DROGAS E CIBERDEPENDÊNCIA (VIDEOGAMES e CHATS) Alexandre Amorim Ranali David Bruno Lopes de Passos Guilherme Fernandes Vieira 1. APRESENTAÇÃO O uso de drogas é um fenômeno sociocultural complexo, pois envolve o próprio sujeito, usuário de drogas, a família e toda a sociedade, no que diz respeito aos sistemas de saúde, segurança, justiça, entre outros. Infelizmente o uso de drogas vem aumentando no mundo, apesar das campanhas e da repressão. Para o especialista Tarso Araújo: A história se repete no mundo inteiro, e nos EUA ela só é mais exagerada: o consumo de drogas cresceu sistematicamente nas últimas décadas, apesar do aumento da repressão. Os EUA são um dos países com leis mais duras para usuários e, simultaneamente, um dos que têm maiores níveis de consumo de drogas por habitante. Para enfrentar esse problema, faz-se necessário uma educação preventiva e a conscientização de toda comunidade escolar, escola, pais e educandos, sobre os malefícios da utilização de drogas, álcool e ciberdependência (videogames e chats). Trata-se de uma ação cidadã, ou seja, lutar para construir uma sociedade mais digna, justa e fraterna. 2. JUSTIFICATIVA A questão realmente preocupante vem da sensação que talvez nenhum jovem esteja totalmente seguro em não se envolver com uso de drogas e álcool de forma a comprometer seus sonhos ou algum setor de sua vida: relacionamentos, estudos, família, lazer e esporte. Esse problema tem atingido os jovens, independentemente de cultura, raça, credo e camada social. Como saber se essa sensação é real ou fruto de sensacionalismo ou impressão equivocada? Abaixo listamos alguns dados que comprovam que a sensação é real: A falsa impressão muitas vezes transmitida pelos meios de comunicação de que algumas drogas são “inofensivas”, o mesmo ocorrendo com o álcool ; Levantamento Nacional sobre o consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras (SENAD – 2004). Mostrou que a idade média na qual os jovens usaram pela primeira vez alguns tipos de drogas como: crack, maconha e cocaína foi de 14 anos e para álcool e cigarro de 13 anos; As drogas têm ficado mais baratas, fáceis de adquirir e cada vez mais puras, consequentemente mais potentes; Um estudo recente sobre o sistema judiciário brasileiro mostrou que as condenações por porte de drogas vêm aumentando consideravelmente no Brasil. O tráfico de drogas já é a segunda maior causa de prisões no Brasil. Se os jovens tem se envolvido com drogas e álcool em idade escolar e cada vez mais cedo, é fundamental que as instituições de ensino públicas e particulares façam sua parte. Apesar de alguns esforços, as escolas, no geral, têm tratado o assunto de forma pontual e pouco eficiente. Segundo Içami Tiba: “A escola tem por obrigação capacitar-se para enfrentar o maior mal evitável do século, as drogas. Queira ou não, seus alunos entrarão em contato com drogas. Diretamente, por meio de pessoas que as usam ou com informações que bombardeiam o cotidiano deles. A escola precisa ajuda-los a fortalecer a opinião contrária ao uso.” Iniciativa importante foi à criação do curso de formação de professores na temática da prevenção do uso de drogas nas escolas públicas, pelo Ministério da Educação em conjunto com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. De lá para cá aproximadamente 70.000 educadores foram formados de mais de nove mil escolas de todos os estados brasileiros. Não podemos adotar uma postura negativa - de derrota – diante de tal desafio, ao contrário, devemos nos posicionar de forma positiva e proativa, auxiliando os jovens a construir seus projetos de vida, desenvolver seus potenciais e autoestima e a encontrar formas mais saudáveis de se divertir, sendo verdadeiro também, talvez em menor escala, para o uso abusivo de videogames, chats e redes sociais. Compartilhamos o pensamento do psicólogo Anthony E. Wolf (2011): Acredito que para restringir o uso arriscado de álcool e drogas por adolescentes, os três fatores preventivos mais importantes são: o quanto eles acreditam que têm um futuro, o quanto eles acreditam que têm um futuro e o quanto eles acreditam que têm um futuro. Essa questão ofusca todas as demais. Muitos adolescentes que veem a si mesmos como alguém que tem um futuro não se tornam abusadores dessas substâncias 1. POSTURA E APERFEIÇOAMENTO DOS EDUCADORES É necessário que o educador tenha acesso à formação específica possibilitando a construção de uma postura profissional e consciente no trato desse tema. É importante uma revisão dos próprios preconceitos e valores, visto que o tema engloba aspectos pessoais, familiares, sociais, culturais, religiosos e até espirituais. Fundamental é que o educador tenha acesso a um espaço grupal de produção de conhecimento a partir dessa prática. A formação deve ocorrer de forma continuada e sistemática. A postura do educador não deve ser de repressor, de ensinar aos educandos a “dizer não às drogas” ou fazer terrorismo sobre uma “tragédia iminente” e sim de fazê-los refletir sobre os prós e contras e tomar a melhor decisão de forma autônoma. Destacamos a função do educador como mediador tanto no processo de desenvolvimento e construção das subjetividades dos alunos como no processo de aprendizagem e nas relações interpessoais que ocorrem na escola. Vale lembrar que muitas vezes a falta de comunicação dos jovens não é falta de habilidade, timidez ou comportamento agressivo, mas a dificuldade de lidar com as próprias emoções. Para o psicanalista J.-D. Nasio: O adolescente nem sempre sabe falar do que sente porque não sabe identificar corretamente o que sente... se o adolescente não fala, não é porque não quer comunicar-se, é porque não sabe identificar o que sente e menos ainda verbalizar. Devido à dimensão da tarefa, melhor se for compartilhada por todos os educadores, pois será percebida pelos educandos em um contexto de construção da responsabilidade social do grupo. Apesar da gravidade de todas as situações envolvidas, o clima deve ser sempre positivo, pois mais importante que exaltar o sofrimento envolvido é mostrar e acreditar no “lado bom da vida”, com sua multiplicidade de vínculos, ideias, lugares, cores e sabores. Para finalizar, vale ressaltar que não basta somente o trabalho de prevenção, temos que observar e modificar os fatores de risco individuais, familiares e sociais. Concordamos plenamente com as educadoras que contribuíram na construção do material para o curso de prevenção ao uso de droga em escolas públicas: Nessa perspectiva, propomos que em vez de lutarmos contra as drogas, lutemos contra os tantos fatores que estão permitindo sua oferta quase sem controle e sua demanda quase sem alternativas, como: o consumismo, a miséria, o abandono afetivo, a desumanização do ser humano, o individualismo e o perfeccionismo. 2. ENVOLVIMENTO ESCOLA-FAMÍLIA A família é a célula formadora da comunidade, portanto não é possível desenvolver ações preventivas sem que ela participe. Para tanto, é fundamental que a escola explique os objetivos e o funcionamento do projeto, envolva as família, proporcione momentos de trocas de ideias e acolha as dúvidas e angústias dos pais. Essa parceria deve se estreitar por conta do momento difícil que todas as famílias enfrentam ao rever regras, negociar e equilibrar limites e papéis familiares no trato com adolescentes, ao mesmo tempo em que o jovem precisa sentir que está à frente de sua vida, buscando autonomia e pertencimento. Quando os pais têm dificuldades nesse processo, se tornam rígidos ou flexíveis demais e não conseguem estabelecer diálogo com o adolescente, ele pode reagir de forma adversa, evidenciando o binômio vulnerabilidade/risco. É comum os pais acharem que não são mais ouvidos nem levados a sério, o que pode levá-los a se afastarem dos filhos antes que os filhos se afastem dos pais, invertendo os papéis. Nessa fase, é preciso que a família crie ou reforce ambientes de diálogos, as relações afetivas, além de manter boas expectativas no futuro e nível de confiança no adolescente. Todo bom trabalho realizado pela escola deve ser apoiado e reforçado pela família e vice versa. Trata-se de uma construção que demanda tempo e dedicação, pois nenhum aprendizado se dá no vazio e sim na presença de relações humanas. Assim nossos jovens crescerão com um sentimento de pertencimento, segurança, limites e confiança nas pessoas. 3. OBJETIVOS GERAIS A finalidade do trabalho de Prevenção ao Uso de Drogas, álcool e outros “abusos” é contribuir para uma conscientização em relação à prevenção ao uso de drogas. O foco principal do trabalho deve ser a reflexão, que contribua para a visão crítica das situações e dos problemas e para o desenvolvimento da autonomia e da capacidade de escolha dos adolescentes. Assim, a escola deve trabalhar para que os educandos, ao fim do ensino médio, sejam capazes de: Compreender seu papel como cidadão e sujeito ativo na transformação da escola e da comunidade; Adquirir conhecimentos científicos sobre as principais drogas psicotrópicas, como são utilizadas, seus mecanismos de ação e efeitos no organismo; Relacionar a diversidade de fatores contextuais e pessoais que constituem risco ou proteção para o uso de drogas na adolescência; Compreender as possíveis relações entre o uso de drogas, pobreza e exclusão social, além de todo o impacto social e financeiro nos sistemas de saúde, segurança e judiciário; Integrar ações de promoção da saúde e prevenção do uso de drogas no projeto da escola e comunidade, sempre com o envolvimento da família; Identificar o potencial criativo dos adolescentes no desenvolvimento de ações e grupos construtivos como prevenção ao uso de drogas; Formar postura crítica, respeitosa e cooperativa com relação aos dependentes de drogas e álcool; Demonstrar às crianças e jovens de que existem prazeres saudáveis e que estão ao alcance de todos, em alternativa ao consumo de produtos que levam à dependência; Fortalecer as redes sociais (vínculos de amizades, familiares e profissionais), para reduzir os fatores de risco que contribuem para o uso de drogas. 6. METODOLOGIA Por se tratar de tema complexo, importante e associado à tão grande multiplicidade de valores, o melhor é tratá-lo em um espaço específico e contínuo. Optamos inicialmente por um "bate papo" de 50 minutos a cada quinze dias a partir do 6º ano, tratando-se de um processo formal e sistematizado sempre mediado por profissionais capacitados. Deve-se tomar cuidado para não levar programas “prontos” a serem apresentados aos estudantes. Eles é que devem ser convidados a trazer suas demandas e interesses ao educador. A ideia é trabalhar o tema de forma transversal, de modo a permear diversas disciplinas e professores. Para tal, todos os educadores devem participar de aperfeiçoamentos periódicos. Obviamente alguns educadores se encarregarão de uma maior responsabilidade por estarem mais tempo com os alunos além de dividir a coordenação do projeto. Adotamos o formato de trabalho em espiral, iniciando o 6º ano com a abordagem de alguns temas e com grau de complexidade menor. Esses temas, junto com outros novos, podem ser abordados novamente em etapas posteriores com nível de aprofundamento maior até o Ensino Médio, cujos alunos têm condições de refletir sobre todos os itens propostos. A linguagem deve ser direta, clara e fundamentada cientificamente. Cabe à escola abordar os diversos pontos de vista, valores e crenças existentes na sociedade para auxiliar o educando a construir um ponto de vista próprio por meio da reflexão e autoexame dos seus desejos e emoções. 7. CONTEÚDOS Optamos por dividir os conteúdos em seis blocos. Essa divisão é meramente didática, porque na verdade os temas se interconectam e se complementam, embora possam ser trabalhados separadamente de acordo com a demanda dos educandos e necessidade do educador. Além do tema drogas, em nossa opinião, é fundamental abordar o excesso, que muitas vezes pode ocasionar dependência do uso de videogames, chats e redes sociais. São eles: 1. Entendendo os “vícios” (dependências); o que são drogas; de onde elas vêm; porque tem apelo tão forte; como são usadas e controladas; como o tempo excessivo na internet, redes sociais, videogames e jogos online podem prejudicar a vida de uma pessoa; 2. História: o uso da antiguidade até os dias de hoje; primeiras drogas utilizadas; as proibições; as novas drogas e o boom do consumo; 3. Tipos de Drogas: o que é e como são usadas; efeitos e perigos para a saúde; álcool; anfetaminas; ansiolíticos, sedativos e hipnóticos; cafeína; cocaína; drogas projetadas (ecstasy); inalantes; maconha; LSD; opióides; tabaco; cogumelo e outros; 4. Saúde física e psíquica: a ação das drogas no corpo e cérebro; como são usadas; quais os efeitos; prazer e riscos; prevenção e família; tratamento e recaídas; 5. Economia: o mercado legal e o ilegal; riscos e violência; produção, distribuição e varejo; corrupção e lavagem de dinheiro; aliciamento de jovens para trabalhar no tráfico; 6. Política: o debate sobre as drogas; a experiência de proibir; as alternativas de legalizar e descriminalizar; políticas inovadoras de alguns países. 8. CONCLUSÃO Segundo o MEC, a escola faz parte da rede de proteção e de cuidado de crianças, adolescentes e jovens e deve constituir-se em um dos mais significativos ambientes de desenvolvimento e de aprendizagens. Diante de tão grave problema, toda comunidade educativa deve se unir para amenizar o uso de drogas, álcool e ciberdependência. Para finalizar, talvez esse seja o momento de expandir a reflexão para falar nos excessos e na postura de escolas, pais e sociedade de enquadrar a todos, inclusive crianças e jovens num certo grau de “normalidade”. Para o psiquiatra Dale Archer: Vivemos em uma sociedade em que há excesso de diagnósticos e medicamentos e falta de tratamentos... percebi que seguíamos um caminho errado e potencialmente perigoso ao ver problemas de saúde mental por toda parte. Ao avaliar demais. Ao diagnosticar demais. E, pior ainda, ao medicar demais. BIBLIOGRAFIA ARAUJO, TARSO. Almanaque das Drogas. São Paulo: Leya, 2012 ARCHER, DALE. Quem disse que é bom ser normal? Rio de janeiro: Sextante, 2013 BELL, MARCONDES. Estou Viva, Não Uso Mais Drogas – o Inferno de Bell. São Paulo: Geração, 2006 BRAUN, IVAN MARIO. Drogas – perguntas e respostas. São Paulo: MG Editores, 2007 HOUZEL, SUZANA HERCULANO. O Cérebro e os Prazeres da Vida Cotidiana: sexo, drogas, rock’n’roll & chocolate. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2012 (2ª ed.) MEC, Ministério de Educação e Cultura. Curso de prevenção do uso de drogas para educadores de escolas públicas / Secretaria Nacional Antidrogas, Ministério da Educação, Universidade de Brasilia; Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 2006. NASIO, JUAN-DAVID. Como agir com um adolescente difícil? Rio de Janeiro: Zahar, 2011 PERRENOUD, PHILIPPE. Desenvolver Competências ou Ensinar Saberes? A escola que prepara para a vida. Porto Alegre: Penso, 2013 TIBA, IÇAMI. Juventude e Drogas: Anjos Caídos. São Paulo: Integrare Editora, 2007 UNESCO. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E MINISTÉRIO DA SAÚDE. Juventudes e Sexualidade. Brasília: UNESCO, 2004 WOLF, ANTHONY E. Eu ouviria meus pais se pelo menos eles calassem a boca. Rio de Janeiro: Rocco, 2011