Considerações Acerca do Fenômeno dos Assassinos em Série * José Francisco Fernandes Júnior ** RESUMO: O presente artigo propõe uma discussão acerca do fenômeno dos assassinos em série, no âmbito da psicopatologia psicanalítica. Considera-se o potencial de destruição e a inclinação do homem para a prática de atos perversos, assim como os destinos da pulsão para satisfações sádicas, como as do campo da criminalidade, pensando-se o ato de matar como uma modalidade de gozo. ABSTRACT: This article proposes a discussion about the serial killers phenomenon, regarding psychoanalythic psychopathology. Man's potential for destruction and propension for practicing cruel acts are considered, as well as trieb purposes for sadistic satisfactions, such as in criminality, thinking on the act of killing as a way of pleasure. Palavras-chave: Serial Killers, Assassinos em Série, Violência. * O presente texto é fruto da pesquisa “O assassino em série, o ato perverso e a estrutura subjetiva”, que encontra-se em andamento, contando com os bolsistas José Francisco Fernandes Júnior e Rudel Douglas de Souza Santos, o co-orientador Francisco Ramos de Farias e o orientador Heitor Lobo de Mendonça. ** Estudante do 10º período do curso de Psicologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF. Estudante do 4º período do curso de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Bolsista do Centro de Pesquisas do CES/JF pelo projeto de pesquisa “O assassino em série, o ato perverso e a estrutura subjetiva”. E-mail para contato: [email protected] No século XV, um herói de guerra francês chamado Gilles de Rais, que vivia como barão, uma pessoa acima de quaisquer suspeitas, teve seu lado negro revelado quando foram descobertos em seu castelo os corpos mutilados de 50 meninos. Mais tarde, ele confessou ter matado 140 garotos, os quais destrinchava e masturbava-se sobre suas entranhas. Acredita-se que ele tenha matado mais de 300 crianças. Em 1440, ele foi enforcado e queimado simultaneamente. Em 1888, no bairro londrino de Whitechapell, um assassino matou 5 prostitutas, aplicando-lhes golpes violentos em seus pescoços. O autor de tais atrocidades, que por meio de cartas enviadas à polícia se auto-nomeou como “Jack, o Estripador”, jamais foi preso, e hoje existem alguns estudos 1 buscando descobrir a identidade do facínora. Trata-se de um mistério que ultrapassa as barreiras do tempo e que habita o imaginário de pessoas do mundo inteiro. No ano de 1982, em diferentes estados americanos, corpos de mulheres, a maioria prostitutas, começaram a aparecer em ravinas, rios, aeroportos e estradas. Na época, os investigadores listaram 49 prováveis vítimas de um serial killer 2 que não deixava pistas. O assassino, Gary Leon Ridgway, nomeado pela mídia como “Green River Killer” 3, foi preso quase 20 anos depois, no dia 30 de Novembro de 2001, e foi condenado por 48 homicídios, sendo considerado o assassino em série com mais mortes comprovadas nos EUA. No seu julgamento, justificou os crimes dizendo: “odeio as prostitutas” e afirmou que “queria matar o maior número possível de mulheres que achava que eram prostitutas” 4. Mais recentemente, em 1998, a cidade de São Paulo passou por momentos de “paranóia coletiva” 5, quando os corpos de mulheres vítimas de abuso sexual e violência física passaram a ser encontrados nas matas do Parque do Estado. O assassino, Francisco de Assis Pereira, nomeado pela mídia como “Maníaco do Parque”, aparentemente matou mais de 10 mulheres. Felizmente, ele foi preso no dia 04 de Agosto de 1998. Durante sua 1 Como o livro “Retrato de um Assassino – Jack, o Estriador: Caso Encerrado”, de Patricia Cornwell. Em português, “assassino em série”, termo que refere-se ao sujeito que se engaja no ato criminal de matar pessoas, e de constantemente repetir tal prática, não se importando com a vítima ou com o abalo causado nos laços sociais. 3 Em português, “O assassino do Rio Verde”, em alusão ao local em que muitos dos corpos foram encontrados. 4 Extraído da reportagem “Ele matou todas elas”, da Revista Veja de 12 de Novembro de 2003, edição 1828, ano 36 – nº 45, pg. 108 (sem autor). 5 Como descrito no livro Caçada ao Maníaco do Parque, de Luisa Alcalde e Luis Carlos Santos. São Paulo: Escrituras Editora, 1999, p. 60. 2 confissão, os policiais descobriram que ele amarrou uma de suas vítimas e que sentiu um “enorme prazer” ao vê-la apavorada, “o suficiente para não querer ter relações sexuais”. Ele afirmou ainda que não queria que ela ficasse com algo dele e, nesse sentido, ejacular seria deixar algo de si. “Eu só queria dominar, tirar tudo dela” 6. Os casos descritos acima nos remetem ao intrigante fenômeno dos assassinos em série, que encontra-se presente em larga escala, desde eras mais remotas, até os dias atuais. Constantemente, são divulgados nos meios de comunicação notícias de investigações criminais nesse sentido. E, ao contrário do que se imagina, tais casos não são meramente “hollywodianos” (cf. ROLIM, 1999), muito menos estão restritos apenas aos Estados Unidos. Nesse sentido, concordamos com CASOY (2004, p. 23), quando a mesma assinala que “a mente humana não obedece à fronteiras geográficas”. Há uma grande contradição que toca esse fenômeno, pois o homem é, de acordo com MONDIN (1982, p.116), um ser que está “cônscio de que sua natureza é feita para colocá-lo em relação com os semelhantes”, ou seja o homem descobre-se como alguém que deliberadamente escolhe a favor de uma “relação de interdependência com os outros” (Ibidem, p.116). Entretanto, ainda assim existem alguns sujeitos que vão contra essa regra e que se engajam na prática da destruição em série de seu semelhante, buscando, ainda, se aperfeiçoar em tal ato, podendo, dessa forma, serem considerados como “técnicos” 7, quer dizer, aqueles responsáveis por realizar algo que se requer uma especialização, uma competência, um domínio. Mas o que leva tais sujeitos a agirem de forma tão cruel e destrutiva? O que eles tem a dizer sobre seus atos? Ted Bundy, preso em 1978 nos Estados Unidos, foi acusado de matar 22 mulheres e jogou a culpa na pornografia. Ed Kemper, acusado de matar 10 pessoas nos Estados Unidos, por sua vez, culpou sua mãe. Luis Alfredo Garavito, colombiano que teria matado 140 crianças, justificou seus atos dizendo que foi escolhido 6 Declarações de Francisco de Assis Pereira, reveladas no livro “Caçada ao Maníaco do Parque”, de Luísa Alcalde e Luís Carlos dos Santos, páginas 98 e 99. 7 Nesse sentido, concordamos com FARIAS (1999) quando o mesmo afirma que “... ao se fazer presente, o criminoso faz sua aparição como um instrumento, acreditando que, desta forma, atende aquilo que supõe ser uma necessidade, inclusive a morte enquanto algo exigido a partir de uma ordem (...). Por fim, o transgressor, além de ser instrumento de gozo, é também desafiador, pois não parte de suposições ou de dúvidas, e sim se oferece enquanto saber absoluto. O faz na tentativa de completar a vítima a partir de uma suposição na qual se coloca como quem sabe aquilo que ela quer. A título de ilustração, pode-se dizer que o transgressor interpreta qualquer ação da vítima como uma demanda de castigo (tendo-se aí uma questão sadomasoquista)”. pelo destino. O mineiro Pedro Rodrigues Filho, mais conhecido como “Pedrinho Matador”, afirma com orgulho ter matado mais de 100 pessoas e justificou seu ímpeto homicida afirmando que só matou quem merecia morrer. Marcelo Costa de Andrade, o “Vampiro de Niterói”, que matou 13 crianças no estado do Rio de Janeiro, disse que as crianças mortas ganhariam o reino dos céus, e que após beber o sangue delas ele ficaria tão bonito quanto elas. André Luís Cassimiro, que foi preso em 1996, na cidade mineira de Juiz de Fora, após matar 5 idosas, jogou a culpa no vício das drogas, na infância difícil e em longos anos de prisão na Febem. Severino Sebastião da Silva, que matou 3 crianças em Recife e foi preso em 2000, disse que agia sob a influência do demônio. O maranhense Francisco das Chagas Brito, que matou 41 meninos e foi preso em 2004, disse que uma coisa o mandava apertar o pescoço deles. Edson Isidoro Guimarães, preso em 1999 após ser acusado de matar 100 pacientes terminais no Hospital Municipal Salgado Filho, no Rio de Janeiro, diz que buscava diminuir a angústia das famílias. Paulo Sérgio Guimarães da Silva, que se auto-denomou “Motoboy do Sul”, preso também em 1999 após atacar casais namorando em praias do Rio Grande do Sul, matou 7 pessoas e justificou dizendo que o sul precisava de um motoboy. Enfim, cada um encontra uma justificativa pessoal para o ato de matar. Por sua vez, ao estudarem tal fenômeno, alguns psiquiatras, criminologistas e neurocientistas culpam exclusivamente um funcionamento disfuncional dos hormônios, dos genes, dos neurotransmissores, da atividade cerebral ou uma infância difícil vivida em lares desestruturados. Ou seja, nessa visão, a subjetividade e a vida psíquica do homem são desconsideradas. Dito de outra forma, o sujeito não é escutado, a sua palavra deixa de ter sentido e valor, de forma que ele perde o status de sujeito desejante. Assim, resta-nos que, na sociedade atual, que segue o modelo médico e capitalista a risca - modelo este que nos oferece uma solução rápida e ilusória para nossos problemas - o homem se tornou um organismo que opera independentemente do psiquismo, um conjunto da atuação genética, neurológica, biológica e orgânica, de forma que ele não possui responsabilidade em seu sintoma, em sua dor ou em suas escolhas, por mais sombrias que estas sejam. Afinal, estamos falando de uma espécie de “homem marionete”, pois a culpa de tudo passa a ser do funcionamento cerebral, dos genes, dos hormônios, quer dizer, de coisas que estão fora de nosso alcance, de nossa autonomia e de nossa responsabilidade. Em detrimento dessa visão psiquiátrica e neurocientífica, que se revela como sendo ateórica, reducionista e determinista, consideramos que, por abarcarem os fenômenos da vida psíquica do homem, os conceitos de inconsciente, pulsão, desejo, gozo e subjetividade devam ser levados em conta ao analisarmos os atos bárbaros e hediondos presentes nas diferentes formas de criminalidade de nossa sociedade, incluindo os homicidas e os assassinos em série. Dessa forma, o que a psicanálise, e até mesmo a filosofia, têm a nos dizer quanto a esse fenômeno? É possível encontrar alguma sustentação que nos possibilite produzir um saber acerca desse lado obscuro da natureza humana, que nos lança em tais práticas perversas e hediondas? O psicanalista FREUD (1969) nos mostrou, no decorrer de seu texto “O Mal-estar na Civilização”, que o potencial de destruição é algo da própria natureza humana, que o ser humano é inclinado ao mal e que atos perversos são próprios da nossa organização. Tal posicionamento será fundamental para compreendermos algumas das idéias adiante. Encontramos também algum sentido nas palavras de KEHL (2001, p.41), quando ela nos esclarece que: “Do ponto de vista do inconsciente, que é o ponto de vista da psicanálise, ninguém é melhor do que ninguém. O inconsciente é a expressão de nossos desejos onipotentes, infantis. Quem não reconhece que já teve impulsos de eliminar um rival, quem nunca pensou em se livrar de alguém que tenha se colocado como obstáculo no caminho do seu prazer? A psicanálise reconhece que o inconsciente de um estuprador não é diferente do de um casto, o de um homem virtuoso não é melhor do que o de um assassino, um viciado, um pedófilo. O que não quer dizer que a psicanálise pretenda nos transformar em canalhas. A dimensão moral não está do lado do desejo inconsciente, mas do que nós fazemos com ele. É melhor admitirmos, humildemente, o mal que nos habita. É a chance de aprendermos a lidar com ele. Pois parece que quanto mais ignoramos a violência do desejo, mais somos vítimas de suas manifestações”. Visto isso, como pode o homem, por meio do desejo e da escolha, escrever sua história com ódio, crueldade e sangue? Se o assassinato encontra-se presente, em larga escala, na história da humanidade, é porque ele tem uma função, uma razão de ser. Restanos saber: qual é? De que forma o homem tem como maior motivação e sentido de sua existência a destruição em série de seu semelhante? Como a pulsão pode se converter num impulso homicida, numa continua vontade de matar? Enfim, porque o homem mata? E porque ele insiste? Como um ato que só deixa restos tóxicos inassimiláveis, indignação e abalo nos laços sociais pode ser encontrado em sua concretude máxima, na história do homem (enquanto espécie) e de um homem (enquanto sujeito)? Essas questões são intrigantes, e nos lançam em uma jornada fascinante, mas ao mesmo tempo árdua, que nos remete a essa questão que leva um homem a atravessar o umbral que aos demais encontra-se vetado, ter a ousadia 8 de repetir essa prática e impor ao semelhante o ato final da vida: a morte 9. Encontramos sustentação para esses questionamentos também com PHILIPPI (2001), quando a mesma afirma que os seres humanos são “... seres aos quais os dotes pulsionais lhes imprimem uma significativa cota de agressividade, cujos efeitos podem ser apreendidos na apropriação que fazem dos outros, utilizando-os não apenas como um ajudante ou objeto sexual, porém como um outro qualquer sobre o qual a descarga pulsional efetiva-se de diversas formas, como na exploração do trabalho, nas humilhações, torturas e mortes”. De forma coerente, NOGUEIRA (2005, p.31) afirma que “a capacidade de fazer o mal, assim como a de fazer o bem, parece existir em todas as pessoas e sociedades”. O psicanalista COSTA (1984, p.24) também contribui ao afirmar que “... a violência não tem outra causa senão a satisfação dos impulsos e desejos destrutivos do homem”. A 8 Usamos a palavra “ousadia” de acordo com Étienne de Greeff, em seu livro “Almas Criminosas”, Edições Paulinas, São Paulo, 1967, p. 9. 9 Salientamos a nossa visão de que a morte, a única certeza da vida, o evento do qual a natureza, mais cedo ou mais tarde, irá se encarregar, pode ser vista nesses casos, e no mundo atual, como algo que, de acordo com o sociólogo Renato Sérgio de Lima, “... passou a ser uma linguagem corrente para a qual não existe impedimento moral”. Freud Explica: Homicídio moderno e a horda primitiva. (sem autor). In: Revista Crimes que Abalaram o Brasil, Miramar Editora, Dezembro de 2002, nº 4, p.36. agressividade, dessa forma, é algo próprio das funções do eu do homem, é como uma estrutura caracterizada por uma intenção de agressão (cf. PHILIPPI, 2001). Segundo FARIAS (1998, p.49), a potência destrutiva do homem deve ser entendida como um aspecto constitutivo, algo de nossa condição humana, e o direcionamento desse aspecto destrutivo para a criminalidade produz um “abalo” no laço social e na ligação do sujeito com seus semelhantes (Ibidem, p.49). Torna-se claro que, para se fazer uma reflexão sobre o ato criminoso e a violência, é necessário recorrer ao conceito de pulsão de morte (cf. FARIAS, 1997, p.116) e perceber que, nesses casos de assassinatos em série, a violência do gozo da pulsão de morte é experimentada no corpo da vítima (Ibidem, p.116), que torna-se dessubjetivada e impossibilitada de gozar (Ibidem, p. 120). Isto nos remete à idéia de que o criminoso ataca o corpo numa tentativa de silenciar a palavra e impedir o gozo do outro. Assim, o ato de matar pode ser pensado, de acordo com FARIAS (1999), da seguinte forma: “Aquele que mata, o faz para captar naquele que morre a presença da morte e todo o desenrolar em torno do morrer. Em outras palavras: quem mata goza ao captar a morte naquele que morre, mas somente quando morre. O gozo perverso estaria exatamente nesse tipo de entroncamento: reduzir uma subjetividade a uma mera objetividade”. Ted Bundy, criminoso citado anteriormente, certa vez disse uma frase que é coerente com o que está sendo dito, e que nos ajuda a refletir sobre esse contexto: “Nós, serial killers, somos seus filhos, nós somos seus maridos, nós estamos em toda a parte. E haverá mais de suas crianças mortas no dia de amanhã. Você sentirá o último suspiro deixando seus corpos. Você estará olhando dentro de seus olhos. Uma pessoa nessa situação é Deus!” 10 10 CASOY, Ilana. Serial Killer – Louco ou Cruel? WVC Editora, São Paulo, 2002, pg. 104. Enfim, a frieza e a maldade desses sujeitos nos assustam, e o que se percebe ao estudar casos de assassinatos em série é uma irredutível pulsão de morte, que se torna inseparável da crueldade, gerando um impulso decorrente de uma vontade de destruição que se manifesta de forma desmedida e desenfreada. Tal impulso também se manifesta em uma necessidade de “dominação e controle” 11 , indicadoras de até que extremo o homem pode chegar. Dessa forma, o ato de matar em série se revela como sendo uma “modalidade de gozo” 12 do sujeito que o pratica, tendo o sentido de uma intenção que se destina a uma realização 13, e não o sentido de algo fortuito 14. Torna-se necessário que tais articulações sejam consideradas e levadas em conta para que possamos compreender que o homem se origina a partir do biológico e do orgânico, mas se constitui no simbólico, enquanto sujeito do inconsciente, situado na vivência edípica e na relação com a introjeção da lei paterna. Além disso, tais idéias nos levam a reconhecer que o assassinato é uma obra humana, uma obra que pertence ao campo do horror e do mortífero, e não ao campo da arte, do belo e do estético. Uma obra que é praticada por homens que possuem famílias, empregos e amigos, sendo muitas vezes considerados como pessoas acima de quaisquer suspeitas. Ou seja, por homens que, por mais hediondos e abomináveis que sejam seus atos, possuem alguma forma de humanidade, que sem dúvidas é assustadora e intrigante. Adotando-se essa visão acerca da natureza humana, que é a mais coerente ao nos depararmos com a insistência e a ousadia de tais sujeitos no ato de matar e na prática de ações criminais, somos forçados a questionar o pensamento de Jean Jacques Rousseau, de que o homem ao nascer é uma criatura destituída de maldade, ou seja, o homem é bom por natureza, sendo corrompido pela sociedade. Com isso, questiona-se também a visão humanista, que nos afirma que o homem é bom em sua essência. 11 “Dominação e controle” são as principais características dos violentadores sádicos e dos serial killers, de acordo com John Douglas, ex-agente do FBI que estuda a décadas os assassinos em série, autor em parceria com Mark Olshaker do livro “Mentes Criminosas e Crimes Assustadores”, p.357-358. 12 Conforme encontra-se presente no artigo “A vontade de matar e a criminalidade como formas de gozo”, de Francisco Ramos de Farias. In: http://copsa.cop.es/congresoiberoa/base/juridica/jt12.htm 13 O psicanalista Antônio Quinet, em seu artigo “Crime e Responsabilidade”, do livro “Psicanálise e Psiquiatria – Controvérsias e Convergências”, p. 174, chama nossa atenção para a “importância da subjetividade presente no ato homicida que, apesar de ter uma justificativa delirante ou fantástica, não deixa de implicar o sujeito com seu gozo e, portanto, com sua responsabilidade”. 14 “(...) não há crime sem motivo. E, quando parece assim, é porque nós ainda não entendemos completamente esses motivos”. John Douglas e Mark Olshaker, no livro “Mentes Criminosas e Crimes Assustadores”, Ediouro Publicações, Rio de Janeiro, 2002, p. 464. Então, há algo da própria natureza humana que está afastado da prática da bondade e do altruísmo. A nossa constituição enquanto sujeitos passa por outra via 15, de modo que o homem não é capaz de “entrar em harmonia com o seu desejo” 16, podendo cometer atos bárbaros para satisfazê-lo e buscar o gozo. Em virtude disso, acreditamos que não só a psicanálise nos aponta para essa questão da maldade intrínseca ao homem, e de até que ponto essa maldade pode ir, mas também Thomas Hobbes nos oferece subsídios para pensar dessa forma, em sua célebre frase “o homem é o lobo do homem”. Ou seja, os seres humanos são, por natureza, capazes do pior, capazes de passar um por cima do outro na busca do poder e da satisfação. Portanto, conforme aponta o psicólogo David Buss em entrevista para a Revista Galileu de Maio de 2005, “a capacidade de matar é parte da natureza humana, e todos têm o potencial para agir assim em certas circunstâncias” 17. Com isso, essa capacidade deixa de ser algo vinculado ao Mal 18 , para ser algo constitutivo do ser humano. E vamos além, ao concordarmos com o filósofo Denis Rosenfield quando ele afirma, em entrevista para a mesma reportagem, que “dizer que o mal é uma doença é uma recusa a pensar” 19. Ou seja, a prática de um ato criminoso, que muitas vezes é encarada por psiquiatras, criminologistas e neurocientistas como um transtorno mental, uma doença, pode ser pensada, no âmbito da psicanálise, de outras formas. Nesse sentido, o ato criminoso contido no assassinato em série corresponde a uma falha originária na possibilidade de simbolização, de forma que o sujeito responde com a passagem ao ato, que nos aparece nesses casos como uma vocação para a não lei, para a perversão. Dito de outra forma, o sujeito não se interessa quanto ao saber acerca desse ato, ele apenas quer o gozo. 15 Quanto a isso, lembramos do texto “Assassino Serial”, do psiquiatra e psicanalista paulista Durval M. Nogueira Filho que, ao escrever sobre Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, que matou 11 mulheres nas matas do Parque do Estado de São Paulo em 1998, questiona: “Quer dizer que Francisco é todos nós? A resposta a esta pergunta não comporta um simples ‘sim’(...). Se Francisco, então, não é todos nós, todos nós poderíamos ser Francisco. Joga-se com o Mal quando se constrói o sujeito”. Artigo disponível no site dos “Estados Gerais da Psicanálise”, in: http://www.estadosgerais.org/historia/46-1-assassino_serial.shtml 16 Expressão usada por FARIAS (1999) em seu texto “A vontade de matar e a criminalidade como formas de gozo”. 17 “Há um Darth Vader dentro de você?”. Revista Galileu, maio de 2005, p.37. Reportagem: Pablo Nogueira. 18 Aqui, a palavra Mal deve ser pensada conforme FARIAS (1999): “o mal é formulado nesse contexto como uma entidade autônoma e externa ao sujeito, que transformaria o homem numa criatura monstruosa”. Portanto, a partir daqui, torna-se coerente pensar-se em mal como algo da ordem da escolha do homem, algo que toca a questão referente à perversidade intrínseca ao ser humano. 19 “Há um Darth Vader dentro de você?”. Revista Galileu, maio de 2005, p.37. Reportagem: Pablo Nogueira. Além disso, quando FARIAS (1996, p.10) afirma que “... o criminoso age de uma determinada maneira para se inscrever enquanto sujeito executor de um ato que simbolize algo”, podemos pensar também que o crime é a única maneira de o criminoso encontrar uma significação enquanto sujeito. Com relação a isso, FARIAS (1996, p.10) cita Calligaris, quando este afirma que “quando os laços sociais são reais, os atos devem ser simbólicos; quando os laços são simbólicos os atos devem ser reais”. Dessa forma, “... quando os laços sociais não são mediados por uma lei, ou são mediados por uma lei inconsistente para sustentá-los, resta ao sujeito realizar uma passagem ao ato para que este ato possa vir a adquirir uma conotação simbólica”. Então, com a passagem ao ato o sujeito tenta denunciar algo e suprir sua falha originária da capacidade de simbolização. Por sua vez, como podemos considerar a questão da responsabilidade desses criminosos, que vem sendo discutida nesse estudo e que é de grande importância, por tocar a escolha e o desejo? Nesse ponto, QUINET (2001, p. 172), em seu artigo “Crime e responsabilidade”, contribui ao afirmar que: “Para a psicanálise, o sujeito é sempre responsável por sua posição subjetiva, seja ele neurótico, psicótico ou perverso. Ele é responsável por seus sintomas. Freud utiliza a expressão ‘escolha da neurose’ para designar a implicação do sujeito em sua posição sexuada e a responsabilidade por seus atos (...). O sujeito é responsável por seu gozo em todas as suas manifestações sociais e sexuais, subjetivas e objetivas, individuais e coletivas”. Dessa forma, o homem possui responsabilidade na sua escolha pela vida criminosa. Ele não age como um doente, como um sujeito sem autonomia ou sem controle sobre seus atos, por estar a mercê da atividade genética, neuroquímica, biológica ou orgânica. Como afirma Denis Rosenfield, em entrevista à Revista Galileu, “o ser humano sempre pode dizer não a certas ações e sim a outras, mesmo que tenha um lado corrupto dentro dele” 20. 20 “Há um Darth Vader dentro de você?”. Revista Galileu, maio de 2005, p.37. Reportagem: Pablo Nogueira. Tais críticas são fortalecidas pelo filósofo da USP, Renato Janine Ribeiro, em reportagem de RIZZO (2000, p.41), quando ele diz que “uma das marcas do ser humano é justamente a imprevisibilidade, que alguns chamam de liberdade”. Ele ainda afirma que “não se pode reduzir o problema do ser humano a um suposto defeito de fabricação. Nós somos gente, e não coisas”. No mesmo sentido, criticamos o discurso muito presente na mídia e na sociedade, que aponta que tais homens são “monstros”. Pensar de tal forma corresponde a não considerar o aspecto humano que existe por tais de tais atos de maldade e crueldade. Ainda, esses homens também não devem ser considerados “animais”, pois só o ser humano é capaz de matar por prazer. Ou seja, o ato de matar só é considerado um “jogo” enquanto é praticado pelos indivíduos de nossa espécie. Essas duas formas de enxergar o criminoso, como um “monstro” ou um “animal”, são cada vez mais constantes, e constituem-se em racionalizações que nos afastam da verdade e da implicação do sujeito. Por isso, pensamos que os atos homicidas dos assassinos seriais são uma questão de escolha dos mesmos, algo que se passa pela via do desejo, da satisfação da pulsão e da busca do gozo. Por fim, consideramos que esta modalidade de violência, observada no decorrer da história da humanidade, em que o sujeito se propõe a exercer o terror, atravessa o umbral que se aos demais se encontra vetado e pratica um ato extremo, que não possui como finalidade a posse de um objeto ou um ganho material, nos leva a pensar que o assassino em série mata para existir, que ele só existe e só é sujeito enquanto comete estes atos. Portanto, deve-se entender o sentido que o ato de matar tem para ele, entendendo qual a razão de ser desse ato, e percebendo que ele tem um significado para seu autor. Diante disso, torna-se essencial buscar-se meios para saber o que é o ato de matar para esses indivíduos, e entender essa extrema e perversa necessidade de buscar se inscrever no social através de uma série de crimes contra a vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALCALDE, Luisa & SANTOS, Luis Carlos. Caçada ao maníaco do Parque. Escrituras Editora. São Paulo, 1999. CASOY, Ilana. 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