com pessoal, viagens, capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em relação aos resultados obtidos. Simetria. Duplicação de investimentos no tratamento e na disposição final. Dimensões, alcance e qualidade de ações devem ser iguais. Metas iguais. Objetivos institucionais podem ser diferenciados, mas serão resguardados pela existência de um único PMGIRS. Eficácia Possibilidade de apoio a atividades-meio e fim. Capacidades compatíveis. Maior escala e possibilidade da existência de um maior número de empresas privadas atuando na recuperação e reciclagem e/ou na disposição final. 14.4 Cenário IV O Cenário IV é apresentado como uma fusão entre os modelos brasileiro e europeu, com destaque na adoção de elementos relevantes que possibilitarão atuar em um modelo de Gestão Conjunta dos Resíduos Sólidos. O planejamento de ações, entretanto, deverá ser compartilhado para tornar possível sua adoção e implementação. 40 Planos Municipais de Resíduos Sólidos Considera-se no Cenário IV a existência de Plano Municipal Conjunto de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) entre os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero (Figura 13). Figura 13. Plano Municipal Conjunto de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos PMCGIRS PP-PJC Fluxo dos resíduos sólidos No Cenário IV, a possibilidade de consorciamento com outros municípios deverá ser analisada no momento em que for elaborado o plano municipal conjunto, uma vez que os municípios brasileiros serão privilegiados pelas ações do Governo Federal quando operarem por meio de consórcios públicos. Essa mesma possibilidade ganha destaque no caso paraguaio, caso seja aplicada, em função da obtenção de escala e economicidade. Os resíduos gerados nos municípios deverão ser segregados compulsoriamente. A parcela infectante dos resíduos de serviços de saúde é encaminhada para tratamento em planta comum aos municípios. Os resíduos úmidos devem ser passíveis de compostagem em planta igualmente compartilhada. Os resíduos recicláveis coletados deverão, em respeito às atividades já consolidadas na região, ser encaminhados para as centrais de triagem e empresas privadas de recuperação e reciclagem instaladas, desde que essa condição esteja assegurada no âmbito de alianças público-privadas. As centrais de triagem já instaladas nos municípios deverão ser gerenciadas de forma compartilhada a fim de obter maior escala econômica e disponibilidade de acesso à população. Os catadores de materiais recicláveis presentes nos lixões deverão ser organizados e capacitados para atuarem na triagem e no beneficiamento prévio destas centrais. A disposição final de rejeitos dos dois municípios deverá ser efetuada em aterro sanitário comum, local em que poderão ser implementados projetos relativos ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto pelo Protocolo de Quioto. Desta forma, apenas um aterro sanitário atenderá aos dois municípios e às centrais de triagem já instaladas por outros projetos, situação que permite operar em rede, com qualidade e com estrutura operacional única. 41 As ações para a Logística Reversa serão comuns aos municípios de forma a atender às exigências políticas brasileira e paraguaia. Figura 14. Fluxo Conjunto – Cenário IV 42 Análise expedita – Cenário IV Ao proceder uma breve análise do Cenário IV diante dos eixos de sustentabilidade – pertinência, eficiência e eficácia – foi possível observar questões de fundo que implicarão na adoção do modelo apresentado neste Cenário (Quadro 11). Quadro 11. Eixos de sustentabilidade x Questões de fundo para o Cenário IV Eixos de sustentabilidade Questões de fundo Objetivos e resultados compatibilizados. Prioridades definidas para os mesmos beneficiários. Pertinência Níveis de importância compatibilizados. Fatores políticos, econômicos e sociais com pesos iguais. Impacto ambiental minimizado com a existência de apenas uma estrutura de disposição final. Utilização e aplicação de recursos de forma equilibrada. Mesmos insumos transformados nos mesmos resultados. Produtividade induzida uniforme. Timing compatível. Eficiência Aportes deverão ser compatíveis (gastos com pessoal, viagens, capacitação até infraestrutura fixa, equipamentos e outros) em relação aos resultados obtidos. Simetria. Investimentos compatíveis no tratamento e na disposição final. Dimensões, alcance e qualidade de ações iguais. Metas iguais. Objetivos institucionais podem ser diferenciados, mas serão resguardados pela existência do PMGIRS conjunto. Eficácia Possibilidade de apoio a atividades meio e fim. Capacidades compatíveis. Maior escala e possibilidade da existência de um maior número de empresas privadas atuando na recuperação e reciclagem e/ou na disposição final. Organização dos catadores locais. 15. ANÁLISE JURÍDICA DOS CENÁRIOS ESTUDADOS Com base na infraestrutura necessária, apresentada no Quadro 5, o critério orientador para o delineamento dos cenários foi o da sustentabilidade, com análise aprofundada dos eixos pertinência, eficiência e eficácia. O objetivo definido foi o de viabilizar a implementação de um modelo conjunto de gestão dos resíduos sólidos entre Ponta Porã 43 e Pedro Juan Caballero. Para tanto, os cenários foram planejados de forma a possibilitar a reorganização e a potencialização dos sistemas já implementados nos municípios. Além disso, foram considerados os aspectos relacionados ao planejamento para os resíduos, por meio da elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Deve-se ressaltar, no entanto, que ambos os municípios ainda não dispõem de planos para o alinhamento das questões relacionadas aos resíduos sólidos na região, situação que apresenta um grande desafio do ponto de vista operacional e jurídico. Os cenários apresentados, portanto, possibilitaram nortear a análise jurídica de desafios e oportunidades. 15.1 Cenário I No Cenário I, os Municípios brasileiro e paraguaio preservam suas estruturas individuais de gestão de resíduos sólidos. Cada um é responsável pela gestão do seu próprio resíduo. A infraestrutura necessária para viabilizar a coordenação dos resíduos sólidos seria duplicada. Cada Município construiria e se responsabilizaria pela sua própria infraestrutura, desde o local de recebimento de resíduos até o aterramento. Toda a infraestrutura seria duplicada: uma em cada lado da fronteira. Diante da inexistência de infraestrutura mínima e da ocorrência de lixões em ambos os municípios, haverá a necessidade de adequação, no caso brasileiro, aos termos do que dispõe a PNRS. Para ter acesso a repasses de recursos públicos federais, o Município de Ponta Porã deverá desenvolver o PMGIRS, de acordo com o art. 18, da PNRS. O município pode designar uma comissão para harmonizar o seu plano ao disposto no PMGIRS de Pedro Juan Caballero, desde que o conteúdo previsto pela política paraguaia não apresente conflito com dispositivos da política brasileira. A princípio, não existe obstáculo jurídico internacional que impeça uma ação colaborativa de iniciativa dos próprios municípios para harmonizarem os termos dos seus respectivos PMGIRS. Neste Cenário I, como as estruturas são duplicadas e não há movimento transfronteiriço de resíduos, não há implicações jurídicas internacionais. No caso brasileiro, desde que Ponta Porã cumpra o estabelecido na PNRS, poderá, de forma individualizada, ou consorciada com outros municípios brasileiros (art. 18, par. 1º, I, da PNRS), implementar a gestão dos resíduos sólidos. Segundo a PNRS, essa gestão deverá obedecer a diretrizes como a logística reversa, a responsabilidade compartilhada, políticas de reciclagem, entre outras previstas na legislação e no seu regulamento. Sobre a comercialização de matéria-prima secundária em ambos os países, o caso brasileiro exige que seja observado o disposto na Resolução Conama 452/2012, que dispõe sobre os procedimentos de controle da importação de resíduos, segundo a Convenção de Basiléia. Se os resíduos forem beneficiados em seus países de origem, não haverá fluxo de resíduos, podendo haver a comercialização da matéria-prima secundária segundo as regras do livre mercado do Mercosul. Se houver a necessidade de beneficiamento de resíduos paraguaios no Brasil, ou o contrário, há movimento 44 transfronteiriço de recursos e, neste caso, no Brasil, será necessário observar o disposto na Resolução Conama 452/2012. Logo, segundo consta da descrição do Cenário I, quando não ocorre fluxo de resíduos, não há qualquer barreira jurídica que impeça a imediata elaboração do PMGIRS pelo município de Ponta Porã. Desde que o PMGIRS contenha o mínimo estabelecido pela legislação (arts. 18, 19 e 20 da PNRS), poderá contemplar critérios e diretrizes, que não sejam conflitantes, previstos na lei paraguaia de gestão de resíduos sólidos. Não havendo movimento transfronteiriço de resíduos, não há obstáculo em normativa internacional. Ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência e eficácia para o Cenário I, as questões de fundo apresentadas parecem não recomendar o modelo operacional proposto. Por outro lado, a análise do parâmetro jurídico, como elemento adicional, traduzido em critérios de tempo, viabilidade, custo-eficiência, intermediários institucionais e participação do município, é favorável ao Cenário I, conforme apresentado no Quadro 12. Quadro 12. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidade para o Cenário I Análise de possibilidades Parâmetro Jurídico Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC. Tempo Elaboração de PMGIRS para PP e PJC – Poder Executivo. Comissão conjunta PP-PJC para harmonização dos PMGIRS. Viabilidade jurídica Plenamente possível. Custo-eficiência Baixo custo e alta eficiência jurídica para o Cenário proposto. Intermediários institucionais Poder Executivo Municipal e sociedade civil na formulação do PMGIRS. Participação do Total. município Uma ressalva adicional quanto a esse modelo diz respeito à ausência de mecanismos internacionais de obrigação de um país com relação a outro. Ou seja, Ponta Porã poderá elaborar e executar o PMGIRS, mas não há instrumento jurídico capaz, nesse cenário, de obrigar o município paraguaio a fazer o mesmo. Além disso, as responsabilidades de cada Estado não estarão claramente previstas, o que gera insegurança jurídica ao projeto que não terá previsão do foro competente ou das normas aplicáveis a uma possível controvérsia. 45 15.2 Cenário II O Cenário II assemelha-se ao Cenário I. As estruturas de coleta, tratamento e disposição final também são duplicadas para cada município fronteiriço. Ocorrem nos respectivos países em que os resíduos são gerados. O elemento distintivo para o Cenário I parece ser o fato de o PMGIRS ser elaborado de forma conjunta, ou seja, por Ponta Porã e por Pedro Juan Caballero. A execução do PMGIRS é que se daria de forma diversa. Não há impedimento legal relacionado à participação de representantes de Pedro Juan Caballero na elaboração do PMGIRS de Ponta Porã. Ao contrário, pelas características da fronteira e das duas cidades, é aconselhável que haja a participação efetiva de representantes de ambos os lados. Desde que respeitado o conteúdo mínimo previsto no art. 19, da PNRS, o PMGIRS poderá ser realizado de forma conjunta por representantes dos dois municípios. O conteúdo mínimo previsto no referido art. 19 não impede que eventual política paraguaia de gestão de resíduos sólidos incremente o PMGIRS elaborado para Ponta Porã. Uma vez que o conteúdo previsto por política paraguaia não conflite com dispositivos da política brasileira, é possível, e recomendável, que a elaboração do PMGIRS agregue o conteúdo brasileiro e o paraguaio. Ainda assim, tratase da elaboração de duas políticas autônomas para as quais se busca a harmonização na medida do possível. Observada a regra geral estabelecida pela PNRS, o mesmo PMGIRS aprovado para ser executado em Pedro Juan Caballero pode ser utilizado para Ponta Porã. Como no caso de qualquer política pública ambiental, é recomendável que sejam oferecidas possibilidades amplas de acesso às informações e da participação da sociedade civil na discussão do PMGIRS. Tal medida está de acordo com as premissas do art. 225, da CF/1988 e da Lei 6.938/1981 (Política Nacional de Meio Ambiente). Em termos de relevância jurídica, merece ser mencionado o fato de que a execução do PMGIRS será feita de forma separada e independente, com a infraestrutura necessária sendo reproduzida nos dois lados da fronteira. Outro fator distintivo em relação ao Cenário I está na observação de que “a matéria-prima provinda das centrais poderão ser comercializadas tanto em solo brasileiro quanto em solo paraguaio, conforme estabelece a resolução Mercosul/GMC/Res. 30/2007”. Logo, as matérias-primas advindas das centrais de resíduos, ainda que com destinação para reciclagem, só poderão ser movimentadas entre os municípios se forem observados os requisitos estabelecidos pela Res. Conama 452/2012, que regulamenta a PNRS em relação aos procedimentos de controle da importação de resíduos, segundo a Convenção de Basiléia. O fluxo desses resíduos que podem ser destinados à reciclagem não está proibido, mas deve obedecer aos critérios estipulados pela normativa do Conama (art. 6º e segs. da Res. 452/2012).5 5 o Art. 6 . Não estão sujeitos à restrição de importação os Resíduos Inertes – Classe IIB, desde que não controlados pelo Ibama e não combinados com outros resíduos ou rejeitos, à exceção dos pneumáticos usados cuja importação é proibida. 46 o § 1 O Ibama, mediante decisão motivada e exclusiva, poderá ampliar a lista de Resíduos Inertes Classe IIB sujeitos à restrição de importação, cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação. § 2o No caso de estabelecimento de restrições de importação para os Resíduos Inertes -Classe IIB o referidos acima, deverão ser adotados os procedimentos constantes no art. 7 desta Resolução. o § 3 Fica excluída da proibição contida no caput deste artigo a reimportação de pneumáticos de uso aeronáutico com vistas à extinção de operação anterior de exportação efetuada sob o regime aduaneiro especial de exportação temporária para aperfeiçoamento passivo. o Art. 7 . A importação de Resíduos Controlados só poderá ser realizada por Destinador de Resíduos para reciclagem, em instalações devidamente licenciadas para tal fim, após autorização e anuência prévia do Ibama com o atendimento das seguintes exigências: I - regularidade perante o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais (CTF), gerenciado pelo Ibama; II - apresentação de licença ambiental do Destinador de Resíduos, expedida pelo órgão ambiental competente; III - laudo técnico atestando a classificação da carga de resíduos que esteja sendo importada, exceto nos casos onde houver dispensa fundamentada do Ibama; IV - atendimento às normas nacionais e internacionais de acondicionamento e transporte, bem como observância dos cuidados especiais de manuseio em trânsito, inclusive interno, além da previsão de ações de emergência para cada tipo de resíduo; V - cumprimento das condições estabelecidas pela legislação federal, estadual e municipal de controle ambiental pertinente quanto à armazenagem, manipulação, utilização e reprocessamento do resíduo importado, bem como de eventuais resíduos gerados nesta operação, inclusive quanto à sua disposição final. o § 1 A autorização de que trata o caput deste artigo deve se referir a cada tipo de resíduo que se pretenda importar. o § 2 O Importador de Resíduos deverá inserir, quando do registro no Sistema Integrado de Comércio Exterior-SISCOMEX, a descrição e a destinação do resíduo em campo específico da licença de importação. o § 3 Quando a importação de Resíduos Controlados não for realizada diretamente pelos Destinadores de Resíduos, mas sim por terceiros, estes ficam obrigados a cumprir o disposto neste artigo, além deapresentar cópia do contrato firmado com os Destinadores de Resíduos. o § 4 Quando a importação de resíduos Classe II-A for realizada por terceiros, ficam estes obrigados a cumprir o disposto neste artigo, além de apresentar a cópia do contrato firmado com a empresa que se responsabilizará formalmente pela destinação ambientalmente adequada. o § 5 O Ibama poderá solicitar aos Importadores de Resíduos a qualquer tempo outros documentos e informações necessários para autorizar a importação de Resíduos Controlados. o § 6 Para atestar a classificação da carga de resíduos, somente serão aceitos laudos técnicos emitidos por laboratórios acreditados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - Inmetro para realização deste ensaio ou por laboratórios estrangeiros acreditados por 47 Ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência e eficácia para o Cenário II, as questões de fundo assemelham-se àquelas apresentadas para o Cenário I. Ou seja, elas parecem não recomendar o modelo operacional proposto no Cenário II. Por outro lado, a análise do parâmetro jurídico, como elemento adicional, traduzido em critérios de tempo, viabilidade, custo-eficiência, intermediários institucionais e participação do Município é favorável ao Cenário II, conforme apresentado no Quadro 13. Quadro 13. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidade para o Cenário II Análise de possibilidades Parâmetro Jurídico Tempo Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC. Elaboração de PMGIRS para PP e PJC de forma conjunta – Poder Executivo, com representantes de ambos os municípios. Comissão conjunta PP-PJC para elaboração do PMGIRS, que será duplicado: um PMGIRS para PP, sob a égide do regime jurídico brasileiro e outro de igual teor para PJC, sob a égide do regime jurídico paraguaio. Viabilidade jurídica Plenamente possível. Custo-eficiência Baixo custo – Alta eficiência jurídica para o Cenário proposto. Intermediários institucionais Poder Executivo Municipal e sociedade civil na formulação do PMGIRS. Participação do Total. município Uma ressalva adicional relacionada a esse modelo diz respeito à ausência de mecanismos internacionais de obrigação de um país com relação ao outro. Ponta Porã poderá elaborar e executar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, mas não há instrumento jurídico capaz, nesse cenário, de obrigar o município paraguaio a fazer o mesmo. Além disso, as responsabilidades de cada Estado não estarão claramente previstas, o que resulta em uma situação de insegurança jurídica ao projeto que não terá previsão do foro competente ou das normas aplicáveis a uma possível controvérsia. organismos de acreditação, signatários de um acordo de reconhecimento mútuo, do qual o Inmetro faça parte. o Art. 8 A importação de Resíduos Não Inertes - Classe IIA controlados deverá também atender aos procedimentos de notificação prévia, conforme determinado na Convenção de Basiléia em seu art. o 6 e Anexos V-A e V-B. 48 15.3 Cenário III O Cenário III apresentado não inova em relação à localização da infraestrutura necessária, ou em relação ao fluxo de resíduos esperado para o Cenário II. A inovação limita-se aos aspectos operacionais da gestão integrada de resíduos sólidos. Para o Cenário III, propõe-se que sejam utilizados critérios e padrões previstos pela normativa europeia. A disposição final continua a cargo dos municípios, assim como as estruturas de tratamento e central de compostagem, tal como apresentado na Figura 12. O Cenário III propõe formas de coleta, gestão e reciclagem simétricas, de acordo com critérios estabelecidos em normativas europeias. Não há qualquer óbice legal para que o PMGIRS seja acrescido de critérios técnicos constantes de políticas comparadas. Aliás, a própria PNRS do Brasil foi inspirada, em grande parte, em modelos europeus. Tal como no processo de harmonização proposto no Cenário I, ou integração de políticas, tal como proposto no Cenário II, a agregação de critérios operacionais, desde que adicionais às diretrizes estabelecidas na PNRS, são perfeitamente viáveis e possíveis juridicamente, no caso brasileiro. É importante reiterar que, para o impacto jurídico da análise desenvolvida para implementação de um modelo de gestão conjunta de resíduos entre PP e PJC, há dois fatores relevantes: local da infraestrutura e se há fluxo, isto é, movimento transfronteiriço de resíduos. Como nesses dois aspectos o Cenário III limita-se a repetir o proposto para os Cenários I e II, não há qualquer óbice legal à incorporação de critérios operacionais e técnicos previstos na legislação europeia, desde que adicional e não conflitante com os critérios e diretrizes previstas na PNRS. Como detalhe operacional constante do Cenário III está o arranjo entre setor público e privado (parcerias, alianças etc.) “para possibilitar de forma prioritária a reciclagem e a recuperação dos resíduos sólidos”. Nesses arranjos, a proposta para o Cenário III prevê ainda que os municípios “deverão acordar na reversão financeira dos serviços prestados ao ser o facilitador do retorno dos materiais aos agentes privados”. Seja na modalidade Free on Board, seja na modalidade Cost, Insurance and Freight, propostas no Cenário III, para efeito de responsabilidade por eventuais danos causados, não há qualquer possibilidade de seu afastamento contratual. Permanecem em vigor as regras de responsabilidade ambiental previstas no art. 225, § 3º, da CF/1988, Lei nº 6.938/1981, Lei nº 9.605/1998 e art. 25 e segs. da Lei nº 12.305/2010. As responsabilidades contratuais devem ser objeto de ações judiciais específicas e não eximem as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, das responsabilidades civil, administrativa e criminal por danos causados ao meio ambiente. Importante notar que o arranjo público-privado contido na normativa europeia também vem previsto na PNRS (Lei nº 12.305/2010). O art. 36 da PNRS6 estabelece diretrizes 6 Art. 36. No âmbito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, cabe ao titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, observado, se houver, o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos: I – adotar procedimentos para reaproveitar os resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços públicos de 49 para o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. Prevê ainda o fomento a parcerias com associações de catadores e dispensa de licitação para maximizar essas parcerias. Neste particular, portanto, a PNRS está bem equipada para produzir efeitos jurídicos semelhantes aos propostos com base em normativa europeia. Logo, ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência e eficácia para o Cenário III, há evidente ganho de eficácia e pertinência ao se aumentar os requisitos operacionais e técnicos da implantação dos PMGIRS. O eixo jurídico, conforme já ressaltado, não muda em relação aos Cenários I e II, considerando que os países mantêm individualizadas as suas infraestruturas e responsabilidades pela coleta, transporte e disposição final dos resíduos. Não há fluxo, ou movimento transfronteiriço. O Quadro 14 apresenta as conclusões da análise jurídica do Cenário III. Quadro 14. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidades para o Cenário III Parâmetro jurídico Análise de possibilidades Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC. Elaboração de PMGIRS para PP e PJC de forma conjunta – Poder Executivo, com representantes de ambos os municípios, integrando critérios da normativa europeia sobre resíduos sólidos. Tempo Análise de adequação da normativa europeia com as políticas brasileira e paraguaia de gestão de resíduos sólidos. Comissão conjunta PP-PJC para elaboração do PMGIRS, que será duplicado: um PMGIRS para PP, sob a égide do regime jurídico brasileiro, e outro de igual teor para PJC, sob a égide do regime jurídico paraguaio. limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; II – estabelecer sistema de coleta seletiva; III – articular com os agentes econômicos e sociais medidas para viabilizar o retorno ao ciclo produtivo dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis oriundos dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; IV – realizar as atividades definidas por acordo setorial ou termo de compromisso na forma do § 7º do art. 33, mediante a devida remuneração pelo setor empresarial; V – implantar sistema de compostagem para resíduos sólidos orgânicos e articular com os agentes econômicos e sociais formas de utilização do composto produzido; VI – dar disposição final ambientalmente adequada aos resíduos e rejeitos oriundos dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos; § 1º Para cumprimento do disposto nos incisos I a IV do caput, o titular dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos priorizará a organização e o funcionamento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, bem como sua contratação. § 2º A contratação prevista no § 1º é dispensável de licitação, nos termos do inciso XXVII do art. 24 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. 50 Viabilidade jurídica Plenamente possível. Custoeficiência Baixo custo – Alta eficiência jurídica para o Cenário proposto. Intermediários Poder Executivo Municipal, sociedade civil na formulação do institucionais PMGIRS e parceiros europeus. Participação do município Total. 15.4 Cenário IV A inovação no Cenário IV fica por conta da proposta de infraestrutura compartilhada. Por se tratarem de municípios fronteiriços, a análise dos eixos de sustentabilidade, a partir dos elementos de pertinência, eficiência e eficácia, parece sugerir vantagens em relação aos demais cenários. Neste Cenário IV, a proposta é que a infraestrutura comum seja construída sobre a linha de fronteira, o que evitaria fluxo de resíduos e, com isso, não atrairia a legislação restritiva sobre movimento transfronteiriço de resíduos (com exceção dos resíduos perigosos em razão dos compromissos assumidos na Convenção de Basiléia). Cada município procederia a disposição final dos rejeitos em aterro compartilhado, construído sobre a linha de fronteira. Neste Cenário IV, propõe-se uma análise jurídica para viabilizar a implementação da infraestrutura pretendida sobre a linha de fronteira. Embora a operação seja fator relevante e que apresenta seus próprios desafios jurídicos, o enfoque restringiu-se às questões jurídicas implicadas para viabilizar a localização da infraestrutura. Para tanto, faz-se necessário analisar a legislação pertinente para a construção de obra ou atividade com potencial de causar impacto ambiental. Outra questão relevante é a localização da obra e quais são os organismos competentes para empreenderem no local proposto. Por serem Municípios fronteiriços integrados sem separação física natural 7 , o compartilhamento de infraestrutura para a gestão dos resíduos sólidos parece ser a melhor opção do prisma da tutela ambiental. No caso específico dos aterros sanitários, estes são, em regra, obras com potencial de significativo impacto ambiental. Tal presunção decorre de norma do Conama, por meio da Res. 1/1986. Seu art. 2º dispõe sobre as atividades que dependerão de prévio Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). O art. 225, § 1º, inc. IV, da CF/1988, estabelece que dependerão de EIA/RIMA as atividades com potencial de causar 7 A separação dos Municípios está prevista em Tratado. O fato de não existir uma linha natural formada por um rio ou mar não descaracteriza a divisão territorial que está juridicamente garantida pelo Tratado de 1872 que foi internalizado no Brasil pelo Decreto 4911 de 27 de março de 1872. 51 significativo impacto ambiental. A presunção de risco ambiental de um aterro sanitário é, portanto, constitucional e legal. Duplicar essas estruturas em Municípios fronteiriços significa dobrar também o risco ambiental. O art. 225, § 1º, inc. V, da CF/1988, impõe ao Poder Público o dever de pautar as políticas públicas ambientais pelo controle de atividades que coloquem em risco a saúde da população e o equilíbrio ecológico. Portanto, um projeto conjunto de gestão de resíduos entre nações irmãs está de acordo com o dever geral de proteção da saúde e do meio ambiente previsto pela Constituição Federal do Brasil. 15.4.1 Análise jurídica dos eixos de sustentabilidade Ao observar a análise dos eixos de sustentabilidade, traduzidos em pertinência, eficiência e eficácia para o Cenário IV, há evidente ganho em relação aos demais cenários apresentados. O parâmetro jurídico é bastante alterado no Cenário IV, em relação aos Cenários I, II e III. Também no Cenário IV assume-se que não haverá fluxo ou movimento transfronteiriço de resíduos. O que muda é a localização da infraestrutura. No Cenário IV, a infraestrutura é compartilhada e construída sobre a linha de fronteira. O Quadro 15 apresenta as conclusões da análise jurídica do Cenário IV. Quadro 15. Parâmetro jurídico x Análise de possibilidades para o Cenário IV Parâmetro jurídico Análise de possibilidades Tempo Treinamento e capacitação de funcionários de PP e PJC. Elaboração de PMGIRS para PP e PJC de forma conjunta – Poder Executivo, com representantes de ambos os municípios, integrando critérios da normativa europeia sobre resíduos sólidos. Comissão conjunta para elaboração do PMGIRS entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, sob a égide do regime jurídico brasileiro e paraguaio. Requerimento ao Conselho de Defesa Nacional. Requerimento ao Ministério de Relações Exteriores, Comitê de Fronteira e Comissão Mista. Elaboração e aprovação do modelo de operação. Processo de licenciamento ambiental integrado – Brasil-Paraguai. Viabilidade jurídica Plenamente possível. Custoeficiência Alto custo – Alta eficiência jurídica para o Cenário proposto. 52 Poder Executivo Municipal; sociedade civil na formulação do PMGIRS; Conselho de Defesa Nacional; Secretaria de Assuntos Estratégicos da Intermediários Presidência da República; Ministérios do Meio Ambiente e da Integração institucionais Nacional; IBAMA; Ministério de Relações Exteriores; Comitê de Fronteira; Comissão Mista; e Empresas Públicas. Participação do município Total. Outras variáveis merecem especial atenção para o aprofundamento da análise de viabilidade jurídica da localização de infraestrutura sobre a Faixa de Fronteira entre Brasil e Paraguai. 15.4.2 Utilização da Faixa de Fronteira A faixa de fronteira é regulada no Brasil pela Lei nº 6.634/1979. Segundo seu art. 1º, “é considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira”. Nessa área, de 150 quilômetros, será vedada a prática de atos referentes ao “III - estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem a Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo”. A vedação expressa na lei é excepcionada pelo consentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, atualmente transformado em Conselho de Defesa Nacional (CDN)8 conforme disposição do art. 91, da CF/1988. Segundo o art. 91, § 1º, inc. III, da CF/1988, compete ao CDN “propor critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”. A construção de uma infraestrutura/empreendimento voltada à gestão dos resíduos sólidos sobre a linha de fronteira com o Paraguai poderia, em tese, ser interpretado como projeto que, entre outros objetivos, visa à preservação de recursos naturais da região: proteção de recursos hídricos, qualidade do solo, entre outros. Pela análise do art. 91, § 1º, inc. III, da CF/1988 c/c art. 2º, inc. III, da Lei nº 6.634/1979, é possível a interpretação de que essa 8 “O Conselho de Segurança Nacional (CSN) foi criado pelo artigo 162 da Constituição de 1937, inicialmente com a função de estudar todas as questões relativas à segurança nacional. No quadro das transformações geradas pela instituição do governo militar no Brasil, em 1964, o CSN tornouse, pelo Decreto-Lei 900, de 29 de setembro de 1969, o “órgão de mais alto nível de assessoramento direto do presidente da República, na formulação e na execução da política de segurança nacional”. Em 1980, o Conselho de Segurança Nacional passou a ter um novo regimento determinado pelo Decreto nº 85.128. Durante a década de 1980 foi perdendo suas funções até a criação do Conselho de Defesa Nacional em 1988.” – in http://www.portalan.arquivonacional.gov.br/Media/CSN.pdf, última visita em 26/set./2012. 53 infraestrutura/empreendimento se enquadra no conceito de indústria que interessa à Segurança Nacional. De todo modo, a sua instalação em faixa de fronteira depende de assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional. Segundo os requisitos formais da Lei nº 6.634/1979, o requerimento de assentimento prévio deve ser endereçado à Secretaria-Geral do CDN e dependerá de parecer do órgão federal controlador da atividade. Segundo o art. 4º, do Dec. nº 893/1993, a SecretariaGeral é órgão que compõe a estrutura do CDN. Com o advento da Lei nº 8.183/1991, foi prevista também a função de Secretaria-Executiva (art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.183/1991). O Secretário-Executivo do CDN é o Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) (art. 1º, § 3º, do Dec. nº 893/1993). A Secretaria-Executiva e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República são responsáveis pela execução das atividades permanentes necessárias ao exercício da competência constitucional do CDN (art. 4º, caput, da Lei nº 8.183/1991). A SAE/PR, na condição de Secretaria-Geral do CDN, é responsável pela execução das atividades permanentes, técnica e de apoio administrativo necessárias ao exercício da competência do CDN. A SAE/PR coordena os estudos e pareceres sobre os assuntos submetidos ao CDN. Caso entenda necessário, o Secretário-Executivo poderá solicitar estudos, pareceres, informações e esclarecimentos necessários à consecução dos seus objetivos. Por se tratar de infraestrutura/empreendimento localizado em área de fronteira, e ser atividade com objetivo de reduzir impactos ambientais, é provável que a SAE/PR busque informações junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).9 A Lei nº 10.466/2002, que instituiu o Programa Grande Fronteira do Mercosul (PGFM) deve ser utilizada como subsídio ao requerimento endereçado ao CDN. Segundo o PGFM, a área de fronteira é estendida para uma faixa de até 450 quilômetros onde estejam localizados municípios dos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Entre os objetivos do PGFM “destacam-se: promover, mediante ações integradas das diferentes esferas de governo, o desenvolvimento econômico e social da área de abrangência...; estabelecer modelos de desenvolvimento sustentável adequados às características naturais, à vocação econômica e às potencialidades de microrregiões homogêneas na área de abrangência;” (art. 2º, incs. III e IV, da Lei nº 10.466/02). A questão fundiária da área de fronteira é regida também pela Lei 6.634/79, que permite a alienação e a concessão de terras públicas, não podendo exceder 3 mil hectares. Caso haja necessidade de área maior, desde que haja manifesto interesse para a economia 9 Art. 2º, § 3º, da Lei n. 6.634/1979, e art. 6º, caput, da Lei nº 8.183/1991: “Os órgãos e as entidades de Administração Federal realizarão estudos, emitirão pareceres e prestarão toda a colaboração de que o Conselho de Defesa Nacional necessitar, mediante solicitação de sua Secretaria-Executiva. 54 regional, e com autorização do Senado Federal, o Presidente da República, após ouvir o CDN, poderá autorizar alienação ou concessão de área superior a 3 mil hectares. O requerimento ao CDN de instalação de infraestrutura/empreendimento na linha de fronteira deve estar fundamentado em parecer técnico que justifique tratar-se de atividade que atende aos interesses da Segurança Nacional. Deve ter como base laudos científicos que apontem que a construção e a operação de infraestrutura conjunta, que inclua um aterro sanitário, na linha de fronteira atende aos objetivos da Segurança Nacional. Deve incorporar também os objetivos do PGFM. Caso a fundamentação seja acatada pelo CDN, o PMGIRS pode servir de instrumento para garantir verba da União, conforme previsto pelo art. 9º, da Lei nº 6.634/1979: “Toda vez que existir interesse para a Segurança Nacional, a união poderá concorrer com o custo, ou parte deste, para a construção de obras públicas a cargo dos Municípios total ou parcialmente abrangidos pela Faixa de Fronteira. § 2º. – Os recursos serão repassados diretamente às prefeituras municipais, mediante a apresentação de projetos específicos.” O projeto específico a que se refere o § 2º pode ser o PMGIRS de Ponta Porã, desenvolvido e formulado em conjunto com o município paraguaio de Pedro Juan Caballero. O PMGIRS é o instrumento eleito pela Lei nº 12.305/2010 para que os Municípios brasileiros possam ter acesso aos recursos da União, “destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamento de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade.” (art. 18, da Lei nº 12.305/2010). Aplicam-se também recursos do PGFM. Segundo o art. 3º, inc. IV, da Lei nº10.466/2002, os recursos do PGFM serão aplicados, prioritariamente, em projetos voltados para: ... “IV – a proteção do meio ambiente e o gerenciamento dos recursos hídricos”. 15.4.3 Ministério das Relações Exteriores Após consultar a SAE/PR/CDN, em caso de consentimento ao projeto, o próximo passo é acionar o Ministério de Relações Exteriores (MRE), via Comitê de Fronteira Pedro Juan Caballero/Ponta Porã, ou por meio do departamento responsável pela América Latina no MRE. O MRE é o órgão competente no Brasil, por meio de seus diplomatas, para negociar com o Governo do Paraguai uma solução jurídica para formalizar a relação entre os dois municípios pertencentes a países diferentes. A formalização da relação deve ser feita por um tratado novo ou se basear em um tratado já existente e que pode garantir a cooperação para a realização da atividade sob análise. O processo para a negociação de um novo tratado e sua posterior internalização, tanto no Brasil como no Paraguai, pode durar mais de cinco anos10. Por esse motivo, a utilização de um tratado em vigor facilitaria a formalização da atividade. 10 Por exemplo, no caso do Acordo de Cooperação para o rio Apa, a assinatura ocorreu em Brasília, em 11 de setembro de 2006, enquanto que o decreto foi promulgado em 6 de maio de 2010. Cabe destacar que não foi contabilizado nesse período de quatro anos o tempo de negociação do tratado. No Brasil, para que um tratado tenha validade dentro do território brasileiro, 55 Convergindo para essa segunda opção, três tratados que já estão em vigor podem ser utilizados concomitantemente: a) Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Paraguai de 1987, subscrito em Assunção, em 27 de outubro de 1987; b) Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul; c) Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa, internalizado por meio do Decreto 7.170/201011. Para que os três acordos possam ser utilizados como instrumento jurídico para formalizar a relação jurídica, é necessário um Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica ou uma Declaração de Intenções. Trata-se de procedimentos diplomáticos simplificados em razão de não necessitar de ratificação do Congresso Nacional, por estar escorado em Acordo já ratificado. 15.4.4 Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Paraguai de 1987 O Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e o Paraguai foi firmado em Assunção, em 27 de outubro de 1987. Segundo seu art. II , a cooperação compreende, entre outros objetivos: “d) a implementação conjunta ou coordenada de programas, projetos e atividades nos territórios de uma ou de ambas as Partes Contratantes, e e) outras formas de cooperação técnica que puderem ser mutuamente acordadas pelas Partes Contratantes”. O art. III define que o estabelecimento de projetos será definido “por Ajustes Complementares a serem concluídos entre as Partes Contratantes e que entrarão em vigor por via diplomática” (destaque nosso). A utilização desse Tratado de Cooperação como “guarda-chuva” para a atividade sob análise possibilitará uma formalização mais rápida da relação jurídica, com a dispensa de todo o processo de internalização de um tratado. Para tanto, deverá ser negociado entre os diplomatas brasileiros e paraguaios um Ajuste Complementar ao Tratado de Cooperação, que dispensa o processo de internalização de Tratados no Brasil, pois decorre de um Tratado que já está em vigor e que prevê a possibilidade de Ajustes Complementares. O art. IV prevê, ainda, a possibilidade de envolvimento e participação de “organizações e instituições privadas de seus respectivos países na implementação de programas, projetos e outras atividades de cooperação previstas nos Ajustes Complementares...”. Pode haver também participação de organizações e instituições de terceiros países ou organizações internacionais, quando as Partes considerarem conveniente. É de se é necessário que ele seja internalizado, o que ocorre por meio da promulgação do Decreto Executivo. A competência para a assinatura dos tratados é do presidente da República. Após assinado, o tratado deve cumprir as seguintes etapas para que seja incorporado ao ordenamento interno: a) Apreciação do Congresso Nacional; b) Ratificação pelo poder executivo; c) Promulgação. Estes procedimentos são indispensáveis para a incorporação e vigência dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro. 11 Decreto n. 7.170, de 6 de maio de 2010. 56 destacar que o mesmo Acordo, no art. VII. 3, isenta “...de todos os impostos aduaneiros, e de outros impostos de natureza similar, as importações e as exportações, de um país para o outro, de equipamentos e materiais necessários à implantação deste Acordo e de seus Ajustes Complementares...”. 15.4.5 Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul A relação jurídica analisada poderá ser formalizada ainda por meio do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul. A decisão do Conselho Mercado Comum (CMC), 2/2001, aprovou o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul, que foi internalizada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 5.208/2004. O Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul estabelece disposições gerais sobre a cooperação em matéria ambiental. Em seu art. 3º, dispõe que, para alcançar o seu objetivo, os Estados Partes deverão orientar-se pela: “a) promoção da proteção do meio ambiente e aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis mediante a coordenação de políticas setoriais, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio; (...) d) tratamento prioritário e integral às causas e fontes dos problemas ambientais;”. Especificamente sobre a cooperação, o Acordo sobre Meio Ambiente trata, em seu art. 5º, do compromisso dos Estados Partes de cooperarem “no cumprimento dos Acordos Internacionais que contemplem matéria ambiental dos quais seja parte. Esta cooperação poderá incluir, quando se julgar conveniente, a adoção de políticas comuns para a proteção do meio ambiente, (...)”. (destaque nosso) 12. O art. 5º evidencia a possibilidade de adoção de políticas comuns. O referido artigo é complementado pelo art. 6º, que dispõe que os Estados Partes “...aprofundarão a análise dos problemas ambientais da subregião, com a participação dos organismos nacionais competentes...”. Para efeito da gestão conjunta, objeto do presente trabalho, pode-se interpretar que a subregião em questão é a área de fronteira compreendida pelos municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. O organismo nacional competente, no caso do Brasil, pode ser considerado o município de Ponta Porã, e a União, por se tratar de área de fronteira. Entre as ações que devem ser implementadas de forma conjunta, destaca-se, no próprio art. 6º, do Acordo, “b) incentivar políticas e instrumentos nacionais em matéria ambiental, buscando otimizar a gestão do meio ambiente” (grifo nosso). A política nacional que se pretende incentivar é a PNRS, instituída pela Lei 12.305/2010. O incentivo das políticas brasileira e paraguaia, no caso, visa justamente otimizar a gestão do meio ambiente. É, portanto, ação que encontra respaldo no Acordo. Outra ação de cooperação fomentada pelo art. 6º, do Acordo, é “e) contribuir para a promoção de condições de trabalho ambientalmente saudáveis e seguras para, no marco 12 Disponível em: http://www.mercosur.int/t_ligaenmarco.jsp?contentid=4823&site=1&channel=secretaria >. Acesso em: 27 set. 2012. 57 de um desenvolvimento sustentável, possibilitar a melhoria da qualidade de vida, o bemestar social e a geração de emprego”. A realidade atual de gestão de resíduos sólidos pelos municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é a de lixões (um em cada lado da fronteira), expondo crianças e adultos a condições degradantes de vida e de trabalho. Uma iniciativa de gestão conjunta de um aterro sanitário também compartilhado estaria alinhada ao objetivo do art. 6º, “e”, do Acordo. O mesmo art. 6º do Acordo traz ainda dois pontos de cooperação de especial relevância para o caso em exame. O primeiro é a possibilidade de cooperação para “g) promover a adoção de políticas (...) não degradantes do meio ambiente”. O segundo, de especial relevância para as áreas de fronteira: “j) estimular a harmonização das diretrizes legais e institucionais com o objetivo de prevenir, controlar e mitigar os impactos ambientais nos Estados Partes, com especial atenção às áreas fronteiriças;” (destaque nosso). Da leitura dos respectivos dispositivos, é possível inferir que: a concepção de um modelo de gestão conjunta de resíduos sólidos para os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é a política que evitará a degradação do meio ambiente na região, pois tem o objetivo de prevenir, controlar e mitigar os impactos ambientais naquela região de fronteira entre Brasil e Paraguai. Encontra, portanto, amparo jurídico total no AcordoQuadro sobre Meio Ambiente do Mercosul. A implantação do art. 6º do Acordo do Mercosul no caso concreto está prevista no art. 6º.: por meio de “...acordos setoriais, em temas específicos, conforme seja necessário para a consecução do objetivo deste Acordo.” O artigo seguinte, 7º, atribui aos Estados Partes a responsabilidade por acordarem sobre as pautas de trabalho que contemplem as áreas temáticas contidas no Anexo do Acordo. Entre as áreas contidas no referido Anexo, no item “2”, sob o título “Qualidade de vida e planejamento ambiental”, estão: “2.b. resíduos urbanos e industriais”; e “2.c. resíduos perigosos”. O Acordo Setorial a que se refere o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul pode ser implantado por meio de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica. Com a aprovação do Conselho de Defesa Nacional, o Ministério das Relações Exteriores poderia provocar o Governo do Paraguai para negociar um Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica, elegendo como entes responsáveis pela implantação do projeto os municípios de Ponta Porã, pelo lado brasileiro, e de Pedro Juan Caballero, pelo lado paraguaio. O comitê de fronteira poderia ser designado como organismo de apoio e monitoramento do trabalho realizado pelos municípios. Exemplo de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica entre os dois países e que pode servir de fundamento para a execução de projeto conjunto de construção de aterro sanitário é o que trata da cooperação em matéria de medições da qualidade de águas, de 26 de agosto de 1991. Por este Ajuste Complementar, o Brasil e o Paraguai decidiram realizar trabalhos conjuntos de medições de qualidade de água em trechos contíguos de rios internacionais. Elegeram como entidades executoras o então Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), do então Ministério da Infra-Estrutura, e o Ibama, da então Secretaria do Meio Ambiente, pelo lado brasileiro, e o 58 Serviço Nacional de Saneamento Ambiental (Senasa), do Ministério da Saúde Pública e Bem-Estar Social, pelo lado paraguaio. Outro instrumento diplomático que poderia ser utilizado pelos Estados para formalizar a atividade de cooperação é a Declaração de Intenções. Essa declaração poderá fazer referência ao Acordo de Cooperação Técnica de 1987 como tratado guarda-chuva aplicável para autorizar a deliberação entre os dois países via declaração de intenções. O Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercolsul também pode ser o instrumento jurídico aplicável à formalização da cooperação entre os países. Essa declaração poderá designar instituições, organismos ou entidades responsáveis pela implementação do projeto básico que, no caso, poderiam ser as prefeituras de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Um exemplo de Declaração de Intenções para construção de uma obra conjunta é a que dispôs sobre a “elaboração de projeto básico de implantação de uma linha de transmissão de 500 quilowatts entre a subestação Itaipu-Margem Direita e a subestação de Limpio, no Paraguai, para o melhor aproveitamento da energia produzida na UHE Itaipu pelo Sistema Interligado do Paraguai”, assinada em 28 de junho de 2007. A referida Declaração de Intenções traz expressa referência ao Acordo de Cooperação Técnica de 2007, nos seguintes termos: “Determinados a desenvolver e aprofundar as relações de cooperação que têm sido fortalecidas pelo Acordo de Cooperação Técnica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai, subscrito em Assunção, em 27 de outubro de 1987”. 15.4.6 Acordo de Cooperação entre o Brasil e o Paraguai para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia do Rio Apa O referido Acordo compromete as Partes a promoverem a “identificação de áreas de interesse comum e a realização de estudos, programas e obras, (...) e a promoção de outros projetos de interesse comum”. Pela natural e lógica relação entre políticas de gestão de resíduos sólidos e os recursos hídricos, a construção de um aterro sanitário na linha de fronteira que possibilite a eliminação de lixões que impactam os corpos d’água da região poderia ser compreendida como passível de ser objeto de deliberação da comissão instituída no âmbito do Acordo, denominada Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa (CRA). No entanto, é preciso ressaltar que pode haver entendimento contrário. Ou seja, no sentido de que o referido tratado só alcança políticas diretamente relacionadas a recursos hídricos. Ao contrário do que dispõe o Acordo de Cooperação Técnica de 1987, o Acordo da Bacia do Rio Apa não prevê a possibilidade de Ajustes Complementares. Eventual proposta de construção de aterro sanitário sobre a linha de fronteira deve partir da CRA, apresentando as Partes os estudos técnicos e científicos que justifiquem a gestão conjunta de resíduos sólidos. Na prática, o efeito jurídico é o mesmo do Ajuste Complementar. 59 Com relação à aplicabilidade do Acordo de Cooperação para a gestão do rio Apa, podem ser destacados dois argumentos que viabilizam a interpretação de que o tratado é aplicável ao caso concreto: a) a previsão de gestão de aspectos que vão além da gestão das águas; b) o destaque para o desenvolvimento sustentável da bacia. No preâmbulo do Acordo há previsão expressa de que o tratado tem um objeto mais amplo que vai além da simples gestão de águas. O documento expressa a necessidade de considerar recursos naturais superficiais e subterrâneos que possam ter um impacto na gestão as águas. Nesse sentido, o artigo prevê especificamente alguns temas importantes que são também objeto do Acordo: “(...) c) proteção das áreas de mananciais de fontes superficiais e subterrâneas; e) o saneamento ambiental das áreas urbanas; f) a ação integrada para a conservação de áreas protegidas; h) a conservação, utilização adequada, monitoramento e recuperação dos solos da região; k) o desenvolvimento de projetos específicos de interesse mútuo”. Cabe ressaltar ainda que o Art. III do tratado que dispõe sobre o âmbito de aplicação do Acordo compreende, além da Bacia Hidrográfica do Rio, “(...) as suas áreas de influência direta e ponderável que, caso necessário, serão determinadas de comum acordo pelas Partes”. Considerando que a gestão de resíduos sólidos pode ter um grande impacto na proteção de mananciais, no saneamento ambiental e na conservação dos solos da região, o tratado sob análise evidencia-se como aplicável ao caso concreto. O inciso f) deixa evidente no tratado o fato de que as Partes, ou seja, os governos do Paraguai e do Brasil, devem levar em consideração o desenvolvimento de projetos específicos de interesse comum. Além disso, o preâmbulo destaca que o tratado é aplicável no caso de realização de projetos conjuntos na Bacia para implementar o desenvolvimento sustentável. Além do preâmbulo, o art. I estabelece que as partes “(...) estabelecerão uma estreita cooperação para promover o desenvolvimento sustentável e a gestão integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa”. A gestão de resíduos sólidos está diretamente ligada à implementação do desenvolvimento sustentável na região, considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais dessa atividade. Com relação aos requisitos necessários para a implementação do acordo, o artigo IV do acordo prevê a necessidade de constituir a Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia do Rio Apa. Essa comissão é competente para gerenciar e contratar, com prévia autorização expressa das Partes, financiamento de estudos e obras 13 , além de gerir e supervisionar a execução de projetos, obras e serviços comuns ligados à bacia14. A comissão, ainda, é competente para celebrar contratos necessários para a execução de projetos aprovados pelas partes15. 13 Art. V c). 14 Art. V d). 15 Art. V. e). 60 Em razão dessa competência, a realização de qualquer obra nessa bacia deve ser gerida por essa comissão. É importante destacar que o Art. III do Estatuto da Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia prevê que a área de ação da comissão “(...) compreenderá a Bacia Hidrográfica do Rio Apa e as áreas contíguas de influência direta e ponderável que, caso necessário, serão determinadas de comum acordo pelas Partes”. A comissão dedve, então, determinar juntamente com as Partes o que são essas áreas contíguas. A área do caso concreto poderá ser diretamente classificada pela comissão e pelas Partes como área contígua, o que deixará evidente a aplicação do tratado ao caso concreto. Em termos práticos, no entanto, há um problema, pois e ssa comissão ainda não foi formada. É necessário, então, um contato anterior com o Ministério das Relações Exteriores para que essa comissão seja formada, ou para que outra “comissão” possa ser designada pelas Partes como competente para formalizar a atividade do aterro. 15.4.7 Área non aedificandi Seja por Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica Brasil-Paraguai, ou por Declaração de Intenções, a aprovação da localização do aterro sanitário encontrará resistência em regra non aedificandi estipulada entre Brasil e Paraguai para a área de fronteira. Segundo o art. 10º do Protocolo de Instruções entre o Brasil e o Paraguai para a demarcação e caracterização da fronteira Brasil-Paraguai, firmado no Rio de Janeiro, em 9 de maio de 1930, os marcos existentes nos limites entre os dois países devem ser “intervisíveis a olhos desarmados”. Com base no referido dispositivo, os países sugeriram na Ata da 30ª Conferência da Comissão Mista de Limites e de Caracterização da Fronteira entre Brasil e Paraguai, de 11 de outubro de 1977, que até 25 metros dentro do território de cada um dos países, na zona rural, não poderá ser efetuada nenhuma construção, ficando a faixa de 50 metros de largura destinada exclusivamente ao trânsito. A sugestão das Partes foi referendada pelo Acordo por Troca de Notas 275, de 16 de setembro de 1980, trocado entre os dois países16. Em novo Acordo por Troca de Notas, n 3/2008, o Governo do Paraguai propôs a extensão da faixa non aedificandi para zonas urbanas, com 10 metros de largura de cada lado da linha limite internacional. Nessa mesma proposta, constou que “as autoridades dos municípios e prefeituras fronteiriços deverão estabelecer nos Planos de Desenvolvimento Urbano que a faixa non aedificandi seja utilizada somente para a construção de ruas ou avenidas, praças e estacionamentos assegurando em todos os casos a intervisibilidade entre os marcos sucessivos.” Em ofício de 9 de abril de 2008, em resposta, o Governo Brasileiro concordou com os termos propostos na Nota paraguaia, formalizando assim a constituição de um Acordo entre os dois governos. 16 VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 44. “As trocas de notas são tratados de natureza administrativa que cuidam de procedimentos burocráticos adotados entre os dois Estados, normalmente inseridos no quadro de cooperação internacional mais ampla”. 61 Com base nos acordos por troca de notas examinados acima, fica vigente a regra non aedificandi de 25 metros para zona rural e 10 metros para zona urbana em cada lado da fronteira entre Brasil e Paraguai. Eventual Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica entre os dois países, ou por meio de Declaração de Intenções deverá excetuar a regra non aedificandi vigente pelos referidos acordos por troca de notas. O requerimento de exceção à regra non aedificandi pode ser fundamentado no Programa Grande Fronteira do Mercosul (PGFM), estabelecido pela Lei nº 10.466/2002. Segundo o PGFM, a área de fronteira é estendida para uma faixa de até 450 quilômetros onde estejam localizados municípios dos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Entre os objetivos do PGFM, destacam-se: promover, mediante ações integradas das diferentes esferas de governo, o desenvolvimento econômico e social da área de abrangência, (...); estabelecer modelos de desenvolvimento sustentável adequados às características naturais, à vocação econômica e às potencialidades de microrregiões homogêneas na área de abrangência; (art. 2º, incs. III e IV, da Lei nº10.466/2002). Uma vez superado este tema, deverá ser avaliado quem é o proprietário da área em que se situará o aterro sanitário no solo brasileiro para, se for o caso, celebrarem-se os instrumentos jurídicos pertinentes. De acordo com o art. 20 da Constituição Federal, são bens da União “as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei”, dispondo, ainda, o § 1º, que “faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como Faixa de Fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”. 16. PROCEDIMENTOS PARA ASSENTIMENTO DO CENÁRIO IV Diante do que foi tratado até este ponto, os procedimentos necessários para a aprovação de localização e construção de uma infraestrutura/empreendimento para a gestão dos resíduos sólidos sobre a linha de fronteira entre Brasil e Paraguai são: Requerimento ao Conselho de Defesa Nacional, endereçado ao SecretárioExecutivo da pasta – o Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, solicitando assentimento para a proposta de construção de uma infraestrutura/empreendimento sobre a linha de fronteira entre Brasil e Paraguai. A SAE/PR, no exercício das suas funções de Secretaria-Geral do CDN, poderá solicitar pareceres e estudos técnicos dos órgãos e entidades da Administração Federal, direta e indireta, para fundamentar a decisão do CDN sobre os interesses da Segurança Nacional. Caso haja o entendimento de que existe interesse para a Segurança Nacional na construção de infraestrutura/empreendimento conjunto, o requerimento pode ser 62 acompanhado de pedido de indicação de empenho de recursos da União para a realização da obra, com base nas Leis 6.634/1979; 8.183/1991; 10.466/2002 e 12.305/2010. Requerimento ao Ministério das Relações Exteriores para manifestação de interesse em celebração de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e Paraguai de 1987, consistente na implementação conjunta e coordenada de projeto de construção de uma infraestrutura/empreendimento sobre a linha de fronteira entre os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. O Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica, de forma justificada e embasada em outros tratados entre o Brasil e o Paraguai, como o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul e o Acordo de Cooperação para a Gestão do Rio Apa. Além disso, a lei brasileira que instituiu o Programa Grande Fronteira excepcionaria a regra non aedificandi vigente entre Brasil e Paraguai. Concomitantemente, para abarcar todas as possibilidades, requerimento ao Comitê de Fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero para que encaminhe solicitação de Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica ao Ministério das Relações Exteriores de ambos os países consistente na implementação conjunta e coordenada de projeto de construção de infraestrutura/empreendimento. Concomitantemente, para abarcar todas as possibilidades, requerimento à Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio Apa, para que encaminhe solicitação de formalização de consentimento ao Ministério das Relações Exteriores para a construção de infraestrutura/empreendimento sobre a linha de fronteira entre Brasil e Paraguai. Em todas as hipóteses, requerimentos ao Ministério das Relações Exteriores, Comitê de Fronteira ou Comissão Mista devem ser instruídos com o consentimento do Conselho de Defesa Nacional. Com o consentimento do Conselho de Defesa Nacional, e com o Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Técnica assinado pelos respectivos ministérios das Relações Exteriores, designando os municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero como organismos responsáveis pela execução do projeto, há a necessidade de encaminhar pedido de licenciamento ambiental, segundo as legislações ambientais brasileira e paraguaia, como também viabilizar o modelo jurídico-administrativo para sua operação. 17. QUESITOS COMPLEMENTARES Da análise dos elementos levantados e da estratégia jurídica proposta surgiram questionamentos na forma de quesitos. Tratam-se de questões adicionais que detalham e aprofundam alguns pontos que embasaram a escolha dos melhores cenários e encontram-se descritos em sua íntegra no Anexo 3. 63 18. O PROCESSO PARA ESCOLHA DO MELHOR CENÁRIO A escolha do melhor Cenário se deu por meio de um processo participativo e da adoção de metodologia que considerou a ponderação dos eixos de sustentabilidade confrontados com parâmetros impostos para a elaboração dos cenários. O melhor cenário aplicável será aquele que obtiver o maior número de pontos após a aplicação dos pesos aos parâmetros. 18.1 Processo participativo Foi criado um Grupo Técnico Local, formado por representantes dos Municípios de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, do Estado do Mato Grosso do Sul e do Departamento de Amambay, para acompanhar os trabalhos, com vistas a possibilitar o reconhecimento da situação dos resíduos sólidos na região em seus aspectos técnicos, sociais e jurídicos, e, também, contribuir para a concepção do modelo de gestão pretendido. Inicialmente foi realizada uma oficina de capacitação e de integração entre as equipes IBAM e GT Local para introdução ao estudo e o estabelecimento das bases de trabalho, seguido de reuniões e visitas técnicas que resultaram no diagnóstico participativo de percepção, na modelagem dos parâmetros aplicáveis ao modelo de gestão conjunta dos resíduos sólidos e, por fim, na escolha do melhor cenário. 18.2 Definição da ordem de prioridade dos parâmetros Os eixos de sustentabilidade estabelecidos – pertinência, eficiência e eficácia – serão analisados com base nos parâmetros e seu grau de importância (prioridade) na estrutura dos Municípios (Quadro 16). A esses eixos será atribuído um peso e um valor correspondente ao atendimento dos parâmetros utilizados – total, parcial ou não atende (Quadro 17). Quadro 16. Priorização dos critérios de seleção de áreas Parâmetros Prioridade Peso Jurídicos 1 10 Ambientais 2 8 Técnicos 3 6 Sociais 4 4 Econômicos 5 2 64 Quadro 17. Atendimento aos parâmetros Atendimento aos parâmetros Peso T – Total 100% P – Parcial 50% N – Não atende 0% 18.3 Definição do melhor Cenário Como resultado das reuniões realizadas com o Grupo Técnico Local, nos dias 17 e 18 de outubro de 2012, com o objetivo de analisar os parâmetros jurídicos, técnicos, sociais e econômicos levantados, e discutir as implicações e oportunidades que possibilitariam a concepção do cenário mais adequado para a gestão dos resíduos sólidos junto aos Municípios de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, o Cenário IV recebeu a maior pontuação. Este Cenário reflete o melhor modelo em relação a pertinência, eficiência e eficácia e propicia a gestão conjunta dos resíduos sólidos nesses Municípios. Após uma análise preliminar por parte do GT Local, os Cenários I e II foram excluídos por não agregarem inovação aos serviços de manejo dos resíduos sólidos, tornando-se foco da aplicação da metodologia os Cenários III e IV, conforme demonstra o Quadro 18. Quadro 18. Síntese da pontuação para a escolha do melhor Cenário Prioridade Ambientais Técnicos Sociais Econômico Jurídicos Ambientais Técnicos Sociais Econômico Cenário IV Jurídicos Cenário III Peso total correspondente 10 8 6 4 2 10 8 6 4 2 5 4 3 2 1 5 8 6 4 2 5 4 3 2 0 5 8 6 4 2 5 4 6 2 1 5 8 6 2 2 15 12 12 6 2 15 24 18 10 6 Eixos T – 100% Pertinência P – 50% N – 0% T – 100% Eficácia P – 50% N – 0% T – 100% Eficiência P – 50% N – 0% Soma Pontuação final 47 73 65 Diante do Cenário IV escolhido, da real possibilidade de empreender um modelo conjunto e para dar continuidade às atividades necessárias, foi elaborado um memorando de entendimento (Anexo 4) firmado pelos respectivos gestores municipais, com ciência do gestor eleito do município de Ponta Porã, e ratificado pelos órgãos ambientais dos Estado/Departamento. Este documento leva adiante as tratativas entre os Municípios para viabilizar a gestão conjunta de um Complexo para Tratamento dos Resíduos Sólidos na Faixa de Fronteira. 19. COMPLEXO PARA TRATAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS O conceito existente na necessidade da elaboração de um complexo plano conjunto voltado à gestão integrada de resíduos sólidos, conforme apresentado no Cenário IV, é o da integração dos municípios gêmeos ou na linha de fronteira, de forma a estabelecer e aprimorar a gestão dos resíduos sólidos, o que engloba todas as condicionantes envolvidas no processo e possibilita um desenvolvimento uniforme e harmônico entre os entes. A finalidade é atingir os objetivos propostos, adequados às necessidades e características das comunidades, traduzida no contexto comum dos municípios de fronteira. Neste contexto encontram-se inseridas as diretrizes para a coleta convencional e a coleta seletiva de resíduos que deverão ser efetuadas em uma mesma estrutura operacional, planejada de forma a atender concomitantemente aos dois municípios. O tratamento biológico de resíduos, contudo, só faz sentido quando inserido no contexto da gestão integrada dos mesmos. O complexo para o tratamento dos resíduos sólidos proposto para receber e tratar os resíduos gerados em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero deve contar com uma infraestrutura mínima capaz de cuidar das tipologias de resíduos gerados de forma a minimizar os impactos na saúde pública e ao meio ambiente provocados pela gestão e tratamento inadequado dos mesmos. O Complexo, portanto, deve conter no mínimo: Local para recebimento de resíduos (administrativo/recepção) – A recepção dos resíduos sólidos coletados deve ser realizada em portaria/guarita do Complexo. A operação de recepção de resíduos é a operação de inspeção preliminar, durante a qual os veículos coletores, previamente cadastrados e identificados, são vistoriados e pesados. Neste local, devem ser verificadas e registradas a origem, a natureza e a classe dos resíduos que chegam ao empreendimento e os motoristas precisam receber orientações quanto à unidade na qual os resíduos devem ser descarregados de modo a impedir que sejam lançados resíduos incompatíveis com as características do empreendimento ou provenientes de fontes não autorizadas. Local para tratamento primário – Por tratamento primário de resíduos sólidos entende-se a operação de segregação dos materiais oriundos da coleta seletiva. A coleta seletiva é o processo pelo qual os resíduos sólidos são recolhidos 66 separadamente, a princípio em dois tipos: o orgânico (resíduo úmido/compostável) e o inorgânico (resíduo seco/reciclável). Os materiais orgânicos coletados devem ser encaminhados à zona de compostagem e os materiais secos recicláveis encaminhados para zonas de triagem. Zonas de triagem – Galpão preparado para a triagem e acumulação/enfardamento dos materiais recicláveis. Zonas de compostagem – Local específico para que ocorra o tratamento biológico de resíduos. Cabe ressaltar que o tratamento biológico de resíduos, contudo, só faz sentido quando inserido no contexto da gestão integrada dos mesmos. Depósito para resíduos volumosos – Os resíduos volumosos coletados devem ser estocados em locais específicos para propiciar a sua recuperação e/ou restituição aos seus responsáveis. Posto de coleta de pneus – Posto de coleta e acumulação de pneumáticos inservíveis deverá ser projetado de forma a possibilitar que os mesmos sejam coletados para recuperação ou reciclagem por seus responsáveis. Locais para destinação de animais mortos – As carcaças de animais mortos devem ser encaminhadas a locais seguros. Para tanto, o complexo deverá contar com um local para recebimento e destinação destes resíduos. Local para recebimento e tratamento de resíduos de serviços de saúde – Os resíduos provenientes das unidades de prestação de Serviços de Saúde (RSS) são aqueles gerados em qualquer unidade que execute atividades de natureza médico-assistencial humana ou animal; os originados em centros de pesquisa, desenvolvimento ou experimentação na área de farmacologia e saúde; medicamentos e imunoterápicos vencidos ou deteriorados, os provenientes de necrotérios, funerárias e serviços de medicina legal e os procedentes de barreiras sanitárias, entre outros classificados. O tratamento de RSS é o “conjunto de unidades, processos e procedimentos que alteram as características físicas, físico-químicas, químicas ou biológicas dos resíduos, podendo promover a sua descaracterização, visando à minimização do risco à saúde pública, à preservação da qualidade do meio ambiente, à segurança e à saúde do trabalhador”. A codisposição dos resíduos de serviços de saúde classificados como Grupo A (com risco biológico, pós-tratamento), Grupo B (no estado sólido e sem periculosidade) e Grupo D (comuns) pode ser efetuada em conjunto com os resíduos comuns, desde que atendam ao disposto na referida Resolução. Os demais resíduos devem ser tratados com tecnologia apropriada. Áreas para estocagem e processamento de resíduos da construção civil – A disposição inadequada de resíduos é uma das principais causas da degradação do meio ambiente, com potencial de afetar a qualidade de vida da população, os serviços dos ecossistemas e a disponibilidade de recursos naturais. Os resíduos oriundos das atividades da construção civil não são exceção, e podem se tornar parte deste problema caso não sejam gerenciados corretamente. Além disso, a gestão inadequada desses materiais representa um grande desperdício 67 econômico, visto que estes não só constituem a maior fração em massa dos resíduos gerados nas cidades, como, em muitos casos, são compostos em grande parte por material passível de reciclagem ou reaproveitamento. Aterro sanitário – Conforme a NBR 8419/1992, da ABNT, aterro sanitário é uma técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo (rejeitos em função da PNRS), sem causar danos à saúde pública e ao meio ambiente, minimizando os impactos ambientais. Tal método utiliza princípios de engenharia para confinar os rejeitos à menor área possível e para reduzí-los ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada trabalho, ou em intervalos menores, se necessário. Este método de disposição final dos resíduos deve contar com todos os elementos de proteção ambiental: sistema de impermeabilização de base e laterais; sistema de recobrimento diário e cobertura final; sistema de coleta e drenagem de líquidos percolados; sistema de coleta e tratamentos dos gases; sistema de drenagem superficial; sistema de tratamento de líquidos percolados; e sistema de monitoramento. Além dessas exigências técnicas estruturais e construtivas é necessário avaliar as probabilidades de impacto local e sobre a área de influência do empreendimento e se há a necessidade de buscar medidas para mitigá-los. Embora consistindo numa técnica simples, os aterros sanitários exigem cuidados especiais, e procedimentos específicos devem ser seguidos desde a escolha da área até a sua operação e monitoramento. Área de convivência e capacitação – A valorização dos profissionais que atuam no CTRS e o bom relacionamento com a comunidade devem ser priorizados pelo empreendimento. Para isso, deve ser prevista a criação de um espaço para a capacitação continuada dos trabalhadores e para promover a articulação institucional que facilite a interface com a população e com potenciais parceiros. 68 Figura 15. Complexo para Tratamento dos Resíduos Sólidos As localizações das instalações mínimas do complexo são apenas ilustrativas e devem necessariamente respeitar as normativas nacionais e internacionais para sua construção e localização. 20. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO DO EMPREENDIMENTO SOBRE A LINHA DE FRONTEIRA O presente estudo apresenta uma alternativa jurídica para a operação de um aterro sanitário sobre a linha de fronteira, com base em regras de direito administrativo para o caso brasileiro. A partir do momento em que a instalação de um aterro sanitário sobre a linha de fronteira é aprovada é necessário que sua operação seja viabilizada juridicamente e, então, há duas situações possíveis: 1) formação de empresa binacional, no caso do Cenário IV; e 2) formação de empresa pública municipal responsável pela atividade do aterro, no caso dos Cenários I, II e III. 69 20.1 Formação de empresa binacional A formação de uma empresa binacional está relacionada à viabilização de uma execução e administração conjunta do projeto entre o Brasil e o Paraguai. A forma desta empresa seria similar à que foi realizada no caso de Itaipu, cujo tratado firmado entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai para aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná criou a Itaipu Binacional17. Ainda sobre a criação de uma empresa binacional é importante destacar as seguintes etapas: a definição e as características de empresa binacional, bem como um exemplo de empresa binacional como a Itaipu. A empresa binacional é um modelo empresarial que poderá ser adotado para a administração do empreendimento pertencente a duas nações. Além do tratado para criar a binacional é preciso redigir um estatuto para prever a denominação, o objeto e a duração da entidade, o seu capital e a sua administração por meio, por exemplo, de um Conselho de Administração e de uma Diretoria Executiva. Cabe ressaltar que a empresa pública binacional pode ter personalidade outorgada de acordo com a legislação própria de um dos países membros, mas com a obrigação de reconhecimento pelo outro país estabelecido no próprio tratado constitutivo18. Além disso, a sua nacionalidade pode ser de um dos países partes ou de todos. Uma das principais vantagens da empresa binacional é a maior facilidade de receber financiamento, pois esse instrumento evita a concessão de empréstimos separados a cada governo ao mesmo tempo em que simplifica a supervisão da utilização dos fundos19. A Itaipu Binacional é, mais uma vez, um bom exemplo. A negociação para a sua constituição tratou, em atas e em notas diplomáticas, sobre as cláusulas necessárias para um tratado de cooperação para o aproveitamento hidrelétrico. Foram abordados diversos aspectos sobre responsabilidade, tributação, abertura de crédito, garantia de créditos, competência para celebrar contratos e designação de representantes. 17 Tratado internalizado no Brasil pelo Decreto legislativo 23 de 1973. 18 SARAVIA, Enrique J. “As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América Latina: aspectos jurídicos e administrativos”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 12 (4), 1978, p. 252. 19 SARAVIA, Enrique J. “As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América Latina: aspectos jurídicos e administrativos”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 12 (4), 1978, p. 262. 70 Para a composição societária da empresa20, que compreende a Eletrobrás (sociedade de economia mista) e a Ande (entidade autárquica) com igual participação no capital21, foram designadas no tratado: as autoridades competentes para a administração da binacional22; o foro competente para a solução de controvérsias 23 ; as normas para a utilização equitativa de mão de obra brasileira e paraguaia e os equipamentos e materiais disponíveis nos dois países; as normas referentes à tributação; a compra e venda dos produtos; e os dispositivos referentes à responsabilidade civil e penal dos dirigentes administrativos e empregados da entidade. A empresa binacional a ser constituída para realizar a atividade compartilhada do aterro poderá ser formalizada da mesma forma que a Itaipu Binacional, ou seguir outras estruturas societárias que possam ser adequadas aos interesses das partes. 20.2 Formação de empresa pública municipal A criação da empresa pública municipal depende de prévia lei autorizativa municipal (art. 37, XIX, CF/1988), devendo o processo legislativo ser iniciado pelo chefe do Poder Executivo (prefeito). Deve-se verificar, ainda, se a legislação municipal de Ponta Porã contém normas específicas relativas à criação de empresas estatais locais. É preciso cuidar também da justificativa para a criação dessa empresa, que poderia ter como base a prestação de serviço público local (tratamento e disposição de resíduos sólidos). A prestação de serviços ao cliente paraguaio é uma operação que, em princípio, terá de ser lucrativa, sob pena de os administradores e o controlador da estatal ficarem expostos a questionamentos, com base na legislação societária e administrativa, por estarem utilizando recursos que na origem eram públicos (o capital investido na estatal) para subsidiar serviços em país vizinho ou, ainda, não estarem tomando decisões “no melhor interesse da companhia”. A função social presente na destinação apropriada dos resíduos sólidos em área de fronteira pode ser uma justificativa para minimizar esse risco que, no entanto, não pode ser de todo afastado, especialmente em caso de operação deficitária. Além disso, é preciso considerar que esta solução apresenta limitações como: (i) o fato de não promover a gestão integrada entre Brasil e Paraguai, pois o gerenciamento ficará 20 Ver sobre o tema: CAVALCANTI, José Costa. “A Itaipu binacional: um exemplo de cooperação internacional na América Latina”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 10 (1), 1976, p. 19-68; SARAVIA, Enrique J. “As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América Latina: aspectos jurídicos e administrativos”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 12 (4), 1978, p. 245-265; BETIOL, Laércio. Itaipu: modelo avançado de cooperação internacional na Bacia do Prata. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1983; CAUBET (C.G.). As grandes manobras de Itaipu: energia, diplomacia e direito na Bacia do Prata. São Paulo: Acadêmica, 1989; ALMEIDA, Heloisa Helena de. As empresas binacionais e sua efetividade na liberdade de estabelecimento no MERCOSUL. Portugal: Scientia Iuris, 2012, Vol.4(0). 21 Art. III, parágrafo 1º. 22 Art. IV, parágrafo 1º. 23 Art. XIX. 71 unicamente com o Brasil; (ii) depender de o lado paraguaio contratar a empresa brasileira, o que não é possível assegurar; (iii) continuar trabalhando com a lógica da existência de aterro sanitário titulados por pessoas jurídicas distintas, o que dificulta a adoção de uma política unificada de disposição de resíduos; (iv) depender de negociação do prazo de vigência do contrato; (v) e a empresa pública municipal de Ponta Porã ficar sujeita ao risco de inadimplemento do “cliente paraguaio” (o que, eventualmente, poderia ser mitigado mediante a exigência de garantias contratuais). Por fim, deve ser analisado, desde a perspectiva da legislação paraguaia, se haveria qualquer impedimento para a contratação direta da empresa pública municipal de Ponta Porã. Esta é uma sugestão inicial que, evidentemente, poderá ser objeto de maior aprofundamento caso seja considerada uma possibilidade interessante para a viabilização do empreendimento. Deve ser ressaltado, ainda, que a localização aterro em solo brasileiro ou paraguaio suscita regras de movimento transfronteiriços de resíduos analisadas em tópico próprio no presente trabalho. 21. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL Resolvidas as regras de operação do aterro sanitário sobre a linha de fronteira, com identificação do órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta responsável pelo empreendimento, há a necessidade de encaminhamento, no lado brasileiro, de pedido de licença ambiental prévia ao Ibama. A Lei Complementar 140/2011 estabelece em seu art. 7º, inc. XIV, “ser ação administrativa da União, promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe.” Segundo o art. 8º, da Res. Conama 237/1997, a licença ambiental prévia é necessária para aprovação da localização e concepção do empreendimento, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de implementação do projeto. Trata-se, portanto, da aprovação da viabilidade ambiental do projeto, sem prejuízo das demais licenças: licença de instalação e de operação. O processo de licenciamento ambiental deverá ser coordenado com a autoridade ambiental competente do lado paraguaio para evitar ineficiências e decisões conflitantes. Entretanto, se a opção for por dois aterros sanitários distintos, em princípio, o “aterro brasileiro” seria objeto de licenciamento ambiental pelo Ibama, e o “aterro paraguaio” pelo ente paraguaio competente, a Secretaria Del Ambiente (Seam). Essa duplicidade de licenciamentos seria prejudicial tanto pela disparidade de exigências que podem ser feitas pelas entidades brasileiras e paraguaias, bem como pela diferença no tempo de tramitação e aprovação do licenciamento. A aprovação do local do empreendimento sobre a linha de fronteira também é um requisito indispensável para a viabilidade ambiental do projeto. Juridicamente, se o empreendimento for aprovado sobre a linha de fronteira, é possível sustentar a inexistência de fluxo ou movimento transfronteiriço de resíduos. Conforme ressaltado anteriormente, há dois elementos relevantes para a análise jurídica conduzida no 72 presente trabalho: localização e fluxo de resíduos. Com a localização aprovada, para que haja viabilidade ambiental do projeto e, portanto, legal, não pode haver fluxo de resíduos entre ambos os países. Os resíduos gerados no Brasil devem entrar no aterro pelo lado brasileiro. Os resíduos gerados no Paraguai devem entrar no aterro pelo lado paraguaio. Esta solução permite que Ponta Porã e Pedro Juan Caballero se consorciem com outros municípios dos seus respectivos países para que possam receber resíduos e, com isso, viabilizar economicamente a gestão do aterro. As regras de movimento transfronteiriço de resíduos no Brasil são pautadas pela Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, promulgada pelo Decreto 875/1993. A construção do aterro sanitário sobre a linha de fronteira evita a aplicação deste convenção (Convenção de Basiléia). Se houver a necessidade de transporte dos resíduos de qualquer categoria, perigosos ou não, aplica-se o disposto na Convenção de Basiléia.24 Na hipótese de um aterro sobre a linha de fronteira ser inviabilizado, as consequências jurídicas para que seja possível implementar um sistema de gestão conjunta do aterro construído em qualquer lado da fronteira são severas e podem impedir o projeto. Em ambos os cenários, com aterro no Paraguai ou no Brasil, haverá a necessidade de envolvimento de autarquias federais para regulamentar o movimento entre os países. No caso brasileiro, haveria ainda uma restrição aos resíduos perigosos, de acordo com o art. 49 da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, regulamentada pela Res. Conama 452/2012. As duas normas proíbem a importação de resíduos sólidos. O art. 49, da PNRS determina ser “proibida a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação.” A proibição de importação de resíduos perigosos é reafirmada pelo art. 3º, da Res. Conama 452/2012, assim classificados como “Classe I”. Para “outros resíduos”, a proibição persiste, salvo “os casos previstos em acordos bilaterais firmados pelo Brasil.” (art. 4º, § único, da Res. 452/2012). Para os cenários em que o aterro é construído integralmente no Paraguai ou no Brasil, há movimento transfronteiriço de resíduos. Pela análise da legislação nacional, confrontada com a internacional, a viabilização ambiental da construção de um aterro em qualquer um desses cenários depende de acordo bilateral específico entre Brasil e Paraguai, com 24 É importante destacar que a referido acordo internacional não proíbe a importação/exportação de resíduos. Impõe critérios que devem ser observados. O caso de gestão conjunta para área de fronteira não é especificamente tratado, mas pode ser encaixado na hipótese prevista pelo art. 4º, § 2º, alínea “h”, que determina que “as Partes devem cooperar com outras Partes e organizações interessadas em atividades, diretamente e através do Secretariado, inclusive divulgando informações sobre o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos, com o objetivo de aprimorar a administração ambientalmente saudável desses resíduos e impedir o tráfico ilegal”. A conclusão é a de que se o Estado de importação permitir o movimento transfronteiriço dos resíduos e zelar pela proteção do meio ambiente, não parece haver qualquer problema, uma vez que estaríamos diante de um movimento lícito de resíduos. Tal conclusão, inclusive, está em perfeita consonância com o art. 4º, § 2º, alínea “d”, da Convenção de Basiléia. 73 envolvimento de diferentes órgãos e autarquias federais. Pela Convenção de Basiléia, há a possibilidade de entendimentos entre autarquias federais de ambos os países para autorizar o movimento e a gestão. Pela legislação interna do Brasil, há a necessidade de acordo bilateral específico. 74 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ACORDO de cooperação técnica entre o Brasil e o Paraguai de 1987. [S.l.: s.n.], [1987]. ALMEIDA, Heloisa H. As empresas binacionais e sua efetividade na liberdade de estabelecimento no Mercosul. v.4 Portugal: Scientia Iuris, 2012. BETIOL, Laércio. Itaipu: modelo avançado de cooperação internacional na Bacia do Prata. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983. BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 88.589, de 2 de Agosto de 1983. Brasília: A Câmara, 1983. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Lista dos municípios de faixa de fronteira. Disponível em: <http://www.mi.gov.br/programas/programasregionais/faixa/municipios.asp?area=spr_fronteira>. Acesso em: mar. 2014. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais. Decreto n. 4911/1872. Promulga o tratado de limites entre o Império do Brasil e a República do Paraguai. Brasília: DAI, [1982]. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atosinternacionais/bilaterais/1872/b_109/>. Acesso em: abr. 2014. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA n. 452/2012: Dispõe sobre os procedimentos de controle da importação de resíduos, conforme as normas adotadas pela Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito. Brasília: Conselho Nacional do Meio Ambiente, 2012. BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar n. 140/2011: Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília: Casa Civil, 2011. __________. Lei n. 12.305/2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília: Casa Civil, 2010. __________. Lei n. 10.466/2002. Dispõe sobre o Programa Grande Fronteira do Mercosul. Brasília: Casa Civil, 2002. __________. Lei n. 8.183/1991. Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1991. __________. Lei n. 6.938/1981. Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília: Casa Civil, 1981. __________. Lei n. 6.634/1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1979. __________. Decreto n. 893/1993. Aprova o Regulamento do Conselho de Defesa Nacional. Brasília: Casa Civil, 1993. 75 __________. Decreto n. 85.128/1980. Aprova o Regulamento da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional. Brasília: Casa Civil, 1980. __________. Decreto n. 875/1993. Internaliza a Convenção de Basiléia e promulga o texto da Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito. Brasília: Casa Civil, 1993. __________. Decreto n. 5.208/2004. Promulga o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul. Brasília: Casa Civil, 2004. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Decreto Legislativo n. 112 de 2008. Aprova o texto de acordo de Cooperação entre o Brasil e o Paraguai para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia do Rio APA, celebrado em Brasília em 11 de setembro de 2006. Brasília: Senado Federal, 2008. CAVALCANTI, José Costa. A Itaipu binacional: um exemplo de cooperação internacional na América Latina. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, 1976, p. 19-68. CAUBET, C.G. As grandes manobras de Itaipu: energia, diplomacia e direito na Bacia do Prata. São Paulo: Acadêmica, 1989. CASELLA, Paulo Borba. Direito internacional dos espaços. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 117-151. COMISIÓN INTERINSTITUCIONAL ZONA DE SEGURIDAD FRONTERIZA (Paraguay). Ley 2532/05. Zona de seguridad fronteriza de la República del Paraguay CIZOSEF. Asunción, Paraguay : Comisión Interinstitucional Zona de Seguridad Fronteriza (CIZOSEF), Ministerio de Defensa Nacional, [2006]. CONGRESO DE LA NACION PARAGUAYA. Ley n° 2647/2005. Modifica el articulo 3° de la ley n° 2532 del 17 de febrero de 2005 que establece la zona de seguridad fronteriza de la republica del Paraguay. [Paraguay]: Congresso de la Nacion Paraguaya, 2005. CONGRESO DE LA NACION PARAGUAYA. Ley n. 3.966/10. Orgánica municipal de las funciones municipales. [Paraguay]: Congresso de la Nacion Paraguaya, 2010. PARAGUAY. Ley n. 2532/05. Establece la zona de seguridad fronteriza de la republica del Paraguay. Estabelece-se Zona de Seguranc a Fronteiric a a faixa de 50 km adjacente as linhas de fronteira terrestre e fluvial dentro do território nacional. [Paraguay: s.n.], [2005]. RESEK, José Francisco. Direito internacional público. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 162. Resolução MERCOSUL/GMC/Res n. 30/2007 SARAVIA, Enrique J. As empresas públicas binacionais de energia elétrica na América Latina: aspectos jurídicos e administrativos. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, 1978. VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 225. 76 ANEXOS 77 ANEXO 1 – LISTA DOS MUNICÍPIOS NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA Disponível em: http://www.mi.gov.br/programas/programasregionais/faixa/municipios.asp?area=spr_front eira ANEXO 2 – RESOLUÇÃO MERCOSUL/GMC/RES N. 30/2007 Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/pdf/GMC_RES_2007_030.pdf ANEXO 3 – QUESITOS COMPLEMENTARES Esses quesitos complementares são incorporados ao estudo jurídico para efeitos de complementação e esclarecimentos adicionais. Eles foram reorganizados, segundo os pontos levantados, inclusive com nova redação para que se adequem à formatação do presente estudo, listados e respondidos, conforme segue: A viabilidade jurídica do projeto foi tomada como pressuposto do estudo. A justificativa apresentada para essa conclusão preliminar foi a constatação da existência de um shopping center construído sobre a Faixa de Fronteira. A conclusão preliminar sobre a viabilidade jurídica do projeto como pressuposto, não corresponde com a complexidade normativa que recai sobre a construção de um aterro sanitário. Foram apresentados quatro cenários técnicos – operacionais. No Cenário IV, o mais desejado do ponto de vista técnico, o aterro é proposto para a linha de fronteira. A comparação com um shopping center é inadequada. Trata-se de empreendimento com natureza jurídica ambiental totalmente distinta de um aterro sanitário. As regras aplicáveis ao aterro sanitário são muito diferentes daquelas aplicáveis a um shopping center. A conclusão contida no presente parecer de ser "plenamente possível" construir um aterro sanitário sobre a linha de fronteira não foi tomada como pressuposto. Pelo contrário, surgiu após a análise detalhada de regras e normas nacionais (brasileiras) e internacionais. No entanto, a conclusão depende de estudo das normas paraguaias e de elementos políticos que escapam ao escopo da presente análise. Há regras non aedificandi que só podem ser contornadas com vontade política. Vontade política é fator alheio à conclusão jurídica. Por se tratar de entendimento entre Estados soberanos é juridicamente possível excepcionar a regra. A viabilidade jurídica não pode ser tomada como "pressuposto". A preferência técnica - operacional pelo Cenário IV foi confirmada juridicamente pela análise dos Cenários I, II e III. Nos três primeiros cenários há movimento transfronteiriço de resíduos. Este fato produz obstáculos jurídicos para a instalação de aterro de um ou de outro lado da fronteira. Como os Cenários I, II e III foram listados por documento técnico – operacional, foram também objeto de análise jurídica pelo presente parecer. 78 Há uma desqualificação técnica – operacional, considerando aspectos ambientais e sociais, dos Cenários I, II e III. Em quesito complementar, foi indicado que se a solução fosse pela duplicidade de infraestrutura, não haveria porque realizar estudos de solução técnica e operacional. E que, por isso, não poderiam ser válidas as recomendações jurídicas para cenários de duplicação de infraestrutura (especificamente, Cenários I, II e III). O parecer não sugere ou indica como melhor opção jurídica a duplicação de infraestrutura. Pelo contrário, parte da premissa de que o melhor cenário técnico e operacional é, de fato, o Cenário IV. Porém, como os Cenários I, II e III foram submetidos ao exame jurídico, o parecer não se furtou de analisa-los. E, ao assim proceder, ponderou a viabilidade jurídica com possíveis dificuldades e desafios políticos. Nos Cenários I, II e III apresentados, o fator político tem menor influência, considerando a duplicidade de infraestrutura e de mecanismos de gestão. Nesses cenários, foi pressuposto graus diferentes de harmonização e integração de políticas de gestão de resíduos sólidos. Juridicamente isso é possível, conforme apresentado em análise individualizada para cada um dos Cenários. A construção de dois aterros aparece em três dos quatro cenários. A questão levantada neste quesito sugere um outro cenário: sistemas de gestão completamente independentes e sem nenhum grau de harmonização ou integração de políticas. Isso não apareceu em nenhum dos cenários submetidos à análise jurídica. Os Cenários I, II e III delimitados pela análise técnica operacional apresentaram três distintas possibilidades: política de gestão harmonizada, integrada ou inspirada em modelo europeu (Cenários I, II e III, respectivamente). Juridicamente são cenários muito distintos e com efeitos diversos. Este terceiro quesito complementar indica a necessidade de apresentação de melhores e piores cenários para embasar deliberações de gestores municipais. A indicação de alternativas de melhores ou piores cenários é decisão executiva e de governança que deve avaliar: 1) a melhor solução técnica – operacional; 2) a viabilidade jurídica dos diferentes cenários; e 3) as dificuldades e desafios políticos dos diferentes cenários. A análise jurídica conduzida neste parecer indica a viabilidade jurídica para os quatro cenários apresentados. Entende que a melhor solução técnica e operacional é a construção de uma única infraestrutura de gestão de disposição final de resíduos. De acordo com essa delimitação de melhor cenário técnico operacional, a análise jurídica considerou três possibilidades geográficas: 1) infraestrutura única no Paraguai; 2) infraestrutura única no Brasil; e 3) infraestrutura única sobre a linha de fronteira. O parecer concluiu que a melhor solução jurídica é, de fato, a de construção de aterro sobre a linha de fronteira, assumindo que barreiras e obstáculos políticos possam ser superados. Os dois primeiros cenários (I e II) implicam em movimentação transfronteiriça de resíduos e que, portanto, apresentam sérios obstáculos jurídicos em normas internas (Brasil) e internacional. Essas barreiras normativas foram objeto de análise do parecer jurídico. Sobre o terceiro cenário (III), a de construção de aterro sobre a linha de fronteira, há viabilidade jurídica, conforme análise constante de tópico próprio no presente parecer, mas ela é dependente de fatores políticos, a saber: 1) exceção de regra non aedificandi; 2) aceitação pelo Conselho de Defesa Nacional; 3) manifestação de interesse do 79 Ministério de Relações Exteriores; e 4) fatores políticos ligados a fatores jurídicos do lado paraguaio. Quais seriam as implicações caso os Municípios resolvam implementar o Cenário IV de forma conjunta? Quais as possibilidades jurídicas para avançarem desta forma e quais as dificuldades projetadas? Quais seriam as soluções neste âmbito e as propostas para tornar mínimo o dano, caso haja? As implicações jurídicas para que os Municípios implementem o Cenário IV de forma conjunta são aquelas analisadas no item 15.4 do presente estudo. Observado os procedimentos nele listados, as implicações deixam de ser jurídicas e passam a depender de fatores políticos. São procedimentos jurídicos que dependem de manifestações do Conselho de Defesa Nacional, Ministério de Relações Exteriores e pelo processo de licenciamento ambiental junto ao IBAMA e à SEAM, órgão competente no Paraguai. Sobre as alternativas existentes para minimizar possíveis danos ambientais, apenas a avaliação de impacto ambiental é que pode produzir informações precisas e suficientes para que medidas de mitigação e compensação possam ser analisadas juridicamente. Trata-se, porém, da fase de licenciamento e que, no plano jurídico, pressupõe que as etapas perante o Conselho de Defesa Nacional e Ministério de Relações Exteriores estejam satisfeitas. Em que o Estado e o Departamento poderiam estar comprometidos? Caso a decisão sobre a implementação do modelo parta dos dois Estados ela é possível? Caso não seja possível, o que deve ser feito para possibilitar? O Estado, no caso brasileiro, é força política adicional. O Estado, segundo dispõe o art. 23, inc. VI da Constituição Federal, compartilha com a União e com os Municípios a competência para adotar medidas de proteção ambiental. Segundo dispõe o art. 24, inc. VI, também da CF/88, o Estado também compartilha com Municípios (por força da interpretação conjunta do art. 30, incs. I e II, c/c art. 18, ambos da CF/88), competência para legislar de forma supletiva às normas gerais promulgadas pela União, ou de forma plena, na ausência de norma geral federal. A regulamentação da cooperação em matéria constitucional foi feita pela recém promulgada Lei Complementar n. 140/11. Logo, pela análise da competência constitucional executiva e legislativa do Estado, pode o Estado, somando forças com o Município, encaminhar requerimento conjunto, através de sua Procuradoria, ao Conselho de Defesa Nacional e ao próprio Ministério de Relações Exteriores para adoção de diligências necessárias à satisfação dos requisitos legais. No melhor cenário técnico, operacional e jurídico, o IV, em que se propõe a construção de aterro sobre a linha de fronteira, a participação do Estado é facultativa. Recomenda-se envolver o Estado se a disposição política for favorável ao empreendimento. Neste caso, trata-se de força política adicional e que fortalece os requerimentos encaminhados às instâncias políticas. 80 A legislação paraguaia permitira? O que pode ou não pode ser feito no PY? Qual a confluência legislativa? Sobre este quesito adicional, com base no estudo jurídico que desenvolvemos sobre as exigências legais brasileiras e a interpretação que oferecemos das regras internacionais, apenas advogado(a) devidamente habilitado(a) no Paraguai pode opinar sobre a adequação ou harmonização do direito paraguaio. Após levantado o regime de regras e regulamentos paraguaios por profissional devidamente habilitado, a análise deve ser incorporada ao presente estudo, como variável adicional de controle das possibilidades jurídicas paraguaias. Como não se trata de estudo de harmonização de regras brasileiras ou paraguaias, mas de análise de viabilidade jurídica, não há necessidade de estudo propositivo que harmonize regras. Tal iniciativa cumpriria finalidade meramente acadêmica, sem efeito prático ao caso, pois dependeria dos processos legislativos federais de ambos os países. Quem deve encaminhar os requerimentos? Os Municípios? Os Estados? Quanto tempo levaria? Qual o tipo de gerenciamento que as partes teriam no processo? Nenhum? Como faríamos para gerenciar? Pela Constituição Federal do Brasil, o Município ou o Estado podem encaminhar o requerimento, pois desfrutam de competência executiva comum (art. 23, VI, da Constituição Federal de 1988). Sobre o tempo de tramitação do procedimento proposto, não é possível prever. O requerimento pode ser preparado em uma semana pelas procuradorias do Município e do Estado. O tempo de tramitação no Conselho de Defesa Nacional e no Ministério de Relações Exteriores, infelizmente, não é possível estimar. Não há casos paradigmas que possibilitem estudos de análise de estimativa prospectiva de tempo. O gerenciamento jurídico seria feito pelas procuradorias da mesma forma que acompanhamentos judiciais são feitos. O acompanhamento político depende de avaliação de mecanismos que extrapolam o escopo daquilo que juristas estão capacitados ou habilitados a opinar. A força política é fundamental para agilização de processos dessa natureza. Resolvidos os requerimentos de cunho político, o de cunho técnico, processo de licenciamento ambiental perante o IBAMA, pode levar de 1 (um) a 4 (anos), aproximadamente. A nossa avaliação não encontra respaldo em metodologia específica, senão na experiência dos profissionais que subscrevem este estudo com projetos de envergadura semelhante. Somente encaminhar o ajuste complementar não facilitaria? Quais os riscos? Qual a sugestão para minimização desses riscos? O requerimento pode ser encaminhado com uma sugestão de texto do ajuste complementar. Isso facilitaria. Teria que ser negociado entre os Municípios, ou entre os Estados, se eles forem envolvidos. O risco é político: decisão do MRE de não aceitar ou entender que não é o caso de um ajuste complementar. A minimização do risco político, só com mecanismos e instrumentos políticos que não são previsíveis tampouco podem ser estimados por um estudo jurídico. 81 Caso entenda-se pela execução das medidas legais necessárias para viabilizar o Cenário IV, é possível propor uma minuta para deliberação entre os atores públicos e privados envolvidos, antes de apresenta-la como anexo ao requerimento a ser encaminhado ao Ministério de Relações Exteriores. É possível a criação de um consórcio internacional tanto para a gestão quanto para a execução de serviços? Sim. O consórcio internacional se dá mediante a criação de uma empresa binacional, conforme restou analisado no item “20.1”. Nesta modalidade, uma empresa binacional pode ser criada tanto para a gestão quanto para a execução de serviços. O caso de Itaipu é exemplo de empresa binacional para a gestão e para a execução dos serviços. No caso em tela, para gestão e execução de disposição final de resíduos. No licenciamento qual seria a solução proposta para a minimização do dano? Além disso, em sendo dois aterros sanitários distintos, em princípio, o “aterro brasileiro” seria objeto de licenciamento ambiental pelo IBAMA, e o “aterro paraguaio” pelo ente paraguaio competente. Essa duplicidade de licenciamentos seria prejudicial tanto pela disparidade de exigências que podem ser feitas pelas entidades brasileiras e paraguaias, bem como disparidade no tempo de tramitação e aprovação do licenciamento. No licenciamento, a solução para minimização de dano é condicional à avaliação prévia técnica e operacional do empreendimento. Em sendo um aterro sobre a fronteira ou dois aterros, haverá a necessidade de participação do IBAMA e do órgão ambiental paraguaio, necessariamente. O risco jurídico é a disparidade de exigências. Mas isso é algo que todo empreendedor no Brasil já está bastante acostumado a lidar. No Brasil, frequentemente órgãos ambientais da União, dos Estados e dos Municípios interferem nos processos de licenciamento com exigências díspares e, muitas vezes, conflitantes. Juridicamente, a negociação direta com os órgãos ambientais envolvidos resolve e minimiza os riscos de decisões conflitantes. Para o caso de um licenciamento conjunto, entre órgão brasileiro e paraguaio, haveria a necessidade de técnicas semelhantes de harmonização e solução consensual de eventuais normas conflitantes. A Convenção de Basiléia trata apenas de resíduos perigosos, ou também trata de outros tipos de resíduos? Como ficaria a questão frente à Lei 12.305/12? A análise da Convenção de Basiléia só é relevante para os Cenários I, II e III. Esse fato foi ressaltado em tópico próprio, tratando desses cenários. A análise de viabilidade jurídica do Cenário IV, de construção de aterro sobre a linha de fronteira, evitaria a aplicação da Convenção de Basiléia, pois evitaria movimento transfronteiriço de resíduos. De qualquer sorte, a referida convenção trata também de "outros resíduos”. Dependendo da tipologia dos resíduos e do movimento transfronteiriço proposto, aplica-se a Res. CONAMA n. 452/12, citada e analisada pelo parecer, e que foi editada com base na Convenção de Basiléia e na Lei n. 12.305/2010. A Convenção de Basiléia, concluída em 1989 na Suíça, dispõe sobre o controle dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito. A Convenção entrou em vigor em 1992 e o Brasil a ratificou em 1993, através do Decreto nº 875/1993. Em 82 1998, durante a IV Conferência das Partes, houve uma emenda ao Anexo I da Convenção, bem como a incorporação dos Anexos VIII e XIX, o que determinou, por parte do Brasil, a edição do Decreto nº 4.581/2003. O Paraguai, por sua vez, tornou-se membro em setembro de 1995. O principal objetivo da Convenção de Basiléia é a organização do movimento de resíduos sólidos considerados perigosos e outros resíduos. Tal preocupação encontrou fundamento em um crescente tráfico ilícito de resíduos, no qual os países industrializados destinavam seus resíduos perigosos aos países em desenvolvimento. O Governo Brasileiro, ao aderir à Convenção de Basiléia, “se associa a instrumento que considera positivo, uma vez que estabelece mecanismos internacionais de controle desses movimentos - baseados no princípio do consentimento prévio e explícito para a importação e o trânsito de resíduos perigosos -, procura coibir o tráfico ilícito e prevê a intensificação da cooperação internacional para a gestão adequada desses resíduos” (art. 1º, (1), Decreto nº 875/1993). No art. 1º, § 1º, a Convenção determina que serão perigosos os seguintes resíduos objetos de movimento transfronteiriço: (a) resíduos que se enquadrem em qualquer categoria contida no Anexo I, a menos que não possuam quaisquer das características descritas no Anexo III; e (b) resíduos não cobertos pelo parágrafo (a), mas definidos, ou considerados, resíduos perigosos pela legislação interna da Parte que seja Estado de exportação, de importação ou de trânsito25. Para o caso específico de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, vale observar algumas definições trazidas pelo art. 2º da Convenção ora analisada: Por "movimento transfronteiriço" se entende todo movimento de resíduos perigosos ou outros resíduos procedentes de uma área sob a jurisdição nacional de um Estado para ou através de uma área sob a jurisdição nacional de outro Estado ou para ou através de uma área não incluída na jurisdição nacional de qualquer Estado, desde que o movimento afete a pelo menos dois Estados. Por "local ou instalação aprovada" se entende um local ou uma instalação para o depósito de resíduos perigosos e outros resíduos, autorizada ou liberada para operar com esta finalidade por uma autoridade competente do Estado no qual o local ou a instalação esteja localizada. Por “autoridade competente” se entende uma autoridade governamental designada por uma Parte para ser responsável, dentro das áreas geográficas consideradas adequadas pela Parte, para receber a notificação de um movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos, bem como qualquer informação relativa ao mesmo, e para dar resposta a tal notificação, como prevê̂ o Artigo 6. 25 Os Anexos I e III da Convenção de Basiléia podem ser encontrados no seguinte link: http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=7&data=20/07/1993. 83 Por "administração ambientalmente saudável de resíduos perigosos ou outros resíduos" se entende a tomada de todas as medidas práticas para garantir que os resíduos perigosos e outros resíduos sejam administrados de maneira a proteger a saúde humana e o meio ambiente de efeitos nocivos que possam ser provocados por esses resíduos. Por "área sob a jurisdição nacional de um Estado" se entende qualquer área terrestre, marítima ou aérea dentro da qual um Estado exerça responsabilidade administrativa e regulamentadora de acordo com o direito internacional em relação à proteção da saúde humana ou do meio ambiente. Por "Estado de exportação" se entende uma Parte a partir da qual se planeja iniciar um movimento tranfronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos. Por "Estado de importação" se entende uma Parte para a qual se planeja fazer ou se faz efetivamente um movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos com a finalidade de aí depositá-los ou de carregá-los antes de depositá-los numa área não incluída na jurisdição nacional de qualquer Estado. Por "tráfico ilegal" se entende qualquer movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos na forma especificada no Artigo 926. 26 Artigo 9 - Tráfico ilegal: 1. Para os fins da presente Convenção, qualquer movimento transfronteiriço de resíduos perigosos ou outros rejeitos: (a) sem notificação, segundo os dispositivos da presente Convenção, para todos os Estados interessados; ou (b) sem o consentimento, segundo os dispositivos da presente Convenção, de um Estado interessado; ou (c) com o consentimento de Estados obtido por meio de falsificação, descrição enganosa ou fraude; ou (d) que não esteja materialmente em conformidade com os documentos; ou (e) que resulte num depósito deliberado (por exemplo, “dumping”) de resíduos perigosos ou outros resíduos caracterizando violação da presente Convenção e de princípios gerais do direito internacional, será considerado tráfico ilegal. 2. No caso de um movimento transfronteirico de resíduos perigosos ou outros resíduos considerado tráfico ilegal em função da conduta do exportador ou gerador, o Estado de exportação deverá assegurar que os resíduos em questão sejam: (a) levados de volta pelo exportador ou pelo gerador ou, se necessário, pelo próprio Estado para dentro de se território ou, se isto for impraticável, (b) depositados de alguma outra forma de acordo com os dispositivos da presente Convenção, em um prazo de 30 dias a contar da data em que o Estado de exportação foi informado do tráfico ilegal ou em qualquer outro prazo acordado entre os Estados interessados. Para esse fim, as Partes interessadas não deverão se opor, dificultar ou impedir o retorno desses resíduos para o Estado de exportação. 3. No caso de um movimento trans fronteiriço de resíduos perigosos ou outros resíduos considerado tráfico ilegal em função da conduta do importador ou do encarregado do depósito, o Estado de importação deverá assegurar que os resíduos em questão sejam depositados de forma ambientalmente saudável pelo importador ou encarregado do depósito ou, se necessário, pelo próprio Estado de importação em um prazo de 30 dias a partir da data em que o tráfico ilegal tenha chegado ao conhecimento do Estado de importação ou em qualquer outro prazo acordado entre os Estados interessados. Para esse fim, as Partes interessadas deverão cooperar umas com as outras, conforme necessário, no depósito dos resíduos de forma ambientalmente saudável. 4. Nos casos em que a responsabilidade pelo tráfico ilegal não possa ser atribuída ao exportador ou gerador nem ao importador ou encarregado do depósito, as Partes interessadas ou outras 84 O artigo 4º da Convenção traz as obrigações gerais para os Estados-membros. O parágrafo 1º, item (c) diz que “as Partes deverão proibir ou não permitir a exportação de resíduos perigosos e outros resíduos se o Estado de importação não der consentimento por escrito para a importação específica, no caso de o Estado de importação não ter proibido a importação desses resíduos”. Ou seja, a Convenção não proíbe toda e qualquer importação de resíduos, mas apenas aquelas que o Estado de importação não der consentimento. No caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, portanto, desde que as respectivas autoridades competentes autorizem a importação de resíduos, não há vedação jurídica ao movimento transfronteiriço. No caso brasileiro, pelo que dispõe o art. 49 Lei n. 12.305/10, há expressa vedação de importação de “resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação.” Logo, se o aterro for planejado para o lado brasileiro, qualquer recebimento de resíduos paraguaio deverá observar a restrição do referido dispositivo, limitando-se a outras categorias de resíduos. No artigo 4º vale observar também a determinação do parágrafo 2º, item (b): “cada Parte deverá tomar medidas adequadas para: (...) (b) assegurar a disponibilidade de instalações adequadas para o depósito, visando a uma administração ambientalmente saudável de resíduos perigosos e outros resíduos, as quais deverão se localizar, na medida do possível, dentro de seu território seja qual for o local de depósito”. Deste dispositivo podem ser retiradas algumas conclusões. Em primeiro lugar, há uma preocupação com a garantia de instalações adequadas para o depósito de resíduos perigosos, evitando, assim, que estes sejam importados para outros Estados de forma ilícita. A criação dessas instalações deve visar uma administração ambientalmente saudável dos resíduos. Portanto, um dos objetivos em proibir o tráfico ilícito é evitar que o meio ambiente sofra com uma destinação inadequada dos resíduos. Além disso, veja-se que o próprio artigo determina que as instalações adequadas para o depósito dos resíduos deverão se localizar, na medida do possível, dentro do território do Estado-parte. Ou seja, a própria Convenção admite que nem sempre será possível para um Estado-parte criar essas instalações no seu próprio território. É possível, pois, exceções que permitam o movimento transfronteiriço de categorias de resíduos não proibidas por legislações nacionais, se o resultado final almejado for a maior proteção do meio ambiente. Partes, de acordo com a situação, deverão assegurar, por meio de cooperação, que os resíduos em questão sejam depositados o mais rapidamente possível de forma ambientalmente saudável no Estado de exportação, no Estado de importação ou em algum outro lugar considerado adequado. 5. Cada Parte devera implementar uma legislação nacional/interna adequada para impedir e punir o tráfico ilegal. As Partes deverão cooperar umas com as outras para atingir os objetivos deste Artigo. 85 A conclusão da leitura em conjunto dos dispositivos supramencionados é a de que se o Estado de importação permitir e o movimento transfronteiriço dos resíduos zelar pela proteção do meio ambiente, não parece haver qualquer problema, uma vez que estaríamos diante de um movimento lícito de resíduos. Tal conclusão, inclusive, está em perfeita consonância com o item (d) do parágrafo 2º do artigo 4º que determina que as Partes devem “assegurar que o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos seja reduzido ao mínimo compatível com a administração ambientalmente saudável e eficiente desses resíduos e que seja efetuado de maneira a proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos que possam resultar desse movimento”, bem como com o item (h) do mesmo dispositivo: “as partes devem cooperar com outras Partes e organizações interessadas em atividades, diretamente e através do Secretariado, inclusive divulgando informações sobre o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e outros resíduos, com o objetivo de aprimorar a administração ambientalmente saudável desses resíduos e impedir o tráfico ilegal”. Ainda no artigo 4º há outras previsões que permitem concluir pela possibilidade de autorização de alguns casos de movimento transfornteiriço de resíduos. É o caso do parágrafo 7º, item (a), que determina que cada Parte deverá “proibir todas as pessoas sob sua jurisdição nacional de transportarem ou depositarem resíduos perigosos ou outros resíduos, a não ser que essas pessoas estejam autorizadas ou tenham permissão para realizar esse tipo de operações”. Importante observar também que, quando autorizado um movimento transfornteiriço de resíduos, algumas formalidades devem ser observadas: os resíduos devem ser embalados, etiquetados e transportados em conformidade com normas e padrões internacionais (artigo 4º, parágrafo 7º, item (b)) e devem estar acompanhados de um documento de movimento (artigo 4º, parágrafo 7º, item (c)). O parágrafo 9º desse mesmo artigo 4º estabelece alguns critérios que devem ser observados pelas Partes caso haja um movimento transfronteiriço. O item (c) estabelece que será permitido o movimento transfronteiriço que “estiver de acordo com outros critérios a serem acordados pelas Partes, desde que esses critérios não divirjam dos objetivos da presente Convenção”. Ou seja, a própria Convenção dá às partes a liberdade de convencionar o movimento transfronteiriço, desde que este seja convergente com os objetivos da Convenção. O artigo 6º da Convenção de Basiléia determina o procedimento formal que deve ser observado em movimentos transfronteiriços entres Partes. O artigo 9º prevê quais movimentos transfronteiriços serão considerados como tráfico ilegal: “(a) sem notificação, segundo os dispositivos da presente Convenção, para todos os Estados interessados; ou (b) sem o consentimento, segundo os dispositivos da presente Convenção, de um Estado interessado; ou (c) com o consentimento de Estados obtido por meio de falsificação, descrição enganosa ou fraude; ou (d) que não esteja materialmente em conformidade com os documentos; ou (e) que resulte num depósito deliberado (por exemplo dumping) de resíduos perigosos ou outros resíduos caracterizando violação da presente convenção e de princípios gerais do direito internacional”. 86 Em seu artigo 11, a Convenção de Basiléia permite que sejam estabelecidos acordos ou arranjos bilaterais, multilaterais ou regionais no que se refere ao movimento transfronteiriço de resíduos, “desde que esses esquemas ou acordos não derroguem a administração ambientalmente saudável dos resíduos perigosos e outros resíduos exigida pela presente Convenção. Esses acordos ou esquemas deverão estabelecer dispositivos que não sejam menos ambientalmente saudáveis que aqueles previstos na presente Convenção, particularmente levando-se em consideração os interesses dos países em desenvolvimento” (as Partes deverão notificar o Secretariado a respeito de tais acordos, assim como a respeito daqueles firmados antes da entrada em vigor da Convenção – artigo 11, parágrafo 2º). Esse dispositivo na Convenção está alinhado ao procedimento de consulta às instâncias competentes e da necessidade de formalização de acordo específico entre Brasil e Paraguai, que pode, por sua vez, se aproveitar de acordos guarda-chuva, como o Acordo de Cooperação Técnica de 1987. Por último, é importante dizer que o Anexo I traz as categorias de resíduos a serem controlados; o Anexo II as categorias de resíduos que exigem consideração especial; o Anexo III a lista de categorias perigosas; o Anexo IV as operações de depósito; o Anexo VA as informações a serem fornecidas por ocasião da notificação; o Anexo VB as informações a serem fornecidas no Documento de Movimento; o Anexo VIII os resíduos caracterizados como perigosos; e o Anexo XIX os resíduos que não estão acobertados pelo artigo 1o, parágrafo 1o, item (a), a menos que contenham elementos do Anexo I em concentração tal que apresentem características do Anexo III. A Resolução CONAMA n. 452/2012 está alinhada à Convenção de Basiléia, constituindo-se como a materialização normativa sobre o tema na esfera nacional. A mesma análise deve ser feita da normativa paraguaia. Dessa análise, no que diz respeito ao caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, podese concluir que é possível haver um aterro sanitário, seja no território paraguaio seja no território brasileiro, que irá suprir a necessidade de todo o Município, mesmo que para isso tenha de haver um movimento transfronteiriço de resíduos, desde que respeitadas as regras nacionais proibitivas como, no caso brasileiro, as categorias listadas pelo art. 49, da Lei n. 12.305/10. Os acordos internacionais existentes entre BR-PY foram analisados? Acordo em matéria de defesa pode auxiliar na escolha do modelo? Todos os acordos bilaterais entre BR-PY foram analisados. Eles constam de uma lista de mais de 10 páginas publicadas no site MRE. A análise de viabilidade jurídica conduzida no presente parecer foi fortemente inspirada nos acordos analisados. A questão da defesa está na esfera da discricionariedade do Conselho de Defesa Nacional previsto no art. 91, da CF/88. Compete ao CDN a análise discricionária sobre projetos na fronteira. Se o CDN acatará ou não o requerimento, fica por conta de fatores metajurídicos, que extrapolam o escopo da análise de viabilidade jurídica. O objetivo do requerimento ao CDN não é a declaração de que um aterro sanitário seja enquadrado como caso de proteção e defesa ao território nacional. É justamente o contrário. Ou seja, é a declaração de um “nada a opor”, reconhecendo a importância do projeto para a região, descaracterizando-o como questão de defesa nacional que possa 87 inviabilizar o projeto. Por isso, não se aplicam acordos ou ajustes específicos que tratam de projetos de defesa. O Ajuste sobre Cooperação e Intercâmbio de Tecnologia de Saúde entre Brasil e Paraguai poderia ser utilizado para implantação do modelo de gestão conjunta de resíduos sólidos? Se a lei 6.634/79 estabelece o que se pode ou não construir na faixa e um aterro não se relaciona com qualquer atividade proibida, isso não seria o permissível? Dispõe também que a alienação e a concessão de terras públicas em área de fronteira não poderá ultrapassar o limite de 3.000 ha, ou seja, o que esta abaixo desse limite 'e alienável ou sujeito à concessão? Se for assim, ela estabelece que a alienação e concessão de terrenos urbanos estão regidas por legislação especifica. Isso não facilitaria? O referido Ajuste sobre Cooperação e Intercâmbio de Tecnologia de Saúde entre Brasil e Paraguai foi um dos acordos bilaterais examinados na análise exaustiva da lista que consta do site do Ministério de Relações Exteriores. Entendemos não ser aplicável ao caso em tela. O referido ajuste está atrelado ao Acordo Sanitário celebrado entre os dois países, em Assunção, em 16 de julho de 1971. Apesar da gestão integrada e eficiente dos resíduos sólidos ser questão da mais alta relevância para a saúde pública, referido Acordo Sanitário limita o escopo da área de saúde, logo em seus considerandos, para as seguintes áreas: a) erradicação da malária; b) erradicação da varíola; c) o controle da febre amarela silvestre e a vigilância contra a reinfestação pelo Aedes aegypti; d) a hanseníase, a tuberculose, as enfermidades venéreas e outras doenças transmissíveis que necessitem de ação coordenada dos governos de ambos os países; e o controle do uso de estupefacientes, narcóticos e alucinógenos. Nenhuma dessas áreas, ou das disposições que constam do referido Acordo de Cooperação tangenciam ou fazem referência, ainda que indireta, à gestão conjunta de resíduos sólidos. Seria, portanto, uma estratégia muito arriscada, do ponto de vista jurídico, tentar enquadrar a gestão conjunta de resíduos sólidos nesse acordo guarda-chuva, quando há alternativas mais adequadas já analisadas em tópicos próprios no presente estudo. Se o principal (Acordo sobre Cooperação Técnica na Área de Saúde) não está adequado, a mesma sorte recai sobre o acessório, ou seja, o Ajuste sobre Cooperação e Intercâmbio de Tecnologia de Saúde. A interpretação para o Direito não pode se valer de dispositivos isolados selecionados oportunisticamente para viabilizar estratégias pretendidas. Trata-se de lição geral do Direito, a que faz com que dispositivos específicos tenham que ser interpretados sistematicamente, à luz da natureza dos instrumentos que o preveem e em sintonia com as demais normas e regras do regime jurídico aplicável. Exemplo da inadequação do referido Ajuste é a designação do Ministério da Saúde, do lado brasileiro, e do Ministério da Saúde Pública e Bem-Estar Social, do lado paraguaio, como entidades responsáveis pela execução do Ajuste. O Ministério da Saúde carece de competência constitucional e legal para executar ou delegar competência de execução de projeto de aterro sanitário para Municípios com mais de 50 mil habitantes. Sobre as atividades listadas na Lei n. 6.634/79, embora o aterro sanitário não esteja listado expressamente, pode ser considerada, a teor do que dispõe o art. 2o, inc. III, como “estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança 88 Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo.” Referido dispositivo consta da referida lei para ilustrar atividades e empreendimentos que dependem de prévio consentimento do Conselho de Defesa Nacional. A última parte do referido dispositivo serve de embasamento para o requerimento a ser feito ao CDN. Os estabelecimentos ou indústrias que interessam à segurança nacional devem estar listados em decreto do Poder Executivo. A inexistência de decreto listando a atividade de aterro, pode significar dispensa da necessidade de consulta prévia ao CDN. Por que então o parecer sugere a necessidade de consulta prévia ao CDN, se a atividade de aterro sanitário não está listada em decreto como de interesse para a segurança nacional? Trata-se de diligência de precaução para evitar intervenção superveniente que possa impedir a continuidade da execução do projeto. O próprio requerimento ao CDN deve especificar que a atividade não está listada em decreto, mas que o Município de Ponta Porã e o Estado do Mato Grosso do Sul resolvem pela consulta para evitar intervenção posterior que possa prejudicar a execução do projeto. Medida, pois, meramente acautelatória. A alienação ou concessão de uso de áreas em faixa de fronteira não é problema. A própria lei assim dispõe. Não se trata de obstáculo à viabilidade jurídica do projeto. O obstáculo não está na alienação, mas sim na regra non aedificandi analisada em tópico próprio e que deve ser excepcionada por acordo entre os países. Essas regras são posteriores às construções já existentes, podendo estar incluídos nessa categoria os próprios Municípios. Prevalece a regra geral do direito adquirido. Construções municipais urbanas, de médio ou baixo impacto, nos territórios dos respectivos países, ou mesmo sobre a linha de fronteira, não são equiparáveis à natureza do aterro sanitário. A gestão conjunta de resíduos sólidos suscita questões e regras de Direito Internacional, de vontade soberana de Estados. Devem, por cautela, contar com anuência do CDN, e pelo regime jurídico internacional - conforme analisado no presente Estudo -, de acordo ou ajuste específico entre os dois países. 89 ANEXO 4 – MEMORANDO DE ENTENDIMENTO 90 91 92 93