O TRIBUTO COMO SANÇÃO NO DIREITO
TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Alexandre Alkmim Teixeira
I - INTRODUÇÃO
Muito já se escreveu no Direito brasileiro acerca do conceito de
tributo descrito no art. 3º do Código Tributário Nacional, merecendo
encômios e repugnância por doutrinadores 1 e pela jurisprudência.
Todavia,
enquanto
em
relação
uníssono
jurídica
entendem
decorrente
os
juristas
diretamente
que
o
tributo,
de
disposição
legislativa, não há de ter como antecedente hipotético um fato ilícito. É
dizer, a hipótese de incidência tributária, nos dizeres de Geraldo Ataliba,
há
de
ser
formatada
como
a
descrição
de
"fato
jurídico
constitucionalmente qualificado e legalmente definido, com conteúdo
econômico - por imperativo da isonomia (art. 5º, caput e inciso I da CF) não qualificado como ilícito" 2.
Encontramos, no entanto, na verificação do Sistema Tributário
Nacional, a instituição de alguns tributos cujo antecedente normativo
reporta-se à prática de um ato, pelo contribuinte, contrário ao Direito 3.
Nestes casos, é a prática de um ilícito que irá desencadear a incidência
da norma de tributação, dando nascimento à obrigação do contribuinte
1
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1972. p. 237 e ss. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito
Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 379. BALEEIRO, Aliomar.
Direito Tributário brasileiro. Atual. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. p. 62.
2
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
1995. p. 33.
3
Não necessariamente um ilícito penal, administrativo ou civil, mas ilicitude em
sentido de descumprimento de obrigação normativa previamente disposta em lei ou
em princípios constitucionais.
de levar aos cofres públicos determinada quantia em dinheiro. Algumas
vezes referida disposição vem constitucionalmente qualificada e, em
outras, decorre de mera disposição legal. Apesar de excepcional,
observamos cada vez maior número de prescrições neste sentido, pondo
em xeque a conceituação de tributo disposta pelo Código Tributário
Nacional.
Da mesma forma, tomado o art. 145 da Constituição da República
e realizada uma leitura sistemática do Sistema Constitucional Tributário,
questionamos a existência da "causa do tributo" com inarredável sentido
de licitude, e não de sanção. De outro lado, poderiam a isonomia, a
capacidade
contributiva,
a
retributividade,
por
exemplo,
em
determinados casos, ser isoladas da obrigação tributária, de forma a dar
vazão à teoria anticausalista do tributo, forte em Giannini?
E, em sendo possível esta separação, quais seriam os limites, no
Direito brasileiro, para aceitação de referida cisão?
Pretendemos neste estudo contribuir para elucidação destas
questões, certo da insuficiência em se esgotar o tema.
II - OBRIGAÇÃO JURÍDICA E SANÇÃO
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em crítica à diferenciação entre
normas de conduta e normas sancionadoras, aponta a estruturação das
mesmas na forma de um juízo hipotético, com a prescrição de uma
conduta e o estabelecimento de uma sanção a ser aplicada no caso da
ocorrência da hipótese prevista 4.
4
"Como se trata de uma proposição que determina como devem ser as condutas,
abstração feita de quem as estabelece, pode-se entender a norma como um
imperativo condicional, formulável conforme uma proposição hipotética, que
disciplina o comportamento apenas porque prevê, para sua ocorrência, uma sanção.
Tudo conforme a fórmula se A é, então deve ser S, em que A é a conduta hipotética,
2
Tal estrutura tem origem em Hans Kelsen 5, que identifica a norma
jurídica como sendo uma proposição do tipo "Se A é, S deve ser", em
que "A" é uma conduta hipotética a ser comandada pelo Direito, e "S"
uma sanção cuja aplicação mostra-se inafastável no caso de a conduta
verificada mostrar-se coincidente com o prescrito na norma.
Desse modo, se ocorrida a hipótese "A", deve ser uma sanção "S";
sendo a conduta querida pelo Direito quase sempre o "não A"
6
.
Verificamos que a norma jurídica, nesse sentido, é formada por dois
elementos: a hipótese ("A"), descrição de um fato ou situação; e uma
sanção ("S"), a ser implementada pela ordem estatal no caso de
descumprimento da vontade do Direito. Segundo Ferraz Júnior, "Por
hipótese normativa entende a dogmática uma situação de fato (um
comportamento, uma ocorrência natural, uma qualidade) que vem
prescrita na norma e à qual se imputa uma consequência, um efeito
jurídico" 7.
Hans Kelsen, em uma primeira fase de seus estudos, somente
admite a norma sancionatória em seu efeito negativo. Após sofrer
severas críticas, a norma jurídica passou a ser tida pelo Autor como
prescritora de uma conduta com a imputação de uma sanção, punitiva ou
premial
8
em caso de sua inobservância.
S a sanção que segue à ocorrência da hipótese. O dever-ser será o conectivo que
une os dois termos." FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito.
Técnica, Decisão, Dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 102-103.
5
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
6
Isso porque, na maior parte das vezes, a ordem estatal propõe normas no sentido
de coibir condutas indesejadas, impondo coerção aos descumpridores do "não A".
7
FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. Técnica, Decisão,
Dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 116.
8
Não daremos, por desimportante ao objeto traçado neste trabalho, maior atenção à
sanção premial, posto que, para o Direito Tributário, ainda que tal prescrição esteja
prevista, deverá, para fins de efetividade da obrigação tributária, vir acompanhada
também de uma norma coercitiva que garanta, em última instância, o recebimento do
tributo pretendido.
3
Posteriormente,
na
evolução
do
seu
entendimento,
o
autor
austríaco identificou a existência de normas prescritivas de caráter não
sancionatório. Admite, assim, a existência de normas que, dentro da
prescrição "Se A é, B deve ser", "A" é uma hipótese e "B" é uma
consequência não punitiva ou não premial do agente.
Todavia, Kelsen entende que uma norma com esse conteúdo
somente produzirá efeitos se estiver respaldada por outra norma que,
identificando o descumprimento da primeira, acarrete a ação do Estado
para impor a conduta querida.
Assim, posta a norma "Se A é, B deve ser", em que "A" é uma
hipótese e "B" uma consequência não sancionatória, esta norma
somente produzirá efeitos juridicamente se vier acompanhada de uma
norma que diga: "Se não B é, S deve ser", em que "não B" é a
desobediência da conduta prescrita na consequência da primeira norma
e "S" a sanção que se lhe deve aplicar. A primeira Kelsen chama de
norma secundária, não autônoma; e à segunda, de norma primária,
autônoma 9.
Para Kelsen:
"Já em outro contexto fizemos notar que, quando uma norma prescreve
uma determinada conduta e uma segunda norma estatui uma sanção
9
Adotamos esta posição por ser a mais difundida nos meios acadêmicos, sendo certo
que Kelsen reviu seu posicionamento, para entender ser a norma primária aquela que
define a conduta e norma secundária, àquela que dispõe a sanção. "Se se admite
que a distinção de uma norma que prescreve uma conduta determinada e de uma
norma que prescreve uma sanção para o fato de a violação da primeira seja
essencial para o Direito, então precisa-se qualificar a primeira como norma primária
e a segunda como secundária - e não o contrário, como o foi por mim anteriormente
formulado. A norma primária pode, pois, aparecer inteiramente independente da
norma secundária. Mas é também possível que uma norma expressamente
formulada, a primeira, i.e., a norma que impõe uma conduta determinada geralmente
não apareça, e apenas a norma secundária, i.e., a norma que estabelece a sanção."
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1986.
p. 181.
4
para a hipótese de não observação da primeira, estas duas normas são
essencialmente interligadas. Isto vale particularmente para a hipótese
em que um ordenamento normativo - como o ordenamento jurídico prescreve uma determinada conduta pelo fato de ligar à conduta oposta
um ato coercitivo a título de sanção, de tal forma que uma conduta
somente se pode considerar como prescrita, no caso do ordenamento
jurídico,
como
juridicamente
pressuposto de uma sanção."
prescrita,
se
a
conduta
oposta
é
10
A norma tributária, tomada como regra-matriz de incidência, é uma
norma
dependente
por natureza.
Em
normas
classificadas
dessa
maneira, a descrição hipotética do fato (Se "A" é) não leva à implicação
correlata de uma sanção, mas sim imposição de vínculo deôntico
11
modalizado
na forma obrigacional para formação de um crédito
tributário em favor do Estado (deve-ser a relação tributária "T"). Tanto é
assim que tributo, pela questionada definição do Código Tributário
Nacional
12
,
não
possui
natureza
de
sanção,
sob
pena
de
desqualificação do instituto.
Identificamos, pois, as normas primárias como prescrições de
conduta de caráter coercitivo (sanção); e as normas secundárias como
aquelas prescritoras de conduta, de caráter não coercitivo ou que
tenham por objetivo complementar a formação de outras normas do
ordenamento.
10
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 60-61.
BARROS, Paulo de. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São
Paulo: Saraiva, 1998.
12
"Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor
nela se possa exprimir, que não se constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".
11
5
2.1 Norma, Sanção e Tributação
Geraldo Ataliba adverte que o termo sanção é mal lido por vários
doutrinadores, ao considerá-lo como algo negativo, é dizer, imputação
de penalidade pela prática do ilícito
13
. De fato, como visto, a sanção na
estrutura da norma jurídica se assemelha ao consequente decorrente da
prática
de
determinada
hipótese
genericamente
prevista,
não
necessariamente com o intuito de punir o seu destinatário. Acorda, neste
sentido, Ataliba, com o que o próprio Kelsen veio a reconhecer.
No entanto, divergem os autores no sentido final que se atribui ao
termo sanção. Isto por que, para Kelsen, a consequência da norma
secundária não constitui sanção. A sanção, neste caso, vem somente
com a não observância da conduta descrita no consequente da norma
secundária (cuja negativa constitui o antecedente da norma primária),
desencadeando os efeitos prescritos no consequente da norma primária.
Consequente normativo e sanção são coisas diversas, tomando-se o
primeiro como prescrição de conduta a ser seguida diante da verificação
da ocorrência da hipótese normativa (de caráter modalizado obrigadoproibido-permitido); e a segunda como consequência da não observância
desta conduta, de natureza coercitiva ou premial.
Em matéria tributária, no entanto, repisa o Código Tributário
Nacional e a doutrina que a hipótese presente no antecedente da norma
secundária deva ser, sempre, um fato lícito, cujo consequente seja o
pagamento de determinada quantia em dinheiro ao Estado. A sanção em
matéria tributária, por sua vez, vem consignada na norma primária, na
13
"A sanção não é sempre e necessariamente um castigo. É mera consequência
jurídica que se desencadeia (incide) no caso de ser desobedecido o mandamento
principal de uma norma. É um preconceito que precisa ser dissipado - por flagrante
anticientífico - a afirmação vulgar, infelizmente repetida por alguns juristas, no
sentido de que a sanção é castigo. Pode ser algumas vezes. Não o é em muitas
vezes. Castigo, pena, penalidade é espécie do gênero sanção jurídica. Nem toda
sanção é castigo, embora todo castigo (espécie) seja sanção". ATALIBA, Geraldo.
Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 41.
6
forma de multa
14
, de consequências políticas
15
ou até mesmo,
conjugada com outros elementos, de restrição da liberdade
16
. Aqui, o
antecedente da norma primária é o não cumprimento do consequente da
norma secundária.
Assim,
temos
a
descrição
de
um
fato
"A"
que,
uma
vez
identificado, implicará o consequente formado por vínculo modalizado de
natureza obrigacional de entregar determinada quantia em dinheiro ao
Estado (tributo). Segundo a conceituação clássica de tributo, este fato
"A" há de ser sempre ato lícito ou situação lícita do destinatário da
norma. A hipótese "A" implica o consequente dever de pagar tributo (T).
Se "A" é, deve ser o pagamento do tributo "T".
Ressaltamos que o modelo descrito pela estrutura normativa de
Kelsen alcança, por exemplo, a norma penal prescritora de sanção, em
que "A" é um ato ilícito e "B" uma sanção punitiva devida pela
inobservância da conduta querida pelo Direito. E, como já vimos, em
verdade, quando a norma penal kelseniana descreve um fato "A",
objetiva a conduta "não A" por seu destinatário. Vejamos o exemplo
primevo na seguinte norma: "Matar alguém: reclusão de 6 a 20 anos". A
descrição do fato "A" - matar alguém, é conduta não querida pelo
Direito, pelo que a sua inobservância implica a aplicação de uma sanção
prescrita pela norma: reclusão de 6 a 20 anos.
No entanto, em uma ótica tributária, a conduta descrita pelo
ordenamento ("A") é lícita, sendo que da sua ocorrência decorre o
nascimento de uma obrigação não punitiva, o tributo (T). Apenas quando
se verifica o não cumprimento da relação obrigacional de pagamento do
14
LUPI, Raffaello. Diritto Tributário: parte generale. 5. ed. Giuffrè. p. 257 e ss.
Identificamos cada vez mais a restrição imposta aos contribuintes como ausência
de CND, inscrição no CADIN, impeditivo a importações e exportações, por exemplo,
como medidas políticas de coerção para o pagamento de tributo.
16
Ver melhor em DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 1996.
15
7
tributo (não T) por parte do contribuinte, é que se terá a aplicação de
uma sanção punitiva (S).
No esquadro esquemático, verificamos a seguinte estrutura:
Se "A" é, deve ser "T"
Se "não T", deve ser "S"
A norma tributária, tomada como regra-matriz de incidência, é
aquela que define os fatos geradores de tributos e prescreve o
nascimento do crédito tributário. Sendo assim, é uma norma não
autônoma por natureza. A descrição hipotética do fato (Se "A" é) não
leva à possibilidade correlata de uma sanção coativa, mas, sim, ao
nascimento de um vínculo obrigacional de natureza tributária (deve ser
"T").
2.2 O Tributo como Sanção Punitiva
Diante deste entendimento, passamos a identificar a hipótese em
que a tributação decorre da prática de um ilícito por parte do agente
normativo. A norma hipotética de natureza tributária terá, assim, a
configuração avessa à definição trazida pelo CTN, cuja hipótese de
incidência descreve a não observância, por parte do contribuinte, de
uma norma secundária que lhe é antecedente.
Por mais estranho que tal referência possa parecer, verificamos
exemplos de normas dessa espécie no Direito brasileiro, como no art. 16
da lei nº 9.381, que cuidava da já extinta CPMF, a atribuição de
responsabilidade pelo ITCMD e do ITBI aos oficiais de cartórios de
8
registro, ITR e IPTU progressivos, dentre outros, e que serão mais
detidamente tratados à frente.
Nesta perspectiva, o ilícito praticado pelo contribuinte irá imporlhe, como sanção, a responsabilidade ou submissão ao vínculo jurídico
tributário, ou até mesmo a maior oneração da tributação regular a que
estaria sujeito.
Nestas condições, a tributação (original ou por atribuição de
responsabilidade)
vem
como
decorrência
do
descumprimento
de
obrigação anterior. Assim, a norma tributária se despe da licitude em
seu antecedente, para fazer impor a relação jurídico-tributária constante
do consequente, não por conta de capacidade contributiva, ou por
retributividade, mas sim como mecanismo de coerção do agente para
que deixe de praticar a conduta vedada pela norma anterior.
Desta feita, a norma tributária é interdependente à norma anterior
que prescreve determinada conduta, não necessariamente tributária, ao
agente. Não tratamos da hipótese de obrigação acessória (ou dever
instrumental, na escrita de Paulo de Barros Carvalho), mas de qualquer
relação
jurídica
anterior
escolhida
pelo
Direito
para
formar
o
antecedente da norma de tributação.
Importante ainda identificar que a causa do tributo, aqui, não se
relaciona, necessariamente, ao mundo do Direito Tributário, podendo
assumir feições extra-fiscais. É o caso, por exemplo, da tributação
progressiva no ITR, segundo a produtividade da terra. A norma tributária
é utilizada como mecanismo de desincentivar o proprietário rural a
manter terras improdutivas, em atenção ao princípio da função social da
propriedade, sob pena de sofrer, como sanção, a tributação progressiva
do imposto sobre ela incidente.
9
Da mesma forma, identificamos ser possível que a tributação
também possa ter efeito sancionatório premial, geralmente atrelado aos
mecanismos de exoneração fiscal.
De fato, ao se permitir o pagamento do imposto sobre propriedade
territorial urbana com redução antes da data do vencimento, o Estado
atribui à norma que institui esta isenção parcial o efeito de sanção
premial ao contribuinte, incentivando-o a portar-se de acordo conforme a
conduta querida.
2.2.1 Critério Material da Hipótese de Incidência
Tomado o modelo normativo proposto por Paulo de Barros
Carvalho, interessante revelar que o aspecto material da hipótese de
incidência poderá informar, dentro da perspectiva deste estudo, uma
ação negativa do contribuinte com relação à obrigação antecedente a
que estaria obrigado.
O aspecto material traduz a situação de fato ou ação do
destinatário da norma que, uma vez identificado, dará nascimento ao
crédito tributário. Geraldo Ataliba identifica tal aspecto como dado de
ordem objetiva, que serve de suporte para a identificação da hipótese de
incidência
17
.
Paulo Barros Carvalho, na mesma linha de entendimento, ressalta
a importância do aspecto material, na sua correlação direta com a base
de cálculo para fins de identificação da espécie tributária a que se refere
à norma. Vejamos:
17
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1995.
p. 95.
10
"As elaborações da Ciência, todavia, encontram na base de cálculo
índice seguro para identificar o genuíno critério material da hipótese,
ofertando-nos instrumento sólido, eficiente para confirmar, infirmar ou
afirmar o enunciado da lei, surpreendendo o núcleo lídimo da incidência
jurídica."
18
Na hipótese, a descrição constante do aspecto material se refere
ao não cumprimento de uma obrigação anterior, impondo reflexos diretos
na formação do critério quantitativo do consequente, de forma induzir o
contribuinte ao cumprimento desta obrigação. A tributação passa a
funcionar como sanção pelo descumprimento da obrigação anterior.
E, ao assumir referida condição, foge da sua tradicional função
dentro da estrutura do sistema jurídico. Passemos, assim, a verificar os
fundamentos materiais e formais que embasam ou dissuadem a adoção
desta estrutura de tributação.
III - CAUSA DO TRIBUTO
O estudo da causa do tributo no Direito Tributário mostra-se
bastante acirrado, com juristas de escol posicionando-se, a cada
momento, de acordo um entendimento próprio para justificar a atuação
do Estado na imposição da obrigação ao contribuinte cidadão
19
.
18
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 1995.
19
Villegas chega a ressaltar que muitos autores adotam a própria conceituação do
poder tributário relacionado à sua causa, dando vazão a questões semânticas de
natureza complexa: "Algunas de las locuciones más utilizadas son lãs seguintes:
‘poder de imposición’ (Ingrosso, Blumenstein), ‘supremacia tributaria’ (Berliri), ‘poder
impositivo’ (Bielsa), ‘poder tributário’ (Hensel), ‘poder fiscal’ (Jarach), ‘potestad de
imposición’ (Micheli), ‘potestad tributaria’ (Alessi) y ‘soberania impositiva’ (Kruse)".
In: VILLEGAS, Héctor. Curso de finanzas, Derecho Financiero y Tributário. 8. ed.
Buenos Aires: Astrea, 2003. p. 252.
11
O estudo da questão mostra-se relevante, pois de acordo com o
entendimento de qual seja a causa do tributo, conferiremos maior ou
menor possibilidade de atuação do Estado diante do contribuinte.
Contrariamente a este entendimento, os não causalistas pregam a
esterilidade desta discussão, firmando que o tributo deve ser pago
porque a lei assim o determina.
Todavia, todo direito funda-se, em essencial, na lei. Perquirir a
materialidade, o fundamento, a causa das obrigações é papel do jurista,
de forma a permitir que a lei não seja instrumento de opressão social.
Neste ponto, os não causalistas se aproximam dos causalistas de
concepção autoritária, que tomam como causa do tributo o mero poder
de império do Estado. Bluntschli, Stahl, Helferich, Nitti, Di Paolo, como
demonstra Ulhôa Canto
20
, tomam como causa do tributo o poder de o
Estado submeter o cidadão-súdito ao seu poder, demandando o
pagamento do tributo. Referida teoria é duramente criticada, por
impossibilitar o controle de como o Estado irá se conduzir na instituição
de tributos.
Evidenciada a necessidade de se identificar, assim, a causa do
tributo, e que esta não seja pautada exclusivamente pela mera alegação
de poder estatal, passemos à análise das principais correntes vigentes
sobre o assunto.
3.1 Causa pelos Contratualistas e pela Concepção Ontológica
Ulhôa Canto identifica as teorias contratualistas e ontológicas
sobre a causa do tributo.
20
CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Alba. v. 1.
p. 300-301.
12
Os contratualistas, fortes em Rousseau, Montesquieu, Hobbes e
Locke, preconizam a tributação pela retributividade da relação existente
entre o cidadão e o Estado. Em apertada síntese, o contribuinte integra
uma relação jurídico-tributária porque o poder público lhe alberga e
defere determinadas vantagens.
De outra feita, os juristas de fonte ontológica identificam outras
causas possíveis para o tributo, dentre elas o caráter ético de participar
da consecução dos fins do Estado (Griziotti); a lei (Blumenstein), os
pressupostos de fato (Tesoro), os princípios legais e constitucionais
(Trotabas e Bielsa) e a capacidade contributiva (cujo maior expoente é
Dino Jarach).
Porém, quando o tributo é tomado como sanção da forma em que
evidenciamos, temos de ter o cuidado de afastar esta excepcionalidade
das
causas
identificadas
para
o
tributo
em
sua
acepção
mais
generalizada.
Por óbvio que não advogamos a tese de que o tributo seja sempre
sanção e que esta é da natureza daquele. Ao contrário, entendemos
que, em regra, o tributo se formata segundo a capacidade contributiva
descrita
por
Jarach,
constitucionalmente
nos
firmados,
limites
dos
respeitando,
princípios
ainda,
a
e
21
,
regras
autonomia
da
vontade forte no direito privado.
Neste particular, Heleno Torres chama a atenção para que o "fato
jurídico tributário seja imagem de possibilidade econômica para cumprir
21
MOSCHETTI, Francisco. El principio de la capacidad contributiva. In: AMATUCCI,
Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributário. Bogotá: Temis, 2001. v. 1 p. 240 e
ss.
13
com o dever tributário, uma demonstração de capacidade econômica,
superado o mínimo existencial da essencialidade do bem"
22
.
Identificamos que, em exceção, pode o tributo fugir a esta
essencialidade da capacidade contributiva, para ser dotado de efeito
extrafiscal, e dentre estas possibilidade, que seja formatado como
sanção por descumprimento de obrigação devida pelo contribuinte.
Dentro desta perspectiva, procedente a ressalva de Cooley, para
quem "If for regulation it is an exercise of police power, while if for
revenue, it is an exercise of the taxing power"
23
, diferenciando a visão
fiscal da faceta extrafiscal que a atividade tributária pode assumir.
Todavia, ainda que em caráter extrafiscal, a tributação nesta
condição encontra causa que lhe albergue, voltada justamente à sanção
pelo descumprimento da obrigação a que o contribuinte está submetido.
Apresentamos, assim, dentro da lógica do tributo sancionador, a
sua causa fixada na sanção vinculada a outra norma que houvera sido
descumprida pelo agente. Isto, obviamente, como exceção à atividade
tributária
ordinária,
desde
que
atendidos
os
requisitos
formais
necessários à conformação deste tipo de norma ao sistema jurídico
vigente.
22
TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada,
simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 68.
23
Apud CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Alba.
v. 1. p. 307.
14
IV
-
SISTEMA
CONSTITUCIONAL
TRIBUTÁRIO
E
TRIBUTO
SANCIONADOR
O Sistema Tributário Brasileiro encontra-se estribado em bases
constitucionais,
funcionando
a
Constituição
da
República
como
fundamente de validade das demais normas tributárias vigentes no
ordenamento jurídico.
Ao lado das normas de competência fixadas pela Constituição,
temos as normas gerais de Direito Tributário
tratar,
no
plano
infraconstitucional e
24
. Estas têm por objetivo
supraordinário,
de
questões
relevantes acerca da tributação não aferidas constitucionalmente, mas
que também não podem ser deixadas para regulamentação particular por
cada um dos Entes Federados, na instituição de seus tributos. Não
constituem, as normas gerais, fundamento de validade das normas de
tributação, já que o fundamento de validade de todas elas, como já
dissemos, é constitucional. Mas as normas gerais também não podem
ser ignoradas pelas normas de tributação, posto que devem ser, por
estas, observadas. Nos dizeres de Sacha Calmon Navarro Coêlho
25
, as
normas gerais são lex legum, ou normas sobre como as normas devem
ser feitas.
24
"O estudo das normas gerais envolve, como visto anteriormente, não só a questão
de sua função e natureza como de seus limites. Por sua vez, esses temas só podem
ser explicados à luz do federalismo, forma de Estado que lhes dá uma dimensão
especial e uma diferença específica. Nos Estados unitários, a expressão normas
gerais ganha apenas a conotação imprecisa de norma abrangente ou de princípio e
diretriz. Já nos Estados federativos, as normas gerais versam sobre matéria que,
originalmente, é de competência concorrente. Padronizando a normatividade do
conteúdo a ser desenvolvido pela legislação ordinária dos entes estatais, inclusive da
própria União, tornam-se de suma relevância a difícil tarefa de traçar-lhes os lindes.
Têm as normas gerais a natureza de regras quase constitucionais, pois são normas
hierarquicamente inferiores à Constituição. Entretanto, ao traçarem rumos à
legislação das pessoas estatais, quer sejam veiculadas por leis complementares da
União, quer por meio de resoluções do Senado Federal, erigem-se em posição de
superioridade às demais leis ordinárias federais, estaduais e municipais." In:
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. Atual. DERZI, Misabel de
Abreu Machado. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 51.
25
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 1999.
15
Passaremos, então, a verificar a constitucionalidade da utilização
do tributo como efeito sancionatório, tomando por base a Constituição
da República e o Código Tributário Nacional, postado como norma geral
de Direito Tributário no Brasil.
4.1 Conceito Constitucional de Tributo
A Constituição da República não oferece um conceito explícito de
tributo. Em verdade, na dicção do seu art. 146, III, a, atribui-se à norma
geral de Direito Tributário a definição "de tributos e de suas espécies".
Por certo que ao sistema de direito positivo não cabe definir o conceito
de tributo (gênero), matéria afeta à Ciência do Direito 26. Todavia, apesar
de tecnicamente desaconselhável
27
, o fez o Código Tributário Nacional,
em seu art. 3º, dispondo o seguinte:
"Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada."
Sem prosseguir nas amplas críticas da doutrina acerca de referido
conceito, deparamo-nos, assim, com duas ordens condicionantes para
que possa instituir tributo com efeito sancionatório: a Constituição da
República, em um plano, e a norma geral de Direito Tributário, em outro.
26
PISTONE, Antonio. L’ordinamento Tributário. Padova: CEDAM, 1986. p. 31. FLORI,
Mario Alberto et al. I tributi in Itália. Milão: CEDAM, 1995. p. 44.
27
TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do Direito
Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
16
4.1.1 Tributo como Sanção na Constituição
Buscando conferir efeitos extrafiscais à tributação, com nítido
caráter de coerção para atendimento de preceitos constitucionalmente
resguardados, algumas hipóteses de tributos com efeito sancionatório
podem ser identificados no corpo da Carta Constitucional.
A previsão do inciso I do § 4º do art. 153, no que toca ao imposto
incidente sobre propriedade territorial rural - ITR, e do § 4º do art. 182,
no que toca ao imposto sobre propriedade predial e territorial urbana IPTU,
permitem
a
adoção
de
tributação
mais
onerosa
àqueles
proprietários de imóveis que não lhes destinem uma função social
adequada, segundo disposições constantes de lei.
A própria Carta Constitucional é quem define esta faceta da norma
tributária.
O inciso XXIII do art. 5º da Constituição determina que "a
propriedade atenderá a sua função social". O art. 182, por sua vez, ao
tratar da política urbana, impõe que os Municípios aprovem plano diretor
em que sejam definidos critérios de aferição da função social da
propriedade, impondo aos titulares destes imóveis o acatamento desta
destinação.
Temos, assim, uma norma que impõe ao sujeito proprietário de
imóvel urbano, uma obrigação de dar destinação adequada a referido
bem. Caso o titular não acate a determinação legalmente imposta, como
sanção aplica-se-lhe a tributação progressiva autorizada pelo art. 156 da
Constituição da República.
17
Aqui,
a
tributação
progressiva
pelo
IPTU
funciona
como
mecanismo de coerção para que um princípio constitucional seja
efetivamente observado pela sociedade.
Da mesma forma se dá com o ITR, ao apresentar, o art. 186 da
CR/88, os parâmetros para identificação do exercício da função social
da propriedade rural. Em caso de inobservância desta norma, sujeita-se,
o seu titular, além de outras sanções previstas no próprio ordenamento,
à tributação progressiva mais onerosa pelo ITR.
Identificamos que em ambas as hipóteses, a progressividade não
se dá por aplicação do princípio da capacidade contributiva do
proprietário do imóvel, ou por outras características de cunho fiscal
(como se observa, em contraponto, à progressividade constante do art.
156, § 1º). Ao contrário, a própria Constituição da República define uma
condição sancionatória ao exercício da atividade tributária, coagindo o
proprietário de imóvel ao acatamento de sua correta destinação.
Importante frisar o delineamento constitucional que se dá a estas
hipóteses de tributos sancionatórios. A disposição de forma diversa em
norma geral - de que a hipótese tributária deva ser fato lícito - não
prejudica a premissa constitucional de determinar o caráter de sancionar
desta tributação, adotando fato ilícito - não dar função social à
propriedade - como hipótese de aplicação da progressividade da
tributação.
4.1.2 Tributo como Sanção no Código Tributário Nacional
O conceito de tributo adotado pelo Código Tributário Nacional
impõe que o antecedente da norma de tributação seja sempre um fato
lícito. No entanto, podemos observar no art. 134 do CTN a atribuição de
18
responsabilidade tributária a pessoas que, por dever de ofício ou
encargo, detinham obrigação de vigilância ou administração de bens.
Estas pessoas, ao se conduzirem de forma negligente, permitem que a
obrigação tributária nascida para o contribuinte não seja devidamente
satisfeita. Atribui-se, então, a estas pessoas, a responsabilidade pelo
pagamento do tributo apurado.
Podemos verificar, ainda aqui, a existência de uma obrigação
prévia, antecedente à de natureza tributária, que impunha determinada
conduta ao sujeito, em verificação ou promoção do cumprimento, pelo
contribuinte, da obrigação tributária a este consignada. Uma vez que
esta obrigação não restou devidamente cumprida pelo seu contribuinte
originário, passa-se a atribuir referida responsabilidade à pessoa que
detinha o dever de zelo.
Tomamos
como
exemplo
a
responsabilidade
dos
tabeliães,
escrivães e escriturários pelos atos praticados perante eles, em razão
de seu ofício. O contribuinte do imposto sobre transmissão de bens
imóveis - ITBI, na dicção do art. 42 do CTN, é qualquer das partes na
operação tributada. Realizada a transmissão de bens imóveis, com a
lavratura da escritura e seu registro perante o cartório competente, cabe
ao escriturário verificar o correto pagamento, pelos contribuintes, do
tributo devido - conduta esta imposta por lei. Caso negligencie este seu
dever de ofício, o escriturário, por infringência de norma legal, é tomado
como
responsável,
passando
a
responder
subsidiariamente
pelo
cumprimento da obrigação tributária.
Entendemos que esta disposição restringe, em parte, o conceito
de tributo definido pelo art. 3º do CTN, derrogando-o no que toca às
situações expressas na própria lei complementar de normas gerais.
19
Outras tantas situações poderão ser adotadas pelo legislador
complementar no mesmo sentido, restringindo a licitude exigida pelo art.
3º do CTN e conformando a hipótese de incidência a fato ilícito praticado
pelo agente a ser tributado. Guardamos, no entanto, a exigência de que
referida disposição seja veiculada por lei complementar, de forma a
assegurar
compatibilidade
formal
no
sistema
jurídico,
face
o
escalonamento das normas de tributação.
Importa ressaltar, no entanto, que não estamos dizendo que todas
as hipóteses de responsabilidade tributária constituem sanção por dever
de ofício do responsável. Mesmo por que o art. 128 do CTN (ainda que
de
questionável
constitucionalidade)
permite
que
a
lei
atribua
responsabilidade a qualquer pessoa vinculada ao fato gerador.
4.2 O Tributo como Sanção por Determinação de Lei Ordinária
O Código Tributário Nacional dispõe, em seu art. 128, que a lei
poderá atribuir responsabilidade tributária à pessoa vinculada ao fato
gerador, de forma exclusiva ou supletiva. Referido dispositivo, no nosso
entendimento, em nada conflita com a determinação de licitude no
antecedente da norma de tributação, exigida pelo art. 3º do CTN, que se
mantém incólume.
Incabível, nesta perspectiva, a adoção do ilícito como antecedente
da norma tributária, em hipóteses não albergadas pela Constituição da
República e pela lei complementar de normas gerais.
Isso porque o CTN exige, em seu art. 3º, seja observada a licitude
no antecedente da norma de tributação. Ao pretender o legislador
ordinário dispor de forma diversa, estará usurpando da competência
20
tributária que lhe foi outorgada, invalidando a norma fixada fora dos
parâmetros definidos pela lei complementar.
4.2.1 Casuística: CPMF
O Direito brasileiro tem-se mostrado pródigo em situações de
atribuição de responsabilidade por prática de ato ilícito. No caso da
contribuição provisória sobre movimentação financeira, a par do disposto
na Lei nº 9.311, de 1996, a Secretaria da Receita Federal baixou o Ato
Declaratório Interpretativo nº 33, de 17 de maio de 2000, em que define
como infração à legislação tributária determinadas condutas praticadas
por
instituições
financeiras,
e
lhes
imputa,
como
sanção,
a
responsabilidade pelo recolhimento do tributo devido na operação
irregular. Vejamos o teor de referida norma:
"O Secretário da Receita Federal, no uso das atribuições conferidas
pelos arts. 11 e 19 da Lei nº 9.311, de 1996, declara:
I - a utilização, pelas instituições financeiras, de créditos, direitos ou
valores, inclusive os decorrentes de cobrança bancária, não creditados
na
conta
de
depósito,
quando
houver,
do
respectivo
titular,
na
liquidação, compensação ou pagamento de obrigações, do mesmo titular
ou não, constitui infração ao disposto no inciso III do art. 2º da Lei nº
9.311, de 1996, quando não houver cobrança da Contribuição Provisória
sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos
de Natureza Financeira - CPMF;
II
-
a
utilização
em
aplicações
financeiras
de
eventuais
saldos
decorrentes das operações referidas no inciso anterior, sem cobrança da
CPMF, constitui infração ao disposto no art. 16 da citada Lei;
21
III - na hipótese dos incisos anteriores, a CPMF será exigida das
instituições financeiras por meio de lançamento de ofício, consoante
dispõe o art. 5º da Lei nº 9.311, de 1996."
28
A atribuição da responsabilidade tributária, na hipótese, se deu por
lei ordinária, consoante o § 3º do art. 5º da Lei nº 9.311/96. Salta aos
olhos, no entanto, a identificação, no ato declaratório interpretativo nº
33/00, a capitulação da conduta ilícita como sendo o pressuposto de
cobrança da CPMF das instituições financeiras que se descurarem de
suas obrigações
Aqui,
a
29
.
tributação
das
instituições
financeiras
tem
como
antecedente um fato ilícito descrito na norma, cuja ocorrência implica na
atribuição da responsabilidade pelo pagamento da contribuição não
recolhida do contribuinte originário.
28
"Art. 5º É atribuída a responsabilidade pela retenção e recolhimento da
contribuição:
I - às instituições que efetuarem os lançamentos, as liquidações ou os pagamentos
de que tratam os incisos I, II e III do art. 2º;
II - às instituições que intermediarem as operações a que se refere o inciso V do art.
2º;
III - àqueles que intermediarem operações a que se refere o inciso VI do art. 2º.
§ 1º A instituição financeira reservará, no saldo das contas referidas no inciso I do
art. 2º, valor correspondente à aplicação da alíquota de que trata o art. 7º sobre o
saldo daquelas contas, exclusivamente para os efeitos de retiradas ou saques, em
operações sujeitas à contribuição, durante o período de sua incidência.
§ 2º Alternativamente ao disposto no parágrafo anterior, a instituição financeira
poderá assumir a responsabilidade pelo pagamento da contribuição na hipótese de
eventual insuficiência de recursos nas contas.
§ 3º Na falta de retenção da contribuição, fica mantida, em caráter supletivo, a
responsabilidade do contribuinte pelo seu pagamento."
29
Ferindo, inclusive, o princípio da vinculatividade a que se refere Heleno Torres.
TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e direito privado: autonomia privada,
simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 71.
22
4.2.2 Casuística: IOF
O art. 14 do Decreto nº 4.494, de 03 de dezembro de 2002
30
,
apresenta a oportunidade de pagamento do IOF com alíquota reduzida
ou zero nos casos em que identifica. Todavia, caso seja apurada
irregularidade na transação, a penalidade consiste na tributação da
operação à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento), sem prejuízo de
outros encargos determinados por lei.
Aqui também identificamos, a priori, a existência de tributação em
padrão reduzido em determinadas condições. Desatendidas obrigações
de natureza formal exigidas pela Secretaria da Receita Federal, impõese a reversão à tributação em alíquota ampliada
É
dizer,
o
contribuinte
deve
cumprir
determinados
deveres
instrumentais perante o Estado, sendo que, em caso de não observância
destes deveres, impõe-se-lhe o pagamento majorado do tributo devido.
30
"Art. 14. A alíquota do IOF é de vinte e cinco por cento (Lei nº 8.894, de 1994, art.
5º).
§ 1º A alíquota do IOF fica reduzida para os percentuais abaixo enumerados:
I - nas operações de câmbio destinadas ao cumprimento de obrigações de
administradoras de cartão de crédito ou de bancos comerciais ou múltiplos na
qualidade de emissores de cartão de crédito decorrentes de aquisição de bens e
serviços do exterior efetuada por seus usuários, observado o disposto no inciso III:
dois por cento;
II - sobre o valor ingressado no País decorrente de ou destinado a empréstimos em
moeda com os prazos médios mínimos de até noventa dias: cinco por cento;
III - nas demais operações de câmbio, inclusive nas destinadas ao cumprimento de
obrigações de administradoras de cartão de crédito ou de bancos comerciais ou
múltiplos na qualidade de emissores de cartão de crédito decorrentes de aquisição
de bens e serviços do exterior quando forem usuários do cartão a União, Estados,
Municípios, Distrito Federal, suas fundações e autarquias: zero.
§ 2º No caso de operações de empréstimo em moeda via lançamento de títulos, com
cláusula de antecipação de vencimento, parcial ou total, pelo credor ou pelo devedor
(put/call), a primeira data prevista de exercício definirá a incidência do imposto
prevista no inciso II.
§ 3º O Ministro de Estado da Fazenda, tendo em vista os objetivos das políticas
monetária, fiscal e cambial, poderá estabelecer alíquotas diferenciadas para as
hipóteses de incidência de que trata este Título (Lei nº 8.894, de 1994, art. 5º,
parágrafo único)".
23
V - CONCLUSÃO
Entendemos, assim, da análise do sistema tributário brasileiro, em
nível constitucional e legal, que o tributo pode assumir feição de sanção
por descumprimento de obrigação devida pelo contribuinte, esta não
necessariamente de cunho tributário. O tributo sancionador encontra, no
antecedente da norma de tributação, o não cumprimento de norma
obrigacional
anterior,
provocando,
no
consequente
da
norma,
a
instalação da relação jurídico-tributária ou a maior oneração desta
relação no seu critério quantitativo.
No entanto, referida tributação é exceção dentro do sistema
tributário nacional. Nesta condição, para que a norma tributária desta
natureza
mesmo
seja
válida,
devemos
identificar
autorização
constitucionalmente qualificada que permita a atribuição de efeito
sancionador à atividade tributária.
No plano legal, face o conceito fixado pelo Código Tributário
Nacional de tributo, em seu art. 3º, como sendo necessariamente
decorrência de ato lícito, somente a lei complementar poderá firmar
outras hipóteses de tributo sancionador, derrogando, pela especialidade,
a disposição originalmente codificada.
Por fim, a causa do tributo, nesta hipótese, não poderá ser
atrelada aos conceitos tradicionalmente firmados pela doutrina, como
capacidade contributiva, retributividade etc., posto tratar-se de exceção
de cunho nitidamente extrafiscal. Revela-se, neste particular, a sanção
como sendo a causa do tributo, validando a norma tributária no
ordenamento jurídico.
24
VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Temis, Bogotá, 2001. v. 1.
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Direito
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VILLEGAS, Héctor. Curso de finanzas, derecho financiero y tributário. 8.
ed. Buenos Aires: Astrea, 2003.
26
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o tributo como sanção no direito tributário