História do Pensamento Econômico O Mercantilismo Fabio Barbieri • Tese: vivemos no mercantilismo – Como veremos, a ideologia mercantilista é natural, ou seja, é herança da evolução cultural e se mantém presente. – Rejeição da evolução econômica em termos de “modos de produção” marxista : • Na verdade vivemos sempre em uma economia mista, ambiente favorável às idéias mercantilistas. • As civilizações passam por ciclos de florescimento comercial e industrial seguido do crescimento do estado e oscilações sobre o seu tamanho. Vide teorias de ciclo político amplo. • Adicionalmente, as primeiras escolas de pensamento se opunham as idéias mercantilistas. • Esses dois motivos justificam estudo atento do mercantilismo. O Mercantilismo • Termo criado por Mirabeau (1763): mercantilismo é conjunto de políticas dominantes entre séculos 16 e 18. • Termo empregado por A. Smith: crítica ao “sistema mercantil” • Termo impreciso: – Significado de “sistema econômico”: realidade ou conceito teórico parcialmente adequado. – Sentido estrito (Smith): protecionismo comercial – Sentido estrito modificado (Senior): riqueza como acúmulo de metais preciosos – Sentido amplo (Schmoller): políticas que dão suporte aos emergentes estados-nação. • Utilizaremos duas abordagens: – Doutrinária e Histórica – Abordagem doutrinária: não existe teoria formal, nem homogeneidade entre autores. Mas o seguinte manifesto dá uma idéia geral do tipo de crença mercantilista. Princípios do Mercantilismo I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. (por Phillip Wilhelm von Hornick - 1684) Que cada pedaço de terra de um país deva ser utilizado para agricultura, mineração ou indústria; Que toda matéria prima encontrada em um país seja usada na manufatura doméstica, porque bens acabados têm valor maior do que matérias primas; Que uma grande população trabalhadora seja encorajada; Que toda exportação de ouro e prata seja proibida e todo dinheiro doméstico seja mantido em circulação; Que toda importação de bens estrangeiros seja desencorajada tanto quanto possível; Onde houver certas importações indispensáveis, que sejam obtidas em primeira mão, em troca de outros bens domésticos em vez de em troca de ouro e prata; Que tanto quanto possível as importações sejam restringidas a matérias primas que possam ser finalizadas domesticamente; Que as oportunidades de vender o excedente de manufaturas de um país sejam constantemente procuradas; Que nenhuma importação seja permitida se tais bens forem produzidos internamente de forma suficiente e adequada. • Objetivos: – ganho material dos estados-nação • Financiar exércitos e burocracia • Estados fortes política e economicamente • Meios: – Acúmulo de metais preciosos • Riqueza: preocupação não com o bem estar dos indivíduos, mas com o acúmulo ouro e prata. (controvérsia sobre identidade entre riqueza e metais – a “falácia de Midas”) • Comércio internacional: – Jogo de soma zero: comércio não é mutuamente vantajoso – Políticas de proibição de saída de ouro e posteriormente de promoção de superávits comerciais. – Resultado: conceito e registro da balança de comércio. • Política interna: intervencionista – Regulações: proporções de insumo, qualidade padrão. – Monopólios: Cia das Índias, outros monopólios legais – Subsídios, em especial a industrias. • Meios (continuação) – Trabalho: • Manutenção da capacidade produtiva: deveria haver muitos trabalhadores, ganhando pouco... • Oferta de trabalho positivamente inclinada: indolência gerada pela prosperidade. • Crítica de David Hume à política comercial – O specie - flow mechanism: • Saldo “favorável” aumenta > entra ouro > via teoria quantitativa, aumentam preços > exportações caem, importações sobem > ouro sai do país > preços caem. – Hume: “dinheiro não é a engrenagem do comércio, mas sim o óleo.” – Exemplo: ouro vindo das Américas via Espanha. Abordagem Histórica • Idade média – – – – Feudalismo Descentralização de poder Voto com os pés Lei natural • Idade moderna – – – – Mercantilismo Centralização do poder Estados nação Aliança entre empresários e governo central Parênteses Teórico: a Teoria da Regulação – Escola da Escolha Pública Autores: J. Buchanan, G. Tullock, M. Olson Pressuposto: auto interesse dos funcionários do estado – políticos maximizam estada no poder, burocratas maximizam renda. Bem: privilégio legal – monopólio, regulação, impostos para concorrentes, etc. Preço: propina, suborno Oferta e demanda de privilégios: Equilíbrio: grau de rent-seeking Regulação: resultado do processo político competitivo pelo qual grupos de interesse buscam proteção de competição econômica. Resultado: prosperidade inversamente proporcional ao grau de rentseeking. Mesma conclusão de A. Smith. Mercantilismo e rent-seeking •Interpretar mercantilismo a luz da teoria da regulação: •Estado central: difícil escapar de regulação •Regulação local x global •Corporações de ofício – privilégios legais •Common law – competição judiciária: aliança parlamento-cortes. •Rainha Elisabeth tenta sem sucesso imitar monarca francês e impor monopólio para pólvora e sal. •Competição: conflito parlamento x monarquia reduz o retorno do rent-seeking. •Interpretar cenário econômico atual à luz da teoria. •Pergunta: vivemos no mercantilismo? Autores: os panfletistas • Dois assuntos: comércio e moeda Comércio • Gerald Malynes (? – 1641) – Lex Mercatoria (1622) • • – The Canker of England´s Common Wealth • • • • Defensor do controle do câmbio para proibir especulação com a moeda. O influxo insuficiente de ouro na Inglaterra seria causada pela manipulação dos banqueiros. Isso impediria o controle do câmbio. Deve-se exigir pagamentos das exportações em ouro. Edward Misselden (1608? – 1854) – – • Regulação necessária para garantir qualidade dos bens exportados Mais ouro estimula o comércio Advogado do aumento do estoque de moeda, da inflação, para estimular o comércio. Advogado da desvalorização da moeda como estímulo às exportações. Thomas Mun (1571-1641) – England´s Treasure by Foreign Trade (1630) • • • • • Modo de obter riqueza: excedente de exportações Aumentar riqueza: uso de terras desocupadas Importações empobrecem Comércio multilateral, não bilateral: embora a Cia. das Índias invista mais ouro na Índia do que traz de lá para a Inglaterra, os bens trazidos de lá são vendidos no exterior, compensando o déficit. Advinha quem trabalhava na Cia. Das Índias? Autores: os panfletistas • Charles Davenant (1656 – 1714) – An Essay on the East Indian Trade (1696) • • • “É do interesse das nações comerciais que seu consumo interno seja pequeno... E que seus próprios produtos manufaturados sejam vendidos nos mercados principais e gastos no exterior, já que, com o que é consumido em casa, um perde apenas o que o outro ganha e a nação em geral não fica mais rica; mas todo consumo externo é um lucro claro e certo.” “Se percebe agora que eles, que possuem o dinheiro vivo, quando descobrirem as necessidades das outras pessoas, farão com toda a probabilidade, estimulados pela sua avareza, uso do dinheiro de uma maneira muito destrutiva para seus companheiros e para os negócios do Reino, se não forem impedidos pelo cuidado e sabedoria do Estado.” Jean Baptiste Colbert (1619 – 1683) – – – Mercantilismo na França é conhecido como colbertismo. Colbert foi ministro da fazenda de Luiz XIV Seu pensamento era representativo do pensamento mercantilismo: • • • • • – Desprezo pelos homens de negócio, egoístas e gananciosos. Defesa de uma população grande, Colônias eram desejáveis como fonte de matéria prima e como mercado consumidor da França O comércio exterior é um jogo de soma zero: a quantidade de bens é relativamente fixa. Era favorável as restrições da saída de ouro, barreiras comerciais e era favorável ao aumento da quantidade de moeda. Adotou políticas condizentes: • • • • • Combatia os clérigos, visando reduzir o número de pessoas improdutivas. Regulamentava fortemente o comércio interno: os consumidores precisam ser protegidos. Ordenou em uma província que todos os filhos a partir de 6 anos deveriam trabalhar em uma industria Concedeu monopólios legais a diversos produtores Empregou compulsoriamente componeses na construção de estradas. Autores: os panfletistas Moeda: • Nicholas Oresme (1320 – 1382) – Dela Moneta (1360) - Tratado sobre a origem, natureza, lei e alterações do dinheiro • • • • • • Nicolaus Copernicus – – • Prefácio: “alguns mantém que qualquer rei ou príncipe pode, com sua autoridade, por direito ou prerrogativa, alterar livremente a moeda corrente em seu reino, regulando-o como quiser e tomando qualquer lucro ou ganho que possa daí surgir: mas outros homens são de opinião contrária.” Principal tese: desvalorizar a moeda é imoral, pior do que usura. Governo tem prerrogativa de cunhagem, mas moeda não pertence a ele. Uma pequena desvalorização é possível, a seignorage, para pagar os custos da cunhagem. A desvalorização explora os cidadãos. É roubo. A menos em caso de guerra. Lei de Gersham: “moeda ruim expulsa moeda boa”. Se o teor de ouro diminui, esse migra para o exterior, onde obtém melhor preço. Antes da exploração do ouro americano pela Espanha, Copérnico afirma que: “o dinheiro em geral deprecia quando ele se torna muito abundante.” “Se muita prata for utilizada na produção de moedas, a demanda por barras será maior do que a de moedas”. Jean Bodin (1530? - 1596) – – Jurista francês: teoria da soberania dos estados. Resposta aos Paradoxos do Sr. Malestroit (1568) • • Primórdios da teoria quantitativa da moeda: os preços não aumentaram por causa da diminuição do teor de ouro, mas principalmente pelo aumento da produção do mesmo. 5 causas da inflação: abundância de outro e prata, monopólios, escassez de bens causada por exportação e desperdício, luxo da monarquia e nobreza e diminuição do teor de ouro das moedas.