Oftalmologia - Vol. 36: pp.213-218
Artigo Premiado
Papel do Micro-Bypass Trabecular no Controlo
do Glaucoma: 1 Ano de Follow-Up
Joana Ferreira1, Luís Abegão Pinto1, Arnaldo Santos1, Maria Lisboa1, João Paulo Cunha2
1
Interno do Internato Complementar de Oftalmologia
2
Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia
PRÉMIO BAUSH + LOMB 2011
RESUMO
Introdução: O i-Stent® “trabecular micro-bypass stent modelo GTS100R/L” tem como objectivo a redução da Pressão Intra-Ocular (PIO) e/ou da medicação antiglaucomatosa em doentes com Glaucoma Primário de Ângulo Aberto (GPAA), Glaucoma Pseudoexfoliativo (GPX)
ou Glaucoma Pigmentar (GP). Este stent pode ser usado como terapêutica cirúrgica isolada ou
como cirurgia combinada com a facoemulsificação.
Objectivo: Estudo prospectivo, unicêntrico, não randomizado, que pretende comparar a eficácia
da facoemulsificação per si com a eficácia da facoemulsificação combinada com o implante de
i-Stent® na redução da PIO.
Métodos/População: Num total de 35 olhos de 35 doentes os autores compararam os valores
da PIO (obtidos por tonometria de aplanação de Goldmann) pré-operatoriamente e no 1º, 3º, 6º
e 12º meses de pós-operatório. Os 35 doentes foram distribuídos aleatoriamente em 2 grupos:
grupo 1 – 17 olhos submetidos a facoemulsificação combinada com implante de micro-bypass
trabecular, grupo 2 - 18 olhos submetidos a facoemulsificação.
Resultados: As diferenças entre os valores obtidos pré e pós-operatoriamente da PIO foram
estatisticamente significativos (p < 0,001), verificando-se reduções médias de 5,4 e 2,6 mmHg
nos grupos 1 e 2, respectivamente.
Conclusões: Em doentes com catarata e glaucoma, a cirurgia de facoemulsificação associada
ao implante deste dispositivo representa uma nova abordagem terapêutica que proporciona uma
diminuição significativa da PIO.
Palavras-chave
Facoemulsificação, micro-bypass trabecular, pressão intra-ocular, ângulo da câmara anterior,
tonometria.
ABSTRACT
Introduction: The iStent® “trabecular micro-bypass stent model GTS100R/L” is aimed at reducing the Intraocular Pressure (IOP) and/or antiglaucoma medication in patients with primary open angle glaucoma (POAG), glaucoma pseudoexfoliative (GPX) or pigmentary glaucoma
(PG). This stent can be used as surgical therapy alone or as combined surgery with phacoemulsification.
Purpose: Prospective non-randomized, institutional study to compare the efficacy of
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Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Arnaldo Santos, Maria Lisboa, João Paulo Cunha
phacoemulsification itself with the efficiency of phacoemulsification combined with the deployment of i-stent in reducing the Intraocular Pressure.
Population and Methods: A total of 35 eyes of 35 patients, the authors compared the IOP
(Goldmann applanation tonometry) preoperatively, the first, third, sixth and twelve month postoperatively. The 35 patients were randomized into two groups: group 1 - 17 eyes underwent
implantation of trabecular micro-bypass, group 2 - 18 eyes that underwent phacoemulsification.
Results: The differences between values obtained pre-and post-operatively IOP were statistically significant (p < 0.001) and there were mean reductions of 5,4 and 2,6 mmHg in groups 1
and 2, respectively.
Conclusions: In patients with cataract and glaucoma, phacoemulsification combined with implantation of this device represents a new therapeutic approach that provides a significant decrease in IOP.
Key words
Phacoemulsification, trabecular micro-bypass, intraocular pressure, anterior chamber angle, tonometry.
INTRODUÇÃO
Catarata e glaucoma são duas das principais causas de
cegueira em doentes idosos. Cerca de 20% dos casos de
catarata com indicação cirúrgica têm concomitantemente
glaucoma ou hipertensão ocular (HTO)1. Numerosos estudos têm demonstrado que a extracção de catarata com
implante de lente intra-ocular (LIO) reduz a pressão intra-ocular (PIO), minimizando a necessidade de terapêutica
anti-glaucomatosa no controlo da PIO2-10. Esta diminuição
pode ser tanto maior quanto maior for a pressão inicial.
Muitas teorias têm sido propostas para explicar esse efeito
em termos de mudanças anatómicas e bioquímicas após
a cirurgia de catarata. O micro-bypass trabecular iStent®
(Glaukos Corp., Laguna Hills, CA) é um dispositivo ab
interno para o tratamento do glaucoma de ângulo aberto
(GAA), glaucoma pseudoexfoliativo (GPX) ou glaucoma
pigmentar (GP). Tem a sua principal indicação como adjuvante na redução da PIO após cirurgia de catarata em
doentes com glaucoma de ângulo aberto moderado. Este
estudo prospectivo pretende comparar a eficácia da facoemulsificação per si com a eficácia da facoemulsificação
combinada com o implante de iStent® na redução da PIO.
POPULAÇÃO E MÉTODOS
Num total de 35 olhos de 35 doentes os autores
compararam os valores da PIO (obtidos por tonometria
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| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
de aplanação de Goldmann) pré-operatoriamente e no
primeiro, terceiro, sexto e décimo segundo meses de
pós-operatório.
Os doentes seleccionados tinham diagnóstico de catarata com melhor acuidade visual corrigida inferior a 5/10
e glaucoma primário de ângulo aberto confirmado por
gonioscopia e PIO inferior a 28 mmHg sem medicação
ou inferior a 22 mmHg com terapêutica tópica. Foram excluídos glaucomas avançados (E/D superior a 8/10, défices perimétricos importantes ou PIO superior a 28 mmHg
com medicação), glaucomas neovasculares, glaucomas de
ângulo fechado, olhos com história anterior de queratopatia, uveíte, cirurgia ocular prévia (de glaucoma, refractiva
ou de segmento posterior).
Os 35 doentes seleccionados foram distribuídos aleatoriamente em 2 grupos: grupo 1 – 17 olhos submetidos
a facoemulsificação com implante de lente intraocular de
câmara posterior (LIO CP) combinada com implante de
micro-bypass trabecular (iStent®), grupo 2- 18 olhos submetidos a facoemulsificação com implante de LIO CP. Foi
obtido o consentimento informado dos doentes para a participação no estudo, tendo sido cumpridos os requisitos da
Declaração de Helsínquia.
Micro-bypass trabecular
O iStent® (Glaukos Corp., Laguna Hills, CA) micro-bypass trabecular (figura1), modelo GTS100R/L, está
disponível na Europa para o tratamento de glaucoma de
ângulo aberto e no Canadá para uso em conjunto com
Papel do Micro-Bypass Trabecular no Controlo do Glaucoma: 1 Ano de Follow-Up
a cirurgia de catarata para a redução da pressão intra-ocular em doentes com glaucoma de ângulo aberto ligeiro a moderado, previamente tratados com medicação
hipotensora ocular. Trata-se de um dispositivo de titânio
heparina-revestido, não ferro-magnético, com dimensões
aproximadas de 1 mm de comprimento e 0,3 mm de altura. O iStent® é inserido ab interno através de uma pequena incisão corneana temporal, e implantado no canal de
Schlemm, no quadrante nasal inferior. O implante deste
stent no canal de Schlemm permite a drenagem do humor
aquoso directamente da câmara anterior para o referido
canal fazendo um bypass à resistência oferecida pela malha trabecular.
Fig. 1 | iStent® (Glaukos Corp., Laguna Hills, CA) micro-bypass
trabecular.
Técnica Cirúrgica
As facoemulsificações com implante de LIO CP foram
realizadas no Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, pelo mesmo cirurgião (JPC). A
técnica cirúrgica utilizada foi semelhante em todos os casos: incisões corneanas temporais de 2,65 mm, capsulorrexis circular contínua de cerca de 5,5 mm, “quick-chop”,
irrigação/aspiração e implante de LIO no saco capsular.
Após implante da LIO, induziu-se miose com acetilcolina
e procedeu-se ao reposicionamento da cabeça do doente
(inclinada no sentido oposto ao do cirurgião) e do microscópio, para melhor visualização do ângulo. Sob anestesia
intracamerular com lidocaína a 1% sem conservantes, o
stent foi implantado no canal de Schlemm, no quadrante nasal inferior, através da incisão temporal corneana. O
iStent® vem pré-carregado em insersor estéril de uso único e a sua extremidade distal deve aproximar-se da malha
trabecular com um ângulo de 15° para facilitar a penetração nos tecidos. O stent fica implantado após pressionar o
botão do aplicador e apenas a sua extremidade proximal
permanecerá visível na câmara anterior. Um pequeno refluxo de sangue reflecte o correcto posicionamento da prótese, sendo o trauma cirúrgico mínimo. A técnica termina
com a aspiração de material visco-elástico, hidratação do
estroma corneano, injecção de cefuroxime intracamarular
e instilação de apraclonidina. No pós-operatório foram
prescritos colírios de antibiótico e esteroides durante 2
semanas.
Análise estatística
Para a análise estatística foi utilizado o software GraphPad (Graphpad Prism® ver. 5.0; Graphpad Software Inc,
CA, Estados Unidos América). Os dados obtidos foram
analisados através do teste t Student, comparadas médias e
desvios padrão. Valores de p < 0,001 foram considerados
estatisticamente significativos.
RESULTADOS
Os dois grupos foram considerados demograficamente
semelhantes com idades médias de 72,1 anos para o grupo
1 e de 77,2 anos para o grupo 2.
A PIO basal pré-operatória foi semelhante entre os
grupos (grupo 1: 21,9 ± 1,8 mmHg; grupo 2: 20,7 ± 2,8
mmHg). A PIO média foi de 16,5 ± 2,3 mmHg no grupo
1 e de 18,1 ± 2,3 mmHg no grupo 2, num follow-up de
12 meses. As diferenças entre os valores de PIO obtidos
pré-operatoriamente e ao 12º mês de pós-operatório foram
estatisticamente significativos no grupo 1 (p = 4,05 × 109
) enquanto que no grupo 2 não se verificaram diferenças
estatiscamente significativas (p = 0,0017), verificando-se
reduções médias de 5,4 e 2,6 mmHg nos grupos 1 e 2,
respectivamente (Figuras 2, 3 e 4).
Fig. 2 | PIO pré e pós-operatórias (12º mês de follow-up) no
grupo 1.
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Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Arnaldo Santos, Maria Lisboa, João Paulo Cunha
Fig. 3 | PIO pré e pós-operatórias (12º mês de follow-up) no
grupo 2.
Fig. 4 | Comparação das PIO médias pré e pós-operatórias nos
dois grupos.
DISCUSSÃO
Numerosos estudos mostraram variações da PIO após a
cirurgia de catarata1-9,11-18.
São muitas as teorias propostas para explicar esse efeito
após a cirurgia de catarata, tanto anatómicas como bioquímicas. Uma das mais descritas assenta na diminuição da
resistência do escoamento do humor aquoso associada ao
aumento da profundidade da câmara anterior1-3. Outros estudos descreveram diminuições da PIO mais acentuadas em
doentes com PIO pré-operatória mais elevadas7,13, como é
exemplo um estudo de Hayashi7 em que foi registada uma
redução da PIO, no qual apenas 19,1% dos doentes com
glaucoma de ângulo aberto deixaram de necessitar de terapêutica anti-glaucomatosa, após cirurgia de catarata.
A principal causa de hipertensão ocular (HTO) nos
doentes com glaucoma deve-se ao aumento da resistência
do fluxo através da malha trabecular19.
Desde a aprovação do iStent® no Canadá e na Europa,
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| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
publicaram-se vários estudos sobre o assunto20-31. Num estudo prospectivo, randomizado, multicêntrico realizado na
Alemanha, Espanha e Suíça por Spiegel e colaboradores
(20) que incluiu doentes com glaucoma primário de ângulo aberto, a redução da PIO observada no grupo iStent® foi
de 5,7 ± 3,8 mmHg (25,4%) e a diminuição da medicação
para o glaucoma foi de 1,0 ± 0,8 fármacos (66,7%), com um
follow-up de 6 meses.
No estudo de Fea com um follow-up de 15 meses, 67%
dos doentes operados a catarata com implante de iStent® reduziram a necessidade de fármacos anti-hipotensores contra 24% dos doentes só operados a catarata. Também neste
estudo a redução da PIO média foi de 3,2 mmHg no grupo
iStent® contra 1,6 mmHg no grupo operado apenas a catarata (21). Os estudos realizados no Canadá mostraram que o
implante de mais de um iStent® reduz ainda mais a pressão
intra-ocular (PIO média foi de 13,9 mmHg com dois dispositivos e de 14,1 mmHg com três dispositivos aos 12 meses
após a cirurgia)22. No estudo de Samuelson, o que à data
conta com a maior amostra (111 olhos com iStent® contra
122 só operados a catarata) mostrou resultados de 72% versus 50%, (p< 0,001) de doentes sem terapêutica anti-glaucomatosa após a cirurgia23. Num estudo com um follow-up de
3 anos, o número médio de medicamentos utilizados antes
da cirurgia diminui de 2,4 para 0,8 e a PIO registou uma
redução de 38,56 % no final do seguimento24.
Num estudo fluorofotométrico, a facilidade de drenagem trabecular aumentou 275% nos doentes com iStent® e
46% nos doentes operados a catarata, enquanto que no fluxo aquoso não houve alteração significativa nos diferentes
doentes25.
Pacientes com glaucoma avançado e PIO mal controlada
não são candidatos adequados para o iStent®, devendo ser
considerados procedimentos mais invasivos.
O implante de iStent® requer alguma curva de aprendizagem que é facilmente adquirida. Para os primeiros implantes, sugerimos a escolha de doentes cujos olhos tenham
pigmentação trabecular adequada à fácil identificação dos
pontos de referência. A orientação do microscópio e a correcta colocação da lente foram os principais desafios, nos 2
primeiros implantes. Esta técnica é simples e rápida, quando
comparada com a trabeculectomia e não se associou a complicações, como hipotonia, hipotalamia, descolamento da
coroideia, entre outras descritas para as cirurgias filtrantes.
Estudos prospectivos têm mostrado que a redução de
cada mmHg da PIO se associa a uma diminuição em cerca
de 10% do risco de progressão do glaucoma. Tendo em conta que a compliance dos doentes à terapêutica médica é um
desafio importante na não evolução do glaucoma, conseguir
reduzir para zero a necessidade de fármacos para obter a PIO
Papel do Micro-Bypass Trabecular no Controlo do Glaucoma: 1 Ano de Follow-Up
alvo, melhora substancialmente a qualidade de vida destes
doentes. Este facto reduz também as lesões conjuntivais e
corneanas associadas ao uso crónico de fármacos tópicos26,
que esteve associado em alguns estudos27,28 à redução da
probabilidade de sucesso de futuras trabeculectomias.
Quarenta anos após a apresentação do protótipo do implante de Molteno, continuam a surgir no mercado implantes
que visam a redução da PIO sobretudo indicados em doentes
pseudofáquicos29.
CONCLUSÕES
A facoemulsificação com implante de LIO reduz a PIO e
se associada a implante de micro-bypass trabecular (iStent®)
essa redução será ainda maior. Estes factos sugerem que em
doentes com catarata e glaucoma, a cirurgia de facoemulsificação associada ao implante deste dispositivo representa
uma nova abordagem terapêutica que proporciona uma diminuição significativa da PIO e uma redução da medicação
anti-glaucomatosa, contribuindo para uma evolução mais
lenta desta neuropatia óptica progressiva.
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Os autores não têm conflitos de interesse a declarar
CONTACTO
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