VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA PERSPECTIVA DO ENSINO DE PORTUGUÊS: REFLEXÕES SOBRE OS MANUAIS DIDÁTICOS E AS DIRETRIZES CURRICULARES DE LÍNGUA PORTUGUESA Lucinete Aparecida REBOUÇAS - UNESPAR-FAFIPA1 Flávio Brandão SILVA - UNESPAR-FAFIPA2 RESUMO: Durante o processo de ensino-aprendizagem, com base nas prescrições da gramática normativa, a escola apresenta ao aluno a norma padrão, como a norma linguística de prestígio, socialmente aceita. Nessa perspectiva, falar e escrever bem consiste em utilizar “corretamente” as regras gramaticais. Ao privilegiar a norma padrão, a gramática normativa acaba desconsiderando a variação linguística que ocorre tanto na fala como na escrita. Tal postura provoca uma disparidade entre o que está contemplado na gramática normativa e o que efetivamente ocorre em situações práticas de uso da língua, que, por sua natureza dinâmica, está sujeita à variação. Assim, nossa intenção é observar o tratamento dado à variação linguística no processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa na escola, a partir da análise das Diretrizes Curriculares Estaduais e dos manuais didáticos utilizados na educação básica, no Estado do Paraná. Considerando nossa proposta de trabalho, bem como os objetivos estabelecidos, adotouse, como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica. A diversidade linguística é um assunto ainda pouco explorado no processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa, pois, na realidade, a escola acaba privilegiando o ensino da norma culta. Palavras-chave: variação linguística, língua portuguesa, ensino. 1 Acadêmica do terceiro ano de Letras da UNESPAR- FAFIPA, Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí. Participa do Projeto de Iniciação Cientifica sobre variação Linguística. E-mail: [email protected]. 2 Professor Mestre. Orientador. Docente do colegiado de Letras da UNESPAR- FAFIPA, Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí. Coordenador do Projeto de Iniciação Cientifica de variação Linguística. E- mail: [email protected]. 2 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 1 INTRODUÇÃO A linguagem sempre acompanhou o homem durante o seu processo de evolução, aliás, tendo um papel essencial nesse processo, uma vez que é por meio da linguagem que o homem transforma em elemento material conteúdos abstratos, como o conhecimento, os sentimentos e as experiências vividas. Por meio da linguagem o homem também interage com o grupo social no qual está inserido. Ao pensar na linguagem humana tendo em vista sua natureza simbólica, comunicativa e interacional, devemos nortear nossa reflexão a partir de dois aspectos bastante relevantes: o primeiro é que os fatos linguísticos são de caráter social e o segundo é que esses fatos linguísticos devem ser observados a partir da percepção da variabilidade a que estão submetidos. Nesse sentido, durante o processo de ensino e aprendizagem, com base nas prescrições da gramática normativa, a escola apresenta ao aluno a norma padrão, como a norma linguística de prestígio, socialmente aceita. Nessa perspectiva, falar e escrever bem consiste em utilizar “corretamente” as regras gramaticais. Ao privilegiar a norma padrão, a gramática normativa acaba desconsiderando a variação linguística. Tal postura provoca uma disparidade entre o que está contemplado na gramática normativa e o que efetivamente ocorre em situações práticas de uso da língua, que, por sua natureza dinâmica, está sujeita à variação. Assim, nossa intenção é observar o tratamento dado à variação linguística no processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa na escola, a partir da análise das Diretrizes Curriculares Estaduais e dos manuais didáticos utilizados na educação básica, no Estado do Paraná. 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA LÍNGUA PORTUGUESA 3 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 A linguística moderna iniciada por Saussure tinha como objetivo principal descrever a estrutura do sistema linguístico, o que, sem dúvida, foi um grande avanço para os estudos da linguagem. Mas se a língua deveria ser entendida como uma ocorrência social, conforme preconizava o estruturalismo, era, também, de suma importância, levar em consideração os fatores sociais no processo de descrição das línguas. A partir dessa perspectiva, surge a Sociolinguística, que procura descrever as línguas, direcionando a sua investigação de forma a evidenciar a estreita relação entre língua e sociedade, a qual nos leva a observar a diversidade étnica e cultural de uma comunidade, revelando os seus valores e o seu modo de pensar, materializados nas estruturas linguísticas heterogêneas, efetivamente realizadas pela comunidade dos falantes de uma língua qualquer. Diante das considerações acima, a variação linguística é compreendida como a variação da língua que ocorre em determinados grupos, tempos, espaços e regiões, sendo reconhecida pelo grupo, muitas vezes entremostrando suas identidades sociais, que podem ser desvalorizadas pela sociedade, diante da falta de reconhecimento das variantes linguísticas. Nos dizeres de Camacho (2008), “A variação é o reflexo de diferenças sociais, como origem geográfica e social, e de circunstâncias de comunicação” (CAMACHO, 2008: p. 35). A variação linguística vai além dos espaços temporais e sociais, consiste nos vários modos de comunicação entre os falantes, que se expressam conforme o grau de letramento que possuem, bem como, conforme os diferentes momentos de interação verbal nas relações sociais, que vão de uma conversa informal na família a uma entrevista de emprego. A variação linguística está condicionada a vários fatores que vão dos internos aos externos. Os internos abrangem fonética, fonologia, sintaxe e semântica; os fatores externos compreendem faixa etária, gênero, status socioeconômico, mercado de trabalho e redes sociais que produzem entre si, as variedades que são usadas para cada situação. 4 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 Os fatores de diversidade linguística não ficam assim limitados aos aspectos temporal e espacial. Podem-se identificar e distinguir dois falantes de uma mesma comunidade linguística, geograficamente falando, por suas características decorrentes de diferente nível cultural. Com efeito, não e provável que um individuo iletrado se expresse de modo idêntico a um outro nível cultural mediano ou altamente cultivado(CAMACHO,1988, p.29-30) As variações linguísticas descritas na sociolinguística se expressam de quatro maneiras diferentes: a variação histórica, geográfica (diatópica), estilística e social (diastrática), que são articuladas conforme as práticas linguísticas realizadas em suas comunidades. “O comportamento normal do falante é variar a sua fala de acordo com a prática em que ele (a) se encontra” (FARACO, 2008, p.40). A variação histórica consiste nas mudanças sofridas pela língua ao longo dos tempos, como, por exemplo, a ortografia das palavras, além do fato de que algumas podem ser substituídas por outras, quando caem em desuso, ou seja, do arcaico para o atual, como ocorreu com uso da forma de tratamento “vossa mercê” que resultou na forma atual “você”. A variação geográfica abrange a diversidade linguística observada nas diferentes regiões. Essa variação também adentra todos os níveis linguísticos que vão do fonético, fonológico, morfológico, lexical e discursivo. A variação estilística consiste na maneira como a pessoa usa a língua nas diferentes situações comunicativas, que exigem a adequação verbal condizente ao contexto. Dessa forma, surgem os níveis formal e informal. A variação social diz respeito aos estratos sociais a que as pessoas pertencem, a sua organização sociocultural. “A variação social é o resultado da tendência para maior semelhança entre os atos verbais dos membros de um mesmo setor sociocultural da comunidade.” (CAMACHO, 1988, p. 31-32). Todas as comunidades usam diferentes modos de se expressar, caracterizando-se a língua como inseparável da variação. “A variação linguística é consequência da 5 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 propriedade da linguagem de nunca ser idêntica em suas formas através da multiplicidade de discurso” (MONTEIRO, 2000, p. 63). A variação linguística está relacionada à diversidade cultural da sociedade brasileira, sendo indispensável o seu estudo no espaço escolar, em vistas do reconhecimento da diversidade linguística existente num país heterogêneo. Assim, “todas as modalidades têm de ser valorizadas (falada e escrita, padrão e não padrão), o que em última análise significa que todas as práticas discursivas devem ter seu valor na escola” (NEVES, 2003, p.94). Diante desse contexto, é necessário que se estabeleça uma pedagogia da variação linguística que amplie o respeito para com as outras culturas de linguagem, evitando os preconceitos linguísticos e a desvalorização independente da variação que se apresenta, combatendo as exlusões sociais que esses falares acabam suscitando. Construir uma pedagogia da variação linguística que não escamotei a realidade linguística dos pais (reconheça-o como multilíngue e dê destaque critico á variação social do português), não de um tratamento anedótico ou estereotipado aos fenômenos da variação .Mas acima de tudo, uma pedagogia que sensibilize as crianças e os jovens para a variação de tal modo que possamos combater os estigmas linguísticos, a violência simbólica ,as exclusões sociais e culturais fundadas na diferença linguística(FARACO,2008, p.182). São muitos os esforços para um eficaz ensino da língua portuguesa que não vise apenas às formas de prestígio dominante, mas também que permita valorizar a diversidade linguística que emerge dos diferentes grupos sociais. Aceitar a diversidade linguística na escola é a aceitação da cultura do aluno ao lado da norma padrão, atendendo aos pressupostos de uma sociedade multicultural, que abarca várias situações sociais, assinaladas por marginalidades e preconceitos. Implantar com maior espaço o estudo da variação linguística significa oportunizar aos alunos situações que favoreçam o reconhecimento das várias possibilidades que o sistema linguístico oferece, para que, a partir disso, esse mesmo aluno possa se expressar adequadamente nas diferentes situações de comunicação vivenciadas nos seus meios sociais. 6 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 3 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO E A QUESTÃO DA NORMA: BREVE DISCUSSÃO Levando-se em conta o conjunto e a variedades dos fenômenos que são apresentados no estudo da variação linguística, um dos pontos de discussão diz respeito ao preconceito linguístico que as pessoas sofrem ao usarem essas variações em determinadas situações, o que pode desencadear uma desvalorização de sua identidade, com estereótipos que as inferiorizam e estigmatizam. A variação linguística pressupõe a valoração social, as variantes empregadas por falantes dos estratos mais baixos da população em grande parte são estigmatizadas. E o preconceito é tanto mais forte quanto maior for a identificação da forma com a classe discriminada (MONTEIRO, 2000, p.64). Um dos problemas que dão suporte ao crescimento do preconceito linguístico, é o fato de que, na escola, o que se trabalha é apenas a norma culta, sem levar em consideração a presença da variação que os alunos trazem para os ambientes escolares, quando, na realidade, “a escola tem como função ampliar o repertório linguístico dos estudantes, principalmente pela inserção deles no mundo da cultura letrada” (BAGNO, 2012, p. 08). A maior parte da clientela que chega à escola é constituída de falantes que não convivem com a variante culta e, em muitos casos, pertencem a classes sociais menos favorecidas. A partir disso, é importante tomar o cuidado para que se evite a desvalorização social, em virtude da maneira como as pessoas falam. Teima-se em desconhecer o Brasil pluriétnico, pluricultural, plurilíngue. De poucas décadas para cá, começa a desfazer-se o mito, porque a realidade está se impondo á revelia da ideologia. Considero que dois fatores independentes, mas confluentes, têm favorecido esse se desfazer do mito: o avanço dos estudos linguísticos sobre a realidade; e, aos poucos, mas irreversivelmente, estarem chegando à escola e à universidade, novos e numerosos segmentos da população brasileira, não mais sendo essas restritas aos filhos das oligarquias dominantes. Outras vozes falam e escrevem hoje no Brasil. E não há como ouvi-las. (SILVA e MATTOS, 2004, p. 65). 7 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 A sociedade ainda atribui valor de prestígio ao falar das ditas classes sociais elitizadas, o que pode contribuir para que se acentuem as diferenças sociais. Assim, é dever da escola mostrar os valores que a sociedade atribui às variações, instigando os alunos a refletirem sobre as ideologias que estão por traz das normas de prestígio. A escola também deve mostrar aos alunos que a sociedade atribui valores sociais diferentes aos diferentes modos de falar a língua e que esses valores, embora se baseie em preconceitos e falsa interpretação do certo e do errado linguística tem consequências econômicas¸ politicas sociais muito sérias para as pessoas (CAGLIARI, 1996, p.83). Assim, a norma de prestigio é também um dos objetos que merecem ser destacados, para entender a luta em prol da valorização da variação linguística nos ambientes escolares, na sua colaboração com o ensino de língua portuguesa, em vistas de uma formação real sobre a compreensão da diversidade linguística no ensino de língua portuguesa, visto que qualquer língua apresenta variação. “Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exige sempre variação. Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como uma entidade homogênea” (MUSSALIN, BENTES, 2001, p. 33). Para falar da norma culta aqui no Brasil, faz-se necessário um sucinto aparato histórico percorrendo um caminho de volta ao tempo do Brasil colônia, às reformas educacionais que foram implementadas pelo Marques de Pombal, e que refletiram no estudo da linguagem. A reforma pombalina, inserida na colônia brasileira introduziu as aulas régias de latim, grego e retórica, com a intenção de formar o civil cristão, preservando valores como o temor a Deus. Naquela época ainda não havia muitos professores e os eclesiásticos ainda eram maioria no ensino (VERALDO, 2008). Como afirma Bagno (2009): O decreto de Pombal constitui o primeiro exemplo dos procedimentos autoritários que caracterização as politicas linguísticas no Brasil a partir de então. O português só se tornou a língua majoritária do nosso povo depois de um longo processo de repressão sistemática, incluindo o extermínio físico dos falantes de outras línguas (BAGNO, 2009, p.78). 8 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 A norma padrão desponta em meio às elites culturais que incluíam os que estavam no poder nos papéis políticos e econômicos, das oligarquias que dominavam o país, e buscavam o purismo linguístico, desvalorizando a língua das classes mais desfavorecidas de uma sociedade formada por ex- escravos, índios e uma população rural, que migrava para as zonas urbanas que começavam a crescer nas áreas industriais, onde a ascensão social poderia se dar pela norma-padrão. A ascensão social até os dias atuais ainda sofre a influência desses desígnios do passado, atinente ao fato de se obterem privilégios, e até mesmo inserção de mercado, pelo puritanismo linguístico que ganha espaços pelos meios midiáticos. Por meio do reforço da norma de prestígio, são transmitidas ideologias, preconceitos sociais e discriminação. “O fantasma de Marques de Pombal volta a nos assombrar: nos últimos anos temos presenciado no Brasil, um recrudescimento de atitudes de purismo linguístico ultraconservador que encontra seu lugar privilegiado nos meios de comunicação” (BAGNO, 2009, p. 104). Percebe-se então desde, a colonização, que a norma de prestígio ocupa um lugar de destaque nas relações sociais e a partir de uns tempos mais recentes a variação linguística alcança espaços de maior discussão para a sua implantação oficial no ensino, através da luta desencadeada pelos linguistas a partir da década de 1970. A partir dos documentos legais, como Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, Parâmetros Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa de 2008, a variação linguística alcançou mais campos para ser efetivada no ensino brasileiro. Mas há, ainda, a necessidade de alguns esclarecimentos sobre a norma linguística. Há que se falar também do valor atribuído à norma culta por estudiosos, mencionando quais as definições da norma de prestigio (culta) pelos estudiosos e sua importância também para a educação. A expressão norma culta, comum, standart designa o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas da fala e escrita. Esse vínculo com os usos monitorados e com as práticas da cultura escrita leva os falantes a lhe atribuir 9 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 um valor social positivo, a recobri-la com uma capa de prestígio social (FARACO, 2008, p.73). A norma culta demanda rigor gramatical e é caracterizada como o uso das pessoas que são consideradas mais letradas, e, por isso, tem maior prestígio nas relações sócio históricas. Nessa perspectiva, falar e escrever bem consiste em utilizar “corretamente” as regras gramaticais. Constitui-se, assim, o processo histórico deformação das duas grandes normas do português brasileiro: a norma culta, derivada do uso linguístico de uma elite escolarizada, e a norma popular, que emerge do uso da grande maioria da população do país, desprovida de educação formal e dos demais direitos da cidadania, com os previsíveis reflexos na língua da pluralidade étnica que está na base da sociedade brasileira (LUCCHESI, 2006, p. 88). Se as pessoas não tiverem o domínio da norma de prestígio, podem apresentar um conhecimento limitado da língua oficial, que muitos só vêm a conhecer por meio da escolarização. Questão da norma de prestígio e da variação linguística esbarra no fato de que a norma de prestígio ocupa uma porcentagem de alto índice no ensino, enquanto a variação fica restrita a pequenos momentos no ensino de ensino e aprendizagem. A aceitação, a defesa e o reconhecimento da legitimidade das variedades sem prestigio social não estão em contradição com o trabalho didático de levar os falantes dessas variedades a se apoderar também de novos recursos linguísticos, de outras variedades, principalmente das urbanas de prestígio e da norma padrão tradicional, que ele só terá condições de conhecer por meio da escolarização. (BAGNO, 2009, p. 34). Os linguistas que defendem a diversidade linguística não são contra o ensino da norma padrão, o que se propõe é maior aceitação do ensino da variação no ensino, inclusive com a aceitação da falar que o aluno traz de sua realidade social, de forma se minimizar o preconceito linguístico e social existente. 4-A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DE LÍNGUA PORTUGUESA E NO LIVRO DIDÁTICO 10 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 As Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (DCE’s) enfatizam o aprimoramento linguístico para a inserção social. Não bastam apenas os conhecimentos gramaticais, quanto mais os alunos estiverem no mundo da leitura, através de práticas linguísticas, mais habilidades desenvolverão na compreensão dos vários gêneros discursivos. “O aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos” (BRASIL, Diretrizes Curriculares, 2008, p. 53). Quanto aos procedimentos didáticos adotados que partem de princípios democráticos, o ideal seria usar marcas linguísticas que deem a possibilidade de trabalhar tanto a oralidade como a escrita, explorando atividades que permitam analisar as diferenças entre a atividade linguística nas suas diferenças lexicais, sintáticas e discursivas, tanto nas tipologias textuais como gêneros discursivos. Oralidade. As variedades linguísticas e a adequação da linguagem ao contexto do uso: diferentes registros, grau de formalidade em relação ao gênero discursivo; os procedimentos e as marcas linguísticas típicas de conversação (como a repetição, uso de gírias, a entonação), entre outros; as diferenças lexicais, sintáticas e discursivas que caracterizam a fala formal e a informal. Escrita. Através dos textos dos alunos, num trabalho de reescrita do texto ou de partes do texto, o professor pode selecionar atividades que reflitam e analisam os aspectos: discursivos, textuais, estruturais, normativos (BRASIL, Diretrizes curriculares, 2008, p.79-80). Neste sentido, é preciso que as escolas ofereçam aos educandos os instrumentos necessários para que possam adequar sua linguagem às situações mais formais, ao lado das formas coloquiais adequadas para as situações correlatas, visto que a linguagem humana varia de acordo com o grau de contato entre os seres que a constituem (CAMACHO, 1988). No sistema oficial de ensino, há alunos que provêm, em grande parte, dos setores sociais menos privilegiados da sociedade, e a escola figurar como mediadora entre o uso linguístico e o meio cultural em que o sujeito se insere. “É indispensável 11 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 uma prática de ensino, que fundamentado em conhecimentos sobre as relações de linguagem, sociedade e escola, revelando pressupostos sociais e linguísticos dessas relações sejam realmente competentes e comprometidos contra as desigualdades sociais” (SOARES, 1986, p. 06). Ainda as Diretrizes Curriculares de Língua portuguesa ressaltam: A acolhida democrática da escola às variações linguísticas torna como ponto de partida os conhecimentos linguísticos dos alunos, para promover situações que os incentivem a falar, ou seja, fazer uso da variedade da linguagem que eles empregam em suas relações sociais, mostrando que as diferenças de registro não constituem, científica e legalmente, objeto de classificação e que é importante a adequação de registro nas diferentes instâncias discursivas (PARANÁ, 2008, p. 55). E tendo como um dos pontos análise o livro didático, utilizou-se o livro de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães Português linguagens, do Ensino Médio, observando que ele comtempla explicações sobre a variação linguística, no contexto da língua . O material propõe, no capítulo 3, Linguagem, comunicação e interação, reflexões sobre as variedades linguísticas, sobretudo as variedades linguísticas na construção do texto. Na parte teórica, o livro traz algumas considerações sobre a variação, mostrando como ela se apresenta em suas modalidades e ressaltando os preconceitos que a diversidade linguística sofre perante a variedade padrão. Entretanto, o material não deixa de elucidar que é a norma padrão que predomina no ensino nas escolas, e que isso não significa eliminar a variação que o aluno traz de seu meio social. O material didático em questão usa como exemplificação da variedade linguística um texto de humor, que foi veiculado na internet, com ilustrações de Simone Matias. Logo após o texto, são propostos dois exercícios. Assaltante Nordestino Ei, bichim... Isso é um assalto... Arriba os braços e num se bula nem se cague e nem faça 12 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 bagunça...Arrebola o dinheiro no mato e não faça pantim senão enfio o peixeira no teu bucho eboto teu pra fora!” Perdão meu Padim Ciço, mas é que eu tô com uma fome de moléstia... Assaltante Mineiro Ô sô, prestenção... Isso é um assalto, uai... Levanta os braços e fica quetin que esse trem na minha mão tá cheio de bala... Mió passá logo os troado que eu num tô bão hoje. Vai andando, uai! Tá esperando o que uai!! Assaltante Gaúcho Ô guri, ficas atento... Báh, isso é um assalto. Levantas os braços e te quieta, tchê. Não tentes nada e cuidado que esse facão corta uma barbaridade, tchê. Passa as pilas prá cá! E te manda a la cria, senão o quarenta e quatro fala. Assaltante Carioca Seguiiinnte, bicho ... Tu te fudeu. Isso é um assalto... Passa a grana e levanta os braço rapá... Não fica de bobeira que eu atiro bem pra caralho Vai andando e se olhar pra trás vira presunto... Assaltante Baiano Ô meu rei... ( longa pausa) Isso é um assalto... (longa pausa) Levanta os braços, mas não se avexe não... (longa pausa) Se num quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado... Vai passando a grana, bem devagarinho... (longa pausa) Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado... Não esquenta, meu irmãozinho, (longa pusa) Vou deixar teus documentos na encruzilhada... 13 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 Assaltante Paulista Ôrra, meu... Isso é um assalto, meu... alevanta os braços, meu. Passa a grana logo, meu... Mais rápido, meu, que eu ainda preciso pegar a bilheteria aberta pra comprar o ingresso do jogo do Curintia, meu... Pô, se manda, meu... 1. O texto retrata várias cenas de assalto, cada uma delas situada em um Estado ou região diferente do país. A fala do assaltante tem sempre o mesmo conteúdo, enquanto o uso da linguagem e o modo como o assalto é conduzido mudam de uma situação para outra. Identifique em cada uma das cenas duas palavras ou expressões próprias do: a) Nordestino: b) Mineiro: c) Gaúcho: d) Carioca: e) Baiano: f) Paulista: 2. Além da linguagem, o texto também revela comportamentos ou hábitos que supostamente caracterizam o povo de diferentes Estados ou regiões. O que caracteriza, por exemplo: a) O nordestino? b) O baiano? c) O paulista? Outro texto que também aparece como exemplo de variação linguística é “Causo do minerim”, com três questões para serem respondidas envolvendo aspectos da variação. Observa-se também o uso de uma carta de amor escrita por Olavo Bilac, com o objetivo de se caracterizar o nível de formalismo do texto. O livro ainda traz o texto 14 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 “O trabalho sagrado”, de Henrique Nicolau, com um exemplo de variação territorial. Esse texto proporciona a discussão de diferentes padrões da língua como no texto anterior, em que o aluno reconhece que há diferentes realizações da língua. Esta mesma obra apresenta, no manual do professor, o texto: a “Língua: uso e reflexão”, trazendo explanações que falam sobre a introdução da linguística nos cursos de Letras e sobre a renovação do ensino da língua, que não pode se prender apenas ao ensino da norma. O texto ainda enfatiza que os professores de ensino fundamental e médio precisam estar preparados e serem conhecedores das novas teorias relativas ao estudo da linguagem. Os autores do material didático ora analisado, ao que parecem, pautam-se em preocupações com os estudos linguísticos e estão no caminho de desenvolver o significado da prática linguística nos espaços escolares. Mas, por outro lado, prevalece, em grande proporção, o reforço da norma culta no processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa. Verifica-se, então, que o material didático aqui comentado apresenta-se em relativa consonância com as Diretrizes Curriculares para o ensino da língua portuguesa, na educação básica, no Estado do Paraná, pois enfatiza a necessidade de trabalhar, junto ao aluno, o uso da língua em diferentes situações comunicativas. Entretanto, embora haja um trabalho que coloque em destaque a questão da variação, ainda há uma predominância da norma padrão, trazendo à tona a distância que existe entre o que a escola ensina e o que realmente se efetiva em se tratando do uso da língua. 5 CONCLUSÃO O trabalho desenvolvido, que percorreu o estudo da variação no ensino de português, considerando os manuais didáticos e as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa, mostrou que, embora defendida por vários estudiosos do assunto e aparada legalmente, a diversidade linguística é um assunto ainda pouco explorado no processo 15 VI ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO Educação inclusiva: desafios e perspectivas na contemporaneidade Universidade Estadual de Maringá Câmpus Regional de Cianorte 06 a 09 de novembro de 2012 de ensino e aprendizagem da língua portuguesa, pois, na realidade, a escola acaba privilegiando o ensino da norma culta. Acreditamos que, ao apresentar a norma culta aos seus alunos, a escola deve mostrar que a língua é um fenômeno variável, não podendo, portanto, afirmar que a variante padrão é a única possibilidade de uso linguístico, conforme definiu Risso (1994). Incorrendo nisso, a escola irá contribuir para que se acentuassem, mais ainda, as desigualdades existentes em nossa sociedade. REFERÊNCIAS BRASIL, Decreto 6.094 de 2007. Ministério d a Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil.../_Ato2007.../2007/Decreto/D6094.htm acesso: 25/out/2011. ________. Documento básico do Enem. Diretoria de Avaliação para Certificação de Competências – DACC. Brasília, 2002. ________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Ministério da Educação - MEC, 1996. BAGNO, M. Preconceito linguístico. São Paulo: Edições Loyola, 2009. ________. M.Gramática da nossa língua. Revista Presença Pedagógica. v.18,n.104/mar/abr.2012. CAGLIARI, L. 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