PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS
Mariana Ruschel Wierzchowski
SUMÁRIO: 1. Prescrição e decadência na Teoria Geral do Direito - 2. A
prescrição e a decadência tributárias: 2.1. Notas introdutórias; 2.2. O papel do
lançamento tributário; 2.3. O prazo decadencial se refere ao direito potestativo
de lançamento e não à obrigação tributária; 2.4. O crédito tributário; 2.5.
Formas de liquidação do crédito tributário. Reflexos na prescrição e
decadência: 2.5.1. Entendendo o art. 142 do CTN; 2.5.2. A declaração do
contribuinte na sistemática do lançamento por homologação; 2.5.3. Depósito
judicial; 2.5.4. Compensação administrativa; 2.5.5. Vício de forma em
lançamento anteriormente efetuado - Conclusões - Bibliografia.
1. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NA TEORIA GERAL DO DIREITO
O presente estudo volta-se à análise dos institutos da prescrição e da
decadência no direito tributário, na tentativa de lançar um olhar à luz da teoria geral
do direito, definindo-os com precisão e identificando quais os seus efeitos sobre a
obrigação e o crédito tributários.(1)
Interessante observar que o estudo do Direito Tributário é repleto de questões
jurídico-positivas, ou seja, de temas cuja definição depende das peculiaridades do
direito positivo analisado, sendo possível encontrar inúmeras diferenças nos
variados sistemas jurídicos. Os doutrinadores, inclusive, constantemente alertam
para os perigos de se analisar o sistema tributário brasileiro a partir de conceitos
desenvolvidos em outros países, sobretudo em virtude das particularidades da
legislação pátria. Souto Maior Borges, nessa linha, aponta como típico conceito
jurídico-positivo o “lançamento tributário”, pois “é uma noção que somente pode ser
1
“Entre nós, a prescrição ocorre no campo do Direito Público, v.g. no Direito Público Financeiro
(tributário e fiscal). Contudo, à míngua de conceitos específicos nesse campo, forçosa é a utilização
dos princípios pertinentes de teoria geral do Direito Civil caracterizadores do instituto”. BRITO,
Edvaldo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Decadência e prescrição. São Paulo: Resenha
Tributária, 1976. p. 96.
1
obtida a posteriori, no sentido de que apenas poderá ser apreendida após o
conhecimento de um determinado Direito Positivo”.(2)
Há, no entanto, certos institutos identificados como lógico-jurídicos, ou seja,
que são trabalhados historicamente a partir de uma visão ontológica dos fenômenos
jurídicos, cujas definições podem ser utilizadas em qualquer ordenamento jurídico,
independentemente das suas especificidades.(3) Parece-nos que a prescrição e a
decadência se encaixam nessa última categoria, razão pela qual uma incursão pela
teoria geral do direito se afigura fundamental para o seu correto entendimento.
Se um dos principais objetivos do direito é a paz social, conferindo
estabilidade e previsibilidade às relações intersubjetivas, os institutos da prescrição e
da decadência ocupam papel de destaque nesse mister, porquanto obstam a
eternização de situações de insegurança, garantindo tranquilidade para os cidadãos.
A possibilidade de um sujeito intervir na esfera jurídica alheia cria uma
situação de insegurança social, pois o titular de tal direito tem em suas mãos a
decisão de fazê-lo valer ou não. Diante de tal potencialidade decorrente de um
direito subjetivo, o patrimônio jurídico daquele em face de quem o direito pode ser
exercido fica em constante situação de “perigo”. Assim, para evitar que tal estado de
periculosidade se estenda indefinidamente, são estabelecidos prazos para o
exercício dos direitos ou das pretensões que deles decorrem, denominados de
decadência e prescrição.
Fato é que a doutrina brasileira, ainda nos dias atuais, é bastante confusa
sobre a distinção entre prescrição e decadência.(4) (5) Muitos ainda diferenciam os
2
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 94.
“Os conceitos lógicos-jurídicos constituem pressupostos fundamentais para a ciência jurídica. Entre
esses pressupostos essenciais estão as noções de direito subjetivo, dever jurídico, objeto, relação
jurídica etc. Correspondem, pois, à estrutura essencial de toda norma jurídica. Consequentemente,
não são exclusivas de determinado ordenamento jurídico, mas comum a todos. Não são dados os
conceitos lógico-jurídicos empiricamente, porque são alheios a toda experiência. São necessários a
toda realidade positiva, efetivamente existente, historicamente localizada ou apenas possível,
precisamente porque funcionam como condicionantes a todo pensamento jurídico”. BORGES, José
Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 94.
4
Muito dessa confusão se deve ao tratamento sem critérios estabelecido pelo Código Civil de 1916,
que não fazia distinções entre prazos prescricionais e decadenciais, deixando a doutrina atônita na
classificação dos prazos.
5
“Conceituar prescrição e decadência tem se mostrado uma tarefa árdua, desde o direito romano.
Inúmeras teorias têm sido formuladas ao longo dos séculos, alguns doutrinadores chegando mesmo à
3
2
institutos pelos seus efeitos, propalando que a prescrição extingue a pretensão(6) e a
decadência extingue o direito. Afirmam, ainda, que a instituição de um prazo
prescricional ou decadencial fica ao talante do legislador. Se quer extinguir o direito,
prevê um prazo de decadência, porém se a ideia é extinguir a pretensão, lança mão
de um prazo prescricional. Ou seja, não haveria qualquer base científica por detrás
desses institutos a justificá-los, sendo usados ao sabor dos humores legislativos.
Porém, há muito, já se demonstrou que distinguir a prescrição e a decadência
pelos seus efeitos, além de nada explicar, causa uma significativa insegurança nos
operadores do direito, porquanto, naquelas situações em que o legislador não
explicita a natureza do prazo abstratamente consignado em lei, ficam todos atônitos,
tentando adivinhar a natureza do prazo e suas respectivas consequências.
Referimo-nos ao célebre artigo escrito por Agnelo Amorim Filho,(7)
denominado "Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis". Trata-se de escrito valioso que explica com
minúcia a distinção entre os institutos, conferindo bases sólidas à teoria geral do
direito para um tratamento adequado pelos diversos ramos da ciência jurídica.
Segundo o referido Autor, é inadequado diferenciar a prescrição e a
decadência pelos seus efeitos, porquanto tais institutos jurídicos estremam-se em
virtude da natureza do direito subjetivo que está sujeito ao prazo.
Citando Chiovenda,(8) Agnelo Amorim aduz que há dois grandes grupos de
direitos subjetivos:
conclusão de que inexistiria distinção entre ambas. No entanto, se o ordenamento jurídico contempla
as duas figuras e lhes atribui efeitos peculiares, essa posição, obviamente, se mostra insustentável”.
SOUZA, Fátima Bernardes Rodrigues de. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Decadência e
prescrição. Pesquisas tributárias nova série 13. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 116.
6
Ainda mais grave é pensar que a prescrição extingue a ação, quando, atualmente, a doutrina
processual identifica o direito de ação como um direito autônomo e abstrato, ou seja, cuja existência
independe do direito material. Ou seja, o direito de ação jamais se extingue. O que pode extinguir é o
direito material veiculado ao Poder Judiciário por meio do exercício do direito de ação.
7
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, n. 300, 1960.
8
Tais noções são expostas in: CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil.
Tradução da 2. ed. italiana J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 11.
3
a) Direitos subjetivos a uma prestação, que são aqueles direitos que, para serem
atendidos, dependem que o sujeito passivo cumpra uma obrigação. Ou seja, são
direitos que estão ligados a uma prestação do sujeito passivo, dependem, assim, de
um ato a ser praticado por pessoa diversa do seu titular. A partir do momento em
que é possível exigir essa prestação, nasce a pretensão, que significa justamente a
exigibilidade do cumprimento da obrigação por pessoa alheia ao titular do direito.
Com o surgimento da pretensão, nascida está a situação de inquietude do
sujeito passivo que, em regra, enquanto não adimplir a obrigação, fica sujeito ao
exercício da pretensão pelo sujeito ativo.
b) Direitos subjetivos potestativos,(9) que correspondem a direitos que não
dependem de uma prestação do sujeito passivo para serem efetivados. O próprio
sujeito ativo, unilateralmente, pode exercê-lo, ficando o sujeito passivo em um
estado de sujeição diante de tal exercício. São direitos, portanto, desprovidos de
pretensão, porquanto não se exige do sujeito passivo qualquer prestação, bastando
que o sujeito ativo manifeste sua vontade de exercê-lo. Assim, a própria existência
do direito é a causa de intranquilidade do sujeito passivo. Ex.: direito de revogar uma
procuração, rescindir um contrato por vício de forma etc.
Historicamente, expõe-se que o instituto da prescrição proporciona a extinção
da pretensão, enquanto que a decadência fulmina o direito. São institutos que têm
por
finalidade
proporcionar segurança
jurídica, eliminando
a situação
de
intranquilidade gerada pela possibilidade do exercício da pretensão (direitos a uma
prestação) ou do exercício do direito (direitos potestativos).
Assim, há certos direitos cuja situação de intranquilidade social não é gerada
pelo seu exercício, mas sim pela pretensão que dele decorre. São os chamados
direitos a uma prestação. Para que seja eliminada a correspondente insegurança
jurídica, basta a neutralização da pretensão. Entra em cena, assim, a prescrição
como instituto jurídico apto a eliminar a pretensão (exigibilidade), servindo de
verdadeira defesa do sujeito passivo, caso se tente o adimplemento intempestivo da
9
Na Alemanha são denominados de direitos formativos.
4
prestação. Por isso é que se diz que a prescrição extingue a pretensão, com o
objetivo de conferir segurança jurídica àquele que poderia ser alvo da cobrança.(10)
Paralelamente, existem direitos que podem ser exercidos independentemente
de qualquer ato do sujeito passivo, desprovidos, portanto, de pretensão em face
deste, que são os direitos potestativos. Nesse caso, a insegurança jurídica é gerada
pela própria existência do direito, pois pode ser exercido a qualquer momento,
bastando a manifestação da vontade do sujeito ativo. Para que seja eliminada tal
situação de intranquilidade do sujeito passivo, é inútil se falar em extinção da
pretensão (simplesmente por não existir qualquer pretensão em face do sujeito
passivo), mas sim há necessidade de se extinguir o próprio direito. Por isso é que a
decadência constitui uma defesa do sujeito passivo em face do sujeito ativo que não
exerceu o seu direito tempestivamente, proporcionando a sua extinção.(11)
Com efeito, fica claro que quando estamos diante de um direito que demande
uma prestação do sujeito passivo, conferindo, pois, uma pretensão ao sujeito ativo, o
prazo previsto para a cobrança será um prazo prescricional. Lado outro, caso o
sujeito ativo tenha a potestade de simplesmente exercer o seu direito, gerando uma
simples situação de sujeição do sujeito passivo, não dependendo, assim, de
qualquer prestação deste, o prazo previsto para o seu exercício será um prazo de
decadência.
Merece aplausos, portanto, as explicações de Agnelo Amorim, que colocaram
fim ao grande tormento doutrinário e jurisprudencial sobre a distinção entre
prescrição e decadência, devendo ser utilizadas pelos estudiosos dos diversos
ramos da ciência jurídica para explicar os seus respectivos prazos.
10
Art. 189 do Código Civil: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
11
“Como o direito potestativo pode ser exercido unilateralmente por seu titular, sem a colaboração de
terceiros e, portanto, sem a necessidade de intervenção judicial, esse prazo deve consistir num limite
temporal à própria existência do direito, o qual, ao seu cabo, fenece. (...) Relativamente aos direitos a
uma prestação, como para o seu exercício é necessária a colaboração de terceiros, a segurança
jurídica resta atendida se a possibilidade de exigir essa colaboração for limitada no tempo”.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Decadência e
prescrição. Pesquisas tributárias nova série 13. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 300-301.
5
2. A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS
2.1. Notas introdutórias
Trazendo as ideias anteriormente apresentadas para a seara tributária,
cumpre-nos explicar os prazos que dispõe a Fazenda Pública para cobrar o crédito
tributário, a partir da ocorrência do fato gerador.
Em primeiro lugar, devemos perquirir em que consiste a obrigação tributária,
mais precisamente, a qual espécie de direito que ela dá origem.
Tal questão não parece suscitar maiores dúvidas, na medida em que o
próprio CTN, no art. 113, § 1º, prevê que a obrigação tributária tem por objeto o
pagamento de uma quantia em dinheiro, ou seja, visa a uma prestação pecuniária
pelo sujeito passivo.
Assim, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária, que tem por
objeto uma prestação pecuniária.
Diante de tais circunstâncias, à luz da teoria geral do direito, seria bastante
tranquilo para o intérprete identificar, de imediato, que eventual prazo existente para
a cobrança de tal prestação, na hipótese de inadimplemento pelo sujeito passivo,
consistiria um prazo prescricional, porquanto estamos diante de uma pretensão do
sujeito ativo. Não há de se pensar, portanto, em um prazo decadencial, pois não
estamos diante de um direito que, uma vez exercido, exaure-se, proporcionado um
simples estado de sujeição do sujeito passivo. Aqui, a insegurança proporcionada ao
sujeito passivo decorre da pretensão que se pode exercer em face dele de
cumprimento de uma prestação. Por tal motivo, o prazo que dispõe a Fazenda
Pública para cobrar a prestação tributária é um prazo prescricional.
Quando pensamos nas relações do direito privado essa análise é feita e
aceita com mais tranquilidade. Basta pensar em um acidente de trânsito. Analisando
a relação jurídica de forma bem simples (sem adentrarmos nos meandros da
responsabilidade civil), com o “fato gerador” (ou simplesmente fato jurídico) que dá
origem ao direito a uma indenização, nasce a pretensão de pleiteá-la em face do
6
causador dos danos. Mesmo sendo a obrigação de reparar ainda ilíquida, deve a
vítima propor sua demanda dentro do prazo prescricional previsto na legislação, sob
pena de extinção da sua pretensão.
No direito tributário deveria ocorrer a mesma situação, porém o legislador
alterou um pouco essa lógica.(12) É que, nessa seara jurídica, ocorrido o fato jurídico
(fato gerador) apto a gerar a obrigação tributária, para que o Estado não precise
ingressar em juízo para liquidar o valor do tributo devido, conferiu-se uma
prerrogativa ao Poder Público de liquidar administrativamente seu crédito e já obter
um título executivo extrajudicial. Assim, ao invés de ter que postular em juízo um
crédito ainda ilíquido, como ocorre com as demais obrigações de direito privado, no
intuito de otimizar a cobrança do crédito público, o legislador viabilizou a sua
liquidação pelo próprio Estado, com a participação do contribuinte, na esfera
administrativa.
Cumpre-nos alertar para duas peculiaridades: a) a liquidação extrajudicial de
um crédito constitui atividade atípica no nosso sistema; b) tal atividade de liquidação
não possui qualquer vinculação ontológica com a existência da obrigação tributária e
sua respectiva prestação pecuniária, consistindo apenas na identificação dos
principais elementos do crédito público.
A doutrina pouco percebe tais circunstâncias, ou simplesmente não lhes
confere a devida importância, o que faz com que inúmeros erros na explicação dos
institutos sejam cometidos. Digna de nota é a sensibilidade de Luciano Amaro
quanto ao ponto, trazendo um pouco da história de forma elucidativa:(13)
Tratando-se de relação de natureza patrimonial - já que a obrigação tributária
tem por objeto a prestação do tributo pelo devedor - o Código Tributário Nacional
poderia ter-se limitado a disciplinar um prazo para que o Fisco, não satisfeito pelo
12
“Em princípio, nada impediria que o Código Tributário Nacional disciplinasse o prazo para o
exercício do direito do Fisco (nascido com o fato gerador da obrigação tributária), regulando os efeitos
que as várias “fases” da dinâmica da obrigação tributária (inclusive o lançamento) pudessem ter sobre
a contagem do prazo. Optou o Código pela definição de prazos distintos para o lançamento e para a
ação de cobrança (desconhecendo relevo à inscrição da dívida)”. AMARO, Luciano. Direito tributário
brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 403.
13
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 403.
7
sujeito passivo, ingressasse em juízo com a ação de cobrança, estabelecendo o
lapso de tempo que entendesse adequado, e fazendo-o contar a partir do
nascimento da obrigação tributária, com as causas de interrupção ou suspensão que
fossem adequadas. Aliás, como lembra Fábio Fanucchi, essa era a posição adotada
no anteprojeto do Código, preparado por Rubens Gomes de Souza, ao tratar da
prescrição.
Essa interessante passagem doutrinária nos traz uma informação digna de
destaque. O anteprojeto do Código Tributário Nacional, elaborado na década de 50,
sob responsabilidade de Rubens Gomes de Souza, discutido por mais de dez anos,
previa apenas o prazo prescricional para cobrança do crédito tributário, em
harmonia, portanto, com a sua natureza (relativo a direito a uma prestação) e com os
demais ramos do direito. Todavia, segundo Luciano Amaro,(14) em virtude de toda
construção teórica sobre o instituto da decadência no direito estrangeiro, em
especial na Itália (“anomalia da pretensão tributária, que não se faz presente na
dinâmica de exercício de direitos na esfera de outros ramos do direito”), o CTN
resolveu cindir em dois momentos a cobrança do crédito tributário.
2.2. O papel do lançamento tributário
Assim, na sistemática adotada para cobrança do crédito tributário, necessário
se faz, inicialmente, proceder à liquidação do crédito público, para só depois ser
possível a sua plena exigibilidade, apta a dar ensejo a um título executivo
extrajudicial e viabilizar a propositura da ação de cobrança.
A essa liquidação se deu o nome de lançamento tributário, “[...] assim
entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o
montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a
aplicação da penalidade cabível”. (art. 142 do CTN).
14
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 402.
8
Fazendo uma breve incursão nos sistemas tributários estrangeiros, notamos
particularidades elucidativas. Na Itália, por exemplo, atividade semelhante ao que
chamamos de lançamento é denominada de accertamento tributario que significa
“avaliação, averiguação”. Na Espanha, confere-se o nome de liquidación.(15) (16)
Assim, verificamos que essa prerrogativa da Fazenda Pública de identificar os
elementos do crédito público, não está essencialmente vinculada à existência da
obrigação tributária e da necessidade de pagamento do tributo, diga-se, da
prestação pecuniária respectiva. Dito de outro modo, seria possível pensar em
obrigação tributária, crédito tributário e cobrança judicial sem o necessário
procedimento de liquidação do valor devido, constituindo o lançamento mera opção
legislativa, em certos casos, de identificação prévia da prestação devida.(17)
Por isso que, frise-se, eventual perda do direito de lançar(18) não afeta
diretamente a existência da obrigação tributária, mas apenas o direito de a Fazenda
Pública liquidar o crédito tributário. Fulmina-se apenas o direito potestativo de
proceder ao lançamento.
15
Souto Maior Borges pede cautela ao examinar os institutos jurídicos estrangeiros, pois o conceito
de lançamento tributário é um típico conceito jurídico-positivo, ou seja, eminentemente brasileiro,
estabelecido ao sabor da legislação nacional. BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2.
ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 104.
16
“Entre nós enraizou-se a expressão “lançamento”, cuja origem etimológica aponta para o
significado de calcular, efetuar um lance; em Itália - um dos países onde o tema tem sido mais
profusamente tratado - fala-se em accertamento tributário, inobstante uma forte corrente da doutrina
preconizar, por razões que adiante serão analisadas,a substituição desse conceito pelo atto di
imposizone; na Alemanha empregam-se as noções de Steuerveranlagung, Steuerfestsetzung,
Steuerverfügung e Steuerbescheid; em França fala-se na liquidation de l’impôt, distinta da assiette,
mas já na Bélgica a expressão consagrada é a de cotidation; nos países de língua castelhana tanto
se usa a expressão liquidación como determinación; nos países anglo-saxônicos é geralmente
utilizado o termo tax assessment; em Portugal a lei adotou a expressão ato tributário, com a qual se
designa o ato administrativo típico da função de aplicação das leis tributárias aos casos concretos,
que também é correntemente chamado de liquidação”. XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral
do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.
4.
17
“O lançamento somente confere a exigibilidade necessária ao crédito tributário do sujeito ativo nos
casos dos tributos que exigem lançamentos diretos (IPTU, IPVA) ou que pedem lançamento após
declaração do contribuinte (ITR, ITBI). Nos impostos sujeitos à homologação do pagamento, é ele
prescindível. A própria lei torna obrigatório o recolhimento: o contribuinte paga sem que haja a mínima
interferência do Estado-Administração”. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito tributário
brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 775.
18
Paulo de Barros Carvalho, apesar de concordar com a desvinculação do prazo decadencial do
direito de exigir a prestação tributária, entende que não se pode falar em direito potestativo de a
Fazenda Pública lançar o crédito tributário, pois constitui um dever do Estado. CARVALHO, Paulo de
Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 464. A doutrina costuma
repelir esse argumento, afirmando que o Estado efetivamente possui um direito potestativo contra o
contribuinte, havendo dever jurídico dos funcionários públicos de realizarem o lançamento, sob pena
de responsabilidade funcional.
9
Tanto é verdade que, atualmente, a grande maioria dos tributos não está
sujeita a um prévio procedimento formal de lançamento, devendo o contribuinte,
ocorrido o fato gerador tributário, aferir o quanto devido e fazer o seu pagamento. É
o que se chama de “lançamento por homologação”, situação em que o próprio
contribuinte liquida e paga unilateralmente a sua dívida, podendo o Estado, após,
proceder à fiscalização da atividade de identificação dos elementos do crédito
tributário.(19)
Isso demonstra, pois, que o lançamento não está ontologicamente ligado à
obrigação tributária, conforme passamos a melhor desenvolver.
2.3. O prazo decadencial se refere ao direito potestativo de lançamento e não à
obrigação tributária
Mas por que toda essa explicação e demonstração de que o lançamento não
participa da essência da obrigação tributária? Tudo isso é para expor que o prazo de
cinco anos que a Fazenda Pública dispõe para constituir o crédito tributário não está
ligado ao direito subjetivo decorrente da obrigação tributária, mas sim apenas ao
direito potestativo de constituição do crédito tributário.
Não se pode conceber um direito subjetivo que se submeta inicialmente a um
prazo decadencial e, após praticado certo ato pelo sujeito ativo, o mesmo direito
subjetivo se transmude e passe a se sujeitar a um prazo prescricional. Como
dissemos, em virtude do objetivo desses prazos extintivos, o que determina se
estamos a tratar de prazos prescricionais ou decadenciais não é o legislador de
forma aleatória, mas sim a natureza do direito subjetivo correspondente.(20)
19
“(...) o que se homologa não é o pagamento antecipado. Homologa-se a atividade exercida pelo
contribuinte: extração de notas fiscais; escrituração dessas notas; apuração do imposto devido;
comunicação do imposto apurado. Ainda que não tenha havido pagamento antecipado do imposto
apurado e comunicado, o Fisco pode concordar com o valor apurado homologando a atividade
exercida pelo contribuinte, inscrevendo-o diretamente na dívida ativa, sem necessidade de notificar o
contribuinte para apresentar impugnação”. HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para
contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas.
Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010.
20
“Porém, mesmo quando todas elas [fases de cobrança do crédito tributário] se façam presentes, é
inegável a unicidade da relação material que, nascida com o fato gerador, pode ir até a fase de
satisfação coativa em juízo, mas não perde sua identidade em nenhum momento. Essa identidade da
10
Como já exposto, a obrigação tributária dá origem ao direito subjetivo a uma
prestação pecuniária que, à luz da teoria geral, constitui espécie de direito atrelado a
uma pretensão, submetendo-se, assim, a um prazo prescricional.
Por pretensão, reitere-se, devemos entender a possibilidade de se exigir do
sujeito passivo o adimplemento da prestação. A princípio, a pretensão já nasce com
a obrigação, mas nada impede que as regras jurídicas estabeleçam uma relação
obrigacional cuja pretensão surja em momento posterior.
No direito tributário brasileiro, a plena pretensão de cobrança da prestação
pecuniária tem o seu nascimento com a “constituição definitiva do crédito tributário”.
Como exposto, por uma peculiaridade das obrigações tributárias, a Fazenda
Pública pode/deve “liquidar” seu crédito administrativamente, no prazo de cinco
anos, a fim de que surja a pretensão à cobrança da prestação pecuniária em face do
sujeito passivo. Trata-se de um prazo decadencial, decorrente, exclusivamente, do
direito potestativo de constituição do crédito tributário.
Como consequência desse raciocínio, fica claro que o prazo decadencial para
constituição do crédito tributário não está vinculado à obrigação tributária (que dá
origem a um direito subjetivo de prestação), mas apenas ao direito de constituição
do crédito, em outras palavras, de “liquidação” da prestação pecuniária.
Assim, é incorreto afirmar, como muitos o fazem, que a decadência extingue a
obrigação tributária, pois o direito extinto é apenas o de constituir o crédito tributário.
A obrigação tributária, a princípio, fica incólume, não obstante a decadência do
direito de lançar.(21)
relação jurídica material não se coaduna com a pluralidade de situações materiais, de distintas
naturezas, que ensejaram, no direito privado, a diversidade de prazos extintivos rotulados como
prescrição e decadência”. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 403.
21
Essa afirmação é necessária para que entendamos exatamente a essência desse prazo
decadencial. A obrigação tributária não se submete a prazo dessa espécie, por isso não pode ser
afetada diretamente pela decadência do direito de constituição do crédito tributário. Não ignoramos,
porém, que o legislador consignou expressamente que a decadência extingue o crédito tributário (art.
156, V, do CTN) e que a obrigação tributária “extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”
(art. 113, § 1º, do CTN). Assim, a extinção do crédito tributário constitui espécie de eficácia atípica da
decadência e da prescrição tributárias, desenhada pelo legislador, pois ontologicamente só deveriam
atingir o direito de lançar e a pretensão de cobrança respectivamente.
11
2.4. O crédito tributário
O CTN expõe que a decadência extingue o crédito tributário. Diante de tal
preceito, devemos nos perguntar: há crédito tributário antes da sua constituição?
Não é novidade que o CTN não prima pela melhor técnica ao precisar seus
conceitos. Cabe ao intérprete, sistematicamente, tentar conciliar as ideias
espraiadas pelo Código, de maneira que possamos entendê-lo e aplicá-lo.
Socorremo-nos, mais uma vez, da teoria geral do direito.
Diante de um ilícito civil, surge o dever de o infrator indenizar a vítima. Caso
não seja adimplida a obrigação voluntariamente, necessário será o ajuizamento de
uma demanda judicial, para que seja aferido o valor da indenização e, finalmente,
exigido o adimplemento.
Ou seja, ocorrido o fato jurídico que confere o direito à indenização, já temos
um crédito a ser buscado junto ao patrimônio do infrator.
O conceito de crédito está intimamente ligado à noção de obrigação. Quando
se estuda a relação obrigacional, temos que “na sua definição, tem-se levado em
conta, preferentemente, o lado passivo, que se designa pelo termo obrigação ou,
mais à justa, dívida. Vista, porém, do lado ativo, chama-se crédito”.(22)E prossegue
Orlando Gomes, explicando que não podemos tratar da relação obrigacional de
forma dissociada das noções de crédito e débito, vejamos:(23)
Positivado que a relação obrigacional compreende dívida e crédito, que mais
não são do que aspectos sob que se apresenta, não é correto conceituá-la com
vocábulo obrigação, que é corriqueiro. A definição, para ser completa, deve ressaltar
as duas faces, ativa e passiva.
[...]
22
23
GOMES, Orlando. Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 9.
GOMES, Orlando. Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 11.
12
Tecnicamente, obrigação é espécie do gênero dever, reservando-se o termo
para designar o dever correlato a um direito de crédito.
Ocorre que, como visto, em se tratando de obrigação tributária, o legislador
conferiu ao Estado a prerrogativa de buscar a prestação pecuniária já por meio de
um processo de execução e, para tanto, é necessário que se alcance o título
executivo extrajudicial. Como o título executivo tem que ser líquido, necessário que
haja a liquidação desse crédito previamente, por meio de um procedimento
administrativo denominado de lançamento.(24)
Disso decorre que, em verdade, o crédito tributário surge juntamente com a
obrigação tributária,(25) porém a possibilidade de a Fazenda Pública alavancar
medidas de cobrança em face do sujeito passivo depende de sua prévia
liquidação.(26) Vejamos as palavras de Leandro Paulsen:(27)
Embora, no sistema do Código, considere-se o crédito constituído pelo
lançamento (em verdade por quaisquer dos modos de formalização), quando se
reveste de certeza e liquidez, pode-se observar que já se pode considerá-lo exigível,
numa acepção mais ampla, mesmo anteriormente, na data do vencimento dos
tributos sujeitos a lançamento por homologação, pois, já tem o contribuinte a
obrigação de efetuar o lançamento, sendo que, não o fazendo, incorrerá em
infração, sujeitando-se a multa.
24
“É erro rotundo dizer que o lançamento institui o crédito. O erro continua redondo para aqueles que
querem conciliar correntes inconciliáveis e proclamam que o lançamento declaram a obrigação e
constitui o crédito. A obrigação nem sempre necessita ser declarada, e o crédito nasce sempre com
ela. Portanto, o lançamento apenas confere exigibilidade ao crédito - quando isto for necessário - ao
individualizar o comando impessoal da norma (como é da sua natureza de ato tipicamente
administrativo). O lançamento prepara o título executivo da Fazenda Pública, infundindo-lhe liquidez,
certeza e exigibilidade”. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito tributário brasileiro. 8. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 775.
25
“Diante do exposto, reafirmamos: a constituição do crédito tributário dá-se com a ocorrência do fato
gerador. Mais precisamente: se o fato gerador é situação necessária e suficiente para fazer surgir a
obrigação e com ela o crédito, sem dúvida que acontecida esta situação que em si se basta
(necessária e suficiente), tal como definida na lei, constitui-se DEFINITIVAMENTE o crédito
tributário”. BRITO, Edvaldo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Decadência e prescrição. São
Paulo: Resenha Tributária, 1976. p. 90.
26
Sobre o tema, trabalho de fôlego que expõe as várias teorias que tratam da eficácia do lançamento:
XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed.
ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
27
PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 996.
13
Três provas, no mínimo, temos no sistema da existência do crédito tributário
antes do lançamento:
a) A decadência extingue o crédito tributário (art. 156, V, do CTN). Não podemos
falar em extinção de algo que não existe.
b) A decisão judicial passada em julgado extingue o crédito tributário (art. 156, X, do
CTN), ainda que não tenha havido lançamento.
c) Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, ultrapassada a data do
pagamento do tributo sem o seu adimplemento, deverá o contribuinte arcar com os
encargos moratórios. Ora, como falar em mora sem que exista um crédito?
Poderíamos pensar em uma obrigação sem o respectivo crédito? Parece-nos que
não.
Verificamos, portanto, que, com o advento do fato gerador, nasce a obrigação
tributária que, por estar inserida em uma relação jurídica reveladora de um direito a
uma prestação, dá origem, igualmente, ao crédito tributário. Trata-se da face ativa do
dever/obrigação e dela indissociável.(28) (29)
Contudo, tal crédito se submete a inúmeros graus de exigibilidade até poder
ser objeto de uma execução fiscal. Repare-se, inclusive, que a falta de exigibilidade
do crédito é algo bem comum no sistema tributário nacional, estando positivadas no
art. 151 do CTN as hipóteses legais de sua suspensão.
28
Não desconhecemos a teoria dualista, propugnada por Rotondi, na qual se separa a relação
obrigacional em duas fases: a) Débito (Shuld) e b) obrigação (Haftung). Segundo essa teoria, a
obrigação e o respectivo crédito só surgiriam com o inadimplemento. Concordamos com a crítica de
Alberto Xavier, para quem essa teoria não se adéqua à lógica do lançamento tributário. XAVIER,
Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2.ed. ref. e
atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
29
No mesmo sentido do texto, precisa é a lição de Paulo de Barros Carvalho: “(...) Sim, porque o
crédito nada mais é do que o direito subjetivo de que o sujeito ativo se vê investido de exigir a
prestação, enquanto débito, seu contraponto, é o dever jurídico de cumprir aquela conduta. E não
pode haver vínculo jurídico de cunho obrigacional se inexistir um sujeito de direito, na condição de
credor, em face de outro sujeito de direito, na qualidade de devedor, de tal forma que subtrair o
crédito da estrutura obrigacional significa pulverizá-la, fazê-la desaparecer, desmanchando a
organização interna que toda relação jurídica há de exibir, como instrumentos de direitos e deveres
correlatos. O crédito é elemento integrante da estrutura lógica da obrigação, de tal sorte que ostenta
a relação de parte para com o todo. A natureza de ambas as entidades é, portanto, rigorosamente a
mesma. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
p. 364.
14
Com efeito, para bem entendermos o CTN à luz da teoria geral do direito,
importante que se compreenda que o lançamento não cria o crédito tributário,
existente desde a ocorrência do fato gerador, mas sim constitui a sua exigibilidade
plena para o sujeito ativo contra o sujeito passivo.
Não há de se negar, assim, o caráter constitutivo do lançamento, porquanto
agrega ao crédito tributário a exigibilidade plena, viabilizando a sua cobrança
executiva pelo sujeito ativo.(30)
Como já referido, nada impediria uma reforma do sistema atual, possibilitando
que a Fazenda Pública, ocorrido o fato gerador e não adimplida a prestação, já
ajuíze uma ação ordinária de cobrança, submetida a único prazo prescricional.
Apesar de tal medida afetar irremediavelmente a efetividade de cobrança do crédito
público, não há qualquer óbice em sua adoção, diante da natureza do direito
subjetivo decorrente da obrigação tributária (direito a uma prestação).
Ainda de lege ferenda, poderíamos pensar em apenas um prazo prescricional
para cobrança do crédito tributário, operando-se simplesmente sua interrupção
quando do início do procedimento de liquidação (lançamento),(31) inclusive com a
30
“O lançamento, em última análise, torna líquida a obrigação tributária que até então é ilíquida, o
que implica dizer que há modificação em situação jurídica preexistente, e os direitos potestativos como observa Messina - são ‘poderes em virtude dos quais seu titular pode influir sobre situações
jurídicas preexistentes modificando-as, extinguindo-as ou criando-as novas mediante uma atividade
própria unilateral’. Trata-se, pois, à semelhança do poder de opção nas obrigações alternativas (um
dos exemplos da Änderungsrechte dados por Seckel, um dos grandes teóricos dessa categoria de
direitos, no artigo intitulado ‘Die Gestaltungsrechte des Bürgerlichen Rechts’), de um direito
potestativo modificativo”. MOREIRA ALVES, José Carlos. Ainda sobre a prescrição e decadência no
Direito tributário In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária, Estudos
em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 403.
31
Semelhante sistema vige na Espanha, sendo interessante a transcrição dos Artículos 66/68 da Ley
General Tributária: “Artículo 66. Plazos de prescripción. Prescribirán a los cuatro años los siguientes
derechos: a) El derecho de la Administración para determinar la deuda tributaria mediante la oportuna
liquidación. b) El derecho de la Administración para exigir el pago de las deudas tributarias liquidadas
y autoliquidadas. c) El derecho a solicitar las devoluciones derivadas de la normativa de cada tributo,
lãs devoluciones de ingresos indebidos y el reembolso del coste de las garantías. d) El derecho a
obtener las devoluciones derivadas de la normativa de cada tributo, las devoluciones de ingresos
indebidos y el reembolso del coste de las garantías. (...) Artículo 68. Interrupción de los plazos de
prescripción. 1. El plazo de prescripción del derecho a que se refiere el párrafo a) del artículo 66 de
esta ley se interrumpe: a) Por cualquier acción de la Administración tributaria, realizada con
conocimiento formal Del obligado tributario, conducente al reconocimiento, regularización,
comprobación, inspección, aseguramiento y liquidación de todos o parte de los elementos de la
obligación tributaria. b) Por la interposición de reclamaciones o recursos de cualquier clase, por las
actuaciones realizadas con conocimiento formal del obligado tributario en el curso de dichas
15
possibilidade de prescrição intercorrente durante o seu curso,(32) e retomada a
contagem do prazo quando da “constituição definitiva” do crédito.(33)
Tais proposições apenas ratificam a noção de que o crédito tributário nasce
juntamente com a obrigação, porém, por uma opção legislativa, a sua exigibilidade
plena ficou postergada para um segundo momento, quando da sua liquidação.
2.5. Formas de liquidação do crédito tributário. Reflexos na prescrição e
decadência
2.5.1. Entendendo o art. 142 do CTN
Devemos observar que o lançamento não é a única forma de dar origem à
pretensão de se cobrar o crédito tributário, pois há situações em que é
desnecessária a sua realização, tendo em vista que o crédito tributário já foi
regularmente identificado (definitivamente constituído) de forma distinta.
Nesses casos, exigir seja alavancado um procedimento administrativo para
apurar algo que já está devidamente identificado não se justifica. Por isso é que a
doutrina e a jurisprudência vêm dispensando o lançamento e, consequentemente,
reconhecendo o imediato início do prazo prescricional de cobrança do crédito
tributário para a Fazenda Pública em tais hipóteses. Sim, pois se o crédito já está
identificado, já possui o requisito necessário exigido pela lei para que tenha plena
exigibilidade, justificando o início do prazo de cobrança.
reclamaciones o recursos, por la remisión del tanto de culpa a la jurisdicción penal o por la
presentación de denuncia ante el Ministerio Fiscal, así como por la recepción de la comunicación de
un órgano jurisdiccional em la que se ordene la paralización del procedimiento administrativo en
curso. c) Por cualquier actuación fehaciente del obligado tributario conducente a la liquidación o
autoliquidación de la deuda tributaria”. Assim, com o ato da administração tributária de liquidação do
crédito, opera-se a interrupção do prazo prescricional.
32
No sentido de que o legislador, com as previstas reformas no CTN, deve prever um prazo de
prescrição intercorrente durante o curso do processo administrativo: HARADA, Kiyoshi. Prescrição:
Termo inicial para contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação:
abordagens práticas. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010.
33
De forma parecida: AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 403.
16
Ocorre que, para se aceitar tais modalidades “alternativas” de liquidação do
crédito tributário, é necessário bem entender a redação do art. 142 do CTN que aduz
competir “privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário
pelo lançamento” (art. 142 do CTN). Realmente, não se nega que é atribuição
exclusiva da autoridade administrativa proceder à atividade de lançamento, “assim
entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o
montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a
aplicação da penalidade cabível” (art. 142 do CTN), porém a “constituição definitiva”,
como dissemos, não se dá apenas pelo lançamento.
Com efeito, se pelo lançamento só é possível a liquidação do crédito feita pela
autoridade administrativa (titular exclusiva desse direito), por outros caminhos é
possível liquidá-lo por pessoas diversas, em especial pelo próprio contribuinte. Essa
é a melhor forma de interpretar o art. 142 do CTN, harmonizando-o com o sistema
tributário vigente.(34)
Regra geral, sendo necessário o lançamento, terá o Fisco o prazo de cinco
anos para fazê-lo, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que tal
lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173 do CTN). Trata-se da hipótese de
lançamento de ofício. Assim, v.g., caso o contribuinte não faça qualquer declaração
ao Fisco sobre a ocorrência do fato gerador, contudo, por meio de auditorias, seja
descoberto que efetivamente se operou “a situação prevista em lei como necessária
e suficiente à sua ocorrência” (art. 114 do CTN), o Estado deverá realizar o
lançamento de ofício (art. 149 do CTN), como condição para cobrança do credito
tributário.(35)
34
“Há duas espécies de crédito tributário: uma, formalizada por ato-norma administrativo, editado por
agente público competente; outra, formalizada em linguagem prescritiva por ato-norma expedido pelo
próprio particular e que, por isso, não é ‘ato-norma administrativo’. Aprumando a terminologia, o
gênero crédito tributário equivale à relação jurídica tributária intranormativa que é o prescritor do
gênero ato-norma formalizador. Ao gênero ato-norma formalizador corespondem duas espécies de
normas jurídicas individuais e concretas: o ato-norma administrativo de lançamento tributário e o atonorma formalizador instrumental”. DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário. 2. ed. São
Paulo: Max Limonad, 1999. p. 185.
35
“No período de tempo que vai da notificação fiscal até a decisão final do recurso administrativo, não
pode, por estar a exigibilidade do crédito fiscal suspensa, fluir prazo de decadência nem prazo de
prescrição”. MOREIRA ALVES, José Carlos. Ainda sobre a prescrição e decadência no Direito
tributário In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária, Estudos em
homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 402.
17
Tratando-se, porém, da sistemática denominada de “lançamento por
homologação”, verificamos que o prazo para eventual lançamento do tributo devido
será de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN).
Entrementes, diante das peculiaridades desse ato em que há intensa participação do
contribuinte, passamos a lhe dedicar maior atenção.
2.5.2. A declaração do contribuinte na sistemática do lançamento por
homologação
Analisemos a modalidade de liquidação do crédito tributário que o CTN
denominou de “lançamento por homologação” (art. 150 do CTN).
Em verdade, não se trata de típico lançamento, atividade exclusiva da
autoridade administrativa, mas sim de ato do contribuinte que, ocorrido o fato
gerador, apura o tributo devido, declara todos os elementos da obrigação tributária
para o Fisco e, finalmente, procede ao pagamento do tributo.(36)
Nesse caso, clara é a percepção de que o contribuinte, por meio de sua
declaração, alcança justamente o resultado buscado pelo lançamento tributário,
porquanto realiza a liquidação da sua obrigação, identificando o exato tributo devido.
Daí a total desnecessidade de a Administração Pública lançar.
Essa atividade de liquidação do crédito, pode-se dizer, goza de uma
presunção de correção ainda maior do que aquela decorrente do lançamento, pois é
o próprio contribuinte, pessoa diretamente interessada na adequação do valor do
tributo devido, quem o identifica.
Em sentido diverso, contrariamente à jurisprudência do STJ, entendendo que já há prazo
prescricional durante o curso do procedimento administrativo fiscal: HARADA, Kiyoshi. Prescrição:
Termo inicial para contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação:
abordagens práticas. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010.
36
Não se desconhece que há hipóteses em que o pagamento do tributo deve ser feito antes da
declaração, alterando um pouco a sequência apresentada.
18
Diante dessa sistemática de arrecadação, adotada por quase todos os
tributos brasileiros, pontuemos as situações mais corriqueiras que podem ser
resolvidas a partir das noções expostas até aqui:
a) O contribuinte declara o tributo devido, mas não efetua o respectivo pagamento.
Nesses casos, como o tributo já foi liquidado, basta que o Fisco inscreva o crédito
em dívida ativa e ajuíze a execução fiscal. Como já foi feita a liquidação pelo
contribuinte e identificado o valor que deve ser pago, não há necessidade de um
lançamento com tal objetivo.
Uma consequência imediata dessa lógica é a inexistência de prazo
decadencial para a constituição do crédito relativo ao tributo e, ainda, o início do
prazo prescricional para a Fazenda Pública ajuizar a execução fiscal.(37) (38)
Repare-se que tal prazo prescricional só se aplica em relação ao tributo que o
contribuinte expressamente reconheceu como devido, ou seja, cujo crédito já está
liquidado. Essa informação é importante, pois, caso o Fisco entenda que o tributo
declarado não corresponde ao tributo devido, necessário será que se proceda à
liquidação do valor excedente, por meio do lançamento tributário.(39) Aqui duas
situações devem ser extremadas:
I. Da declaração é possível aferir o tributo excedente, não havendo necessidade de
o Fisco auditar o contribuinte para apurar novos fatos. Nesse caso, o Fisco terá o
37
Cumpre lembrar a súmula 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a
demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da
argüição de prescrição ou decadência”.
38
O início do prazo prescricional vai depender se o tributo deveria ter sido pago antes ou ao após a
declaração do contribuinte. Vejamos: 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, nos
tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados e não pagos o prazo prescricional iniciase com o vencimento da obrigação ou a entrega da declaração, o que for posterior. Precedente: REsp
1.120.295/SP, Relator Min. Luiz Fux, apreciado mediante a sistemática dos recursos repetitivos (art.
543-C, do CPC). (AgRg no REsp 1.227.654/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
julgado em 26.04.2011, DJe 03.05.2011).
39
“Assim, no âmbito do lançamento por homologação, se se está a cogitar da exigência de quantias
declaradas e não pagas pelo próprio sujeito passivo, não se lhe assegura direito de defesa na via
administrativa, podendo-se propor a execução tão logo vencido e não pago o débito, mas, por outro
lado, a prescrição tem também nesse momento o seu termo inicial. Só se cogitará da aplicação do
art. 150, § 4º, do CTN, se se estiver diante da exigência de quantias diversas das apuradas
declaradas pelo próprio contribuinte como devidas, hipótese na qual ter-se-á de proceder a um
lançamento de ofício”. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Decadência e prescrição. Pesquisas tributárias nova série 13. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 322-323.
19
prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, para fazer o
lançamento complementar (art. 150, § 4º, do CTN). Exemplo: o contribuinte calcula o
tributo com alíquota errada;
II. Da declaração não é possível aferir o tributo excedente, havendo necessidade de
o Fisco auditar o contribuinte para apurar novos fatos. Em tal hipótese, dispõe o
Estado do prazo de cinco anos para proceder ao lançamento, a contar do primeiro
dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art.
173 do CTN). Diante da dificuldade em aferir a ocorrência do fato gerador não
declarado ou declarado de forma incompleta, justificado está o tratamento similar
àquele destinado à ausência de declaração, adotando-se prazo mais dilatado para
constituição do crédito tributário. Exemplo: Omissão de receita.(40)
Observe-se, portanto, que é possível que tenhamos, em relação a
determinado exercício financeiro, tributos: a) que já podem ser cobrados por
execução fiscal, pois o prazo prescricional já está em curso; b) que devem ser
lançados e cujo prazo decadencial vai ser contado a partir do fato gerador (situação
“I” acima); c) que devem ser lançados e cujo prazo decadencial vai ser contado a
partir do primeiro dia do exercício seguinte (situação “II” acima). Importante que
tenhamos essa visão em “capítulos” de tais fragmentações dos fatos geradores.
b) O contribuinte declara o tributo devido, mas efetua o pagamento parcial do tributo
declarado. Igualmente, não há necessidade de o Fisco lançar o crédito relativo ao
tributo já declarado e não pago, iniciando o prazo prescricional para o ajuizamento
da execução fiscal, mas apenas em relação ao valor já reconhecido como devido.(41)
Em relação a eventual lançamento complementar, diante da existência de
tributo devido e não identificado pelo contribuinte, aplica-se a mesma lógica
anteriormente exposta.
40
É importantíssima essa constatação, pois, nesse caso, em relação aos fatos que simplesmente não
constam da declaração, sendo necessário que o Fisco proceda a auditorias na sede do contribuinte,
não há qualquer distinção com a situação em que o contribuinte se omite completamente. Necessário,
assim, em ambos os casos, aplicar o disposto no art. 173 do CTN. Não se pode conceber que, pelo
fato de o contribuinte ter declarado parcialmente os fatos geradores de dado exercício, se beneficie
com o prazo do art. 150, § 4º, do CTN, mais curto para o Fisco.
41
Com a mesma percepção: BRASIL, Roberta Fonseca. Decadência e prescrição nos casos do
chamado “lançamento por homologação”. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, v. 77. p.
137-151-162, 1997.
20
Equivocada a ideia, muitas vezes repetida na doutrina e jurisprudência,(42) de
que o pagamento parcial do tributo sujeito a lançamento por homologação implica,
irrestritamente, a incidência do prazo decadencial previsto no art. 150, § 4º, do CTN
e não aquele do art. 173 do mesmo diploma, salvo dolo fraude ou simulação.
Como explicado alhures, eventual omissão na declaração do contribuinte,
exigindo atividades de auditoria do Fisco para identificá-la, deve ter o mesmo
tratamento da hipótese de inexistência de declaração, ou seja, aplicação do art. 173
do CTN, contando-se o prazo decadencial a partir do primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Não é necessário,
assim, restar configurada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação(43) (art. 150, §
4º, do CTN, in fine), para aplicar o prazo do art. 173 do CTN. Repita-se, sonegar
informações na declaração (como omitir receitas, v.g.) não se distingue
ontologicamente da omissão da declaração em relação à parcela que se sonegou,
justificando a aplicação do art. 173 do CTN.
Na brilhante lição de Alberto Xavier, explicando o prazo do art. 150, § 4º, do
CTN, podemos verificar que este se justifica, pois o contribuinte, com o pagamento
prévio, confere ao Fisco “uma informação suficiente para que permita exercer o
controle”. E prossegue o Autor demonstrando que o que fundamenta a redução do
prazo é justamente ter o Fisco acesso às informações prestadas pelo contribuinte,
suficientes para que seja feito o controle: “por razões ligadas à inexistência de
informações prévias que a lei deixa de submeter ao prazo mais curto do art. 150, §
42
Principalmente a partir do precedente exarado pela Primeira Seção do STJ, no Recurso Especial
n. 766.050, no qual consta: “Por outro lado, a decadência do direito de lançar do Fisco, em se
tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado
inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação,
nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na
primeira parte do § 4º, do art. 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a
homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: "Neste caso, concorre a
contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado,
concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender o
correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse período, consolidam-se
simultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologar expressamente e,
consequentemente, a impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. In
decadência e prescrição no Direito tributário. 3. ed. Max Limonad, p. 170)”.
43
Muitas vezes de difícil demonstração judicial, bem como frequentemente afastados pelos juízes
presumindo a boa-fé dos contribuintes ou possíveis erros contábeis.
21
4º, os casos de dolo, fraude ou simulação, para implicitamente sujeitar ao prazo
mais longo do art. 173”.(44)
Ora, se a inexistência de declaração sobre certos fatos jurídicos, não obstante
haja pagamento parcial do que se declarou, se equipara à referida “inexistência de
informações prévias”, não há qualquer razão para negar a aplicação do prazo
dilatado do art. 173 do CTN. Assim, ou entendemos que a mera sonegação de
informações na declaração acompanhada de “pagamento parcial” já configura por si
só “dolo, fraude ou simulação”(45) ou equiparamos tal situação à falta de declaração
e pagamento, adequando-se ao prazo mais dilatado do art. 173 do CTN.
Que fiquem claras nossas ideias: se o contribuinte faz uma declaração e paga
o respectivo tributo declarado, mas, em relação àquele exercício declarado, houve
sonegação de informações, como omissão de receitas v.g., dispõe o Fisco do prazo
do art. 173 do CTN para constituir o crédito tributário. Se, porém, da declaração
prestada já é suficiente aferir que o tributo declarado como devido não está correto,
possui o Fisco o prazo do art. 150, § 4º, do CTN para constituir o crédito tributário.
Inadequada, reitere-se, a pretensão de aplicar o art. 150, § 4º, do CTN, diante
de qualquer hipótese em que haja pagamento antecipado, mesmo se não
comprovados dolo, fraude ou simulação. A aplicação do dispositivo não prescinde de
uma interpretação teleológica.
c) O contribuinte declara o tributo devido e o paga integralmente. Aqui, só restará ao
Fisco proceder ao lançamento de eventual tributo complementar, aplicando-se a
mesma sistemática anteriormente exposta.
44
XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2.
ed. ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 93.
45
Nesse sentido, entendendo que quando o “contribuinte incorre em sonegação fiscal e deixa de
emitir notas fiscais e de escriturar os livros fiscais obrigatórios” estamos diante da exceção do art.
150, § 4º, do CTN (dolo, fraude ou sonegação): HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para
contagem do prazo precricional. Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas.
Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010.
22
2.5.3. Depósito judicial
Quando o contribuinte, no bojo de uma ação ordinária em que se discute ser
devido determinado tributo, procede ao depósito do seu montante integral com o
objetivo de suspender a exigibilidade do crédito tributário, é necessário que
identifique o exato valor do tributo devido.
Realizando tal aferição do montante a ser depositado em juízo, o contribuinte
já está liquidando o crédito tributário, o que torna desnecessário posterior
procedimento de lançamento por parte da autoridade administrativa.
Estamos, portanto, diante de mais uma forma de liquidação do crédito
tributário, afastando a necessidade de lançamento tributário, inexistindo, por
consequência, qualquer prazo decadencial e, ainda, nesse caso também, não
teremos prazo prescricional.(46)
Não há de se falar em prazo prescricional, pois o depósito judicial constitui
verdadeiro pagamento(47) do tributo devido, condicionado, todavia, a futura vitória do
contribuinte na demanda judicial. Isso porque o contribuinte só terá direito de
levantar o valor depositado se obtiver uma coisa julgada material reconhecendo ser
indevido o tributo. Caso contrário, mesmo se o processo for extinto sem resolução
de mérito, o tributo será considerado pago para todos os efeitos, desde o depósito
judicial. Desnecessário, portanto, qualquer ato de cobrança pela Fazenda Pública,
não havendo de se falar, por consequência, em prazo prescricional.
46
“1. O depósito efetuado por ocasião do questionamento judicial de tributo sujeito a lançamento por
homologação suspende a exigibilidade do mesmo, enquanto perdurar a contenda, ex vi do disposto
no artigo 151, II, do CTN, e, por força do seu desígnio, implica lançamento tácito no montante exato
do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito
tributário. (AgRg nos EDcl no REsp 961.049/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
23.11.2010, DJe 03.12.2010).
47
Esse é um tema que requer uma maior atenção da doutrina, alertando a jurisprudência para o fato
de que o depósito judicial deve ser encarado como verdadeiro pagamento do tributo, sujeito a uma
condição, operando-se todos os efeitos daí decorrentes.
23
2.5.4. Compensação administrativa
Temos aqui mais uma forma de o contribuinte liquidar unilateralmente o
tributo devido, dispensando a realização do lançamento tributário da obrigação
principal. Trata-se da hipótese em que o contribuinte reconhece um tributo devido,
porém, ao mesmo tempo, apresenta um crédito para efeito de compensação.
Como o tributo devido já está devidamente identificado, não há qualquer
necessidade de o Fisco proceder ao lançamento, caso discorde da compensação
efetuada. Assim, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96, deve o Fisco intimar o
contribuinte do indeferimento da compensação, abrindo a possibilidade de ser
instaurado um contencioso administrativo fiscal (manifestação de inconformidade), e,
uma vez encerrada a esfera administrativa e não feito o pagamento do tributo
devido, poderá a Fazenda Pública inscrever o crédito em dívida ativa e ajuizar a
execução fiscal.(48)
2.5.5. Vício de forma em lançamento anteriormente efetuado
Eis um dispositivo do CTN que causa calafrios em parte da doutrina, que
possui a falsa ideia de que um prazo decadencial jamais pode se interromper. Tratase do art. 173, que prevê: “O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito
tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: (...) II - da data em que se
tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento
anteriormente efetuado”.
48
Art. 74 da Lei 9.430/96. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em
julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de
restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a
quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. § 1º A compensação de que trata
o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão
informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. (...) § 6º A
declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a
exigência dos débitos indevidamente compensados. § 7º Não homologada a compensação, a
autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30
(trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos
indevidamente compensados. § 8º Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7º, o débito
será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da
União, ressalvado o disposto no § 9º. § 9º É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7º,
apresentar manifestação de inconformidade contra a não homologação da compensação. § 10. Da
decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de
Contribuintes. (...)
24
A lição de que os prazos decadenciais não se suspendem ou interrompem
deve ser considerada um dogma do passado.(49) Não só porque podemos encontrar
vários
exemplos
na
jurisprudência
suspensão/interrupção
de
prazos
50
decadenciais,( ) como o próprio Código Civil prevê expressamente no seu art. 207:
“Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. Ou seja, nada impede que haja
previsão legal de interrupção de prazo decadencial.
Com efeito, havendo decisão, judicial ou administrativa, que anule lançamento
anteriormente efetuado por vícios formais, confere-se ao Fisco novo prazo para
proceder à correta liquidação do crédito tributário.(51)
CONCLUSÕES
Das considerações apresentadas, podemos extrair algumas conclusões
importantes que passamos a elencar:
a) A obrigação tributária dá origem ao direito subjetivo a uma prestação, consistente
no pagamento de valores ao Estado. Tal direito constitui o crédito tributário, que
nasce juntamente com a obrigação respectiva;
b) Diante da natureza do direito que decorre da obrigação tributária, o prazo que a
Fazenda Pública dispõe para cobrá-lo é prescricional, dependendo do surgimento da
pretensão para deflagrá-lo;
49
“Na verdade, o prazo de decadência não pode sofrer interrupções, salvo se a lei dispuser em
contrário, evidentemente. Porque não há nenhum preceito maior que impeça que a lei determine que
o prazo se interrompa ou que o prazo recomece a ser contado, como acontece, aliás, aqui no
Código”. COSTA, Alcides Jorge. Decadência, prescrição e prescrição intercorrente em matéria
tributária. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997. p. 49-60.
50
Basta lembrar do prazo decadencial para propositura de ação rescisória com término em dia não
útil, prorrogando-se para o primeiro dia útil seguinte, ou nos casos em que, por decisão judicial, o
Fisco fica impedido de proceder ao lançamento.
51
“Cuida-se de hipótese de reabertura do prazo decadencial, caracterizando, pois, efetiva interrupção
do prazo que estava em curso”. PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código
Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p.
1.193.
25
c) O CTN denomina tal pretensão de “constituição definitiva do crédito tributário”;
d) Como a Fazenda Pública tem a prerrogativa de liquidar administrativamente
(lançamento) a prestação pecuniária devida, o CTN postergou a plenitude da
pretensão de cobrança, que normalmente deveria nascer já com o fato gerador, para
momento posterior, com a constituição definitiva do crédito tributário;
e) O prazo decadencial de 5 anos para constituição do crédito tributário não está
ligado à obrigação tributária, mas sim ao direito potestativo de lançamento, que
constitui uma espécie de liquidação dos elementos da prestação devida.
f) Não há diferença ontológica entre a extinção do crédito tributário pela decadência
ou pela prescrição, tendo em vista que o decurso do prazo decadencial não atinge
diretamente a obrigação tributária, mas tão somente a possibilidade de constituição
o crédito tributário. Não procede, portanto, afirmação recorrente de que é muito mais
grave pagar um tributo decaído do que um tributo prescrito. A gravidade de ambos
os casos é idêntica.
g) O lançamento não é a única forma de liquidação do crédito tributário, pois o
contribuinte pode, diante da ocorrência do fato gerador, aferir o tributo devido e
declará-lo ao Fisco. Não sendo feito o respectivo pagamento no prazo previsto em
lei, nasce a pretensão decorrente da obrigação tributária, passando a fluir o prazo
prescricional.
BIBLIOGRAFIA
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
403.
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da
decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, n. 300,
1960.
26
BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1999. p. 104.
BRASIL, Roberta Fonseca. Decadência e prescrição nos casos do chamado
“lançamento por homologação”. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros,
v. 77. p. 137-151, 1997.
BRITTO, Demes. Decadência e prescrição em matéria tributária e breves
apontamentos do sistema tributário europeu. Revista de Estudos Tributários, Porto
Alegre, n. 71, p. 14-30, jan./fev. 2010.
BRITO, Edvaldo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Decadência e
prescrição. São Paulo: Resenha Tributária, 1976.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva,
2003.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução da 2. ed.
italiana J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. A decadência e a prescrição em matéria
tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, v. 73, p. 16-30, 1996.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005.
COSTA, Alcides Jorge. Decadência, prescrição e prescrição intercorrente em
matéria tributária. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo:
Revista dos Tribunais, p. 49-60, 1997.
CRUZ, Célio Rodrigues da. GFIP como meio de constituição do crédito tributário.
Revista de Estudos Tributários, v. 09, n. 55, p. 128-145, maio/jun. 2007.
DELGADO, José
Augusto. Reflexões
contemporâneas sobre prescrição e
decadência em matéria tributária. Doutrina. Jurisprudência do Superior Tribunal de
27
Justiça. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 2, n. 10, p. 21-89.
jul./ago. 2004.
DENARI, Zelmo. Decadência e prescrição tributária; breve ensaio, aplicado ao ICM.
Rio de Janeiro: Forense, 1984.
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e prescrição no Direito tributário. 3. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2004.
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max
Limonad, 1999.
FANUCCHI, Fábio. A decadência e a prescrição em direito tributário. 3. ed. São
Paulo: Resenha Tributária, 1976.
FIGUEIREDO, Silvia Bellandi Paes de. Prescrição e decadência tributária Repertório
de Jurisprudência da IOB: Tributário, Constitucional e Administrativo, São Paulo, v.
1. n. 20, 1/27034, p. 689-684, out. 2009.
GOMES, Orlando. Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
HARADA, Kiyoshi. Prescrição: Termo inicial para contagem do prazo prescricional.
Decadência e lançamento por homologação: abordagens práticas. Revista de
Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 71, p. 07-13, jan./fev. 2010.
LEAL, João Claudio Gonçalves. “Lançamento por homologação”: decadência e
prescrição sob a ótica do STJ. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 71, p.
48-64, jan./fev. 2010.
LEAL, Câmara. Da prescrição e da decadência. São Paulo: Saraiva, 1939.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Prescrição e decadência. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 238, p. 385-395, out. 2004.
28
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Decadência e prescrição. Pesquisas tributárias nova série 13. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007.
MARQUES, Márcio Severo. Prescrição e decadência em matéria tributária. Breve
reflexão. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, v. 77. p. 137-151, 1997.
MOREIRA ALVES, José Carlos. Ainda sobre a prescrição e decadência no Direito
tributário In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária,
Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo:
Malheiros, 2005.
MOURA, Lenice S. Moreira de. Da prescrição e da decadência em matéria tributária:
aspectos jurisprudenciais controvertidos. Revista de Estudos Tributários, Porto
Alegre, n. 71, p. 31-47, jan./fev. 2010.
PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código Tributário à luz da
doutrina e da jurisprudência.12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
RIBEIRO, Ricardo Lodi.A prescrição e a decadência do crédito tributário. Revista
Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo: Malheiros, n. 52, p. 186-203, 2003.
ROCHA, Valdir de Oliveira. Normas gerais em matéria de legislação tributária:
prescrição e decadência. Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, 1/8129, p.
454-449, 1994.
SOUZA, Fátima Bernardes Rodrigues de. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Decadência e prescrição. Pesquisas tributárias nova série 13. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007.
XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do
processo tributário. 2. ed. ref. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
29
Download

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS