Atividades de ensino e aprendizagem nas corporações brasileiras: alguns fundamentos teóricos e políticos Afrânio Carvalho Aguiar(*) I – Introdução Considerando que o início da moderna industrialização brasileira tenha como referência a implantação das indústrias siderúrgica e automobilística, respectivamente pela instalação da Companhia Siderúrgica Nacional (1947) em Volta Redonda – RJ e das primeiras montadoras de veículos (em meados da década de 50), convém refletir quais fundamentos teóricos de sustentação, desde então até os nossos dias, têm regido as atividades associadas à qualificação de pessoal para o trabalho industrial e a quais bases políticas elas têm estado mais proximamente conexas. (*) Engenheiro Civil e Eletricista, Mestre em Ciência da Informação e Doutor em Administração. Professor da Universidade FUMEC 2 A análise certamente mostrará não apenas diferenças substantivas nas motivações que, em cada momento, suportavam essas atividades como também – e por isto mesmo – escopo e perspectivas metodológicas muito distintas orientando as iniciativas que se relacionam com a aprendizagem industrial. Assim, no início do processo de industrialização brasileira, e por longo tempo, predominaram – como alhures - enfoques fortemente tayloristas voltados ao condicionamento operacional e comportamental do empregado; evoluindo, chega-se hoje a modelos de qualificação como o das “Universidades Corporativas” centrados na produção, disseminação, absorção e gestão do conhecimento tanto específico quanto generalista do “associado” criativo, para manter a denominação que algumas corporações utilizam para designar seus funcionários (seus “talentos” corporativos). Variações diversas crescentemente do adotadas modelo em têm sido organizações brasileiras. Entre esses dois momentos – início do processo da moderna industrialização brasileira e os dias atuais -, aos quais correspondem, 3 respectivamente, como estereótipos, os dois arranjos referidos, conjunturas e modelos de gestão do trabalho e da mão-de-obra originados no exterior, assim como alterações ambientais internas, de natureza política e econômica, foram se sucedendo. Esses modelos muitas vezes traziam alterações mais nominais do que de essência e de filosofia. As diferentes formas de gestão da produção decorriam não apenas de alterações na ambiência política, mas também – e muito fortemente – do desenvolvimento tecnológico que se ampliava e se apressava já que, para quase todas as indústrias, continuamente se reduzia o ciclo de vida dos produtos. Pretende-se, neste alguns períodos marcantes trabalho, considerar a partir da segunda metade do século passado para, dentro deles, serem analisados os aspectos mais distintivos dos esforços de capacitação de pessoal para o trabalho industrial. Esta abordagem parte da premissa de que os processos de gestão da mão-de-obra – aí então incluídas portanto as iniciativas de transmissão de conhecimentos aos integrantes dos vários níveis operacionais e diretivos da corporação 4 – mantêm estreita dependência dos princípios de gestão da produção adotados. A adequada interpretação da análise aqui apresentada requer que não se perca de vista que o desenvolvimento industrial, no plano mundial, não ocorria de forma simultânea em todos os lugares. As três primeiras décadas do século XX constituíram, nos Estados Unidos, o que alguns autores, como Roses (2001) denominam “Era de Produção de Massa”, seguida por uns vinte anos em que a inflexibilidade do taylorismo/fordismo, dando sinais de arrefecimento, inaugurou a “Era do Marketing de Massa”, caracterizada pela diferenciação de produtos e pelo nascimento da competitividade. No capitalismo tardio Brasil, marcado pelo (MOTOYAMA, 1994), estes fenômenos ocorrem com uma defasagem de duas ou três décadas, como se discutirá no próximo item. Vários pesquisadores já buscaram analisar as conseqüências sobre a força de trabalho trazidas pelas novas formas de gestão da produção, no mundo capitalista, nas últimas décadas. Boltanski e Chiapello (1999), por exemplo, em "Le Nouvel Esprit du Capitalism", no capítulo 5 "Le discours de Manegement des Années 90", apresentam uma revisão - Part 2 : L'évolution de la Problématique du Manegement des Années 60 aux Années 90, em que analisam separadamente cada década compreendida no período. No Brasil, Fleury e Fleury (1997), em “Aprendizagem e Inovação Organizacional”, adotam no Capítulo 5 divisão temporal semelhante e, mais à frente, tratam de discutir as questões correspondentes ao foco da publicação segundo dois setores industriais selecionados pela relevância econômica e impacto no mundo do trabalho: setor automobilístico e de telecomunicações. Numa histórica, Vargas (1994) contribuem para perspectiva mais e Motoyama (1994) contextualização da questão analisada. II – Criação da moderna indústria brasileira: de 1950 a 1970 Esse período se caracteriza pela ampliação, diversificação e modernização do parque industrial brasileiro, anteriormente voltado à produção quase que exclusivamente de bens de consumo. 6 Conquanto defasado com relação aos países centrais, na magnitude e no nível tecnológico, essas três décadas correspondem ao que, em termos da economia e da política mundiais, Eric Hobsbawn (1995), em a Era dos Extremos – O breve século XX -, chamou de “Anos Dourados”. Novas usinas siderúrgicas e indústrias químicas, de fertilizantes, têxteis, assim como de máquinas agrícolas e bens de capital, além da indústria automobilística, principalmente no Sudeste se implantavam brasileiro. Esta ampliação do parque industrial, com a criação de algumas indústrias de grande porte, várias de origem estrangeira, fomentaram o desenvolvimento das organizações sindicais e aumentaram o poder de pressão e a capacidade de negociação dos empregados, pelo menos até o golpe militar de 1964 . Com efeito, o modelo político então instaurado descontinua o avanço da organização sindical de um lado mas, de outro, investe fortemente em infra-estrutura de energia, transporte e telecomunicações, condições essenciais para as etapas subseqüentes do desenvolvimento nacional. Por mais de vinte anos não apenas as condições 7 econômicas e sociais se processaram sob a égide do regime militar. Também as relações capitaltrabalho inegavelmente tiveram, nessa época, a marca de seu tempo. A notável expansão industrial do período – principalmente a registrada na década de 1970 era coerente com a orientação da CEPAL, que preconizava que o desenvolvimento dos países retardatários requeria um amplo programa de substituição de importações, cujo objetivo era o de facilitar o surgimento de um setor industrial que “permitisse uma acumulação de capital suficiente para desencadear um processo de desenvolvimento econômico auto-sustentável e duradouro”1 (SUZIGAN, W., 2004). O cerne dessa política de substituição de importações era a defesa dos mercados internos em expansão, e forte protecionismo, inclusive através de subsídios governamentais, ao parque industrial que se instalava. Nestas condições, eliminava-se ou reduzia-se substancialmente a 1 http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/i ndustri/substimp/ . Acesso em 02/05/2004 8 competição entre as corporações, perdia importância o empenho pela qualidade da produção e acalmava-se a preocupação com a inovação tecnológica. Paradoxalmente, o final desse período assistiu à criação da maioria dos Institutos de Pesquisa Tecnológica estaduais e das primeiras Secretarias de Estado de Ciência e Tecnologia, além de órgãos federais como a Secretaria de Tecnologia Industrial em 1972 e a FINEP em 1968, complementando a trilogia com o CNPq, mais antigo, criado em 1951 e voltado especialmente ao apoio à ciência. A década de 1970 marca também a implantação de um sistema eficiente de pósgraduação nas universidades brasileiras, e que, junto com o aparato institucional para Ciência e Tecnologia, passou a constituir parte dos pilares sobre os quais se assentaram processos importantes relacionados com o desenvolvimento tecnológico da agricultura e da indústria nacionais. Mais tarde, a implantação tecnologicamente sofisticadas, de como indústrias a de telecomunicações e bélica, é conseqüências do aumento da capacitação nacional em Ciência e Tecnologia. 9 Se é inegável que a política de substituição de importações viabilizou um amplo processo de desenvolvimento industrial, também é verdade que possibilitou concentração de renda e aumento de desigualdade social. E que características tiveram os procedimentos de capacitação de pessoal nesse período de sensível expansão da atividade a produção industrial no país? A filosofia que orientava industrial e a gestão da mão-de-obra nestas três décadas era – como de resto seguiu sendo em muitos setores até os nossos dias – fortemente caracterizada pelo paradigma taylorista-fordista: parcelização das tarefas com grande especialização em micro-operações, uso extensivo da mão-de-obra não qualificada, taxas de rotatividade elevadas, controle dos trabalhadores, tudo configurando o que vários autores têm chamado de “rotinização”. Fácil entender então que, preservada a essência do princípio de Taylor – a separação entre concepção e execução – a atividade de preparo da mão-de-obra para a indústria consistia 10 fundamentalmente em treinar a mão-de-obra em função da especialização requerida, modelo plenamente justificado dentro de uma política que não valorizava a inovação e a participação; adicionalmente, correspondente (BURNS, apud coerente às com a visão organizações mecanicistas HATCH, 1997) e com a racionalidade das estruturas burocráticas (WEBER, 1961), carecia ainda adestrar o operário para atuar, no interesse da corporação, seguindo os princípios de disciplina, de autoridade, de produtividade e eficiência, de prevenção de desperdícios, de comprometimento com o trabalho evitando-se o absenteísmo, a greve e a rebeldia. Apenas através de sindicatos de indústrias maiores e mais fortes, como a automobilísticas, registraram-se reações que configuravam, de alguma forma, indícios de exaustão da inflexibilidade fordista. Nestas circunstâncias, prevaleceu por longas décadas a orientação dominante dos departamentos de Recursos Humanos: treinamento e adestramento, ao invés de qualificação, formação e capacitação . Coerentemente, grande importância passa a ter o SENAI, criado pelo Decreto 4042, de 11 20/01/1942, sob forte influência de líderes paulistas como Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi. O Serviço ocupava-se em especializar operários para a atividade técnica nas indústrias e, em conjunto com as escolas técnicas existentes, respondeu em grande parte pela transmissão do conhecimento instrumental de que necessitava a atividade fabril. O conhecimento comportamental necessário para complementar a construção do perfil do operário adequado era transmitido pelos departamentos de recursos humanos e pela média gerência das corporações que, por sua vez, em parte havia sido, ela própria, capacitada em cursos e treinamentos no sistema CEAG/CEBRAE, em 1990 transformado no atual SEBRAE. III - Os anos 80: crise do fordismo? O início da década de 1980 revela que profundas modificações na gestão do trabalho e da mão-de-obra se estabeleciam rapidamente nos países industrializados e começavam a chegar ao Brasil. 12 Desde os primeiros anos da década, a indústria passou a viver um longo período de estagnação que duraria até 1992-93. Registra-se, a partir de então, desequilíbrio na balança de pagamentos e aceleração da inflação, em parte decorrentes tanto da crise internacional deflagrada pela elevação dos preços do petróleo e dos juros no mercado norte-americano, quanto da aceleração da inflação, internamente. Pelo resto da década de 1980, os prejudicar, problemas porém imediatos não por preocupações com o longo prazo, acabam por eliminar, as de caráter estratégico, particularmente com o desenvolvimento industrial (SUZIGAN, W., 2004). É certo que pressões para aumento das exportações num momento em que já se acirravam as questões relativas à competitividade, trouxeram à tona os complexos problemas associados à qualidade e à inovação tecnológica. É por isto que, já em 1984, no âmbito do PADCT – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério de Indústria e Comércio lidera a implantação de um abrangente programa 13 de desenvolvimento de Tecnologia Industrial Básica, que duraria quase 15 anos, cuidando de questões relacionadas com Qualidade Industrial, Metrologia, Normalização, Certificação, Propriedade Industrial e Informação Tecnológica. Estas questões antecipavam uma agenda que, no início dos anos 90, competitividade com a decorrente exacerbação da da crescente interdependência de mercado, passaria a se impor a todos os países. No que tange aos processos de gestão da produção, a atenção se volta, no período, ao “modelo japonês” ou toyotismo. (LEITE, 1994). É quando irrompe o avassalador movimento em torno da implantação dos sistemas de Gestão da Qualidade Total nas empresas, dando continuidade ao processo que tivera início ainda nos anos 70 com a difusão dos CCQ – Ciclos de Controle de Qualidade dentro das empresas. Estas práticas de gestão surgem como “... um novo sistema industrial, diferente do fordismo, que se basearia na integração de tarefas, inclusive das relativas à concepção e execução; no emprego de uma mão de obra estável, qualificada, com alto nível de 14 escolarização e bem remunerada; na formação e difusão de redes de subcontração ...” (LEITE, 1994) Esta nova lógica de produzir recebeu nomes diversos, como produção enxuta (“lean production”), especialização flexível ou sistemofatura. Tratava-se de um processo de reestruturação produtiva que procurava superar a organização fordista, substituindo-a, conforme Leite e Silva (1996), "por uma nova forma de organização baseada no envolvimento dos trabalhadores com os objetivos empresariais”. A fragmentação e rotinização, marcas do paradigma taylorista-fordista, sentimentos pessoais organizacionais e (insatisfação, assim como desalinhamentos absenteismo, rotatividade), seria incompatível com o novo paradigma da especialização flexível, que demandaria também uma flexibilização funcional. Isto significava, por exemplo, novas tarefas para um a agregação de trabalhador que se deslocava “da correia transportadora para as ‘ilhas de fabricação’”, assim como a sua rotação por diferentes tarefas, como nas experiências de 15 trabalho em equipes, com o conseqüente “enriquecimento do cargo”. Estas novidades são conseqüência, pelo menos em parte, do renascimento do movimento operário e sindical no início dos anos 80, simultaneamente com movimentos de abertura política. Foi por isto, então, que as empresas tiveram que procurar formas menos conflituosas de gestão de pessoal mas que, no entanto, fossem capazes de contribuir para os objetivos de aumento de produtividade, qualidade e melhoria da crescente e competitividade. A automação industrial concomitante, igualmente é coerente com as questões daquele momento. A década de 80 acompanhou, de fato, a introdução nos sistemas produtivos, conquanto de forma irregular, de Maquinas- Ferramentas de Controle Numérico, Sistemas CAD/CAM, CIM e de todas as técnicas associadas aos Sistemas de Gestão da Qualidade Total: just-in-time; controle estatístico de processo, kanban, kaisen, etc. Seria ingenuidade imaginar que tamanhas transformações na forma de produzir 16 e de gerir não viessem a ter enorme impacto nas relações prevalentes entre capital e trabalho. Se, de um lado, não se pode negar as vantagens de se buscar o aumento da qualidade e da produtividade dos empreendimentos, deve-se, contudo, analisar a forma pela qual a ideologia subjacente, inerente a tais procedimentos – entranhada na essência da filosofia japonesa da Gestão da Qualidade e dos CCQ’s –, certamente indicava: um comprometimento/lealdade do trabalhador, à custa de sua autonomia e segundo a lógica do autoritarismo predominante nas políticas públicas. Os estimulados CCQ’s, em por várias exemplo, foram empresas não verdadeiramente pela motivação de aprimoramento da qualidade mas sim para “conter o ímpeto participativo” da força de trabalho que, àquela altura, já pressionava para irromper (LEITE, 1994). Ademais, o “modelo japonês” de gestão era profundamente marcado por condições culturais do seu País de origem. Não sendo estas condições transplantáveis, o fato explica em grande parte as reações e, em muitos casos os , insucessos, da 17 introdução desses sistemas nas corporações brasileiras. Tais impactos nas formas de gerência das organizações e, em especial, nas relações da organização (dirigentes, controladores, autoridade, supervisores, poder) com seus trabalhadores, obviamente passaram ser objetos de numerosos estudos no campo da Sociologia do Trabalho. Pressões das necessidade de determinando o qualidade produção, da classes aumentar imperativo operárias, as da início exportações melhoria da de introdução significativa de processos automatizados, de um lado, e de técnicas de gestão valorizadas no “modelo japonês”, de outro, impuseram uma correspondente alteração da filosofia de gestão de pessoal, aí incluída a questão da qualificação para o trabalho. As tarefas mais integradas, a valorização (pelo menos em alguns setores) do trabalho em equipe, a maior participação do operário, etc. constituíram modificações importantes, principalmente no final do período, nas relações capital-trabalho e na forma pela qual as 18 empresas, os órgãos representativos de classes produtoras e órgãos governamentais passavam a perceber e a estimular as atividades de capacitação de pessoal para o trabalho industrial. IV – A partir dos anos 90: Era do conhecimento. Suzigan (2004) relata que “...em 1990, após dez anos de estagnação, a indústria de transformação já havia perdido quase cinco pontos participação no percentuais PIB. de Com sérios problemas de defasagem tecnológica, métodos gerenciais organizacionais e formas ultrapassadas e ineficiências quase generalizadas em termos de custos, produtividade e qualidade, a indústria teve de defrontarse com a abertura da economia”. A abertura correspondia ao rompimento com os fundamentos da política de substituição de importações assim como com a tentativa de implantação, em 1988, do que se denominou Nova 19 Política Industrial; as novas diretrizes vieram da Política Industrial e de Comércio Exterior (Dec. 345, 26/06/1990 – Ministério da Economia), que incorporou o já existente PBQP – Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade e cuja implementação, certamente, muito se beneficiou das ações desenvolvidas no contexto do Programa TIB – Tecnologia Industrial Básica, do PADCT. Mudanças significativas ocorreram no ambiente macro e micro econômico. A indústria se viu submetida a intensas pressões competitivas, impondo vigoroso processo de reestruturação industrial a que correspondeu, entre outros fatos, fusões e incorporações de empresas, além de “abandono de segmentos produtivos (principalmente os de tecnologia mais avançada), aumento do coeficiente de insumos importados, racionalização do processo produtivo (terceirização, automação) com redução do emprego, programas de qualidade e produtividade etc.” (SUZIGAN, 2004). Neste momento, pelo menos do ponto de vista das pressões competitivas, a situação brasileira não era muito diferente daquela em que 20 se encontravam os demais países industrializados ou de industrialização recente. A desvantagem nacional, no entanto, estava em que a abertura econômica ocorria aqui mais tardiamente, por exemplo, do que no Chile e também no fato de que as bases tecnológicas das indústrias nacionais eram inquestionavelmente frágeis. A adaptação à nova realidade teria que ser, necessariamente, árdua. A pressão competitiva exacerbada, principalmente a partir da metade da década, põe então em foco o conhecimento como o mais importante insumo de produção, na era pósindustrial. Paul Romer2, que a Revista Time listou com um dos 25 pensadores de maior prestígio nos Estados Unidos na atualidade, quando questionado sobre qual mudança radical estava ocorrendo no capitalismo, além da globalização, no final do século XX, respondeu que a nova economia que se estabelecia era “ baseada no conhecimento, e não 1 Entrevista "Sai o átomo entra o bit", dada à Revista Veja de 07/07/1999. p.140 - Professor da Universidade de Stanford, 21 em matérias-primas. Uma economia baseada no conhecimento não tem limite de crescimento. Ela produz riqueza refinando idéias e conceitos preexistentes [...]O saber é uma turbina na economia...." As empresas, assim como os indivíduos, como diz Leonard-Barton (1998), competem com base em sua aptidão para criar e utilizar conhecimentos: “As empresas são instituições não só financeiras, mas também de saber. São repositórios e nascentes do saber”. Seu ponto de vista é que o conhecimento organizacional deve ser considerado como um de seus ativos principais e, por isto, à sua gestão deve-se dar igual atenção à que se dispensa aos outros ativos da empresa. Mas de qual conhecimento se está efetivamente falando? O conhecimento corporativo compreende não apenas a tecnologia que a empresa domina para oferecer ao mercado seus produtos e serviços, mas também sua capacidade de perceber e detectar oportunidades e ameaças, agir preventivamente, enfrentar a concorrência, conquistar mercados, preservá-los ou abandoná-los segundo as conveniências estratégicas. O 22 conhecimento corporativo está na capacidade de manter a cultura empresarial, e está, sobretudo, na capacidade da alta e média gerência da organização, que compreende a administração de suas atividades de marketing, de pessoal, dos processos de negociação e de vendas, de controle, de suprimentos, e - muito importante - da informação gerada internamente e da informação captada do meio externo. Leite (1994) afirma, no entanto, que no que pese a importância das pressões decorrentes da globalização e da introdução nos ambientes fabris dos procedimentos de reestruturação produtiva, principalmente na década anterior, ainda assim a resistência não superada de parte do empresariado de adotar métodos gerenciais menos autoritários e mais participativos surgia como o fator causal mais significativo dos conflitos capital-trabalho. Contudo, as mudanças nas formas de gestão do trabalho que começaram a ser detectadas nos anos noventa, principalmente em sua segunda metade, com a difusão dos programas de qualidade e produtividade apontam, todavia, para o fato de que as empresas (pelo menos algumas) passaram a se 23 preocupar mais com a estabilização da mão-deobra, qualificação de pessoal, valorização do trabalho, da qualidade de vida do empregado, simplificação das estruturas de cargos e salários e a diminuição dos níveis hierárquicos, ao mesmo tempo em que vêm buscando melhorar o relacionamento com os operários, dentro das fábricas e diminuir os conflitos nos ambientes de trabalho. Coerentemente com esta nova realidade, as iniciativas relacionadas com a capacitação de pessoal se ampliam, ganham importância, passam integrar o repertório estratégico das corporações e se sofisticam e se diferenciam, assumindo amplitudes, arranjos, dinâmica e até mesmo nomes diferenciados para se adequarem às realidades de cada empresa. V – Conclusão A forma pela qual, processos de capacitação pessoal surgiram e evoluíram nas organizações têm conexão clara com os procedimentos de gestão da produção e do trabalho prevalentes nas 24 corporações, em cada época. Refletem também, diretamente, macro diretrizes decorrentes de políticas econômicas e tecnológicas adotadas em níveis governamentais. A crescente competitividade tem sido razão de valorização dos procedimentos de inovação tecnológica, em busca de melhoria de qualidade e de melhores preços, o que exige participação e competência dos que executam o trabalho. Como conseqüência, o conhecimento de todos os participantes do processo – tanto o conhecimento tácito como o explícito – passaram a ter possibilidade de constituir vantagem competitiva da corporação. A geração, disseminação e gestão do conhecimento constitui tarefa complexa que, comportando diferentes abordagens, demanda das corporações capacidade para implantar sistemas de capacitação de pessoal adequados e efetivos. Bibliografia - BOLTANSKI, L., CHIAPELLO, E. Le Nouvel Esprit du Capitalism. Paris: Gallimard, 1999 p. 93 – 153 25 - FLEURY, A. , FLEURY, M. T. L. Aprendizagem e Inovação Organizacional: as experiências de Japão, Coréia e Brasil. São Paulo: Atlas, 1997, 2º ed. - HATCH, Mary. J. Organization Theory: Modern, Symbolic and Postmodern Perspectives. N.York: Oxford Univ. Press, 1997 . 299 p. - HOBSBAWN, E. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 595 p. - LEITE, M. P. , SILVA, R. A . 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