FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Liliana Cristina Santos Gonçalves Mestrado em Biologia Celular e Molecular Departamento de Biologia – Faculdade de Ciências Universidade do Porto 2013 Orientador Ana Grangeia, PhD Faculdade de Medicina – Universidade do Porto Coorientador Filipa Carvalho, PhD Faculdade de Medicina – Universidade do Porto FCUP II FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Todas as correções determinadas pelo júri, e só essas, foram efetuadas. O Presidente do Júri, Porto, ______/______/_________ FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA FACULDADE DE CIÊNCIAS – UNIVERSIDADE DO PORTO MESTRADO EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Liliana Cristina Santos Gonçalves Dissertação submetida à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Biologia Celular e Molecular Orientador – Doutora Ana Grangeia Docente Voluntária Departamento de Genética Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Coorientador – Prof. Doutora Filipa Carvalho Professora Auxiliar com Agregação Departamento de Genética Faculdade de Medicina da Universidade do Porto PORTO 2013 III FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA "Sejam quais forem os resultados com êxito ou não, o importante é que no final cada um possa dizer: 'fiz o que pude'." Louis Pasteur IV FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA AGRADECIMENTOS Ao terminar mais esta etapa do meu percurso académico, não posso deixar de agradecer a todos aqueles que contribuíram para a realização desta dissertação de mestrado, em especial: Ao Professor José Pissarra, Diretor do Mestrado em Biologia Celular e Molecular, pelo trabalho efetuado nestes 2 anos de vida inicial do mestrado, sem dúvida complicados. Obrigado também ao corpo docente do mestrado por todos os ensinamentos transmitidos. Ao Professor Doutor Alberto Barros, Diretor do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, pela disponibilização de todos os equipamentos e materiais necessários para a realização deste trabalho. À Doutora Ana Grangeia, orientadora desta dissertação, pela orientação científica, apoio e disponibilidade. Por me incentivar a apresentar o meu trabalho em inglês e não me deixar desistir. Obrigado pela amizade, pela confiança e carinho durante esta minha estadia. És um grande exemplo para mim. À Professora Doutora Filipa Carvalho, co-orientadora desta dissertação, pela oportunidade que me deu, por acreditar na minha capacidade e por toda a orientação científica, apoio disponibilizado e exemplo de trabalho transmitido durante esta passagem pelo departamento. A todos os elementos do Departamento de Genética, em especial à equipa da genética molecular, pela ajuda e esclarecimento de muitas dúvidas que foram surgindo durante este tempo. Aos meus colegas de mestrado, por todos os momentos de alegria, companheirismo, estudo e trabalho que passamos. Iremos ser sempre os primeiros mestres em BCM no Porto. À Marta, Ana Paula, Tânia, Pedro e Francisco. Obrigado pelas pessoas que são e por todos os momentos que vivemos e iremos com certeza continuar a viver. Cada um à sua maneira, contribuíram muito para a minha vida durante este ciclo. Sois uns queridos! V FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA À Raquel, companheira inseparável desta jornada pelo Departamento de Genética, por toda a ajuda laboral. Obrigado pela amizade, pela paciência e por todos os momentos vividos e outros tantos por viver. Sem dúvida que as tuas palavras foram muito importantes para mim durante os tempos bons e menos bons e serão sempre recordadas. És uma sweet! A todos os meus amigos, em especial ao Pedro e a todos os outros que achavam que os PCRs nunca mais tinham fim, pela amizade, carinho e apoio demonstrado ao longo deste tempo. À Inês, longe mas sempre presente nos momentos cruciais. Obrigado por toda a tua amizade ao longo destes anos e por todas as sábias palavras de carinho e apoio nos momentos mais complicados. À Sara, a minha irmã de coração, por estar sempre ao meu lado em todos os momentos da vida, dando-me aquela forcinha para chegar mais além. Obrigado por todas as palavras, carinhos e puxões de orelhas. Obrigado por seres a pessoa que és! Aos meus pais e ao meu irmão, por todo o apoio e carinho que sempre tiveram para comigo, nos bons momentos e principalmente nos maus, por toda a formação que me proporcionaram e pelo seu apoio em todas as decisões que fui tomando ao longo desta vida. A TODOS um sincero OBRIGADO! VI FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA ÍNDICE Agradecimentos………………………………………………………………………………..V Índice…………………………………………………………………………………………..VII Lista de Figuras………………………………………………………………………………..IX Lista de Tabelas……………………………………………………………………………….XI Lista de Abreviaturas…………………………………………………………………………XII Resumo………………………………………………………………………………………….1 Abstract………………………………………………………………………………………….3 1. Introdução............................................................................................................ 6 1.1. Fibrose Cística ......................................................................................... 6 1.1.1. Perspetiva Histórica ......................................................................... 6 1.1.2. Incidência ......................................................................................... 7 1.1.3. Manifestações Clínicas..................................................................... 9 1.1.4. FC Clássica .................................................................................... 11 1.1.5. CFTR-Related Disorders (CFTR-RD) ............................................. 11 1.2. Gene CFTR ............................................................................................ 12 1.2.1. Identificação ................................................................................... 12 1.2.2. Estrutura e Organização................................................................. 13 1.2.3. Espetro de Mutações ..................................................................... 14 1.2.4. Classes das Mutações CFTR ......................................................... 15 1.2.5. Polimorfismos CFTR ...................................................................... 18 1.2.6. Alelos Complexos........................................................................... 19 1.2.7. Correlação Genótipo-Fenótipo ....................................................... 20 1.3. Proteína CFTR ....................................................................................... 23 1.3.1. Classe, Estrutura e Função ............................................................ 23 1.4. Diagnóstico e Rastreio de FC ................................................................. 24 1.4.1. Teste do Suor ................................................................................. 25 1.4.2. Diferença de Potencial Nasal ......................................................... 25 VII FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1.4.3. Análise do Gene CFTR .................................................................. 25 1.4.4. Rastreio Neonatal........................................................................... 26 1.5. Tratamento e Novas Terapias ................................................................ 27 2. Objetivos ........................................................................................................... 30 3. Materiais e Métodos .......................................................................................... 32 3.1. Amostras ................................................................................................ 32 3.2. Extração de ADN.................................................................................... 32 3.3. Quantificação de ADN ............................................................................ 32 3.4. Análise Completa da Sequência do Gene CFTR .................................... 32 3.4.1. Polymerase Chain Reaction (PCR) ................................................ 33 3.4.2. Eletroforese Capilar ........................................................................ 36 3.4.3. Purificação ..................................................................................... 37 3.4.4. Reação de Sequenciação .............................................................. 37 3.4.5. Precipitação ................................................................................... 38 3.4.6. Sequenciação ................................................................................ 39 3.5. 4. Análise Bioinformática das Sequências .................................................. 39 Resultados......................................................................................................... 41 4.1. Variações de Sequência CFTR .............................................................. 42 4.2. Genótipos CFTR .................................................................................... 46 5. Discussão e Conclusão ..................................................................................... 49 6. Bibliografia ......................................................................................................... 55 Anexos…………………………………………………………………………………………61 VIII FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Número de pessoas com FC. O número de adultos com FC é crescente, em relação ao número de crianças. Os dados mostram que atualmente existem mais pessoas com FC em idade adulta. Em 2001, a pessoa mais velha com FC tinha 74 anos de idade, enquanto em 2011, a pessoa mais velha tinha 81 anos. Adaptado de (Cystic Fibrosis Fundation, 2012)............................................................. 6 Figura 2 – Incidência mundial da FC. Adaptado de (WHO, 2004). ...................... 8 Figura 3 - Idade média de sobrevida de doentes com FC. Adaptado de (Cystic Fibrosis Fundation, 2012). .......................................................................................... 11 Figura 4 – Representação esquemática do gene e da proteína CFTR. O gene CFTR é transcrito num ARN mensageiro de 6.5 kb que por sua vez é traduzido numa proteína com 1480 aminoácidos que se localiza na membrana apical das células epiteliais. Adaptado de (Tsui & Durie, 1997). .............................................................. 13 Figura 5 – Mecanismos mutacionais que alteram o normal funcionamento da proteína CFTR. Adaptado de (Lubamba et al., 2012).................................................. 18 Figura 6 – Representação esquemática da proteína CFTR. Adaptado de (Prasad et al., 2010)................................................................................................................. 24 Figura 7 – Processo de separação das amostras e resultados. Adaptado de http://www.qiagen.com/Products/Catalog/Automated-Solutions/Detection-andAnalysis/QIAxcel-Advanced-System#orderinginformation (Qiagen, 2013). ................. 36 Figura 8 – Esquema do processo de purificação: 1. Reação de PCR; 2. Ligação das partículas magnéticas aos amplicões; 3. Separação dos amplicões ligados às partículas magnéticas dos restantes contaminantes; 4. Lavagem dos amplicões com etanol; 5. Eluição dos amplicões; 6. Transferência dos amplicões purificados para um novo tubo. Adaptado de https://www.beckmancoulter.com/wsrportal/wsr/research-anddiscovery/products-and-services/nucleic-acid-sample-preparation/agencourt-ampurexp-pcr-purification/index.htm (Beckman Coulter, 2013a). ............................................ 37 Figura 9 – Esquema do processo de precipitação: 1. Adição do reagente Agencourt CleanSEQ e etanol aos produtos de sequenciação; 2. Ligação das partículas magnéticas aos produtos de sequenciação; 3. Separação dos produtos de sequenciação dos contaminantes; 4. Lavagem com etanol; 5. Eluição dos produtos de sequenciação; 6. Transferência dos produtos precipitados para um novo tubo. Adaptado de https://www.beckmancoulter.com/wsrportal/wsr/research-and- IX FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA discovery/products-and-services/nucleic-acid-sample-preparation/agencourt-cleanseqdye-terminator-removal/index.htm (Beckman Coulter, 2013b). ................................... 38 Figura 10 – Imagem virtual de um gel correspondente à amplificação dos 27 exões do gene CFTR de uma amostra em estudo. As duas bandas observadas para o exão 6b e para o exão 10 correspondem à variação de sequência c.744-31TTGA[3_7] e à mutação F508del, respetivamente. ....................................................................... 41 Figura 11 – Sequência forward do exão 1 e respetivas regiões intrónicas. O exão 1 começa no codão ATG (codão de iniciação – Metionina) e termina em CAG. . 42 X FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA LISTA DE TABELAS Tabela I – Incidência Mundial da FC. .................................................................. 8 Tabela II – Manifestações clínicas da FC. ......................................................... 10 Tabela III – Diferentes classes de mutações do gene CFTR. ............................ 16 Tabela IV – Correlações genótipo-fenótipo CFTR. ............................................ 21 Tabela V – Critérios de diagnóstico da FC. ....................................................... 24 Tabela VI – Componentes da PCR.................................................................... 33 Tabela VII – Condições da PCR. ....................................................................... 33 Tabela VIII – Componentes da PCR com Type-it. ............................................. 34 Tabela IX – Condições da PCR com Type-it. .................................................... 34 Tabela X – Primers utilizados na amplificação dos exões do gene CFTR. ........ 35 Tabela XI – Componentes da reação de sequenciação..................................... 37 Tabela XII – Condições da reação de sequenciação. ........................................ 38 Tabela XIII – Frequências genotípicas e alélicas das variações de sequência detetadas nas 194 amostras em estudo. .................................................................... 44 Tabela XIV – Genótipos dos quarenta e três indivíduos heterozigóticos para uma ou duas variações de sequência no gene CFTR......................................................... 46 XI FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA LISTA DE ABREVIATURAS ABC ATP-Binding Cassete ACMG American College of Medical Genetics ACOG American College of Obstetricians and Gynecologists ADN Ácido desoxirribonucleico ATP Adenosine Triphosphate BLAST Basic Local Alignment Search Tool CBAVD Congenital Bilateral Absence of Vas Deferens CFTR Cystic Fibrosis Transmembrane conductance Regulator CFTR1 Cystic Fibrosis Mutation Database CFTR2 Clinical and Functional Translation of CFTR CFTR-RD CFTR-Related Disorders Cl - Anião cloreto DP Diferença de Potencial DPN Diferença de Potencial Nasal FC Fibrose Cística IP Insuficiência Pancreática IRT Teste do tripsinogénio imunorreativo mARN Ácido ribonucleico mensageiro MLPA Multiplex Ligation dependent Probe Amplification MSD Membrane Spanning Domains + Na Catião sódio NBD Nucleotide Binding Domains NCBI National Center for Biotechnology Information PCR Polymerase Chain Reaction PKA Protein Kinase A PKC Protein Kinase C QF-PCR Quantitative Fluorescence - PCR R Regulatory Domain RE Retículo Endoplasmático SP Suficiência Pancreática XII FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA RESUMO A Fibrose Cística (FC) é a doença genética autossómica recessiva mais comum na população Caucasiana, afetando aproximadamente 1 em cada 2500 nascimentos, com significativas variações de acordo com o grupo étnico e localização geográfica. A FC é causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane conductance Regulator), que resultam na perda ou diminuição do transporte de iões, nomeadamente Cl-, mediado por este canal, através da membrana apical das células epiteliais. Após a identificação do gene CFTR, em 1989, esperava-se que apenas um número limitado de mutações causadoras de doença pudessem causar FC, contudo, estão atualmente descritas cerca de 2000 variações de sequência no gene CFTR. No entanto, é importante realçar que as consequências moleculares e funcionais de muitas destas variações estão ainda por definir e que a maioria das mutações identificadas são raras. De facto, menos de 10 mutações ocorrem com uma frequência maior que 1%, sendo a mutação mais comum, F508del, responsável por aproximadamente 66% dos pacientes com FC. Em Portugal, a prevalência da FC é ainda desconhecida. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar o tipo e a frequência das variações identificadas no gene CFTR detetadas durante o rastreio da população portuguesa, bem como a prevalência de FC. Este estudo foi realizado a partir de amostras de ADN, extraídas de células da mucosa bucal de 194 crianças Portuguesas, seguido de amplificação por PCR e sequenciação direta dos 27 exões e regiões intrónicas flanqueantes do gene CFTR. Foram identificadas 39 diferentes variações de sequência, das quais 17 correspondem a variações de sequência associadas a FC ou CFTR-RD e as restantes 22 a polimorfismos. A variação de sequência mais comum foi a variante IVS8T5, com uma frequência alélica de 3,1%, seguida do alelo complexo G576A-R668C com uma frequência alélica de 1,5% e das variações de sequência V754M e L997F com uma frequência alélica de 1,3%. A mutação causadora de FC, F508del, foi encontrada em duas amostras, apresentando uma frequência alélica de 0,5%. Foram ainda observadas cinco amostras com duas variações de sequência: uma criança do sexo masculino com o genótipo F508del/F1052V, que em heterozigotia composta pode resultar num fenótipo de FC clássica e quatro crianças, três do sexo masculino e uma do sexo feminino com os genótipos G576A-R668C/L997F, R297Q/E725K, IVS8T5(TG)12/S1235R e IVS8T5(TG)12/L967S, respetivamente, que em heterozigotia composta pode resultar num fenótipo de CFTR-RD. De acordo com os resultados obtidos, a frequência de portadores de uma mutação é de 18,6% (36/194) e a prevalência de FC, nesta 1 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA população em estudo, é de 0,5% (1/194). Com o presente trabalho esperamos determinar a prevalência de FC, bem como contribuir para um melhor conhecimento do espetro de variações de sequência na população Portuguesa, com vista a melhorar o diagnóstico de FC. Palavras-chave: Fibrose Cística, CFTR, CFTR-Related Disorders, Variações de Sequência. 2 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA ABSTRACT Cystic Fibrosis (CF) is the most common autossomal recessive genetic disease in the Caucasian population, affecting approximately 1 in every 2500 births, with significant variations according to ethnic group and geographical location. CF is caused by mutations in the CFTR gene (Cystic Fibrosis Transmembrane conductance Regulator), that result in loss or reduction in ion transport, in particular Cl-, mediated by the CFTR channel across the apical membrane of epithelial cells. After the CFTR gene identification in 1989, it was expected that only a limited number of mutations could cause CF, however, almost 2000 different sequence variants have already been reported in the CFTR gene. Nonetheless, the molecular and functional consequences of many of these sequence variations are still unknown and the majority of mutations identified are rare. In fact, less than 10 mutations occur with a frequency greater than 1%, being the most common mutation, F508del, responsible for approximately 66% of patients with CF. In Portugal, the prevalence of CF is still unknown. So, the aim of this work is to investigate the type and frequency of sequence variations in the CFTR gene, by screening a random sample of the pediatric Portuguese population and to determine the prevalence of CF. This study was performed in DNA samples, extracted from buccal mucosa cells of 194 children of the Portuguese population, followed by PCR amplification and direct sequencing of 27 exons and flanking intronic regions of the CFTR gene. We identified 39 different sequence variations, of which 17 correspond to sequence variations associated with CF or CFTR-RD and the remaining 22 corresponds to polymorphisms. The most frequent sequence variation was IVS8T5, with an allelic frequency of 3,1%, followed by the G576A-R668C complex allele with an allelic frequency of 1.5% and V754M and L997F sequence variations with an allelic frequency of 1.3%. The F508del mutation was found in two samples, with an allelic frequency of 0.5%. It was also detected five samples with two sequence variations: a boy with the genotype F508del/F1052V, that in compound heterozygosity can lead to a classic CF and four children, three boys and one girl, with the genotypes G576AR668C/L997F, R297Q/E725K, IVS8T5(TG)12/S1235R and IVS8T5(TG)12/L967S, respectively, that in compound heterozygosity can lead to a CFTR-RD. According to the results obtained, the carrier’s frequency is 18,6% (36/194) and the prevalence of CF, in the studied population, is 0,5% (1/194). With the present results we expect to determine the CF prevalence, as well as to contribute for a better knowledge of the spectrum of the CFTR gene sequence variations in Portuguese population, which will improve the CF diagnosis in these patients. 3 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Key-words: Cystic Fibrosis, CFTR, CFTR-Related disorders, Sequence variations. 4 INTRODUÇÃO FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1. INTRODUÇÃO 1.1. FIBROSE CÍSTICA A Fibrose Cística (FC, MIM 219700) é a doença genética autossómica recessiva mais frequente e grave na população Caucasiana. Esta doença conduz a uma significativa morbidade e mortalidade, em que a idade média de sobrevida é cerca de 37 anos (Collaco & Cutting, 2008, Cystic Fibrosis Fundation, 2012). De acordo com diversos estudos efetuados, a FC afeta 1 em cada 2500 recém-nascidos e 1 em cada 25 indivíduos é portador assintomático de uma mutação no gene da FC (Thompson et al., 2002, Walters & Mehta, 2007) (Figura 1). Figura 1 - Número de pessoas com FC. O número de adultos com FC é crescente, em relação ao número de crianças. Os dados mostram que atualmente existem mais pessoas com FC em idade adulta. Em 2001, a pessoa mais velha com FC tinha 74 anos de idade, enquanto em 2011, a pessoa mais velha tinha 81 anos. Adaptado de Cystic Fibrosis Fundation, 2012. 1.1.1. PERSPETIVA HISTÓRICA No século XIX, Carl von Rokitansky descreveu um caso de morte fetal com peritonite meconial, uma complicação do íleo meconial associado com FC. O íleo meconial foi descrito pela primeira vez em 1905 por Karl Landsteiner (Busch, 1991). Em 1936, Guido Fanconi descreveu uma ligação entre a doença celíaca, a FC do pâncreas e bronquiectasias (Fanconi et al., 1936). Em 1938, Dorothy Hansine Andersen publicou o artigo "A Fibrose Cística do Pâncreas e a sua Relação com a Doença Celíaca: um Estudo Clínico e Patológico", no American Journal of Diseases of Children. Andersen foi a primeira médica a caracterizar a FC do pâncreas e a relacioná-la com a doença pulmonar e intestinal 6 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA característica da FC. Foi também a primeira pessoa a propor a FC como uma doença recessiva e a utilizar a reposição enzimática pancreática no tratamento de crianças afetadas (Andersen, 1938, Welsh et al., 2001). Farber, em 1945, reconheceu a implicação do muco viscoso na manifestação dos sintomas, denominando-o como mucoviscidose. A perda aguda de sal causada por uma excessiva sudorese em bebés com FC, durante as ondas de calor em 1953, foi demonstrada por Di Sant’Agnese permitindo o posterior desenvolvimento do teste de suor, ainda hoje utilizado no rastreio de FC (Di Sant'Agnese et al., 1953, Welsh et al., 2001). Em 1985, foi descrita a localização do gene responsável pela FC no braço longo do cromossoma 7 (Knowlton et al., 1985, Tsui et al., 1985). Francis Collins, Lap-Chee Tsui e John R. Riordan, em 1988, identificaram a primeira mutação no gene da FC F508del. Em 1989, Lap-Chee Tsui e colaboradores descobriram o gene responsável pela FC e aperceberam-se que a proteína resultante constituía um canal de Cl- ou um regulador deste eletrólito, sendo denominado de Cystic Fibrosis Transmembrane conductance Regulator (CFTR). 1.1.2. INCIDÊNCIA A FC é a patologia genética autossómica recessiva mais comum em populações descendentes do Norte da Europa, ocorrendo em aproximadamente 1 em cada 2500 nascimentos e 1 em cada 20-30 são portadores assintomáticos de uma mutação no gene CFTR. No entanto, a prevalência de FC varia de acordo com a localização geográfica e antecedentes étnicos (Tabela I; Figura 2). Por exemplo, a doença manifesta-se em cerca de 1 em 3000-3500 na população branca americana, 1 em 4000-10000 em latino-americanos e 1 em 15000-20000 nos afro-americanos (Walters & Mehta, 2007, O'Sullivan & Freedman, 2009, Salvatore et al., 2011). Não existem dados concretos relativamente à prevalência da doença no norte de África, contudo alguns estudos reportam a presença de mutações frequentes na Europa, o que sugere uma elevada influência geográfica. No sul de África, estima-se uma frequência de portadores de 1 em 42 indivíduos e que 1 em 7056 apresentem FC. A incidência da FC no Médio Oriente varia de acordo com os antecedentes étnicos e grau de consanguinidade da população, contudo, estima-se que 1 em 2500-15800 sejam diagnosticados com a doença. A FC é normalmente rara na Ásia, com uma prevalência de 1 em 4000-100000 nascimentos na Índia e 1 em 100000-350000 no Japão. Na Oceânia, a elevada prevalência desta patologia está relacionada com a emigração de europeus para esta região (WHO, 2004, Walters & Mehta, 2007). 7 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Figura 2 – Incidência mundial da FC. Adaptado de WHO, 2004. Tabela I – Incidência Mundial da FC. Continente País Incidência Europa Finlândia Polónia Holanda Dinamarca França Suécia Itália Espanha Portugal Reino Unido Irlanda 1:25000 1:6000 1:4750 1:4700 1:4600 1:2200-4500 1:4200 1:3500 1:3000 1:2500 1:1800 Canadá 1:3000-3500 (Caucasianos) 1:4000-10000 (Latino-americanos) 1:15000-20000 (Afro-americanos) 1:3600 América do Sul Equador México Brasil Cuba 1:11252 1:8500 1:6900 1:3900 África África do Sul 1: 2000 (Brancos) 1:12000 (Cor) Ásia Japão Índia (Judeus Asknazi e árabes) 1:100000-355000 1:40000-100000 1:1800-4000 Oceânia Austrália Nova Zelândia 1:2900 1:3200 América do Norte Estados Unidos Adaptado de WHO, 2004, Walters & Mehta, 2007, Farrell, 2008, Salvatore et al., 2011. 8 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Em Portugal, estima-se que 1 em cada 3000 recém-nascidos apresente FC e que 1 em 25 seja portador assintomático de uma mutação. No entanto, Lemos et al. (2010) descreveram uma prevalência de 1 em 14000 indivíduos com a doença na região centro do país, de acordo com os registos de pacientes obtidos entre 1970 e 2008 nos dois centros de diagnóstico dessa região (Lemos et al., 2010). Entre 1992 e 1995, foi realizado um rastreio pré-natal experimental pelo teste do tripsinogénio imunorreativo (IRT), verificando-se uma incidência da doença de 1 em 10000 recémnascidos nos distritos do Porto e Coimbra (Vilarinho et al., 2006). 1.1.3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A FC conduz a alterações patológicas de órgãos que expressam a proteína CFTR nas células epiteliais, nomeadamente as vias respiratórias (incluindo os seios nasais e os pulmões), o trato gastrointestinal (incluindo o pâncreas e o sistema biliar), as glândulas sudoríparas e o sistema geniturinário (Huffmyer et al., 2009). A elevada morbilidade e mortalidade resultam do comprometimento do sistema de defesa pulmonar, conduzindo a infeções crónicas e inflamações das vias aéreas. Infeções persistentes, nomeadamente com Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus, causam uma produção crónica de expetoração, obstrução das vias aéreas e eventualmente, bronquiectasias e destruição pulmonar. A insuficiência pancreática exócrina, que ocorre em aproximadamente 85% dos pacientes, conduz a uma má absorção de gordura, esteatorreia e défice ponderal. Ao nível gastrointestinal, o íleo meconial, presente em aproximadamente 10 a 20% dos recém-nascidos, é muitas vezes marcador de diagnóstico da doença. No que diz respeito à fertilidade, quase todos os homens com FC são inférteis devido a malformações congénitas no sistema reprodutor. Outras características da doença incluem cirrose biliar, reduzida fertilidade nas mulheres, formação de pólipos nasais e diabetes (Welsh et al., 2001, Huffmyer et al., 2009, O'Sullivan & Freedman, 2009). Estas manifestações clinicas da FC encontram-se sumarizadas na Tabela II. 9 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Tabela II – Manifestações clínicas da FC. Hipertrofia das células calciformes, secreções mucosas viscosas com transporte mucociliar Pulmões Atelectasia, inflamação das vias aéreas, e hipoxia crónica Colonização com Pseudomonas, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenza e outros Doença obstrutiva das vias aéreas Vias aéreas superiores Pâncreas Pólipos nasais Hipertrofia e hiperplasia da mucosa nasal Deficiência pancreática exócrina: redução do volume e pH das secreções, retenção de enzimas digestivas, autodigestão pancreática conduz a má absorção de gordura e de proteínas Doença pancreática endócrina: CF-related diabetes mellitus (CFRD) Testes de função hepática anormais Infiltração de gorduras no fígado Fígado/Bílis Cirrose Associação com carcinoma hepatocelular Colelitíase e colecistite Alteração do metabolismo hepático Trato Gastrointestinal Doença Óssea Síndrome de obstrução intestinal distal (DIOS): episódios recorrentes de obstrução intestinal, dor abdominal, distensão, náuseas, vómitos e obstipação Baixa densidade mineral óssea Aumento da incidência de fraturas Início tardio da puberdade em homens e mulheres Sistema Geniturinário Infertilidade masculina, devido à ausência congénita bilateral dos canais deferentes e azoospermia obstrutiva Anatomia feminina normal, mas o muco cervical persistente pode resultar em diminuição da fertilidade Ciclos menstruais normais ou quase normais Adaptado de Huffmyer et al., 2009. De acordo com os dados do relatório anual da Fundação Fibrose Cística, a idade média de sobrevida dos pacientes aumentou de 25 anos em 1985 para 37 anos em 2011 (Figura 3) (Cystic Fibrosis Fundation, 2012). Este aumento observado prende-se com uma melhor visão do curso natural da doença, conduzindo a tratamentos que visam as infeções respiratórias, inflamações e estado nutricional (Cohen-Cymberknoh et al., 2011). 10 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Figura 3 - Idade média de sobrevida de doentes com FC. Adaptado de Cystic Fibrosis Fundation, 2012. 1.1.4. FC CLÁSSICA A maioria das crianças com FC apresenta infeções pulmonares crónicas e recorrentes, esteatorreia e défice de crescimento. A insuficiência pancreática encontrase presente em aproximadamente 85% dos indivíduos afetados. O diagnóstico é confirmado tipicamente por um teste de suor elevado (> 60 mmol/L) bem como pela identificação de duas mutações CFTR. Aproximadamente 70% dos indivíduos afetados apresentam uma cópia da mutação F508del, sendo que cerca de 25% são homozigóticos para esta mutação (Paranjape & Zeitlin, 2008). 1.1.5. CFTR-RELATED DISORDERS (CFTR-RD) Os indivíduos que apresentam um fenótipo de FC monossistémica e um teste de suor normal (< 40 mmol/L) ou no limite (40-60 mmol/L), são descritos como tendo uma forma não clássica da doença. Esta condição é agora descrita como uma doença associada a alterações da proteína CFTR (CFTR-RD). Geralmente, estes pacientes têm suficiência pancreática (SP) e alterações pulmonares variáveis (comparativamente com a forma clássica de FC) e são portadores de duas mutações CFTR, sendo que pelo menos uma delas resulta numa expressão e função parcial da proteína. Os sintomas de CFTR-RD normalmente apresentam-se com menor gravidade durante a infância, tornando-se clinicamente mais significativos após a primeira década de vida e durante a idade adulta. Os pacientes podem apresentar, alternativamente, apenas sintomas monossistémicos, tais como cirrose biliar, pancreatites recorrentes, sinusites crónicas, pólipos nasais ou infertilidade secundária devido à ausência congénita bilateral de canais deferentes (CBAVD) (WHO, 2004, Paranjape & Zeitlin, 2008). 11 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA A CBAVD ocorre com uma frequência aproximada de 1-2% nos homens inférteis e é responsável por cerca de 6% dos casos de azoospermia obstrutiva. A variante IVS8T5 pode ser considerada uma mutação causadora de CBAVD apresentando no entanto uma penetrância variável (Grangeia et al., 2005). Esta variante apresenta uma frequência de 5% na população caucasiana, aumentando para 25% em pacientes com CBAVD. Quando detetada em combinação com outra ou outras variantes que reduzam a quantidade de proteína funcional pode causar um fenótipo de CFTR-RD (WHO, 2004). Doença pulmonar moderada e bronquiectasias idiopáticas em pacientes mais velhos podem sugerir um fenótipo de CFTR-RD sendo assim necessária a realização de um teste de suor, avaliação da função da proteína CFTR e análise genética, particularmente para mutações moderadas no gene CFTR (Paranjape & Zeitlin, 2008). 1.2. GENE CFTR 1.2.1. IDENTIFICAÇÃO Como não foram encontradas anomalias cromossómicas estruturais envolvidas na FC, foi efetuada clonagem posicional usando o mapeamento genético posicional para localizar e clonar o gene envolvido nesta doença. Assim, procedeu-se ao estudo de amostras de ADN de quase 50 famílias com FC para análise da ligação entre a FC e centenas de marcadores espalhados pelo genoma, até que finalmente foi identificada uma ligação entre a FC e os marcadores existentes no braço longo do cromossoma 7 (Thompson et al., 2002). Estes marcadores foram os primeiros utilizados no diagnóstico molecular da FC (Estivill et al., 1988). Em 1989, foi efetuada a identificação do gene responsável pela FC, o gene CFTR, bem como da principal mutação responsável pela doença, F508del, através da combinação das técnicas de chromossome jumping, mapeamento físico, isolamento das sequências exónicas e análise genética ( Kerem et al., 1989, Riordan et al., 1989, Rommens et al., 1989, Cutting, 1997). A sequência de ADN complementar do gene CFTR foi posteriormente determinada, em 1991, juntamente com a localização dos limites intrão/exão (Zielenski et al., 1991). A FC representa a primeira doença genética estritamente explicada pelo processo de clonagem posicional, anteriormente denominado de genética reversa, (Buchwald et al. 1989, Kerem et al., 1989, Riordan et al., 1989, Rommens et al., 1989). 12 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1.2.2. ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO O gene CFTR está localizado na região q31.2 do cromossoma 7 e engloba 250kb de ADN genómico. É constituído por 27 exões (sequências que codificam para uma proteína) intercalados por longas sequências intrónicas (sequências não codificantes). Os exões eram numerados do 1 ao 24, com as subdivisões “a” e “b” para os exões 6, 14 e 17, visto terem sido reconhecidos só depois da publicação original do gene (Zielenski et al., 1991), contudo, atualmente, esta numeração é feita do 1 ao 27 (Cystic Fibrosis Mutation Database, 2011). O gene CFTR é transcrito num ARN mensageiro com 6.5 kb que por sua vez é traduzido numa proteína com 1480 aminoácidos e com um peso molecular de aproximadamente 170 kDa (Figura 4) (Riordan et al., 1989) . Figura 4 – Representação esquemática do gene e da proteína CFTR. O gene CFTR é transcrito num ARN mensageiro de 6.5 kb que por sua vez é traduzido numa proteína com 1480 aminoácidos que se localiza na membrana apical das células epiteliais. Adaptado de Tsui & Durie, 1997. A proteína CFTR funciona como um canal de transporte de Cl- localizado na membrana apical das células epiteliais, regulando o movimento transepitelial de água e solutos devido à translocação mediada de Cl- através da membrana plasmática (Riordan et al., 1989). 13 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1.2.3. ESPETRO DE MUTAÇÕES A FC é uma doença autossómica recessiva, resultando de mutações num único gene. Desde a descoberta do gene CFTR e da mutação F508del, em 1989, foram encontradas cerca de 2000 outras variações de sequência neste gene (Cystic Fibrosis Mutation Database, 2011). Investigações anteriores evidenciam que as mutações causadoras de FC existem desde o período Paleolítico (50000 anos), e muitas estão fortemente associadas com populações derivadas da Europa (Morral et al., 1994). Estas mutações encontram-se localizadas ao longo de toda a região codificante do gene e também na região do promotor. No entanto, existem regiões onde as mutações são mais comuns, tais como os domínios de ligação de nucleótidos (NBD) e o domínio regulador (R) e que correspondem a domínios ou aminoácidos importantes ao nível funcional e estrutural da proteína (Rowntree & Harris, 2003). A maior parte das variações de sequência estão associadas a doença, enquanto as restantes são classificadas como polimorfismos. A grande maioria destas variações associadas a doença correspondem a variações pontuais que afetam apenas um ou poucos nucleótidos. E apenas 1% corresponde a rearranjos genómicos, como deleções e inserções que afetam centenas ou milhares de pares de bases (Welsh et al., 2001). Do total de mutações, 40,26% são missense (conduzem à substituição de um aminoácido), 15,88% são frameshift (pequenas deleções ou inserções que alteram a grelha de leitura), 11,65% são mutações que afetam o local de splicing e 8,3% são nonsense (originam codões de terminação prematuros). Das restantes alterações no gene CFTR, 13,87% correspondem a variações de sequência (polimorfismos), 1,96% corresponde a inserções/deleções in frame, 0,77% são ao nível da região promotora e 4,79% correspondem a alterações ainda desconhecidas (Cystic Fibrosis Mutation Database, 2011). Embora extremamente raros, têm existido alguns casos reportados de FC associados a uma dissomia uniparental do cromossoma 7 (Hehr et al., 2000, Le Caignec et al., 2007). Em todo mundo, menos de 20 mutações CFTR apresentam uma frequência superior a 0,1%, sendo que estas frequências variam entre diferentes regiões geográficas e grupos étnicos (Bobadilla et al., 2002). A mutação F508del é a mutação CFTR mais comum na população caucasiana, sendo encontrada em aproximadamente dois terços dos indivíduos diagnosticados com FC. Esta mutação está virtualmente ausente nas populações nativas de África e Ásia, embora exista com uma frequência considerável em populações mistas, tais como os afro-americanos. Na Europa, esta mutação apresenta um evidente gradiente na sua frequência, sendo mais elevada a noroeste (88% na Dinamarca) e mais reduzida a sudeste (25% na Turquia) 14 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA tal como se verifica na prevalência da FC e demonstrado em estudos anteriores (Estivill et al., 1997, Welsh et al., 2001, Bobadilla et al., 2002). A mutação F508del consiste na deleção de 3 nucleótidos CTT na posição 1521 do gene CFTR e envolve os aminoácidos Isoleucina (Ile) e Fenilalanina (Phe) nas posições 507 e 508, respetivamente. Esta alteração conduz à deleção do aminoácido Phe e à substituição sinónima da Ile, alterando a função do domínio NBD1 e por conseguinte o misfolding da proteína, levando à sua degradação (Bartoszewski et al., 2010). A maioria das outras mutações CFTR é muito rara ou restrita a uma área geográfica especifica. Apenas 4 mutações, G542X, G551D, N1303K e W1282X, apresentam uma frequência superior a 1%. Muitas das outras mutações são exclusivas de um indivíduo ou família em particular ou então encontradas em apenas alguns casos em todo o mundo (Rowntree & Harris, 2003). Mutações de novo no gene CFTR são extremamente raras (Cremonesi et al., 1996). Segundo Lemos et al. (2010), em Portugal, a frequência da mutação F508del é de 69%, aproximando-se da frequência encontrada em países da Europa do Norte e Central, enquanto a mutação R334W, a segunda mais comum no nosso país, apresenta uma frequência de 12,8% (Lemos et al., 2010). 1.2.4. CLASSES DAS MUTAÇÕES CFTR Os efeitos das mutações CFTR são expressos sob vários mecanismos moleculares que incluem a ausência de produção da proteína CFTR, a produção de uma proteína mutante com uma atividade reduzida ou não funcional na membrana apical das células epiteliais (Welsh et al., 2001). Assim, foi possível classificar as diferentes mutações de acordo com o impacto quantitativo e/ou qualitativo que apresentam ao nível celular. Inicialmente, Zielenski e Tsui, (1995) propuseram 5 classes de mutações CFTR, contudo, atualmente são consideradas 6 classes (Zielenski & Tsui, 1995, Kreindler, 2010) (Tabela III; Figura 5). Classe I: pertencem a esta classe todas as mutações que afetam a biossíntese da proteína CFTR e inclui as mutações que causam os fenótipos de FC mais graves. Estas mutações são normalmente nonsense, frameshift, mutações que alteram o local de splicing ou mutações que alteram o codão de iniciação da tradução. Resultam na produção de uma proteína pouco estável ou truncada devido à presença de um codão de terminação prematuro. As proteínas truncadas são, normalmente, instáveis e reconhecidas por proteínas chaperones no retículo endoplasmático (RE) que as degradam rapidamente. Desta forma, não se observa proteínas CFTR na membrana 15 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA celular (Zielenski, 2000, Rowntree & Harris, 2003, Culling & Ogle, 2010, Kreindler, 2010, Rogan et al., 2011). Tabela III – Diferentes classes de mutações do gene CFTR. Classe Efeito Efeito na proteína CFTR I Ausência de proteína CFTR na membrana apical Síntese anormal de proteína II Ausência de proteína CFTR na membrana apical Processamento e tráfego anormal III IV V VI Quantidades normais de proteína CFTR não funcional na membrana apical Quantidade normal de proteína CFTR com função residual na membrana apical Quantidade reduzida de proteína CFTR funcional na membrana apical Proteína CFTR funcional mas instável na membrana apical Regulação defetiva Redução da condutância Redução de síntese/tráfego Diminuição da estabilidade Exemplos de mutações Mecanismo mutacional c.1624G>T (G542X) c.3846G>A (W1282X) c.1585-1G>A F508del c.3909C>G (N1303K) c.3773_3774insT c.1652G>A (G551D) c.1679G>C (R560T) c.1475C>T (S492F) c.350G>A (R117H) c.1040G>C (R347P) c.1000C>T (R334W) IVS8T5 c.1364C>A (A455E) c.3717+12191C>T c.4234C>T (Q1412X) c.4196_4197delTC c.4147_4148insA Nonsense Frameshift Splice Missense Deleção de aminoácidos Missense Missense Missense Splice Nonsense Frameshift Adaptado de O'Sullivan & Freedman, 2009, Culling & Ogle, 2010, Rogan et al., 2011. Classe II: as mutações que pertencem a esta classe estão associadas com um processamento anormal da proteína devido a um misfolding incorreto. As proteínas imaturas traduzidas ficam retidas no RE e como tal não passam para o aparelho de Golgi para serem glicosiladas, havendo uma falha de proteínas funcionais na membrana. Estas proteínas anormais saem diretamente do RE para o citosol para serem degradadas no proteossoma. Devido à ausência de proteínas na membrana, as mutações desta classe estão associadas a fenótipos de FC graves ( Zielenski, 2000, Rowntree & Harris, 2003, Culling & Ogle, 2010, Kreindler, 2010). Classe III: mutações que causam uma regulação anormal do canal de Cl-. As mutações no gene CFTR pertencentes a esta classe estão localizadas nos domínios NBD1 e NBD2 da proteína, impedindo a ligação de ATP a estes domínios e a sua hidrólise, necessária para a ativação do canal. Estas mutações podem ainda afetar a regulação de outros canais (como o canal de potássio ROMK2). Este é um exemplo de um mecanismo mutacional que afeta algumas funções reguladoras do gene CFTR para além da sua função de transporte de cloro. Estas mutações têm sido associadas a fenótipos graves de FC (Zielenski, 2000, Rowntree & Harris, 2003, Culling & Ogle, 2010, Kreindler, 2010, Rogan et al., 2011). 16 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Classe IV: as mutações associadas a esta classe incluem os casos em que o gene codifica uma proteína CFTR que é corretamente traduzida, processada, transportada e inserida na membrana apical e que responde a estímulos, contudo, a condutância de Cl- é reduzida. Estas mutações (geralmente missense) estão localizadas nos domínios transmembranares (Membrane-spanning domains – MSD) que participam na formação do canal iónico. Assim, quando existe uma mutação desta classe, há uma diminuição do fluxo iónico. O fenótipo de FC associado a esta classe é moderado com suficiência pancreática (Zielenski & Tsui, 1995, Zielenski, 2000, Rowntree & Harris, 2003, Culling & Ogle, 2010, Kreindler, 2010). Classe V: as mutações pertencentes a esta classe conduzem a uma produção de proteínas normais mas em níveis reduzidos devido a uma desregulação da transcrição e estão associadas a um fenótipo de FC moderado. Incluem-se aqui as mutações no promotor que reduzem a transcrição, splicing alternativo e uma maturação ineficiente da proteína. Um splicing anormal pode resultar em ausência de ARN mensageiro normal ou em níveis muito baixos, variando entre pacientes e mesmo entre órgãos de um mesmo paciente (Zielenski & Tsui, 1995, Zielenski, 2000, Culling & Ogle, 2010, Rogan et al., 2011). Classe VI: esta classe inclui as mutações que diminuem a estabilidade da proteína CFTR, tais como mutações nonsense ou frameshift que causam a deleção dos últimos 70-98 bp da zona C-terminal da proteína, e mutações que afetam a regulação de outros canais. As mutações desta classe estão associadas a um fenótipo grave de FC (Haardt et al., 1999, Zielenski, 2000, Kreindler, 2010). As classes I, II, III e VI estão associadas a um fenótipo de insuficiência pancreática (IP), enquanto os pacientes com mutações das classes IV e V apresentam SP (Ratjen & Doring, 2003). Até agora, o conhecimento da mutação genética era de utilidade clínica limitada, contudo, esta perspetiva foi alterada devido ao recente desenvolvimento de novas terapias focadas em aspetos específicos da disfunção da proteína CFTR. A compreensão detalhada das anomalias genéticas subjacentes é, portanto, essencial para definir os melhores alvos para terapias (Ratjen, 2007, Ratjen, 2009). 17 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Figura 5 – Mecanismos mutacionais que alteram o normal funcionamento da proteína CFTR. Adaptado de Lubamba et al., 2012. 1.2.5. POLIMORFISMOS CFTR Polimorfismos são definidos como variações de sequência que não conduzem a uma patologia e que ocorrem com uma frequência superior a 1% na população geral. Até à data, encontram-se descritos mais de 250 polimorfismos no gene CFTR (Castellani et al., 2008, Cystic Fibrosis Mutation Database, 2011). Cerca de 55% destes polimorfismos ocorrem em regiões codificantes do gene CFTR, metade dos 18 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA quais resultam em substituições de aminoácidos. Contudo, alguns polimorfismos no locus CFTR poderão potenciar alterações na expressão/função do gene CFTR (Welsh et al., 2001, Rowntree & Harris, 2002). Por exemplo, alguns polimorfismos podem estar localizados em regiões que regulam a expressão do gene CFTR, podendo modificar a ligação de fatores de transcrição a estes locais, alterando a gravidade do fenótipo da FC. Os indivíduos saudáveis podem tolerar estes polimorfismos pois apresentam um alelo normal que produz proteína CFTR funcional. Contudo, um individuo que seja portador de uma mutação causadora de FC num alelo, produzindo proteína CFTR não funcional, e um polimorfismo relevante no outro alelo, encontra-se sujeito a uma redução da atividade transcricional do alelo não mutado, podendo apresentar um fenótipo moderado ou atípico de FC (Rowntree & Harris, 2002, Rowntree & Harris, 2003). Os polimorfismos IVS8(TG) e M470V, localizados no intrão 8 e exão 10, respetivamente, influenciam a penetrância da variante IVS8T5 no splicing do exão 9. Um maior número de repetições TG no intrão 8 ou/e a variante V470 estão associados a um aumento da proporção de transcritos sem o exão 9 (Cuppens et al., 1998, de Meeus et al., 1998, Grangeia et al., 2004, Groman et al., 2004). 1.2.6. ALELOS COMPLEXOS Os alelos complexos são constituídos por duas ou mais variações de sequência do gene CFTR presentes no mesmo alelo, ou seja em cis (CFTR2@Johns Hopkins, 2013). Embora a maioria dos alelos complexos representem a associação, no mesmo cromossoma, de uma variação de sequência polimórfica e uma mutação causadora de doença, existem alguns casos em que o polimorfismo pode modular o efeito da mutação principal e consequentemente a gravidade clínica do fenótipo. Um exemplo é o polimorfismo S912L que altera o efeito da mutação G1244V quando combinados em cis (Clain et al., 2005). Noutros casos, pode ocorrer a associação em cis de duas ou três mutações moderadas, como R347H-D979A, em que ocorre a combinação do efeito das duas mutações, conduzindo a uma drástica diminuição no transporte de Cl(Clain et al., 2001) e D443Y-G576A-R668C, característica de pacientes com CFTRRD, nomeadamente CBAVD (El-Seedy et al., 2012). Os alelos complexos contribuem para a dificuldade na determinação das mutações causadoras de FC, visto que os investigadores não podem ter a certeza de qual das variações de sequência causa a doença (CFTR2@Johns Hopkins, 2013). 19 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1.2.7. CORRELAÇÃO GENÓTIPO-FENÓTIPO A FC é uma doença altamente heterogénea, com uma considerável variabilidade na gravidade e velocidade de progressão nos diferentes órgãos (Castellani et al., 2008). A maior variabilidade verifica-se ao nível do sistema respiratório, seguido da função pancreática, envolvimento das glândulas sudoríparas e infertilidade masculina (Culling & Ogle, 2010). As classes de mutações apresentadas na Tabela III fornecem uma útil informação sobre a gravidade da mutação, contudo não funcionam como uma ferramenta para previsão de prognósticos individuais. Normalmente, os pacientes homozigóticos ou heterozigóticos compostos para mutações pertencentes às classes I, II, III e VI (também denominadas de mutações graves) tendem a apresentar IP, elevada frequência de íleo meconial, mortalidade prematura, deterioração precoce e grave da função respiratória, maior incidência de desnutrição e doença hepática grave. Os indivíduos portadores de pelo menos uma mutação pertencente às classes IV e V (denominadas de mutações moderadas) apresentam, normalmente, doença pulmonar moderada, SP, vivendo até uma idade mais avançada (McKone et al., 2003, McKone et al., 2006). Normalmente, as mutações das classes IV e V são fenotipicamente dominantes quando ocorrem em combinação com as mutações das classes I a III e VI (Castellani et al., 2008). Por exemplo, doentes heterozigóticos compostos para as mutações F508del/A455E apresentam uma melhor função pulmonar que os indivíduos homozigóticos F508del/F508del. Em indivíduos com uma ou duas mutações R117H, a gravidade da doença pulmonar é afetada pela presença de variações na sequência poly-T do intrão 8. Assim, indivíduos com a variante 5T, presente em cis com a mutação R117H num dos alelos, e com outra mutação causadora de FC, no outro alelo, desenvolvem doença pulmonar; enquanto que os indivíduos com a variante 7T, em cis com a mutação R117H num dos alelos, e com outra mutação causadora de FC, no outro alelo, apresentam um fenótipo muito variável, desde a ausência de sintomas, a doença pulmonar moderada (Tabela IV). Como as mutações A455E e R117H estão associadas a SP, a presença de doença pulmonar menos grave, em indivíduos com estas mutações, pode ser consequência de um melhor estado nutricional (Moskowitz et al., 2008). 20 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Tabela IV – Correlações genótipo-fenótipo CFTR. Alelo 1 Grave a Moderado a Alelo 2 Variedade de Fenótipos Grave Clássico >> Não clássico Grave ou moderado Não clássico > Clássico R117H/5T Grave ou moderado Não clássico > Clássico R117H/7T Grave ou moderado Mulheres assintomáticas ou CBAVD > Não clássico 5T/TG13 ou TG12 Grave ou moderado CBAVD ou Não clássico >> Portador assintomático 5T/TG11 Grave ou moderado Assintomático > CBAVD 7T ou 9T Grave ou moderado Assintomático 7T ou 9T 7T ou 9T Assintomático a Grave refere-se às classes de mutações I-III e VI; moderado refere-se às classes de mutações IV e V, excluindo a mutação R117H e a variante 5T. Adaptado de Moskowitz et al., 2008. O impacto dos genótipos CFTR tem sido também analisado para outros órgãos, como as glândulas sudoríparas, através da medição da concentração de Cl- no suor, em pacientes com diferentes mutações CFTR. Os pacientes foram analisados de acordo com as classes de mutações ou genótipos específicos, o que revelou que determinados alelos com mutações moderadas (R117H, A455E, 3849+10kb C>T) pertencentes às classes IV e V, tendem a ser associados a níveis significativamente mais baixos de Cl- no suor do que os alelos com mutações mais graves (F508del, 621+1 G>T, G542X, R553X). No entanto, observa-se que estas concentrações, apesar de elevadas, variam conforme a mutação em causa (Wilschanski et al., 1995, Zielenski, 2000). Relativamente à CBAVD, esta resulta, geralmente, da combinação de uma mutação CFTR grave com uma mutação moderada ou com a variante 5T no outro alelo. Contudo, pode existir uma sobreposição entre o fenótipo de CBAVD e um fenótipo moderado de FC, com uma pequena fração de indivíduos com CBAVD a apresentarem problemas respiratórios. A variante 5T pode também estar associada a doença pulmonar em mulheres adultas com sintomas semelhantes a FC (Moskowitz et al., 2008). A heterogeneidade fenotípica da FC, observada em indivíduos com genótipos semelhantes, sugere que existem mais fatores envolvidos na determinação do fenótipo para além do fator genótipo CFTR, como por exemplo fatores ambientais (estado socioeconómico, tabaco e outros poluentes, exposições infeciosas, autogestão da doença e timing de diagnóstico) e outros modificadores genéticos (Rowntree & Harris, 2003, Wolfenden & Schechter, 2009). 21 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Estudos anteriores têm demonstrado a ligação entre genes modificadores e a suscetibilidade para o desenvolvimento de íleo meconial, tanto em modelos de ratinho como em humanos, contudo, não foi reportada a influência na obstrução intestinal verificada numa fase mais adulta do paciente (Blackman et al., 2006). Outros estudos envolvendo gémeos e irmãos com FC, evidenciam um impacto genético significativo na gravidade da doença pulmonar, independentemente do genótipo CFTR (Wolfenden & Schechter, 2009). Diversos grupos têm investigado os genes envolvidos na defesa imunológica (inata e adquirida) e no processo de inflamação, como modificadores da doença pulmonar em pacientes com FC (Rowntree & Harris, 2003). Um polimorfismo na região promotora do gene tumour necrosis factor α (TNF-α) está associado a um aumento no nível de transcrição deste gene, tendo sido demonstrada a sua associação com a doença pulmonar grave em pacientes com FC (Hull & Thomson, 1998). Um outro estudo, com o gene transforming growth factor β1 (TGF-β1) mostrou que uma mutação no exão 10 deste gene está associada a um rápido declínio da função pulmonar (Arkwright et al., 2000). Enquanto um polimorfismo localizado na região enhancer do gene α1-antitrypsin (AAT) está associado a uma doença pulmonar moderada (Henry et al., 2001). Variantes alélicas do gene mannose-binding lectin 2 (MBL2) estão também relacionadas com a gravidade da doença pulmonar em pacientes com FC (Garred et al., 1999, Rowntree & Harris, 2003). Ainda se desconhece a relevância clinica e as implicações terapêuticas dos genes modificadores, portanto não é aconselhável a realização de testes de rotina para os mesmos (Castellani et al., 2008). 22 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1.3. PROTEÍNA CFTR 1.3.1. CLASSE, ESTRUTURA E FUNÇÃO A proteína CFTR funciona, principalmente, como um canal de Cl- regulado por cAMP (3’,5’-adenosina monofosfato cíclico) e a sua sequência aminoacídica, revela uma homologia significativa com a família de transportadores ABC (ATP-Binding Cassette) (Lubamba et al., 2012). Após a identificação da sequência de aminoácidos da proteína CFTR, Riordan et al, (1989) propuseram uma estrutura composta por duas unidades repetidas, cada uma consistindo num domínio transmembranar (MSD) composto por seis hélices transmembranares hidrofóbicas, seguido de um domínio de ligação de nucleótidos (NBD) que interage com o ATP (Figura 6). Dez das doze hélices transmembranares contêm um ou mais aminoácidos carregados, e nas hélices 7 e 8 encontram-se dois potenciais locais de glicosilação. As duas unidades são ligadas por um domínio regulador (R) que contém nove dos dez motivos consenso para a fosforilação pela PKA (proteína cinase A) e sete locais de fosforilação da PKC (proteína cinase C). O domínio R é exclusivo da proteína CFTR, não estando presente nos outros membros da superfamília ABC (Riordan et al., 1989, Prasad et al., 2010, Lubamba et al., 2012). O terminal carboxilo (composto por Treonina, Arginina e Leucina (TRL)) está ancorado, através de interações do tipo PDZ, com o citoesqueleto e é mantido em estreita aproximação com várias proteínas importantes (Short et al., 1998). Os MSD são responsáveis pela formação do poro do canal através do qual o fluxo de Cl- atravessa a membrana plasmática. Acredita-se que o fluxo de aniões é controlado pela fosforilação do domínio R pela PKA e pela interação do ATP com os locais NBDs, induzindo alterações de conformação da proteína, resultando na abertura e fecho do canal (Lubamba et al., 2012). A proteína CFTR pode ter também outras funções, como por exemplo, no transporte de bicarbonato e na interação com outras moléculas, incluindo o canal epitelial de sódio ENaC, o que sugere um papel regulador da proteína CFTR neste canal (Rowntree & Harris, 2003). A proteína CFTR encontra-se, principalmente, localizada na membrana apical das células epiteliais polarizadas, embora seja também encontrada em tecidos não epiteliais, como os miócitos cardíacos, músculo liso e macrófagos (Lubamba et al., 2012). 23 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Figura 6 – Representação esquemática da proteína CFTR. Adaptado de Prasad et al., 2010. 1.4. DIAGNÓSTICO E RASTREIO DE FC O diagnóstico de FC deve ser estabelecido rapidamente de forma a providenciar aconselhamento e tratamento apropriado aos doentes. A FC é diagnosticada pela presença de pelo menos uma manifestação fenotípica (como doença pulmonar crónica, manifestações gastrointestinais e nutricionais ou CBAVD), história familiar de FC ou rastreio neonatal positivo, acompanhado de provas laboratoriais de disfunção da proteína CFTR – teste de suor positivo ou diferença de potencial nasal (DPN) positivo – ou pela identificação de duas mutações causadoras de FC em heterozigotia composta ou homozigotia (Tabela V) (Rosenstein, 1998, Rosenstein & Cutting, 1998, Dalcin & Abreu, 2008). Tabela V – Critérios de diagnóstico da FC. Manifestações de FC Prova bioquímica de disfunção CFTR ≥ 1 Manifestação fenotípica Teste de suor positivo ou ou Rastreio neonatal positivo mais DPN positiva ou ou História familiar de FC 2 mutações causadoras de FC Adaptado de Rosenstein & Cutting, 1998. 24 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 1.4.1. TESTE DO SUOR A maioria dos casos de FC pode ser diagnosticada com base nas características fenotípicas da doença e num teste de suor aumentado. A medida de concentração de eletrólitos no suor tornou-se o esteio do diagnóstico de FC desde o momento que o procedimento padrão foi estabelecido por Gibson e Cooke, em 1959. A perda de função da proteína CFTR em pacientes com FC conduz a níveis elevados de Na+ e Clno suor devido à má reabsorção destes eletrólitos nos ductos sudoríparos (Dalcin & Abreu, 2008, Farrell et al., 2008, Voter & Ren, 2008). Este método consiste na estimulação da produção de suor, por iontoforese com pilocarpina, sendo de seguida recolhido e analisada a sua concentração em Cl-. Os indivíduos normais apresentam uma concentração de Cl- < 40 mmol/L. Valores entre 40 e 59 mmol/L são considerados valores intermédios, sendo necessária a sua confirmação. Uma concentração de Cl- > 60 mmol/L é considerada elevada, sendo diagnóstico de FC. Em crianças, este pode ser considerado positivo quando superior a 40 mmol/L, devendo ser realizado só após as primeiras 48h de vida (Voter & Ren, 2008). 1.4.2. DIFERENÇA DE POTENCIAL NASAL O conhecimento adquirido através do estudo da função CFTR pode ser aplicado a testes de diagnóstico como a medição do fluxo de iões transepiteliais na mucosa nasal. O transporte de iões através da mucosa nasal gera uma diferença de potencial (DP), que pode ser medida in vivo, apresentando os pacientes com FC um padrão distintamente diferente dos indivíduos normais. A linha de base da DP nasal representa um equilíbrio entre o fluxo de Na+ e Cl- através da membrana. Em pacientes com FC, esta DP basal é muito mais elevada do que o normal, o que reflete a impermeabilidade relativa da membrana celular ao fluxo de iões característico da FC. A medição da DP nasal pode ser útil quando o teste de suor não é conclusivo e a análise genética não revelou mutações (Knowles et al., 1995, Voter & Ren, 2008). 1.4.3. ANÁLISE DO GENE CFTR A análise molecular assenta principalmente em métodos de análise direta do gene CFTR, isto é, a deteção de mutações causadoras de doença. São utilizadas uma grande variedade de técnicas para a identificação de variações na sequência do gene CFTR, não havendo um padrão estabelecido. Assim, todos os métodos exigem um 25 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA grande conhecimento e experiência na sua execução e interpretação por parte de cada laboratório (Dequeker et al., 2009). Os kits comerciais disponíveis permitem detetar as mutações causadoras de FC mais frequentes na população caucasiana. O estudo da maioria destas mutações é recomendado pelo American College of Medical Genetics (ACMG) e pelo American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) (Anexo I). No caso de nenhuma ou apenas uma mutação ser detetada através do kit comercial, pode recorrer-se a um estudo molecular completo do gene CFTR. Normalmente, a sequenciação completa do gene permite a análise da zona promotora e de todos os exões e regiões intrónicas flanqueantes. Adicionalmente, pode ser também efetuada a pesquisa de rearranjos do gene CFTR, como grandes deleções, inserções ou duplicações, pela técnica de MLPA (Multiplex Ligation-dependent Probe Amplification) e QF-PCR (Quantitative Fluorescent multiplex PCR) (De Boeck et al., 2005, Dequeker et al., 2009, Culling & Ogle, 2010). No entanto, o uso combinado de todas estas técnicas não garante a deteção das duas mutações causadoras de doença (em trans) de todos os pacientes; 1-5% das mutações permanecem indeterminadas em pacientes com FC clássica e ainda mais em pacientes com CFTR-RD. As mutações não detetadas podem estar em regiões que não são normalmente analisadas, como os intrões ou regiões reguladoras, ou então dever-se a mutações em genes modificadores (Dequeker et al., 2009, Culling & Ogle, 2010). 1.4.4. RASTREIO NEONATAL O rastreio neonatal é realizado através da medição do tripsinogénio imunorreativo (IRT) em amostras de sangue de recém-nascidos. Uma concentração muito elevada de IRT é sugestiva de lesões pancreáticas consistentes (mas não especificas) de FC. Este marcador está aumentado mesmo em crianças com mutações pertencentes às classes IV ou V e associadas a suficiência pancreática (O'Sullivan & Freedman, 2009). Este protocolo apresenta duas fases: na primeira, realiza-se o IRT numa amostra de sangue seco; na segunda, repete-se o IRT numa amostra de sangue fresca recolhida após 1-2 semanas de idade (IRT/IRT), ou realizase um teste de ADN para a mutação F508del (IRT/ADN). Os recém-nascidos com um rastreio positivo são referenciados para realização de outros testes de diagnóstico (teste de suor e/ou teste molecular do gene CFTR) (Moskowitz et al., 2008, Culling & Ogle, 2010). 26 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Vários estudos têm demonstrado que o rastreio neonatal de FC conduz a melhores resultados nutricionais (Farrell et al., 1997, Farrell et al., 2001). Existem ainda dados que suportam a hipótese de que o aumento do crescimento na infância, como resultado do rastreio neonatal, conduz a uma melhoria da função pulmonar ao longo da vida (McKay et al., 2005, O'Sullivan & Freedman, 2009). Num futuro próximo, a junção do rastreio neonatal com as terapias génicas permitirá uma qualidade de vida, para os doentes com FC, muito próxima da população geral. 1.5. TRATAMENTO E NOVAS TERAPIAS Sendo a FC uma doença complexa, exige uma abordagem holística para o seu tratamento. Contudo, apesar do grande avanço no conhecimento da doença, o tratamento da FC continua a basear-se num tratamento sintomático e na correção das disfunções orgânicas (Dalcin & Abreu, 2008). Reposição enzimática pancreática: aproximadamente 90% dos pacientes com FC apresentam graves defeitos proteicos e má absorção de gordura devido à insuficiência pancreática que apresentam. Com a utilização de enzimas pancreáticas exógenas, há uma melhor nutrição logo desde o início da doença. As dosagens e formulações das enzimas pancreáticas têm sido alteradas ao longo dos anos, contudo o princípio permanece o mesmo: a substituição da amilase, lipase e protease que um doente com FC é incapaz de produzir adequadamente. A administração de bloqueadores de acidez do estômago e ingestão de vitaminas lipossolúveis, proteínas e calorias são também fundamentais para uma boa nutrição essencial a longo prazo (Davis, 2006, Moskowitz et al., 2008, Kreindler, 2010). Doença pulmonar: a doença pulmonar na FC é descrita como um ciclo vicioso de retenção de muco, infeção, inflamação e lesões nos tecidos, existindo diversas terapias para cada fase deste processo. O muco produzido nos doentes com FC é mais viscoso, bloqueando os pulmões e criando um ambiente propício a infeções. Para tratar a acumulação de muco, existem diversos métodos mecânicos (como o método de Ketchup-bottle ou dos coletes mecânicos) bem como terapias farmacológicas, que passam pela administração de broncodilatadores que ajudam na desobstrução das vias aéreas; ou DNase humana recombinante que funciona como um agente mucolítico, degradando o ADN libertado pelos neutrófilos nas vias aéreas. Para os doentes com FC em condições mais saudáveis é recomendada a prática de exercício aeróbico. Relativamente às infeções bacterianas, existe uma administração 27 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA constante de antibióticos orais e/ou intravenosos (nomeadamente azitromicina em pacientes infetados com Pseudomonas), anti-inflamatórios e corticosteroides com o objetivo de aumentar a função pulmonar dos doentes com FC. Está descrito que uma intensa terapia supressiva na infância, antes de estar estabelecida uma infeção crónica, permite uma qualidade de vida muito superior. Quando a lesão é irreversível e os pulmões colapsam, a única hipótese é o transplante pulmonar (Davis, 2006, Dalcin & Abreu, 2008, Moskowitz et al., 2008, Kreindler, 2010). Novas terapias: existem em desenvolvimento duas abordagens principais para o tratamento da FC. A primeira, a terapia génica que assenta na inserção de uma cópia funcional do gene CFTR nas células epiteliais dos tecidos mais afetados pela FC. Diversos estudos efetuados descrevem esta transferência através de vetores virais, nanopartículas de ADN ou lípidos catiónicos complexados com ADN plasmídico. No entanto, esta abordagem ainda não alcançou os resultados espectáveis (Kreindler, 2010). Assim, surgiu o desenvolvimento da segunda abordagem terapêutica, a administração de compostos farmacológicos para corrigir ou potenciar a proteína CFTR anormal. Estes fármacos são desenvolvidos para atuar de acordo com as consequências funcionais causadas por cada classe mutacional presente no doente com FC (Lubamba et al., 2012). 28 OBJETIVOS FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 2. OBJETIVOS Em Portugal, a prevalência da FC é ainda desconhecida, bem como a frequência e o tipo de variações de sequência do gene CFTR característicos da população portuguesa. Como tal, os objetivos deste trabalho foram: - Avaliar o tipo e a frequência das variações identificadas no gene CFTR detetadas durante o rastreio da população portuguesa; - Avaliar a prevalência da FC na população Portuguesa. Posteriormente, será necessário uma avaliação clínica dos pacientes identificados com diferentes genótipos CFTR, incluindo os pacientes com FC, bem como os pacientes com CFTR-related disorders, para se estabelecer associações entre fenótipo e genótipo identificados. Assim, para cada paciente, será necessário identificar a evolução clínica das diferentes conjugações de mutações do gene CFTR ao longo do tempo, nomeadamente: sintomatologia, idade do aparecimento e correlação genótipo/fenótipo; e estabelecer as manifestações fenotípicas associadas a estados de heterozigotia do gene CFTR de forma a poder definir protocolos de avaliação e seguimento clínico. 30 MATERIAIS E MÉTODOS FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 3. MATERIAIS E MÉTODOS O material necessário à realização deste trabalho prático encontra-se descrito em anexo (Anexo II). 3.1. AMOSTRAS O ADN genómico foi recolhido a partir de células da mucosa bucal de 912 crianças representativas da população Portuguesa. Estas crianças estão integradas no projeto Geração XXI (implementado pelo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto). Este projeto consiste no acompanhamento, desde 2005, de um conjunto de quase 8700 crianças e as suas respetivas famílias, constituindo um trabalho ímpar em Portugal que busca o acompanhamento da saúde deste grupo de crianças desde o seu nascimento até à idade adulta, gerando conhecimento fundamental para retratar a realidade da saúde no nosso país e para projetar o seu futuro (Geração 21, 2013). Todas as análises genéticas foram efetuadas após consentimento informado dos pais e confirmação da origem parental portuguesa (Anexo III). Neste trabalho foram analisadas 194 amostras de ADN, de 98 crianças do sexo masculino e 96 crianças do sexo feminino. 3.2. EXTRAÇÃO DE ADN A extração de ADN das células do epitélio bucal foi efetuada com o kit comercial JETQUICK Blood & Cell Culture (Genomed), de acordo com o protocolo fornecido pelo kit. Depois de extraídas, as amostras foram conservadas a 4°C. 3.3. QUANTIFICAÇÃO DE ADN As amostras de ADN foram quantificadas num espetrofotómetro NanoDrop2000C (ThermoScientific). A medição da absorvância no comprimento de onda de 260 nm permitiu calcular a concentração de ADN em ng/µL. 3.4. ANÁLISE COMPLETA DA SEQUÊNCIA DO GENE CFTR A pesquisa de variações de sequência nos 27 exões e nas regiões intrónicas flanqueantes do gene CFTR foi efetuada através da amplificação do ADN genómico 32 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA por Polymerase Chain Reaction (PCR), seguida de eletroforese capilar, purificação e sequenciação do ADN amplificado. 3.4.1. POLYMERASE CHAIN REACTION (PCR) A PCR foi efetuada num volume final de 20,0 µL, com as seguintes quantidades: 5,8 µL de H2O destilada (B/Braun), 2,0 µL de Buffer Taq com KCl (10x), 1,0 µL de MgCl2 (25mM), 2,0 µL de mix de dNTPs (0,5 µL de cada dNTP) (10mM), 2,0 µL de cada par de primers (10mM), 0,2 µL de enzima Taq DNA Polymerase (5U/µL) (Fermentas) e 5,0 µL de amostra de ADN (Tabela VI). Tabela VI – Componentes da PCR. ADN 5,0 µL H2O 5,8 µL Buffer Taq 2,0 µL MgCl2 1,0 µL dNTPs 2,0 µL Primer Forward 2,0 µL Primer Reverse 2,0 µL Enzima Taq DNA Polymerase 0,2 µL Volume total 20,0 µL As condições de PCR utilizadas foram as seguintes: 10 min a 94°C; 40 ciclos de 30 seg a 94°C, 30 seg à temperatura de annealing respetiva de cada par de primers e 30 seg a 72°C; seguidos de 10 min de extensão final a 72°C (Tabela VII). Tabela VII – Condições da PCR. Temperatura (°C) Tempo Desnaturação Inicial 94 3 min Desnaturação 94 1 min 50/55/65 1 min Extensão 72 1 min Extensão Final 72 10 min 4 ∞ Annealing a a Ciclos 40 Temperatura variável de acordo com a sequência de cada par de primers. 33 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Para amplificação de alguns exões, de amostras com uma concentração muito reduzida de ADN, foi utilizado Type-it® Microsatellite PCR Kit. Os componentes da reação bem como as condições da PCR encontram-se descritas na Tabela VIII e Tabela IX respetivamente. Tabela VIII – Componentes da PCR com Type-it. ADN 3,0 μL H2O 6,0 μL Reaction Mix (Type-it Multiplex PCR Master Mix) 10,0 μL Primer Forward 0,5 μL Primer Reverse 0,5 μL 20,0 μL Volume Total Tabela IX – Condições da PCR com Type-it. Temperatura (°C) Tempo Desnaturação Inicial 95 5 min Desnaturação 95 48 seg 50/55/65 48 seg Extensão 72 1 min Extensão Final 72 30 min 4 ∞ Annealing a a Ciclos 35 Temperatura variável de acordo com a sequência de cada par de primers. Para cada exão e respetivas zonas intrónicas adjacentes foi utilizado um par especifico de primers, cujas sequências se encontram descritas na Tabela X. 34 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Tabela X – Primers utilizados na amplificação dos exões do gene CFTR. Exão Tamanho do Fragmento (bp) 1 243 2 240 3 323 4 438 5 215 6a 345 6b 417 7 390 8 225 9 561 10 341 11 229 12 306 13 906 14a 291 14b 174 15 401 16 338 17a 288 17b 452 18 277 19 449 20 260 21 477 22 322 23 227 24 329 Sequência dos Primers F: TTG AGC GGC AGG CAC CCA G R: ACA CGC CCT CCT CTT TCG TG F: CCA AAT CAA GTG AAT ATC TG R : TAA TAA TAT GAA TTT CTC TCT T F: TTG GAT ATA CTT GTG TGA AT R: TTC GTA GTC TTT TCA TAA TC F: TCA CAT ATG GTA TGA CCC TC R: TTG TAC CAG CTC ACT ACC TA F: TAT TTG TAT TTT GTT TGT TG R: TAA AAG ATT AAA TCA ATA GG F: TGG AAG ATA CAA TGA CAC CTG R: GCA TAG AGC AGT CCT GGT TT F: TGG AAT GAG TCT GTA CAG CG R: GAG GTG GAA GTC TAC CAT GA F : CAT CCT GAA TTT TAT TGT TA R : ATC ATA GTA TAT AAT GCA GC F: ATT AAT GCT ATT CTG ATT CT R: AGT TAG GTG TTT AGA GCA AA F:TGA AAA TAT CTG ACA AAC TC R: ACA GTG TTG AAT GTG GTG CA F: TCC TGA GCG TGA TTT GAT AA R: ATT TGG GTA GTG TGA AGG G F: CAG ATT GAG CAT ACT AAA AGT G R: ATT TAC AGC AAA TGC TTG CTA G F: ATG ACC AGG AAA TAG AGA GG R: GCT ACA TTC TGC CAT ACC AA F: TGC TAA AAT ACG AGA CAT ATT GC R: TAC ACC TTA TCC TAA TCC TAT F: GGT GGC ATG AAA CTG TAC TG R: TGT ATA CAT CCC CAA ACT ATC T F: GGG AGG AAT TAG GTG AAG AT R: TAC ATA CAA ACA TAG TGG ATT F: TGT ATT GGA AAT TCA GTA AGT AAC TTT GG R: AGC CAG CAC TGC CAT TAG AAA F: TCT GAA TGC GTC TAC TGT GA R: GCA ATA GAC AGG ACT TCA AC F: TGC AAT GTG AAA ATG TTT AC R: CTC TTA TAG CTT TTT TAC AA F: TTC AAA GAA TGG CAC CAG TGT R: TGC AGC ATT TTA TTC ATT GA F: TAG GAG AAG TGT GAA TAA AG R: ATA CTT TGT TAC TTG TCT GA F: GTG AAA TTG TCT GCC ATT CT R:ACT CCA TAT AAT AAA ACA TGT GTG F: TAT GTC ACA GAA GTG ATC CC R: AAA ACT GGC TAA GTC CTT TT F: AAT GTT CAC AAG GGA CTC CA R: CAA AAG TAC CTG TTG CTC CA F: GCC CGC TGT GGT ATC TGA ACT ATC TT R: TGT CAC CAT GAA GCA GGC AT F: CTG TTC TGT GAT ATT ATG TG R: ATG AGA TCT TAA GTA AAG TT F: TCC CTG CTC TGG TCT GAC CTG C R: CAT GAG GTG ACT GTC CCA CGA G Temperatura de Annealing (°C) 55 50 56 55 50 55 55 55 55 55 55 55 55 50 50 50 55 55 50 55 50 50 50 55 50 50 65 35 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 3.4.2. ELETROFORESE CAPILAR A confirmação e a determinação dos tamanhos dos produtos amplificados foram realizadas através de eletroforese capilar no aparelho QIAxcel, com o kit QIAxel DNA Screening e com o software BioCalculatorTM (Quiagen). Ao contrário da tradicional electroforese em gel de agarose, a separação das moléculas de ácidos nucleicos é realizada num capilar preenchido com gel. As amostras são automaticamente carregadas em capilares individuais e é aplicada uma voltagem específica. Como as moléculas dos ácidos nucleicos são carregadas negativamente migram através do capilar em direção ao terminal com carga positiva, passando por um detetor que mede o sinal de fluorescência. Tal como acontece com a eletroforese em gel de agarose, as moléculas de baixo peso molecular migram mais rapidamente do que as moléculas de alto peso molecular. De seguida, um fotomultiplicador converte o sinal de fluorescência em dados eletrónicos, os quais são, então, transferidos para um computador para processamento adicional usando o software BioCalculatorTM (Quiagen).Os resultados são apresentados sob a forma de um eletroferograma e numa imagem virtual de um gel (Figura 7). Figura 7 – Processo de separação das amostras e resultados. Adaptado http://www.qiagen.com/Products/Catalog/Automated-Solutions/Detection-and-Analysis/QIAxcel-AdvancedSystem#orderinginformation - Qiagen, 2013. de 36 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 3.4.3. PURIFICAÇÃO A purificação dos produtos amplificados foi efetuada numa placa magnética utilizando o kit Agencourt®AMPure®XP PCR Purification de acordo com o protocolo fornecido (Protocol 000387v001 - BeckmanCoulter) (Figura 8). Figura 8 – Esquema do processo de purificação: 1. Reação de PCR; 2. Ligação das partículas magnéticas aos amplicões; 3. Separação dos amplicões ligados às partículas magnéticas dos restantes contaminantes; 4. Lavagem dos amplicões com etanol; 5. Eluição dos amplicões; 6. Transferência dos amplicões purificados para um novo tubo. Adaptado de https://www.beckmancoulter.com/wsrportal/wsr/research-anddiscovery/products-and-services/nucleic-acid-sample-preparation/agencourt-ampure-xp-pcrpurification/index.htm - Beckman Coulter, 2013a. 3.4.4. REAÇÃO DE SEQUENCIAÇÃO A reação de sequenciação foi realizada com o kit ABI PRISM BigDye Terminator v3.1 Cycle Sequencing (AppliedBiosystems). Para um volume final de 10,0 µL, adicionou-se: até um máximo de 6,5 µL de produto de PCR purificado (dependendo da intensidade dos produtos de PCR), 2,0 µL de Terminator Ready Reaction Mix (2,5x), 1,0 µL de Sequencing Buffer (5x), 0,5 µL de primer forward ou reverse (10 mM) e perfez-se o volume com H2O destilada (B/Braun) (Tabela XI). Tabela XI – Componentes da reação de sequenciação. Produto Purificado H2 O a Sequencing Buffer 1,0 µL Terminator Ready Reaction Mix 2,0 µL Primer 0,5 µL Volume Total a até 6,5 µL 10,0 µL Ajustar o volume de H2O para um volume final de reação de 10,0 μL. 37 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Os primers utilizados nesta reação foram os mesmos utilizados na PCR (Tabela X), com exceção do primer forward do exão 9, em que se utilizou o primer 9i2F: 5’GGG GAA TTA TTT GAG AAA GC-3’. As condições da reação encontram-se descritas na Tabela XII. Tabela XII – Condições da reação de sequenciação. Temperatura (°C) Tempo Desnaturação Inicial 96 3 min Desnaturação 96 10 seg Annealing 50 5 seg Extensão 60 4 min 4 ∞ Ciclos 24 3.4.5. PRECIPITAÇÃO A precipitação dos produtos para sequenciação foi executada numa placa magnética utilizando o kit Agencourt®CleanSEQ® Dye-Terminator Removal (Protocol 000600v032 - BeckmanCoulter®) (Figura 9). Figura 9 – Esquema do processo de precipitação: 1. Adição do reagente Agencourt CleanSEQ e etanol aos produtos de sequenciação; 2. Ligação das partículas magnéticas aos produtos de sequenciação; 3. Separação dos produtos de sequenciação dos contaminantes; 4. Lavagem com etanol; 5. Eluição dos produtos de sequenciação; 6. Transferência dos produtos precipitados para um novo tubo. Adaptado de https://www.beckmancoulter.com/wsrportal/wsr/research-and-discovery/products-and-services/nucleic-acidsample-preparation/agencourt-cleanseq-dye-terminator-removal/index.htm - Beckman Coulter, 2013b. 38 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 3.4.6. SEQUENCIAÇÃO Para a sequenciação, foi transferido 10 µL de cada produto precipitado para uma placa de sequenciação e estes foram sequenciados num sequenciador automático ABI Prism 3500, com o polímero POP-7. 3.5. ANÁLISE BIOINFORMÁTICA DAS SEQUÊNCIAS A análise das sequências foi realizada com o programa bioinformático Sequencing Analysis (AppliedBiosystems) e com o programa Basic Local Alignment Search Tool (BLAST - NCBI) o que permitiu efetuar o alinhamento das sequências das amostras em estudo com a sequência de referência do gene CFTR (Cystic Fibrosis Mutation Database). As alterações detetadas foram identificadas recorrendo às bases de dados Cystic Fibrosis Mutation Database (CFTR1) e Clinical and Functional Translation of CFTR (CFTR2). 39 RESULTADOS FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 4. RESULTADOS Neste trabalho foram analisados os 27 exões e respetivas regiões intrónicas flanqueantes do gene CFTR, a partir do ADN extraído de 194 amostras da população portuguesa. Para tal, foi efetuada a técnica de PCR seguida de sequenciação direta do ADN amplificado. Após a extração do ADN, as amostras foram quantificadas, sendo que o valor médio de concentração de ADN foi de 10,0 ng/μL. Seguidamente, foram amplificados todos exões do gene CFTR das 194 amostras, utilizando-se um par especifico de primers para cada exão. A amplificação dos produtos de PCR foi confirmada por eletroforese capilar (Figura 10). Figura 10 – Imagem virtual de um gel correspondente à amplificação dos 27 exões do gene CFTR de uma amostra em estudo. As duas bandas observadas para o exão 6b e para o exão 10 correspondem à variação de sequência c.744-31TTGA[3_7] e à mutação F508del, respetivamente. 41 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Depois de confirmada a amplificação dos produtos de PCR, correspondentes aos 27 exões e regiões intrónicas flanqueantes do gene CFTR das 194 amostras, foram efetuadas as suas purificações e respetivas sequenciações. As sequências resultantes (Figura 11) foram de seguida analisadas, com recurso ao programa bioinformático Sequencing Analysis (AppliedBiosystems), ao programa BLAST e às bases de dados CFTR e CFTR2. Figura 11 – Sequência forward do exão 1 e respetivas regiões intrónicas. O exão 1 começa no codão ATG (codão de iniciação – Metionina) e termina em CAG. 4.1. VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA CFTR No total, foram detetadas 39 diferentes variações de sequência nas 194 amostras analisadas, tal como se descreve na Tabela XIII. Não foram observadas quaisquer alterações nos exões 1, 2, 4, 6a, 6b, 14b, 16, 18, 22, e 23, bem como nas regiões flanqueantes correspondentes dos intrões 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14a, 14b, 16, 18, 19, 21, 22, 23 e 3’UTR. As variações de sequência c.1521-1523delCTT (p.F508del), no exão 10, e c.3154T>G (p.F1052V), no exão 17b, foram observadas em duas amostras. A variante IVS8T5, no intrão 8, foi detetada em doze amostras, correspondendo a uma frequência alélica de 3%. Estas variações de sequência são classificadas como mutações causadoras de FC pela base de dados CFTR2 (CFTR2@Johns Hopkins, 2013). A penetrância da variante IVS8T5 no splicing do exão 9, é dependente do número de repetições IVS8(TG)m, estando as variantes IVS8(TG)11, 12 ou 13 associadas a um fenótipo de CBAVD. A variante IVS8T5 está associada à variante IVS8(TG)11 em sete amostras e à variante IVS8(TG)12 em cinco amostras. A variação de sequência c.224G>A (p.R75Q), no exão 3, foi detetada numa amostra; a variação de sequência c.3705T>G (p.S1235R), no exão 19, foi observada em duas amostras; as variações de sequência c.2260G>A (p.V745M), no exão 13, e 42 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA c.2991G>C (p.L997F), no exão 17a, foram observadas em cinco amostras; a variação de sequência c.1727G>C (p.G576A), no exão 12, foi observada em sete amostras; e a variação de sequência c.2002C>T (p.R668C), no exão 13, foi detetada em nove amostras. Estas variações de sequência são classificadas como mutações que não causam FC quando combinadas com uma mutação causadora de FC clássica, pela base de dados CFTR2 (CFTR2@Johns Hopkins, 2013), no entanto estão associadas a fenótipos de CFTR-RD. As variações de sequência c.509G>A (p.R170H), no exão 5, c.890G>A (p.R297Q), no exão 7, c.1327G>T (p.D443Y), no exão 9, c.2173G>A (p.E725K), no exão 13, c.2900C>T (p.L967S), no exão 15, c.3041A>G (p.Y1014C), no exão 17a e c.3322G>C (p.V1108L), no exão 17b, foram detetadas numa amostra e a variação de sequência c.1052C>G (p.T351S), no exão 7, foi observada em duas amostras. Estas variações de sequência não constam da base de dados CFTR2, não havendo assim um consenso relativo à sua classificação como mutação, contudo são encontradas em indivíduos com CFTR-RD. Considerando as dezassete diferentes variações de sequência associadas a FC ou a CFTR-RD, quinze (88,2%) são alterações missense conduzindo à alteração de um aminoácido, uma (5,9%) altera o local de splicing e uma (5,9%) provoca a deleção de um aminoácido. As restantes vinte e duas diferentes variações de sequência, detetadas nas 194 amostras analisadas, são consideradas como polimorfismos, isto é, variações de sequência não causadoras de FC ou de CFTR-RD. Foram identificadas três variações de sequência pela primeira vez, c.273+35C>T, no intrão 3, c.744-31TTGA(3), no intrão 6a e c.1614T>C (p.A538A), no exão 11, que não conduz à alteração de aminoácido. Estas variações de sequência foram analisadas através dos programas bioinformáticos MutationTaster, PMut e SIFT tendo sido consideradas como polimorfismos. As frequências genotípicas e alélicas de cada variação de sequência estão apresentadas na Tabela XIII. 43 FCUP 44 FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Tabela XIII – Frequências genotípicas e alélicas das variações de sequência detetadas nas 194 amostras em estudo. Localização Efeito Promotor Variação de sequência Exão 3 Substituição de aa Intrão 3 Variação de sequência Exão 5 Substituição de aa Nome (Proteína) Nucleótido c.-8G>C p.R75Q c.224G>A p.R170H Intrão 6b Exão 7 Exão 8 G/G = 178 G/C = 16 C/C = 0 G = 0,959 C = 0,041 G/G = 193 G/A = 1 A/A = 0 G = 0,997 A = 0,003 C/C = 193 C/T = 1 T/T = 0 C = 0,997 T = 0,003 c.509G>A G/G = 193 G/A = 1 A/A = 0 G = 0,997 A = 0,003 c.743+40 A>G A/A = 180 A/G = 14 G/G = 0 A = 0,964 G = 0,036 T/T = 0 C = 0,907 T = 0,093 Variação de sequência c.744-31TTGA[3_7] Variação de sequência c.869+11C>T C/C = 158 3/5 = 1 5/5 = 2 5/6 = 62 6/6 = 127 6/7 = 2 C/T = 36 Exão 10 3 = 0,003 5 = 0,173 6 = 0,819 7 = 0,005 Substituição de aa p.R297Q c.890 G>A G/G = 193 G/A = 1 A/A = 0 G = 0,997 A = 0,003 Substituição de aa p.T351S c.1052C>G C/C = 192 C/G = 2 G/G = 0 C = 0,995 G = 0,005 Substituição de aa p.T388M c.1163C>T C/C = 193 T/T = 0 C = 0,997 T = 0,003 Variação de sequência IVS8(TG)m c. 1242-35_1242-12TG[9_13] Splicing anormal IVS8(T)n c. 1210-12T[5_9] C/T = 1 TG10TG10 = 23 TG10TG11 = 73 TG10TG12 = 6 TG11TG11 = 73 TG11TG12 = 17 TG12TG12 = 2 T5/T7 = 11 T5/T9 = 1 T7/T7 = 126 T7/T9 = 53 T9/T9 = 3 Substituição de aa p.D443Y c.1327G>T G/G =193 G/T = 1 T/T = 0 G = 0,997 T = 0,003 Substituição de aa p.M470V c.1408A>G A/A = 27 A/G = 124 G/G = 43 A = 0,459 G = 0,541 Deleção de aa p.F508del c.1521_1523delCTT CTT/CTT = 192 CTT/- = 2 -/- = 0 CTT = 0,995 - = 0,005 b Intrão 8 Exão 9 Frequência Alélica c.273+35C>T a Variação de sequência Intrão 6a Frequência Genotípica TG10 = 0,322 TG11 = 0,608 TG12 = 0,070 T5 = 0,031 T7 = 0,814 T9 = 0,155 FCUP 45 FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Substituição de aa p.F508C c.1523T>G T/T = 191 T/G = 3 G/G =0 T = 0,992 G = 0,008 Variação de sequência p.E528E c.1584G>A G/G = 180 G/A = 14 A/A = 0 G = 0,964 A = 0,036 a Exão 11 Variação de sequência p.A538A c.1614T>C T/T = 193 T/C = 1 C/C = 0 T = 0,997 C = 0,003 Exão 12 Substituição de aa p.G576A c. 1727G>C G/G = 187 G/C = 7 C/C = 0 G = 0,982 C = 0,018 Substituição de aa p.R668C c.2002C>T C/C = 185 C/T = 9 T/T = 0 C = 0,977 T = 0,023 Substituição de aa p.E725K c.2173G>A G/G = 193 G/A = 1 A/A = 0 G = 0,997 A = 0,003 Substituição de aa p.V754M c.2260G>A G/G = 189 G/A = 5 A/A = 0 G = 0,988 A = 0,012 Variação de sequência p.T854T c.2562T>G T/T = 84 T/G = 95 G/G = 15 T = 0,678 G = 0,322 Variação de sequência p.T966T c.2898G>A G/G = 192 G/A = 2 A/A = 0 G = 0,995 A = 0,005 Substituição de aa p.L967S c.2900T>C T/T = 193 T/C = 1 C/C = 0 T = 0,997 C = 0,003 c.2909-71G>C G/G = 192 G/C = 2 C/C = 0 G = 0,995 C = 0,005 Exão 13 Exão 14a Exão 15 Intrão 15 Exão 17a Intrão 17a Exão 17b Variação de sequência Substituição de aa p.L997F c.2991G>C G/G = 189 G/C = 5 C/C = 0 G = 0,988 C = 0,012 Substituição de aa p.Y1014C c.3041A>G A/A = 193 A/G = 1 G/G = 0 A = 0,997 G = 0,003 c.3140-92T>C T/T = 183 T/C = 11 C/C = 0 T = 0,972 C = 0,028 Variação de sequência Substituição de aa p.F1052V c.3154T>G T/T = 192 T/G = 2 G/G = 0 T = 0,995 G = 0,005 Variação de sequência p.T1095T c.3285A>T A/A = 191 A/T = 3 T/T = 0 A = 0,992 T = 0,008 Substituição de aa p.V1108L c.3322G>C G/G = 193 G/C = 1 C/C = 0 G = 0,997 C = 0,003 Intrão 17b Variação de sequência c.3367+37G>A G/G = 192 G/A = 2 A/A = 0 G = 0,995 A = 0,005 Exão 19 Substituição de aa p.S1235R c.3705T>G T/T 0 192 T/G = 2 G/G = 0 T = 0,995 G = 0,005 Exão 20 Variação de sequência p.P1290P c.3870A>G A/A = 177 A/G = 17 G/G = 0 A = 0,956 G = 0,044 Intrão 20 Variação de sequência c.3874-200G>A G/G = 192 G/A = 2 A/A = 0 G = 0,995 A = 0,005 Exão 21 Variação de sequência p.T1299T c.3897A>G A/A = 193 A/G = 1 G/G = 0 A = 0,997 G = 0,003 Variação de sequência p.Y1424Y c.4272C>T C/C = 191 C/T = 3 T/T = 0 C = 0,992 T = 0,008 Variação de sequência p.Q1463Q c.4389G>A G/G = 93 G/A = 93 A/A = 8 G = 0,719 A = 0,281 Exão 24 a Variação de sequência descrita pela primeira vez; b A variação IVS8(TG)m condiciona a penetrância da variante IVS8T5. FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 4.2. GENÓTIPOS CFTR Relativamente aos genótipos CFTR identificados nas amostras analisadas, foram detetados quarenta e um indivíduos heterozigóticos para uma ou duas variações de sequência no gene CFTR, associadas a FC clássica ou CFTR-RD (Tabela XIV). Destes alelos mutados, sete correspondem a alelos complexos, um D443Y-G576AR668C e seis G576A-R668C. Foram ainda identificadas cinco crianças com duas variações de sequência: uma criança do sexo masculino com as mutações p.F508del e p.F1052V e quatro crianças, três do sexo masculino e uma do sexo feminino, com as variações de sequência p.R297Q/p.E725K, G576A-R668C/p.L997F, IVS8T5(TG)12/p.S1235R e IVS8T5(TG)12/p.L967S, respetivamente. Assim, a taxa de portadores de uma variação de sequência CFTR é de 18,6% (36/194) e a prevalência de FC clássica ou CFTR-RD é de 2,6% (5/194). Tabela XIV – Genótipos dos quarenta e três indivíduos heterozigóticos para uma ou duas variações de sequência no gene CFTR. Genótipo Genótipo IVS8Tn(TG)m Nº amostras p.R75Q / - T7(TG)11 T7(TG)11 1 p.R170H / - T7(TG)10 T7(TG)11 1 p.R297Q / p.E725K T7(TG)11 T7(TG)11 1 p.T351S / - T7(TG)10 T9(TG)11 2 D443Y-G576A-R668C / - a T7(TG)10 T7(TG)10 1 G576A-R668C / - a T7(TG)10 T7(TG)11 3 G576A-R668C / - a T7(TG)11 T7(TG)11 1 G576A-R668C / - a T7(TG)10 T7(TG)10 1 G576A-R668C / p.L997F T7(TG)10 T9(TG)10 1 p.R668C / - T7(TG)10 T7(TG)12 1 p.R668C / - T7(TG)10 T7(TG)11 1 p.F508del / - T7(TG)10 T9(TG)11 1 p.F508del / p.F1052V T7(TG)10 T9(TG)10 1 p.F1052V / - T7(TG)10 T7(TG)11 1 p.V754M / - T7(TG)11 T9(TG)10 3 p.V754M / - T9(TG)10 T9(TG)10 1 p.V754M / - T7(TG)11 T9(TG)11 1 p.L967S / - T5(TG)12 T7(TG)11 1 p.L997F / - T7(TG)10 T9(TG)10 1 p.L997F / - T7(TG)10 T9(TG)11 2 p.L997F / - T7(TG)11 T9(TG)10 1 p.Y1014C / - T7(TG)11 T9(TG)11 1 p.V1108L / - T7(TG)11 T7(TG)11 1 46 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA a p.S1235R / - T7(TG)11 T7(TG)12 1 p.S1235R / - T5(TG)12 T7(TG)12 1 -/- T5(TG)11 T7(TG)11 6 -/- T5(TG)12 T7(TG)11 1 -/- T5(TG)12 T7(TG)12 1 -/- T5(TG)11 T9(TG)11 1 -/- T5(TG)12 T7(TG)10 1 Alelos complexos: mutações no mesmo alelo 47 DISCUSSÃO E CONCLUSÃO FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 5. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO A FC é a doença genética autossómica recessiva mais frequente na população Caucasiana com uma incidência de 1:2500 nascimentos e uma frequência de portadores de 1:25 (Walters & Mehta, 2007). Esta doença é causada por mutações no gene CFTR, estando descritas até à data cerca de 2000 variações de sequência diferentes (Cystic Fibrosis Mutation Database, 2011) com frequências e distribuições que variam geograficamente (Salvatore et al., 2011). Este facto conduz à necessidade de determinar a frequência e distribuição das variações de sequência do gene CFTR nas diferentes populações e, consequentemente, a prevalência de FC, de modo a melhorar o diagnóstico efetuado. Na genética da FC, existe uma grande heterogeneidade relativamente às variações de sequência, o que dificulta a sua classificação. Zielenski e Tsui, em 1995, propuseram uma classificação em 5 classes de acordo com os efeitos provocados pelas mutações na proteína CFTR (Zielenski & Tsui, 1995). Castellani et al, em 2008, dividiram as diferentes variações de sequência em 4 grupos: mutações causadoras de FC, mutações que resultam em CFTR-RD, mutações sem consequências clínicas e mutações com relevância desconhecida (Castellani et al., 2008). A base de dados CFTR1 também fornece uma classificação, baseada nos termos polimorfismo e mutação, para as variações de sequência descritas (Cystic Fibrosis Mutation Database, 2011). Contudo, devido à ausência de consenso quanto à classificação de grande parte destas variações de sequência, foi criada a base de dados CFTR2 por forma a uniformizar todos estes dados (CFTR2@Johns Hopkins, 2013). Esta nova base de dados engloba informações sobre os pacientes com FC a nível mundial. Para determinar se uma variação de sequência em particular causa FC, são utilizados três critérios diferentes: a) Características clínicas dos pacientes com a mutação em questão em heterozigotia composta com uma mutação conhecida por causar FC. Nestes pacientes são efetuados testes funcionais (teste de suor), é analisada a função pulmonar e a função pancreática e efetuada a análise microbiológica ao muco para determinar se os indivíduos com a mutação em estudo têm FC; b) Testes funcionais in vitro, através da avaliação da disfunção celular provocada pela mutação em causa; c) Algoritmos de previsão da patogenicidade da mutação. 49 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA No entanto, até à data apenas estão incluídas na base de dados CFTR2 as 160 variações de sequência mais comuns, estando esta base de dados em constante atualização. O presente estudo consistiu na análise de todos os exões e respetivas regiões intrónicas flanqueantes do gene CFTR em 194 amostras de ADN. No total, foram identificadas trinta e nove diferentes variações de sequência, em que dezassete correspondem a variações de sequência associadas a FC ou CFTR-RD e as restantes vinte e duas a polimorfismos. Das dezassete variações de sequência identificadas, a mais comum foi a variante IVS8T5, com uma frequência alélica de 3,1% (12/388), estando de acordo com a frequência já descrita previamente para a população Portuguesa (3,5%) (Grangeia et al., 2004) e com a frequência de 5% na população Caucasiana, aumentando para 25% em pacientes com CBAVD (Chillon et al., 1995, WHO, 2004). Esta variante pode estar associada a diversos fenótipos, desde o assintomático a CBAVD, ou mesmo FC moderada (Cuppens et al., 1998). A penetrância da variante IVS8T5 no splicing normal do exão 9 pode ser condicionada pelas variantes IVS8(TG)m e pelo polimorfismo p.M470V (Groman et al., 2004). Neste estudo, a variante IVS8T5 está associada a IVS8(TG)11, em sete amostras e a IVS8(TG)12, em cinco amostras. Relativamente ao polimorfismo p.M470V, o alelo V (54,1%) apresentou uma frequência superior ao alelo M (45,9%), o que já está descrito para a população caucasiana (Huang et al., 2008). Este polimorfismo afeta a atividade intrínseca de Cl- (afetando a função da proteína CFTR) e aumenta a penetrância da variante IVS8T5 (diminuindo o nível de mARN normal) (Cuppens et al., 1998). As variações de sequência p.L997F e p.V754M foram identificadas em cinco amostras, apresentando uma frequência alélica de 1,2% (5/388). A variação de sequência p.L997F encontra-se localizada no exão 17a e é considerada rara em doentes com FC. Consiste na substituição do aminoácido Leucina pelo aminoácido Fenilalanina e é normalmente associada a doença pulmonar, bronquiectasias disseminadas, pancreatites recorrentes e CBAVD (Castellani et al., 2001, Conklin et al., 2008, Lucarelli et al., 2010). A variação de sequência p.V754M está localizada no exão 13 e consiste na substituição do aminoácido Valina pelo aminoácido Metionina. Está associada a FC moderada quando combinada com as variações de sequência 1812-1G>A ou p.G542X (Loumi et al., 1999). 50 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Foram identificados dois alelos complexos neste trabalho: G576A-R668C, em seis amostras, e D443Y-G576A-R668C, numa amostra. Dados epidemiológicos evidenciam que o alelo complexo G576A-R668C é uma variante frequente na população geral (El-Seedy et al., 2012). De acordo com publicações anteriores, estes alelos complexos, quando em trans com uma mutação causadora de FC, estão associados a fenótipos moderados (CFTRRD), em particular CBAVD. A variação de sequência p.D443Y, localizada no exão 9, apresenta efeitos ao nível da maturação da proteína CFTR, e as variações de sequência p.G576A e p.R668C, localizadas nos exões 12 e 13 respetivamente, têm efeitos na atividade do canal de Cl-. Apesar da observação de uma associação entre a diminuição da função de CFTR com o alelo complexo D443Y-G576A-R668C (provavelmente devido ao efeito combinado das três variações de sequência), a proteína apresenta uma função residual, correspondente a fenótipos moderados e CFTR-RD (El-Seedy et al., 2012). Esta associação das variações de sequência p.D443Y, p.G576A e p.R668C em alelos complexos foi feita com base em publicações anteriores (Pignatti et al., 1995, Abramowicz et al., 2000), no entanto é necessário, nestas amostras, a avaliação dos progenitores para confirmar se as variações de sequência estão de facto em cis, ou seja, que são alelos complexos. De acordo com os resultados obtidos, foram identificadas cinco amostras com duas variações de sequência. Uma criança do sexo masculino com as mutações p.F508del e p.F1052V e quatro crianças, três do sexo masculino e uma do sexo feminino, com as variações de sequência p.R297Q/ p.E725K, G576A-R668C/ p.L997F, IVS8T5(TG)12/ p.S1235R e IVS8T5(TG)12/ p.L967S, respetivamente. Estas variações de sequência serão estudadas nos progenitores de forma a confirmar se se encontram em cis ou em trans. A associação, em heterozigotia composta, das variações de sequência p.R297Q/ p.E725K, G576A-R668C/ p.L997F, IVS8T5(TG)12/ p.L967S e IVS8T5(TG)12/ p.S1235R pode corresponder a um fenótipo de CFTR-RD, nomeadamente bronquiectasias (Pignatti et al., 1995, Bombieri et al., 1998) e, no caso das crianças do sexo masculino, CBAVD (WHO, 2004, Grangeia et al., 2007). Contudo, é necessária uma avaliação clínica precisa pois não é possível prever qual o fenótipo que cada individuo manifesta baseado exclusivamente no genótipo. 51 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA Relativamente à amostra com as variações de sequência p.F508del/ p.F1052V, em heterozigotia composta, pode resultar num fenótipo de FC clássica. Esta classificação é baseada na informação da base de dados CFTR2 (CFTR2@Johns Hopkins, 2013). Porém, devido à heterogeneidade da doença, não é possível prever o fenótipo deste individuo apenas com a informação genotípica de que dispomos (apesar da mutação F508del causar FC clássica), sendo necessária a sua avaliação clinica para realização de outros estudos, nomeadamente o teste de suor, para confirmação do diagnóstico e corelação genótipo/fenótipo. É também necessária, nestes cinco casos, a avaliação dos progenitores por forma a confirmar a segregação destas alterações. Assim, a prevalência de FC ou CFTR-RD, na população em estudo, é de 2,6% (5/194), sendo que podemos considerar a prevalência de FC clássica em 0,5% (1/194), um valor muito superior ao reportado para a população Portuguesa (1/14000) (Lemos et al., 2010) e para a população Caucasiana (1/2500). Com os resultados obtidos, podemos também estimar uma frequência de portadores de uma variação de sequência de 18,6% (36/194), um valor cerca de cinco vezes superior ao reportado para outras populações (1/25) (Welsh et al., 2001). Contudo, este é apenas uma abordagem inicial de um estudo epidemiológico da população Portuguesa, que prevê incluir a análise das 912 amostras. Em conclusão, existe uma urgente necessidade de determinar a frequência e a distribuição das mutações do gene CFTR para cada população, para que seja possível oferecer um diagnóstico mais adaptado e uma melhor interpretação fenotípica de acordo com a população em estudo (Salvatore et al., 2011, Farjadian et al., 2013). Com este trabalho, ao estudar a população Portuguesa, foi obtida uma frequência e uma distribuição de mutações CFTR muito diferente das já descritas para outras populações. Sendo os kits comerciais a primeira linha de diagnóstico da FC, é necessário perceber que estes necessitam de ser adaptados ao espetro de mutações mais frequente em cada população para assim, otimizar este diagnóstico e consequentemente melhorar a terapêutica da doença. Foi ainda discutida a difícil correlação genótipo-fenótipo, devido à grande heterogeneidade das diferentes variações do gene CFTR, o que dificulta a determinação de um diagnóstico de FC ou CFTR-RD. Portando, é de todo o interesse realizar um levantamento de todos os dados dos pacientes no sentido de determinar e 52 FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA fundamentar os efeitos que cada variação exerce na proteína CFTR, diretamente ou através da sua capacidade de modificar o efeito de outras variações. O trabalho futuro consiste na otimização de um protocolo para prosseguir este projeto através da técnica de Sequenciação de Nova Geração (NGS – Next Generation Sequencing). Após a sequenciação das restantes amostras, é necessário avaliar o espectro de mutações identificado, de modo a obter um painel de mutações específico da população Portuguesa que permita validar o diagnóstico e, eventualmente, o estabelecimento de uma correlação genótipo-fenótipo imediata. 53 BIBLIOGRAFIA FCUP FIBROSE CÍSTICA: ESTUDO DAS VARIAÇÕES DE SEQUÊNCIA DO GENE CFTR NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA PORTUGUESA 6. 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Annual review of genetics, 29, 777-807. 59 ANEXOS FCUP Fibrose Cística: Estudo das Variações de Sequência do gene CFTR na População Pediátrica Portuguesa ANEXO I Tabela 1 – Mutações do gene CFTR detetadas com o kit comercial Devyser CFTR Mutação Core Denominação Localização 711+1G>T c.579+1G>T Intrão 5 3120+1G>A c.2988+1G>A Intrão 18 621+1G>T c.489+1G>T Intrão 4 1717-1G>A c.1585-1G>A Intrão 11 CFTRdele2,3(21kb) c.54-5940_273+10250del21kb Intrão 1 a Exão 3 3849+10kbC>T c.3717+12191C>T Intrão 22 2789+5G>A c.2657+5G>A Intrão 16 1898+1G>A c.1766+1G>A Intrão 13 G542X c.1624G>T Exão 12 G85E c.254G>A Exão 3 Y1092X(C>A) c.3276C>A Exão 20 G551D c.1652G>A Exão 12 R553X c.1657C>T Exão 12 3659delC c.3528delC Exão 22 N1303K c.3909C>G Exão 24 R560T c.1679G>C Exão 12 R117H(350G>A) c.350G>A Exão 4 R1162X c.3484C>T Exão 22 L1077P c.3230T>C Exão 20 R117C(349C>T) c.349C>T Exão 4 R1066C c.3197G>A Exão 20 L1065P c.3194T>C Exão 20 W1282X c.3846G>A Exão 23 R347H c.1040G>A Exão 8 I507del c.1519_1521delATC Exão 11 T338I c.1013C>T Exão 8 F508del c.1521_1523delCTT Exão 11 I336K c.1007T>A Exão 8 1677delTA c.1545_1546delTA Exão 11 R334W c.1000C>T Exão 8 3272-26A>G c.3140-26A>G Intrão 19 1078delT c.948delT Exão 8 2183AA>G c.2051_2052delAAinsG Exão 14 2184insA c.2052_2053insA Exão 14 2143delT c.2012delT Exão 14 5T(TGn) c.1210-34TG[9_13]T[5] Intrão 9 Adaptado de Devyser, Palex Medical SA, Barcelona, Espanha. 61 FCUP Fibrose Cística: Estudo das Variações de Sequência do gene CFTR na População Pediátrica Portuguesa ANEXO II Tabela 2 – Lista de materiais Reagentes Marca Água destilada estéril B-Braun dNTPs Invitrogen Etanol 70% e 85% Merck Millipore Kit ABI PRISM BigDye Terminator v3.1 Cycle Sequencing Applied Biosystems Kit Agencourt®AMPure®XP PCR Purification Beckman Coulter Kit Agencourt®CleanSEQ® Dye-Terminator Removal Beckman Coulter Kit JETQUICK Blood & Cell Culture Genomed Kit QIAxel DNA Screening Qiagen Kit Taq Polymerase Fermentas Kit Type-it® Microsatellite PCR Qiagen Primers Thermo Lab e Frilabo Polímero POP-7 Applied Biosystems 62 FCUP Fibrose Cística: Estudo das Variações de Sequência do gene CFTR na População Pediátrica Portuguesa ANEXO III 63