O TRIBUTO COMO SANÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Alexandre Alkmim Teixeira I - INTRODUÇÃO Muito já se escreveu no Direito brasileiro acerca do conceito de tributo descrito no art. 3º do Código Tributário Nacional, merecendo encômios e repugnância por doutrinadores 1 e pela jurisprudência. Todavia, enquanto em relação uníssono jurídica entendem decorrente os juristas diretamente que o tributo, de disposição legislativa, não há de ter como antecedente hipotético um fato ilícito. É dizer, a hipótese de incidência tributária, nos dizeres de Geraldo Ataliba, há de ser formatada como a descrição de "fato jurídico constitucionalmente qualificado e legalmente definido, com conteúdo econômico - por imperativo da isonomia (art. 5º, caput e inciso I da CF) não qualificado como ilícito" 2. Encontramos, no entanto, na verificação do Sistema Tributário Nacional, a instituição de alguns tributos cujo antecedente normativo reporta-se à prática de um ato, pelo contribuinte, contrário ao Direito 3. Nestes casos, é a prática de um ilícito que irá desencadear a incidência da norma de tributação, dando nascimento à obrigação do contribuinte 1 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 237 e ss. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 379. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. Atual. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 62. 2 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 33. 3 Não necessariamente um ilícito penal, administrativo ou civil, mas ilicitude em sentido de descumprimento de obrigação normativa previamente disposta em lei ou em princípios constitucionais. de levar aos cofres públicos determinada quantia em dinheiro. Algumas vezes referida disposição vem constitucionalmente qualificada e, em outras, decorre de mera disposição legal. Apesar de excepcional, observamos cada vez maior número de prescrições neste sentido, pondo em xeque a conceituação de tributo disposta pelo Código Tributário Nacional. Da mesma forma, tomado o art. 145 da Constituição da República e realizada uma leitura sistemática do Sistema Constitucional Tributário, questionamos a existência da "causa do tributo" com inarredável sentido de licitude, e não de sanção. De outro lado, poderiam a isonomia, a capacidade contributiva, a retributividade, por exemplo, em determinados casos, ser isoladas da obrigação tributária, de forma a dar vazão à teoria anticausalista do tributo, forte em Giannini? E, em sendo possível esta separação, quais seriam os limites, no Direito brasileiro, para aceitação de referida cisão? Pretendemos neste estudo contribuir para elucidação destas questões, certo da insuficiência em se esgotar o tema. II - OBRIGAÇÃO JURÍDICA E SANÇÃO Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em crítica à diferenciação entre normas de conduta e normas sancionadoras, aponta a estruturação das mesmas na forma de um juízo hipotético, com a prescrição de uma conduta e o estabelecimento de uma sanção a ser aplicada no caso da ocorrência da hipótese prevista 4. 4 "Como se trata de uma proposição que determina como devem ser as condutas, abstração feita de quem as estabelece, pode-se entender a norma como um imperativo condicional, formulável conforme uma proposição hipotética, que disciplina o comportamento apenas porque prevê, para sua ocorrência, uma sanção. Tudo conforme a fórmula se A é, então deve ser S, em que A é a conduta hipotética, 2 Tal estrutura tem origem em Hans Kelsen 5, que identifica a norma jurídica como sendo uma proposição do tipo "Se A é, S deve ser", em que "A" é uma conduta hipotética a ser comandada pelo Direito, e "S" uma sanção cuja aplicação mostra-se inafastável no caso de a conduta verificada mostrar-se coincidente com o prescrito na norma. Desse modo, se ocorrida a hipótese "A", deve ser uma sanção "S"; sendo a conduta querida pelo Direito quase sempre o "não A" 6 . Verificamos que a norma jurídica, nesse sentido, é formada por dois elementos: a hipótese ("A"), descrição de um fato ou situação; e uma sanção ("S"), a ser implementada pela ordem estatal no caso de descumprimento da vontade do Direito. Segundo Ferraz Júnior, "Por hipótese normativa entende a dogmática uma situação de fato (um comportamento, uma ocorrência natural, uma qualidade) que vem prescrita na norma e à qual se imputa uma consequência, um efeito jurídico" 7. Hans Kelsen, em uma primeira fase de seus estudos, somente admite a norma sancionatória em seu efeito negativo. Após sofrer severas críticas, a norma jurídica passou a ser tida pelo Autor como prescritora de uma conduta com a imputação de uma sanção, punitiva ou premial 8 em caso de sua inobservância. S a sanção que segue à ocorrência da hipótese. O dever-ser será o conectivo que une os dois termos." FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 102-103. 5 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 6 Isso porque, na maior parte das vezes, a ordem estatal propõe normas no sentido de coibir condutas indesejadas, impondo coerção aos descumpridores do "não A". 7 FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 116. 8 Não daremos, por desimportante ao objeto traçado neste trabalho, maior atenção à sanção premial, posto que, para o Direito Tributário, ainda que tal prescrição esteja prevista, deverá, para fins de efetividade da obrigação tributária, vir acompanhada também de uma norma coercitiva que garanta, em última instância, o recebimento do tributo pretendido. 3 Posteriormente, na evolução do seu entendimento, o autor austríaco identificou a existência de normas prescritivas de caráter não sancionatório. Admite, assim, a existência de normas que, dentro da prescrição "Se A é, B deve ser", "A" é uma hipótese e "B" é uma consequência não punitiva ou não premial do agente. Todavia, Kelsen entende que uma norma com esse conteúdo somente produzirá efeitos se estiver respaldada por outra norma que, identificando o descumprimento da primeira, acarrete a ação do Estado para impor a conduta querida. Assim, posta a norma "Se A é, B deve ser", em que "A" é uma hipótese e "B" uma consequência não sancionatória, esta norma somente produzirá efeitos juridicamente se vier acompanhada de uma norma que diga: "Se não B é, S deve ser", em que "não B" é a desobediência da conduta prescrita na consequência da primeira norma e "S" a sanção que se lhe deve aplicar. A primeira Kelsen chama de norma secundária, não autônoma; e à segunda, de norma primária, autônoma 9. Para Kelsen: "Já em outro contexto fizemos notar que, quando uma norma prescreve uma determinada conduta e uma segunda norma estatui uma sanção 9 Adotamos esta posição por ser a mais difundida nos meios acadêmicos, sendo certo que Kelsen reviu seu posicionamento, para entender ser a norma primária aquela que define a conduta e norma secundária, àquela que dispõe a sanção. "Se se admite que a distinção de uma norma que prescreve uma conduta determinada e de uma norma que prescreve uma sanção para o fato de a violação da primeira seja essencial para o Direito, então precisa-se qualificar a primeira como norma primária e a segunda como secundária - e não o contrário, como o foi por mim anteriormente formulado. A norma primária pode, pois, aparecer inteiramente independente da norma secundária. Mas é também possível que uma norma expressamente formulada, a primeira, i.e., a norma que impõe uma conduta determinada geralmente não apareça, e apenas a norma secundária, i.e., a norma que estabelece a sanção." KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1986. p. 181. 4 para a hipótese de não observação da primeira, estas duas normas são essencialmente interligadas. Isto vale particularmente para a hipótese em que um ordenamento normativo - como o ordenamento jurídico prescreve uma determinada conduta pelo fato de ligar à conduta oposta um ato coercitivo a título de sanção, de tal forma que uma conduta somente se pode considerar como prescrita, no caso do ordenamento jurídico, como juridicamente pressuposto de uma sanção." prescrita, se a conduta oposta é 10 A norma tributária, tomada como regra-matriz de incidência, é uma norma dependente por natureza. Em normas classificadas dessa maneira, a descrição hipotética do fato (Se "A" é) não leva à implicação correlata de uma sanção, mas sim imposição de vínculo deôntico 11 modalizado na forma obrigacional para formação de um crédito tributário em favor do Estado (deve-ser a relação tributária "T"). Tanto é assim que tributo, pela questionada definição do Código Tributário Nacional 12 , não possui natureza de sanção, sob pena de desqualificação do instituto. Identificamos, pois, as normas primárias como prescrições de conduta de caráter coercitivo (sanção); e as normas secundárias como aquelas prescritoras de conduta, de caráter não coercitivo ou que tenham por objetivo complementar a formação de outras normas do ordenamento. 10 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 60-61. BARROS, Paulo de. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. 12 "Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não se constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". 11 5 2.1 Norma, Sanção e Tributação Geraldo Ataliba adverte que o termo sanção é mal lido por vários doutrinadores, ao considerá-lo como algo negativo, é dizer, imputação de penalidade pela prática do ilícito 13 . De fato, como visto, a sanção na estrutura da norma jurídica se assemelha ao consequente decorrente da prática de determinada hipótese genericamente prevista, não necessariamente com o intuito de punir o seu destinatário. Acorda, neste sentido, Ataliba, com o que o próprio Kelsen veio a reconhecer. No entanto, divergem os autores no sentido final que se atribui ao termo sanção. Isto por que, para Kelsen, a consequência da norma secundária não constitui sanção. A sanção, neste caso, vem somente com a não observância da conduta descrita no consequente da norma secundária (cuja negativa constitui o antecedente da norma primária), desencadeando os efeitos prescritos no consequente da norma primária. Consequente normativo e sanção são coisas diversas, tomando-se o primeiro como prescrição de conduta a ser seguida diante da verificação da ocorrência da hipótese normativa (de caráter modalizado obrigadoproibido-permitido); e a segunda como consequência da não observância desta conduta, de natureza coercitiva ou premial. Em matéria tributária, no entanto, repisa o Código Tributário Nacional e a doutrina que a hipótese presente no antecedente da norma secundária deva ser, sempre, um fato lícito, cujo consequente seja o pagamento de determinada quantia em dinheiro ao Estado. A sanção em matéria tributária, por sua vez, vem consignada na norma primária, na 13 "A sanção não é sempre e necessariamente um castigo. É mera consequência jurídica que se desencadeia (incide) no caso de ser desobedecido o mandamento principal de uma norma. É um preconceito que precisa ser dissipado - por flagrante anticientífico - a afirmação vulgar, infelizmente repetida por alguns juristas, no sentido de que a sanção é castigo. Pode ser algumas vezes. Não o é em muitas vezes. Castigo, pena, penalidade é espécie do gênero sanção jurídica. Nem toda sanção é castigo, embora todo castigo (espécie) seja sanção". ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 41. 6 forma de multa 14 , de consequências políticas 15 ou até mesmo, conjugada com outros elementos, de restrição da liberdade 16 . Aqui, o antecedente da norma primária é o não cumprimento do consequente da norma secundária. Assim, temos a descrição de um fato "A" que, uma vez identificado, implicará o consequente formado por vínculo modalizado de natureza obrigacional de entregar determinada quantia em dinheiro ao Estado (tributo). Segundo a conceituação clássica de tributo, este fato "A" há de ser sempre ato lícito ou situação lícita do destinatário da norma. A hipótese "A" implica o consequente dever de pagar tributo (T). Se "A" é, deve ser o pagamento do tributo "T". Ressaltamos que o modelo descrito pela estrutura normativa de Kelsen alcança, por exemplo, a norma penal prescritora de sanção, em que "A" é um ato ilícito e "B" uma sanção punitiva devida pela inobservância da conduta querida pelo Direito. E, como já vimos, em verdade, quando a norma penal kelseniana descreve um fato "A", objetiva a conduta "não A" por seu destinatário. Vejamos o exemplo primevo na seguinte norma: "Matar alguém: reclusão de 6 a 20 anos". A descrição do fato "A" - matar alguém, é conduta não querida pelo Direito, pelo que a sua inobservância implica a aplicação de uma sanção prescrita pela norma: reclusão de 6 a 20 anos. No entanto, em uma ótica tributária, a conduta descrita pelo ordenamento ("A") é lícita, sendo que da sua ocorrência decorre o nascimento de uma obrigação não punitiva, o tributo (T). Apenas quando se verifica o não cumprimento da relação obrigacional de pagamento do 14 LUPI, Raffaello. Diritto Tributário: parte generale. 5. ed. Giuffrè. p. 257 e ss. Identificamos cada vez mais a restrição imposta aos contribuintes como ausência de CND, inscrição no CADIN, impeditivo a importações e exportações, por exemplo, como medidas políticas de coerção para o pagamento de tributo. 16 Ver melhor em DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. 15 7 tributo (não T) por parte do contribuinte, é que se terá a aplicação de uma sanção punitiva (S). No esquadro esquemático, verificamos a seguinte estrutura: Se "A" é, deve ser "T" Se "não T", deve ser "S" A norma tributária, tomada como regra-matriz de incidência, é aquela que define os fatos geradores de tributos e prescreve o nascimento do crédito tributário. Sendo assim, é uma norma não autônoma por natureza. A descrição hipotética do fato (Se "A" é) não leva à possibilidade correlata de uma sanção coativa, mas, sim, ao nascimento de um vínculo obrigacional de natureza tributária (deve ser "T"). 2.2 O Tributo como Sanção Punitiva Diante deste entendimento, passamos a identificar a hipótese em que a tributação decorre da prática de um ilícito por parte do agente normativo. A norma hipotética de natureza tributária terá, assim, a configuração avessa à definição trazida pelo CTN, cuja hipótese de incidência descreve a não observância, por parte do contribuinte, de uma norma secundária que lhe é antecedente. Por mais estranho que tal referência possa parecer, verificamos exemplos de normas dessa espécie no Direito brasileiro, como no art. 16 da lei nº 9.381, que cuidava da já extinta CPMF, a atribuição de responsabilidade pelo ITCMD e do ITBI aos oficiais de cartórios de 8 registro, ITR e IPTU progressivos, dentre outros, e que serão mais detidamente tratados à frente. Nesta perspectiva, o ilícito praticado pelo contribuinte irá imporlhe, como sanção, a responsabilidade ou submissão ao vínculo jurídico tributário, ou até mesmo a maior oneração da tributação regular a que estaria sujeito. Nestas condições, a tributação (original ou por atribuição de responsabilidade) vem como decorrência do descumprimento de obrigação anterior. Assim, a norma tributária se despe da licitude em seu antecedente, para fazer impor a relação jurídico-tributária constante do consequente, não por conta de capacidade contributiva, ou por retributividade, mas sim como mecanismo de coerção do agente para que deixe de praticar a conduta vedada pela norma anterior. Desta feita, a norma tributária é interdependente à norma anterior que prescreve determinada conduta, não necessariamente tributária, ao agente. Não tratamos da hipótese de obrigação acessória (ou dever instrumental, na escrita de Paulo de Barros Carvalho), mas de qualquer relação jurídica anterior escolhida pelo Direito para formar o antecedente da norma de tributação. Importante ainda identificar que a causa do tributo, aqui, não se relaciona, necessariamente, ao mundo do Direito Tributário, podendo assumir feições extra-fiscais. É o caso, por exemplo, da tributação progressiva no ITR, segundo a produtividade da terra. A norma tributária é utilizada como mecanismo de desincentivar o proprietário rural a manter terras improdutivas, em atenção ao princípio da função social da propriedade, sob pena de sofrer, como sanção, a tributação progressiva do imposto sobre ela incidente. 9 Da mesma forma, identificamos ser possível que a tributação também possa ter efeito sancionatório premial, geralmente atrelado aos mecanismos de exoneração fiscal. De fato, ao se permitir o pagamento do imposto sobre propriedade territorial urbana com redução antes da data do vencimento, o Estado atribui à norma que institui esta isenção parcial o efeito de sanção premial ao contribuinte, incentivando-o a portar-se de acordo conforme a conduta querida. 2.2.1 Critério Material da Hipótese de Incidência Tomado o modelo normativo proposto por Paulo de Barros Carvalho, interessante revelar que o aspecto material da hipótese de incidência poderá informar, dentro da perspectiva deste estudo, uma ação negativa do contribuinte com relação à obrigação antecedente a que estaria obrigado. O aspecto material traduz a situação de fato ou ação do destinatário da norma que, uma vez identificado, dará nascimento ao crédito tributário. Geraldo Ataliba identifica tal aspecto como dado de ordem objetiva, que serve de suporte para a identificação da hipótese de incidência 17 . Paulo Barros Carvalho, na mesma linha de entendimento, ressalta a importância do aspecto material, na sua correlação direta com a base de cálculo para fins de identificação da espécie tributária a que se refere à norma. Vejamos: 17 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 95. 10 "As elaborações da Ciência, todavia, encontram na base de cálculo índice seguro para identificar o genuíno critério material da hipótese, ofertando-nos instrumento sólido, eficiente para confirmar, infirmar ou afirmar o enunciado da lei, surpreendendo o núcleo lídimo da incidência jurídica." 18 Na hipótese, a descrição constante do aspecto material se refere ao não cumprimento de uma obrigação anterior, impondo reflexos diretos na formação do critério quantitativo do consequente, de forma induzir o contribuinte ao cumprimento desta obrigação. A tributação passa a funcionar como sanção pelo descumprimento da obrigação anterior. E, ao assumir referida condição, foge da sua tradicional função dentro da estrutura do sistema jurídico. Passemos, assim, a verificar os fundamentos materiais e formais que embasam ou dissuadem a adoção desta estrutura de tributação. III - CAUSA DO TRIBUTO O estudo da causa do tributo no Direito Tributário mostra-se bastante acirrado, com juristas de escol posicionando-se, a cada momento, de acordo um entendimento próprio para justificar a atuação do Estado na imposição da obrigação ao contribuinte cidadão 19 . 18 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 19 Villegas chega a ressaltar que muitos autores adotam a própria conceituação do poder tributário relacionado à sua causa, dando vazão a questões semânticas de natureza complexa: "Algunas de las locuciones más utilizadas son lãs seguintes: ‘poder de imposición’ (Ingrosso, Blumenstein), ‘supremacia tributaria’ (Berliri), ‘poder impositivo’ (Bielsa), ‘poder tributário’ (Hensel), ‘poder fiscal’ (Jarach), ‘potestad de imposición’ (Micheli), ‘potestad tributaria’ (Alessi) y ‘soberania impositiva’ (Kruse)". In: VILLEGAS, Héctor. Curso de finanzas, Derecho Financiero y Tributário. 8. ed. Buenos Aires: Astrea, 2003. p. 252. 11 O estudo da questão mostra-se relevante, pois de acordo com o entendimento de qual seja a causa do tributo, conferiremos maior ou menor possibilidade de atuação do Estado diante do contribuinte. Contrariamente a este entendimento, os não causalistas pregam a esterilidade desta discussão, firmando que o tributo deve ser pago porque a lei assim o determina. Todavia, todo direito funda-se, em essencial, na lei. Perquirir a materialidade, o fundamento, a causa das obrigações é papel do jurista, de forma a permitir que a lei não seja instrumento de opressão social. Neste ponto, os não causalistas se aproximam dos causalistas de concepção autoritária, que tomam como causa do tributo o mero poder de império do Estado. Bluntschli, Stahl, Helferich, Nitti, Di Paolo, como demonstra Ulhôa Canto 20 , tomam como causa do tributo o poder de o Estado submeter o cidadão-súdito ao seu poder, demandando o pagamento do tributo. Referida teoria é duramente criticada, por impossibilitar o controle de como o Estado irá se conduzir na instituição de tributos. Evidenciada a necessidade de se identificar, assim, a causa do tributo, e que esta não seja pautada exclusivamente pela mera alegação de poder estatal, passemos à análise das principais correntes vigentes sobre o assunto. 3.1 Causa pelos Contratualistas e pela Concepção Ontológica Ulhôa Canto identifica as teorias contratualistas e ontológicas sobre a causa do tributo. 20 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Alba. v. 1. p. 300-301. 12 Os contratualistas, fortes em Rousseau, Montesquieu, Hobbes e Locke, preconizam a tributação pela retributividade da relação existente entre o cidadão e o Estado. Em apertada síntese, o contribuinte integra uma relação jurídico-tributária porque o poder público lhe alberga e defere determinadas vantagens. De outra feita, os juristas de fonte ontológica identificam outras causas possíveis para o tributo, dentre elas o caráter ético de participar da consecução dos fins do Estado (Griziotti); a lei (Blumenstein), os pressupostos de fato (Tesoro), os princípios legais e constitucionais (Trotabas e Bielsa) e a capacidade contributiva (cujo maior expoente é Dino Jarach). Porém, quando o tributo é tomado como sanção da forma em que evidenciamos, temos de ter o cuidado de afastar esta excepcionalidade das causas identificadas para o tributo em sua acepção mais generalizada. Por óbvio que não advogamos a tese de que o tributo seja sempre sanção e que esta é da natureza daquele. Ao contrário, entendemos que, em regra, o tributo se formata segundo a capacidade contributiva descrita por Jarach, constitucionalmente nos firmados, limites dos respeitando, princípios ainda, a e 21 , regras autonomia da vontade forte no direito privado. Neste particular, Heleno Torres chama a atenção para que o "fato jurídico tributário seja imagem de possibilidade econômica para cumprir 21 MOSCHETTI, Francisco. El principio de la capacidad contributiva. In: AMATUCCI, Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributário. Bogotá: Temis, 2001. v. 1 p. 240 e ss. 13 com o dever tributário, uma demonstração de capacidade econômica, superado o mínimo existencial da essencialidade do bem" 22 . Identificamos que, em exceção, pode o tributo fugir a esta essencialidade da capacidade contributiva, para ser dotado de efeito extrafiscal, e dentre estas possibilidade, que seja formatado como sanção por descumprimento de obrigação devida pelo contribuinte. Dentro desta perspectiva, procedente a ressalva de Cooley, para quem "If for regulation it is an exercise of police power, while if for revenue, it is an exercise of the taxing power" 23 , diferenciando a visão fiscal da faceta extrafiscal que a atividade tributária pode assumir. Todavia, ainda que em caráter extrafiscal, a tributação nesta condição encontra causa que lhe albergue, voltada justamente à sanção pelo descumprimento da obrigação a que o contribuinte está submetido. Apresentamos, assim, dentro da lógica do tributo sancionador, a sua causa fixada na sanção vinculada a outra norma que houvera sido descumprida pelo agente. Isto, obviamente, como exceção à atividade tributária ordinária, desde que atendidos os requisitos formais necessários à conformação deste tipo de norma ao sistema jurídico vigente. 22 TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 68. 23 Apud CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Alba. v. 1. p. 307. 14 IV - SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO E TRIBUTO SANCIONADOR O Sistema Tributário Brasileiro encontra-se estribado em bases constitucionais, funcionando a Constituição da República como fundamente de validade das demais normas tributárias vigentes no ordenamento jurídico. Ao lado das normas de competência fixadas pela Constituição, temos as normas gerais de Direito Tributário tratar, no plano infraconstitucional e 24 . Estas têm por objetivo supraordinário, de questões relevantes acerca da tributação não aferidas constitucionalmente, mas que também não podem ser deixadas para regulamentação particular por cada um dos Entes Federados, na instituição de seus tributos. Não constituem, as normas gerais, fundamento de validade das normas de tributação, já que o fundamento de validade de todas elas, como já dissemos, é constitucional. Mas as normas gerais também não podem ser ignoradas pelas normas de tributação, posto que devem ser, por estas, observadas. Nos dizeres de Sacha Calmon Navarro Coêlho 25 , as normas gerais são lex legum, ou normas sobre como as normas devem ser feitas. 24 "O estudo das normas gerais envolve, como visto anteriormente, não só a questão de sua função e natureza como de seus limites. Por sua vez, esses temas só podem ser explicados à luz do federalismo, forma de Estado que lhes dá uma dimensão especial e uma diferença específica. Nos Estados unitários, a expressão normas gerais ganha apenas a conotação imprecisa de norma abrangente ou de princípio e diretriz. Já nos Estados federativos, as normas gerais versam sobre matéria que, originalmente, é de competência concorrente. Padronizando a normatividade do conteúdo a ser desenvolvido pela legislação ordinária dos entes estatais, inclusive da própria União, tornam-se de suma relevância a difícil tarefa de traçar-lhes os lindes. Têm as normas gerais a natureza de regras quase constitucionais, pois são normas hierarquicamente inferiores à Constituição. Entretanto, ao traçarem rumos à legislação das pessoas estatais, quer sejam veiculadas por leis complementares da União, quer por meio de resoluções do Senado Federal, erigem-se em posição de superioridade às demais leis ordinárias federais, estaduais e municipais." In: BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. Atual. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 51. 25 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. 15 Passaremos, então, a verificar a constitucionalidade da utilização do tributo como efeito sancionatório, tomando por base a Constituição da República e o Código Tributário Nacional, postado como norma geral de Direito Tributário no Brasil. 4.1 Conceito Constitucional de Tributo A Constituição da República não oferece um conceito explícito de tributo. Em verdade, na dicção do seu art. 146, III, a, atribui-se à norma geral de Direito Tributário a definição "de tributos e de suas espécies". Por certo que ao sistema de direito positivo não cabe definir o conceito de tributo (gênero), matéria afeta à Ciência do Direito 26. Todavia, apesar de tecnicamente desaconselhável 27 , o fez o Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, dispondo o seguinte: "Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada." Sem prosseguir nas amplas críticas da doutrina acerca de referido conceito, deparamo-nos, assim, com duas ordens condicionantes para que possa instituir tributo com efeito sancionatório: a Constituição da República, em um plano, e a norma geral de Direito Tributário, em outro. 26 PISTONE, Antonio. L’ordinamento Tributário. Padova: CEDAM, 1986. p. 31. FLORI, Mario Alberto et al. I tributi in Itália. Milão: CEDAM, 1995. p. 44. 27 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 16 4.1.1 Tributo como Sanção na Constituição Buscando conferir efeitos extrafiscais à tributação, com nítido caráter de coerção para atendimento de preceitos constitucionalmente resguardados, algumas hipóteses de tributos com efeito sancionatório podem ser identificados no corpo da Carta Constitucional. A previsão do inciso I do § 4º do art. 153, no que toca ao imposto incidente sobre propriedade territorial rural - ITR, e do § 4º do art. 182, no que toca ao imposto sobre propriedade predial e territorial urbana IPTU, permitem a adoção de tributação mais onerosa àqueles proprietários de imóveis que não lhes destinem uma função social adequada, segundo disposições constantes de lei. A própria Carta Constitucional é quem define esta faceta da norma tributária. O inciso XXIII do art. 5º da Constituição determina que "a propriedade atenderá a sua função social". O art. 182, por sua vez, ao tratar da política urbana, impõe que os Municípios aprovem plano diretor em que sejam definidos critérios de aferição da função social da propriedade, impondo aos titulares destes imóveis o acatamento desta destinação. Temos, assim, uma norma que impõe ao sujeito proprietário de imóvel urbano, uma obrigação de dar destinação adequada a referido bem. Caso o titular não acate a determinação legalmente imposta, como sanção aplica-se-lhe a tributação progressiva autorizada pelo art. 156 da Constituição da República. 17 Aqui, a tributação progressiva pelo IPTU funciona como mecanismo de coerção para que um princípio constitucional seja efetivamente observado pela sociedade. Da mesma forma se dá com o ITR, ao apresentar, o art. 186 da CR/88, os parâmetros para identificação do exercício da função social da propriedade rural. Em caso de inobservância desta norma, sujeita-se, o seu titular, além de outras sanções previstas no próprio ordenamento, à tributação progressiva mais onerosa pelo ITR. Identificamos que em ambas as hipóteses, a progressividade não se dá por aplicação do princípio da capacidade contributiva do proprietário do imóvel, ou por outras características de cunho fiscal (como se observa, em contraponto, à progressividade constante do art. 156, § 1º). Ao contrário, a própria Constituição da República define uma condição sancionatória ao exercício da atividade tributária, coagindo o proprietário de imóvel ao acatamento de sua correta destinação. Importante frisar o delineamento constitucional que se dá a estas hipóteses de tributos sancionatórios. A disposição de forma diversa em norma geral - de que a hipótese tributária deva ser fato lícito - não prejudica a premissa constitucional de determinar o caráter de sancionar desta tributação, adotando fato ilícito - não dar função social à propriedade - como hipótese de aplicação da progressividade da tributação. 4.1.2 Tributo como Sanção no Código Tributário Nacional O conceito de tributo adotado pelo Código Tributário Nacional impõe que o antecedente da norma de tributação seja sempre um fato lícito. No entanto, podemos observar no art. 134 do CTN a atribuição de 18 responsabilidade tributária a pessoas que, por dever de ofício ou encargo, detinham obrigação de vigilância ou administração de bens. Estas pessoas, ao se conduzirem de forma negligente, permitem que a obrigação tributária nascida para o contribuinte não seja devidamente satisfeita. Atribui-se, então, a estas pessoas, a responsabilidade pelo pagamento do tributo apurado. Podemos verificar, ainda aqui, a existência de uma obrigação prévia, antecedente à de natureza tributária, que impunha determinada conduta ao sujeito, em verificação ou promoção do cumprimento, pelo contribuinte, da obrigação tributária a este consignada. Uma vez que esta obrigação não restou devidamente cumprida pelo seu contribuinte originário, passa-se a atribuir referida responsabilidade à pessoa que detinha o dever de zelo. Tomamos como exemplo a responsabilidade dos tabeliães, escrivães e escriturários pelos atos praticados perante eles, em razão de seu ofício. O contribuinte do imposto sobre transmissão de bens imóveis - ITBI, na dicção do art. 42 do CTN, é qualquer das partes na operação tributada. Realizada a transmissão de bens imóveis, com a lavratura da escritura e seu registro perante o cartório competente, cabe ao escriturário verificar o correto pagamento, pelos contribuintes, do tributo devido - conduta esta imposta por lei. Caso negligencie este seu dever de ofício, o escriturário, por infringência de norma legal, é tomado como responsável, passando a responder subsidiariamente pelo cumprimento da obrigação tributária. Entendemos que esta disposição restringe, em parte, o conceito de tributo definido pelo art. 3º do CTN, derrogando-o no que toca às situações expressas na própria lei complementar de normas gerais. 19 Outras tantas situações poderão ser adotadas pelo legislador complementar no mesmo sentido, restringindo a licitude exigida pelo art. 3º do CTN e conformando a hipótese de incidência a fato ilícito praticado pelo agente a ser tributado. Guardamos, no entanto, a exigência de que referida disposição seja veiculada por lei complementar, de forma a assegurar compatibilidade formal no sistema jurídico, face o escalonamento das normas de tributação. Importa ressaltar, no entanto, que não estamos dizendo que todas as hipóteses de responsabilidade tributária constituem sanção por dever de ofício do responsável. Mesmo por que o art. 128 do CTN (ainda que de questionável constitucionalidade) permite que a lei atribua responsabilidade a qualquer pessoa vinculada ao fato gerador. 4.2 O Tributo como Sanção por Determinação de Lei Ordinária O Código Tributário Nacional dispõe, em seu art. 128, que a lei poderá atribuir responsabilidade tributária à pessoa vinculada ao fato gerador, de forma exclusiva ou supletiva. Referido dispositivo, no nosso entendimento, em nada conflita com a determinação de licitude no antecedente da norma de tributação, exigida pelo art. 3º do CTN, que se mantém incólume. Incabível, nesta perspectiva, a adoção do ilícito como antecedente da norma tributária, em hipóteses não albergadas pela Constituição da República e pela lei complementar de normas gerais. Isso porque o CTN exige, em seu art. 3º, seja observada a licitude no antecedente da norma de tributação. Ao pretender o legislador ordinário dispor de forma diversa, estará usurpando da competência 20 tributária que lhe foi outorgada, invalidando a norma fixada fora dos parâmetros definidos pela lei complementar. 4.2.1 Casuística: CPMF O Direito brasileiro tem-se mostrado pródigo em situações de atribuição de responsabilidade por prática de ato ilícito. No caso da contribuição provisória sobre movimentação financeira, a par do disposto na Lei nº 9.311, de 1996, a Secretaria da Receita Federal baixou o Ato Declaratório Interpretativo nº 33, de 17 de maio de 2000, em que define como infração à legislação tributária determinadas condutas praticadas por instituições financeiras, e lhes imputa, como sanção, a responsabilidade pelo recolhimento do tributo devido na operação irregular. Vejamos o teor de referida norma: "O Secretário da Receita Federal, no uso das atribuições conferidas pelos arts. 11 e 19 da Lei nº 9.311, de 1996, declara: I - a utilização, pelas instituições financeiras, de créditos, direitos ou valores, inclusive os decorrentes de cobrança bancária, não creditados na conta de depósito, quando houver, do respectivo titular, na liquidação, compensação ou pagamento de obrigações, do mesmo titular ou não, constitui infração ao disposto no inciso III do art. 2º da Lei nº 9.311, de 1996, quando não houver cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - CPMF; II - a utilização em aplicações financeiras de eventuais saldos decorrentes das operações referidas no inciso anterior, sem cobrança da CPMF, constitui infração ao disposto no art. 16 da citada Lei; 21 III - na hipótese dos incisos anteriores, a CPMF será exigida das instituições financeiras por meio de lançamento de ofício, consoante dispõe o art. 5º da Lei nº 9.311, de 1996." 28 A atribuição da responsabilidade tributária, na hipótese, se deu por lei ordinária, consoante o § 3º do art. 5º da Lei nº 9.311/96. Salta aos olhos, no entanto, a identificação, no ato declaratório interpretativo nº 33/00, a capitulação da conduta ilícita como sendo o pressuposto de cobrança da CPMF das instituições financeiras que se descurarem de suas obrigações Aqui, a 29 . tributação das instituições financeiras tem como antecedente um fato ilícito descrito na norma, cuja ocorrência implica na atribuição da responsabilidade pelo pagamento da contribuição não recolhida do contribuinte originário. 28 "Art. 5º É atribuída a responsabilidade pela retenção e recolhimento da contribuição: I - às instituições que efetuarem os lançamentos, as liquidações ou os pagamentos de que tratam os incisos I, II e III do art. 2º; II - às instituições que intermediarem as operações a que se refere o inciso V do art. 2º; III - àqueles que intermediarem operações a que se refere o inciso VI do art. 2º. § 1º A instituição financeira reservará, no saldo das contas referidas no inciso I do art. 2º, valor correspondente à aplicação da alíquota de que trata o art. 7º sobre o saldo daquelas contas, exclusivamente para os efeitos de retiradas ou saques, em operações sujeitas à contribuição, durante o período de sua incidência. § 2º Alternativamente ao disposto no parágrafo anterior, a instituição financeira poderá assumir a responsabilidade pelo pagamento da contribuição na hipótese de eventual insuficiência de recursos nas contas. § 3º Na falta de retenção da contribuição, fica mantida, em caráter supletivo, a responsabilidade do contribuinte pelo seu pagamento." 29 Ferindo, inclusive, o princípio da vinculatividade a que se refere Heleno Torres. TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e direito privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 71. 22 4.2.2 Casuística: IOF O art. 14 do Decreto nº 4.494, de 03 de dezembro de 2002 30 , apresenta a oportunidade de pagamento do IOF com alíquota reduzida ou zero nos casos em que identifica. Todavia, caso seja apurada irregularidade na transação, a penalidade consiste na tributação da operação à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento), sem prejuízo de outros encargos determinados por lei. Aqui também identificamos, a priori, a existência de tributação em padrão reduzido em determinadas condições. Desatendidas obrigações de natureza formal exigidas pela Secretaria da Receita Federal, impõese a reversão à tributação em alíquota ampliada É dizer, o contribuinte deve cumprir determinados deveres instrumentais perante o Estado, sendo que, em caso de não observância destes deveres, impõe-se-lhe o pagamento majorado do tributo devido. 30 "Art. 14. A alíquota do IOF é de vinte e cinco por cento (Lei nº 8.894, de 1994, art. 5º). § 1º A alíquota do IOF fica reduzida para os percentuais abaixo enumerados: I - nas operações de câmbio destinadas ao cumprimento de obrigações de administradoras de cartão de crédito ou de bancos comerciais ou múltiplos na qualidade de emissores de cartão de crédito decorrentes de aquisição de bens e serviços do exterior efetuada por seus usuários, observado o disposto no inciso III: dois por cento; II - sobre o valor ingressado no País decorrente de ou destinado a empréstimos em moeda com os prazos médios mínimos de até noventa dias: cinco por cento; III - nas demais operações de câmbio, inclusive nas destinadas ao cumprimento de obrigações de administradoras de cartão de crédito ou de bancos comerciais ou múltiplos na qualidade de emissores de cartão de crédito decorrentes de aquisição de bens e serviços do exterior quando forem usuários do cartão a União, Estados, Municípios, Distrito Federal, suas fundações e autarquias: zero. § 2º No caso de operações de empréstimo em moeda via lançamento de títulos, com cláusula de antecipação de vencimento, parcial ou total, pelo credor ou pelo devedor (put/call), a primeira data prevista de exercício definirá a incidência do imposto prevista no inciso II. § 3º O Ministro de Estado da Fazenda, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, fiscal e cambial, poderá estabelecer alíquotas diferenciadas para as hipóteses de incidência de que trata este Título (Lei nº 8.894, de 1994, art. 5º, parágrafo único)". 23 V - CONCLUSÃO Entendemos, assim, da análise do sistema tributário brasileiro, em nível constitucional e legal, que o tributo pode assumir feição de sanção por descumprimento de obrigação devida pelo contribuinte, esta não necessariamente de cunho tributário. O tributo sancionador encontra, no antecedente da norma de tributação, o não cumprimento de norma obrigacional anterior, provocando, no consequente da norma, a instalação da relação jurídico-tributária ou a maior oneração desta relação no seu critério quantitativo. No entanto, referida tributação é exceção dentro do sistema tributário nacional. Nesta condição, para que a norma tributária desta natureza mesmo seja válida, devemos identificar autorização constitucionalmente qualificada que permita a atribuição de efeito sancionador à atividade tributária. No plano legal, face o conceito fixado pelo Código Tributário Nacional de tributo, em seu art. 3º, como sendo necessariamente decorrência de ato lícito, somente a lei complementar poderá firmar outras hipóteses de tributo sancionador, derrogando, pela especialidade, a disposição originalmente codificada. Por fim, a causa do tributo, nesta hipótese, não poderá ser atrelada aos conceitos tradicionalmente firmados pela doutrina, como capacidade contributiva, retributividade etc., posto tratar-se de exceção de cunho nitidamente extrafiscal. Revela-se, neste particular, a sanção como sendo a causa do tributo, validando a norma tributária no ordenamento jurídico. 24 VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMATUCCI, Andrea (Coord). Tratado de Derecho Tributário. Bogotá: Temis, Bogotá, 2001. v. 1. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. Atual. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Rio de Janeiro: Forense, 1999. BARROS, Paulo de. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Alba. v. 1. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999. DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. 25 FLORI, Mario Alberto et al. I tributi in Itália. Milão: CEDAM, 1995. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ______. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1986. LUPI, Raffaello. Diritto Tributário: parte generale. 5. ed. Giuffrè. MOSCHETTI, Francisco. El principio de la capacidad contributiva. In: AMATUCCI, Andrea (Coord.). Tratado de Derecho Tributário. v. 1. Bogotá: Temis, 2001. PISTONE, Antonio. L’ordinamento Tributário. Padova: CEDAM, 1986. TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. VILLEGAS, Héctor. Curso de finanzas, derecho financiero y tributário. 8. ed. Buenos Aires: Astrea, 2003. 26