Parecer:
005/2012
Assunto:
Lei Geral da Polícia Civil
Interessado:
Confederação Brasileira dos Policiais Civis.
Sr. Janio Bosco Gandra,
Presidente da Cobrapol,
A Confederação Brasileira dos Policiais Civis solicitou a posição jurídica do Escritório
“Cezar Britto Advogados Associados” acerca do artigo 18 do PL 1949/2007, que
estabelece a Lei Geral da Policia Civil.
Eis o objeto do parecer.
Análise Jurídica.
O artigo 18 do PL 1.949/2007 assim ficou explicitado:
Art. 18 O quadro de pessoal da Polícia Civil será integrado pelos seguintes
cargos, como essenciais para o seu funcionamento:
I - delegado de polícia;
II - investigador de polícia;
III – escrivão de polícia;
1
IV – perito de polícia.
Parágrafo único. As funções dos cargos policiais civis são atividades de risco
permanente, exclusivas de Estado e têm natureza especial, e diferenciada,
jurídica, técnica e científica.
Como é norma editada pelo Congresso Nacional e com incidência sobre todos os entes
da República Federativa do Brasil, a nova lei se caracteriza enquanto legislação nacional.
Nesse sentido, o PL estabelece regras gerais para as polícias civis de cada um dos
estados de todo o território brasileiro.
A base da existência da lei nacional da Polícia Civil é o artigo 24, XVI, em consonância
com o artigo 144, § 7º, da Constituição Federal:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á
a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia
da lei estadual, no que lhe for contrário.
2
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de
suas atividades.
Dentro do regular exercício de sua competência, o PL 1949/2007, de iniciativa do
Presidente da República, apresenta uma estrutura mínima de cargos que deverão compor
a carreira policial civil em cada ente federativo. No caput do artigo 18 a propositura
estabelece os cargos que deverão estar presentes na legislação estadual ou distrital
quando da organização da carreira policial. Em seu §1º, conforme acima explicitado, há a
caracterização do cargo policial enquanto atividade de risco permanente, exclusivo de
Estado, com natureza especial e ainda são utilizados os termos para função “diferenciada,
jurídica, técnica e científica”.
O início do §1º contém uma incongruência legislativa. O conceito de “função” dentro do
Direito Administrativo pode até estar próximo de “atribuição”, mas traz em si a confusão
com outro instituto administrativista que é a “função de confiança”.
A Lei 8.112/90, Estatuto dos servidores públicos federais, por exemplo, se utiliza do termo
“função” para designar o exercício de chefia, assessoramento ou direção por servidores
efetivos da Administração Pública. Vejamos alguns artigos da lei:
Art. 13 (...)
§ 5o No ato da posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que
constituem seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de outro
cargo, emprego ou função pública.
3
Art. 15. Exercício é o efetivo desempenho das atribuições do cargo público ou
da função de confiança.
(...)
§ 2o O servidor será exonerado do cargo ou será tornado sem efeito o ato de
sua designação para função de confiança, se não entrar em exercício nos
prazos previstos neste artigo, observado o disposto no art. 18.
(...)
§ 4o O início do exercício de função de confiança coincidirá com a data de
publicação do ato de designação, salvo quando o servidor estiver em licença ou
afastado por qualquer outro motivo legal, hipótese em que recairá no primeiro
dia útil após o término do impedimento, que não poderá exceder a trinta dias da
publicação.
Art. 19 (...)
§ 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a
regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120,
podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração.
Em outras oportunidades, como no artigo 117 da Lei 8.112, onde estão explicitadas as
proibições dos agentes públicos, a palavra “função” está ligada ao exercício do cargo
público de forma ampla. O texto do estatuto assim indica que é proibido “valer-se do cargo
para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública”.
A grande questão que trilha a análise da técnica legislativa é a redução de duvida quando
da formação do texto legal. No artigo da proposta de lei geral da Polícia Civil, percebe-se
que o emprego da palavra “atribuição” reduz possibilidades de interpretações danosas ao
cotidiano da Administração Pública.
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Sendo assim, nos posicionamos pela troca do termo “função” pela palavra que o Estatuto
dos Servidores Públicos Federais, Lei 8.112/1990, se utiliza para indicar as
responsabilidades do exercício público, conforme exemplo do artigo 3º da citada lei:
Art. 3o Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas
na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
No que diz respeito à definição do cargo da carreira policial estar conceituado enquanto
“cargo técnico e científico” tal questão está intimamente relacionada com a permissão
constitucional exposta no artigo 37, XVI, b, para o acumulo de cargos na Administração
Pública.
Doutrina e jurisprudência não têm interpretação única sobre a questão, uma vez que o
legislador ordinário não definiu o conceito de cargo técnico e cargo científico 1. O que se
sabe pela simples leitura do texto constitucional é que ou o cargo possui natureza técnica
ou possuirá natureza científica.
Diversos precedentes jurisprudenciais costumam tratar o cargo científico como aquele em
que a formação exigida para o seu provimento seja de nível superior, o que demonstraria
pertinência com a matéria já exposta na proposta de lei. Todos os cargos nela
evidenciados estão dispostos para provimento apenas aos cidadãos com essa formação
superior. Sendo assim, a simples conceituação de cargo na qualidade de científico já seria
suficiente para a acumulação lícita com outro cargo de professor, nos termos exigidos
pela Constituição Federal.
Nesse mesmo sentido o posicionamento do Professor José dos Santos Carvalho Filho 2:
1
Conforme a jurisprudência desta Corte: "Cargo científico é o conjunto de atribuições cuja execução tem por finalidade
investigação coordenada e sistematizada de fatos, predominantemente de especulação, visando a ampliar o
conhecimento humano. Cargo técnico é o conjunto de atribuições cuja execução reclama conhecimento específico de
uma área do saber." (RMS 7.550/PB, 6.ª Turma, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ de 02/03/1998.)
(STJ - RMS 28644/AP, DJ 19.12.11, Rel. Min. Laurita Vaz).
2
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 25. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo:
Atlas, 2012, p. 657.
5
“O conceito de cargo técnico ou científico, por falta de precisão, tem provocado
algumas dúvidas na Administração. O ideal é que o estatuto fixe o contorno
mais exato possível para sua definição, de modo que se possa verificar, com
maior facilidade, se é possível, ou não, a acumulação. Cargos técnicos são os
que indicam a aquisição de conhecimentos técnicos e práticos ao exercício das
respectivas funções. Já os cargos científicos dependem de conhecimentos
específicos sobre determinado ramo científico. Normalmente, tal gama de
conhecimento é obtida em nível superior; essa exigência, porém, nem sempre
está presente, sobretudo para os cargos técnicos. Por outro lado, não basta
que a denominação do cargo contenha o termo ‘técnico’: o que importa é que
as funções, por serem específicas, se diferenciem das meramente burocráticas
ou rotineiras. Seja como for, nem sempre será fácil atribuir tais qualificações de
modo exato.”
Já em outro momento, a norma afirma que a carreira policial é exclusiva de Estado,
possui o significado que veda, em todas as hipóteses, a delegação do seu exercício ao
desempenho pelo particular. Nesses termos, encontramos correspondência da expressão
no artigo 247 da Constituição Federal e no artigo 4º, III, da Lei 11.079/2004:
CF
Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169
estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo
servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo
efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.
Lei 11.079/2004
Art. 4o Na contratação de parceria público-privada serão observadas as
seguintes diretrizes:
(...)
6
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do
poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
Sendo assim, o ordenamento jurídico trata o exercício da atividade policial como algo
inerente ao Estado. É impossível a prestação de tal atividade pelo particular, ainda que
em colaboração com a Administração Pública. Mais um acerto da propositura em análise.
CONCLUSÃO
Levando em conta a objetividade do que nos fora outorgado a analisar, apresentamos a
proposta de nova redação ao artigo 18 do PL 1949/2007 que regulamenta o ordenamento
nacional das Polícias Civis dos estados e Distrito Federal:
Art. 18 O quadro de pessoal da Polícia Civil será integrado pelos
seguintes cargos:
I - delegado de polícia;
II - investigador de polícia;
III – escrivão de polícia;
IV – perito de polícia.
Parágrafo único. Na carreira de policial civil as atribuições dos cargos
serão consideradas atividades de nível superior, de risco permanente,
exclusivas de Estado, com natureza especial e caráter jurídico técnico e
científico.
Eis o nosso posicionamento!
7
Cezar Britto
OAB/DF nº 32.147
OAB/SE nº 1.190
Antonio Rodrigo Machado de Sousa
OAB/DF 34.921
OAB/SE nº 4370
8
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1 Parecer: 005/2012 Assunto: Lei Geral da Polícia Civil Interessado