ESTILAQUE FERREIRA DOS SANTOS
Os atos e as atas
II -O discurso dos vereadores e a gestão da cidade
Estilaque Ferreira dos Santos
HISTÓRIA DA CÂMARA MUNICIPAL
DE VITÓRIA
Os atos e as atas
Volume 2
O discurso dos vereadores e a gestão da cidade
Vitória
Câmara Municipal de Vitória
2014
© 2014 ESTILAQUE FERREIRA DOS SANTOS
CÂMARA MUNICIPAL DE VITÓRIA
Fabrício Gandini
Presidente
Davi Esmael
1º vice-presidente
Rogerio Pinheiro
2º vice-presidente
Marcelão
3º vice-presidente
Neuzinha Oliveira
1º secretário
Zezito Maio
2º secretário
Wanderson Marinho
3º secretário
Luiz Emanuel
Luisinho Coutinho
Max da Mata
Namy Chequer
Reinaldo Bolão
Sandro Parrini
Serjão
Vinicius Simões
Editoração: Alejandro Pineda Aguilar
Revisão: José Carlos Araújo e Elmina Vieira de Gouveia Ferreira dos Santos
Capa: Alexandre Guimarães
Foto da Capa: Antigo Edifício da Câmara Municipal de Vitória.
Impressão e Acabamento: Gráfica Central Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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S237h
SANTOS, Estilaque Ferreira dos
História da Câmara Municipal de Vitória: os atos e as atas / Vitória, ES:
Câmara Municipal de Vitória, 2014.
740p. (V. 2 - O discurso dos vereadores e a gestão da cidade);
ISBN 978-85-68724-01-9
1.Câmara Municipal de Vitória/ES - História. 2. Espírito Santo (Estado) -
História.
3.
Espírito
Santo (Estado) - Política. 4. Vereadores – Vitória/ES. 5. Discursos.
I.
Santos, Estilaque Ferreira dos. II. Título
CDD: 981.52
CDU:
821.134.3(81)-1
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Sumário
QUARTA PARTE – A CÂMARA NA ERA DO POPULISMO
CAPÍTULO I - A PRIMEIRA LEGISLATURA 1947-1951
De Ceciliano Abel de Almeida a Álvaro de Castro Matos ............................................. 5
A reabertura da Câmara .............................................................................................. 7
A Vitória “física” e social em 1948.............................................................................. 15
Uma legislatura de oposição .......................................................................................... 22
A produção legislativa ................................................................................................... 32
CAPÍTULO II - A SEGUNDA LEGISLATURA 1951-1955
De José Ribeiro Martins a Armando Duarte Rabelo ...................................................... 35
Uma grande renovação na Câmara ................................................................................ 37
Técnicos nos cargos mais importantes ............................................................................ 39
Mário Gurgel .............................................................................................................. 42
Armando Rabelo e os problemas da cidade ................................................................... 46
A produção legislativa .................................................................................................. 57
CAPÍTULO III - A TERCEIRA LEGISLATURA 1955-1959
De Sérynes P. Franco, Mário Gurgel e Adelpho P. Monjardim a Oswald Guimarães ...... 61
Uma legislatura conturbada ........................................................................................... 63
Um tiroteio na Câmara ................................................................................................ 71
A dissidência política .................................................................................................... 77
Adelpho Poli Monjardim .............................................................................................. 83
A demissão de Adelpho Monjardim e a nomeação de Mário Gurgel ................................ 87
A posse e a administração de Mário Gurgel ................................................................... 93
A produção legislativa .................................................................................................. 100
CAPÍTULO IV - A QUARTA LEGISLATURA 1959-1963:
A nova gestão de Adelpho P. Monjardim ...................................................................... 105
A produção legislativa .................................................................................................. 126
CAPÍTULO V - A QUINTA LEGISLATURA 1963-1967
A gestão de Solon Borges Marques .............................................................................. 129
O ano de 1965 ............................................................................................................ 143
Arabelo do Rosário o Vereador da Educação ............................................................... 145
A denúncia da elevação do custo de vida ...................................................................... 147
Um discreto apoio ao regime militar .............................................................................. 151
Apoios e críticas ao prefeito .......................................................................................... 153
A produção legislativa .................................................................................................. 156
QUINTA PARTE – A CÂMARA NA ERA DA DITADURA MILITAR
CAPÍTULO VI - A SEXTA LEGISLATURA: 1967-1971
A gestão Setembrino Pelissari ....................................................................................... 163
A derrota de Mário Cypreste ........................................................................................ 165
Galerias ..................................................................................................................... 170
Educação .................................................................................................................... 172
Velhos e novos problemas ............................................................................................. 176
Trânsito e transportes urbanos ...................................................................................... 178
Saúde ......................................................................................................................... 181
As novas questões ........................................................................................................ 182
A formação da metrópole ............................................................................................. 185
A crítica política .......................................................................................................... 188
A Câmara, o governo Christiano Dias Lopes e os incentivos fiscais ............................... 191
A Câmara e o Esquadrão da Morte ............................................................................ 193
O Ato Institucional nº. 5 – AI-5 ................................................................................ 196
A produção legislativa ................................................................................................. 202
CAPÍTULO VII – A SÉTIMA LEGISLATURA: 1971-1973
O início da gestão de Chrisógono Teixeira da Cruz ....................................................... 205
Uma legislatura muito curta ......................................................................................... 207
A produção legislativa .................................................................................................. 227
CAPÍTULO VIII – A OITAVA LEGISLATURA: 1973-1977
De Chrisógono Teixeira da Cruz a Setembrino Pelissari ............................................... 231
A Câmara de Vitória e a siderurgia no Espírito Santo ................................................ 235
A repercussão do caso Araceli ...................................................................................... 241
As autarquias ............................................................................................................ 245
Chrisógono Teixeira da Cruz ....................................................................................... 250
As eleições de 1974 ..................................................................................................... 262
O retorno de Setembrino à Prefeitura de Vitória ........................................................... 274
A produção legislativa .................................................................................................. 281
CAPÍTULO IX – A NONA LEGISLATURA: 1977-1983
De Setembrino Pelissari a Wander Bassini e Carlito Von Schilgen ................................ 285
Suspeitas sobre a eleição da Mesa Diretora .................................................................... 287
Aumentam as reivindicações ......................................................................................... 292
Crise Política Municipal .............................................................................................. 299
Após as eleições de 1978 - Eurico Rezende e Carlito Von Schilgen ............................... 308
A produção legislativa .................................................................................................. 325
CAPÍTULO X – A DÉCIMA LEGISLATURA: 1983-1989
De Berredo de Menezes e José Moraes a Hermes Laranja .............................................. 329
Berredo de Menezes e suas “berredices” ......................................................................... 331
A eleição de Hermes Laranja ....................................................................................... 353
De olho no Plano Cruzado e nas eleições de novembro de 1986 ....................................... 358
Corrupção ................................................................................................................... 366
A produção legislativa .................................................................................................. 382
SEXTA PARTE – A CÂMARA NA ERA DA REDEMOCRATICAÇÃO
CAPÍTULO XI – A DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA: 1989-1993
A gestão de Vitor Buaiz .............................................................................................. 389
O início do governo ...................................................................................................... 391
O PT e a “Frente Vitória” .......................................................................................... 403
Um programa de obras da Prefeitura ............................................................................ 405
Educação .................................................................................................................... 409
Saúde ......................................................................................................................... 413
A “Era Collor” .......................................................................................................... 415
Oposição ..................................................................................................................... 421
O salário dos vereadores ............................................................................................... 428
Uma Câmara “insossa” .............................................................................................. 433
A produção legislativa ................................................................................................. 436
CAPÍTULO XII – A DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA: 1993-1997
A gestão de Paulo Hartung ......................................................................................... 439
Quase uma unanimidade ............................................................................................. 441
Berredo de Menezes e a CPI contra Vitor Buaiz .................;........................................ 448
A insegurança e a revitalização do centro de Vitória ..................................................... 452
Trânsito, Transcol e Região Metropolitana ................................................................... 455
Corrupção ................................................................................................................... 458
“Tardes Mórbidas e inúteis” ........................................................................................ 462
Educação .................................................................................................................... 464
Oposição ..................................................................................................................... 469
Novos Temas .............................................................................................................. 473
PDU .......................................................................................................................... 475
Produção Legislativa ................................................................................................... 475
CAPÍTULO XIII – A DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA: 1997-2000
O primeiro mandato de Luiz Paulo Velloso Lucas ....................................................... 479
A Presidência de César Colnago .................................................................................. 481
Saúde ......................................................................................................................... 486
Violência e Insegurança Coletiva .................................................................................. 488
O Projeto Terra ........................................................................................................... 492
Os “prefeitinhos” e a Região Metropolitana .................................................................. 493
A Câmara e a campanha eleitoral de 1998 .................................................................. 495
Os problemas da cidade ................................................................................................ 598
A produção legislativa ................................................................................................. 505
CAPÍTULO XIV – A DÉCIMA QUARTA LEGISLATURA: 2001-2004
O segundo mandato de Luiz Paulo Velloso Lucas ......................................................... 511
Um “semestre conturbado” ........................................................................................... 513
Um novo “diálogo” ...................................................................................................... 522
2002 .......................................................................................................................... 528
Um crime que chocou o país ........................................................................................ 533 A Criação da Guarda Municipal .............................................................................. 535
Saúde ......................................................................................................................... 537
O salário dos servidores municipais ............................................................................... 540
A campanha eleitoral ................................................................................................... 543
O supermercado Walmart ............................................................................................ 547
O fim do Vital – o carnaval fora de época .................................................................... 548
A produção legislativa ................................................................................................. 549
CAPÍTULO XV – A DÉCIMA QUINTA LEGISLATURA: 2005-2008
O primeiro mandato de João Coser ............................................................................... 553
Um primeiro semestre “sem discussões calorosas” .......................................................... 555
Um programa de governo .............................................................................................. 558
O combate ao nepotismo na Câmara ............................................................................. 560
O mensalão ................................................................................................................. 562
Salários ...................................................................................................................... 567
Segurança ................................................................................................................... 569
O IPTU e a carga fiscal ............................................................................................... 576
A poluição aumenta e os vereadores denunciam ............................................................. 578
Obras ......................................................................................................................... 581
Transtornos na cidade .................................................................................................. 582
Cassação ..................................................................................................................... 583
A reeleição da Presidência da Câmara: um contraponto ................................................. 585
A produção legislativa .................................................................................................. 586
CAPÍTULO XVI – A DÉCIMA SEXTA LEGISLATURA: 2009-2012
O segundo mandato de João Coser ................................................................................. 591
Seis anos na Presidência .............................................................................................. 593
Crise .......................................................................................................................... 596
Faltam novas leis e sobram homenagens ........................................................................ 600
Educação .................................................................................................................... 603
O trânsito, o transporte público e o BRT ...................................................................... 611
A dívida e a paralisação das obras: o “Orçamento Enganativo” ................................... 617
O caso do “caseiro” ..................................................................................................... 625
Desapropriações .......................................................................................................... 628
O último ano de um “governo problemático” ................................................................. 629
A produção legislativa .................................................................................................. 633
CAPÍTULO XVII – O INÍCIO DA DÉCIMA SÉTIMA LEGISLATURA:
2013-2014
A gestão de Luciano Rezende ...................................................................................... 637
Os novos vereadores ..................................................................................................... 639
Suplentes que assumiram o mandato de Vereador ........................................................ 652
Um ano de atuação ..................................................................................................... 654
Segurança ................................................................................................................... 655
As grandes manifestações de junho de 2013 ................................................................. 663
Insatisfação ................................................................................................................. 670
A produção legislativa ................................................................................................ 673
NOTAS ................................................................................................................... 675
FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 739
ÍNDICE ONOMÁSTICO ................................................................................... 741
B
ato na mesma tecla. Falo para as quatro paredes, porque nem mesmo os colegas se interessam
pelo que se pronuncia desta tribuna.
Claudionor Lopes Pereira
Vereador recordista, com oito mandatos consecutivos na Câmara de Vitória.
QUARTA PARTE A CÂMARA NA ERA DO POPULISMO
CAPÍTULO I
A PRIMEIRA LEGISLATURA
1947 - 1951 De Ceciliano Abel de Almeida a Álvaro de Castro Matos
A Primeira Legislatura 1947-1951
A REABERTURA DA CÂMARA
Após um longo período de inatividade, a Câmara municipal de Vitória reiniciou
suas funções em 1947, dois anos depois do fim da ditadura de Getúlio Vargas. Chamado
eufemisticamente por seus adeptos de “Estado Novo”, o regime comandado por Vargas
havia sido instaurado formalmente no país em 10 de novembro 1937. Ele já governava o
país desde 1930, mas havia a determinação, contida na Constituição de 1934, de que, para sua
sucessão, seriam realizadas eleições presidenciais em janeiro de 1938. No entanto, a promessa
de Vargas de que as eleições seriam realizadas “numa saudável atmosfera de liberdade”, não
se consumou, mas o seu projeto continuista sim, instaurando-se no país, com o apoio de
forças políticas civis e militares, um agressivo regime ditatorial que durou até 1945.
E como consequência da implantação de um regime abertamente autoritário - um
fato que ocorria pela primeira vez na história republicana brasileira -, interrompeu-se o funcionamento da Câmara municipal de Vitória, e de todas as câmaras e assembleias do país, por
mais de dez anos, o que nunca havia acontecido na nossa história.
O reinício da atuação da Câmara em 1947 junto com a própria eleição dos novos
vereadores foram fortemente impactados pela conjuntura política nacional e estadual de redemocratização e pelas vicissitudes do governo do general Dutra (1946-1951).
As forças políticas que apoiaram a eleição de Dutra no Espírito Santo, em dezembro de 1945, e que por causa disso dispunham de prestígio no plano federal, se dividiram
com a realização do pleito para governador do Estado e para o Legislativo estadual, realizado
em janeiro de 1947. O PSD, partido que havia aglutinado a maior parte dos correligionários
de Dutra, não conseguiu apresentar uma candidatura de consenso, e surgiram nele duas
candidaturas que marcariam de forma pronunciada a política capixaba daquela época: a do
deputado federal Carlos Lindenberg, pelo PSD, e a do senador Atílio Vivácqua, que acabou
por se filiar ao Partido Republicano, o PR.
7
História da Câmara Municipal de Vitória
Lindenberg era o herdeiro político de uma das famílias mais influentes da política
capixaba: a família Monteiro, de Cachoeiro de Itapemirim, que praticamente dominou a política capixaba até 1930, principalmente com seus tios, Jerônimo e Bernardino Monteiro. Ele
fora secretário da Fazenda e da Agricultura, no governo do interventor Punaro Bley (19301943), e ativo participante da reorganização do PSD estadual, partido pelo qual se elegeu
como deputado federal para a Constituinte de 1946.01
Vivácqua, por sua vez, era filho do imigrante Antônio Vivácqua, fazendeiro e comerciante em Muniz Freire, no sul do Estado. Após se eleger Vereador em Cachoeiro de Itapemirim e atuar na colonização da região do rio Doce, Vivácqua foi Secretário da Educação
do governo de Aristeu Borges de Aguiar, o político serrano deposto pela Revolução de 1930.
Exerceu a advocacia no Rio de Janeiro - tornou-se presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil e professor de Direito na Faculdade Nacional de Direito -, onde era considerado
um advogado brilhante. Apesar de ter militado ao lado das forças derrotadas por Vargas,
também se filiou ao PSD em 1945, apoiou resolutamente a candidatura de Dutra e elegeu-se
senador pelo Espírito Santo com expressiva votação. No Senado, fez parte da Comissão de
Constituição e ajudou a redigir o projeto da nova Constituição de 1946. Apresentou diversos
projetos inovadores no Parlamento nacional, em vários campos: na preservação das riquezas nacionais, em benefício do setor agrário, e na defesa do municipalismo, razão pela qual
sempre gozou de muita estima e consideração na Câmara municipal de Vitória – que, mais
recentemente, lhe prestou sensível homenagem ao dar seu nome à sua sede, o “Palácio Atílio
Vivácqua”, projetado pelo renomado arquiteto Carlos Alberto Vivácqua Campos.
No pleito de 1947, Lindenberg foi apoiado pelo ex-interventor Jones dos Santos
Neves, também de seu partido, e por uma parte da UDN, partido que era liderado no Estado
por seu irmão Fernando Lindenberg, e que se opunha acirradamente no plano nacional ao
PSD. Vivácqua saiu candidato pelo PR com o apoio da chamada “Coligação Democrática”,
que incluía o Partido Democrata Cristão, o PDC, liderado pelo ex-interventor Punaro Bley.
O PTB e o PRP, por sua vez, apoiaram Lindenberg, mas o Partido Comunista Brasileiro, o
PCB, teve uma postura ambivalente e apoiou Atílio Vivácqua para o governo e Jones dos
Santos Neves para o Senado.02
A vitória de Lindenberg e da aliança PSD-UDN foi muito expressiva: ele obteve
8
A Primeira Legislatura 1947-1951
quase 65% dos votos contra os 35% dados a Vivácqua. E no pleito para a Assembleia Legislativa, realizado no mesmo dia, o PSD obteve quatorze cadeiras, contra seis da UDN, quatro
do PR, duas do PDC, duas do PTB, duas do PRP, uma do PCB e uma do PRD. Esse resultado
atesta que havia uma grande fragmentação partidária das forças políticas do Espírito Santo.03
Poucos meses após a eleição para governador, no entanto, em 30 de novembro de
1947, realizou-se o pleito para a composição da Câmara municipal. Essa foi a primeira eleição
municipal após o retorno do regime democrático, em 1945.
Na eleição da capital, além de ocorrer um baixo comparecimento às urnas, notou-se a existência de uma opinião política desfavorável ao recém empossado governo estadual
e ao seu preposto na prefeitura, com a eleição de apenas dois vereadores do PSD, o partido
do governo. Na opinião de Areobaldo Lellis, que escrevia uma influente coluna na primeira
página de A Gazeta: “Inaugurado havia oito meses, sob os melhores auspícios, já começava
cedo o governo a sentir não estar mais pisando terreno firme no seio da opinião pública, o
qual se mostrava movediço, fugindo-lhe aos pés, com a orientação administrativa e política
que vinha sendo dada aos problemas de uma e outra natureza a enfrentar.”04
Dessa forma, a Câmara voltou a funcionar já a 31 de dezembro de 1947. Nesse
dia, prestigiando a posse dos novos vereadores, compareceram várias autoridades: além do
prefeito Ceciliano Abel de Almeida, que havia sido nomeado pelo governador Carlos Lindenberg e já exercia o cargo há oito meses, também compareceu o presidente da Assembleia
Legislativa Estadual, o Dr. Waldemar Mendes de Andrade,
do PSD, o mesmo partido do governador.
Na ocasião, o Vereador mais votado, Hermógenes
Lima Fonseca - que fora eleito pelo Partido Republicano, o
PR, dado que o seu verdadeiro partido, o Partido Comunista Brasileiro, tinha sido proscrito pelo governo federal no
início do mesmo ano de 1947 -, foi encarregado de proferir
o compromisso de posse. Hermógenes viria a ser um dos
vereadores de destaque na legislatura.
Hermógenes Lima Fonseca
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
9
História da Câmara Municipal de Vitória
Assim, na sessão inaugural foi eleito como presidente da Câmara Ithobal Rodrigues Campos, da UDN, com oito votos, e foram dados sete votos ao Vereador Ethereldes
Queiroz do Valle do PR, que se tornaria seu opositor. Como vice-presidente foi eleito José
Francisco de Paula, do PSD.
Além dos vereadores já mencionados, a Câmara também era composta por: Alceu
Moreira Pinto Aleixo, do PR; Ayrton Loureiro Machado, do PR; Pedro Maia de Carvalho, da
UDN; Oscar Paulo da Silva, do PTB; Oscar Rodrigues de Oliveira, do PR; Augusto Sergipense Pena Júnior, do PR; Máximo Vieira Varejão, do PSD; Altamir Faria Gonçalves, do PTB;
Wolghano Neto, do PDC; Otacílio da Silva Lomba, da UDN e Aristóteles da Silva Santos, do
PR. Totalizavam uma bancada de quinze vereadores, dos quais sete eram do Partido Republicano, três da União Democrática Nacional, dois do Partido Social Democrático, dois do
Partido Trabalhista Brasileiro e um do Partido Democrata Cristão.05
No princípio da legislatura, a Câmara ainda não tinha sede permanente e passou
a funcionar provisoriamente no edifício da Assembleia Legislativa Estadual, no centro da
cidade, por concessão temporária dessa Casa. Mas essa situação incomodou bastante aos
vereadores, que exigiam uma providência do prefeito a respeito.
Uma vez que a Câmara não funcionava havia dez anos, o novo presidente Ithobal
ficou em dúvida a respeito do encaminhamento dos trabalhos e sentiu-se na obrigação de
consultar seus pares sobre se deveria, ou não, seguir integralmente o regimento existente, que
ainda era o de 1937, uma vez que ele não se coadunava “com a época atual”, segundo Ithobal.
Sua proposta foi aprovada, com a ressalva de que o velho regimento não deveria ser acatado
naquilo que colidisse com a Constituição Federal, com a Estadual e com a Lei Orgânica Municipal, até que fosse votado um novo regimento, o que só aconteceu no final da presidência
de Ithobal. Na mesma sessão foi aprovado o funcionamento noturno da Câmara. Da mesma
maneira, foram escolhidos os componentes das seguintes comissões: a Comissão de Justiça
e Redação das Leis; a Comissão de Orçamento, Finanças, Exame de Contas e Balanço; a
Comissão de Posturas; e a Comissão de Obras, Saúde e Higiene Pública.06
A necessidade premente de um novo regimento para a Câmara, tendo em vista a
obsolescência do que caíra em desuso em 1937 com o fechamento da Câmara, decorria
10
A Primeira Legislatura 1947-1951
igualmente do fato de que havia sido aprovada recentemente pela Assembleia Legislativa
Estadual uma nova Lei de Organização Municipal, que continha, segundo alguns analistas,
muitos tópicos polêmicos e confusos. Edgard Castro, por
exemplo, apontou a incongruência entre o Artigo 60 da
nova Constituição Estadual, ao estabelecer que o funcionário público estadual ou municipal investido da função
de Vereador não era obrigado a se afastar do cargo, e a Lei
Orgânica Municipal, elaborada pela mesma Assembleia,
que, em seu Artigo 33, determinava que nenhum Vereador poderia exercer cargo, comissão ou emprego público
Ithobal Rodrigues Campos
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
07
municipal remunerado.
Assim, já nessa primeira sessão começaram a aparecer as divergências ideológicas
existentes entre os vereadores. Ao usar da palavra, Pedro Maia de Carvalho - militar de
profissão e atuante membro da bancada da UDN - manifestou estranheza pelo fato de o
Vereador Hermógenes Lima Fonseca, apesar de ter sido eleito pelo Partido Republicano, ter
feito em seu discurso de posse uma “concreta profissão de fé comunista, declarando sentir-se honrado em haver pertencido ao Partido Comunista e continuar professando aquele
credo, bem como obedecer nesta Casa às ordens do Senhor Luiz Carlos Prestes”. De forma
um tanto quanto provocativa, Pedro Maia exigiu que Hermógenes fizesse “uma declaração
pública dizendo se pertence ao Partido que o elegeu e segue a sua orientação ou continua ligado à orientação dos
comunistas”. Como era de se esperar, ele foi aparteado
por Hermógenes, que retrucou e assegurou que “de acordo com a Constituição Federal vigente, lhe é permitido
professar qualquer credo político ou religioso”. Vários
outros vereadores tomaram parte no debate, que acabou
por provocar a manifestação das galerias e a intervenção
do presidente no sentido de evitar que a balbúrdia tomasPedro Maia de Carvalho
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
se conta da sessão. Não satisfeito com isso, o Vereador
Pedro Maia ainda apresentou voto de congratulações com
o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato derrotado à presidência do país pela UDN em 1945,
11
História da Câmara Municipal de Vitória
“pela conduta que vem mantendo aquele cidadão na política nacional”. Em contrapartida,
Hermógenes apresentou requerimento no sentido de ser enviado um telegrama de felicitações ao senador Luiz Carlos Prestes.08
A propósito desse episódio, Hermógenes relembrou a sua estreia como parlamentar, em uma entrevista denominada “A breve passagem do PCB pelo parlamento capixaba”
- da série “Partidos do Espírito Santo” -, concedida ao jornalista Rogério Medeiros. Ele
declarou: “Logo na sessão solene da instalação da Câmara, eu fiz um pronunciamento na
presença, inclusive, de autoridades, protestando contra a iminente cassação dos mandatos
dos parlamentares comunistas e assegurei que lamentava profundamente não ter sido eleito
pela legenda do Partido Comunista Brasileiro. Mas, como se tratava de uma sessão solene,
isso não ficou registrado em ata. Na sessão seguinte, eu fui convidado pelo Vereador Pedro
Maia de Carvalho a ir à Tribuna retratar-me. Eu respondi que estava de acordo com a Constituição que nos dava liberdade para credos políticos e religiosos. Resultou aí um início de
cassação de mandato, mas que não foi levado em consideração, pois foi até arquivado depois
pelo Tribunal Regional Eleitoral”.09
O experiente Vereador Sergipense Pena aproveitou a oportunidade e fez também
um retrospecto de sua atuação na extinta Câmara de 1937. Ele confessou jamais haver pertencido ao Partido Comunista e, mesmo assim, fez um veemente ataque ao Sr. Getúlio Vargas, a quem ele acusava de ter “imposto uma ditadura fascista no país”. Sergipense Pena era
ferrenho adversário do fascismo brasileiro, representado pelos integralistas, e mesmo após
o fim da ditadura de Vargas continuava combatendo seus antigos adversários. Em julho de
1948, por exemplo, ele denunciou da tribuna da Câmara a realização de um congresso integralista em Campinas, considerando que ele era um “escárnio à Nação brasileira”, e que era
necessário “barrar o recrudescimento do integralismo”.10
Na sessão seguinte, esse mesmo Vereador rebateu e criticou o noticiário do “matutino” A Gazeta, com relação à sessão de instalação da Câmara, que o jornal apresentara como
dominada pela “balbúrdia”. Para Pena, a forma como o noticiário fora redigido “estabelecia
um choque entre esta Câmara e o povo de Vitória, extremamente prejudicial aos interesses
da Cidade”. Ele acreditava que o jornal procurava acintosamente colocar a população contra a Câmara, sem razão. Seu colega Otacílio Lomba, jornalista de A Gazeta, aparteou-o, e
12
A Primeira Legislatura 1947-1951
afirmou que, na qualidade de redator do jornal, o visitara várias vezes na cadeia após o golpe
de 1937, quando Pena esteve preso, e presenciara os seus sofrimentos morais e físicos. Lomba ainda acrescentou que defendera Sergipense Pena nas colunas de seu jornal e procurou
demonstrar “a injustiça daquela reclusão”. Mesmo assim, Pena reafirmou suas críticas ao
jornal.11
Em outra sessão, o conceituado Vereador Ayrton Machado criticou a grande abstenção ocorrida no último pleito para a Câmara municipal, atribuindo-a “à maneira como
têm se conduzido os representantes do povo na Câmara Federal e nas Câmaras Estaduais
e Municipais do país, os quais, ao invés de se preocuparem com os problemas que mais de
perto afligem o povo, gastam todo o tempo das sessões legislativas com discussões estéreis
e divagações demagógicas”.12
Na mesma ocasião, Alceu Aleixo apresentou longo requerimento, no qual requisitou várias informações ao prefeito municipal. Ele apresentou, na verdade, um autêntico programa de governo, que dava bem uma ideia dos problemas que a cidade de Vitória enfrentava
naquela época, e por isso vale a pena transcrever suas propostas.
Otacílio da Silva Lomba
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Ayrton Loureiro Machado
Alceu Moreira Pinto Aleixo
Perguntava Alceu Aleixo:
a)
Quais as providências adotadas pela Prefeitura para a execução do decreto-lei
13
História da Câmara Municipal de Vitória
estadual que autorizou o Executivo municipal a contrair empréstimo de Cr$ 10.000,00 com
a Caixa Econômica Federal?
b)
Em que pé se encontram as negociações para dito empréstimo?
c) Se realizada a citada operação estará a Prefeitura financeiramente aparelhada
para a execução do plano de obras públicas?
d)
Se do referido plano constam os seguintes empreendimentos, no todo ou em
parte:
o
esgotos, calçamento e urbanização dos seguintes bairros: Praia Comprida e
do Suá, Maruípe, Santo Antônio, Vila Rubim e Jucutuquara;
o
construção de três mercadinhos na Praia Comprida, Jucutuquara e Santo An-
tonio;
o
desapropriação do domínio útil e aterro de todo o mangal compreendido
entre o Forte de São João e a Praia Comprida;
o
aquisição de terreno, construção e aparelhagem de Hospital de Pronto So-
corro;
o
aquisição de terreno, construção e aparelhagem de um Ginásio municipal
desportivo, com quadras de basquete, voleibol, tênis e piscina para nele ser instalada a Federação Desportiva Espírito-Santense;
o
reforma do calçamento dos passeios e arborização das ruas centrais da Capi-
tal;
o
aquisição de terreno, construção e aparelhagem de edifício destinado a abrigar as Associações Literárias e Científicas da Capital bem como o Museu Histórico e uma
Exposição permanente de produtos capixabas;
o
aquisição de uma área para a construção das Casas Populares, por intermédio
da respectiva Fundação;
14
A Primeira Legislatura 1947-1951
o
estudos e reforma da rede de águas pluviais;
o
estudos de arruamento, água encanada e esgotos e melhoria das condições
higiênicas dos morros;
o
reforma da iluminação pública da cidade;
o
construção de um cemitério em Maruípe;
o
aquisição de terreno, construção de edifício destinado não só à sede da Prefeitura mas também à da Câmara municipal;
o
aquisição de terreno e construção de um grande hotel;
e)
caso contrário, quanto se torna necessário para execução do plano assim am-
pliado.13
A VITÓRIA “FÍSICA” E SOCIAL EM 1948
O programa de obras esboçado por Alceu Aleixo revelava uma preocupação prioritária com bairros como os da Praia Comprida, atualmente denominado Praia do Canto, Praia
do Suá, Maruípe, Santo Antônio, Vila Rubim e Jucutuquara. Nesse sentido, é muito instrutivo
relembrar aqui a descrição que foi feita dos bairros de Vitória, na mesma época da primeira
legislatura, por Adelpho Poli Monjardim, que ainda viria a se tornar prefeito de Vitória poucos anos depois. Afirmou Monjardim:
Vitória, praticamente, divide-se em dezessete zonas ou bairros, excetuando-se o centro.
Este ocupa, com rigor, posição equidistante da Praia Comprida e Santo Antonio, seus bairros extremos. Situa-se entre a Capixaba, a leste, e o Moscoso, a oeste. Divide-se em cidade baixa e cidade
alta. Na cidade baixa situa-se a Praça Oito de Setembro, centro geográfico, econômico e político
da capital e ponto de reunião onde se debatem e discutem todos os assuntos. Em artística torre de
dezoito metros de altura, o relógio público anuncia as horas aos acordes do hino espírito-santense.
Dos edifícios importantes que a circundam notam-se os da Alfândega e do Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo S/A. A face para o mar defronta-se com o Cais do Porto, seus guindastes e
os grandes navios atracados.
15
História da Câmara Municipal de Vitória
É ainda no centro que se encontram os principais estabelecimentos de crédito, cinemas, jornais,
Câmara municipal, a Prefeitura e o alto comércio. O Palácio do Governo, a Escola Normal Pedro II,
o Congresso, o Fórum, a Catedral e a Biblioteca Pública, situam-se na cidade alta.
O bairro do Moscoso recebeu a denominação do magnífico parque, um dos mais belos do país. É o
bairro aristocrático da capital.
O Forte de São João, intermediário entre a Capixaba e Jucutuquara, é um bairro pequeno. Por largo
tempo, foi quase que exclusivamente operário, porém vem tomando apreciável incremento e já apresenta excelentes construções de moradia e comerciais.
Vila Rubim, antiga Cidade da Palha, era o reduto da pobreza e os casebres enxameavam pelos
morros. Hoje é centro de forte e ativo comércio, graças à situação de passagem obrigatória para o
continente e vice-versa, pois sobre os seus terrenos desemboca a ponte Florentino Avidos. Ao governador Francisco Alberto Rubim, que dirigiu a capitania do Espírito Santo, de 1812 a 1819, deve
o seu nome.
A ilha de Santa Maria, fronteira a Jucutuquara, não constitui, propriamente, um bairro. É um aglomerado de casebres, sem ordem, sem alinhamento, sobre o aterro que a liga a Jucutuquara. É,
também, o pesadelo da Prefeitura, incapaz para conter a onda das construções que brotam como
cogumelos. Pelo plano de urbanização será um dos mais belos arrabaldes de Vitória.
Não se sabe se por fatalidade geográfica, tem a ilha do Príncipe a mesma sina da de Santa Maria.
A pobreza apossou-se das terras e mangais para erguer a bizarra e pitoresca cidade de querosene e
sapê. Como a de Santa Maria, brilhante futuro lhe está reservado. Será o bairro da opulência, onde
se erguerão as vivendas dos eleitos da fortuna.
Sobre a ilha do Príncipe repousam, às cabeceiras da ponte Florentino Avidos, seções do continente
e de Vitória. Sobre seus terrenos passam os trilhos da Estrada de Ferro Vitória a Minas, dirigindo-se
para o Cais do Porto.
Dentre os mais antigos bairros figura o de Maruípe. O seu desenvolvimento processa-se lentamente,
não obstante abrigar o esplêndido quartel que o governo do Estado construiu para a Polícia Militar
e que é ocupado pelo Grupo de Artilharia Móvel de Costa. As causas são apontadas pela carência
16
A Primeira Legislatura 1947-1951
de meios de transporte rápido e barato e que seriam sanadas com o prolongamento dos trilhos da
Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, que ora terminam em Jucutuquara. Entretanto,
desenvolveu-se, subdividindo-se em outros conhecidos por Muxinga, Mulembá e Gurigica, todos
prósperos, bem povoados com predominância das classes menos abastadas.
Maruípe é notável pela excelência do clima e condições de salubridade. Em suas montanhas se acha
edificado o Sanatório Getúlio Vargas.
Entre o Santo Antonio e a Vila Rubim, apertado pelos mangues contra a montanha, alastra-se o
casario de Caratoíra, em sua totalidade constituído de modestas casas.
O Constantino é uma pequena seção entre Gurigica e Suá. Vem experimentando vigoroso surto de
progresso com novas construções e a esplêndida vila edificada pelo Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Industriários.
No extremo oeste da cidade e ponto terminal da linha de bondes, o Santo Antonio se derrama, pletórico, pelas baixadas adjacentes, tabuleiros e montanhas. É dos mais prósperos e populosos bairros,
calculando-se a sua população superior a 7.000 almas. Entre outras coisas dignas de nota, abriga o
Cemitério municipal, o amplo e moderno edifício da Obra Social São José, sob a direção dos padres
pavonianos, e o Aeroporto.
Para a zona leste, apesar dos seus cabelos brancos, o Suá tem progredido pouco. Explica-se o fenômeno pelo aparecimento do bairro de Praia Comprida.
Em outras épocas, ponto terminal dos carris de tração animal, o Suá foi muito procurado pelos
banhistas, que em suas praias buscavam lenitivo para os rigores da canícula. Hoje a sua rival, com
melhores praias e admirável traçado urbanístico, de autoria de um dos mestres do urbanismo nacional, Dr. Saturnino de Brito, monopolizou as preferências da população.
Menos importante, em comércio e população que Jucutuquara e Santo Antonio, é, entretanto, Praia
Comprida o bairro líder, refúgio das classes abastadas. É um bairro de ruas amplas, bem traçadas e
largura nunca inferior a vinte metros. Dentre as avenidas merece destaque a de Nossa Senhora da
Penha, com três e meio quilômetros de extensão por trinta de largura e calçada a paralelepípedos.
Nela se acha instalada, em suntuoso edifício, a Obra Social Santa Luzia.
17
História da Câmara Municipal de Vitória
Magnífica praia borda o recôncavo banhado por um mar eternamente calmo, verdadeiro lago com
duas enormes ilhas, dos Frades e do Boi, a conter as arremetidas do largo oceano.
A Praia é o ponto terminal da linha de bondes para a zona leste e também da de ônibus.
Além dos belos edifícios residenciais, merecem registro o da Western Telegraph, do Hospital Infantil
e da igreja de Santa Rita de Cássia.
A Bomba, debruçada sobre o canal da Passagem, limite norte da ilha é bairro em formação. Por
estar próximo ao de Praia Comprida será, por contingência, beneficiado com a sua expansão rápida
e crescente.”14
Era essa, portanto, em 1948, conforme a descrição de Adelpho Monjardim, a cidade
“física” que a Câmara municipal de Vitória tinha a responsabilidade de ajudar a administrar.
Mas é importante obtermos também uma visão do que era naquela época a cidade
“social”, ou seja, de como viviam as pessoas e de quais eram os seus principais problemas. E
ninguém foi mais preciso nessa informação do que o próprio Vereador Hermógenes Lima
Fonseca em um discurso que proferiu logo no início de seu mandato, e que é um documento
importante da história da Câmara - e por isso o transcrevemos aqui. Afirmou Hermógenes
em 1948:
Tenho a honra de ocupar a tribuna para tratar de assuntos que julgo dos mais relevantes para o povo.
Como sabemos, Vitória é uma cidade onde tudo que se consome é importado, o que equivale dizer
que quase nada produz. Gêneros não são produzidos no Município, pois além ser um Município de
território pequeno, grandes áreas próximas, que deveriam estar produzindo, estão incultas nas mãos
dos latifundiários, que esperam apenas valorização sempre decorrentes de serviços públicos como
estradas etc., para então venderem lotes por preços inacessíveis, enquanto esta falta de produção nas
terras próximas leva o povo a dificuldades cada vez maiores, crescendo assustadoramente o preço
das utilidades, especialmente alimentares.
Por outro lado, também não temos um regular desenvolvimento industrial, o que determina que o
número de desempregados seja cada vez maior, e isto por dois fatores fundamentais: 1º - a falta do
mercado para consumir produtos da indústria; e o 2º - o preço exorbitante da energia elétrica e pou-
18
A Primeira Legislatura 1947-1951
ca capacidade no fornecimento, o que torna os industriais desanimados, pois ficam impossibilitados
de produzirem mais em conta, e obterem compradores para seus produtos. O 1º fator é sem dúvida
o mais importante, e, para que seja resolvido o problema, somente a reforma agrária; porém o 2º
deve merecer de todos nós a maior atenção. Surge da necessidade de resolver este problema uma
pergunta: por que temos pouca energia elétrica, e muito cara, tornando o desenvolvimento industrial quase impossível? E a resposta salta aos olhos, porque o serviço de energia elétrica, em nossa
Capital, pertence por monopólio a uma Companhia imperialista, que não tem nenhum interesse em
fornecer força elétrica em quantidade bastante para o desenvolvimento de nossa indústria; porque
serviço básico como energia devia pertencer ao Estado ou Município, que são os interessados em
facilitar o desenvolvimento industrial, e para isto forneceriam a energia necessária. Ora, se o serviço
pertence a uma Companhia estrangeira imperialista, é lógico que visa exclusivamente a lucros, e não
tem o menor interesse no desenvolvimento da produção entre nós, daí não serem ampliados os
serviços de fornecimento de força e constantemente ser aumentado o preço. Mesmo porque como
a Companhia imperialista tem todo interesse em impedir nosso desenvolvimento, para que sejamos
obrigados a não fabricar nada, e ficarmos como compradores daquilo que os imperialistas fabricam
para nos vender, e ficarmos ao mesmo tempo obrigados à condição de fornecedores de matéria-prima barata; matéria-prima que por falta de energia deixamos de transformar em produtos para o
mercado.
É preciso ressaltar que necessitamos de democracia para podermos resolver os problemas econômicos e sociais de nosso povo, pois contrariamente aos que dizem que devemos ser apolíticos, digo
que devemos ser políticos, porém políticos no bom sentido da palavra, pois sem discussão livre dos
problemas não se pode chegar sequer a conhecê-los, e depois de conhecidos têm de ser resolvidos
politicamente. É com as leis que se solucionam os problemas econômicos, e as leis são atos políticos,
assim como política é a discussão dos problemas. Daí ser interesse dos negocistas, dos esfomeadores
do povo, dos vendilhões da Pátria ao imperialismo, liquidarem com a liberdade de pensamento, liberdade de reunião e discussão, liberdade de imprensa, liberdade de associação, liberdade de voto para
a escolha de representantes etc., e enfim liquidarem a democracia em nome do tal apoliticismo para
mais facilmente jogarem a Pátria na miséria e escravidão, sem que o povo possa protestar.
Estamos assistindo em nossa Pátria aos graves atentados aos direitos do povo, atentados estes, contra os quais lanço o meu mais veemente protesto. Assistimos a toda hora os mais brutais assaltos à
19
História da Câmara Municipal de Vitória
liberdade de imprensa; são jornais arbitrária e inconstitucionalmente suspensos, depredados e invadidos; são jornalistas e operários espancados como no caso do jornal Imprensa Popular. Assistimos
também, pela primeira vez na história política do Brasil, a legítimos representantes do povo, eleitos
pelo povo, exercendo o mandato, terem seus mandatos cassados por uma lei ordinária, quando a
Constituição não permite tal esbulho. E tudo isto por que e para quê? Para chegarem a suprimir
todas as liberdades públicas, e então continuarem vendendo o Brasil sem que ninguém diga coisa
alguma.
É bom assinalar que mal conseguiram os falsos patriotas roubarem os mandatos que o povo confiou
a legítimos representantes seus, e já se fala que o petróleo brasileiro será entregue à exploração da
Standard; mal roubaram os mandatos do povo, e já foi feito sociedade anônima da Companhia Nacional de Motores para passar ao controle do imperialismo ianque; mal roubaram os votos do povo,
e já estão novamente subindo assustadoramente os preços, enquanto os salários e vencimentos
permanecem os mesmos, baixos e miseráveis. É para isto que os esfomeadores do povo, com o Sr.
Dutra à frente, liquidam as liberdades públicas, implantando esta ditadura terrorista e disfarçada que
aí temos, onde ninguém se sente seguro, pois nas mãos deles a Constituição não passa de farrapo
de papel. Entretanto isto tem servido para mostrar ao povo quem são realmente democratas e seus
amigos, e quem são os falsos democratas, que capitulam frente aos inimigos do povo apenas para
se acomodarem.
Fiquemos certos de uma coisa, é de que o povo acompanha e sabe de quadro como este: sobre o
preço da vida. Antes do governo de traição nacional, (Dutra e os parlamentares capitulacionistas) em
1945, e agora, depois de dois anos de governo. (...)
E é para continuar nesta política de esfomeamento constante que cassam mandatos, que assaltam a
liberdade de imprensa e que impedem a organização do povo. Senhores vereadores, devemos impedir que continuem os desmandos ditatoriais, pois temos também responsabilidade na preservação
do regime democrático. Já vimos que as liberdades legais são conspurcadas para que os inimigos do
povo possam elevar cada vez mais o preço da vida e entregar nossa economia ao controle imperialista. E todo aquele que não defende, com as forças de que dispõe, as liberdades públicas, passa a ser
cúmplice nas dificuldades de vida que são criadas para o povo.
É preciso notarmos que os inimigos do progresso, os esfomeadores, os vendilhões da Pátria, cons-
20
A Primeira Legislatura 1947-1951
tituem um grupo reduzido, suas forças são pequenas, apenas estão ocupando postos de mando, mas
não têm base popular. Se tem dado certos golpes na democracia, é porque nós, os do povo, os que
constituímos a imensa maioria, que somos contrários à fome e à miséria, consequentemente contra
a reação, ainda não nos dispusemos corajosamente a dizer: basta de reação, e de fome.
Ainda temos subestimado as forças democráticas, e superestimado as forças do fascismo. Enquanto
o grupo fascista de inimigos do povo é por demais reduzido, estejamos certos de uma coisa, de que
se dissermos: chega de reação, e resistirmos à fascistização de nossa Pátria, como temos obrigação
de fazer, o grupo fascista do Catete terá que recuar e respeitar a Constituição, pois não tem a quem
mobilizar. Se porém, ao contrário, nós nos acovardarmos e aceitarmos passivamente os crimes, eles,
os fascistas, chegarão a não poupar ninguém.
Estamos assistindo às capitulações sucessivas do Parlamento frente às disposições do imperialismo,
e isto é o que tem encorajado o grupo fascista para dar golpes cada vez mais audaciosos contra as
liberdades do povo. Mas também o que vemos? É que o povo não os acompanha em suas traições,
e está cada vez mais disposto a oferecer resistência, a não se deixar matar de fome.
Confiemos no povo, e resistamos certos de que o grupo de inimigos é por demais pequeno, fraco
e desmoralizado. Certos de que o povo vencerá facilmente, e julgará nossa atuação, se nos acovardarmos frente a seus inimigos quando era hora de lutar, ou se realmente lutamos a seu lado para
preservar o regime democrático.
Faço daqui um apelo a todos os patriotas e democratas, para que se organizem, e todos unidos impeçamos a entrega do nosso povo à escravidão, impeçamos a entrega do Brasil ao imperialismo. O
povo organizado é a maior arma da força nacional e vencerá facilmente os inimigos vendilhões da
Pátria.
Concluindo, quero apresentar um projeto no sentido de impedir os aumentos sucessivos da sangria
dada no município pela C.C.B.F.E. Estejamos certos que aparecerão os advogados do diabo para,
velada ou ostensivamente, defenderem a Cia. Central Brasileira; mas estes serão poucos, pois o povo,
em sua grande maioria, ficará conosco, e em tudo nos ajudará, para liquidarmos com a exploração
deste monstro sobre nosso povo; já que compreendemos ser a falta de energia um dos fatores que
impedem o desenvolvimento industrial, submeto à Casa o projeto abaixo.”15
21
História da Câmara Municipal de Vitória
UMA LEGISLATURA DE OPOSIÇÃO
Mas esse combativo discurso de Hermógenes não ficou sem contestação. Seu colega Máximo Varejão exigiu que constasse da ata o aparte que fizera ao discurso de Hermógenes, em que afirmou: “Vossa Excelência não poderá tratar de assuntos relevantes com
relação às necessidades do povo, sem fazer profissão de fé comunista?”16
Não satisfeito, na mesma sessão em que fez o seu longo discurso, Hermógenes
ainda teceu vários comentários a respeito do chamado plano “Agache”, denominado assim
por causa do sobrenome do engenheiro Hubert Donat Alfred Agache, urbanista francês
contratado para fazer reformas na cidade pelo ex-prefeito Henrique de Novais, (1944-1945).
Hermógenes se referia às dificuldades criadas pela Prefeitura, com base no referido plano,
para conceder licenças de reformas nas casas dos moradores. Ele achava que a medida prejudicava principalmente “as pessoas pobres que residem nos morros e arrabaldes da cidade
e têm necessidade de fazer algum concerto de urgência em suas casas”. Seu colega Ayrton
Machado veio em seu apoio, declarando que o tal plano “Agache” não passava de “uma fantasia das mil e uma noites.” Outros vereadores requereram do prefeito uma cópia do plano
para que ele pudesse ser apreciado pela Câmara.17
A 10ª. Sessão Ordinária, ocorrida no dia 20 de fevereiro de 1948, já foi realizada em
uma sede provisória localizada na rua O´Reilly de Souza, nº. 53. Nessa sessão foi recebido, e
transcrito na respectiva ata, o contrato celebrado entre a Prefeitura de Vitória e o Professor
francês Alfred Agache, por meio da “Empresa de Topografia, Urbanismo e Construções”,
do engenheiro João Rocha Mello. Assinado em maio de 1945, pelo antigo prefeito Henrique
de Novais, o contrato estabelecia que a empresa ficava encarregada de “supervisionar, orientar e planejar o programa urbanístico da capital do Estado”. A empresa também se comprometia a ficar à disposição da Prefeitura para a realização das seguintes obras: projeto de um
centro cívico na cidade alta; nova utilização da Ilha do Príncipe; projeto de bairro operário
na Colina de Caratoira; ampliação do porto; e criação de uma nova praia.18
Uma outra questão, que também chamava muito a atenção dos vereadores no início
de 1948 era a situação do famoso “Cine Politeama”, localizado na avenida República, em
frente ao Parque Moscoso. O Vereador Oscar Paulo da Silva classificou-o como um “pardiei-
22
A Primeira Legislatura 1947-1951
ro indecente que afronta os foros de civilização do povo capixaba, verdadeiro monstrengo
existente na avenida República, uma das principais artérias da capital”. Já Sergipense Pena,
em outra sessão, foi mais incisivo ao dizer que achou escandalosa a atitude do prefeito para
com a empresa proprietária do “Politeama”, e também do Cine-Teatro Glória, e refez o apelo
para que as autoridades municipais mandassem interditar imediatamente aquela casa de diversões que era, segundo ele, “uma verdadeira aberração estética e de higiene”, uma “ameaça
permanente, com perigo de vida para aqueles que o frequentam”.19
Naqueles dias, também se agitava na Câmara o grande projeto de elaboração de um
Código Tributário Municipal, e os vereadores se preocupavam em discutir e apresentar projetos neste sentido. Contudo, só em dezembro o novo
código viria a ser aprovado definitivamente, e o que mais
chamou a atenção nele foi a dispensa do pagamento de
impostos, por cinco anos, para as edificações com mais
de cinco pavimentos. A Prefeitura e a Câmara aprovaram
a ideia da isenção, apesar de ainda existirem muitos terrenos baldios na cidade: elas queriam promover a verticalização da cidade como forma de melhor aproveitar seu
espaço urbano e, por isso, a imprensa fez muitos elogios
ao novo código.20
Máximo Vieira Varejão
Fonte: Memórias da Câmara - Facebook
Apesar de sua atuação corajosa e destemida, os jornais não davam trégua à Câmara
e insistiam em criticar a sua atuação.
Ainda no mês de janeiro de 1948, o noticiário publicado nos jornais sobre a Câmara
voltou à baila, desta vez envolvendo os jornais A Gazeta e A Tribuna que teriam mais uma
vez publicado notícias “desairosas” contra o Legislativo municipal.21
Mesmo assim, Alceu Aleixo, do PR, mais preocupado com a evolução da política
nacional, elogiou o acordo interpartidário realizado em nível nacional entre três grandes
partidos: o PSD, de Nereu Ramos; a UDN, de José Américo de Almeida; e o PR, de Artur
Bernardes para dar sustentação ao governo do general Dutra. Para Aleixo, com o acordo
“novos horizontes se descortinam, novo capítulo se escreve na história política do Brasil”. O
23
História da Câmara Municipal de Vitória
próprio presidente Ithobal não só concordou com esse acordo nacional como também enviou telegrama ao presidente Dutra, manifestando o seu apoio.22E, de fato, o General Dutra
respondeu ao telegrama, acusando o seu recebimento e agradecendo o apoio da Câmara ao
seu governo.23
O Vereador Ayrton Loureiro Machado, por sua vez, condenou a atitude do jornal
dos comunistas locais que dizia “estarem os vereadores contra o povo”. Para Machado, pelo
contrário, com as atividades que os vereadores vinham desenvolvendo diariamente, eles davam uma demonstração irrecusável de que o jornal referido não dizia a verdade.24Poucos
dias depois, a 13 de fevereiro de 1948, Oscar Paulo da Silva comentou um outro artigo publicado em A Gazeta, sob a epígrafe “As Câmaras Municipais”, no qual se afirmava que até
o momento “nada se tinha feito, apenas muito falatório e
nenhuma produção”.25
E foi nesse contexto de críticas à atuação da Câmara que explodiu a discussão acerca da remuneração dos
vereadores ou da gratuidade do exercício dessa função,
prevista pela Assembleia Constituinte Estadual de 1947.
Em janeiro de 1948, a Mesa da Câmara apresentou um projeto que estabeleceu os proventos dos veOscar Paulo da Silva
Fonte: Memórias da Câmara - Facebook
readores, fixados em três mil cruzeiros de subsídio, descontando-se dessa importância duzentos cruzeiros por sessão a que o Vereador deixasse de
comparecer. O projeto previa, ainda, uma ajuda de custo de três mil cruzeiros a ser paga, no
início das legislaturas, a cada um dos vereadores, além de estipular também um subsídio de
quinhentos cruzeiros mensais para o presidente da Casa à título de “representação.”26
No entanto, em mensagem à Câmara a respeito do problema da remuneração dos
edis, o prefeito Ceciliano Abel de Almeida vetou a proposta de lei nº. 1 da Câmara, que instituía a ajuda de custo e a verba de representação dos vereadores. Ceciliano de Almeida ao
vetar a remuneração proposta, argumentou que a Prefeitura não dispunha de base legal, nem
de recursos para fazê-lo, mas lembrou que havia uma outra tradição no município de Vitória:
a de conceder-se aos vereadores, no início de cada sessão legislativa, a ajuda anual de Cr$
24
A Primeira Legislatura 1947-1951
3.000,00 para despesas de instalação e representação.27
O veto do prefeito Ceciliano Abel de Almeida acirrou a oposição a ele, e a maioria
dos vereadores, mesmo os de seu partido, o PSD, passaram a lhe fazer pesadas críticas. Após
uma exposição de Hermógenes Lima Fonseca sobre a situação salarial do “operariado” da
prefeitura, Ethereldes Queiroz do Vale aproveitou para lembrar não só a má administração
de Ceciliano Abel de Almeida, mas também que ele se preocupava “apenas com a vaidade do
cargo que ocupa, e que se Lombroso vivo fosse, por certo teria um tipo digno de estudo”.
No entanto, ele foi aparteado pelos vereadores Máximo Varejão e José Francisco de Paula,
declarando este último que o prefeito tinha “um passado brilhante e inatacável e não é agora
que venha desviar-se de sua norma de conduta”.28 Otacílio Lomba também se mostrou solidário com seus colegas que verberaram o prefeito Ceciliano Abel de Almeida e o seu veto
ao projeto nº. 1 da Câmara, que ele considerou um “gesto de desconsideração para com a
Câmara, gesto que de fato causara revolta e merecia condenação”. Para Lomba, o prefeito
havia se distanciado da Câmara, procurava diminuir os vereadores, daí o seu protesto contra
semelhante gesto. A seguir, ele passou a analisar o trabalho do prefeito em um ano de administração para declarar que era nulo, pois “S. Ex.ª nada fez e nada fará. Autoritário, não quer
que sejam seus atos analisados pelos vereadores”.29
Um outro Vereador que se pronunciou contra o veto do prefeito foi o veterano
Sergipense Pena. Ele afirmou que o veto era ilegal e que o prefeito fizera uma ofensa à
Câmara. Seu objetivo “não foi vetar, porque sabia que não podia fazê-lo. Seu intuito visível
foi promover escândalo, rebaixar a Câmara, incompatibilizá-la perante a opinião pública e
responsabilizá-la pelo fracasso de sua administração.” Sergipense afirmou ainda se admirar
do “zelo do prefeito”, somente no caso em foco, “deixando, porém, de lado, os interesses do
município, não promovendo, por exemplo, a cobrança de polpudas importâncias de devedores inscritos em dívida ativa só porque muitos deles são figurões políticos.”30
Como resultado do veto ao projeto que instituía a remuneração dos vereadores, em
março de 1948 o Vereador Pedro Maia acabou apresentando a proposta para que se desse
um voto de desconfiança ao prefeito Ceciliano Abel de Almeida. Surpreendentemente, saiu
em apoio da proposta seu adversário ideológico Hermógenes Lima Fonseca. E a proposta foi
aprovada à unanimidade. Contudo, Hermógenes ainda aproveitou a ocasião para denunciar a
25
História da Câmara Municipal de Vitória
perseguição policial de que eram vítimas um ex-deputado comunista e ele mesmo.31
Na sessão em que a moção de desconfiança foi aprovada à unanimidade, Otacílio
Lomba e outros Vereadores voltaram a fazer críticas muito severas ao prefeito Ceciliano Abel
de Almeida. Lomba confessou que a sua intenção inicial, na Câmara, e a dos demais Vereadores, era a de promover “uma ação conjunta do Legislativo e Executivo”, mas o prefeito
forçara a Câmara a mudar de rumo. Ele atribuiu isso à irritação do prefeito com os pedidos
diários de informação provenientes dos vereadores, porém fazer esses pedidos era uma função normal dos vereadores, segundo Lomba. Para ele: “com essa atitude autoritária, o prefeito conseguira a unanimidade da Câmara contra ele, e nem os vereadores de seu partido, o
PSD, o estariam apoiando”.32
Começavam a surgir na Câmara alguns pedidos para que o prefeito fosse substituído. Sergipense Pena, por exemplo, diante de uma manifestação feita pelos funcionários em
homenagem ao prefeito, classificou-a como “encomendada”. Ao declarar-se admirado “de
sua teimosia em permanecer no cargo, sabendo que o povo não o tolera porque nada tem feito pela Capital”, Pena ainda lembrou que o maior responsável pela situação criada era o próprio governador do Estado, que estava, segundo Pena, “impondo um prefeito improdutivo
só por capricho e vaidade de mando e para vingar-se da derrota fragorosa que o PSD sofreu
nas últimas eleições nesta Capital. Não sendo eleito pelo
povo, o prefeito só procura agradar e servir ao Senhor
governador e daí desinteressar-se pela vida do município
tão sacrificado com está.”33
Pena voltava, assim, a martelar num tema que
ele já abordara com muita propriedade na Câmara: o
da redução da autonomia da Câmara, que segundo ele
fora promovida pela nova Lei de Organização Municipal, aprovada anteriormente pela Assembleia Legislativa Estadual. De acordo com Sergipense Pena, a Lei era
“inconstitucional porque fere de morte a autonomia do
Ethereldes Queiroz do Valle
Fonte: Memórias da Câmara - Facebook
município, a soberania do Legislativo municipal”. Ele citou trechos da Constituição Federal,
e da Constituição de alguns outros Estados, como Minas Gerais e Paraíba, em que, segundo
26
A Primeira Legislatura 1947-1951
ele, eram assegurados plenos poderes às Câmaras municipais para legislar sobre tudo que
dissesse respeito à vida e aos interesses do município. No entanto, segundo o vereador: “No
nosso Estado, as Câmaras são fantoches, não têm soberania e nem sequer iniciativas para
apresentar projetos de leis que venham beneficiar o povo. Só o Executivo pode e manda, por
bem dizer soberanamente”. Ele considerou que a Legislação estadual era “reacionária” e um
atentado contra o Legislativo.34
O mesmo Sergipense Pena voltou a discutir a Lei da Organização Municipal para
assegurar que essa Lei “cerceava as prerrogativas desta Casa”, e transformava os vereadores
em “fantoches movimentados pelos cordõezinhos do Senhor prefeito!”. Pena ainda mencionou o “esbulho” feito à Câmara municipal.35
As diatribes de Sergipense Pena contra a perda de autonomia dos municípios eram
abrangentes, todavia elas não tocavam expressamente em um ponto que era decisivo: a questão da nomeação do prefeito da capital.
Durante a ditadura de Vargas, os prefeitos de todos os municípios eram de livre nomeação dos interventores estaduais. A Constituição Federal de 1946 restabeleceu a tradição
da elegibilidade dos prefeitos, entretanto, ao mesmo tempo, ela permitiu que as Constituições estaduais, em vias de serem elaboradas, a seu juízo pudessem impor a nomeação dos
prefeitos das capitais, nos municípios em que houvesse estâncias hidrominerais naturais e, da
mesma maneira, naqueles declarados bases ou portos militares de importância excepcional
para a defesa externa do país, sob parecer do Conselho de Segurança. E foi com base nesse
dispositivo constitucional discutível, que negava frontalmente o alegado municipalismo da
Constituição de 1946, que a Assembleia Legislativa do Espírito Santo optou por preservar a
autoritária tradição de nomeação do prefeito da capital, que vinha desde a criação do cargo
em 1908.
De qualquer forma, diante das críticas sistemáticas que foram ditas do prefeito
nomeado por ele, e por temer o agravamento da crise política entre o Executivo e o Legislativo municipais, o governador Carlos Lindenberg tentou intervir no conflito aberto entre a
Câmara e o prefeito, na esperança de apaziguar os ânimos. No ofício que enviou à Câmara
a respeito, ele atribuiu o conflito ao “desábito do exercício da Democracia” e ponderou que
27
História da Câmara Municipal de Vitória
nesses “primeiros passos no sentido da consolidação da Democracia, têm-se observado, em
todo o país, uma super sensibilidade dos órgãos coletivos de deliberação que, como numa
permanente reação contra as eras em que o poder estava concentrado em mãos de um só cidadão, insensivelmente exageram divergências, chegando muitas vezes, na ânsia de proclamar
a sua independência, a quebrar a harmonia de Poderes desejada pela Constituição”.36
Mesmo assim, de nada adiantou a pregação do governador no sentido de que o
“bem coletivo” fosse o objetivo supremo porque a Câmara continuou a expressar acirrada
oposição ao prefeito.
Ainda no ano de 1948, reabriu-se o conflito territorial entre o Espírito Santo e Minas Gerais, que já vinha de fato desde o século XIX, com denúncias estrepitosas de que os
mineiros invadiam terras capixabas no município de Barra de São Francisco. A Câmara, ao
receber essas notícias, demonstrou grande indignação. Os vereadores se solidarizaram com
o governador Lindenberg, que tomara as primeiras providências, e enviaram telegramas de
protesto ao governador Milton Campos, de Minas Gerais. Eles, da mesma maneira, pressionaram ao mesmo tempo a bancada federal do Estado para que ela defendesse os interesses
do Espírito Santo perante o governo federal e exigisse a sua intervenção na contenda entre
os dois Estados. E um dos parlamentares federais que mais se movimentou, nesse sentido,
foi o prestigiado Atílio Vivácqua, que, como já sugerimos, dispunha de muitas simpatias na
Câmara de Vitória, principalmente pela defesa veemente que naquele momento ele fazia, no
Senado, da autonomia das Câmaras municipais. Esse foi, sem sombra de dúvida, um dos motivos que explicam a homenagem que a Câmara municipal lhe prestou, mais tarde, como já
afirmei, ao empregar o seu nome no edifício da nova Câmara, o “Palácio Atílio Vivácqua”.37
Vivácqua lutava para que as prerrogativas das Câmaras fossem reconhecidas legalmente. E sobre esse tema enviou telegrama à Câmara de Vitória em que não só agradeceu o
apoio dos parlamentares, como também declarou que muito o “desvaneceu o significativo
pronunciamento dessa digna Câmara sobre emenda relativa a imunidades aos vereadores municipais. Tão prestigioso apoio não poderá deixar de repercutir decisivamente na consciência
democrática do Congresso nacional”.38
A questão do petróleo era outra questão nacional que começava a inquietar a po-
28
A Primeira Legislatura 1947-1951
pulação e também repercutia na Câmara. Os nacionalistas brasileiros se perfilavam na luta
por uma política em defesa das reservas naturais do país com um discurso anti-imperialista
exacerbado. O velho nacionalista Sergipense Pena reiteradamente se referia ao assunto do
petróleo, ao pedir várias vezes, na Câmara, para que se reproduzissem nas atas os artigos do
ex-presidente Arthur Bernardes, um dos líderes da campanha nacionalista e chefe de seu
partido, o PR.39
Um problema que atormentava os vereadores e aumentava a sua indignação com
a administração de Ceciliano Abel de Almeida, todavia acabou por ser solucionado. Após
muitos meses de postergação, a 1º de setembro de 1948, finalmente, a Câmara pôde realizar
a sua primeira sessão em sua nova sede permanente: o quarto andar do edifício Glória, local
onde a Câmara funcionou por quase trinta anos. Ao regozijar-se desse feito, o presidente
Ithobal congratulou-se com os demais vereadores por essa vitória. E nessa mesma sessão foi
aprovado o projeto de lei nº. 8, de iniciativa do Executivo, e que instituiu o dia 8 de setembro
como o “dia da Cidade de Vitória”. Essa data era comemorada até então sobretudo como
uma festa religiosa, que homenageava a padroeira da cidade, Nossa Senhora da Vitória. Com
o projeto do prefeito Ceciliano Abel de Almeida, que também escrevia e era considerado
um conhecedor da História do Estado, a data deixava de ter um significado exclusivamente
religioso e se transformava definitivamente numa efeméride política. Considerou-se que essa
data correspondia à data da fundação de Vitória, ou seja, da criação da vila de Vitória, que
teria se dado em 8 de setembro de 1551: isto, ao nosso ver, sem que fossem apresentadas
provas concludentes desse fato.40
Uma outra atitude assumida pela Câmara naquele retorno da democracia foi a de
substituir os nomes de ruas tradicionais da cidade, por outros nomes que homenageavam
figuras importantes da história política recente do Estado. A antiga “Avenida Capixaba”,
uma das mais tradicionais artérias da capital, passou a chamar-se “Avenida Jerônimo Monteiro”, como é até hoje conhecida, formando uma única e contínua avenida com o trecho
que correspondia anteriormente à antiga Rua da Alfândega, e que se localiza ao sul da Praça
Costa Pereira. O desaparecimento do topônimo “capixaba” - que antes se referia à avenida
do mesmo nome, designava um tradicional arrabalde de pescadores da periferia da cidade, e
era um símbolo das mais antigas tradições culturais e políticas de Vitória - foi um prejuízo
29
História da Câmara Municipal de Vitória
simbólico para a cidade. Ele fez com que os habitantes da cidade perdessem cada vez mais a
memória de seu passado.41
Em acréscimo, a Lei nº. 36, de 14 de dezembro de 1948, também alterou o nome
das antigas ruas do Comércio, 1º de Março e do Cais Schmidt - ruas desaparecidas em função
de reformas urbanas -, que se transformaram numa única artéria, denominada simplesmente,
a partir de então, de “Avenida Florentino Avidos”.42
Em resumo, não se pode dizer que o primeiro e último ano da presidência de
Ithobal tenha sido muito tranquilo politicamente. Às divergências ideológicas entre os vereadores acrescentou-se a oposição que a Câmara quase à unanimidade passou a fazer ao
prefeito Ceciliano Abel de Almeida, sobretudo após o veto que este apresentou ao projeto
que estabelecia uma remuneração para os vereadores. Problemas como o da falta de uma
sede definitiva para o funcionamento da Câmara, que foi solucionado, e, no plano nacional,
o do acirramento da disputa política e ideológica concorreram para a demissão de Ceciliano
Abel de Almeida - dispensado do cargo de prefeito em outubro de 1948 -, e para inviabilizar
a reeleição de Ithobal, cuja presidência durou apenas um ano.
Assim, na votação realizada em 3 de janeiro de 1949, Airton Loureiro Machado obteve oito votos contra apenas os cinco dados a Ithobal, e elegeu-se também como vice Oscar
Paulo da Silva que derrotou com sete votos Hermógenes Lima Fonseca.
Entretanto, ao contrário do que acontecera na presidência de seu antecessor, na
gestão de Ayrton Loureiro Machado, em 1949, a atuação da Câmara pautou-se pela discussão
das questões da administração local tais como o preço dos gêneros de primeira necessidade,
o abastecimento da carne verde na cidade, a lotação dos bondes, a falta de farinha de trigo e
de pão e outros.
Nesse sentido, foi sancionada a Lei nº 55, de 24 de março de 1949 que criou o
Serviço Municipal de Abastecimento do Povo - SMAP. O projeto dessa lei foi apresentado
por Sergipense Pena que, em suas considerações iniciais, afirmou que o padrão atual de vida
não estava “de acordo com a capacidade aquisitiva do povo”. Ele considerou ainda que as
várias tentativas dos poderes constituídos para controlar os preços das utilidades não deram
30
A Primeira Legislatura 1947-1951
resultados satisfatórios. Declarou que a experiência demonstrara que somente o Estado, ao
tornar-se concorrente, poderia forçar a baixa dos preços, e que era um dever imperioso
resolver-se a situação aflitiva em que o povo se debatia. Assegurou que ele e seu partido, o
Partido Republicano – que ele fez questão de mencionar -, apresentaram como solução do
problema do desabastecimento o projeto de criação do Serviço de Abastecimento do Povo SMAP. “Assim, com a finalidade de promover o ‘barateamento da vida” e facilitar a aquisição
dos produtos de primeira necessidade, o SMAP deveria instalar pontos de venda de produtos
básicos, principalmente nos “bairros proletários”, criar granjas avícolas, hortas e estábulos, e
instalar restaurantes populares nos locais onde eles fossem necessários.43
Edifício Glória - Década de 40
Fonte: Google
Mesmo assim, Ayrton Machado também não se reelegeu para a presidência, perdendo-a para Octacílio Lomba, da UDN, que obteve nove votos.44
Naquela altura, porém, Ceciliano Abel de Almeida, que fora o pomo da discórdia
na briga política entre a Prefeitura e a Câmara, já não governava a cidade, pois tinha sido
substituído por Álvaro de Castro Matos. O novo prefeito governou até abril de 1951, quando
31
História da Câmara Municipal de Vitória
já estávamos em outra legislatura.
Em 5 de janeiro de 1951, assumira a presidência da casa o Vereador Oscar Rodrigues de Paula, sob a presidência do qual se encerraria a primeira legislatura. A sua quarta
sessão legislativa concluiu-se juntamente com a sexta sessão ordinária, realizada em 29 de
janeiro de 1951, quando a Câmara era composta pelos vereadores: Oscar Rodrigues de Paula,
presidente, Alceu M. Pinto Aleixo, Ethereldes Queiroz do Vale, Pedro Maia de Carvalho,
Oscar Paulo da Silva, Hermógenes Lima Fonseca, Otacílio da Silva Lomba, Aristóteles dos
Santos, Altamir Faria Gonçalves, Ithobal Rodrigues de Campos, José Francisco de Paula,
Wolghano Neto, Lucilo Borges Santana, Alberto Ferreira da Silva, e José Bittencourt. Os três
últimos haviam substituído os vereadores Augusto Sergipense Pena Júnior, Máximo Varejão
e Ayrton Loureiro Machado, que não chegaram a concluir o mandato.45
Oscar Rodrigues de Paula
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
Altamir Faria Gonçalves
Fonte:Memórias de Vitória - Facebook
Wolghano Neto
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 180 leis, assim classificadas:
01. Obras públicas: 14
02. Criação de órgãos: 3
03. Doações, isenções de impostos, auxílios, concessões e subvenções: 50
04. Abertura de créditos e cobrança de débitos: 30
32
A Primeira Legislatura 1947-1951
05. Impostos: 1
06. Criação de serviços: 3
07. Desapropriações, permutas, aluguel e alienação de bens: 35
08. Homenagens e nomenclaturas de ruas: 20
09. Autorização de empréstimos: 3
10. Alteração de legislação: 10
11. Funcionalismo: 14
12. Códigos e Orçamentos: 5
13. Verbas e Suplementação: 5
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI Nº 3, de 13 de março de 1948: Autoriza a construção de um Mercado
em Jucutuquara.
 LEI Nº 5, de 4 de maio de 1948: Cria o Serviço de Pequenos Consertos de
Água e de Fiscalização do seu consumo.
 LEI Nº 13, de 2 de julho de 1948: Cria o Serviço Médico Municipal (SEME)
e dá outras providências.
 LEI Nº 23, de 16 de outubro de 1948: Cria o Serviço de Pronto Socorro,
subordinado ao Serviço Médico Municipal.
 LEI Nº 55, de 24 de março de 1949: Cria o Serviço Municipal de Abastecimento do Povo (SMAP).

LEI Nº 65, de 27 de maio de 1949: Assegura a todos os cidadãos que exer-
33
História da Câmara Municipal de Vitória
cerem os cargos de prefeito e de Vereador à Câmara municipal de Vitória, a perpetuidade de
sepultura nos cemitérios municipais.
 LEI Nº 91, de 7 de novembro de 1949: Autoriza o Executivo municipal a
patrocinar qualquer representação de folguedos de caráter folclórico, que se realizar nesta
capital.

LEI Nº 107, de 28 de fevereiro de 1950: Concede à Cia. Telefônica Brasileira,
pelo prazo de 20 (vinte) anos, a contar da data dessa lei, isenções de impostos e taxas que
recaem ou recaírem sobre seus serviços e instalações no município de Vitória.
 LEI Nº 112, de 13 de março de 1950: Institui auxílio para a merenda dos
alunos das escolas primárias sediadas no município da capital.
 LEI Nº 128, de 13 de junho de 1950: Concede isenção de impostos às indústrias novas, estabelecidas no Município de Vitória, pelo prazo de cinco anos.
 LEI Nº 165, de 14 de dezembro de 1950: Autoriza o Poder Executivo a
construir e reconstruir barracas, na zona livre, para os reconhecidamente pobres, que não
disponham de quaisquer recursos para tal fim.
34
CAPÍTULO II
A SEGUNDA LEGISLATURA
1951 - 1955 De José Ribeiro Martins a Armando Duarte Rabelo
A Segunda Legislatura 1951-1955
UMA GRANDE RENOVAÇÃO NA CÂMARA
A segunda legislatura começou no dia 31 de janeiro de 1951, quando tomaram
posse os eleitos em 3 de outubro do ano anterior. No entanto, ela já principiou com uma
polêmica muito séria que dizia respeito à própria composição da Câmara: no dia 22 de
janeiro de 1951, fora publicada a Lei municipal nº. 14, reduzindo o número de vereadores
de quinze para apenas dez, conforme estabelecia o Artigo 20 da Lei de Organização Municipal.
Em função dessa lei, o Partido Republicano havia interposto recurso contra a
diplomação dos quinze vereadores eleitos anteriormente. Entretanto, o juiz eleitoral entendeu que a Lei em questão só poderia entrar em vigor a partir do dia nove de fevereiro,
quinze dias após ela ter sido publicada na imprensa, como determinava a mesma Lei de
Organização Municipal. Não existia, portanto, uma outra lei, fixando o número de vereadores, e uma vez que ainda não tinham sido publicados os dados do último recenseamento
geral da população, pelo qual se determinaria o número de vereadores para cada município, a autoridade judicial julgou por bem dar posse aos quinze eleitos.01
Tomaram posse então os seguintes vereadores: Mário Gurgel (PTB), o mais votado; Theóphilo Athayde da Silveira (PTB); Adir Sebastião Baracho (PTB); Isaac Lopes
Rubim (PTB); João Felix da Silva (PTB); Orlando Cariello (PSD); José Francisco de Paula
(PSD); Danglars Ferreira da Costa (PSD); Hildebrando Gomes Lucas (UDN); Manoel
Moreira Camargo (UDN); José Cupertino Leite de Almeida (PSP); Wolghano Neto (PDC);
Francisco Salles (PDC); Helena Liliana Pignataro (PSP); e Beraldo Madeira da Silva (PSP).
Ao todo eram cinco vereadores do PTB, três do PSD, dois da UDN, três do PSP e um do
PDC.02
Surpreendentemente, os únicos vereadores da legislatura anterior reeleitos foram
José Francisco de Paula, do PSD, e Wolghano Neto, do PDC. A renovação da composição da Câmara atingiu assim quase 90%. A nova Câmara, contudo, também trouxe uma
37
História da Câmara Municipal de Vitória
outra surpresa. Como se nota, tratava-se de uma legislatura de composição essencialmente
masculina, entretanto, apareceu nela, pela primeira vez, o nome de uma mulher, a senhora
Helena Liliana Pignataro, que exerceria integralmente e até o fim o seu mandato. Ela foi,
portanto, a primeira mulher a exercer um mandato de Vereadora na Câmara municipal de
Vitória.
Hildebrando Gomes Lucas
Orlando Cariello
Manoel Moreira Camargo
Theófilo Athayde da Silveira
Mário Gurgel
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
Já na sessão preparatória, realizada em 31 de janeiro de 1951, foi eleito o senhor
Hildebrando Gomes Lucas, por ser o mais idoso, para a presidência, na qual ele permaneceria até 31 de janeiro de 1952. Nesse dia, assumiu a presidência Orlando Cariello, cujo
mandato se estenderia até 31 de janeiro de 1953, quando assumiu Theóphilo Athayde da
Silveira. Ele não concluiu o mandato de um ano e foi substituído por Manoel Moreira Camargo em 1953, que renunciou ao cargo em 2 de julho de 1954. Nesse dia, Mário Gurgel
foi eleito com nove votos e assumiu a presidência.03
38
A Segunda Legislatura 1951-1955
TÉCNICOS NOS CARGOS MAIS IMPORTANTES
Em 13 de abril de 1951, a Câmara recebeu, pela primeira vez, a visita do prefeito
José Ribeiro Martins, indicado pelo novo governador Jones dos Santos Neves em substituição a Álvaro de Castro Matos. Essa nomeação, porém pode não ter sido completamente
do agrado do PTB. Esse partido havia apoiado a candidatura de Jones, do PSD, com a
promessa de que ao menos a Secretaria da Educação e a Prefeitura de Vitória seriam cargos reservados para ele. No entanto, o engenheiro José Ribeiro Martins era descrito como
“elemento completamente apolítico, que jamais se filiou a qualquer agremiação. Neutro,
portanto, em matéria política”.04
A decisão de nomear um “técnico” para gerir a Prefeitura, em vez de um político
realmente ligado ao PTB, como tinha sido aparentemente acordado entre as partes, veio
acompanhada da nomeação de outro “técnico”, o educador paulista Rafael Grisi, para a
Secretaria de Educação e Cultura, por indicação da direção nacional do PTB.05
Ou seja, a nomeação para os dois cargos que supostamente tinham sido prometidos ao PTB, recaiu sobre “técnicos” pouco ou nada identificados com os interesses “clientelísticos” do principal partido aliado do governo. E foi o próprio Jones quem confessou,
ao fim de seu mandato, que ele trazia “o deliberado propósito de não permitir a interferência política nos negócios da Educação, traçando em linhas firmes uma nova República
da Educação em nosso Estado”. Deixando entender, com essa informação, que fora com
esse mesmo propósito que ele escolhera o próprio prefeito da capital.06
A tentativa de libertar a área da educação e a Prefeitura das “interferências indébitas” promoveu assim o que poderia ser visto como “uma violência contra os hábitos e
tradições do meio”, e romper, além disso, com o acordo interpartidário previamente estabelecido, pode ter sido a principal responsável pela ruptura política que se verificou, antes
do final do mandato de Jones, com a defecção do PTB. Com efeito, em sua mensagem de
fim de mandato, Jones confessou que ao introduzir essa mudança, “ao sentimento de euforia que sentimos no instante de sancioná-la, se antepunham também os receios externados
na ocasião, de se tornar efêmero o diploma legal, sem forças para resistir aos impactos de
39
História da Câmara Municipal de Vitória
uma futura crise eleitoral”.07
Sinais de que a política posta em prática pelo novo governador poderia afetar a
aliança que o tinha eleito e engrossar assim o coro da oposição apareceram desde o início
da administração de Jones. E eles se refletiram com a maior clareza na atuação da Câmara
municipal, um palco privilegiado no qual a insatisfação com a política de Jones se manifestou. E isso foi de certa forma, paradoxal, uma vez que o prefeito era o preposto de um
governador que realizaria uma obra administrativa notável no Estado. Portanto era de se
esperar que a “popularidade” do governo perante a sociedade se refletisse positivamente
na sua avaliação pela Câmara. Mas não foi exatamente isso o que aconteceu.
Já em março de 1951, o combativo e inteligente Vereador Manoel Moreira Camargo, da UDN, um dos partidos da coligação derrotada por Jones, solicitou que fossem
enviados, por intermédio do prefeito municipal, aplausos da Câmara ao governador por
este ter aprovado um crédito para a imediata construção do Colégio Estadual do Espírito
Santo. No entanto, Mário Gurgel, o líder do PTB, premonitoriamente, se manifestou contrário a essa proposta de seu colega “por considerar precipitação estes aplausos ao governo
que ora se inicia”.08
Com efeito, em junho do ano seguinte, foi o mesmo Manoel Moreira Camargo
quem usou da palavra para criticar “asperamente” o prefeito, por “continuar no seu desejo
de menosprezar a Câmara, ao se reunir apenas com uma ala de seus membros”. Advertido
pelo presidente de que ao se referir a qualquer autoridade deveria fazê-lo “com a devida
cortesia”, Manoel Moreira Camargo, contudo, após a interrupção da sessão, retomou suas
críticas ao prefeito e foi aparteado mais uma vez por Mário Gurgel, argumentando que
“nos países de democracia avançada não existem críticas, por parte da oposição, nem o
ataque ferino, quando o governo se reúne com a sua bancada.”09
Ao confirmar a sua vocação “crítica”, Moreira Camargo voltou novamente a criticar a atuação do prefeito e assegurou que: “Sua Excelência não vem cumprindo o que
prometera quando de sua última visita a esta Câmara, isto é, de estudar com os senhores
vereadores a solução dos problemas da cidade”.10E um dos projetos de Moreira Camargo
40
A Segunda Legislatura 1951-1955
foi justamente o de criar na cidade “tantas escolas quantos fossem os bairros da capital”.11
Uma das outras propostas da oposição, e que sempre se revertia a seu favor em
termos de aprovação popular, se referia à defesa da autonomia municipal. Naquele contexto, a defesa da tese da autonomia implicava a reivindicação da eleição do prefeito da
capital, o que ainda não tinha acontecido desde a criação do cargo na era republicana. E
um dos ardorosos defensores dessa proposta na Câmara foi o atuante e bem articulado Vereador José Cupertino de Almeida, do PSP. Quando o deputado estadual Oswaldo Zanello,
do PRP, defendeu a autonomia municipal na Assembleia Legislativa, o Vereador Beraldo
Madeira da Silva apresentou requerimento em que solicitava o apoio da Câmara a Zanello. Beraldo foi secundado por Cupertino, que apelou a Zanello no sentido de que fosse
apresentada emenda à Constituição estadual garantindo a autonomia municipal. Francisco
Salles, também do PRP, agradeceu o apoio de Beraldo e de Cupertino à proposta de seu
correligionário na Assembleia. A situação via-se assim obrigada a se pronunciar em uma
questão que não lhe rendia popularidade. Mário Gurgel e seus correligionários ajudaram a
derrotar o requerimento de Beraldo, mas fizeram questão de observar que “não votavam
contra a autonomia do município, e sim contra um requerimento de congratulações”.12
Nesse sentido, em outubro de 1952, Cupertino comunicou a sua participação no II Congresso dos Municípios Brasileiros, realizado em São Vicente, São Paulo,
onde ele defenderia a “necessidade de ser ventilada, naquele Congresso, a autonomia de
Vitória”.13Algum tempo depois, Cupertino foi eleito para o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Municípios, que se encarregaria de pôr em prática as medidas preconizadas no II Congresso. O Congresso dos Municípios era, no país, o principal lócus de
defesa não só do municipalismo como também da autonomia das capitais.14
Cupertino atribuía à falta de autonomia a incapacidade das administrações municipais para resolver uma série de problemas que a cidade tinha que enfrentar. Ele também
atribuía à mesma causa o fato de existirem na Prefeitura, segundo ele, “funcionários privilegiados que, mesmo interinos, ocupam cargo de chefia e em comissão, e outros que têm
duas, e às vezes três funções gratificadas, o que é proibido pelo Estatuto dos Funcionários
Públicos.”15
41
História da Câmara Municipal de Vitória
Nessa mesma linha crítica de atuação, Cupertino respaldou as reclamações, que
foram divulgadas pela imprensa local, contra as concessões de terrenos destinadas a “particulares” pela Prefeitura. No entanto esses “terrenos estavam destinados à construção de
uma praça e de jardins no bairro Praia do Suá”.16
E como a Lei de Organização Municipal vigente tinha sido elaborada e imposta pelo Executivo, Cupertino, ao ser designado para compor uma comissão destinada à
feitura de uma nova Lei de Organização Municipal, ressaltou a necessidade de as Câmaras municipais elaborarem a sua lei de organização, “atendendo às peculiaridades de cada
município”.17Mesmo assim, com base na mesma Lei, Cupertino criticou o prefeito por
não ter até aquele momento enviado o relatório de prestação de contas do exercício findo,
como preceituava a mesma Lei de Organização Municipal.18
MÁRIO GURGEL
Todavia, a brilhante atuação oposicionista de José Cupertino de Almeida na Câmara foi contrabalançada pela não menos brilhante atuação de Mário Gurgel. Ele nasceu
em Porto Velho, no atual Estado de Rondônia, em 1920, e se transferiu para o Espírito
Santo em 1925, com seus pais - que eram nordestinos e tinham ido para a Amazônia em
busca de trabalho. Muito pobre, a família de imigrantes negros acabou se radicando na Ilha
do Príncipe, onde viveu num barracão durante muito tempo. Gurgel entrou para a política
em 1950, quando já era estudante de Direito, e se elegeu como o Vereador mais votado de
Vitória pelo PTB. A maior parte dos votos que recebeu era proveniente de moradores dos
bairros mais humildes da cidade, à semelhança da Ilha do Príncipe - onde ainda morava -,
tais como Santo Antônio, Jucutuquara, Gurigica, Maruípe, Praia do Suá e Goiabeiras. Sua
eleição foi a grande surpresa do pleito, já que pela primeira vez um afrodescendente, como
se diz hoje, e de origem humilde, era eleito. E isso em uma cidade com forte presença da
população de origem negra ou mestiça.19
Uma das primeiras intervenções de Gurgel na Câmara foi justamente para defender o presidente Getúlio Vargas, de quem era grande admirador. O ex-ditador populista, que reassumira a presidência recentemente, agora como presidente eleito, pronunciara
42
A Segunda Legislatura 1951-1955
polêmico discurso a respeito da crise de abastecimento que assolava o país, provocada em
parte pela inflação - cuja causa fundamental era a política econômica do próprio governo
federal. Vários jornais de oposição da capital federal, entre eles o influente Correio da
Manhã, e o capixaba A Tribuna classificaram o discurso de Vargas como “subversivo”,
sugerindo que o presidente incitava as massas a “fazerem justiça com as próprias mãos”.
Na Câmara de Vitória, José Cupertino, Manoel Moreira Camargo e Francisco Salles, todos
vereadores de oposição, solicitaram que fosse feito um voto de congratulação a esses jornais pelas críticas e pelo protesto que fizeram contra o discurso do presidente. Mas, os vereadores do PSD e do PTB saíram em defesa de Vargas. E Mário Gurgel foi o que mais se
destacou nessa defesa, pronunciando acalorado discurso, que não só gerou grande celeuma
no plenário como também obrigou o presidente a interromper a sessão.20
Gurgel se destacaria amplamente na Câmara pela defesa intransigente que passou
a fazer das reivindicações populares e das propostas de seu partido, o PTB, algumas delas
muito ligadas ao cotidiano da vida cultural da cidade. Em uma mesma sessão, ele solicitou
ao prefeito a realização semanal de sessões cinematográficas a preços populares; o restabelecimento de retretas semanais nas praças públicas da cidade, pela banda da Polícia Militar;
a instalação de bancos com iluminação pública na avenida Getúlio Vargas; e o envio de
um apelo ao Instituto do Bem-Estar Social para que fossem iniciadas as obras do Abrigo
Anchieta.21
Gurgel também chamou desde cedo a atenção de seus colegas por sua eloquência
e por sua empolgante oratória. Seu colega de partido Isaac Rubim lembrou a esse respeito
a “atuação brilhante” de Gurgel, ao lado de outros estudantes capixabas - como o futuro
Vereador e prefeito de Vitória, Setembrino Pelissari - que, juntos, participaram do XV
Congresso Nacional dos Estudantes, realizado no Rio de Janeiro.22
Nesse Congresso estudantil, Gurgel alcançou a quinta colocação em um concurso
de oratória, o que foi considerado “uma grande honra para nosso Estado”, motivo pelo
qual a presidência da Câmara, com o voto dos demais vereadores, se congratulou com
Gurgel. Até seus adversários ideológicos, como Francisco Salles e João Félix da Silva, o
cumprimentaram pela “façanha”. Esse episódio revela que Gurgel, apesar da oposição que
43
História da Câmara Municipal de Vitória
gerava contra sua atuação, supostamente radical, não deixava de conquistar a simpatia e
o reconhecimento de seus colegas, que nessa mesma legislatura ainda o elegeriam para a
presidência da Casa em 1954.23Mas essa “simpatia” não o eximia de receber críticas severas de seus colegas, como a de que foi alvo por ocasião da votação do aumento da verba
de representação a que tinham direito os vereadores. O projeto alterava o que tinha sido
previsto na Resolução nº. 40, de 26 de janeiro de 1951, e a Comissão de Justiça, composta
por João Félix, Beraldo Madeira e Francisco Salles aprovou a modificação que favorecia os
vereadores. Gurgel sugeriu, maliciosamente, na visão de seus colegas, que fosse anexado
ao projeto uma lista de instituições de caridade para as quais o aumento da verba de representação poderia ser doado. A proposta de Gurgel, segundo seus colegas aparentemente
de cunho demagógico, foi contestada por seu colega Beraldo Madeira, e lamentada por
Danglars Ferreira da Costa.24
Poucos meses após a sua posse, Gurgel começou a abordar um tema que ele
jamais abandonaria ao longo de toda a sua trajetória política: a questão dos menores,
abandonados ou não. Muito sensível à experiência que tivera como menino pobre da Ilha
do Príncipe, Gurgel se preocupava fundamentalmente com a educação das crianças em
idade escolar. E por isso sugeriu, comedidamente, ao prefeito municipal, que, “dentro
das possibilidades da dotação orçamentária”, fosse feito o “encaminhamento de menores
a estabelecimentos particulares de atividade profissional”.25Preocupado com essa questão, em outra ocasião, Gurgel defendeu o amparo aos trabalhadores que tivessem famílias
numerosas.26Ele também solicitou, pioneiramente, que os estabelecimentos de ensino público e particulares fornecessem “sopa escolar”.27
No entanto, seu adversário político do PDC, Francisco Salles, também estava
preocupado com a situação “verdadeiramente penosa das crianças abandonadas da nossa
Capital”. Todavia, em vez de criticar apenas o poder público, ele dirigiu suas críticas inicialmente “aos costumes da sociedade moderna que gasta fortunas em prazeres e não dedica
uma parcela de seus lucros ao amparo às crianças desvalidas”. Salles criticou o governo
“pela falta de assistência aos menores desamparados”, e informou que apresentara “um
projeto de lei, concedendo quarenta mil cruzeiros ao Serviço Social do Juizado de Menores”, entretanto até aquele momento o prefeito não pagara “o referido auxílio”. Na opinião
44
A Segunda Legislatura 1951-1955
de Salles, ainda havia a necessidade de “tanto o governo quanto a sociedade”, encararem
o problema dos menores abandonados “com seriedade, pois, de sua solução depende em
grande parte o futuro do Brasil”.28
Enquanto seu partido esteve na base de apoio ao governo, Gurgel se esforçou na
defesa do prefeito contra as críticas dos opositores, que eram muito intensas. Francisco
Salles, por exemplo, do PDC, era muito temido por causa da contundência de suas críticas
e pelo caráter “ideológico” e “partidário” de suas considerações em plenário. Salles era
admirador de Atílio Vivácqua, o verdadeiro líder da oposição no Espírito Santo e a quem
ele com muita frequência fazia homenagens, apresentando requerimentos de aplauso ao
senador por sua atuação no plano nacional.29
Nessa época, junto com Moreira Camargo, Francisco Salles sempre se prontificava não só a tecer acusações contra a administração, mas também a fazer denúncias como a
da existência de “folhas extras de pagamento a funcionários e a pessoas estranhas ao quadro, contra todas as disposições do Estatuto dos Funcionários Públicos”.30Salles também
atuava numa linha de ataque frontal à ideologia comunista, como na ocasião em que rendeu um “preito de gratidão” aos que tombaram em defesa do regime quando da chamada
Intentona Comunista de 1935. E saiu em defesa do movimento comunista Mário Gurgel,
estabelecendo-se então “violentos apartes” entre eles, que obrigaram o presidente a suspender a sessão.31Em outra ocasião, Salles alertou a Câmara para o “perigo comunista” no
Brasil, ao declarar “estar iminente uma revolução vermelha, tudo isso com o beneplácito
do atual presidente da República, que está pondo em postos chave do Governo, elementos
reconhecidamente comunistas”.32Salles ainda alertou a Câmara para o “perigo comunista
no Brasil” por meio da leitura de uma circular secreta do Partido Comunista, dirigida aos
trabalhadores, na qual se descreviam “as normas de ação com a finalidade de destruir a
religião, a família e o sentimento pátrio”.33
Salles não escondia sua simpatia pelo fascismo e chegou ao ponto de proceder
à leitura em plenário do manifesto de fundação da Ação Integralista.34Mário Gurgel, em
contraposição, novamente fez ressalvas ao discurso de Salles ao declarar que cabia aos
“patriotas” criarem “um ambiente hostil ao comunismo no Brasil e não prender esses
45
História da Câmara Municipal de Vitória
comunistas, como pretende aquele Vereador, pois que ninguém pode ser preso por ser
comunista, e sim quando põe em perigo e atenta contra a soberania nacional”.35Salles, da
mesma forma, associou a crítica ideológica à crítica ao aparelhamento político e ao clientelismo, ao acusar Gurgel de estar se “imiscuindo no Sindicato dos Motoristas para empregar
afilhados seus”. Rechaçado por Gurgel, Salles explicou que não era ele quem o acusava,
apenas fizera “eco do que se diz pelas ruas da capital”.36
ARMANDO RABELO E OS PROBLEMAS DA CIDADE
No entanto, era principalmente contra a Prefeitura que Salles dirigia a sua crítica.
O novo prefeito nomeado por Jones dos Santos Neves, Armando Rabelo, por exemplo,
não se livrou dela. Salles criticava a sua atuação “à frente dos destinos da municipalidade”,
e lembrou o abandono em que viviam “os diversos bairros da capital e sobretudo o do
Forte de São João”.37
A 2ª. Legislatura, contudo, não se alimentou apenas das críticas da Câmara de
Vitória. Um dos defensores mais respeitados do governo foi o Vereador Orlando Cariello,
do PSD. Ele era uma figura muito conhecida e querida nos meios intelectuais e políticos da
cidade e integrou a chamada “Academia Capixaba dos Novos”, da qual foi o primeiro presidente, em 1946. Seu colega Rômulo Sales de Sá, ao descrevê-lo, afirmou que ele foi “orador primoroso e poeta de rara sensibilidade”, além de ser uma presença assídua, nos anos
40, do grupo de jovens que se reuniam em torno de uma mesa do Bar Estrela ou do Café
Avenida, na Praça Costa Pereira, para bate-papos e tertúlias quase todas as noites. Desse
grupo faziam parte, com assiduidade, Christiano Dias Lopes Filho, Renato Pacheco, Jarbas
Guimarães, Tirso Vello, Antenor de Carvalho, Wantuil Cunha, José Garajau Cunha, José
Carlos Lindenberg, Elmo Elton, Wladir Ribeiro do Val e o próprio Rômulo Sales de Sá.38
Cariello foi o segundo presidente da Câmara, na 2ª Legislatura, quando o apoio
ao governo de Jones e sua base aliada ainda não havia se rompido. Sua eleição como presidente consolidou a expectativa de que o relacionamento entre a Câmara e o Executivo se
manteria numa base amigável e solidária. Foi assim que Cariello analisou o ofício enviado
à Câmara pelo prefeito municipal no início de 1952, no qual o prefeito externou seu ponto
46
A Segunda Legislatura 1951-1955
de vista de que “a solidariedade da Câmara” era necessária “ao progresso do Município”,
e não menos era “o acatamento e o incentivo do Executivo à Câmara dos Vereadores”. Na
mesma ocasião, o presidente da Câmara teceu longos comentários em torno da importância dos parlamentos, finalizando seu discurso com uma análise pormenorizada do “plano
de industrialização” do governador Jones dos Santos Neves, a quem fez rasgados elogios.
Infelizmente, porém, o conteúdo de seu discurso não foi transcrito nas Atas da Câmara.39
Os vereadores, todavia, em vez de prosseguirem com a discussão do decisivo
e inusitado plano de governo de Jones, que apontava no sentido da modernização do
Estado, preferiram fazer críticas ao estado em que se encontrava a cidade. Theóphilo da
Silveira, por exemplo, que era do PTB, mas já estava aparentemente em dissidência com
o governo naquela altura, preferiu lembrar o “abandono” em que se achava “o bairro da
Praia Comprida” e lamentou o estado deplorável em que se encontrava a “rodovia”, que
ligava aquele bairro ao centro da cidade.40Entretanto, tal atitude não impediu que o mesmo
Theóphilo da Silveira, poucos meses depois, em aparente contradição, consignasse em ata
os aplausos da Câmara ao governador Jones dos Santos Neves “pelas realizações que o seu
governo vem levando em todo o Estado, notadamente as que interessam de perto à nossa
Capital”.41
Cariello demonstrou não só grande empenho e dedicação à função como também
grande capacidade de trabalho, ao aprovar em uma mesma sessão, por exemplo, requerimentos em que solicitava ao Executivo: a construção de uma concha acústica no Parque
Moscoso; o calçamento da rua de Santa Helena; a fundação em Vitória de uma Faculdade
de Engenharia; o emplacamento da rua Adão Benezath; a indicação para que o Executivo
providenciasse a reversão ao seu domínio nos terrenos de marinha, não aforados até aquela
data; o alargamento da rua Barão de Monjardim e do início da subida do Forte de São João;
a revisão das manilhas que serviam de rede de esgoto em Jucutuquara; a construção, nos
morros da Capixaba e subúrbios, de tanques para lavanderias públicas, dotados de aparelhos sanitários e chuveiros.42
Contudo, não era apenas de Cariello que partiam elogios à obra administrativa
realizada pelo governador Jones dos Santos Neves. O Vereador Isaac Rubim, do PTB, que
47
História da Câmara Municipal de Vitória
algum tempo depois romperia com Jones, requereu a inserção de um voto de aplauso ao
governo de Jones “pela brilhante administração de seu governo e sua conduta política no
julgamento das questões de interesse da coletividade espírito-santense, e que esses votos
sejam extensivos ao prefeito municipal, Dr. José Ribeiro Martins, pela sua decisiva cooperação àquele vasto programa governamental”. Na mesma sessão, Danglars Ferreira da
Costa salientou a “grandiosidade” da obra administrativa de Jones, ao destacar a assinatura
do contrato para a construção da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito.43
Um dos mais graves problemas que a população de Vitória enfrentava no início
dos anos 50 era o do abastecimento. Os aumentos dos preços dos gêneros de primeira necessidade, junto a sua escassez, tornavam o custo de vida excessivamente alto e, ao mesmo
tempo, criavam uma situação de penúria permanente, principalmente em certas épocas
do ano. Essa situação desagradava à população, e acabava por refletir negativamente na
popularidade do governo. A população reclamava com insistência do problema, de forma persistente e crescente e muitas vezes de maneira organizada. Em abril de 1952, por
exemplo, o Vereador José Cupertino anunciou “com satisfação” a recepção na Câmara de
uma “comissão de donas de casa” que vieram entregar “um memorial de protesto contra
o encarecimento do custo de vida, observando, assim, que o povo já está compreendendo
melhor o valor dos parlamentos”.44
Quase um ano após esse movimento, o Vereador João Félix da Silva mencionou o
“memorial”, enviado pela Federação das Mulheres do Espírito Santo, “protestando contra
o alto custo de vida”, no que foi apoiado por José Cupertino e Mário Gurgel. Este último,
após lembrar o auxílio que se deveria prestar aos flagelados nordestinos, apelou “para que
os governantes e o povo trabalhem em comum para a solução do problema do alto custo
de vida”.45
Um mês mais tarde, Beraldo Madeira criticou a falta de gêneros alimentícios na
cidade “enquanto sobram comissões controladoras de preços, as quais só se sobressaem
pela sua inoperosidade”.46A cidade sofria principalmente com o desabastecimento crônico
de certos produtos de primeira necessidade como a carne verde e o leite. Em setembro
de 1954, logo após o suicídio de Vargas, José Cupertino focalizou o problema do abaste-
48
A Segunda Legislatura 1951-1955
cimento do leite e acusou o governador do Estado “pela situação de carência em que se
encontra a capital, pois que o senhor governador do Estado cancelou o contrato com a
Cooperativa Leiteira de Cachoeiro de Itapemirim para entregar o fornecimento ao senhor
Manoel Marcondes, atendendo a interesses políticos, em detrimento dos interesses da população”.47
Nesse sentido, vários vereadores apresentaram com insistência projetos, criando
novos mercados, além daquele da Vila Rubim, como o de Jucutuquara, que foi construído
nessa época. A Prefeitura chegou a solicitar, com urgência, “autorização para fazer operação de crédito até a importância de trezentos mil cruzeiros para atender à aquisição de aves
e pescados para o abastecimento da cidade”.48 Na ocasião, o Vereador Adir Baracho, sempre muito atento aos problemas cotidianos que a população enfrentava, solicitou a inserção em ata de um voto de louvor ao mesmo prefeito “pelas determinações tomadas para a
solução do problema da distribuição da carne verde à população”, e que fosse dado “todo
o apoio àquela autoridade no combate aos exploradores do povo”. Baracho tinha motivos
para defender o povo dessa maneira. Ele nasceu em 1918 em Anchieta, e era descendente de espanhóis e brasileiros nordestinos. Órfão muito cedo, foi criado por uma de suas
irmãs, a Freira Margarida Maria, do Orfanato Cristo Rei,
onde viveu grande parte de sua infância e adolescência.
Casou-se com Avany Barbosa Baracho com quem teve
oito filhos. Foi funcionário de carreira da Central Brasileira de Força Elétrica, hoje Escelsa, onde se aposentou
por tempo de serviço. Além disso, foi presidente do Sindicato dos Eletricitários do Espírito Santo e fundador do
SAPS, que também presidiu.49
Nesse contexto, uma outra grave deficiência,
Adir Sebastião Baracho
Fonte: Acervo da família Baracho
que afetava de maneira crucial a rotina dos moradores
da cidade, estava no fornecimento de energia elétrica. A
Companhia Central Brasileira de Força Elétrica - CCBFE, mais conhecida como “Central
Brasileira” - a “empresa imperialista” de que falava Hermógenes Lima Fonseca, ao tecer
críticas em seu famoso discurso -, era detentora de uma concessão de cinquenta anos para
49
História da Câmara Municipal de Vitória
explorar os serviços de eletricidade, telefonia e lanchas, de Vitória e de vários outros municípios capixabas. Até o final dos anos 40, ela funcionou com capacidade ociosa. Entretanto, a partir dessa época, com o crescimento da cidade, a empresa passou a enfrentar sérias
dificuldades para atender à demanda por seus serviços. E a sua incapacidade de promover
a expansão da oferta de energia e de atender às novas áreas, gerava constantes cortes no
fornecimento, além de aumentos “abusivos” nos preços, que passaram a ser o alvo de intensas reclamações, por parte da população.50
E a Câmara de Vitória reagia de forma muito sensível a essas reclamações. A
empresa tornou-se o alvo de críticas cada vez mais severas por parte de todas as bancadas.
Em uma ocasião, na qual os jornais discutiam as reivindicações salariais dos trabalhadores
da Companhia, o Vereador Manoel Moreira Camargo usou a palavra para esclarecer que
a Câmara não era contrária ao aumento desses trabalhadores, mas que o seu combate era
“contra a ganância sem limites e os lucros sempre crescentes da CCBFE, e não, jamais,
contra o aumento merecido dos salários”. A manifestação de Camargo foi aprovada por
unanimidade na Câmara.51
Na verdade, a tese mais apregoada na Câmara era a de que a referida empresa deveria ser “encampada” pelo governo. O Vereador Isaac Lopes requereu, nesse sentido, que
a Câmara enviasse à Assembleia Legislativa um apelo para que ela aprovasse o projeto do
deputado Jefferson de Aguiar que contemplava essa proposta. O único Vereador que votou contra foi José Cupertino, não porque ele fosse contra a ideia do projeto, mas porque
ele alegou desconhecer o “seu teor”. Contudo, todos os seus colegas aprovaram o projeto
que tramitava na Assembleia para que a “Central Brasileira” fosse “estatizada”. E essas
reclamações não deixavam de se refletir também na popularidade dos governos, acusados
de não encontrar uma solução para esse grave problema.
Os transportes coletivos também já se tornavam outra fonte de insatisfação na cidade. À medida que se povoavam os bairros mais distantes do centro da cidade, como Maruípe, Goiabeiras, Santo Antônio e Mulembá, atual Santa Marta, cresciam as reivindicações
pela ampliação das linhas de bonde elétrico e de ônibus, na cidade. O Vereador João Félix
da Silva, por exemplo, lamentou “o estado de abandono em que se encontram os serviços
50
A Segunda Legislatura 1951-1955
de transporte coletivos existentes no município”, e seu colega José Cupertino criticou o
prefeito “pela desigualdade que existe na Prefeitura quanto ao tratamento dispensado às
empresas de transportes coletivos”. De acordo com Cupertino, essa desigualdade afetaria
principalmente “ao povo suburbano”. Na mesma sessão, o Vereador Moreira Camargo denunciou “o abandono e o desleixo em que vem se debatendo o Departamento de Estradas
de Rodagem - DER”.52
Nessa época, os ônibus e bondes em circulação já não atendiam às necessidades
da população, transitando quase sempre lotados e não cumprindo os horários estabelecidos. A Vereadora Helena Liliana Pignataro, por exemplo, em uma de suas poucas intervenções na tribuna, requereu ao prefeito “para que tomasse as providências necessárias a
fim de que a empresa de ônibus, que faz a linha Vitória-Goiabeiras, cumpra o horário de
viagem estabelecido”.53
E até mesmo o problema dos acidentes de trânsito começava a chamar a atenção. Em outubro de 1952, Mário Gurgel lamentou a “sucessão de acidentes de tráfego
ultimamente ocorridos em Vitória” e salientou ainda que a “maioria dos motoristas não
têm nenhum respeito à integridade física e à vida dos pedestres”. O seu colega João Félix
da Silva, porém, defendeu os motoristas e atribuiu a culpa pelos acidentes à Inspetoria de
Trânsito, que não executava sua função a contento.54
A cidade já começava a viver problemas de estacionamento, e foi por isso que
Adir Baracho solicitou ao DER e à Inspetoria Estadual de Trânsito, mesmo com a reprovação de seus colegas, que publicassem portarias no sentido de “proibir o estacionamento
de ônibus nas partes dos clubes e nas estações de ferro”.55
Os problemas relacionados ao acúmulo de lixo nas vias públicas começavam a
se fazer sentir, o que tornava necessária a criação de um serviço de coleta de lixo. Nesse
sentido os vereadores José Cupertino e Wolghano Neto apresentaram projeto que visava à
aquisição de um caminhão destinado à coleta de lixo.56
Todavia, o mais grave problema da cidade relacionava-se ao abastecimento de
água. Além da insuficiência da rede instalada, que era mais notada à medida que a cidade se
51
História da Câmara Municipal de Vitória
expandia, existiam outras reclamações, que também se manifestavam na Câmara, e diziam
respeito à “impureza” da água que abastecia a cidade. Em 1949, a Prefeitura municipal de
Vitória iniciou a construção de uma nova represa em Cariacica para a captação de água, a
Represa de Duas Bocas, inaugurada, em 1951, pelo presidente Getúlio Vargas. Ela foi por
vários anos a principal fonte de abastecimento de água da região de Vitória, e atualmente
ela supre uma parte do município de Cariacica. A denominação “Duas Bocas” deve-se ao
encontro dos rios Panelas e Naiá-Assú. Desde o início, no entanto, as reclamações contra
ela eram comuns, dado que em 1953 o Vereador José Cupertino lembrava que “após a sua
inauguração, verificou-se um defeito na mesma, não tendo até agora a Prefeitura municipal
feito o necessário reparo, nem dado qualquer nota elucidativa ao povo, e que, devido ao
mau estado daquela represa, já se estão verificando em Vitória, vários casos de disenteria
bacilar”. Cupertino responsabilizou não só o governo estadual como também o municipal,
ao declarar que temia “qualquer epidemia resultante da má qualidade de água daquele reservatório”. Ele pediu que o serviço de água fosse entregue ao Serviço Especial de Saúde
Pública, a exemplo do que já faziam outros municípios, e que parecia ser uma ideia bem
sensata.57
No mesmo ano, o Vereador Manoel Moreira Camargo apelou ao governador, ao
prefeito e ao diretor do Departamento de Saúde no sentido de que se reparasse a barragem, “em virtude de a água que está sendo servida à população vir com muitas impurezas”.
Sobre a questão da barragem também se manifestou o Vereador Danglars Ferreira da Costa, e o requerimento foi finalmente aprovado por unanimidade.58
A falta de água era tão sentida que Mário Gurgel fez um apelo ao prefeito para
que, em entendimento com o Departamento de Saúde Pública, determinasse a perfuração
de poços artesianos nos diversos bairros da capital “a fim de fazer face à tremenda seca
que assola o nosso Estado”.59
Os problemas de abastecimento eram atribuídos aos equívocos que ocorreram
na construção da Represa Duas Bocas. A questão do desabastecimento de água, por isso
mesmo, tornou-se tão comum na cidade que obrigou a Câmara a instituir uma Comissão
Parlamentar de Inquérito para apurar as possíveis irregularidades ocorridas na construção
52
A Segunda Legislatura 1951-1955
dessa represa.60
As críticas à Prefeitura se intensificavam. Em junho de 1952, o presidente Orlando Cariello, como era de praxe, exaltava “a obra administrativa desenvolvida no Estado
pelo Sr. Jones dos Santos Neves”, porém seu colega José Cupertino apontava a situação
de “verdadeira calamidade administrativa que existe na Prefeitura municipal de Vitória”.
Cupertino ainda sugeriu que fosse efetuado, ao fim de cada gestão administrativa, um plano de obras e serviços para a Prefeitura, uma vez que lamentavelmente não existia nenhum
tipo de planejamento com esse objetivo.61
Em março de 1953, já existiam evidências de que a relação política e a aliança entre o PSD e o PTB, no plano estadual, se deteriorava irreversivelmente, e a gota d´água desse conflito parece ter sido a composição da Mesa da Assembleia Legislativa. Na Câmara,
o Vereador João Félix da Silva, do PTB, ao reportar-se aos acontecimentos verificados na
Assembleia, por ocasião da eleição da Mesa, declarou ter autorização de Arnaldo Andrade,
o presidente de seu partido, para afirmar que, em decorrência daqueles acontecimentos,
o PTB romperia com o PSD e que, caso isso não ocorresse, ele se desligaria de qualquer
compromisso com o seu partido. Gurgel aparteou seu colega ao julgar precipitada sua
decisão.62
No entanto, somente em maio de 1953 o engenheiro José Ribeiro Martins foi
finalmente substituído no cargo de prefeito por Armando Duarte Rabelo. A administração
de Rabelo principiou em maio de 1953 e se estendeu até 22 de janeiro de 1955.63
A substituição do prefeito, todavia, parece que não foi suficiente para diminuir o
ardor oposicionista da Câmara. A instauração de uma CPI para apurar a suposta “ineficiência” da Prefeitura, em relação à questão da construção da Represa de Duas Bocas e o seu
posterior “desmoronamento”, impeliu a Câmara e a Prefeitura a divergirem frontalmente
em inúmeras questões.
O projeto de lei, que reestruturava os cargos municipais, foi vetado pelo prefeito,
contudo a Câmara quase unanimemente rejeitou o veto. Na ocasião, o Vereador Francisco
Salles criticou acerbamente, como era de seu feitio, o prefeito Armando Rabelo, e lamen-
53
História da Câmara Municipal de Vitória
tou a expressão que ele teria utilizado perante os operários da Prefeitura, na qual vaticinava
que “a Câmara municipal de Vitória só sendo dissolvida”. Na opinião de Salles, esse dito
somente demonstrava “o espírito despótico do Senhor prefeito”.64
Ao concordar com seu colega, Mário Gurgel - o presidente da Câmara que parecia ter adotado uma postura de franca oposição ao Executivo municipal -, considerou
que a rejeição do veto do prefeito era uma questão de honra para a Câmara, porque se não
agisse assim, legaria a “Câmara vindoura um passado de fraqueza”.65Alguns dias depois,
ao defender a Câmara dos ataques que o jornal governista A Gazeta fazia à rejeição do
veto do prefeito, o mesmo Mário Gurgel assegurou que esse veto fora preterido “por falta
de alguém dentre os senhores vereadores que defendesse as razões apresentadas por Sua
Excelência”.66
Naquela altura, a campanha eleitoral para as eleições de outubro de 1954 estava
no auge, o que induziu aos ataques mútuos entre governistas e oposição, frequentes principalmente nos comícios, e com reflexo na Câmara. O governista Orlando Cariello, por
exemplo, usou a tribuna para fazer um protesto “veemente” contra a citação de seu nome
em um comício da “Coligação Democrática”, dos opositores. Nesse comício asseguraram
que a sua esposa ocupava um alto cargo no governo, em que receberia elevados vencimentos. Cariello rebateu essa acusação, afirmou que a esposa era advogada, possuía o curso
completo de Ciências Jurídicas e Sociais, mas que “nunca” ocupara “nenhum emprego
público, no Estado ou Município”, entretanto poderia ocupá-lo “com mais brilhantismo
do que o analfabeto que lançou esta mentira”. Francisco Salles, contudo o aparteou para
criticar o jornal A Gazeta, que fizera críticas à Câmara pela rejeição do veto do prefeito.
Salles afirmou que, ao perpetrar essa rejeição do veto, a Câmara não criaria “encargos para
a Prefeitura e sim o Senhor prefeito municipal” que, conforme Salles declarou, “vinha
criando inúmeros cargos para afilhados.”67
A combatividade demonstrada pela Câmara, na denúncia dos mais graves problemas da cidade, todavia não a livraria das críticas muito frequentes que apareciam na
imprensa contra a sua atuação. Essas críticas eram dirigidas muitas vezes à atuação de
determinados vereadores que, em resposta a elas, usavam da tribuna para se defenderem.
54
A Segunda Legislatura 1951-1955
Isaac Lopes Rubim, por exemplo, reportou-se ao tópico humorista, publicado no jornal
Folha do Povo, no qual, segundo ele, “foram feitos comentários desairosos aos trabalhos
legislativos do orador e do Senhor Vereador João Félix da Silva”, qualificou aqueles comentários de injustos e condenou, ainda, a direção daquele jornal pelos ataques injustificáveis, “atirados em última análise à Câmara municipal”.68O mesmo Vereador João Félix
se referiu ao uso abusivo dos carros oficiais, ao elogiar a campanha movida pelo jornalista
Setembrino Pelissari, na imprensa, contra essa irregularidade.69
As críticas à Câmara, contudo, não provinham somente da imprensa. José Cupertino solicitou providências à Mesa da Câmara, com a finalidade de que se respondessem às
críticas feitas pelo deputado estadual Argilano Dário. Na tribuna da Assembleia Estadual,
Argilano declarara que a Câmara municipal era conivente com o Executivo municipal,
principalmente nas concessões de aposentadorias com altos proventos “proporcionadas
aos seus funcionários”. Orlando Cariello, entretanto, se manifestou favorável a que fossem
averiguadas as denúncias de Argilano.70
Da mesma maneira já se faziam presentes, na própria Câmara, referências à utilização de funcionários para a prestação de serviços particulares aos vereadores, o que
certamente repercutia na opinião pública.71
Após a realização das eleições, em 3 de outubro de 1954, que consagraram a vitória da oposição na derrota política do progressista governo de Jones dos Santos Neves,
a oposição, na Câmara, já próxima ao fim da legislatura, ainda mantinha uma ativa postura
crítica com relação à administração municipal, presidida por Armando Rabelo. Leia-se, a
propósito dessa postura crítica, a segunda parte do expediente da sessão realizada no dia
20 de outubro de 1954. Informa a ata da sessão que:
Na segunda parte do Expediente usaram da palavra como oradores inscritos: - o Sr. Francisco
Salles, que se demora em considerações sobre como se desenrolaram as eleições de 3 de outubro,
criticando a atitude do Senhor chefe de Polícia em distribuir cédulas do candidato governista nos
bairros de Gurigica e Maruípe. Finalizando faz referências à carta enviada pelo Senhor prefeito
municipal ao Deputado Jefferson de Aguiar, na qual aquela autoridade municipal afirma que per-
55
História da Câmara Municipal de Vitória
mitiu a construção de barracas no Município a pedido daquele deputado. O orador lamenta a atitude do Sr. Armando Rabelo. O Sr. Beraldo Madeira, que faz críticas à atitude do Senhor prefeito
municipal, ao enviar correspondência ao Senhor Deputado Jefferson de Aguiar, afirmando que
permitiu a construção de barracas no Município a pedido daquele deputado, lamentando o orador
não ser o Município autônomo, porque assim se evitariam dessas explorações demagógicas. (Assume a presidência dos trabalhos o Senhor Vereador Francisco Salles). Finalizando, o orador refere-se ao discurso do Sr. Orlando Cariello, pronunciado na última sessão desta Câmara, afirmando
que, de fato, em comício se referira à pessoa do Senhor Vereador Orlando Cariello, mas não da
maneira como soubera aquele Vereador. O Sr. Isaac Rubim, que faz um retrospecto das atividades
dos Senhores vereadores durante a presente legislatura, afirmando que se o povo não sentiu os
efeitos destas atividades deve-se simplesmente à ação negativa dos Srs. prefeitos municipais. (Reassume a presidência dos trabalhos o Senhor Vereador Mário Gurgel). O Sr. José Cupertino, que
registra com tristeza a atitude política do Senhor prefeito Armando Rabelo ao enviar, na época
das eleições, a carta ao Senhor Deputado Jefferson de Aguiar afirmando que permitiu a construção de barracas a pedido daquele deputado. Esgotada a hora destinada ao Expediente, o Senhor
presidente passa a Ordem do Dia: Aprovado, em terceira discussão, redação final, o projeto de lei
nº 65 que autoriza o Executivo municipal a proceder aos estudos necessários ao aproveitamento
do Rio Mangaray. O Senhor presidente declara que entra em discussão única o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para apurar irregularidades na construção da Barragem
Henrique de Novaes. Manifestaram-se sobre o assunto: o Sr. José Cupertino, que faz uma análise
do relatório dizendo que o mesmo se ressente de base jurídica, sugerindo, por isso, a volta do
processo à Comissão. O Sr. Moreira Camargo, relator da matéria, justifica as possíveis falhas por
ventura encontradas no relatório. O Sr. Mário Gurgel, que concorda inicialmente com o ponto de
vista expendido pelo Sr. José Cupertino sobre a matéria em discussão, concluindo, entretanto, pela
inculpabilidade do prefeito Ribeiro Martins. Durante o tempo em que esteve na tribuna o Senhor
Vereador Mário Gurgel, ocupou a presidência dos trabalhos o Vereador Francisco Salles.72
Assim, com uma postura predominantemente oposicionista, essa legislatura encerrou-se em janeiro de 1955 com os seguintes vereadores: Mário Gurgel, presidente; Adir
Sebastião Baracho; Wolghano Netto; Francisco Salles; Isaac Lopes Rubim; Beraldo Madeira da Silva; José Cupertino Leite de Almeida; Hildebrando Gomes Lucas; Danglars Ferreira
da Costa; Helena Liliana Pignataro; José Francisco de Paula; João Félix da Silva; Manoel
56
A Segunda Legislatura 1951-1955
Moreira Camargo; Orlando Cariello; e Theóphilo Athayde da Silveira, ou seja, essa legislatura encerrou-se com a mesma composição inicial. Nesse intervalo de tempo, porém,
ocorreram pequenas substituições temporárias como a do Vereador Danglars Ferreira da
Costa, por sua suplente do PSD, a Senhora Geni Grijó.73
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 228 leis, assim classificadas:
01. Obras públicas: 10
02. Estrutura Organizacional: 5
03. Subvenções e auxílios: 20
04. Tributos: 26
05. Desapropriações, utilidade pública e alienação de bens: 33
06. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas: 17
07. Cargos, gratificação, salário e vencimento: 26
08. Orçamento: 32
09. Contrato, convênio, acordo: 2
10. Comenda, medalha, prêmio, troféu: 3
11. Patrimônio municipal, permutas, aluguel, compras e vendas: 24
12. Necrópole: 4
13. Posturas: 3
57
História da Câmara Municipal de Vitória
14. Educação: 1
15. Museu municipal: 1
16. Saúde: 1
17. PDU: 1
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI Nº 204, de 5 de setembro de 1951: Autoriza a construção de abrigos
de proteção aos passageiros, nos principais pontos de bonde e nos pontos terminais das
linhas de ônibus...Autoriza a exploração e a colocação de anúncios e a venda de guloseimas
em balcões estéticos, nos abrigos, destinando a renda para a construção de novos abrigos.
 LEI Nº 234, de 31 de dezembro de 1951: Autoriza o Executivo a promover
o funcionamento de feiras livres em Vitória.
 LEI Nº 248, de 28 de julho de 1952: Autoriza a construção do Palácio municipal, para funcionamento de todas as repartições municipais.
 LEI Nº 323, de 25 de novembro de 1953: Institui o Plano Municipal de
Obras e Empreendimentos.
 LEI Nº 331, de 14 de dezembro de 1953: Estabelece o Código Tributário
do Município de Vitória.
 LEI Nº 335, de 15 de dezembro de 1953: É permitida, na zona suburbana,
em áreas não urbanizadas, mediante licença prévia da PMV, independentemente do pagamento de qualquer emolumento, a construção de casas rústicas.
 LEI Nº 351, de 24 de abril de 1954: Aprova os Códigos de Obras, de Posturas e Tributário do Município de Vitória.
58
A Segunda Legislatura 1951-1955
 Lei nº 357, de 10 de julho de 1954: Dispõe que as aquisições e alienações
de materiais e bens e a concessão e execução de obras e serviços far-se-ão por meio de
concorrência pública ou administrativa.
 LEI Nº 379, de 27 de outubro de 1954: Doa à Universidade Federal do
Espírito Santo um terreno situado no bairro de Maruipe, medindo 1.168.000,00 m2, para
ser utilizado com fins educacionais ou assistenciais.
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CAPÍTULO III
A TERCEIRA LEGISLATURA
1955 - 1959 De Sérynes P. Franco, Mário Gurgel e Adelpho P. Monjardim a Oswald Guimarães
A Terceira Legislatura 1955-1959
UMA LEGISLATURA CONTURBADA
A terceira legislatura foi uma das mais conturbadas e conflituosas da história da
Câmara. Ela foi marcada não só pela vitória e ascensão da oposição ao governo estadual,
por meio de eleições, o que ocorria pela primeira vez na história política do Estado, como
também pela desintegração subsequente dessa frente política oposicionista chamada de
Coligação Democrática, que acabaria por resultar na sua derrota eleitoral em fins de 1958.
A frente de oposição, a Coligação Democrática, reuniu inicialmente o PTB, a
UDN, o PR, o PSP, o PDC, o PRP, e o PRT. Essa coligação de partidos derrotou uma
situação política que dominava o Estado havia muitos anos, sob a liderança de Jones dos
Santos Neves e Carlos Lindenberg. Mas não foi fácil manter a Coligação Democrática
unida no governo.
De acordo com Marta Zorzal e Silva, autora de um livro a respeito desse período,
a vitória, em outubro de 1954, de Chiquinho de Lacerda sobre Eurico Sales, com cerca de
10% dos votos a mais do que seu adversário, mostrou que o eleitorado e as forças políticas
estaduais estavam bem divididas. Essa divisão também ficou estampada na disputa para
os outros cargos, como os de senador, em que se elegeram Ary Vianna, da antiga situação, o PSD, e Atílio Vivácqua, do PR, um dos apoiadores da Coligação Democrática de
Chiquinho Lacerda. Para a Câmara Federal, a aliança PSD-UDN conseguiu eleger quatro
deputados enquanto a Coligação Democrática, apenas três. Na Assembleia Legislativa,
prevaleceram alianças eleitorais diferenciadas, em que se elegeram: no PSD, doze deputados; no PTB oito; no PSP, três; na coligação PR-PRP, quatro; e a UDN e o PDC obtiveram
cinco deputados.01
E para a Câmara municipal de Vitória, da mesma maneira, prevaleceu essa divisão
das forças políticas, dado que foram eleitos: no PSD, quatro vereadores; na UDN, dois; no
PTB, quatro; no PSP, três; enquanto no PDC elegeram-se apenas dois vereadores.02
63
História da Câmara Municipal de Vitória
A sessão preparatória da terceira legislatura ocorreu ainda com a presença dos
antigos vereadores, em 31 de janeiro de 1955, sob a presidência de Mário Gurgel, e contou
igualmente com a presença dos novos eleitos, que tomaram posse nesse mesmo dia. O
discurso “radical”, pronunciado por Francisco Salles, do PDC, nos dá bem uma ideia do
ambiente político conturbado existente na Câmara. Salles surpreendentemente, ao prestar
uma homenagem a Mário Gurgel, fez referências à sua “brilhante administração como
presidente da Câmara”, ao passo que Isaac Rubim, do PTB, ressaltava a importância dos
legislativos municipais. Esses discursos já anunciavam, de fato, o resultado da composição
da futura Mesa da Câmara.03
Os vereadores eleitos, em três de outubro do ano anterior, foram os seguintes:
João Luíz Horta Aguirre, Danglars Ferreira da Costa, Herondino Malacarne e Namyr Carlos de Souza, pelo PSD; Otacílio da Silva Lomba e Alceu Moreira Pinto Aleixo, pela UDN;
Mário Gurgel, Adir Sebastião Baracho, Agenor Amaro dos Santos e Nicanor Alves dos
Santos, pelo PTB; Beraldo Madeira da Silva, Dimar Cypreste Gomes e Abelardo Martins
Oliveira, pelo PSP; e Raulino Gonçalves e Ruy Lora, pelo PDC.04
Como se pode notar, a composição da Câmara se renovou em cerca de 75%.
Reafirmaram seus mandatos apenas quatro vereadores da legislatura anterior: Mário Gurgel - novamente o mais votado dos candidatos - e Adir Baracho, ambos do PTB; Danglars
Ferreira da Costa, do PSD; e Beraldo Madeira da Silva eleito pelo PSP. Otacílio da Silva
Lomba e Alceu Moreira Pinto Aleixo, mais uma vez eleitos pela UDN, eram vereadores
experientes visto que participaram da primeira legislatura (1947-1951), mas não tinham
conseguido se reeleger em “primeira mão” para a segunda.
Na eleição para a formação da Mesa, Mário Gurgel, cujo prestígio político estava
em alta, obteve treze votos para a presidência, com apenas dois votos dados em branco.
Com esse resultado, quebrou-se mais uma vez a tradição, já estabelecida, de não se renovar a eleição para a presidência da Casa. Gurgel foi sucedido na presidência por João Luiz
Horta Aguirre, em 31 de janeiro de 1956. No entanto, Aguirre renunciou em três de agosto
de 1956 e foi sucedido por Otacílio da Silva Lomba, que conseguiu reeleger-se em 1957,
e permaneceu na presidência até janeiro de 1958. O experiente Beraldo Madeira da Silva
64
A Terceira Legislatura 1955-1959
concluiu a legislatura na presidência da Casa, em princípios de 1959.
O início da atuação dessa legislatura em quase nada pressagiava o caráter tumultuado e extremamente conflituoso que ela ainda viria a ter. O governador Chiquinho Lacerda
nomeou como prefeito a Sérynes Pereira Franco. E o jornal carioca Correio da Manhã
noticiou essa nomeação, e informou que Sérynes era “médico e jornalista”. A reportagem
ainda acrescentou que: “Na atual conjuntura, não podia ser melhor a indicação do doutor
Pereira Franco que reúne as simpatias das agremiações políticas do grande Estado capixaba. É professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito do Estado, chefe do Serviço
Médico da Polícia Militar e membro do Conselho Penitenciário. Grandes manifestações
populares estão sendo preparadas para a posse do novo titular do governo espírito-santense, hoje, por ocasião da sua investidura.”05
O jornal carioca, porém, não fazia referência à filiação partidária do novo prefeito, aparentemente ligado ao PTB: é que Sérynes Pereira Franco era essencialmente um
“técnico”, ou seja, um intelectual. Ele nasceu em Vitória, em 1911, formou-se em medicina
e se especializou em psiquiatria. Exerceu o magistério superior na Faculdade de Direito do
Espírito Santo, na Escola de Farmácia e Odontologia e na Faculdade de Direito de Colatina, além de ter sido professor também em vários estabelecimentos de ensino secundário
da capital. Quando assumiu a prefeitura, já havia publicado uma extensa e variada obra a
respeito de assuntos relacionados à medicina.
O principal problema dessa nomeação de Pereira Franco era que a oposição pregava, e afirmava, antes de ganhar as eleições, ser favorável à autonomia municipal e à
eleição direta para o cargo de prefeito da capital - o que a nomeação feita pelo governador
Chiquinho postergava. Mas na Câmara, a nova situação política, em vez de discutir a promessa que fizera antes das eleições e emitir a sua opinião sobre ela, simplesmente elidiu a
questão e contou para isso com a conivência e o silêncio da própria oposição. Mário Gurgel, em suas primeiras intervenções na nova legislatura, preferiu fazer acalorados discursos
ao comentar assuntos políticos nacionais, como a respeito do discurso do presidente Café
Filho acerca da questão sucessória, em que assegurou a sua “repulsa e o seu protesto contra a infeliz manifestação de sua excelência”.06Gurgel, da mesma forma, abordou o tema
65
História da Câmara Municipal de Vitória
da política petrolífera do mesmo governo, que, segundo Gurgel, pretendia “entregar a
exploração de nosso petróleo aos trustes estrangeiros, com real prejuízo para a soberania
de nossa pátria”.07
Postergada assim a discussão do problema da autonomia municipal, o governador
Chiquinho de Lacerda se sentiu à vontade para comparecer à Câmara de Vitória - no mesmo dia em que o jornal carioca anunciou a nomeação de Sérynes - e declarar que reconhecia o “profícuo trabalho desta Câmara”. Reafirmou também o que ele chamou, eufemisticamente, de “propósitos de tudo fazer em prol da autonomia política da Capital.”08Pouco
tempo depois, porém, a oposição começaria a explorar politicamente essa aparente contradição na postura do governo.
No início, o fato de que, no plano nacional, o PTB, - a principal base de apoio
de Chiquinho Lacerda -, estivesse próximo ao PSD e lutasse pela candidatura de Juscelino
Kubitschek à presidência, favorecia uma aproximação dos dois partidos no plano estadual. Assim, na Câmara municipal, João Luiz Aguirre, do PSD, que viria a ser um ferrenho
opositor de Chiquinho Lacerda, declarava “serem diminuídas as suas restrições feitas ao
senhor governador do Estado, recém-empossado”.09
Enquanto isso, Beraldo Madeira da Silva, do PSP, após concordar com as críticas
de Mário Gurgel ao presidente Café Filho - que pertencia ao seu partido -, registrou “com
satisfação” a ordem emanada do gabinete do governador Chiquinho, na qual se proibia “a
utilização dos veículos oficiais fora do expediente normal das repartições públicas”. Essa
ocorrência sugeria, supostamente, o ideal de um governo de austeridade.10
No princípio de seu mandato, o prefeito Sérynes se apresentava em consonância com a nova política de feitio populista, de aproximação com os eleitores. Essa nova
política já tinha sido aplicada na campanha de Chiquinho Lacerda, e, aparentemente, se
pretendia implementar no governo municipal. O prefeito nomeado buscou essa “aproximação” com contatos diretos com a população, o que parecia ser um novo estilo de gestão
da prefeitura. Na Câmara, Nicanor Alves dos Santos, do PTB, saudou essa iniciativa ao
congratular-se com o prefeito “pelo contato que Sua Excelência vem estabelecendo com
66
A Terceira Legislatura 1955-1959
os moradores dos diversos bairros da capital, procurando assim auscultar as suas necessidades mais prementes”.11
Nicanor Alves dos Santos continuou a elogiar as determinações tomadas pelo
prefeito “em prol dos bairros pobres da capital”. Seu colega Raulino Gonçalves aproveitou
para comunicar à Câmara acerca da visita que fizera, na companhia do prefeito, aos morros
da Piedade e da Fonte Grande, “ocasião em que o senhor prefeito municipal determinou
uma série de providências para melhorar as condições de vida dos moradores locais”. Na
mesma oportunidade, o Vereador Abelardo Martins de Oliveira noticiou a visita que também fizera, em companhia do Vereador Nicanor, aos bairros de Santo Antônio e Ilha das
Caieiras.12Adir Baracho preferiu criticar os aumentos de preços que foram concedidos pela
Comissão de Abastecimento e Preços, e ainda solicitou que essa repartição estadual fosse
mais comedida no assunto. Entretanto, ele aproveitou o momento para cumprimentar o
prefeito “pela série de medidas administrativas que Sua Excelência vem tomando em favor
dos bairros da capital”.13
Essa postura do prefeito, apoiada pelos vereadores da coligação partidária que
o elegeu, incentivava claramente o aumento das reivindicações por melhorias, e com isso
a Câmara se transformou rapidamente em um canal para esses pedidos. Mas, a própria
oposição aproveitou o embalo dessas reivindicações para fazer críticas à administração do
prefeito Sérynes. João Luiz Horta Aguirre, por exemplo,
que era do PSD, como já informado, requisitou a presença, na Câmara, do Diretor de Águas da Prefeitura “a fim
de prestar esclarecimentos sobre o tratamento da água,
em vista do surto de tifo que já vem assolando a cidade
de Cachoeiro de Itapemirim e que a Câmara, de posse
desses esclarecimentos, possa tomar medidas acauteladoras em benefício da população da Capital”.14Seu colega
Namyr Carlos de Souza, também do PSD, e que se destacaria na legislatura por suas críticas contundentes ao prefeito, chamou a atenção para a necessidade de expansão
da rede de postos de saúde da Prefeitura.15
Namyr Carlos de Souza
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
67
História da Câmara Municipal de Vitória
É interessante assinalar que o aumento das pressões por obras e benefícios, incitadas pelo próprio governo municipal com sua postura “populista”, ocorreu desde o
início da gestão de Sérynes, em uma conjuntura na qual já se colocava o problema de verba
orçamentária disponível.
Já no primeiro mês da gestão de Sérynes, Nicanor Alves dos Santos destacou o
problema das obras de cobertura da vala de Jucutuquara. Alegou que recebera informações
de que essas obras seriam interrompidas porque “já foram ultrapassadas as verbas do exercício de 1955”, mas ele não achava justo que o prefeito “sacrificasse” uma obra daquele
porte e necessidade.16
Ao analisar a nota do prefeito, que esclarecia a interrupção das obras de Jucutuquara “sem um motivo plausível”, Beraldo Madeira da Silva manifestou-se contrário a ela.
E seu colega Danglars Ferreira da Costa se solidarizou com ele. Nicanor aproveitou para
lembrar que um dos motivos da paralisação temporária das obras de Jucutuquara fora a
transferência da responsabilidade da reconstrução da Represa de Duas Bocas, do Estado
para a Prefeitura. Nicanor então advertiu que “se a Prefeitura prosseguir neste ritmo não
disporá de recursos para atender as mais elementares necessidades das populações dos
bairros da capital”. A discussão sobre o assunto se generalizou, dada a sua óbvia importância, mas a maioria se manifestou favorável a que as obras não fossem interrompidas.17
A respeito desse tema se manifestou o Vereador Danglars Ferreira da Costa mediante um pedido de informações ao prefeito sobre as despesas efetuadas com os primeiros cento e vinte metros de pavimentação da vala. Diante da demora em obter essa resposta, Danglars considerou que o silêncio do prefeito, em relação ao seu pedido, “constitui
um ato inamistoso para com os senhores vereadores”. Danglars continuava a defender a
execução de uma obra que era para ele “uma das mais justas aspirações dos moradores
locais”.18
Nesse contexto de “aperto financeiro”, Nicanor Alves se viu obrigado a atacar
a carta de autoria de Namyr Carlos de Souza, publicada no jornal A Gazeta. Na carta, ele
teceu “referências depreciativas” aos vereadores da situação, que votaram o projeto de
68
A Terceira Legislatura 1955-1959
resolução, em que se fixou o valor de novos subsídios para o prefeito. Nicanor criticou a
atitude de Namyr, mas estranhou a omissão em sua carta dos nomes do Vereador Beraldo
Madeira da Silva e do próprio líder do PSD, que também apoiaram a medida.19
Para agravar o quadro, mal principiara o governo de Chiquinho Lacerda, já começaram a surgir divergências graves entre os seus apoiadores. Nesse sentido, Nicanor Alves
foi à tribuna e, ao fazer uma análise da situação política estadual, hipotecou solidariedade
pessoal ao deputado estadual Floriano Rubim, líder do PTB. De acordo com Nicanor, esse
deputado transformara-se em uma “vítima de intrigas políticas com o fim de desprestigiá-lo perante a opinião pública, pelos seus próprios companheiros da coligação democrática”.20
Ao referir-se ao mesmo tema, Nicanor Alves lamentou as “preferências” que o
seu colega de partido Mário Gurgel fizera ao prefeito. Declarou ainda que as “investidas
do Senhor Mário Gurgel contra o atual prefeito prendem-se a rumores de que S. Exª. será
candidato à prefeitura nas próximas eleições”. Nicanor arrematou e afirmou que “as lutas
no seio do Partido não deveriam ser trazidas à tribuna da Câmara”.21
Poucos meses após a posse, a oposição de Gurgel ao prefeito era manifesta e já
transparecia em pequenos episódios. No princípio de maio de 1955, Gurgel foi à tribuna
e esclareceu que a colocação de um coletor de lixo na Ilha do Príncipe, medida que ele
reputava de grande importância para o bairro em que nascera, efetuou-se a seu pedido.
No entanto, ele estranhava a declaração do prefeito, na qual informava que a colocação do
coletor de lixo tratara-se de um pedido do Vereador Ruy Lora. Gurgel criticou a atitude
do prefeito, e ainda alertou-o a que não usasse “a Prefeitura municipal para fins não revelados”. Ele adiantou a notícia de que cerca de duzentos operários seriam despedidos pela
Prefeitura, e que ele era contra essa medida.22
A oposição, por sua vez, incentivava o dissídio entre o presidente da Câmara e o
prefeito. E o Vereador Namyr Carlos de Souza, por exemplo, dois dias após esse discurso
de Gurgel, declarou na tribuna que “diante do impasse existente entre o Senhor Vereador
Mário Gurgel e o Senhor prefeito municipal, se manterá ao lado do Senhor presidente da
69
História da Câmara Municipal de Vitória
Câmara nesta emergência”.23
Uma semana mais tarde, Gurgel, ao mencionar novamente a sua divergência com
o prefeito, disse que não mais se referiria a ele até que a “questão” da sucessão municipal
fosse resolvida. Ressaltou da mesma maneira que as suas críticas a ele “foram motivadas
pela série de desconsideração que recebera daquela autoridade”, uma vez que “representava a Câmara municipal de Vitória”.24
A postura de Gurgel encontrava apoio em muitos vereadores, mas não eram todos eles que concordavam com suas críticas ao prefeito. Mesmo dentro de seu partido, o
PTB, o prefeito contava com apoiadores. Quando Gurgel afirmou que o prefeito somente atendia aos pedidos daqueles vereadores que o apoiavam, Nicanor Alves - do mesmo
partido de Gurgel, o PTB - defendeu o prefeito. Nicanor asseverou que o prefeito tinha
“procurado, dentro do possível, atender às mais justas aspirações do povo de Vitória e, em
que pesem as críticas formuladas, as obras continuam em seu ritmo normal e o povo está
satisfeito porque, em muitos bairros, Sua Excelência tem ultrapassado a expectativa pelo
muito que vem realizando, daí a razão das homenagens que vem recebendo”.25
A insinuação, expressa por Gurgel, de que um dos seus irmãos - que ocupava cargo de confiança na Prefeitura -, não fora demitido porque o prefeito pretendia “dar uma
ideia falsa de que não existe perseguição no Executivo”, provocou celeuma na Câmara. O
Vereador Ruy Lora o aparteou e assegurou que ao prefeito “não” animava “nenhum espírito de vingança”, e por isso não demitira o irmão de Gurgel, “que o tem atacado tanto
neste plenário”.26
Como se pode observar, a divergência política entre o presidente da Câmara e o
prefeito tinha origem na questão sucessória. Naquela altura, agitava-se na Assembleia Legislativa a discussão de um projeto que pretendia estabelecer a autonomia municipal, antiga
bandeira da oposição, que, desde que assumira o governo, silenciara sobre a questão. Mas a
nova oposição, capitaneada pelo PSD, agitava nesse momento a questão e encontrava grande acolhimento na opinião pública. E como não poderia deixar de acontecer, a discussão
do projeto na Assembleia repercutiu na Câmara, e o Vereador Alceu Aleixo, “para defen-
70
A Terceira Legislatura 1955-1959
der a momentosa questão da autonomia municipal”, elogiou a indicação feita por Namyr
Carlos de Souza, ocorrida alguns dias antes. Namyr Carlos alegou que a Câmara deveria se
manifestar “para que a Assembleia Legislativa considere de urgência a proposição apresentada à consideração daquela Casa de Leis sobre a autonomia do município de Vitória”.27
UM TIROTEIO NA CÂMARA
Todavia, enquanto se agitava a discussão da questão sucessória e da autonomia
municipal, uma outra discussão aflorou repentinamente na Câmara. Tratou-se de um episódio que marcou a história da Câmara e veio a ter nela, e em toda a sua história, uma
consequência muito negativa, em termos de seu prestígio e de sua reputação.
No dia 20 de maio de 1955, o Vereador Danglars Ferreira da Costa usou a tribuna para denunciar que recebera a seguinte informação:
a de que um “aterro”, que estava “sendo levado a efeito
nos fundos do Estádio Governador Bley”, tinha na realidade “o fito de apropriação indébita dessa área”. Danglars ainda protestou contra as insinuações “de que essa
pretendida invasão, para assegurar direitos de terceiros”
era realizada “por determinação e no interesse de certo
Vereador, que estaria com esse procedimento - se verdadeiro - ferindo frontalmente os interesses do Estado e
Danglars Ferreira da Costa
comprometendo o bom nome da Câmara municipal”.28 Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
A grave acusação, levantada pelo Vereador Danglars Ferreira da Costa contra
“certo Vereador” sem nomeá-lo claramente – tratava-se de Elie Moussatché -, consistiu
na informação de que ele invadira e se apropriara de uma área pública, e não ficou sem
resposta. Na verdade, na seção seguinte, após o triste espetáculo da troca de impropérios,
impublicáveis, essa acusação provocou um tiroteio estrepitoso no recinto da Câmara, entre
os dois vereadores. O presidente Mário Gurgel, ao tentar proteger a reputação da Câmara,
alegou que os “diálogos” - travados entre os dois vereadores, antes da troca de tiros - feriam o decoro parlamentar e tentou suprimi-los da respectiva ata da sessão. No entanto,
71
História da Câmara Municipal de Vitória
nas sessões posteriores, em que se discutiu a aprovação da ata em questão, a decisão de
Gurgel foi questionada por alguns de seus colegas que exigiram que na ata constasse textualmente o que havia realmente ocorrido.
Na ata da sessão em que ocorreu o episódio da troca de tiros pode se ler o seguinte:
Ata da 45ª (quadragésima quinta) Sessão Ordinária da 1ª Sessão Legislativa da 3ª Legislatura da
Câmara municipal de Vitória, realizada aos vinte e cinco (25) dias do mês de maio do ano de
mil novecentos e cinquenta e cinco (1955), em sua sede localizada no quarto andar do Edifício
“Glória’”, sob a presidência dos Senhores vereadores Mário Gurgel e Beraldo Madeira da Silva. Decorridos quinze minutos da hora regimental para o início da sessão, presentes os Senhores vereadores Mário Gurgel – presidente; Beraldo Madeira da Silva – vice-presidente; Raulino
Gonçalves – 1º Secretário; Ruy Lora – 3º Secretário, servindo como segundo; Otacílio da Silva
Lombo; Namyr Carlos de Souza; João Luiz Horta Aguirre; Nicanor Alves dos Santos; Herondino
Malacarne; Abelardo Martins de Oliveira e Adir Sebastião Baracho, deixando de comparecer os
Senhores vereadores Alceu Moreira Pinto Aleixo, Danglars Ferreira da Costa, Elie Moussathcé e
Ethereldes Queiroz do Valle, o Senhor presidente declara aberta a sessão, em vista da existência
de número legal. Lida a ata da sessão anterior pelo Senhor 2º Secretário, é a mesma aprovada,
como redigida. O Senhor 1º Secretário lê o seguinte Expediente: Telegrama do Senhor presidente
do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Municípios. Ofício do Senhor Secretário
da Associação Espírito-Santense de Imprensa. Ofício do Senhor presidente da Câmara municipal
de Muniz Freire. Ofício do Senhor prefeito municipal de Aracruz. Ofício do Senhor presidente à
Assembleia Legislativa do Estado. Ofício do Senhor presidente da Associação Espírito-Santense
de Imprensa. Ofício do Senhor presidente, digo, Ofícios números 1.038, 1.039, 1.040, 1.041,
1.042, 1.043, 1.044, 1.045, 1.046, 1.047 e 1.051/55, do Senhor prefeito municipal de Vitória. Ofício nº 380/55, do Senhor Diretor do Departamento de Imprensa Oficial. (Comparece o Senhor
Vereador Ethereldes Queiroz do Valle). Enviado às Comissões de Justiça e Finanças o projeto de
lei nº 82/55, de autoria do Senhor Vereador Mário Gurgel. (Comparece o Senhor Vereador Danglars Ferreira da Costa). Enviado às Comissões de Justiça e Finanças o projeto de lei nº 83/55, de
autoria do Senhor Vereador Danglars Ferreira da Costa. Aprovados os requerimentos números
303 e 304/55, de autoria do Senhor Vereador Adir Sebastião Baracho. Aprovado o requerimento
72
A Terceira Legislatura 1955-1959
nº 305/55, de autoria do Senhor Vereador Abelardo Martins de Oliveira. Aprovados os requerimentos números 306, 307, 308, 309, 310, 311, 312, 313 e 314/55, de autoria do Senhor Vereador
Mário Gurgel. Permanece em pauta, em virtude de ter-se esgotada a hora destinada à primeira
parte do Expediente, o requerimento nº 315/55, de autoria do Senhor Vereador Mário Gurgel.
Manifestaram-se sobre o assunto o seu autor e o Senhor Vereador Nicanor Alves dos Santos. Durante o tempo em que esteve na tribuna o Senhor Vereador Mário Gurgel, ocupou a presidência
dos trabalhos o Senhor Vereador Beraldo Madeira da Silva. (Comparece o Senhor Vereador Elie
Moussatché). Na segunda parte do Expediente, fizeram uso da palavra como oradores inscritos: o
Senhor Vereador Namyr Carlos de Souza, para se congratular com a nova constituição da Diretoria da União Espírito-Santense de Estudantes. A seguir traz ao conhecimento da Casa a agressão
de que foram vítimas vários vendedores de laranjas na Rua do Comércio, na tarde de hoje, por
parte de fiscais da Prefeitura. O Senhor Vereador João Luiz Aguirre, para comunicar à Mesa que
cederá seu tempo ao Senhor Vereador Elie Moussatché, a fim de que o mesmo possa se defender
das acusações que lhe foram feitas, solicitando a maior serenidade no desenrolar dos debates. O
Senhor Vereador Elie Moussatché, que prestou esclarecimentos em torno da suposta invasão de
terrenos pertencentes ao Estado e localizados atrás do Estádio “Governador Bley”, frisando que,
efetivamente, está aterrando a referida área, mas que a mesma não é de propriedade do Estado.
Quando na tribuna o Senhor Vereador Elie Moussatché, o Senhor presidente suspende a sessão
por três minutos em virtude de o orador ter usado expressões antiparlamentares com referência
a um seu colega de
Câmara. (Comparece o Senhor Vereador Alceu Aleixo). O Senhor Vereador Danglars Ferreira da
Costa, que esclarece que os documentos exibidos à Casa pelo Senhor Vereador Elie Moussatché
não destroem a acusação contra o mesmo, formulada de invasão de terrenos do patrimônio do
Estado. Quando na tribuna o Senhor Vereador
Danglars Ferreira da Costa, o Senhor presidente suspende a sessão por três minutos em virtude de
o orador ter usado expressões antiparlamentares com referência a um seu colega de Câmara, solicitando-se serenidade aos Senhores vereadores. O Senhor Vereador Abelardo Martins de Oliveira,
que protesta contra a nota escrita em o jornal A Gazeta, referente à caneta-tinteiro que recebeu
como lembrança dos seus amigos que têm estabelecimentos comerciais no Mercado da Avenida
Capixaba. Esgotada a hora destinada ao Expediente, o Senhor presidente passa à Ordem do Dia.
73
História da Câmara Municipal de Vitória
Aprovada em terceira discussão o projeto de lei nº 130/55. Usou da palavra para explicação pessoal o Senhor Vereador Elie Moussatché que se refere aos documentos trazidos ao conhecimento do
plenário, os quais vieram provar a legalidade de sua atitude ao beneficiar uma área de terrenos de
propriedade do Domínio da União e não do Estado. Aprovado em terceira discussão o projeto de
lei nº 13/55. Usou da palavra para justificação de voto favorável à aprovação do projeto o Senhor
Vereador Beraldo Madeira da Silva. Para explicação pessoal usou da palavra o Senhor Vereador
Danglars Ferreira da Costa que se refere a denúncia que trouxe a esta Casa, de que Vereador desta
Câmara estaria invadindo terrenos de propriedade do Estado. Aprovado em segunda discussão o
projeto de lei nº 116/55. Manifestaram-se sobre o assunto os Senhores vereadores Nicanor Alves
dos Santos, João Luiz Horta Aguirre, Ethereldes Queiroz do Valle e Beraldo Madeira da Silva.
Em virtude de ter sido rejeitado por unanimidade o requerimento verbal formulado pelo Senhor
Vereador Raulino Gonçalves, em que solicitava a volta do presente projeto à Comissão de Justiça,
o referido Vereador solicita da Mesa permissão para se retirar do plenário, a fim de não votar no
presente projeto de lei. O Senhor presidente solicita a atenção do plenário para o artigo noventa
e sete do Regimento Interno, em que estabelece os casos em que o Vereador está vedado de votar, proibindo ao Vereador eximir-se de votar nos demais casos. Usou da palavra para explicação
pessoal o Senhor Vereador Danglars Ferreira da Costa para se referir ao assunto da acusação que
pesa sobre o Senhor Vereador Elie Moussatché, esclarecendo que as provas trazidas pelo mesmo
Senhor Vereador não desfazem aquelas acusações. Em virtude dos apartes violentos travados
entre o Senhor Vereador da tribuna e o Senhor Vereador Elie Moussatché, o Senhor presidente
suspendeu a sessão até que seja restabelecida a ordem no recinto. Restabelecida a ordem, o Senhor
presidente determina ao Senhor 1º Secretário proceder à chamada para verificação de quórum.
Constatada a não existência de número legal, o Senhor presidente declara encerrada a sessão,
convidando antes os Senhores vereadores a comparecerem à próxima, a realizar-se sexta-feira
vindoura à hora regimental, para a qual designa – Expediente – o que ocorrer, e Ordem do Dia
– terceira discussão do projeto de lei nº 116/55; primeira discussão dos projetos de lei números
15/55, 20/55, 25/55, 37/55, 36/55, 2/55, 119/55, 17/55, 46/55, 38/55, 29/55, 26/55, 28/55,
16/55, 110/55, 8/54 e 126/55; discussão única do parecer da Comissão de Justiça oferecida ao
processo nº 256/55; e mais trabalho das comissões. (Encerra-se a sessão às dezesseis horas e
quarenta e cinco minutos). Do que, para constar, eu, técnico de assessoria, lavrei a presente ata
que, depois de lida e considerada aprovada, vai assinada pelo Senhor presidente e pelos Srs. 1º e
2º Secretários da Mesa.29
74
A Terceira Legislatura 1955-1959
Como se pode perceber, esta ata não descreveu com fidelidade o ocorrido na Câmara, e foi por causa disso que nas sessões seguintes alguns vereadores exigiram a inclusão
de seus relatos. Na sessão realizada no dia 3 de junho de 1955, o Vereador Nicanor Alves
dos Santos fez o seguinte pronunciamento:
O Sr. Nicanor Alves dos Santos – Senhor presidente, Srs. Vereadores: A ata que ora se discute
é de suma responsabilidade para a Câmara. Assim, Senhor presidente, requeiro em benefício da
própria Câmara, a inserção em ata de expressões usadas, que naturalmente o presidente houve
por bem retirá-las por serem antiparlamentares. Em vista do ocorrido, em vista da decisão da
Câmara, essas expressões hão de constar de nossa ata, para provar futuramente que a Câmara
agiu em defesa do decoro da Casa. Ouvimos, por exemplo, o Vereador Elie Moussatché dizer
que não tinha o hábito de dedilhar funcionários públicos, que não tinha o seu nome em diário de
mulheres suspeitas; o Vereador Danglars disse, entre outras coisas, que o Vereador Elie Moussatché era um crápula, um energúmeno, que não podia ter feito aquilo de que falara o Vereador
Elie Moussatché, porque não conhecia a sua mãe, a sua irmã, nem a sua mulher, e acentuou essas
expressões, que pediria ao Senhor Secretário encarregado da confecção da ata anotasse, porque
repetiu: Não conheço sua mãe, a sua irmã, nem sua mulher. Faço questão que conste em ata o
tiroteio, quando o Vereador Douglas Ferreira da Costa atirou cerca de seis tiros, e o Vereador Elie
Moussatché revidou com três disparos, já comprovados pela polícia, pela perícia. Em vista disso,
requeiro, após ouvido o plenário que conste em ata estes fatos, por serem antiparlamentares, para
futura defesa da Câmara.30
Em seguida, na mesma sessão, o Vereador João Luiz Aguirre também narrou os
acontecimentos e exigiu que o seu relato fosse igualmente incluído em ata. Ele afirmou:
Senhor presidente, Senhores vereadores. Já ouvimos desfilar pela tribuna da Casa dois vereadores
que zelando pelo bom nome da Câmara se negam a aprovar a ata conforme redigida. É nosso
dever não aprovar a ata conforme porque os fatos ocorridos na sessão passada enodoam o nome
da Casa, e ela não pode ser uma ata corriqueira. Esta ata deve retratar com fidelidade os fatos
no plenário. Democrático, na defesa mesmo do nobre Vereador Danglars Ferreira da Costa, meu
companheiro, devo frisar como se passaram os acontecimentos. O Senhor Vereador Elie Moussatché procurando se defender de acusações, cujo acusador não havia mencionado nomes, S. Exª.
75
História da Câmara Municipal de Vitória
quando em revide também não se referiu ao nome do Vereador Danglars Ferreira da Costa, seu
acusador. Terminando a sua defesa, já com os tímpanos soando, S. Exª. disse que não costumava
dedilhar suas funcionárias, que não tinha o seu nome em diário de mulheres suspeitas, e não prestava favores com fins eleitorais. Devo acrescentar com honestidade que o Senhor presidente já
tinha suspenso a sessão. Na oportunidade, o Vereador Danglars Ferreira da Costa manteve-se impassível, não tendo dirigido qualquer incriminação contra S. Exª. Posteriormente, em explicação
pessoal, o Vereador Danglars Ferreira da Costa referiu-se aos documentos que o Sr. Elie Moussatché havia trazido ao plenário, dizendo que os mesmos não tinham nenhum valor, e terminando
disse que desde que S. Exª. havia mencionado fatos de sua vida particular, devia dizer que não
conhecia a família do Vereador que contendia com ele. O Vereador Elie Moussatché levantou-se
pedindo a intervenção da Presidência, que suspendeu a sessão. Mesmo assim o Vereador Danglars
Ferreira da Costa continuou dizendo que não conhecia a sua família, a sua irmã, nem a sua mulher.
Nessa ocasião, o Senhor presidente pediu que o nobre Vereador Danglars Ferreira da Costa se
retirasse da tribuna, que, insistindo repetiu que não conhecia a sua família, a sua irmã, a sua mãe,
nem a sua mulher. Nessa ocasião, é preciso ficar bem claro, o Vereador Elie Moussatché sacou da
arma, e percebi que o Vereador Danglars Ferreira da Costa ainda da tribuna disparou em primeiro
lugar, talvez em primeiro ou segundo lugar. S. Exª desceu da tribuna trocando tiros com o Vereador Elie Moussatché e procurando atingir a porta de saída. Peço, Senhor presidente, que submeta
à votação do plenário a redação da ata, tal que retrate com fidelidade o que aconteceu naquela
sessão, o que por certo marcará data na vida do Legislativo da cidade. Era o que eu tinha a dizer.
Em seguida o Senhor presidente submete à votação a ata da sessão anterior, com as transcrições
requeridas pelos vereadores Nicanor Alves dos Santos e João Luiz Horta Aguirre, sendo a mesma
aprovada.”31
O episódio foi lamentável e repercutiu de forma muito intensa na cidade. É lembrado até hoje como um dos piores momentos na história da Câmara de Vitória. Os dois
vereadores envolvidos tiveram os seus mandatos cassados pela Câmara, mas essa decisão
foi posteriormente revogada pela justiça comum. E os dois voltaram a atuar juntos na
mesma legislatura.
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A Terceira Legislatura 1955-1959
A DISSIDÊNCIA POLÍTICA
Poucos dias após o tiroteio da Câmara, no dia 8 de junho de 1955, realizou-se
em Vitória, na histórica Praça Oito, um grande comício contra a autonomia municipal. O
governo e os partidos de sua coligação responderam ao movimento político, organizado
pela oposição, - a partir da Assembleia Legislativa -, não só em prol da autonomia como
também a favor da realização de eleições para o cargo de prefeito municipal da capital. É
muito interessante conhecer a esse respeito qual foi a atitude da Câmara diante do movimento, uma vez que era a principal interessada no assunto.
No dia seguinte ao comício, o Vereador Namyr Carlos de Souza, da oposição,
ocupou a tribuna para fazer críticas ao comício e expender conceitos em favor da “autonomia ampla e imediata para o município da Capital”. Todavia, o Vereador Raulino Gonçalves declarou ter tomado parte no comício referido, “porquanto é a favor da autonomia da
Capital, condicionando, entretanto, a eleição do prefeito para o ano de 1958, juntamente
com a do governador do Estado.” Agenor Amaro dos Santos também se manifestou nesse
mesmo sentido. Mário Gurgel, porém, deixou temporariamente a presidência para fazer
um discurso em que lamentou a realização do comício. No entanto, seu colega de partido
Nicanor Alves dos Santos apoiou o comício ao afirmar que “o povo assim procedeu porque está satisfeito com as realizações do atual prefeito”. Entretanto, nessa mesma sessão,
o Vereador João Luiz Aguirre ainda trouxe ao conhecimento da Câmara a notícia de que a
Assembleia rejeitara o projeto que concedia autonomia a Vitória, “lamentando este acontecimento”. Como resposta a essa notícia, Namyr Carlos requereu que fosse registrado
em ata um voto de pesar pela atitude da Assembleia. Seu colega Raulino Gonçalves votou
contra esse requerimento “por entender que o mesmo fere a majestade do Poder Legislativo estadual”. Da mesma forma protestou contra a atitude da Assembleia o Vereador
Alceu Aleixo.32
A posição de Mário Gurgel no PTB, entretanto, ficava cada vez mais difícil e complicada. A “gota d´água” de sua saída do partido parece ter sido motivada pelo desfecho
dado às candidaturas na campanha presidencial de 1958, um tema que já tomara conta das
preocupações políticas do país.
77
História da Câmara Municipal de Vitória
Em junho de 1955, definiu-se a aliança nacional entre o PSD e o PTB com as
candidaturas de Juscelino Kubitschek, pelo PSD, para a presidência, e a de Jango para a
vice-presidência, pelo PTB. O acordo foi saudado na Câmara pelos vereadores, pelos representantes de ambos os partidos, apesar de eles serem adversários no âmbito estadual e
municipal.33
Uma semana após essa decisão, o novo Vereador Setembrino Pelissari, do PSP, que assumira na vaga aberta pelo afastamento de seu colega Elie Moussatché, envolvido
no tiroteio da Câmara -, anunciava que, durante a realização do conclave da Coligação Democrática, o governador Chiquinho Lacerda fora eleito presidente da Coligação. Contudo,
o Vereador Beraldo Madeira da Silva sentiu a necessidade de esclarecer que não tinha fundamento a notícia de que alguns vereadores da Câmara de Vitória tinham sido impedidos
de participar da reunião da Coligação.34
Poucos dias após, no dia 13 de julho de 1955, a Câmara realizou uma cerimônia
especial de homenagem ao Vereador Dimar Cypreste Gomes, do PSP, falecido no dia anterior. Dimar mal começara o seu mandato na Câmara e foi acometido por uma doença
que o levaria à morte.35
E novamente, após dois dias, o Vereador Nicanor Alves dos Santos lamentou
outra ocorrência: “a perda irreparável” que acabava de sofrer o PTB “com a retirada do
Senhor Vereador Mário Gurgel”. Entretanto, o seu colega Raulino Gonçalves afirmou que
se confirmava com essa notícia “o que dissera da tribuna, de que o PTB não estava coeso
ao lado do Sr. Juscelino Kubistchek”, e sugeriu que fora esse o motivo do desligamento de
Gurgel do PTB. Setembrino Pelissari deixou transparecer a sua satisfação com o fato de “o
nobre Vereador Mário Gurgel” ter ingressado nas fileiras do PSP, o partido do governador
de São Paulo, Ademar de Barros.36Nicanor repercutiu a nova opção de Gurgel ao analisar
a ação “subterrânea” do PSP contra o PTB. Na mesma sessão, porém, Gurgel se congratulou com seu antigo partido pelo surgimento do jornal Correio Trabalhista, e aproveitou a
oportunidade para declarar que o prefeito Sérynes Pereira Franco vinha “se afastando dos
princípios do PTB, ao qual Sua Excelência pertence”.37
78
A Terceira Legislatura 1955-1959
Nicanor Alves dos Santos continuou a fustigar
os partidários do PSP e ainda se viu obrigado a responder aos supostos ataques que recebeu pela imprensa.
Contra um artigo, publicado no jornal A Tribuna, ele
esclareceu que “jamais fez ataques ao Exº. Senhor governador do Estado”. No entanto, Setembrino Pelissari
refutou as acusações que o Vereador Nicanor fez contra
o jornal A Tribuna e o PSP. Na sequência, Beraldo Madeira da Silva considerou “injustas as acusações feitas ao
Dimar Cypreste Gomes
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
PSP pelo Senhor Vereador Nicanor Alves dos Santos”,
ao passo que o Vereador Abelardo Martins de Oliveira, da mesma maneira, contestou a
expressão “coveiros do atual governo”, usada por Nicanor Alves dos Santos e dirigida ao
PSP. Raulino Gonçalves teve motivos suficientes para lamentar “as dissenções surgidas entre os partidos da Coligação Democrática e que elegeram o atual governador do Estado”.38
Na verdade, Gurgel continuava a apoiar o governador Chiquinho, mas era francamente contrário ao prefeito nomeado por ele. Em uma ocasião, por exemplo, ele fez
elogios ao governador pela atenção que demonstrava com relação ao menor abandonado
– um tema caro ao presidente da Câmara -, porém lamentou, ao mesmo tempo, “que o
Executivo municipal venha se descuidando do assunto”.39
A grande “politização” da Câmara na legislatura, associada à postura “populista”
do prefeito e ao agravamento dos grandes problemas da cidade, intensificava as reivindicações apresentadas em nome da população.
O problema do abastecimento de água continuava a gerar grande aflição no dia a
dia da cidade e, para solucioná-la, foi necessária a junção de todas as forças políticas. A Prefeitura reconstruía a Represa de Duas Bocas, em Cariacica, enquanto, desde a gestão anterior, o governo do Estado iniciara, por intermédio da Secretaria de Viação e Obras e do
Departamento de Saúde Pública, a construção de uma estação elevatória em Cobilândia,
Vila Velha, como forma de solucionar provisoriamente o problema do desabastecimento.
E o governador Chiquinho Lacerda, com o apoio da Câmara de Vitória, dava continuidade
79
História da Câmara Municipal de Vitória
à obra de Cobilândia e prometia concluí-la, uma vez que se esperava que essa obra atenuaria “a atual crise da falta d´água”. A própria oposição reconhecia esse esforço.40
Mesmo assim, o presidente João Luiz Horta Aguirre lembrava que a Represa de
Duas Bocas ameaçava ruir, o que causava “grandes preocupações aos habitantes daquele
local”.41Tempos depois, no entanto, o jornal A Gazeta, que fazia radical oposição ao governo de Chiquinho, informou que “a inauguração da Usina de Cobi foi um blefe que este
governo pregou ao povo”, visto que “apesar de encontrar uma obra praticamente pronta,
a atual administração limitou-se a inaugurá-la (...) e Vitória está sofrendo tremenda falta
d´água (...) Telefonar apenas não resolve.”42
E outras questões muito sérias da cidade continuavam a se acentuar. O funcionamento precário dos transportes coletivos, por exemplo, era um dos temas recorrentes das
intervenções e das críticas do Vereador Nicanor Alves dos Santos.43
Na realidade, as vias públicas fundamentais como a avenida Beira-Mar ainda não
tinham “calçamento”, o que não só dificultava o trânsito de veículos como também impedia uma boa ligação do centro com os bairros da zona norte da cidade. Lembrou o
Vereador Beraldo Madeira da Silva a respeito dessa avenida que, “motivado pelas chuvas,
ela se encontra com um grande trecho quase intransitável”.44Quase um ano depois, já na
administração de Mário Gurgel, Nicanor Alves pediu o “calçamento” do trecho da avenida
Vitória, compreendido entre os prédios do Colégio Estadual e do Colégio Salesiano, “não
apenas para acabar com o lamaçal que ali se forma em dias chuvosos como também possibilitar a formação de rua contramão para os veículos.”45
Esse problema da falta de “calçamento” das ruas se agravava enormemente, não
só com o crescimento horizontal da cidade, mas também com a abertura de novas ruas
e bairros, quando as antigas ainda não estavam bem urbanizadas. Em abril de 1957, por
exemplo, o ativo Vereador Nicanor Alves dos Santos, policial militar de profissão, declarou estar de posse de um abaixo assinado, - que já era então a forma de reivindicação
mais comum utilizada pela população -, do “povo de Gurigica”. Nesse abaixo-assinado, os
moradores solicitavam alguns melhoramentos para o bairro, tais como: o calçamento da
80
A Terceira Legislatura 1955-1959
avenida Marechal Campos, um local demarcado para as feiras livres, e a reforma do trecho
da estrada em que circulavam os ônibus. Além disso, eles reivindicavam a construção de
escadarias, o emplacamento das ruas e a numeração das casas.46
O crescimento da cidade também complicava ainda mais o seu abastecimento de
gêneros alimentícios, motivo pelo qual o Vereador Abelardo Martins de Oliveira sempre
estava pronto para reclamar do preço da carne verde e da maneira como ela era distribuída
na cidade.47Ao mesmo tempo igualmente o preço e o abastecimento de outros produtos,
como o leite, continuava a gerar reclamações. Lembrou a esse respeito Elie Moussatché
que esse produto, além de ser caro, era de “péssima qualidade”, e que a sua distribuição nos
bairros era “feita fora do horário, já que se prolonga até às onze horas”.48
A criação do SAPS - Serviço de Abastecimento da Previdência Social, antecessor
da Cobal – Companhia Brasileira de Alimentação, que vendia “secos e molhados” a preços
mais acessíveis era uma tentativa de solução para o problema. O Vereador Adir Sebastião
Baracho, que atuara nesse serviço, apresentou, quando reassumiu seu mandato na Câmara,
suas realizações no SAPS. Mesmo assim esse serviço apenas minorava, porém não resolvia
de todo o grave e estrutural problema do abastecimento alimentar da cidade.49
Ademais, a atuação do SAPS, ao interferir no mercado de alguns produtos, não
deixava de gerar a insatisfação dos comerciantes. Baracho mencionou os pronunciamentos
feitos na Câmara com relação “à concorrência desleal que o SAPS faz com o comércio de
Vitória, trazendo grandes prejuízos para a classe dos comerciantes”.50E o próprio Baracho
participou na Câmara de um debate em que se apontavam “as grandes negociatas ilícitas”
que se faziam na administração do SAPS.51
Outros problemas, que anteriormente não geravam grandes preocupações, passaram a fazê-lo a partir de então de forma cada vez mais intensa, à medida que a cidade
crescia. E esse foi o caso das “favelas” e das “barracas”, construídas nos bairros populares
e nos morros.
Essa situação sugeriu a elaboração da Lei nº 68 que visava, segundo o governista
Nicanor Alves dos Santos, “disciplinar a construção de “barracas” e sua existência, caben-
81
História da Câmara Municipal de Vitória
do ao chefe do executivo municipal determinar uma melhor fiscalização sobre as construções clandestinas”.52
A Lei nº 68, contudo, gerou grande polêmica na Câmara e, da mesma maneira, na
sociedade, o que obrigou o seu autor, o Vereador Beraldo Madeira da Silva, a defendê-la
com o argumento de que essa Lei não incentivava “a criação de barracas e sim disciplinava a matéria”. E o seu colega, Agenor Amaro dos Santos, ao se referir ao problema das
favelas na cidade, concitou aqueles que moravam em barracas alugadas a não pagarem os
aluguéis.53
Entretanto, Beraldo Madeira da Silva, rechaçou uma insinuação, efetuada em um
artigo publicado no jornal A Gazeta. Esse artigo informava que Beraldo fugira da responsabilidade na elaboração da Lei nº 68, diante da evidência de que ela realmente fomentara
o aparecimento de favelas.54
Em julho de 1956, o Vereador Namyr Carlos de Souza congratulou-se com a
bancada federal do Espírito Santo pela inclusão no Orçamento federal da quantia de vinte
milhões de cruzeiros, destinada ao combate das favelas em Vitória.55Mas antes que chegassem esses recursos, o poder público determinou a demolição de inúmeras “barracas” pela
cidade, o que via de regra gerava protestos entre os vereadores contrários a essa medida.
Oscar Paulo da Silva, por exemplo, protestou contra a demolição de uma “barraca” em um
dos morros da cidade.56
Essa postura “paternalista” de alguns vereadores, ou senão da Câmara como um
todo, favoreceu, de uma maneira ou de outra, a ocupação irregular dos terrenos da cidade, principalmente nos bairros mais afastados e nos morros. Ela parecia estar em perfeita
consonância com a política do governo do Estado, porque, como notou Marta Zorzal e
Silva, “apesar de não existir uma política habitacional definida nem tampouco uma política
de assentamento urbano das populações carentes, Lacerda de Aguiar permitiu ‘paternalisticamente’ que essas populações ocupassem terrenos devolutos na periferia da capital e
morros como os da Gurigica, Itararé, Romão etc., promovendo dessa forma uma maior
dispersão na ocupação do espaço urbano.”57
82
A Terceira Legislatura 1955-1959
Todavia, em julho de 1958, o Vereador Nicanor Alves dos Santos abordou essa
questão da invasão de terrenos para a construção clandestina de “barracas”, e salientou
“que essa situação fora inaugurada no fim do governo passado, sob o consentimento de
elementos pertencentes ao PSD.”58
Os problemas de moradia relacionavam-se ao crescimento natural da população
da cidade e também à chegada de muitas pessoas vindas de fora, tanto do interior do Estado, onde a crise da cafeicultura já começava a se manifestar, quanto de outros estados.
E a chegada de forasteiros aumentou a quantidade das pessoas que perambulavam pela
cidade, o que levou o Vereador João Luiz Horta Aguirre, que era provedor da Santa Casa,
a manifestar sua preocupação com a “situação crítica em que se encontra a cidade de Vitória, com a invasão de indivíduos perniciosos e inúteis à sociedade, sendo estes em sua
maioria elementos vindos de outros estados, e que vivem a perambular pelos mercados e
pelas ruas, muitos dos quais depois de embriagados vão procurar abrigo na Santa Casa ou
na Chefatura de Polícia”. Para solucionar a questão, Aguirre sugeriu a construção de um
albergue noturno e de um “Hospital Abrigo”.59
Nessa época, os problemas financeiros do município se agravaram. Esse agravamento das contas públicas provocou não só a paralisação frequente das obras já iniciadas,
mas também o aumento do número de reclamações dos vereadores, que repercutiam cada
vez mais intensamente na opinião pública e geravam grandes discussões na Câmara. Raulino Gonçalves, por exemplo, ao se referir à paralisação das obras de calçamento da rua
Graciano Neves, no centro da cidade, lamentou a maneira como foi recebido pelo Diretor
de Administração da Prefeitura municipal.60
Assim, a última sessão ordinária realizada em 1955 ocorreu em 16 de dezembro,
porém quando a Câmara voltou a se reunir em 31 de janeiro de 1956, o prefeito Sérynes
Pereira Franco já fora substituído por Adelpho Poli Monjardim, a 22 do mês de dezembro.
ADELPHO POLI MONJARDIM
Adelpho Monjardim era filho do famoso Barão de Monjardim e pertencia a uma
das estirpes mais tradicionais da história política e social do Estado. Antes de ser designa-
83
História da Câmara Municipal de Vitória
do, no entanto, Adelpho era funcionário da prefeitura e começara sua carreira burocrática
na gestão de seu irmão Américo Poli Monjardim, (1937-1944), - prefeito nomeado na época da ditadura de Vargas, nas interventorias de Bley e de Jones dos Santos Neves. Segundo
ele mesmo informou: “Fui Corretor Oficial de Café, finalmente Tesoureiro da Prefeitura
municipal de Vitória, onde ingressei em 1937. Na municipalidade ocupei todas as Diretorias, exceto a de Engenharia e Procuradoria. Não fui apenas burocrata. Representei-a
em quase todos os Congressos de Municípios do Brasil, quando tive a oportunidade de
apresentar uma tese sobre o Êxodo Rural, aprovada pelo presidente da República, General Eurico Dutra. No Quarto Congresso de Municípios, no Rio de Janeiro, fui o Orador
Oficial e, em nome de todos os Municípios do Brasil, falei perante o Congresso Nacional,
Senado e Câmara dos Deputados, reunidos.”61
A substituição de Sérynes por Adelpho não gerou nenhum debate registrado na
Câmara, mas a eleição da nova Mesa criou intensa, conturbada e imprevisível disputa. O
Vereador João Luiz Horta Aguirre, do PSD, acabou eleito como presidente com nove
votos, contra seis votos dados a seu adversário, Beraldo Madeira da Silva do PSP, um dos
partidos que apoiavam formalmente o governo. E o vice-presidente era o Vereador Nicanor Alves dos Santos, do PTB. Esse resultado indica que a situação política já não conseguia eleger sozinha a Mesa da Câmara e por isso Beraldo Madeira da Silva, o derrotado,
lamentou a atitude de alguns vereadores “que após se comprometerem com a chapa que
encabeçou”, no último momento teriam “desviado os seus votos”.62
Todavia, a troca do prefeito e a eleição de uma Mesa “oposicionista” não arrefeceram o ânimo combativo de alguns vereadores. Mário Gurgel, por exemplo, ressaltou a
execução de obras vultosas na Praia Comprida, atual Praia do Canto, que ele sugeria ser um
“bairro de elite”, “deixando em abandono lamentável os bairros pobres, notadamente o da
Ilha do Príncipe, que muito carece de providências imediatas do Executivo”.63E quando
o prefeito Adelpho Monjardim anunciou a pretensão de contrair um empréstimo de dez
milhões de cruzeiros para a realização de obras, Gurgel discordou prontamente da maneira
como se fazia a propaganda em torno do suposto “Plano de Obras de Monjardim”. Gurgel acreditava que o prefeito devia “esclarecer de imediato a extensão do Plano, a área que
atinge, os cálculos feitos e as possibilidades de ressarcimento do capital empregado”. Na
84
A Terceira Legislatura 1955-1959
ocasião, o Vereador Beraldo Madeira chegou a ventilar a
hipótese da renúncia de Adelpho Monjardim.63
No entanto, essa postura de oposição ao prefeito, por parte de um Vereador que apoiou o próprio
governo estadual que nomeara o prefeito, parece ter favorecido a moderação de uma parcela dos vereadores
da oposição, que vencera a eleição para a presidência da
Mesa. Namyr Carlos de Souza, por exemplo, ao comenJoão Luiz Horta Aguirre
tar o fato de que o Plano de Obras do prefeito ainda Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
não fora aprovado pela Câmara, aproveitou para “fixar” de forma bastante ambígua a posição do PSD com relação ao prefeito Adelpho Monjardim. Ele frisou que continuaria “em
sua linha traçada de oposição construtiva e elevada, em favor da administração municipal e
da coletividade”. Esse posicionamento de Namyr obrigou Setembrino Pelissari, junto com
outros vereadores, a se manifestarem positivamente em apoio ao prefeito.64 Entretanto,
um mês depois, Nicanor Alves dos Santos voltou a criticar a ausência de um plano de obras
municipais, o que fazia “com que o Senhor prefeito municipal execute ao seu bel-prazer
aquelas que mais lhe convêm”.65
Entre as obras ventiladas no suposto Plano de Obras do prefeito Monjardim se
encontrava o projeto para a construção da ponte de Camburi. O projeto suscitou intenso
debate na Câmara, a partir da exposição do ponto de vista do Vereador Ruy Lora, que, contudo, não conhecia em detalhes o projeto. Beraldo Madeira elaborou requerimento para
que se incluísse no Orçamento da República uma dotação de cinco milhões de cruzeiros,
destinada à construção dessa ponte.66
A discussão a respeito da construção da ponte de Camburi também atingiu a
imprensa, que publicou diversos artigos acerca da questão. Entretanto, a ausência de informações concretas sobre o projeto obrigou o Vereador Beraldo Madeira da Silva a sugerir
que o prefeito Monjardim fosse convocado a comparecer à Câmara para prestar esclarecimentos com referência à construção dessa ponte.67
85
História da Câmara Municipal de Vitória
Ao secundar as críticas de Mário Gurgel à administração de Monjardim, em junho de 1956, o Vereador João Luiz Horta Aguirre ocupou a tribuna e anunciou graves
denúncias contra a administração municipal. Ele responsabilizou os empreiteiros e o chefe
do Departamento Técnico da Prefeitura municipal “por irregularidades havidas ou verificadas em obras municipais, principalmente na avenida César Hilal”. Ele ainda acrescentou
a informação de que existiam várias toneladas de leite em pó no Cais do Porto, doadas
pela ONU ao governo do Estado, mas que se encontravam lá “há mais de quatro meses,
dependendo apenas de regularização”.68
E essa “radicalização” do presidente da Câmara, João Aguirre, pode ter sido uma
das causas de sua renúncia ao cargo que ocupava. Com efeito, em 30 de julho de 1956,
Aguirre, que era, como já informei, o provedor da Santa Casa de Misericórdia, solicitou
licença médica de sessenta dias e apresentou, ao mesmo tempo, a sua renúncia ao cargo de
presidente da Casa.69E o cargo foi ocupado pelo Vereador Otacílio Lomba, da UDN, que
não apenas terminou o mandato de João Aguirre, mas igualmente o renovou por mais um
ano até o início de 1958.70
Enquanto isso, as críticas contra a atuação de alguns dos vereadores e da própria
Câmara como um todo se sucediam pela imprensa. Elas se referiam ao aumento da verba
de representação dos vereadores, aos tumultos que frequentemente ocorriam na Câmara, e
aludiam igualmente às constantes licenças que os vereadores tiravam. Ruy Lora protestou
contra o artigo publicado no jornal A Tribuna, com o título “Protesto contra a licença dos
vereadores”. Lora, nessa ocasião, formulou um apelo ao jornal, com a finalidade de que
ele deveria realizar da mesma forma “a divulgação imparcial dos trabalhos da Câmara”.71
Os desentendimentos políticos na Coligação Democrática repercutiram intensamente na Câmara, o que levou os vereadores a se posicionarem, mesmo que não fossem
eles mesmos a origem desses conflitos. Essa situação obrigou o governador Chiquinho
Lacerda a tomar uma posição a respeito da questão. No princípio de fevereiro de 1957,
o Vereador Ethereldes Queiroz do Vale requereu que transcrevessem na ata a proclamação, concebida pelo governador, em que expunha a situação política do Estado. Nesse
documento, Chiquinho confessou que, ao cabo de dois anos de administração, verificou,
86
A Terceira Legislatura 1955-1959
“não sem um misto de tristeza e de desencanto”, que era impossível conciliar os interesses
político-partidários, com os interesses e as necessidades da administração. E ainda afirmou
que: “Tudo fiz para que tal conciliação fosse possível. Todavia, apesar de muitas vezes
haver sacrificado a minha própria tranquilidade pessoal e transigido em meus pontos de
vista até o limite máximo, interesses de ordem partidária persistiram com prejuízos para
a administração”. Diante dessa situação, Chiquinho decidiu que, a partir daquela data, ele
se considerava não só desobrigado “de quaisquer compromissos políticos com qualquer
Partido”, como também aceitaria o apoio de “todos quantos pertencentes a quaisquer correntes de opinião pública que desejassem colaborar com o governo em favor dos interesses
do povo e pela grandeza do Espírito Santo.”72
Os problemas políticos da Coligação Democrática se refletiram na administração
municipal e provocaram a sua instabilidade. Em maio de 1957, já se falava abertamente
da substituição de Adelpho Monjardim. Na Câmara, João Aguirre, do PSD, desmentiu ter
recebido um convite para assumir a Prefeitura no lugar de Monjardim, e esclareceu que a
razão para sua recusa fora a sua “obediência ao partido ao qual pertence”. Mário Gurgel,
entretanto, lembrou, na mesma sessão, que a razão de sua oposição à administração municipal prendia-se “à falta de cumprimento das leis em vigor e a falta, também, de iniciativa
e ação pela Prefeitura, no sentido de atender aos princípios de administração, relações
públicas e assistência social”.73
A DEMISSÃO DE ADELPHO MONJARDIM E A NOMEAÇÃO DE MÁRIO GURGEL
Logo após essa sessão, Adelpho Monjardim compareceu pessoalmente à Câmara
tanto para efetuar uma denúncia muito grave quanto para buscar o apoio da Casa. Assim,
o Vereador Namyr Carlos de Souza, que pertencia à oposição, comentou a comunicação
do prefeito, na qual se informava sobre a “invasão da Garage da Prefeitura por autoridades do governo do Estado”. Ele pediu também o apoio dos vereadores, “independente de
cor partidária, para a luta pela preservação do patrimônio municipal”. No entanto, Namyr
aproveitou o momento para lançar a candidatura ao cargo de prefeito, caso Vitória conseguisse a sua autonomia, de seu colega João Aguirre.74
87
História da Câmara Municipal de Vitória
A repercussão da denúncia feita pelo prefeito foi imensa. O jornal governista
O Diário, por exemplo, que era propriedade formal de elementos ligados ao governador,
atacou duramente a atitude de Monjardim, em um artigo intitulado “Criatura contra o
Criador”, o que sugeria a sua possível demissão. No artigo se informava que: “Intempestivamente, o Sr. Adelpho Monjardim, prefeito da capital, dirigiu-se à Câmara de vereadores
para denunciar o governo do Estado por uma irregularidade que estaria sendo cometida,
mas que na realidade não aconteceu. Logicamente, o Sr. Adelpho errou. E errou duplamente. Em primeiro lugar, errou porque é um auxiliar de imediata confiança do governador do Estado. Assim, não lhe cabe o direito de se voltar contra o governo, do qual faz
parte e ao qual deveria ter se dirigido para apontar falhas, se as encontrasse. De qualquer
maneira, o que não poderia ter feito, o Sr. Adelpho Monjardim fez, criticando um governo
ao qual pertence, pelo menos até o momento em que escrevemos.”75
Adelpho foi, de fato, demitido no dia seguinte, e a oposição reagiu a essa exoneração como se tratasse de um elemento partidário seu. Logo após a demissão, o jornal oposicionista A Gazeta noticiou que, “Ontem, desde cedo, carros com auto-falantes percorriam
a cidade, convidando o povo a homenagear o prefeito Adelpho Monjardim, exonerado
pelo governador do Estado. Essa homenagem, a que compareceram representantes de
todas as classes sociais e grande massa popular, foi realizada às dezesseis horas. Para o seu
maior brilhantismo e num protesto contra o ato governamental, todo o comércio solidarizou-se com o ex-prefeito e cerrou suas portas às quatro horas da tarde. (…) A maior parte
dos oradores culpava o deputado Argilano Dario e o Vereador Mário Gurgel pela trama
urdida contra o então prefeito Adelpho Monjardim”.76
Ao ratificar esse artigo do jornal oposicionista A Gazeta, Adelpho chegou a afirmar que Argilano e Mário Gurgel eram “indivíduos sem alma e sem moral”. E, por isso,
no jornal O Diário pode-se ler o seguinte comentário: “Tão somente porque esses homens
vinham, como sempre, reclamando contra o descaso em que ele deixara, na sua administração, as ruas, os mercados e os subúrbios de Vitória.” Mas, foi o próprio Adelpho Poli
Monjardim quem, anos depois, em uma entrevista, contestou essa avaliação do jornal oposicionista. Ao relembrar a sua primeira passagem pela Prefeitura de Vitória e a sua posterior demissão, Adelpho declarou, nos seguintes termos, que:
88
A Terceira Legislatura 1955-1959
Em uma tarde de dezembro de 1955, fui procurado, na Tesouraria, pelos vereadores Beraldo
Madeira da Silva e Setembrino Pelissari, que me levaram ao campo do Rio Branco F. C., onde
se encontrava o Governador Dr. Francisco Lacerda de Aguiar, que, sem me ouvir, nomeara-me
prefeito de Vitória, cargo que eu recusara aceitar quando governador Jones dos Santos Neves.
A Prefeitura de então era paupérrima, situação que me acompanhou até janeiro de 1963, término
do meu mandato. A minha verba para obras era de vinte e cinco milhões, quantia que eu não
consegui gastá-la toda em minhas obras, pois, quando quebrava qualquer uma das outras verbas,
corriam para a minha, o que não sucede hoje.
Animava-me o desejo de servir à minha cidade sem intenção de dedicar-me à política, o sonho de
muitos. Logo no meu primeiro dia de exercício, surpreendeu-me um dilúvio na Jerônimo Monteiro, quando tive a oportunidade de observar uma das razões das enchentes da Capital: o lixo
que jogavam nas ruas. Lá vinha um jornal, uma caixa de sapatos e outras coisas que entupiam os
bueiros, facilitando a enchente.
O meu primeiro cuidado foi ordenar a limpeza de todos os bueiros, totalmente entupidos. Essa
prática tornou-se rotina. Desde então, as enchentes só sucediam com as chuvas torrenciais e as
marés grandes, pois, como é sabido, Vitória está a apenas dois metros acima do mar. Mais poderoso, o mar invade a tubulação e impõe sua vontade.
Cuidei dotar Vitória de bons drenos e assim procedi todos os recantos da Cidade. Em Santa Lúcia,
nas grandes chuvas as águas invadiam as casas, inundando-as avassaladoramente. Ordenei a construção de alta e espaçosa galeria, feita de pedra e cimento, que foi até a beira-mar e largo trecho
da Av. Nossa Senhora da Penha, de extensão quilométrica. Todos os bairros mereceram a minha
atenção. A galeria de águas pluviais do Morro da Piedade, a mais antiga, também mereceu os meus
cuidados. Ela ia até a Rua Barão de Itapemirim, onde esbarrava com a avenida Capixaba, quando
se represavam as águas, tornando-a inútil.
O crescimento de Vitória assim a condenava. Naquele tempo não existia a avenida Capixaba e
muito menos a Esplanada. O mar era o limite da rua Barão de Itapemirim. Ordenei o prolongamento da galeria até o mar. Hoje que Vitória é rica, as novas galerias devem ser feitas com pedras
e cimento. Os “tubulões de cimento”, com o tempo e o trânsito pesado, se deslocam, com o que
89
História da Câmara Municipal de Vitória
se inutilizam.
Quanto às escadarias, ordenei a construção de muitas, mas só falarei das principais: bela e suntuosa escadaria liga a Ladeira São Bento à rua Alziro Viana; a Acir Guimarães, na rua Graciano Neves
à Ilma de Deus, na rua Barão de Monjardim, a Aristóteles Santos, na rua Afonso Braz, ligando-a
à rua Santa Clara, a escadaria de acesso à Praça da Catedral. Na Fonte Grande foram feitas três
escadarias em forma de leque. Para atender aos moradores da Cota 45, foi instalada possante
bomba para levar a água até lá.
O Suá, até então, era bairro esquecido. Há mais de meio século nada ali fora feito. Durante a minha administração, todas as ruas foram calçadas. A avenida César Hilal, construída no meu tempo,
fora a sua redenção. Hoje Suá é bairro nobre e progressista, um dos melhores da Capital.
Várias avenidas foram abertas em Vitória, tais como: a César Hilal, Princesa Isabel, Alexandre
Buaiz, na Ilha do Príncipe. A avenida Maruípe, então descalça, foi calçada a paralelepípedos até
o Quartel da Polícia, quando terminou o meu mandato. O valão da avenida Paulino Muller foi
todo capeado, grande benefício para o bairro. Era propósito meu levá-lo a Fradinhos. A iluminação moderna, o asfalto, o calçamento a cimento armado são melhoramentos do meu tempo.
O arranha-céu é também coisa minha, e eu explico: se há no mundo lugar onde o arranha-céu é
imposição do meio, esse lugar é Vitória, imprensada entre o mar e a montanha. Se Vitória tem a
população de hoje, deve ao arranha-céu, sinal de importância e riqueza. Que seria Copacabana
sem os arranha-céus?
A Praia Comprida, calcei-a com solo-cimento, que infelizmente não recebeu os cuidados que merecia, o mesmo sucedendo com o jardim da Praça Costa Pereira, a mais iluminada do Brasil. Fui
prefeito do povo há trinta anos passados, mas sinto que não fui esquecido.
Dotei Vitória de muitas e importantes obras. Perdi a conta das ruas que calcei e de algumas que
abri, porém, de todas as obras, a que julgo mais importante foi ter equiparado os vencimentos
dos aposentados aos dos funcionários, ativos, no mesmo cargo. Isto foi em 1956. A Prefeitura de
Vitória foi a pioneira no Brasil nesta iniciativa.
De há muito afastado da vida pública, é justo ter esquecido alguns dos trabalhos que executei.
90
A Terceira Legislatura 1955-1959
Quando prefeito nomeado, fui estreitamente assediado pelos que desejavam o meu lugar. De bom
grado o cederia, infenso que era à política, jamais engoli sapo seco, no dizer do vulgo. Por duas
vezes fui ao Palácio entregar o cargo ao governador. Finalmente eu mesmo me exonerei, dando
motivo a uma manifestação pública na Praça Oito.
Por capricho e por demonstrar que eu, a criatura, voltara-se contra o criador, no caso o governador.77
Seja como for, logo após a demissão de Adelpho, no dia 14 de junho de 1957,
alguns vereadores enviaram ao governador uma moção com o seguinte teor: “Os vereadores abaixo-assinados, membros da Câmara municipal de Vitória, cientes de que o nome
do Vereador Mário Gurgel estaria sendo cogitado para ocupar o cargo de prefeito desta
Capital, vêm, pela presente moção, manifestar a V. Exª. o agrado e a satisfação com que
receberiam tal nomeação que significaria uma distinção especial ao Legislativo municipal,
de que é destacado membro o ilustre Vereador Mário Gurgel. Desejam ressaltar que esta
manifestação não implica compromisso dos signatários de apoiarem, incondicionalmente,
a administração do Vereador Mário Gurgel, caso venha a ser nomeado prefeito, nem, tampouco, intromissão desta Câmara em atos da exclusiva competência de V. Exª. A atitude
dos signatários é apenas um desejo expresso a V. Exª., com o devido respeito por parte dos
colegas de Câmara do Vereador Mário Gurgel. Vitória, 14 de junho de 1957. Ass.: Otacílio
da Silva Lomba, Agenor Amaro dos Santos, Herondino Malacarne, João Luiz Horta Aguirre, Alaor de Queiroz Araújo, Danglars Ferreira da Costa, Arnaldo Pinto da Vitória, Ruy
Lóra, Nicanor Alves dos Santos, Elie Moussatché, Setembrino Pelissari, Adir Sebastião
Baracho, Alceu Moreira Pinto Aleixo”.78
O fato dessa moção ter sido assinada por treze vereadores, entre titulares e suplentes - somente a deixaram de subscrever poucos vereadores, além de Mário Gurgel
-, mostra o prestígio que Gurgel adquirira entre seus pares, e até entre os vereadores da
oposição. Demonstra igualmente a união da Câmara em torno da ideia de que ela poderia
exercer certa pressão sobre o governador, com a finalidade de influenciar na nomeação do
novo prefeito. Pode-se dizer então que se tratou de uma manifestação de afirmação institucional da Câmara, que pela primeira vez divisou uma chance real de interferir na nomeação
91
História da Câmara Municipal de Vitória
do prefeito, em que pese o fato de que a Câmara deixara de mencionar o empenho, que
deveria existir, para se conseguir a autonomia municipal.
E de fato, no dia 16 de Junho de 1957, quando a substituição do prefeito ainda
estava em pauta, o governador Chiquinho compareceu à Câmara, e proferiu nela significativo discurso, em que afirmou:
Senhor presidente, Srs. Vereadores: talvez surpreenda a Vossas Excelências esta visita inesperada
e sem protocolos que ora faço a esta Câmara. Não me surpreendem, porém, a cordialidade e
simpatia com que me recebeis. Em todos os contatos que tive a felicidade de manter convosco,
pude aferir e aquilatar o alto grau de civismo e idealismo que preside e orienta os vossos trabalhos
parlamentares em favor da coletividade deste Município. As vossas decisões e as vossas manifestações procuram objetivar sempre a satisfação dos anseios e das aspirações do nobre e altivo povo
que, com tanta dedicação e ilustração, representais. Por isso mesmo, pelo respeito e atenção com
que sempre recebi a vontade do povo, manifestada de viva voz, ou por intermédio do patriotismo
de seus legítimos representantes, é que aqui me encontro. Para mais uma vez testemunhar e reafirmar o meu apreço e a minha sincera admiração por esta Câmara. Dias atrás, ao receber a visita
que, incorporados, fizestes ao meu Gabinete, para entregar-me uma moção, em que esta Câmara
manifestava a satisfação e o agrado com que recebia a nomeação do ilustre Vereador Mário Gurgel para o cargo de prefeito da Capital, tive a oportunidade de expressar o meu contentamento
por verificar a harmonia e a unanimidade existente em vossa manifestação, que era em síntese a
própria vontade do povo de Vitória, representada e encarnada na vossa atitude. Hoje, aqui venho
para retribuir a vossa visita, e comunicar-vos pessoalmente, como demonstração de apreço a este
Legislativo, a minha decisão de proporcionar-vos o agrado e a satisfação com que dissestes, seria
recebida a nomeação do ilustre Vereador Mário Gurgel para o cargo de prefeito desta Capital. É
verdade que ele será prefeito por ato da exclusiva competência do chefe do Executivo Estadual.
Não menos verdade, porém, é que ele foi indicado pelo próprio povo do Município que irá governar, pois foi assim que recebi a vossa manifestação em torno de seu nome e em favor de sua
nomeação. Nada mais fiz do que me curvar ante a vontade soberana do povo, que representais
com a responsabilidade de mandato que ele vos outorgou, e com a liberdade de atitudes que em
seu nome sempre manifestastes. Senti-me honrado com a vossa manifestação, que recebi dentro
do espírito democrático e liberal que sempre presidiu minha vida pública, não como uma imposi-
92
A Terceira Legislatura 1955-1959
ção em torno de uma decisão de minha exclusiva competência, mas como um anseio, um desejo
e uma vontade do povo, em favor do qual devem os governantes abdicar, inclusive, dos interesses
pessoais ou de grupos. Esta tem sido a minha norma de agir no trato da coisa pública. Ao ilustre
Vereador Mário Gurgel, vosso digno companheiro de lutas parlamentares, e meu particular e
prezado amigo, entrego, em nome do povo de Vitória, o governo deste Município, confiando em
que o seu idealismo moço e a honestidade dos seus princípios e dos seus propósitos serão penhor
mais seguro da confiança que nele depositamos. Ao nomeá-lo, confio-lhe, não apenas um cargo de
confiança pessoal do governador, mas também uma árdua e difícil missão, para a qual foi indicado
pela Câmara a que pertence, e cuja vontade é a vontade do povo. Vitória e o seu povo confiam na
ação administrativa do Vereador Mário Gurgel e no patriotismo desta Câmara."79
A POSSE E A ADMINISTRAÇÃO DE MÁRIO GURGEL
Logo após a posse de Mário Gurgel, ou até mesmo antes dela, já começaram a
surgir em público críticas à postura do antigo Vereador, agora prefeito. No dia 28 de junho
de 1957, por exemplo, seu ex-colega Danglars Ferreira da Costa - o Vereador do “tiroteio”,
e que também assinara a moção em apoio ao nome de Gurgel, - chamava a atenção para as
críticas “que muito cedo vêm sendo feitas” ao prefeito Mário Gurgel. Mais recentemente,
Antonio de Pádua Gurgel, filho e biógrafo de Mário Gurgel, lembrou no livro que escreveu sobre seu pai que, na verdade, antes mesmo de tomar posse, e durante todo o seu governo, Gurgel enfrentou a “ferrenha oposição dos setores mais conservadores da cidade”.
O filho de Mário Gurgel referiu-se a alguns episódios dessa “oposição” e entre eles citou
o de uma solenidade festiva no elitista Praia Tênis Clube, em que o prefeito deveria hastear a bandeira. Nessa solenidade, “quando Mário chegou, todos os presentes se retiraram.
Sozinho, ele foi até o mastro, hasteou a bandeira e se retirou. Só então a festa começou.”
Antonio Gurgel ainda acrescentou uma informação mais importante a respeito dessa suposta oposição “das elites” a Mário Gurgel. Segundo ele: “O péssimo relacionamento do
prefeito com os ‘donos’ da cidade acabou se refletindo na arrecadação da municipalidade.
O comércio resolveu não pagar impostos, e a situação financeira da Prefeitura só não inviabilizou a administração porque havia ajuda do governo estadual, muita criatividade e uma
determinação férrea de vencer.”80
93
História da Câmara Municipal de Vitória
Não foram, no entanto, efetuadas somente críticas à gestão de Gurgel à frente
da prefeitura. João Aguirre aplaudiu a iniciativa de Gurgel em relação ao recolhimento do
lixo na cidade, bem como a apreensão dos animais que viviam soltos em vias públicas da
zona urbana e suburbana de Vitória.81Ao referir-se ao plano de limpeza da cidade, Namyr
Carlos de Souza apelou para que Gurgel o estendesse até a Vila Rubim. Solicitou também o
reparo das calçadas e a retirada da areia que se depositava junto ao meio fio, que, de acordo
com Namyr, penetrava “nas casas comerciais e residências daquele bairro, impulsionada
por uma simples rajada de vento, e trazendo sérios aborrecimentos aos moradores e comerciantes daquele local”. Nicanor Alves dos Santos igualmente citou o plano de limpeza
e acentuou a importância dos “resultados satisfatórios da medida adotada pelo prefeito
municipal com relação ao aproveitamento dos reclusos do Instituto de Readaptação Social
para o serviço de limpeza da cidade.”82
A iniciativa de Gurgel, de dirigir-se à Câmara pessoalmente, para “ouvir abertamente” os questionamentos dos vereadores e responder a eles, foi muito bem recebida. E o
principal questionamento dos vereadores, principalmente de suas lideranças, dizia respeito
ao problema financeiro do município, com o qual os líderes estavam muito preocupados.83
Como veremos adiante, o problema financeiro viria a ser o maior “problema” da
gestão Gurgel, assim como já tinha sido na de seus antecessores.
Abelardo Martins de Oliveira, após o relato da visita que fizera ao bairro Santo
Antônio, enfatizou o bom andamento das obras da Prefeitura naquele bairro popular. Destacou a necessidade da criação da polícia municipal, que ele julgou conveniente, apesar de
não concordar com a extinção da Polícia Civil, como era pretendido.84
Ruy Lora também declarou a sua satisfação com o reinício das obras de calçamento das ruas da Praia do Suá. Lora ainda se congratulou com o prefeito pela “boa vontade
em atender à população de Vitória”, ao declarar que notava, “com muito bons olhos”, que
essas medidas foram adotadas em conformidade com a consulta à Câmara de Vitória.85
As comemorações do aniversário da cidade, ocorridas no dia 8 de setembro de
1957, “tiveram um brilho nunca antes registrado”, nas palavras de Antonio Gurgel, que
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A Terceira Legislatura 1955-1959
descreveu os festejos com grande aprovação.86
Todavia, foram essas mesmas comemorações que reavivaram e ajudaram a intensificar as críticas da oposição a Mário Gurgel.
Antes mesmo que essas avaliações ocorressem, o Vereador Agenor Amaro dos Santos já criticava o programa das comemorações, no que foi apoiado por Elie
Moussatché.87Após o evento, o Vereador João Aguirre condenou essas comemorações
“por não poder o Executivo promover gastos desnecessários, quando os vencimentos de
seus funcionários estão em atraso quase três meses”. O Vereador ponderou ainda que “caberia ao Executivo promover uma sessão cívica, a exemplo da Câmara, que realizou uma
das suas mais belas e comoventes sessões solenes, atendendo mesmo à situação financeira
por que atravessa o município de Vitória”. Entretanto, seu colega Elie Moussatché, que
dias antes criticara o programa dos festejos, ao contestar Aguirre alegou que a “maior parte
dos gastos foram custeados por amigo de S. Exª. o Senhor prefeito municipal”.88
Agenor Amaro dos Santos, ainda a respeito dessas festividades, usou a tribuna
para contestar uma reportagem publicada no jornal A Tribuna, a respeito de um pronunciamento seu com relação à presença, nessas comemorações, de escolas de samba do Rio
de Janeiro. Agenor esclareceu, nessa ocasião, que era contrário ao ato da Prefeitura acerca
da contratação dessas escolas do Rio de Janeiro por acreditar “que as nossas batucadas
estavam na altura de serem apresentadas ao público em comemoração ao Dia da Cidade,
e que não se tornaria tão dispendioso para a Prefeitura como foi a vinda dessas batucadas
do Rio”. Seu colega Beraldo Madeira da Silva aproveitou o momento para relembrar a importância de ser votada a autonomia municipal, e informou que a “Assembleia, ao elaborar
a redação final do projeto que regula a matéria deveria estabelecer normas para que logo
que fosse publicada a lei, tivesse a cidade sua emancipação completa, e, nesse caso, fosse,
no seu entender, a Prefeitura ocupada pelo presidente da Câmara.”89
Os correligionários de Gurgel, ao terem em conta essas críticas, manifestaram total apoio aos festejos que ele promovera. Na Assembleia Legislativa, por exemplo, o antigo
Vereador José Cupertino de Almeida, que brilhara na Câmara na oposição ao grupo de
95
História da Câmara Municipal de Vitória
Gurgel, aprovou um voto de congratulação ao prefeito pelo Dia da Cidade.90
A seguir, no entanto, o Vereador João Aguirre foi à tribuna e, ao apelar ao prefeito
para que se adotassem medidas com vistas ao pagamento dos vencimentos dos funcionários municipais, sugeriu que “fosse feito um empréstimo bancário para que seja efetuado
o mesmo”, dado que era “lamentável a situação por que passam aqueles servidores”. Ele
noticiou igualmente a reunião que o prefeito realizara com os moradores do bairro de
Lourdes, “onde foram apontados vários assuntos de interesse do povo e que visam ao
melhoramento do bairro”.91
Nesse contexto, o Vereador Alaor de Queiroz Araújo, que era médico, criticou o
prefeito por mandar efetuar o “corte da água” nos prédios que se encontravam em débito
com a Prefeitura, sobretudo em uma época na qual a cidade corria o risco de sofrer epidemias. O Vereador Agenor Amaro dos Santos referiu-se ao artigo, publicado no jornal
O Diário, em que o prefeito Gurgel declarava que os vencimentos do funcionalismo e dos
operários municipais “estaria em dia até o dia 30 de outubro”.92
Contudo, Elie Moussatché, ao criticar a nomeação de um engenheiro agrônomo
pela Prefeitura, declarou que se opunha a essa medida “por achar sem finalidade tal nomeação”. Esclareceu ainda que, “de acordo com a Lei 351, toda contratação de serviço
deve ser publicada no Diário Oficial”, o que não aconteceria na administração municipal,
segundo ele. A seguir, Elie comentou o Boletim Informativo, publicado pela Prefeitura, e
assegurou que ele “nada mais” era do que um “trabalho demagógico de propaganda política do prefeito Mário Gurgel”. E com ele concordou Alaor Queiroz de Araújo.93
O problema do atraso nos vencimentos dos funcionários da Prefeitura tornava-se
crônico e prejudicava enormemente a reputação do prefeito. Em maio do ano seguinte,
1958, Otacílio Lomba denunciou o pedido, apresentado pelos “operários” da Prefeitura
para que intercedesse junto ao prefeito Mário Gurgel, com o intuito de que fossem pagos
os vencimentos atrasados.94
Contudo, a oposição nem sempre adotou apenas uma postura crítica, e procurou
colaborar com o prefeito em diversas ocasiões. Namyr Carlos de Souza, por exemplo, ao
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A Terceira Legislatura 1955-1959
aprovar o plano de limpeza da cidade, lamentou “que as ruas mais afastadas do centro” não
recebessem esse benefício, e citou o caso de uma “rua de Santa Clara”.95
Nessa ocasião, o problema das construções clandestinas de “barracas” continuava
a se agravar na cidade, e os vereadores transmitiram ao prefeito Mário Gurgel as reclamações apresentadas pelos moradores dos vários bairros da capital. Beraldo Madeira da Silva
advertiu a esse respeito que, de acordo com comentários que recebera, “a construção das
referidas barracas vem sendo motivo de comércio para a serraria, localizada na Bomba,
arrabalde desta Capital”. E em um contexto eleitoral, pois as eleições estavam marcadas
para outubro daquele ano de 1958, as críticas à administração de Gurgel se intensificavam,
uma vez que estava em jogo a disputa pelo controle da própria Prefeitura. Namyr Carlos
de Souza, ao mencionar a situação dos moradores dos morros e favelas, “em consequência
da construção clandestina de barracas”, apelou aos poderes públicos para que procurassem “uma solução para esse problema”. Entretanto, essas condenações não ficaram sem
resposta, e Setembrino Pelissari, por exemplo, rememorou que, em um comício realizado
pelo PSD em Maruipe, as críticas ao prefeito não haviam entusiasmado “o povo”.96
Ethereldes Queiroz do Vale, ao avaliar a atuação do prefeito, denunciou que as
“barracas” foram construídas “sob as vistas dos fiscais municipais”. No entanto, em uma
postura mais propositiva, seu colega Alceu Aleixo sugeriu que o prefeito Gurgel deveria
contatar a Fundação da Casa Popular para efetivar “a construção de trezentas casas destinadas ao pessoal operário da municipalidade nos terrenos pertencentes à municipalidade”.97
Já apontamos que o prefeito Gurgel tomara providências com vistas à criação da
Guarda municipal e que essa medida contara com o aplauso da Câmara. Mas tal medida
não solucionava o problema do aumento da criminalidade, que visivelmente crescera nos
últimos anos em Vitória. Não estávamos ainda, felizmente, diante de uma expansão do
crime violento, somente prevaleciam nessa época os furtos e os roubos. E Beraldo Madeira da Silva admitiu a esse respeito que um “policiamento mais eficiente” era necessário
para evitar “os inúmeros casos de roubo” que se acentuavam “em nossa capital”.98Elie
Moussatché, todavia, questionou essa suposta “eficiência” ao informar que as viaturas da
97
História da Câmara Municipal de Vitória
“Rádio Patrulha” permaneciam estacionadas em frente à Chefatura de Polícia “por falta de
gasolina”, quando elas deveriam ser utilizadas num “plano de policiamento mais eficiente
dos bairros de nossa Capital”.99
Em uma outra ocasião, o mesmo Vereador Elie Moussatché denunciou “os inúmeros casos de morte promovidos por elementos pertencentes à Polícia de nosso Estado”,
e apelou às “autoridades competentes” para que fossem tomadas “as providências necessárias”, com a finalidade de “oferecer maiores garantias aos moradores de Vitória.100Diante
desses argumentos, o Vereador Beraldo fez um apelo, dirigido ao governador e ao seu
colega Nicanor Alves, que era capitão da PM, para que fossem afastados determinados
elementos da Polícia que desonravam “tão digna corporação”.101
E, simultaneamente, relacionado ao problema do policiamento da cidade, já eclodiam também críticas à prática da prostituição em Vitória. Namyr Carlos de Souza denunciou a esse respeito a inconveniente “localização dos prostíbulos da cidade” - situados no
bairro de Caratoíra e no centro, na rua General Osório -, e enfatizou a necessidade de seu
afastamento “para zonas afastadas do ambiente residencial, cumprindo um plano de habitação previamente traçado”. Seu colega, Raulino Gonçalves, o apoiou nessa sugestão e
aproveitou para esclarecer que anteriormente apresentara ao prefeito um abaixo-assinado
dos moradores de Caratoira, em que estes reivindicavam que as prostitutas fossem afastadas daquele bairro.102
E essas sugestões acabaram mesmo por descambar em uma investida direta contra o prefeito. Em 8 de julho de 1958, Aguirre, ao afrontar o prefeito Gurgel, informou do
seu “descontentamento” e asseverou que apresentaria no plenário “um expediente”, que
deveria “ser encaminhado ao Exº. governador Lacerda de Aguiar” no qual dava “ciência
a S. Exª. do arrependimento da Câmara por indicar a pessoa do Sr. Mário Gurgel para
assumir o cargo de prefeito da Capital”. Alceu Aleixo igualmente teceu críticas, em que
confessou “seu erro por indicar Mário Gurgel para prefeito”. O colega Beraldo Madeira
foi mais radical ainda ao declarar seu “interesse em encontrar uma fórmula para afastar
o Sr. Mário Gurgel da Prefeitura, por julgar sua administração contrária aos interesses da
municipalidade”. Nesse momento, o Vereador Raulino Gonçalves acusou a administração
98
A Terceira Legislatura 1955-1959
do prefeito de atuar com “irresponsabilidade”.103
Ethereldes Queiroz do Vale, logo após, confirmou seu apoio ao “movimento”
que a Câmara realizava para “afastar o Senhor prefeito Mário Gurgel da Prefeitura”, no
que foi apoiado por seu colega Aguirre.104Raulino Gonçalves reforçou o argumento de
que a “suposta atuação ineficiente” do prefeito Gurgel trazia “descontentamento a toda a
população dos bairros da Capital, notadamente no bairro da Ilha das Caieiras”, onde, de
acordo com Raulino, a administração municipal não se fazia “sentir” já há vários meses.
Gonçalves mencionou ainda os funcionários da Prefeitura, “que assinaram o manifesto,
solicitando a exoneração do prefeito Mário Gurgel”.105
A “má vontade” de alguns vereadores contra a administração do prefeito Gurgel
era notória. Após receber um cartão - enviado pelo prefeito Gurgel a todos os vereadores,
no qual ele solicitou que “cada um indicasse a obra de sua preferência, desde que não fosse
onerosa para o município, a fim de a executar ainda nos últimos dias de sua administração”
-, João Luiz Aguirre respondeu que “muitas são as leis votadas por esta Câmara”, que, no
entanto, aguardavam “a sua execução”. Aguirre acrescentou que dessa forma “deixava
de ter preferência para a execução de qualquer obra, por não acreditar que S. Exª. executasse em tão poucos dias, quando teve bastante tempo à frente do Executivo e nada
fizera.”106Mesmo assim, Nicanor Alves dos Santos defendeu o prefeito Gurgel diante “do
grande número de obras realizadas na sua administração”.107
No entanto, iniciou-se na Câmara o falatório acerca da informação de que o
prefeito Gurgel deixaria seu cargo nos próximos dias.108E, efetivamente, para o seu lugar
foi nomeado o empresário Oswald Guimarães, que assumiu em dois de agosto de 1958, e
concluiu o mandato em 31 de janeiro de 1959.
Os cerca de seis meses da administração de Guimarães transcorreram, na maior
parte, em meio ao ambiente das eleições gerais de 1958, que, pela primeira vez na história
de Vitória, incluía a realização de uma eleição direta para o cargo de prefeito. No entanto,
o propósito, anunciado pelo novo prefeito, foi o de promover o saneamento das finanças
municipais, que ele recebera, conforme apregoava, em estado bastante crítico. Na Câmara,
99
História da Câmara Municipal de Vitória
em contrapartida, os vereadores se preocupavam com a anunciada interrupção de algumas
obras. Danglars Ferreira da Costa, por exemplo, apelou ao prefeito Guimarães para que,
a despeito da política de compressão de despesas que ele imprimia, não fosse paralisada
a obra da cobertura da vala de Jucutuquara, uma obra que como sabemos se arrastava a
longo tempo, no decorrer de várias administrações.109
Contudo, seu colega Elie Moussatché estranhou a política adotada para a recuperação das finanças municipais, a qual, segundo ele, dispensara “arbitrariamente grande
número de servidores”.110Diante dessa revelação, o próprio Mário Gurgel, que retornara
ao cargo de Vereador, se pronunciou e solicitou que a Câmara aprovasse com a “máxima
urgência” os processos que possibilitassem à Prefeitura “maior arrecadação” para que o
Executivo pudesse “soerguer suas finanças” e não fosse “forçado a dispensar grande número de seus servidores”.111
Nessa conjuntura, alguns dias antes do término da terceira legislatura, o Vereador
Elie Moussatché foi à tribuna, e teceu comentários em torno da sentença proferida, pelo
Tribunal Eleitoral, cassando o mandato do Vereador Mário Gurgel. Entretanto, Gurgel já
se elegera deputado estadual, na eleição de 19 de dezembro de 1958, portanto antes do
final dessa legislatura. O Vereador Danglars Ferreira da Costa se pronunciou igualmente
contra a cassação de Gurgel, alegando que somente a Câmara “poderia assim proceder”.112
Ao final, na última sessão da terceira legislatura, a composição oficial da Câmara
era a seguinte: Beraldo Madeira da Silva, presidente; Agenor Amaro dos Santos, 1º. secretário; Ruy Lora, 2º. secretário; Nicanor Alves dos Santos; Otacílio da Silva Lomba; Arnaldo
Pinto da Vitória; Elie Moussatché; Namyr Carlos de Souza; Ethereldes Queiroz do Valle;
Danglars Ferreira da Costa. Os seguintes vereadores estavam ausentes nessa última sessão:
Setembrino Pelissari; Adir Sebastião Baracho; João Luiz Horta Aguirre; Herondino Malacarne; e Alceu Aleixo.113
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 394 leis, assim classificadas:
100
A Terceira Legislatura 1955-1959
01.
Obras Públicas: 99
02.
Estrutura Organizacional: 1
03.
Subvenções e auxílios: 12
04.
Tributos: 25
05.
Desapropriações: 21
06.
Utilidade Pública: 4
07.
Logradouros públicos, nomenclatura: 76
08.
Cargo Público, gratificação, salário e vencimento: 32
09.
Salário Família: 2
10.
Pessoal: 9
11.
Orçamento: 23
12.
Contrato, convênio, acordo: 5
13.
Comenda, Medalha, Prêmio, Troféu: 5
14.
Patrimônio municipal, permutas, aluguel, compras e vendas: 47
15.
Necrópole: 7
16.
Posturas: 3
17.
Iluminação Pública: 7
18.
Educação: 1
101
História da Câmara Municipal de Vitória
19.
Esporte: 1
20.
Transporte: 1
21.
PDU: 1
22.
Publicidade de atos oficiais: 1
23.
IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal: 1
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 473, de 26 de dezembro de 1955: Concede licença para a construção
de abrigos de passageiros, nos bairros da capital, com dependências para a instalação de
quiosques para serem explorados pelos financiadores da construção.
 LEI 540, de 13 de setembro de 1956: Autoriza o calçamento da avenida
Princesa Izabel.
 LEI 545, de 24 de setembro de 1956: Autoriza o calçamento da avenida
Marechal Floriano.
 LEI 571, de 9 de novembro de 1956: Autoriza a retificação e alargamento
da avenida Santo Antonio.
 LEI 628, de 6 de março de 1957: Autoriza a construção de playground e
centro de diversões para crianças nas principais praças dos bairros do município.
 LEI 664, de 16 de julho de 1957: Autoriza o aterro da área de mar localizada entre a ponte Florentino Avidos e o cais Smith, onde se encontra o Mercado da Vila
Rubim.
 LEI 674, de 28 de agosto de 1957: Isenta de impostos, emolumentos e taxas, os prédios que vierem a ser construídos para a instalação de casas de saúde ou clínicas
102
A Terceira Legislatura 1955-1959
e contenham no mínimo cinquenta leitos.
 LEI 704, de 20 de março de 1958: Cria, no bairro de Maruipe, um ginásio
que receberá a denominação de Paulino Muller.
 LEI 719, de 7 de junho de 1958: Institui o Parque Moscoso como o Panteon da cidade.

de imóveis.
LEI 720, de 7 de junho de 1958: Estabelece normas para a desapropriação
 LEI 726, de 26 de junho de 1958: Autoriza a complementação do serviço
de iluminação fluorescente da cidade e subúrbios.
 LEI 781, de 13 de janeiro de 1959: Cria o Serviço de Drenagem, do Departamento de Serviços Municipais, com a finalidade de superintender e executar os serviços
de drenagem e canalização de águas pluviais.
103
CAPÍTULO IV
A QUARTA LEGISLATURA
1959 - 1963 A nova gestão de Adelpho Poli Monjardim
A Quarta Legislatura 1959-1963
Elegeram-se para esta legislatura e tomaram posse, em 31 de janeiro de 1959, os
seguintes vereadores: João Luiz Horta Aguirre, do PSD, o mais votado - reeleito; Namyr
Carlos de Souza, do PSD - reeleito; Claudionor Lopes Pereira e Alaor Queiroz de Araujo,
também pelo PSD; Walace Lora, Elie Moussatché - reeleito, e Edgar Gomes Feitosa, pela
UDN; Fernando Calazans, Adalberto Simão Nader e Adir Sebastião Baracho - reeleito, pelo
PTB; Paulo Miled, Antário Alexandre Theodoro, pelo PSP; Arabelo do Rosário e Arnaldo
Pinto da Vitória, pelo PDC; e Manoel Janeiro pelo PRP.
Como se nota, da legislatura anterior apenas quatro vereadores conseguiram a reeleição: João Luiz Horta Aguirre, Namyr Carlos de Souza, Elie Moussatché e Adir Sebastião
Baracho.
Namyr Carlos de Souza e Claudionor Lopes Pereira
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
O competente e articulado Vereador Namyr Carlos de Souza, do PSD, foi eleito
por unanimidade, com quinze votos, como novo presidente da Casa, e, para vice, o experiente Adir Baracho, do PTB, com doze votos. Para 1º. secretário foi eleito Elie Moussatché,
da UDN, com treze votos e como 3º. Secretário, Arabelo do Rosário, do PDC, com quinze
votos. Esse resultado demonstra que pelo menos quatro grandes partidos, ou seja, o PSD,
o PTB, a UDN e o PDC estabeleceram um acordo para a composição da Mesa da Câmara.
107
História da Câmara Municipal de Vitória
Apesar de o partido do novo presidente da Câmara, o PSD, ter feito parte desse acordo,
na realidade ele era um partido que prometia ser de oposição ao novo prefeito, que era da
UDN.01
Na mesma sessão, foi empossado pela Câmara o novo prefeito, Adelpho Poli Monjardim. Tratava-se de um momento extremamente importante, uma vez que pela primeira vez
na história de Vitória tomava posse um mandatário eleito pelo sufrágio popular e, por isso,
competiu à Câmara, em nome do povo, empossá-lo.
A condição de prefeito eleito para um mandato popular pré-determinado de
quatro anos alterava de forma substantiva a expectativa de atuação de Adelpho Monjardim,
visto que ele estava, agora, relativamente livre das pressões políticas que podiam ameaçar de
forma imediata a sua continuidade no cargo, o que ocorria anteriormente, como vimos. O
fato de que o prefeito dispunha de um mandato popular com tempo pré-determinado não
só lhe dava mais estabilidade, como também diminuía a sua dependência do consentimento
popular e camarário imediato. O exercício do cargo deixava de ter um caráter plebiscitário e
a Câmara, paradoxalmente, perdia, em parte, a função política que ela exercia anteriormente, ou seja, a de legitimar a indicação feita pelo governador. Ao mesmo tempo, a Prefeitura
deixava de ser um simples órgão do governo estadual e ganhava relativa autonomia administrativa e política.
Já na primeira sessão da nova legislatura, o Vereador Alaor de Queiroz
Araújo - médico e professor da Faculdade de Odontologia do Espírito Santo -, ao tecer
críticas severas ao governo anterior de Francisco Lacerda de Aguiar, repetiu em parte o que
tinha sido o principal mote da campanha da oposição. Ele se referiu igualmente ao propósito
de Carlos Lindenberg, o novo governador, de recuperar o Estado da “lamentável” situação
financeira em que se encontrava. Em sua fala, Alaor afirmou que a conduta da bancada do
PSD, no plano municipal, seria de oposição ao prefeito Adelpho Poli Monjardim, da UDN,
e assegurou que as suas críticas teriam um caráter “construtivo” e visariam sempre “ao bem
estar do município”.02
Entretanto, essa colocação gerou um enorme mal-estar na Câmara, uma vez que se
108
A Quarta Legislatura 1959-1963
compreendeu que o mesmo Vereador Alaor, supostamente da oposição, apoiava o prefeito.
Alaor, posteriormente, viu-se na obrigação de esclarecer que ainda era muito cedo para fazer
críticas e que “todas as críticas seriam feitas no sentido de levar ao conhecimento de S. Exª.
as irregularidades que porventura ocorressem na sua administração”.03
A quarta legislatura da Câmara, entretanto, coincidiu, em parte, com o período de
grave crise política, econômica e social do regime implantado no país em 1945. E a sua atuação refletiu em grande parte essa circunstância.
A “opção pelo crescimento” feita pelo presidente Juscelino Kubitschek, cujo lema
era “cinquenta anos em cinco”, gerou uma “industrialização intensiva” do país e grande otimismo com relação ao futuro imediato. Esse quadro favoreceu não só a estabilidade política
provisória como também a manutenção da aliança partidária PSD-PTB, que elegera e dava
sustentação parlamentar ao governo. Não tardaram a aparecer, contudo, as consequências
negativas do modelo de desenvolvimento adotado: a aceleração inflacionária e a pressão
sobre o balanço de pagamentos com aumento descontrolado da dívida externa pareciam ser
uma “maldição disfarçada de bênção” e mostravam que o otimismo generalizado no país era
pouco realista. Os temas econômicos, principalmente o da escalada inflacionária e o da dependência externa, politizaram-se rapidamente, acarretando o descrédito e a impopularidade
do governo JK.04
No Espírito Santo, essa conjuntura foi agravada mais ainda pela crise dos preços
internacionais do café, dado que este era a base da economia capixaba. A política de erradicação dos cafezais, posta em prática pelo governo federal na sequência da crise dos preços,
atingiu em cheio o Espírito Santo, promovendo o empobrecimento da população rural e o
seu êxodo, principalmente para Vitória. De acordo com os economistas Angela Morandi e
Haroldo Rocha: “Os anos da década de 1960 foram dramáticos para a economia do Espírito
Santo: o aprofundamento da crise cafeeira, com a consequente desestruturação desse setor,
devido à política de erradicação implementada pelo governo federal; a falta de perspectivas
do setor agrícola no sentido de encontrar culturas substitutivas do café, que recuperassem o
nível de renda e emprego; a debilidade do setor industrial e das demais atividades tipicamente
urbanas, incapazes de suplantar a queda da atividade econômica advinda da crise cafeeira;
109
História da Câmara Municipal de Vitória
todos esses fatores, somados aos poucos recursos públicos estaduais, que minguavam cada
vez mais, configuravam uma situação sem precedentes na história do Espírito Santo”.05
E a atuação da Câmara refletiria em cheio essa problemática social: seus principais
vereadores se empenharam em responder não só aos problemas urbanos gerados pela crise,
como também se esforçaram para encontrar uma saída regional para ela.
O problema mais imediato com o qual a população de Vitória se debatia, além dos
já crônicos problemas do abastecimento de água e de energia elétrica, era o da carestia, ou
seja, o do abastecimento de gêneros de primeira necessidade, como a carne, o leite e os demais alimentos.
Após tomar posse novamente como Vereador, em março de 1959, Elie Moussatché,
ao tecer extensos comentários em torno do problema do custo de vida em Vitória, exibiu
da tribuna uma portaria, datada de julho de 1958, da Coap - Companhia de Abastecimentos
e Preços. A portaria proveniente desse órgão federal, encarregado de regular e fiscalizar os
preços, fixara os preços dos gêneros de primeira necessidade. Elie comparou a tabela da
Coap com os preços vigentes nessa ocasião e constatou uma grande elevação dos preços.06
Seu colega Walace Lora, posteriormente referiu-se ao mesmo tema e criticou o governo federal não só pelo crescente aumento do custo de vida, como também por não adotar
medidas “para pôr termo” a essa lamentável situação. Lora frisou ainda que a despeito dos
empreendimentos de vulto que eram levados a efeito no país, o presidente não procurava
“atender à lavoura, fonte de riqueza dos povos, levando-lhe o amparo necessário”.07Essa
crítica de Lora ao governo federal, contudo foi contestada pela imprensa, e ele mesmo exibiu
artigo do jornal A Tribuna, em que o articulista recomendava que os vereadores se prendessem aos problemas municipais, “deixando de fazer considerações em torno dos problemas
do âmbito nacional”. Em resposta, Lora frisou que o apelo por ele dirigido ao presidente “visava grandemente ao município, porquanto solicitava naquela oportunidade que o governo
federal canalizasse os recursos necessários para o atendimento dos problemas relacionados
com a lavoura, bem como estudasse as possibilidades de sustar o aumento do custo da vida
que crescia assustadoramente”.08
110
A Quarta Legislatura 1959-1963
Alguns vereadores, como Manoel Janeiro, da mesma maneira, continuaram a dirigir-se diretamente ao presidente da República quando reclamavam e teciam análises acerca do
custo de vida.09Era uma prova da impossibilidade de se desvincular, como queria o jornal A
Tribuna, a discussão dos problemas do município dos grandes problemas nacionais. Nesse
sentido, na comemoração do “Treze de Maio”, Antário Alexandre Theodoro referiu-se aos
antecedentes históricos da Lei Áurea e, ao citar as manchetes dos jornais, que retratavam a
calamidade pública do país, declarou que o Brasil continuava “escravo da ganância dos seus
filhos, da inflação, das negociatas, da miséria e da fome”.10
Adir Baracho - ligado à questão do abastecimento, visto que dirigira o antigo Saps
- discutiu o aumento da carne verde, denunciou as novas manobras, efetuadas pelos “marchantes”, e pediu uma nova reunião da Coap para a apreciação do assunto. Ele advertiu,
contudo, que era necessário a Coap “continuar fiel a sua atitude inicial, aumentando a fiscalização sobre os pesos e cortes da carne”.11José Carlos Monjardim Cavalcante, o “Cacau
Monjardim” - era suplente, mas assumira como titular -, ao abordar o problema da carne verde sugeriu medidas que pudessem auxiliar na solução de tão “angustiante problema”. Entretanto, seu colega Alaor Queiroz de Araújo criticou a “falta de interesse do prefeito municipal
em resolver o problema do abastecimento da carne verde, negando-se a entregar à Coap o
açougue da Prefeitura”.12Arnaldo Pinto da Vitória solicitou a interferência da Coap com o
intuito de aumentar a fiscalização dos gêneros de primeira necessidade, dado que a falta da
carne verde ocasionava um aumento “desproporcional” dos preços e, para evitar essa situação, era necessário que se realizasse uma reunião conjunta entre o Legislativo, o Executivo e
os “marchantes” na tentativa de “solucionar esse angustiante problema”.13
E de fato, dois dias depois, Walace Lora referiu-se à reunião, realizada no salão nobre da Prefeitura municipal, entre representantes da Coap, moradores e “marchantes” para
encontrar uma solução para o problema.14No entanto, Cacau Monjardim posteriormente
trouxe ao conhecimento da Câmara o apelo feito por uma Comissão de Senhoras “que aqui
vieram solicitar aos senhores vereadores que intercedessem junto perante as autoridades”
com vistas a que fosse resolvido “tão angustiante problema”. Arnaldo da Vitória aproveitou
novamente para culpar o prefeito “pela sua incapacidade de resolver os problemas que afligem a coletividade capixaba”, no que foi apoiado por seus colegas Elie e Alaor.15
111
História da Câmara Municipal de Vitória
Com efeito, um ano depois, o problema ainda
persistia com a mesma gravidade, tanto que Berredo de
Menezes, que assumira provisoriamente no lugar de Fernando Calazans, aproveitou o pouco tempo de que dispunha “para protestar contra o aumento da carne verde,
solicitando dos poderes constituídos as providências no
sentido de que seja o preço desse produto reduzido a fim
de atender aos reclamos do povo”.16 Diante disso, e sem
nenhuma cerimônia, o Vereador Claudionor Lopes PeFernando Calazans
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
reira - sempre muito identificado com o bairro de Maruípe -, em sua estreia na vereança, protestou contra a pretensão dos “marchantes” e concitou
o povo a “dar preferência à carne de baleia, forçando dessa forma a redução do preço da
carne verde”.17
Uma solução menos polêmica para o problema dos preços altos e do abastecimento, principalmente da carne e do leite, foi sugerida por Arnaldo da Vitória, um dos vereadores
mais críticos com relação à administração de Adelpho Poli Monjardim. Ao abordar o “problema dos mercados de Vitória” e da sua incapacidade para se chegar a uma solução acerca
do abastecimento, Arnaldo defendeu a construção de um “supermercado municipal”.18
Mesmo nessa conjuntura de crise econômica, apesar do problema do abastecimento
de gêneros alimentícios, diversas obras públicas e serviços
eram reivindicados pelos vereadores. Arnaldo da Vitória,
por exemplo, assegurou que a cidade necessitava de um
novo cemitério, além do de Santo Antônio, “para atender
ao grande número de óbitos” que se verificava na ocasião
em Vitória.19João Luiz Aguirre, ao advertir para a enorme
proliferação de mosquitos na cidade, declarou que era necessário providenciar para que se fizesse constantemente
a limpeza nas redes de esgotos e que, da mesma maneira, o número de valas abertas, principalmente nos subúrbios, era imenso e prejudicial à saúde pública.20Seu colega
112
Adalberto Simão Nader
Fonte:Site da Câmara Municipal de Vitória
A Quarta Legislatura 1959-1963
Adalberto Simão Nader, que igualmente se iniciava na vereança – e nomeia atualmente uma
importante artéria da capital -, pedia providências para que fosse concluída a construção da
ponte de Camburi.21
Além disso, se reivindicavam na Câmara obras mais estruturantes e até de jurisdição
estadual, como a obra do asfaltamento da estrada que ligava Vitória a Belo Horizonte, a atual
BR-262, indicada pelo Vereador Arabelo do Rosário.22
Da mesma forma, o problema da Educação no município de Vitória sensibilizou
alguns vereadores, que se mostraram extremamente preocupados com essa questão. Entre
eles, destacaram-se Antário Alexandre Theodoro e Arabelo do Rosário. O primeiro, ao protestar contra a situação precária do grupo escolar de Caratoira,23 solidarizou-se com a greve
dos professores24 e aplaudiu a ação da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, na
qual destacou o Ginásio de Santo Antônio, “que grandes benefícios vem trazendo aos inúmeros estudantes daquele bairro”.25O segundo igualmente se empenhou pela aprovação de
uma lei que traçasse novas diretrizes para o ensino médio, e esclareceu na ocasião ser necessário “um programa menos intenso e menos sobrecarregado de matérias desnecessárias
ao bom aproveitamento do aluno”. Seu colega Alaor Queiroz de Araujo, - professor e um
dos primeiros reitores da Universidade Federal do Espírito Santo -, congratulou-se com ele
“pela maneira com que situou o problema do ensino médio em nosso país”.26A educação
técnica e profissional também era alvo do interesse desse Vereador, e por isso ele enalteceu
o trabalho desenvolvido pelo Sesc-Senac no setor educacional, “ministrando vários cursos
técnico-profissionais para o aprimoramento dos comerciários”.27
A postura “propositiva” de Antário Theodoro em relação aos problemas da Educação induziu-o a assumir a defesa aberta do prefeito municipal, diante das críticas que seus
colegas faziam a Adelpho Monjardim. Antário, por exemplo, em uma ocasião refutou os pronunciamentos dos vereadores Berredo de Menezes e Namyr Carlos de Souza que criticaram a
administração municipal, pelas obras que realizava, supostamente sem que houvesse a devida
concorrência pública para a sua execução.28
Arabelo do Rosário, por sua vez, preocupava-se principalmente com as condições
113
História da Câmara Municipal de Vitória
mais gerais que afetavam a aprendizagem e a condição de vida dos estudantes secundaristas.
Ele recorreu ao Secretário de Educação e Saúde para que se instituísse um gabinete médico
e um dentário em cada um dos estabelecimentos de ensino secundário. Arabelo igualmente
defendeu o estabelecimento de um horário mais adequado para os transportes coletivos, no
intuito de favorecer os estudantes dos cursos noturnos.29Ele apresentou ainda um projeto de
lei que concedia 50% de abatimento nos preços das passagens de ônibus para estudantes.30E
uma outra sugestão de Arabelo foi a da construção de uma sede própria para o Grupo Escolar Gomes Cardim. Ele solicitou também ao Juizado de Menores providências com vistas
à fiscalização dos programas de diversão das principais casas de espetáculos para crianças.31
A preocupação da Câmara com a educação das crianças em idade escolar se estendia às crianças em “situação de risco”, como hoje se afirma. O problema, como vimos, era
debatido desde o começo dos anos 50, principalmente sob a iniciativa de Mário Gurgel, mesmo assim se agravava paulatinamente. Em função disso, no princípio dos anos 60, a Câmara
liderou uma “campanha” pela “redenção” da criança “abandonada”, e Adir Baracho – que
como vimos era órfão de pai e mãe -, se mostrou muito solidário e lhe deu total apoio.32Em
uma de suas intervenções sobre essa campanha, Baracho protestou “veementemente” contra
a exploração do trabalho do menor, efetuado por determinados empregadores do comércio
de Vitória. Vitor Finamori o aparteou e criticou a Delegacia Regional do Trabalho - DRT,
contudo esses ataques foram rechaçados por Arabelo do Rosário, bastante próximo à DRT,
a instituição criticada.33Walace Lora abordou não só o problema da delinquência infantil
como também o da falta de assistência dos poderes públicos a um problema que “cada vez
mais grassa no município de Vitória”.34Cacau Monjardim igualmente conclamou a atenção
do Juizado de Menores no sentido de encarar com mais seriedade o problema da delinquência juvenil.35Um outro aspecto da situação da criança, abordado na Câmara, dizia respeito
à alimentação infantil: João Luiz Aguirre, ao ressaltar em várias oportunidades o trabalho
desenvolvido pelo Dr. Jolindo Martins em favor da criança capixaba, atribuiu-lhe o mérito
da “vitória alcançada pela campanha pró-alimentação infantil que já se faz sentir em face das
medidas adotadas pelo governo do Estado”.36
A preocupação com pequenos problemas do cotidiano da cidade também surgiu na
Câmara. Elie Moussatché protestou contra o abuso dos proprietários de cinemas da cidade
114
A Quarta Legislatura 1959-1963
que faziam a venda de ingressos além da lotação permitida.37Mas seu colega Helio Nascimento dos Reis apresentou requerimento, subscrito por mais cinco vereadores, proibindo a
propaganda comercial, “por meio de projeção”, nos cinemas da Capital.38
Em um outro gênero de problemas, referente ao horário do funcionamento do
comércio, Arabelo do Rosário frequentemente abordava
a questão da falta de um plantão noturno das farmácias e
atuou junto à Associação dos Farmacêuticos para que ele
fosse instituído.39Já Walace Lora solicitava providências às
“autoridades competentes” para que coibissem os “abusos
de determinados rapazes que trajam de calção em pleno
centro da cidade”.40E Helio Nascimento dos Reis enalteceu, além do trabalho em prol do desenvolvimento turístico
da capital, também a campanha de propaganda de Vitória
com exposições de quadros e fotografias, que mostravam
Edgar Gomes Feitosa
cenários antigos e modernos, realizada pelo Foto Clube do Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
Espírito Santo.41O incentivo ao turismo era uma grande
preocupação de outro suplente em exercício, Cacau Monjardim, que apoiou na Câmara o
projeto do deputado estadual Isaac Rubim, que pretendia instituir o Departamento Estadual de Turismo.42Monjardim, além disto, subscreveu o projeto do Vereador Edgard Gomes
Feitosa, que autorizou o Executivo a custear as despesas de impressão do livro Subsídio para
a História da Santa Casa de Misericórdia de Vitória do importante historiador Francisco
Eugênio de Assis.43
Vale notar ainda, que, no plano da ação cultural, o suplente Berredo de Menezes
lançou um “veemente protesto” contra a decisão da Corte Judiciária Americana, que “por
covardia de seus membros” levou a efeito a execução de Caryl Chessman. Berredo se referia
a um caso policial que teve uma enorme repercussão mundial, naquela época, inclusive no
Brasil. Em 1960, condenado pelo júri de Los Angeles sob a acusação de ser o criminoso que
praticava crimes de estupro e roubo em Hollywood - e que ganhara as páginas dos jornais locais como The Red Light Bandit, o Bandido da Luz Vermelha -, Caryl Whittier Chessman foi
executado na câmara de gás do presídio de San Quentin, Estado da Califórnia, Estados Uni-
115
História da Câmara Municipal de Vitória
dos. Chesman negou até morrer a autoria dos delitos de roubo e violência sexual praticados
pelo Red Light Bandit, e lutou fantasticamente para anular o veredicto do júri, atuando como
o seu próprio defensor. Sua luta repercutiu mundialmente em vários setores da sociedade
e gerou vários debates sobre a legitimidade e comutação da pena capital. No Brasil, o mais
notável e lúcido dos defensores de Chessman foi o saudoso jurista, então à época presidente
do Supremo Tribunal Federal, Nelson Hungria.44
Preocupações como essas são uma evidência de que a Câmara, durante a gestão do
prefeito Adelpho Poli Monjardim, não se engalfinhara em uma crítica contundente e sistemática da ação do primeiro prefeito eleito, apesar da conjuntura crítica em que ele atuou. E isso
aconteceu mesmo quando o pagamento dos salários dos servidores permanecia em atraso
- como lembrou o Vereador Fernando Calazans em julho de 1959 -, e era mesmo profundamente complicada a situação financeira do município.45
Mesmo assim não se pode assegurar que não existiram críticas diretas ao prefeito.
Em dezembro de 1959, por exemplo, repercutiu com intensidade na cidade o episódio que
envolveu alguns vereadores e o prefeito Monjardim. O prefeito acusou João Luiz Aguirre de
ter violentado o seu gabinete “de maneira ilegal e arbitrária”. João Luiz Aguirre usou como
argumento da invasão a necessidade de tomar posse imediata como prefeito, uma vez que o
titular, o prefeito Monjardim, teria se ausentado da cidade. Contra essa tentativa de invasão
de gabinete, Monjardim alegou que não estivera ausente como se informara, e que iria recorrer à Justiça “para dirimir futuras dúvidas e equacionar perfeitamente as responsabilidades do
chefe do Executivo e do Legislativo”.46
No entanto, o “campeão” das críticas ao prefeito parece ter sido o Vereador Arnaldo da Vitória. Ele notabilizou-se, em seu primeiro mandato, pela contundente crítica que fez
a Adelpho Monjardim “em face da não observância legal para a realização de obras”, principalmente as executadas pelo empresário Ariosto da Silva Santos.47E Monjardim realizou
efetivamente algumas obras estruturantes para a cidade, como a pavimentação e urbanização
da avenida da Ilha do Príncipe, entregue à população com grande festa em três de maio de
1961.48
116
A Quarta Legislatura 1959-1963
Walace Lora, todavia, poucos dias após a primeira denúncia feita por Arnaldo da
Vitória, comunicou que faria um requerimento, em que solicitava a abertura de inquérito parlamentar para apurar as irregularidades apontadas por Arnaldo da Vitória.49O requerimento
de Arnaldo para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, destinada à
apuração de suas denúncias de supostas ilegalidades cometidas pelo Executivo na empreitada
de obras públicas, foi assinado inicialmente por nove vereadores.50Walace Lora, contudo, retirou o seu nome da CPI, alguns dias depois.51Berredo de Menezes, suplente em exercício, ao
se posicionar a esse respeito, teceu críticas à administração municipal acerca da necessidade
de cumprimento do Artigo 58 da Lei nº 65 que dispunha “sobre a abertura de concorrência
pública para as obras municipais”.52Mas essas críticas não deixaram o prefeito sem defesa.
Antário Alexandre Theodoro, ao defender o prefeito, rechaçou os pronunciamentos críticos
de Berredo de Menezes e Namyr Carlos de Souza.53Todavia, essa atitude “governista” de
Antário foi severamente criticada pelo jornal A Gazeta, obrigando-o a se defender e assumir
“todas as responsabilidades por todos os seus atos”.54
Nesse contexto, Arnaldo da Vitória, não contente com as graves acusações que
apresentara contra o prefeito, ainda trouxe ao conhecimento da Câmara a denúncia de uma
suposta “evasão de material pertencente ao patrimônio do município, por intermédio do
setor de transportes da Prefeitura”.55
No entanto, não existiram apenas essas incriminações ao prefeito, pois outros aspectos da administração de Monjardim foram, da mesma maneira, analisados por alguns
vereadores. Poucos meses após a sua posse, em julho de 1959, Elie Moussatché declarou
que a despeito do silêncio que mantivera até então com relação à administração municipal,
“motivado por questões partidárias”, ele resolvera que não mais se calaria “face às irregularidades ocorridas na Prefeitura, principalmente face ao descaso com que a Câmara é tratada
pelo Senhor prefeito municipal”. O motivo mais imediato da reclamação de Elie residia no
fato de que um dos seus requerimentos não fora respondido a tempo, o que era, segundo
ele, uma obrigação do prefeito definida em lei.56Dias depois, o mesmo Elie se referiu à visita que o prefeito fizera à Câmara “para tratar de assuntos municipais”. Elie censurou “a
maneira rude” do prefeito e a forma “arbitrária com que S. Exª. vem se conduzindo à frente
do Executivo”.57Após dois meses, o mesmo Elie, ao acusar novamente o prefeito, fez refe-
117
História da Câmara Municipal de Vitória
rências ao “regime oligárquico”, reinante no Executivo, que supostamente prejudicava “a administração municipal”. E, surpreendentemente, porém, saiu em defesa de Elie e, portanto,
contra o prefeito, o Vereador Antário Alexandre Theodoro, que ao se declarar solidário ao
colega, salientou a necessidade “de ser feita uma reforma em base no quadro funcional da
Prefeitura para que o Executivo possa fazer uma administração profícua e realizar as obras de
que carece o município”.58De qualquer forma, a postura crítica de Elie - que participara, na
terceira legislatura, de um tiroteio da Câmara, como vimos - manteve-se dentro de uma linha
de moderação, a ponto de o próprio Eli defender o prefeito das críticas feitas a ele pelo jornal
A Tribuna. Elie ponderou então que o prefeito Monjardim merecia “críticas como administrador”, porém não concordava “que a sua honorabilidade como cidadão fosse maculada”.59
A grande politização das questões sociais e econômicas, e que constituíram a marca
registrada do período de crise terminal do regime chamado de “populista” no país, se refletiu
na Câmara de Vitória. Essa politização exacerbada acabou por conduzir a Câmara a posicionar-se de maneira muito clara a respeito de importantes temas econômicos que afetavam o
Espírito Santo como um todo.
Os velhos dilemas, como o que se referia ao fornecimento deficiente de energia elétrica - a cargo de uma empresa estrangeira, a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica
– CCBFE -, ganharam nova dimensão em um contexto fortemente marcado pela campanha
nacionalista que tomara conta do país. A principal reivindicação dos nacionalistas brasileiros era a de que as empresas estrangeiras que operavam no setor de infraestrutura fossem
encampadas e “nacionalizadas”. E essa reivindicação também chegou à Câmara de Vitória,
que assumiu prontamente a campanha pela encampação da CCBFE. Walace Lora condenou
de forma veemente essa empresa, acusada por ele de deixar a população da cidade e seus
bairros “em completa escuridão”.60Logo após, o mesmo Lora retornou ao tema para dar o
seu “irrestrito apoio” ao projeto de encampação da empresa pelo governo.61Meses depois,
ante uma manifestação de Lora, em apoio ao projeto de encampar essa empresa apresentado pelo deputado estadual Isaac Rubim, seus colegas João Luiz Aguirre e Elie Moussatché
passaram um requerimento, redigido nos seguintes termos: “Os vereadores infra-assinados,
no uso de suas atribuições, requerem, após audiência do Plenário, seja manifestado à augusta
Assembleia Legislativa Estadual, o integral apoio desta Câmara, às medidas que se fizerem
118
A Quarta Legislatura 1959-1963
necessárias para a encampação da Companhia Central Brasileira de Energia Elétrica, dentro
dos dispositivos legais vigentes. Requerem ainda, seja manifestado aos ilustres parlamentares,
senador Jefferson de Aguiar e deputado Isaac Rubim, os aplausos desta Câmara pelas iniciativas que tiveram em oportunidades diferentes para a solução deste importante problema,
apesar de reconhecerem que no momento esta solução foi transferida para o âmbito federal”.
Esse requerimento recebeu a concordância de Adalberto Simão Nader, contudo foi contestado por Hélio Nascimento dos Reis, que argumentou que a medida proposta era “ilegal”.62
Nessa ocasião, uma questão de “âmbito federal” afetava a cidade de Vitória e, por
isso, foi assiduamente abordada na Câmara. Tratava-se dos problemas em relação à Companhia Vale do Rio Doce - CVRD. Em maio de 1960, o Vereador Claudionor Lopes Pereira,
normalmente preocupado com os assuntos relacionados à infraestrutura urbana, principalmente no bairro que ele “representava”, Maruípe, abandonou essa problemática para denunciar a “trama que se desenvolve na órbita federal, objetivando o desaparecimento da
Companhia Vale do Rio Doce”.63Claudionor congratulou-se com a Companhia Vale do Rio
Doce pelo índice de exportação de minério de ferro alcançado naquele ano, e também com
o governo do Estado por ter conseguido – com a alta direção da Companhia -, o aumento
de Cr$ 4,50 em cada tonelada de minério exportado. Nessa circunstância, Claudionor ainda
recebeu congratulações de seu colega Antário Alexandre Theodoro pela conclusão do curso
de Ciências Jurídicas e Sociais.64
A pregação nacionalista na defesa da Companhia Vale do Rio Doce se acentuou
a partir do momento em que se disseminou no país a notícia de que a mineradora estrangeira Hanna Mining pretendia exportar igualmente o minério de ferro do Brasil. Na Câmara, Alaor de Queiroz Araujo protestou “contra a intervenção da Hanna no comércio de
minério”.65João Luiz Aguirre mostrou-se preocupado com a situação em que se encontrava
a Companhia, que, em seu entender, “possivelmente terá o seu trabalho interrompido se não
forem tomadas as providências para a liberação da verba destinada à drenagem do porto de
Vitória”.66De igual forma, Aguirre se declarou opositor ao movimento que se fazia “a fim de
se conceder à Hanna a concessão para a exploração do minério de ferro em nosso país”, no
que foi apoiado por seu colega Arabelo do Rosário.67Dias depois, o suplente Juarez Martins
Leite solicitou o apoio de seus pares e do povo em geral “para o movimento que se trama
119
História da Câmara Municipal de Vitória
contra a economia nacional, elaborado por um grupo de maus brasileiros que pretendem,
com o beneplácito governamental, dar concessão à Hanna para a exploração de nossas reservas de minério de ferro”.68Com esse mesmo intuito, Antário Alexandre Theodoro, ao
se pronunciar sobre o tema, apresentou um protesto “pela falta de patriotismo de alguns
brasileiros que, com manobras escabrosas, entregam aos países estrangeiros todas as nossas
fontes de riqueza”.69Até mesmo o sempre discreto Manoel Janeiro se pronunciou contra essas “manobras escabrosas”.70O suplente Victor Finamore de igual modo, ao protestar contra
as pretensões da Hanna, declarou a necessidade de um maior apoio do governo federal para
o desenvolvimento da Companhia, que, a seu ver, representaria “um dos fatores de nossa
emancipação econômica”.71Ao se aproveitar do fato de que naqueles meses se realizava a
campanha eleitoral para a presidência da república, o Vereador Elie Moussatché declarou ser
favorável ao candidato que em “praça pública” declarasse que, após eleito, encamparia “todas
as companhias e serviços explorados por grupos de economia internacional, seja ele ou não
candidato de sua facção partidária”.72
A pregação nacionalista efetuada na Câmara de Vitória, que talvez tenha sido o ponto alto dessa legislatura, ocorreu ao mesmo tempo no Conselho Técnico da Findes. A partir
de 1959, essa discussão se reforçou ao contar com a presença e a participação de Eliezer Batista, o homem que logo após seria nomeado presidente da CVRD e que conseguiu a transferência da sua sede para Vitória, por influência da atuação do Conselho - como é amplamente
reconhecido. A “grita” da Câmara era parte da política dos governadores do Espírito Santo,
- principalmente daqueles mais identificados claramente com um projeto desenvolvimentista
-, de fazer tudo que fosse possível em defesa da empresa, mas sempre na perspectiva de que
ela deveria aprofundar o seu papel no desenvolvimento industrial do Estado.
Assim, respaldado pelo apoio recebido da Findes, no dia 9 de Outubro de 1959,
o governador Carlos Lindenberg concedeu longa entrevista ao jornal carioca Correio da
Manhã, na qual lamentava que, embora a CVRD estivesse aparelhada para exportar dezoito
milhões de toneladas, o Brasil no último ano somente exportara quatro milhões. De acordo
com ele, a CVRD operava de forma limitada devido ao fato de os navios, que carregavam o
minério de ferro para o exterior, retornarem ao país sem nenhum aproveitamento, quando
poderiam transportar carvão mineral no regresso aos portos nacionais. Esse carvão aciona-
120
A Quarta Legislatura 1959-1963
ria uma siderúrgica que aproveitasse as facilidades excepcionais para a saída do minério e, o
mais importante ainda, essa siderúrgica poderia situar-se justamente no Espírito Santo. Dessa
forma, ele fazia uma clara defesa da Companhia, em contraste com o que se passava no resto
do país, onde, segundo o historiador Osny Duarte Pereira, no momento em que Lindenberg
fez essa defesa da CVRD, “a grande empresa estatal praticamente não tinha defensores no
governo federal”.73
O objetivo aparente da entrevista de Lindenberg, além de sugerir a instalação de
uma siderúrgica no Espírito Santo, era o de defender a CVRD das supostas ameaças que
contra ela pareciam ter surgido com a divulgação do “negócio envolvendo a Hanna Mining
Company”.
Essa empresa era um conglomerado americano do aço que adquirira na surdina
as terras do Vale do Paraopeba em Minas Gerais: uma superfície de quinze mil alqueires,
abrangendo os municípios de Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Sabará e Caeté, onde já se
sabia existir uma das maiores jazidas de ferro do mundo, e tinha-se como certo que esse
conglomerado pretendia explorar e exportar esse minério. A aquisição se dera pelo controle acionário da antiga mineradora Saint John del Rey Mining Company, uma centenária
companhia inglesa, formada em 1832, que estava em dificuldades em relação a sua atividade
principal, justamente a mineração de ouro em Morro Velho. Ao adquiri-la, a Hanna Mining
se desfez da mineração de ouro e transferiu as reservas de minério de ferro para a Mineração
Novalimense, uma empresa controlada por ela. A Hanna Mining, por intermédio da Mineração Novalimense, pretendia iniciar a exportação do minério de ferro pelo porto de Angra
dos Reis, no Rio de Janeiro, o que certamente estabeleceria uma concorrência com a CVRD,
que poderia ter sido fatal para a Vale. E, por consequência, principalmente para o Espírito
Santo – como diziam os críticos nacionalistas da Hanna.74
Meses depois de sua entrevista para o jornal carioca, em maio de 1960, o mesmo
governador Lindenberg publicou artigo de sua autoria no influente Jornal do Brasil. Essa
entrevista, intitulada “Progresso da Vale do Rio Doce é essencial para o Espírito Santo”, logo
depois seria reproduzida no seu próprio jornal A Gazeta. Entre outros temas, Lindenberg
informou que:
121
História da Câmara Municipal de Vitória
A Vale do Rio Doce desempenha grande papel na economia do Estado do Espírito
Santo, não somente desenvolvendo uma atividade de grande importância produtiva, dando trabalho a milhares de pessoas, pagando salários, pagando milhões de cruzeiros mensalmente a trabalhadores capixabas, aparecendo como centro consumidor de matérias-primas, dinamizando o
comércio local, dando vida a um porto e a toda uma região, como também ajudando diretamente a vários municípios, inclusive o da capital do Estado em empreendimentos decisivos para o
desenvolvimento deles. Para citar três exemplos: a Vale do Rio Doce está ajudando o município
de Vitória em cento e oitenta milhões de cruzeiros na construção de uma usina de energia elétrica que servirá não somente a este município como também a toda a região vizinha e à própria
empresa. No Baixo Guandu e na Região de Rio Bonito-Colatina, de grande progresso agora, a
Vale do Rio Doce também está ajudando financeiramente em empreendimentos de produção e
distribuição de energia elétrica. O nosso porto, que vinha sendo deficitário, com a expansão das
atividades da empresa, já deixou de sê-lo e tende a dar lucros. É por isso que afirmo: o progresso
da Vale do Rio Doce significa o progresso do Espírito Santo.75
No dia 15 de Maio de 1960, como parte da campanha contra a Hanna Mining, o
mesmo Jornal do Brasil publicou um artigo, em que se denunciava a operação de compra realizada por essa empresa americana. Nesse artigo se informava que, na verdade, essa compra
fora engendrada “na surdina”, já em 1957.76
Denúncias como essa indicam que naquele momento se presenciava o auge da
campanha e do movimento nacionalista brasileiro, um movimento que se tinha iniciado nos
anos 20, exatamente contra o projeto do empresário americano Farquhar de exportar minério de ferro. Algumas das conquistas desse movimento nacionalista foram justamente a
criação da CSN, em 1941; da CVRD, em 1942; e da Petrobrás, em 1953. Nos anos 60, o novo
alvo desse movimento passou a ser as empresas estrangeiras, principalmente as americanas,
concessionárias de serviços públicos no Brasil, tais como a os do abastecimento de energia
elétrica e de água, entre outros. As empresas concessionárias eram acusadas de praticar, além
do monopólio, preços extorsivos e de igual modo prestar péssimos serviços. No Espírito
Santo, por exemplo, Américo Buaiz liderou durante muitos anos as críticas à concessionária
de energia elétrica local, a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica - CCBFE, subsidiária da Bond & Share, empresa de capital canadense e americano, organizando movimentos
122
A Quarta Legislatura 1959-1963
de protesto contra ela e a favor de sua encampação pelo Estado. O affair da Hanna Mining
abriu uma nova frente nessa luta, e os protestos nacionalistas pipocaram por todo o país. E
o artigo de Lindenberg, evidentemente, fazia coro a esses protestos e foi um dos iniciadores
do movimento no Espírito Santo.
Na mesma época, na Câmara Federal, o deputado federal pelo Espírito Santo,
Oswaldo Zanello, do PRP, proferiu discurso em que dizia que as reservas minerais do Brasil
representavam para ele um “potencial de valor imenso, capaz de nos libertar economicamente e de nos colocar em posição de igualdade perante os grandes povos do mundo” e que o
“Império Hanna Humphrey, enquanto houver dignidade neste País, jamais dominará, apesar
de suas arremetidas, nossas reservas ferríferas.” Zanello prometia enfrentar tudo contra essa
pretensão, e que “até com armas defenderemos esse patrimônio nacional, se um dia pretenderem os maus brasileiros e a Hanna ir além do que já foram”.77
Ao dar guarida a essa discussão da problemática do minério de ferro e da siderurgia, o Conselho Técnico da Findes, sob a liderança de Américo Buaiz, se convertia assim
num lócus privilegiado dessa campanha nacionalista em defesa da CVRD, conectando essa
discussão à formulação de um projeto de desenvolvimento regional para o Espírito Santo,
que tinha na indústria siderúrgica em particular e na indústria em geral o seu horizonte mais
amplo. E a Câmara de Vitória, por meio de seus principais vereadores, participou dessa campanha nacionalista a favor da Companhia Vale do Rio Doce e contribuiu desse modo para a
sua consolidação como empresa de grande porte.
O discurso nacionalista em defesa da Companhia Vale do Rio Doce vinculava-se
estreitamente à defesa de uma posição “regionalista” que visava ao desenvolvimento do Espírito Santo. E, por seu lado, a população capixaba se identificava claramente com a defesa de
uma perspectiva “industrializante” para o Estado. Em consequência, vinha daí a identificação
da maior parte da Câmara com a atuação da Findes e de seu presidente, o industrial Américo
Buaiz. Nesse sentido, o suplente em exercício Cacau Monjardim elogiou o desempenho da
Findes “em prol do engrandecimento de nosso Estado”.78Um ano depois, seu colega Arabelo do Rosário igualmente fez considerações “sobre a importância para o nosso Estado da
Federação das Indústrias do Espírito Santo”.79
123
História da Câmara Municipal de Vitória
E foi o mesmo Arabelo do Rosário quem agradeceu e comunicou o convite, feito
pela Confederação Nacional da Indústria – CNI – para a instalação dos trabalhos do Seminário para o Desenvolvimento Geoeconômico do Estado do Espírito Santo, a ser realizado no
Palácio do Café, no dia 4 de fevereiro de 1960.80 Um mês depois, Namyr Carlos de Souza se
congratulou com a Federação das Indústrias pela realização do Seminário Socioeconômico.81
O Seminário Pró-Desenvolvimento do Espírito Santo – SPDES tratou-se de uma
atividade pela qual se promoveu uma verdadeira mobilização da sociedade capixaba, não apenas em torno da ideia de participação social na formulação de um planejamento realmente
abrangente, mas principalmente em torno da ideia de que o Estado precisava trilhar um novo
caminho para si, em todos os sentidos. Ele não foi um simples “seminário”, como se pensa
hoje um simpósio acadêmico, reunindo especialistas numa área determinada. Na realidade,
tratava-se de um amplo movimento social que abrangeu as lideranças sociais e políticas mais
significativas do Estado, gerando nelas, e na sociedade como um todo, de forma totalmente
inédita em nossa história, a convicção de que o Estado precisava modernizar-se e acompanhar neste movimento as rápidas transformações que estavam ocorrendo no Brasil e no
mundo. Enfim, para que ocorressem essas rápidas transformações em terras capixabas, era
preciso sensibilizar o governo federal para a problemática do Espírito Santo.
Assim, com o intuito de divulgar a ideia da importância do Seminário e mobilizar
as pessoas interessadas no assunto, em fevereiro de 1960, o jornal A Gazeta desenvolveu o
programa de entrevistar líderes de diversas classes e categorias sociais sobre o SPDES. E por
isso foram entrevistados vários vereadores da Câmara de Vitória.
Um dos entrevistados foi o Vereador Antário Alexandre Theodoro, professor e líder de seu partido (PSP) na Câmara dos vereadores, o qual enfatizou que sempre fora “contra
a tarefa de gabinete”, além do que não seria “jamais possível serem estudados os problemas
de nossa comunidade interiorana sem uma prolongada esquemática local”.82Nessa mesma
linha, em 15 de março de 1960, o médico e Vereador pelo PSD de Vitória, Alaor Queiroz de
Araujo, afirmou que: “Nascem com bons planejamentos melhores padrões de progresso”.83E
o também Vereador Adalberto Simão Nader disse que: “Análise de nossos problemas: um
imperativo da atualidade.84Já o Vereador Namyr Carlos de Sousa, que igualmente era Diretor
124
A Quarta Legislatura 1959-1963
Executivo do Conselho Regional do Serviço Social Rural – SSR –, um dos promotores do
Seminário, destacou que a importância geográfica do Estado precisava “motivar o governo
federal.” Namyr ainda acrescentou que a Federação das Indústrias assumia “uma posição de
liderança” pois encamparia, no seu modesto entender “um trabalho e uma tarefa que deviam
estar na órbita do planejamento governamental”. Ele, para reforçar o argumento desenvolvimentista que defendia, relatou uma viagem que tinha feito aos Estados Unidos e destacou
que: “Porto Rico, especialmente, tem problemática econômica semelhante, em alguns pontos
à nossa. Estado pequeno, preso à monocultura de cana de açúcar, encontra-se agora com
a tarefa da industrialização e promove campanhas populares, atraindo capitais da área do
dólar, criando, assim, pelo desenvolvimento da indústria, novas fontes de trabalho, evitando
o êxodo do braço rural e oferecendo, consequentemente, novo e atualizado padrão de vida.
Estado pequeno tem a seu crédito, num confronto com o nosso, o fato de estar completamente eletrificado, oferecendo estradas asfaltadas em todo o seu território (…) Precisamos
encarar já a diminuição das taxas e tributos, a intensificação de um plano de eletrificação para
todos os municípios e ajuda aos grupos que exploram ou pretendem explorar, no interior, o
fornecimento de energia; promover, verdadeiramente, as determinantes de nossa esplêndida
situação geográfica, despertando o governo federal para esta importância e, principalmente,
para a maravilhosa distribuição e características de nosso porto”.85
Uma das atividades desenvolvidas pelo SPDES foi o envio de questionários aos líderes municipais, previamente selecionados, com perguntas sobre os problemas das suas comunidades. Essas perguntas abrangiam desde os problemas ligados à área econômica, como
os transportes, o abastecimento de energia elétrica, o financiamento, a agricultura, a pecuária,
a pesca, os recursos mineralógicos, a valorização e a recuperação de terras, a colonização do
solo, as comunicações, os investimentos, as indústrias em geral, o comércio e até as questões
sociais tais como, a educação, a saúde, os problemas urbanos, os problemas habitacionais e
o turismo.
E para complementar o primeiro inquérito, realizado em Vitória por meio dos questionários, “tendo em vista que ele não se adaptava às condições socioeconômicas da região,
deixando em claro aspectos importantes para o levantamento pretendido”, o Grupo de Vitória, sob a forma de entrevistas, reformulou as indagações imprescindíveis à pesquisa, ao
125
História da Câmara Municipal de Vitória
consultar líderes categorizados de diversas atividades na cidade de Vitória. Dos oitenta e
seis entrevistados, foram inquiridos: vinte e seis comerciantes, treze industriais e artesãos,
quatorze médicos, doze professores, dezessete profissionais liberais, dentre eles advogados,
contadores, dentistas, farmacêuticos e engenheiros e quatro dirigentes de bancos.
O resultado dessa enquete, realizada com as principais lideranças de Vitória no
início dos anos 60, revelou naquela altura a visão que essas mesmas lideranças tinham dos
problemas da capital, e até como elas pensavam que tais problemas podiam ser solucionados.
O relatório produzido com base nessa enquete é um verdadeiro programa social e político
da sociedade de Vitória, e importa muito verificar o que nestes últimos cinquenta anos foi
realizado com o intuito de atender às sugestões contidas nesse documento.
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 264 leis, assim classificadas:
01. Obras públicas: 20
02. Estrutura Organizacional: 2
03. Subvenções e auxílios: 34
04. Tributos: 9
05. Desapropriações: 18
06. Utilidade pública: 14
07. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas: 20
08. Cargos, gratificação, salário e vencimento: 25
09. Salário Família: 2
10. Pessoal: 6
11. Orçamento: 30
12. Contrato, convênio, acordo: 2
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A Quarta Legislatura 1959-1963
13. Comenda, medalha, prêmio, troféu: 2
14. Patrimônio municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, doação: 27
15. Necrópole: 1
13. Posturas: 4
14. Educação: 1
15. Iluminação Pública: 1
16. Saúde: 2
17. Transporte Coletivo: 4
18. Cidadão Vitoriense: 25
19. Código Municipal: 12
20. Operação de Crédito: 1
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 807, de 13 de abril de 1959: Fixa em CR$ 18.00,00 mensais a representação dos vereadores e em igual quantia a ajuda de custo que será paga anualmente, no início
de cada sessão legislativa.
 LEI 869, de 26 de março de 1960: Cria o Sistema Rádio educativo de Vitória,
diretamente subordinado ao Gabinete do Prefeito.
 LEI 909, de 27 de agosto de 1960: Autoriza a execução da extensão da rede
de água do bairro de Nossa Senhora da Penha.
 LEI 923, de 7 de outubro de 1960: Determina que, nos contratos a serem
feitos ou renovados para exploração dos serviços de transporte coletivo, deverá constar a
obrigatoriedade dos concessionários concederem o abatimento de 50% no preço da passagem dos estudantes.
127
História da Câmara Municipal de Vitória
 LEI 926, de 26 de outubro de 1960: Concede subvenção no valor de CR$
1.000.000,00, ao Instituto Educacional do Espírito Santo, para construção de sua sede.
 LEI 940, de 19 de dezembro de 1960: Concede isenção de todos os tributos
às indústrias que se instalarem no município e que não tenham similares.
 LEI 948, de 31 de dezembro de 1960: Estabelece normas para a aquisição de
veículos para o serviço público municipal.
 LEI 957, de 7 de abril de 1961: Fixa em 14 o número de vereadores.
 LEI 970, de 30 de junho de 1961: Autoriza o alargamento e o calçamento da
Avenida Santo Antonio.
 LEI 982, de 9 de outubro de 1961: Autoriza o calçamento da Estrada do
Contorno, em Santo Antonio.
 LEI 990, de 29 de novembro de 1961: Autoriza a construção de uma estação
rodoviária na área recentemente aterrada entre a ilha do Príncipe e o atual mercado da Vila
Rubim, através de convênio a ser firmado com o governo estadual.
128
CAPÍTULO V
A QUINTA LEGISLATURA
1963 - 1967 A gestão de Solon Borges Marques
A Quinta Legislatura 1963-1967
Um pouco antes de terminarem as apurações do pleito municipal, em outubro de
1962, os jornais já davam como certa a ocupação do lugar de Vereador mais votado por
Arabelo do Rosário, do PDC. Ele era seguido nas previsões por José Ignácio Ferreira, do
PTB; Beraldo Madeira da Silva, do PSP; Apolinário Delmaestro, do MRT e José Costa, do
PSD.01
E era igualmente dada como certa a vitória de Solon Borges Marques para o cargo
de prefeito municipal, apesar de ser seguido de perto na disputa por Armando Rabelo e
por outros candidatos.02
Na verdade, os eleitos para a Câmara foram: pelo MTR, Walace Vieira Borges,
com 357 votos e Apolinário Delmaestro, com 345 votos; pelo PTN, Raulino Gonçalves,
com 367 votos e José de Paula Rocha, com 322 votos; pelo PRP, Wilmington Ayrola Barcelos com 308 votos; pelo PSD, Claudionor Lopes Pereira, com 480 votos e José Antonio
Figueiredo Costa, com 362 votos; pelo PSP, Beraldo Madeira da Silva, com 581 votos e
Raulino Rodrigues da Rocha, com 508 votos; pela UDN, Judson Gonçalves de Aguiar,
com 601 votos e Edgard Gomes Feitosa, com 446 votos; pelo PDC, Arabelo do Rosário,
com 594 votos; e pelo PTB, José Ignácio Ferreira, com 669 votos, Arnaldo Pinto da Vitória, com 494 votos e Arivaldo Favalessa, com 450 votos.03
De certa forma, esse resultado era surpreendente, uma vez que o candidato mais
votado, como se vê, foi o jovem estudante de Direito José Ignácio Ferreira, do PTB, e não
o que fora apontado nas pesquisas. Esse jovem estudante ainda se tornaria governador do
Espírito Santo, algumas décadas depois dessa estreia em um pleito eleitoral.
Contudo, igualmente surpreendente foi a vitória de Solon Borges Marques ao
cargo de prefeito. Era um candidato “populista” que suplantou outros adversários, apoiados por forças políticas muito mais tradicionais. A vitória de Solon foi um “fenômeno”
eleitoral na época e sinalizou a emergência do “povo” humilde da periferia nas eleições.
Solon era um advogado serrano, que mantinha na Rádio Espírito Santo, de prefixo PRI-9,
131
História da Câmara Municipal de Vitória
às dezoito horas, um programa muito popular e de grande audiência chamado “A Hora
do Angelus”. Dado que a repercussão desse programa na sociedade capixaba da época era
muito grande Solon era detentor de “uma influência impressionante”.04
Na verdade, o pleito para o cargo de prefeito tivera a concorrência de vários outros candidatos que foram igualmente muito bem votados. O mais votado, Solon Borges
Marques obteve 7.847 votos, enquanto os outros candidatos tiveram a seguinte votação:
Armando Rabelo, 5.722 votos; Abdo Saad, 4.750 votos; Antário Alexandre Theodoro,
4.531 votos; Paulo Pessoa Monteiro, 3.965 votos; e Irani Médici obteve 831 votos. A forte
divisão do eleitorado favoreceu a vitória de uma força política nova, representada por Solon Borges Marques.05
No entanto, a derrota do candidato Armando Rabelo - um ex-prefeito de Vitória
conhecido e respeitado na cidade por sua capacidade intelectual, honestidade e competência - foi muito lamentada, e quem melhor expressou esse sentimento foi o articulista Uchôa
de Mendonça do jornal A Gazeta. E vale a pena ler parte de sua crônica “Ponderações”,
com o intuito de observar o contraste existente entre as qualidades, que ele apontou em
Armando Rabelo, e o desconhecimento, que ele afirmou possuir em relação ao candidato
vencedor: “Fora das paixões partidárias, somos forçados, a esta altura dos acontecimentos de nossa terra, a fazer algumas ponderações acerca da candidatura do Sr. Armando
Rabelo para prefeito municipal de Vitória. Naturalmente, se ele conseguisse se eleger, não
estaríamos a esta hora escrevendo a seu respeito, pois seríamos tomados como um bajulador de última hora que se estaria aproveitando ou cavando uma situação futura, o que
absolutamente não almejamos em qualquer oportunidade de nossa vida. Voltamos nossas
vistas a esta hora sobre o que, com seu extraordinário tino administrativo, não viria aquele
cavaleiro realizar à frente da chefia da comunidade capixaba. Conhecemos o Sr. Rabelo há
mais de quinze anos. Nunca recebemos ou fizemos favor um ao outro, e a única coisa que
sentimos é admiração pelo indivíduo equilibrado e honesto que mais uma vez pensou em
ser útil ao seu Estado e ao seu povo. Infelizmente – temos convicção disso – o Sr. Armando Rabelo não se elegeu e com isso perdeu a capital e seus habitantes. O ex-prefeito de
Vitória e ex-secretário da Fazenda, tanto em um lugar como noutro, mostrou a sua capacidade de administrador e homem reto, sempre pautando os princípios de dignidade que
132
A Quinta Legislatura 1963-1967
norteiam os homens de sua estirpe, apesar da incompreensão de muitos e, naturalmente,
da oposição, como é natural no sadio regime democrático, onde os oposicionistas se destacam, na maioria das vezes, por fazer a fiscalização sobre os administradores, e que, no caso
do Sr. Armando, acreditamos, essa oposição se fazia necessária mas, de qualquer forma, a
oposição estava aí e é para isso que ela existe. Não conhecemos o prefeito eleito, e, para
sermos sincero, estaríamos laborando em erro, se, desde já falássemos de sua competência
ou incompetência para gerir os destinos da Prefeitura municipal”.06
Na sessão da posse dos novos vereadores - e
com a desistência das candidaturas de Walace Vieira
Borges, de Arabelo do Rosário e de Judson Aguiar - o
Vereador Beraldo Madeira da Silva foi eleito presidente
da Câmara com oito votos, e assim derrotou o seu colega Raulino Gonçalves, que obteve sete votos. No ato
de posse da nova Mesa, o prefeito Solon Borges Marques, acompanhado pelo vice-prefeito Jair Andrade, ao
discursar, afirmou que as suas prioridades na PrefeituBeraldo Madeira da Silva
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
ra eram a criação de um “parque industrial” e de um
“parque agropecuário”, a construção de núcleos residenciais operários na cidade, além de
pretender asfaltar diversas ruas.07
O primeiro ato do novo prefeito, contudo consistiu na demissão de centenas de
funcionários públicos, principalmente entre aqueles admitidos após as eleições de outubro
do ano anterior. Essa decisão colocou a Câmara de sobreaviso, embora não tenha havido
abertas manifestações de oposição à medida. O novo prefeito, Solon, alegou, para justificar essas demissões, a necessidade de contenção de despesas. Todavia, quando ele enviou
à Câmara um plano de reestruturação de salários e dos cargos de direção da Prefeitura, o
combativo Vereador Arnaldo Pinto da Vitória ocupou a tribuna para um “desabafo”. Arnaldo pediu que se fizesse “justiça aos pequenos”, e aproveitou para recordar que “antes,
por diversas vezes, negara-se o prefeito a pagar os 30% a que têm direito os pequenos
servidores, os operários que trabalham nas valas infectas e sem nenhuma defesa sanitária,
alegando inexistência de recursos financeiros”. Do ponto de vista de Arnaldo, não havia
133
História da Câmara Municipal de Vitória
“dinheiro para promover a melhoria dos humildes servidores”, no entanto para os “diretores e chefes, para o pessoal da copa e cozinha”, verificava-se exatamente o oposto, ou seja,
que o prefeito Solon Borges Marques tinha “dinheiro, não lhe faltam recursos.” Entretanto, enquanto Arnaldo realizava esse acalorado discurso, adentrou o Plenário, localizado
nessa época no quarto andar do Edifício Glória, o próprio prefeito Solon Borges Marques,
convidado pelo presidente Beraldo Madeira da Silva para sentar-se à Mesa. Arnaldo da Vitória, ao contrário do esperado, não se intimidou com isso e, ao prosseguir impavidamente
o seu discurso, afirmou que sentia “vergonha ao manusear e ler a mensagem do chefe do
Executivo. Ela não retrata a verdade, porque omite que há mais de cem funcionários aposentados em cargos em comissão, e o aumento por ele proposto para alguns haverá de dar
milhões de cruzeiros em novas despesas do Executivo”. O prefeito Solon, ao escutar tais
diatribes contra ele, ruborizou-se. E para completar a cena, Raulino Gonçalves ao apartear
Arnaldo da Vitória disse que o aumento proposto pelo prefeito consumiria cerca de vinte
milhões de cruzeiros. Arnaldo retomou a palavra e asseverou destemidamente: “O prefeito, que faz discursos patéticos solicitando ajuda, nega cooperação a esta Casa, enviando-nos mensagens que nos impedem de trabalhar com rendimento, pois todas são viciadas e
não nos permitem sossego para bem desempenharmos nossas funções”.08
Em contrapartida ao aumento dos gastos com funcionalismo, os problemas crônicos da cidade se tornavam cada vez mais graves, exigindo uma solução. Ao se recordar
desses problemas permanentes e quase insolúveis, Apolinário Delmaestro afirmou que “o
povo” estava revoltado porque pagava “água que não lhe chega.” Delmaestro responsabilizou o Departamento de Águas e Esgotos - DAE- pelo problema do abastecimento de água
e advertiu que era necessário que o governo estadual liberasse as “verbas destinadas ao
órgão”, a fim de que aquela repartição pudesse dar solução ao “angustiante problema” uma
vez que “centenas e centenas de pessoas, principalmente nas favelas”, transitavam diuturnamente em busca de água. Alegou por fim que não era justo que elas permanecessem
nessa situação por tempo indefinido enquanto eram “obrigadas a recolher mensalmente as
taxas de água nos cofres do DAE”.09
Nos meses seguintes, na tentativa de remanejamento de verbas do Orçamento, o
prefeito Solon se deparou com a resistência de alguns vereadores. Esses vereadores não
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A Quinta Legislatura 1963-1967
aceitaram as supostas “manobras” do líder petebista Arivaldo Favalessa, que apoiava o
prefeito na época. A reação ao prefeito foi encabeçada pelos vereadores José Costa, Walace
Vieira Borges, Claudionor Lopes Pereira e Milton Murad. Eles acusaram Solon Borges de
tentar uma “manipulação das verbas municipais sem a fiscalização do Legislativo”. Essa
atitude combativa demonstra que já existia uma oposição organizada na Câmara.10
E é importante salientar que nesse momento generalizou-se a convicção de que
havia realmente um grupo significativo de vereadores que não apoiavam integralmente
o prefeito. Com efeito, esse foi o tema de uma matéria publicada no jornal A Gazeta, na
qual especialistas em política municipal afirmaram que o prefeito não possuía maioria na
Câmara. Eles acrescentaram no texto da reportagem do jornal que a declaração feita pelo
porta-voz do prefeito - a de que os vereadores Arivaldo Favalessa, Arnaldo Pinto da Vitória, José Costa, Apolinário Delmaestro e Raulino Gonçalves não eram consideradas personas gratas perante à administração municipal -era uma demonstração de que o prefeito se
interessava em alijá-los dos “planos administrativos que porventura tenham”. Os mesmos
experts, conforme o jornal, concluíram ser “perigoso” afirmar que os vereadores Arabelo
do Rosário e Edgard Gomes Feitosa pertenciam ao grupo de apoio ao chefe do Executivo, dado que “todo mundo” sabia que aqueles dois edis “sempre procuraram desenvolver
ações em favor da comunidade, não se deixando levar por interesses suspeitos”.11
Essa oposição, contudo, não foi suficiente para impedir a aprovação do novo
Código Tributário Municipal, proposto pelo prefeito. O Código, aprovado pela Câmara,
introduziu a cobrança de novos impostos, mas a oposição não concordou e reclamou principalmente por intermédio de um dos seus principais porta-vozes, o jornal A Gazeta. Em
um artigo intitulado “Tributação Inclemente”, informava-se que a aprovação do Código
resultara de um “vergonhoso conluio entre a Prefeitura e a Câmara à base de favores e
em detrimento dos altos interesses da população”. A majoração excessiva das tabelas de
impostos e a cobrança de imposto de profissionais com base em sua receita bruta foram
as principais reclamações do jornal oposicionista. A conclusão do artigo do jornal foi a de
que “O povo e, principalmente, aqueles que vivem de ordenados e salários, que constituem
a maioria da população, é que vão sofrer na própria carne os efeitos resultantes do vergonhoso acasalamento.”12
135
História da Câmara Municipal de Vitória
Naquela época, no entanto, nenhum problema mobilizava mais intensamente a
população da cidade do que o do fornecimento de energia elétrica.
Por causa disso, o ano de 1964 começou em Vitória com os fortes protestos contra a empresa encarregada do abastecimento de energia elétrica, a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, a CCBFE. E a Câmara municipal, ao liderar o movimento contra
a companhia concessionária de energia elétrica, programou uma grande manifestação popular contra o aumento da tarifa proposto por essa empresa. Essa manifestação realizou-se
no dia 8 de janeiro daquele ano na Praça Oito, e coube à Câmara o papel de convocar o
protesto. Em uma influente coluna do jornal A Gazeta, Jackson Lima comentou o evento
e, por isso, vale a pena ler na íntegra a matéria que escreveu porque ela dá uma visão não
só do ambiente de revolta que existia na cidade como também do papel desempenhado
nele pela Câmara. No artigo, denominado “Flashes da noitada cívica contra os abusos da
CCBFE”, Jackson Lima informava:
Não poderá desprezar o capixaba, por comodismo ou outro qualquer sentimento menos nobre, a
realização do grande comício que logo mais, às vinte horas, terá início na Praça Oito de Setembro
para registrar os mais veementes protestos da comunidade vitoriense contra o abusivo aumento
de tarifas a que nos submeteu há dias a Companhia Central Brasileira de Força Elétrica.
Muito mais do que a pura e simples efetivação de um meeting político, a reunião popular anunciada estima merecer o comparecimento compacto dos nossos consumidores de energia elétrica, pois
haverá de constituir-se ponto de reivindicação comum na defesa dos interesses mais patrióticos.
Esta é a resposta que a população desta capital deverá oferecer como prova da união em favor do
bem-comum e contra a ganância de empresas que, tudo fazendo para sangrar as economias da
coletividade, nada mais fazem do que funcionar como sugadouro ágil e ganancioso de recursos
que endereçam a outros pagos, enriquecendo-os, em detrimento do nosso bem estar social.
Uma grande demonstração de unidade popular deverá apontar, na noite de hoje, a quantos ainda
desacreditam na capacidade do espírito de luta do capixaba, que doravante não será tão fácil assim
lançar mão dos métodos do assalto à economia pública, sem que disso resulte prontamente uma
ação conjunta e potente em contrário.
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A Quinta Legislatura 1963-1967
Reunião especial registrou-se na tarde ontem, no recinto da Câmara municipal de Vitória. Aquela
Casa, como sempre tomando a dianteira dos acontecimentos em favor da comunidade vitoriense,
enquanto os executivos estadual e municipal nem dão ar de si, considerando-se que não estão aí
para dar duro “para dar duro em favor de tanta gente”, quando podem esquivar-se dos problemas
econômico-sociais.
Representantes da Federação do Comércio, do Conselho Sindical do Movimento Estudantil, da
Frente de Mobilização Popular, o Delegado Regional do Trabalho e Previdência Social e os vereadores José Costa, Apolinário Delmaestro, Walace Vieira Borges e Judson Aguiar discutiram sobre
a realização do grande comício, tomando medidas que corram ao encontro do desejo popular de
comparecimento à reunião.
Do que foi deliberado, sabe-se que providências foram tomadas para que não falte condução aos
residentes de todos os bairros e subúrbios da Capital, nos movimentos de ida ao Centro da Cidade
e de retorno ao ponto de partida.
Uma outra reunião, que contou com a presença dos vereadores José Costa, Beraldo Madeira da
Silva, Walace V. Borges, Arivaldo Favalessa e Apolinário Delmaestro registrou-se imediatamente
após, quando foi recebida na Câmara municipal, às dezessete horas, uma comissão de empregados
da Companhia Brasileira de Força Elétrica.
Os servidores da concessionária foram ao Legislativo para assinalar que os promotores da Campanha do “Não pague a sua conta”, especialmente os membros daquela Casa “serão responsabilizados por quaisquer danos causados à CCBFE”, bem como ‘suspensão dos pagamentos de
seus vencimentos’, uma vez que isto, segundo deixaram transparecer, constitui “ameaça já feita
pelos dirigentes da empresa com a finalidade de colocar os empregados em situação de solicitar o
beneplácito do público para com o aumento de tarifas’.
Além de vereadores, sindicalistas e estudantes, deverão participar do grande comício contra a
CCBFE os deputados estaduais Christiano Dias Lopes Filho, José Parente Frota e Pinheiro Cordeiro, levando a palavra da Assembleia Legislativa de apoio à população.
Sabe-se, outrossim, que o comício se realizará de qualquer maneira, mesmo que a CCBFE se atre-
137
História da Câmara Municipal de Vitória
va a suspender o fornecimento de energia elétrica à Praça Oito de Setembro. Os promotores do
acontecimento estão dispostos a iluminar o grande logradouro “que seja a velas”, dispondo-se a
transmitir a palavra dos oradores por aparelhagem de som alimentada por baterias.”13
A Câmara, além do movimento contra a cobrança abusiva das taxas de fornecimento de energia elétrica, também mobilizou a população contra as tarifas cobradas pelo
Departamento de Água e Esgoto – DAE. E foi isso que nos informou o artigo “Ilegal:
Câmara Protesta e diz ao povo que não pague”, publicado no jornal A Gazeta.”14
As campanhas de mobilização política lideradas pela Câmara, em um momento em que o país
como um todo encontrava-se em plena efervescência política, contavam, via de regra, com o
apoio da imprensa de oposição. Esse suporte partia principalmente do jornal A Gazeta, que dava
respaldo às ações dos vereadores oposicionistas, especialmente quando suas críticas se dirigiam
ao governador Chiquinho de Lacerda ou ao prefeito Solon Borges Marques, a quem esse jornal
fazia sistemática oposição.
No entanto, a denominada imprensa “oficial”, representada pelo famoso O Diário - um jornal
partidário dos governos estadual e municipal e, segundo consta, de propriedade do próprio governador em exercício -, atacava duramente os vereadores, desafetos do governador e do prefeito.
De tal forma eram efetuados esses ataques que os vereadores Beraldo Madeira da Silva, do PSP e
ainda presidente da Câmara, Arnaldo Pinto da Vitória, do PTB, e Apolinário Delmaestro, do MTR
se viram obrigados a rebater da tribuna essas insinuações. Além disso, contaram com o respaldo
do jornal A Gazeta para responder aos supostos “insultos, escritos em um editorial do jornal O
Diário. Eles classificaram o jornal governista de “imprensa pasquim” e de “imprensa de picaretas”, como resposta aos ataques recebidos nesse editorial.15
Os ataques da imprensa governista contra os vereadores animaram a Câmara,
que revidou as acusações do governador, classificando o seu governo, por “unanimidade”,
como um “governo de néscios”.16
Nessa conjuntura, em 31 de janeiro de 1964 o jornal oposicionista A Gazeta informou que, nesse mesmo dia, ocorreria a eleição para a composição da Mesa da Câmara,
e acrescentou ainda que a presidência da Mesa era disputada por dois grupos. De acordo
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A Quinta Legislatura 1963-1967
com a reportagem do jornal, existia um grupo que lutava “pela renovação dos quadros dirigentes daquela Casa”, enquanto o outro se debatia para “não ceder à pressão governista”,
que impunha a convocação de suplentes com o objetivo de “emplacar” como “Vereador
efetivo o tenente-coronel Nicanor Alves dos Santos, atual chefe de Polícia.” Nesse pleito
eram candidatos Beraldo Madeira da Silva, que buscava a sua reeleição pela oposição, e
Walace Vieira Borges, que contava com o apoio do prefeito. E Vieira Borges foi o vencedor do pleito.17
Apolinário Delmaestro (1o da esq.), Beraldo Madeira da Silva (centro) e
Walace Vieira Borges (1o à dir.)
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
A vitória governista na eleição da Mesa, porém, não arrefeceu de todo o ânimo
oposicionista da Câmara: revoltados com a vitória do prefeito, vereadores de oposição,
como Arnaldo Pinto da Vitória e Arivaldo Favalessa, ambos do PTB, anunciaram a sua
saída deste partido e o seu provável ingresso no PSD. Na mesma ocasião, Apolinário Delmaestro desafiou os governistas a apontarem “uma única obra” que tivesse sido realizada
“em um ano de governo por Chiquinho de Lacerda”.18E o prefeito Solon Borges, em consequência desse ânimo oposicionista, foi responsabilizado pela “onda de mosquitos” que
infestavam a cidade, principalmente em época de chuvas.19
139
História da Câmara Municipal de Vitória
A Câmara municipal procurava de todas as maneiras, em um ambiente político
exacerbado pelas lutas políticas, “apertar” o prefeito, na busca de soluções para os problemas da cidade.20
Todavia, poucos dias depois, após a aprovação do contrato entre a Companhia
Telefônica e a Prefeitura, para a instalação de telefones na cidade, o jornal A Gazeta se
referiu à Câmara como uma “Donzela Prostituída”. Para ele:
Aproveitando-se da reunião extraordinária que realizou na noite de sexta-feira última, para dar por
encerrada sua participação no novo contrato aditivo da CTES com a municipalidade, a Câmara
municipal de Vitória ensejou ao prefeito Borges Marques o tão perseguido objetivo político de
sua administração, a liberação ampla das verbas orçamentárias, a transposição de dotações do
orçamento para o exercício em curso. Não é esta a primeira vez que isso ocorre. Conforme foi
amplamente divulgado e comentado, durante o exercício de 1963, o Senhor Solon Borges Marques tentou conseguir tal facilidade por quatro insistentes e consecutivas vezes, mediante os mais
diversos expedientes, a maioria dos quais envolvendo elementos do próprio Legislativo municipal.
Nas três primeiras oportunidades, com claras demonstrações de que estava sendo violentada em
seu pudor, a Câmara municipal reagiu a todo pano, apenas faltando mandar bombardear a sede
do Executivo por tal insolência – para depois, ao fim do ano, mansa e pacificamente entregar-se
enamorada aos braços de seu insistente Romeu. Viria, depois, a confecção da Lei Orçamentária.
Nova luta. Não poderiam os seus membros admitir participação na feitura de um argumento hipotético – e resolveram corrigir o erro cometido: o prefeito não mais teria tais facilidades, pois, se
quisesse, cuidasse de trabalhar segundo as determinações legais para não ter que se sujeitar ao vergonhoso “impeachment”. Então, voltou o Legislativo municipal a proclamar virtudes inatingidas
e intangíveis. Acontece que tal situação não perduraria, e a nova virgindade da Câmara municipal
fora confeccionada com polietileno, ressurgia por demais frágil. Por isso, aconteceu na sexta-feira
última, o novo encontro nupcial, tendendo-se mais uma vez a lábia do conquistador a tal donzela
estremecida.21
Contudo, essa crítica, que parece injusta, se referia a vereadores como Apolinário
Delmaestro, que continuava firme e forte na oposição ao governo. Para Delmaestro, “Governo e PMV deixam Capital abandonada”, como consta na manchete do jornal A Gazeta,
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A Quinta Legislatura 1963-1967
que noticiou o seu discurso.22
Em sua coluna desse mesmo jornal, Jackson Lima reverberava as críticas do Vereador Delmaestro ao enumerar os “Dois maiores problemas” da cidade, ao mesmo tempo
em que fazia severas críticas ao governador e ao prefeito.23
Nessa época, se agitava em Vitória, às vésperas de uma grande reviravolta política
no país, a famosa questão do “emplacamento” de vereadores suplentes como efetivos, supostamente para beneficiar Nicanor Alves dos Santos, o chefe da Polícia que era um desses
suplentes. Os vereadores Apolinário Delmaestro e Raulino Gonçalves prometeram fazer
uma “vigília de vinte e quatro horas” contra a suposta manobra governista, na Câmara,
para impedir que ela se concretizasse.24
“Protestos de toda a Cidade encontram eco na Câmara: a PMV deve resolver
problemas”, era a manchete do jornal oposicionista naqueles dias que antecediam a crise
política de 1964. Elas demonstravam, então, o grande poder de mobilização e de atuação
da Câmara.25
No dia 3 de Abril de 1964, a manchete do jornal de oposição parecia ser de júbilo
ao anunciar que as “Forças Armadas assumiram o comando do País e logo entregaram o
governo ao poder civil”. Na avaliação do jornal capixaba, o clima de agitação que aconteceu logo após o anúncio do movimento iniciado pelas tropas do general Olímpio Mourão
Filho, a partir de Minas Gerais, não chegara a durar mais que quarenta e oito horas, uma
vez que ficara clara a inutilidade da resistência ao movimento vitorioso.26
Não tivemos acesso direto a qualquer informação sobre a reação da Câmara municipal ao golpe militar de 1964, porquanto, infelizmente, desapareceram as atas desse período. Não obstante, é possível conjecturar que essa reação tenha sido mais ou menos análoga à reação esboçada na Assembleia Legislativa, em que estavam representadas as mesmas
forças políticas atuantes na Câmara. Na Assembleia, destacaram-se duas vozes: a do líder
pessedista Christiano Dias Lopes Filho e a do petebista Mário Gurgel. Para Christiano, que
pouco mais tarde seria nomeado governador do Estado, “a revolução não parou, porque
se ela não foi feita para evitar as reformas, a responsabilidade dela se projeta para o futu-
141
História da Câmara Municipal de Vitória
ro, pois são elas, doravante, as fiadoras das modificações das velhas estruturas do país”.
Christiano, ao terminar seu discurso, advertiu a Nação para que evitasse o derramamento
de sangue e para que o povo gaúcho não aceitasse o convite que lhe fizera Leonel Brizola
para a luta armada, o que ele considerava um “verdadeiro suicídio”. Menos condescendente com a “revolução”, no entanto, foi o deputado Mário Gurgel. Após elogiar o deputado
Gil Veloso, que estivera no dia anterior na Assembleia, e com quem, segundo Gurgel, ele
aprendera “a não recuar nos momentos de perigo para que meus filhos não sejam covardes, para que esta Nação não seja uma nação de covardes, uma Nação morta”, Gurgel, que
se dizia e era amigo do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar, asseverou
que se o “Exército assumiu a tutela da Nação acima do poder civil” e se “a revolução foi
feita para corrigir erros, não se justificam as vinditas, que provocarão medidas que nunca
mais se apagarão”. Gurgel afirmou: “Sinto, lamento, e lastimo a posição a que foi levado o
presidente João Goulart. Tenho de ser solidário a esse homem que nos momentos difíceis
de minha vida pública sempre me prestigiou, sempre me destacou, sempre me considerou.” E, ao concluir, advertiu ainda que: “Se a revolução cometer erros, eu os denunciarei
enquanto não for proibido. Só a força me impedirá, assim mesmo não impedirá para sempre, porque a força da revolução também tem limites”.27
Na Câmara, entretanto, parece que a postura predominante foi a de apoio aberto
à nova situação política do país. No dia 10 de abril 1964, “por expressiva unanimidade de
seus membros”, segundo A Gazeta, a Câmara aprovou um voto de congratulações com
o “Comando da Guarnição Militar de Vitória, representante das Forças Armadas do País
nesta capital”, pela sua “desassombrada, patriótica e cívica defesa dos princípios democráticos do povo brasileiro, face aos últimos acontecimentos político-militares de que foi
cenário a nossa extremada Pátria”. A moção da Câmara salientou o reencontro do povo
brasileiro com o “clima de paz e de tranquilidade”, restaurado após mais de dois anos de
frequentes lutas entre classes sociais e agitação política.28
Do mesmo modo, repercutiu na imprensa a conclamação, feita a todos os capixabas pelo ex-presidente Beraldo Madeira da Silva. Nessa convocação, o Vereador Beraldo
pediu: “Ajudemos o soerguimento do País”. O influente Vereador, além do mais, afirmou
que “todos devemos, na medida de nossas possibilidades, cooperar com a meritória cam-
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A Quinta Legislatura 1963-1967
panha”. A seu ver: “O Brasil deve, nesta hora de suma gravidade, contar com a colaboração de todos os seus filhos, para que possa deixar as dificuldades em que se encontra e se
desenvolver como todos nós desejamos.”29
Em função dessa atitude comedida assumida pela grande maioria dos atores políticos importantes do Espírito Santo, não foi surpresa a manchete do jornal oposicionista,
anunciando que: “Nenhum membro da Assembleia Legislativa do Espírito Santo teve o
seu mandato cassado”.30
Com efeito, também não houve cassação na Câmara, tanto que, em setembro de 1964, ela pôde comemorar o aniversário da cidade com a mesma composição com
que se iniciara a legislatura.31
Por outro lado, implantado o novo regime, a Câmara não perdeu completamente
a sua capacidade de fazer críticas, principalmente a esse novo regime. E uma das manchetes de A Gazeta, em julho de 1964, informava que: “Vereador diz que o movimento revolucionário é culpado pelas novas extorsões da CCBFE”. Contudo, era ao próprio governador
do Estado, Francisco Lacerda de Aguiar, que se dirigiam o grosso das críticas da Câmara.
Em uma dessas ocasiões, a Câmara rejeitou a proposta de um voto de congratulações ao
governador, apresentada pelo Vereador Judson de Aguiar, da UDN, em sinal de protesto
pela maneira com que ele tratava os problemas da cidade. Os vereadores declararam nesse
momento que o governador “nunca fez tanto mal a uma cidade com sua inércia administrativa como tem feito à capital do Estado”.32
O ANO DE 1965
O ano legislativo de 1965 começou para a Câmara com a eleição de uma nova
Mesa Diretora, em que a presidência coube a Judson Gonçalves de Aguiar, da UDN, com
o apoio do prefeito Solon Borges. Esse ano de 1965, contudo, principiou com uma notícia
extremamente triste: a de que o Vereador Arivaldo Atílio Favalessa, do PTB, falecera em
decorrência de um acidente de automóvel. O pequeno automóvel da marca “Volkswagen”
que o conduzia, e que adquirira na véspera, segundo se noticiou, “tombou de uma altura
aproximada de seis metros, indo chocar-se com uma casa, numa localidade chamada de
143
História da Câmara Municipal de Vitória
Volta de Caratoíra, no bairro de Santo Antônio.” A Câmara, ao prestar uma grande homenagem a Favalessa, considerou-o um “dos seus mais lídimos defensores”. Favalessa foi
substituído por Adir Sebastião Baracho, suplente de seu partido.33
Outros suplentes que assumiram na mesma ocasião foram Milton Murad, Paulo
Miled, e Arnaldo Pratti. Além disso, no mesmo dia anunciou-se que o prefeito Solon Borges Marques aprovara um projeto de lei, de autoria de Apolinário Delmaestro, que criava a
“Guarda Noturna de Vitória”.34
A aprovação dessa Lei, no entanto, não significou que o combativo Apolinário Delmaestro se rendera
à “lábia” do prefeito. Em uma outra sessão, Delmaestro,
ao informar novamente que a “situação de Vitória” era
de “calamidade pública”, assegurou que: “uma capital
que não tem Pronto-Socorro, que não tem Corpo de
Bombeiros, que não tem água e em que o governo nada
faz, merece que nela seja decretado estado de calamidade pública”.35
Judson Gonçalves de Aguiar
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
O suplente de Vereador em exercício, Agenor Amaro dos Santos, porém, conclamou seus companheiros “a uma maior compreensão para a função que exercem e que
procurem abolir os ataques infundados e a oposição sistemática em benefício da coletividade que os elegeu.”36
Nesse contexto, no dia 1º. de abril de 1965, comemorava-se em todo o país o primeiro aniversário da “Revolução”, e a Câmara coerentemente com a postura que adotara
antes, realizou sessão especial de “homenagem” ao movimento militar que derrubara o
governo anterior. Os vereadores usaram da palavra com a finalidade de aplaudir esse movimento, e o presidente Judson de Aguiar, com mais ênfase ainda, afirmou que “os comunistas após tomarem de assalto os sindicatos, ocuparam também as entidades estudantis,
só faltando o golpe final na democracia brasileira, no que foram impedidos pelas Forças
Armadas.”37
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A Quinta Legislatura 1963-1967
A cidade, no entanto, já começava a vivenciar alguns problemas que com o passar
do tempo somente se agravariam, como era o caso da falta de local para estacionamento.
Nesse sentido, Arabelo do Rosário declarou que “não bastam somente policiais para dizer
que aqui não se pode estacionar, o importante é dizer onde se pode estacionar”. No entender de Arabelo “para se estacionar um automóvel em Vitória” era um “verdadeiro drama”,
uma vez que “as nossas ruas e avenidas estão completamente entupidas de automóvel, sem
que as autoridades tomem qualquer providência para resolver a situação.”38
Ainda na área dos transportes, Arnaldo Pinto da Vitória solicitou a constituição
de uma CPI para apurar a responsabilidade das empresas concessionárias de transportes
coletivos pelas inúmeras irregularidades existentes na prestação desse serviço.39
ARABELO DO ROSÁRIO, O VEREADOR DA EDUCAÇÃO
No fim de janeiro de 1966, Arabelo do Rosário foi eleito com oito votos para a
presidência da Câmara e derrotou Judson Gonçalves de Aguiar, que obteve sete votos. Os
membros da Mesa Diretora eram, ao lado de Arabelo, Raulino Gonçalves, Arnaldo Pinto
da Vitória, Walace Vieira Borges e Apolinário Delmaestro. Mesmo derrotado, Judson de
Aguiar, que fora o presidente no ano anterior, ao elogiar o candidato vitorioso, afirmou
que Arabelo era um homem “correto, honesto, trabalhador, cristão e justo”.40
Arabelo, ao exercer continuamente a presidência, se destacou nesse último ano
de mandato pela atenção dispensada aos problemas da educação no município de Vitória.
Entre os pontos principais de sua pregação estavam a necessidade de criação de novas
unidades escolares e ginásios estaduais, nos diversos bairros, além da criação do Conselho
Municipal de Educação, uma medida que já havia sido aprovada com lei de sua autoria, mas
que não havia sido implementada até então.
Em uma de suas primeiras intervenções, nesse sentido, Arabelo sugeriu a criação
de uma escola de “jardim da infância” em Jucutuquara e de um grupo escolar no Bairro
de Lourdes. Mas estas reivindicações deparavam-se sempre com o problema da falta de
verbas. E foi por isso que seu colega José de Paula Rocha, ao referir-se ao mesmo tema,
queixou-se que o prefeito Solon Borges Marques houvesse “descurado do problema quan-
145
História da Câmara Municipal de Vitória
do da elaboração do Orçamento para o ano de 1966, ficando sem recurso de monta neste
particular”.41No entanto, foi o referido José de Paula Rocha que dias depois elogiou o prefeito, quando este estabeleceu o funcionamento de um curso ginasial na Ilha do Príncipe,
o bairro que ele “representava”.42
Naquela altura ainda era muito operante na cidade a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos – CNEG –, que atuava no Estado desde os anos 50 e ministrava
diversos cursos, no horário diurno e noturno dos Ginásios Estaduais. Claudionor Lopes
Pereira, ao recordar a importância dessa realização, referiu-se aos cursos que a CNEG ministrava no Ginásio Otacílio Lomba, de Maruipe.43De forma idêntica, outras instituições
contribuíam para a melhoria do ensino, tanto que, ao visitar o bairro de Itararé, Arabelo
parabenizou o Rotary Club de Vitória pelo interesse demonstrado na educação da população capixaba, mantendo naquele bairro popular uma escola.44
A merenda escolar era igualmente um dos temas relacionados à educação, pelo
qual Arabelo batalhava. Para isso, solicitava a seus colegas que dedicassem parte de suas
verbas à campanha da merenda escolar.45O problema do livro didático, da mesma maneira,
preocupava Arabelo, que acreditava que a melhor solução - aprovada em outros Estados era a adoção de um livro didático padrão para o ensino médio.46
Arabelo, ao se lamentar acerca dos problemas do ensino no município de Vitória,
no decorrer da gestão de Solon Borges, declarou que eles não recebiam o mesmo tratamento concedido a outros municípios, como os de Vila Velha, Colatina e Cachoeiro de
Itapemirim.47E esse “descuido” das autoridades era mais visível ainda, segundo Arabelo,
principalmente no setor do ensino técnico profissional. Ele chegou a confessar, em outra
ocasião, que já tinham se passado oito anos do princípio de sua luta com o intuito de obter
melhorias para o ensino, mas que “infelizmente todos os seus esforços foram infrutíferos”.48
Por ocasião da comemoração do 58º aniversário do Colégio Estadual, ainda uma
das referências no ensino médio da capital, Arabelo parabenizou o corpo docente e o
discente daquele estabelecimento. Ele tinha uma relação muito especial com o Colégio
146
A Quinta Legislatura 1963-1967
Estadual, pois ali ele fora inspetor de aluno, “chefe de disciplina”, secretário e coordenador geral. Arabelo aproveitou a ocasião para advertir sobre a questão da falta de vagas nos
colégios oficiais da cidade, já que nos bairros populares não existiam estabelecimentos de
ensino neste nível. Ele mencionou a importância dos “anexos” de “Paul, Jardim América
e Estadual de Vila Velha”, mas assegurou que infelizmente eles não eram suficientes para
resolver esse problema educacional. Ao sugerir à Assembleia Legislativa Estadual, que naqueles dias discutia o Orçamento Estadual para 1967, Arabelo propôs que se fizesse constar nele uma verba própria suficiente para a criação e instalação do maior número possível
de colégios em nosso Estado. Do mesmo modo, ao governo estadual ele lembrou também
a importância da construção do Instituto Educacional do Estado do Espírito Santo, localizado na Esplanada Capixaba.49Nesse instituto de ensino, Arabelo destacou a campanha
em favor da criança excepcional, liderada pela Senhora Zezé Gabeira, conclamando seus
colegas vereadores a colaborarem com essa campanha.50
A legislatura se encerrava, mas Arabelo não perdia a esperança de que o prefeito
em exercício, Jair Andrade, tomasse as providências necessárias para a instalação do Conselho Municipal de Educação, a “menina dos “olhos” de sua proposta para a Educação.51
Arabelo concluía a sua participação no Legislativo municipal, entretanto, sem ter
realizado o seu sonho. Anos depois, ele próprio seria o primeiro presidente do Conselho
Municipal de Educação.
A DENÚNCIA DA ELEVAÇÃO DO CUSTO DE VIDA
Uma das causas mais evidentes do golpe militar de 1964 havia sido a elevação
desenfreada do custo de vida, motivada principalmente pelo descalabro das finanças públicas, sem que essa causa fosse realmente identificada pela população. A inflação chegara
aos 80% anuais, corroendo de maneira assustadora o poder de compra dos salários, e os
principais afetados por essa situação eram os mais pobres, como se sabe.
Após a instauração do novo regime, liderado pelos militares, uma política de austeridade e controle das finanças públicas foi posta em prática pelos ministros Roberto
Campos, do Planejamento e Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda - dois dos mais cons-
147
História da Câmara Municipal de Vitória
pícuos economistas ortodoxos do Brasil, defensores do choque anti-inflacionário. Essa política de austeridade conseguia a duras custas reduzir sensivelmente o patamar inflacionário
do país, mas não o eliminou de todo. Assim, o aumento do custo de vida, em que pese a
emergência paulatina de um regime político cada vez mais discricionário, continuava sendo
a causa de muita insatisfação e de muita reclamação por parte da população. E a Câmara
municipal de Vitória serviu de palco para a manifestação dessa insatisfação. O Vereador
que mais se destacou na abordagem desse tema foi Apolinário Delmaestro.
Delmaestro era um homem de origem muito humilde e fora “motorista de praça”, como se dizia na época, durante muitos anos. Destacou-se na Câmara por ser um dos
líderes da campanha pela construção do Hospital do Câncer, o atual Hospital Santa Rita, e
acima de tudo por sua oratória e contundência crítica. Ele não poupava nem mesmo o autoritário governo federal, acusando-o, principalmente, de ser o responsável pelo combate
ineficiente à elevação dos preços.
Após cumprimentar seu colega Edgard Gomes Feitosa, pelo trabalho que ele também desenvolvia na campanha em prol do Hospital do Câncer, que permitira a retomada
das obras desse hospital, “uma esperança acalentada pelo povo de Vitória”, como ele dizia,
Delmaestro pediu providências do governo federal para que se estabelecesse, por meio do
Serviço de Segurança Nacional ou de outro órgão competente, uma política de contenção
dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Ele afirmava isso diante dos aumentos
constantes do custo de vida, cujas perspectivas, segundo ele, eram as piores, “em face da
majoração dos preços da gasolina e derivados do petróleo, o que trará conseguintemente
novo aumento dessas mercadorias, levando-se em conta o aumento do transporte.”52
As reclamações contra o custo de vida dirigiam-se principalmente ao Serviço de
Abastecimento e Preços – SAPS, a quem se acusava de ineficiência no combate à elevação
dos preços, que se originava, segundo tal entendimento, em problemas no abastecimento
da cidade. Por essa razão, o Vereador José Ignácio Ferreira pediu o afastamento do Delegado do SAPS no Estado, com a alegação de que ele adotara uma política “contrária aos
interesses do trabalhador”. O orador aproveitou a oportunidade para pedir a reabertura do
restaurante popular do SAPS e dos postos de venda de gêneros alimentícios nos bairros
148
A Quinta Legislatura 1963-1967
da capital.53
A esse respeito, Delmaestro advertiu também contra as práticas da Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB–, pois esse organismo federal de controle de
abastecimento autorizara a exportação de cinco mil cabeças de gado para a Guiana Francesa, o que iria, “consequentemente, acarretar o aumento de preço da carne verde”. Para
ele, a alta que sofriam os demais produtos, pertencentes ao grupo dos chamados alimentos
básicos, era uma responsabilidade do “governo revolucionário” após a sua “investidura”.54
Delmaestro não só criticou o desabastecimento como ainda protestou contra o
aumento das tarifas telefônicas e das taxas de água. Seu colega Walace Vieira Borges comentou o aumento que o Departamento de Água e Esgotos pretendia efetuar nas taxas de
água, no entanto discordou dessa medida e sugeriu que a Câmara deveria ter a sua opinião
acatada nesses casos.55 Este Vereador, além disso, foi irônico ao cumprimentar a delegada
regional do SAPS pela inauguração, em Ilhéus, na Bahia, de um “supermercado” e lastimou que idêntica providência não fora tomada ainda para a instalação em Vitória de uma
instituição como essa. Tal reivindicação de um “supermercado”, aliás, era o tema recorrente do Vereador Arnaldo Pinto da Vitória, incansável defensor da ideia de que um estabelecimento desse tipo deveria ser instalado na Vila Rubim. Arnaldo, ao tecer críticas não só ao
governo estadual como também ao municipal “pelo desinteresse na solução do problema”,
declarou “sentir-se cansado de falar sobre o assunto e solicitar essa providência, pois data
de aproximadamente oito anos que tem sido este o seu trabalho nesta Câmara, juntamente
com os senhores vereadores desta legislatura bem como de legislaturas anteriores.”56
Em maio de 1966, o aguerrido Arnaldo Pinto da Vitória mostrou-se satisfeito
com o êxito alcançado pela chamada “Marcha com Deus Contra a Carestia”, realizada no
antigo Estado da Guanabara por “donas de casa”. Ele augurou que manifestação semelhante fosse realizada no Espírito Santo.57
Delmaestro, ao não ter acatados os seus protestos contra o aumento das taxas de
água, protestou em plenário com determinados gestos, interpretados pela imprensa como
se ele estivesse se “despindo”, o que o obrigou a desmentir o fato na sessão seguinte. Seu
149
História da Câmara Municipal de Vitória
colega Beraldo Madeira da Silva insistiu em discordar do aumento dessas taxas ao apelar à
presidência da Casa para que entrasse em entendimento com o poder Judiciário com vistas
a sustar a medida por meios judiciais.58
Se os protestos na Câmara contra a elevação dos preços e do custo de vida eram
dirigidos principalmente às autoridades do governo federal, por outro lado não as responsabilizavam diretamente pela ocorrência desses aumentos. Na verdade, a ideia mais comum
até aquela época era a de que a elevação dos preços se devia não ao descalabro nas finanças
públicas com a emissão descontrolada de moeda, o que seria admitir a participação direta
do governo na geração do problema, mas à atuação de grupos econômicos que supostamente se aproveitavam de situações de desequilíbrio nos diversos mercados para praticar
“abusos”, elevando indevidamente os preços. Os sucessivos governos estimulavam essa
versão do processo inflacionário na tentativa de “jogar” a população contra os empresários, eximindo-se de fato de sua responsabilidade.
Nesse sentido, Delmaestro e seus colegas expressavam e reproduziam muito bem
esse ponto de vista quando responsabilizavam corajosamente o governo federal pela alta
dos preços, o que era uma atitude temerária uma vez que se vivia então em um regime
discricionário. A culpa do governo, contudo, era atribuída “à falta de medidas no sentido
da contenção dos preços dos gêneros, e, principalmente, à ausência de fiscalização no comércio que impedisse a exploração da bolsa popular.” É
importante frisar que Delmaestro sugeriu implicitamente que a “ganância” dos empresários era a verdadeira
causa da inflação.59
Uma visão com essa mesma estrutura fora incluída igualmente na afirmação, elaborada por alguns
vereadores, de que a causa do aumento dos preços estava no abastecimento “imperfeito” ou insuficiente de
certos produtos. Arabelo do Rosário, por exemplo, ao
destacar os “aumentos desenfreados” ocorridos na cidade, como o aumento dos preços “do gás, da energia,
150
Arabelo do Rosário
Fonte: Site da Câmara Municipal de Vitória
A Quinta Legislatura 1963-1967
do feijão, do arroz, da carne verde”, sugeriu às “autoridades constituídas” que promovessem uma política de incentivo à lavoura. Pretendia com essa medida que ocorresse um
“aumento da produção dos gêneros, provocando indiscutivelmente baixa em seus preços,
facilitando e se colocando à altura da bolsa do mais humilde operário.”60
UM DISCRETO APOIO AO REGIME MILITAR
Um posicionamento como o que foi descrito anteriormente, com relação ao problema da inflação e do custo de vida, ao compatibilizar a manifestação do desagrado do
povo no tocante ao problema, reivindicou que a questão fosse combatida. Não obstante,
era igualmente compatível com uma postura política de apoio discreto ao próprio regime
autoritário que estava se implantando no país.
Delmaestro, por exemplo, confessou que faria abertamente suas denúncias contra
não só os casos de corrupção nos governos, como também de “outras mazelas” “apesar
dos rumores de cassação de seu mandato”. No entanto, se por um lado ele acusava o governo por essas mazelas, por outro lado, encontrava-se aparentemente escudado na defesa
pouco disfarçada que ele próprio fazia do regime militar. Em uma ocasião, ao abordar,
conforme a ata, “assuntos relacionados com a miséria e a fome que ameaçam nosso país”,
Delmaestro declarou que: “Tudo isto, está acontecendo por consequência da má escolha
dos nossos homens políticos, que são os únicos responsáveis por estas ocorrências. Por
estas razões, apela ao povo brasileiro para depositar inteira confiança na Revolução, que
tem como objetivo banir dos campos de ações todos os maus políticos, corruptos, comunistas e outros malfeitores da Nação que visam única e exclusivamente o seu próprio bem
estar.”61
Do mesmo modo, outros vereadores, ao efetuarem a apologia do regime vigente,
junto a seus supostos “méritos”, procuraram desconstruir a sua caracterização como um
regime autoritário ou ditatorial. Para Judson Gonçalves de Aguiar, que anteriormente fora
presidente da Câmara, a situação política brasileira em nada se parecia, por exemplo, com
a situação, naquele momento, da Argentina. De acordo com seu ponto de vista, nesse país
vizinho instaurara-se ultimamente, ou seja, em junho de 1966, uma verdadeira ditadura
151
História da Câmara Municipal de Vitória
militar, com a extinção dos poderes legislativo e judiciário e o fechamento dos órgãos
da imprensa. Judson, ao analisar os méritos da “revolução brasileira”, de 31 de março de
1964, destacou justamente a manutenção do regime democrático “com o funcionamento
normal dos poderes constitucionais e absoluta liberdade de imprensa”, por intermédio dos
quais o regime vinha “reintegrando o Brasil à sua moralidade administrativa e à plenitude
da democracia que, já desfigurada, parecia fugir de nossas mãos.” Judson, que era filho de
militar, ressaltou, ainda, a “elogiável conduta civilista e democrática do presidente Castelo
Branco e, de modo geral, das Forças Armadas, evitando que se instaurasse no Brasil, o
militarismo, como lamentavelmente, ocorreu na Argentina.” E esse discurso tinha, aparentemente, muitos adeptos na Câmara. Nelson Calmon Tavares, suplente em exercício, ao se
reportar ao pronunciamento de Judson, concordou inteiramente com ele.62
O Vereador Nelson Calmon Tavares anunciou publicamente o seu ingresso na
ARENA - o novo partido governista constituído no País. A propósito, esse novo partido
e o MDB formariam os dois novos e únicos partidos da cena política daí por diante. E
Nelson Tavares ainda justificou essa decisão ao argumentar acerca do apoio que esse partido dava “às medidas” adotadas pelo “governo revolucionário” e ao prefeito Solon Borges
Marques.63
Outros vereadores que também aderiram à ARENA, porém, continuaram a manter uma postura “crítica” diante de certas ações empreendidas pelo governo federal, e não
recearam discordar publicamente delas. Um deles, José de Paula Rocha, que se filiou ao
partido do governo, e procurava reeleger-se, mesmo assim demonstrou insatisfação com o
ato baixado pelo presidente da República que tornava sem efeito as nomeações procedidas
pelos governos municipais e estaduais e igualmente pelo governo federal. Na opinião de
Rocha, tais medidas somente contribuiriam para “o desemprego e o desespero para grande
número de chefes de famílias”.64
Um pouco menos explícito foi o articulado Vereador Arnaldo Pinto da Vitória
que, em julho de 1966, usou a tribuna para noticiar e trazer ao conhecimento de seus colegas o atentado cometido contra o General Arthur da Costa e Silva - que vitimara três
pessoas da comitiva do provável sucessor de Castelo Branco na Presidência da República.
152
A Quinta Legislatura 1963-1967
Arnaldo se disse contrário à violência, pois esta não iria “solucionar os problemas que
afligem a Nação.”65
No entanto, igualmente “enigmático” e sutil foi o mesmo Vereador quando chamou a atenção de seus colegas, e do público em geral, para a necessidade de o homem
público cumprir rigorosamente as suas obrigações. Por um lado, sem mencionar ninguém
especificamente e, por outro lado, sem confessar qual era o seu verdadeiro objetivo, ele
afirmou que: “o serviço público exige e reclama daqueles que ocupam postos, os mais altos,
maior dedicação, discernimento e o máximo de suas inteligências para um melhor atendimento às coletividades.” No seu ponto de vista, ainda: “a arte de governar jamais poderá
confundir-se com os interesses pessoais e o pronto atendimento aos pedidos isolados e de
caráter político. Ser mau ou bom, não é o que se espera de um governo! Ser justo, e, tão
somente justiça, desejam os seus governados.”66 Mas, a quem ele se referia, pergunta-se.
APOIOS E CRÍTICAS AO PREFEITO
Em uma de suas poucas manifestações políticas na tribuna da Câmara, durante
o ano de 1966, o Vereador José Ignácio Ferreira, que fora o mais votado nas eleições de
1962, ao tecer comentários elogiosos à administração do prefeito Solon Borges Marques,
referiu-se às suas realizações em diversos bairros da capital. Ele finalizou o seu discurso
e pediu a pavimentação de um trecho da rua José Teixeira, na Praia do Canto, como uma
complementação das obras que Solon realizara nesse bairro.67
Solon Borges Marques, antes de apresentar sua renúncia, em agosto de 1966, ainda recebeu muitas críticas de Delmaestro. Ele trouxe à baila “irregularidades ocorridas na
execução das obras da avenida Vitória”, nas quais os gastos excessivos foram atribuídos à
“falta de uma fiscalização eficiente”.68Além do mais, o mesmo Vereador denunciou não só
a venda irregular de terrenos da Prefeitura como também o desvio de material “em construções e obras da Prefeitura”.69
Mais bombásticas ainda foram as denúncias de Delmaestro contra os dois últimos
superintendentes da Rádio Espírito Santo, que, segundo ele, “se fizeram enriquecer à custa de verbas destinadas àquela Difusora”. Com muita propriedade, Delmaestro solicitou
153
História da Câmara Municipal de Vitória
ao superintendente da Rádio que abrisse inquérito “para apurar a veracidade da presente
denúncia”. Delmaestro aproveitou a “viagem” para anunciar que a acusação, que dizia respeito a familiares de Solon Borges Marques acerca de desfalque verificado nos cofres da
Prefeitura, acabara de ser “confirmada após inquérito instaurado pelo atual prefeito municipal, o Dr. Jair Andrade.”70Delmaestro denunciara alguns dias antes o uso de materiais da
Prefeitura na construção de casas de propriedade de familiares do agora ex-prefeito Solon
Borges Marques.71
Nessa época eram muito frequentes as advertências dos vereadores para problemas que afetavam de forma muito sensível o cotidiano dos cerca de oitenta mil moradores
de Vitória – ainda uma cidade de pequeno para médio porte. O abastecimento de água,
em uma cidade cercada de morros, era um deles. Em bairros como Caratoira e Santo Antônio era comum que vereadores, como Arnaldo Pinto da Vitória, Wilmington Barcellos
e Raulino Rodrigues da Rocha reclamassem da interrupção do fornecimento do “precioso
líquido”, ou do preço das tarifas cobradas pelo DAE.72
O mesmo Raulino Rodrigues da Rocha formulou “calorosos” apelos às autoridades constituídas no sentido de que fossem atendidas as reivindicações dos moradores dos
bairros Presidente Kennedy, Morro do Cruzeiro e Inhenguetá quanto ao abastecimento
de água e fornecimento de energia elétrica. Raulino afirmou que esses moradores tinham
“grande despesa diária para fazer chegar aos seus lares algumas gotas do indispensável
líquido, pois pagam muito caro aos garotos que vivem do comércio de transporte de latas
de água. Outros, que não têm recursos suficientes para concorrer com essa despesa, vivem
numa busca constante do desejado líquido em poços e cisternas perfuradas em diversas
regiões daqueles bairros.”73
A saúde pública era outra área em que as reclamações também já eram intensas
e comuns. Segundo Delmaestro, um grave problema de saúde pública daquela época era
provocado pela existência de inúmeros casos de hanseníase, naquele tempo fortemente
estigmatizada, e ainda chamada de “lepra”. O Vereador afirmou que um grande número
de portadores da doença, ao conviverem “com a sociedade”, estavam “contaminando-a”,
e, por isso, ele apelou ao Dr. Luiz Buaiz, Secretário de Assistência e Saúde, para que pro-
154
A Quinta Legislatura 1963-1967
videnciasse “o internamento desses doentes”.74A falta de apoio do governo federal aos
hospitais do Espírito Santo era outro problema denunciado pelo combativo Delmaestro.75
Nessa conjuntura, algumas questões, ainda de pequena dimensão, mas que se
agravariam mais tarde, começavam também a aparecer na cidade. O trânsito e o estacionamento de veículos era um deles. Delmaestro - sempre ele - fez críticas a esse respeito
ao Serviço de Trânsito “por permitir a proibição de estacionamento de veículos em vários
lugares de nossa cidade, considerando-se o grande número de veículos com que conta
Vitória e a falta de espaço para estacionamento”. De acordo com o Vereador Delmaestro,
era muito comum encontrar-se uma placa que proibia o estacionamento de carros, simplesmente porque o local “é frente de prédio, casa ou estabelecimento de pessoa de projeção
na sociedade ou elemento abastado”.76
Na esfera dos costumes e do comportamento, do mesmo modo, já se pronunciavam reclamações quanto a vários itens. Um deles era a prostituição, principalmente
na Ilha do Príncipe. No entender de José de Paula Rocha, o “representante” do bairro,
naquela área “as jovens já não podiam mais deixar suas residências durante a noite para ir
aos colégios, em virtude da afronta constante de marginais e prostitutas que infestam as
ruas daquele bairro, principalmente nas proximidades da ponte Florentino Avidos.” José
de Paula conclamou o Secretário de Interior e Justiça para que coibisse os abusos e a falta
de respeito à família, na Vila Rubim e na Ilha do Príncipe.77
Relacionado a esse problema da prostituição e da marginalidade, da mesma maneira era o do menor abandonado, denunciado por Agenor Amaro dos Santos.78 E igualmente a questão do uso de drogas, principalmente o da maconha. Beraldo Madeira da
Silva apelou ao governo do Estado no sentido de fornecer à Polícia Civil “equipamentos
necessários” ao combate a elementos viciados em maconha e outros entorpecentes “cujo
número vem se elevando nos últimos meses”, segundo ele. Para Beraldo, a polícia estava impedida de agir com eficiência, neste caso, por não dispor de meios suficientes para
autuar os infratores que eram “presos e soltos logo após, para continuarem praticando o
mesmo delito, tão prejudicial à sociedade.”79
155
História da Câmara Municipal de Vitória
Ainda no âmbito da contravenção era muito polêmica a perseguição ao jogo do
bicho. Delmaestro, ao defender esse jogo “popular”, afirmou que centenas de chefes de
família, que exerciam atividades ligadas ao jogo do bicho, encontravam-se desempregadas
em virtude dessa proibição. Enquanto Del Maestro era contra essa perseguição, o seu
colega Walace Vieira Borges, que logo depois se elegeria deputado estadual, mesmo se
declarando “frontalmente” contrário ao funcionamento de jogos de azar, posicionou-se
favoravelmente à “regulamentação” do jogo, dado que asseguravam novos postos de trabalho “às pessoas”.80
O posicionamento desses vereadores, se por um lado colocava em dúvida a decisão tomada pelo chefe de Polícia com relação ao fechamento e à proibição do jogo do
bicho, por outro lado supostamente apoiava essa mesma decisão. O Vereador Nicanor
Alves dos Santos, por exemplo, ao prestar solidariedade ao chefe de Polícia, afirmou que
a sua decisão baseara-se em uma Lei federal, e que por isso ele não podia sofrer críticas
nem pressões.81
Esta legislatura se encerrou com a seguinte composição: Arabelo do Rosário presidente; Arnaldo Pinto da Vitória, 1º. Secretário; Claudionor Lopes Pereira, servindo como
2º. Secretário; Raulino Gonçalves; Raulino Rodrigues da Rocha; José Ignácio Ferreira; José
de Paula Rocha; José Antônio de Figueiredo Costa; Edgard Gomes Feitosa; Judson Gonçalves de Aguiar; Walace Vieira Borges; Beraldo Madeira da Silva; Adir Sebastião Baracho;
Wilington Barcellos; e Apolinário Delmaestro.82 Ou seja, ela se encerrou praticamente
com a mesma composição com que se iniciara, apenas contou com a entrada de Adir Sebastião Baracho, no lugar do falecido Arivaldo Favalessa.
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 661 leis, classificadas da seguinte forma:
01. Obras públicas: 176
02. Estrutura Organizacional: 4
156
A Quinta Legislatura 1963-1967
03. Subvenções e auxílios: 12
04. Tributos, isenções, correções: 18
05. Desapropriações: 9
06. Utilidade pública: 53
07. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas e bairros: 139
08. Cargo público, gratificação, salário e vencimento: 16
09. Salário Família: 1
10. Pessoal, aposentadoria: 5
11. Orçamento: 23
12. Contrato, convênio, acordo: 14
13. Comenda, medalha, prêmio, troféu, data comemorativa: 5
14. Patrimônio municipal, permutas, compras, vendas, doação, licenças: 34
15. Necrópole: 7
13. Posturas: 5
14. Telefone Público: 1
15. Iluminação Pública: 31
16. Guarda municipal: 1
17. Transporte Coletivo: 3
157
História da Câmara Municipal de Vitória
18. Cidadão Vitoriense: 68
19. Código municipal: 7
20. Operação de Crédito: 10
21. Educação: 4
22. Abastecimento: 1
23. Ação Social: 1
24. IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal: 1
25. Zoneamento urbano:1
26. Código Tributário: 1
27. Concessão de uso: 1
28. Preços públicos:1
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 1121, de 16 de dezembro de 1963: Autoriza a assinatura de convênio
com o Departamento Nacional de Obras e Saneamento para melhoria e ampliação da rede
de drenagem do município.
 LEI 1122, de 23 de dezembro de 1963: Aprova o Código Tributário para o
município de Vitória.
 LEI 1165, de 6 de maio de 1964: Transforma o setor de Assistência Social
em Serviço Médico Municipal – SEME.

158
LEI 1195, de 5 de agosto de 1964: Cria o Serviço Social, subordinado ao
A Quinta Legislatura 1963-1967
prefeito municipal.
 LEI 1321, de 29 de dezembro de 1964: Autoriza a pavimentação asfáltica
nas avenidas Capixaba e Jerônimo Monteiro.

municipal.
LEI 1354, de 9 de fevereiro de 1965: Autoriza o executivo a criar a Guarda

LEI 1376, de 12 de fevereiro de 1965: Cria o Conselho Municipal de Edu-
cação.
 LEI 1551, de 13 de janeiro de 1966: Autoriza o executivo a proceder a drenagem e calçamento de todas as ruas do Bairro do Romão.

Município.
LEI 1666, de 20 de dezembro de 1966: Institui o Sistema Tributário do
 LEI 1668, de 27 de dezembro de 1966: As rendas provenientes dos serviços
de natureza industrial, comercial e civil prestados pelo município em caráter de empresa e
suscetíveis de serem explorados por empresa privada são, para efeito dessa lei, considerados preços.
159
QUINTA PARTE A CÂMARA NA ERA DA DITADURA MILITAR
CAPÍTULO VI
A SEXTA LEGISLATURA
1967 - 1971 A gestão Setembrino Pelissari
A Sexta Legislatura 1967-1971
A DERROTA DE MÁRIO CYPRESTE
No pleito realizado em 15 de Novembro de 1966 foram eleitos os seguintes vereadores, com suas respectivas votações e suplentes:
1. Pela Aliança Renovadora Nacional - ARENA: Beraldo Madeira da Silva,
com 948 votos; Raulino Rodrigues da Rocha, com 933 votos; Gerson Camata, com 899 votos; Raulino Gonçalves, com 877 votos; Apolinário Marinho Delmaestro, com 720 votos;
José Manoel Nogueira de Miranda, com 659 votos; José de Paula Rocha, com 648 votos;
e Claudionor Lopes Pereira, com 646 votos. Os suplentes mais votados foram: Wilington
A. Barcelos, com 634 votos; Nicanor Alves dos Santos, com 496 votos; e Jonas Ferreira
Porfírio, com 488 votos.
2. Pelo Movimento Democrático Brasileiro - MDB: Mário Cypreste, com
1349 votos; Edgar Gomes Feitosa, com 993 votos; Darcy Castelo de Mendonça, com 896
votos; João Carlos Simonetti, com 791 votos; Délio Rodrigues Corrêa, com 761 votos;
Carlos Magno S. Fraga, com 756 votos; João dos Santos, com 679 votos; Arnaldo Pratti,
com 643 votos; e Boécio Pache Faria, com 566 votos. Os suplentes foram: Sérgio Ricardo
Rocio, com 514; Clério Vieira Falcão, com 485 votos; e Wilson Champoudry, com 484
votos.01 Beraldo era o mais idoso dos vereadores e já fora eleito anteriormente na segunda, terceira, e quinta legislaturas, bem como Raulino Gonçalves, na terceira e quinta
legislaturas, e ainda Claudionor Pereira e Edgar Feitosa na quarta e na quinta legislaturas.
Apolinário Delmaestro, assim como José de Paula Rocha e Raulino Rodrigues, procedia
da quinta legislatura. Ou seja, quase a metade da nova Câmara era composta por antigos
vereadores, ao todo sete, numa clara demonstração de que a ruptura política de 1964 não
renovara completamente os quadros políticos atuantes na Câmara municipal, em que pese
o fato de o MDB ter eleito nove dos dezessete vereadores contra oito da ARENA.
165
História da Câmara Municipal de Vitória
Da esq. para dir.: José de Paula Rocha, Boécio Pache de Faria, Mário Cypreste, Beraldo Madeira da
Silva, João dos Santos , Setembrino Pelissari e João Carlos Simonetti
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Surpreendentemente, porém, na sessão de instalação procedeu-se à eleição para
a formação da Mesa, em que Claudionor Lopes Pereira, da ARENA, obteve nove votos
para presidente, enquanto Mário Cypreste, do MDB, recebeu apenas oito votos. E esse
resultado se repetiu no preenchimento dos outros cargos da Mesa, para os quais foram
eleitos os partidários da ARENA. Em suma, a ARENA que possuía oito vereadores, controlou a Mesa por meio dessas eleições, e o MDB, com nove vereadores, estabeleceu-se na
oposição.
Edgar Gomes Feitosa, do MDB, ao justificar o seu voto em Claudionor Lopes
Pereira, da ARENA, ajudou a derrotar o candidato de seu partido, Mário Cypreste. Feitosa
afirmou na época que se justificava “para que não pairasse dúvida entre seus colegas de
partido, e que, muito embora não fizesse qualquer restrição ao candidato do MDB, não
poderia concordar em votar nesse candidato com cédula marcada”. Com muita discrição,
Mário Cypreste apenas lamentou o gesto de seu colega de partido, ao não votar em sua
166
A Sexta Legislatura 1967-1971
candidatura à presidência.02
No entanto, a eleição da Mesa Diretora do ano seguinte, 1968, foi igualmente
polêmica: apresentaram-se como candidatos à presidência, Beraldo Madeira da Silva, pela
ARENA e João dos Santos, pelo MDB. Naquele ano, a Câmara se compunha de dezessete
vereadores, e cada um desses candidatos obteve oito votos, com um voto em branco. Ao se
repetir a votação em um segundo escrutínio, obteve-se o mesmo resultado. Diante disso, o
antigo presidente declarou eleito Beraldo Madeira da Silva, visto que era o mais idoso. Essa
decisão, todavia, foi contestada pela oposição, que ao apresentar uma questão de ordem à
Mesa, esta a negou.03
Em 1969, porém, a eleição para a composição da Mesa Diretora ocorreu sem
grandes divergências. Beraldo Madeira da Silva, da ARENA, obteve doze votos contra
apenas um voto dado a Arnaldo Pratti, do MDB, e um voto para João Carlos Simonetti,
também do MDB.04 E em 1970, o eleito foi Apolinário Delmaestro, da ARENA.
Uma vez eleitos e empossados os vereadores, as bancadas partidárias escolheram
seus líderes na Câmara e, assim, Darcy Castelo de Mendonça e João Carlos Simonetti foram escolhidos respectivamente líder e vice-líder do MDB, enquanto na ARENA assumiram Beraldo Madeira da Silva, como líder e José de Paula, como vice-líder.05
E já na 2ª sessão ordinária, Boécio Pache de Faria, do MDB, declarou que seu
partido não faria restrição à administração municipal e congratulou-se com o novo governador do Estado, Christiano Dias Lopes Filho.06E outros vereadores do MDB, como
João dos Santos também se congratularam com Dias Lopes “pela feliz escolha do senhor
Setembrino Pelissari” para prefeito. Pelissari nasceu em Ibiraçu, filho de agricultores descendentes de imigrantes italianos. Iniciou seus estudos em um seminário católico de Santa
Teresa, mas transferiu-se para Vitória ainda nos anos 40. Como estudante de Direito,
atuou no movimento estudantil e foi vice-presidente da UNE. Iniciou-se no jornalismo de
oposição e começou a atuar na política sob a influência de Eurico Rezende, filiando-se ao
Partido Socialista Brasileiro - PSB. Ao candidatar-se à Câmara Municipal em 1954, elegeu-se suplente e assumiu o cargo de vereador mais de uma vez. Converteu-se em secretário
167
História da Câmara Municipal de Vitória
particular do governador Chiquinho de Lacerda, de quem se tornou muito próximo desde
a eleição de 1954. Elegeu-se ainda deputado estadual e foi o líder do governo no segundo
mandato de Chiquinho Lacerda, 1963-1966, na Assembleia Legislativa, em que combateu a
oposição, liderada pelo deputado estadual Christiano Dias Lopes Filho, do PSD. O próprio
Setembrino, em entrevista, atribuiu a sua indicação ao cargo de prefeito ao fato de ser um
homem identificado com a antiga UDN – partido ao qual caberia à Prefeitura de Vitória
por sugestão do governo federal - e por ter sido indicado por quase todos os antigos parlamentares do Espírito Santo, que assinaram uma lista a favor de seu nome. Christiano
não resistiu a essa “pressão” e acabou por nomear para a Prefeitura seu antigo adversário
político, de quem, aparentemente não guardava nenhum rancor.07
Assim, o novo quadriênio principiou em um clima de convergência política. E
nesse ambiente de confluência, o Vereador Apolinário Marinho Delmaestro, da ARENA,
ao discursar sobre as “irregularidades” supostamente verificadas no município, no Estado
e até no “âmbito federal”, disse que elas seriam sanadas brevemente, já que no seu entender Christiano e Setembrino eram “dois homens de alto gabarito administrativo” além de
preencher “todos os requisitos necessários para a execução de um governo bom, digno e
perfeito”.08
Apesar desse quadro, João dos Santos, do MDB, ao lamentar o gesto de Edgard
Gomes Feitosa, igualmente do MDB, e que não votara no candidato desse partido para a
presidência da Mesa, esclareceu que o partido certamente iria tomar uma decisão a esse
respeito.09
No entanto, uma semana após esse lamento, o mesmo João dos Santos declarou
que o voto de Edgard Feitosa era um “assunto liquidado”. Por outro lado, Mário Cypreste,
que fora prejudicado pelo voto de Feitosa, preferiu elogiar a gestão do ex-prefeito Jair Andrade - que concluíra o mandato iniciado por Solon Borges e administrara a cidade de 13
de junho de 1966 a 2 de fevereiro de 1967. No ponto de vista de Cypreste, a administração
de Jair Andrade deveria ser celebrada “por ter acelerado as obras do Supermercado da Vila
Rubim, deixando-as, em tempo recorde, em fase de conclusão”. Cypreste ainda apelou ao
prefeito Pelissari para que ele desse continuidade a essa e a outras obras já iniciadas na
168
A Sexta Legislatura 1967-1971
gestão anterior.10 Isso não significava que Cypreste apontasse para uma atitude de intransigência diante do novo prefeito, o que não era de seu feitio, pois ele, como vice-líder de
seu partido, admitiu “que a bancada do MDB estava disposta a apoiar as boas iniciativas
do prefeito Setembrino Pelissari”.11
Em outra sessão, Boécio, da mesma forma que Cypreste, apelou ao prefeito Setembrino Pelissari com o intuito de dar continuidade às obras iniciadas, que estavam paralisadas, visto que elas seriam de suma importância para a cidade. Mas, ao invocar o chefe de
Polícia, solicitou a intensificação do policiamento da Vila Rubim a fim de que “pessoas de
famílias dignas não sejam interceptadas por marginais ou por outros elementos indignos
da sociedade”. Boécio dava a entender, assim, que era nessa região que se encontravam
os mais graves problemas de segurança da cidade, naquela altura.12 Boécio ainda sugeriu a
continuidade das obras, contudo sabia de antemão da “precária situação financeira da Prefeitura”, a qual, possivelmente seria superada “em dias futuros”, tendo em vista a reforma
tributária que estava em curso.13
Boécio, além disso, replicou a fala de seu colega Beraldo Madeira da Silva, líder do
governo. Beraldo, ao advertir as autoridades públicas a respeito das “intempéries naturais”,
as aconselhara a construir um “moderno sistema de drenagem em nossa capital, a fim de
ele dar vazão às águas pluviais”. Na réplica, Boécio declarou que o sistema de drenagem
existente em Vitória estava “muito aquém das necessidades exigidas pelo grande progresso
verificado nesta terra”. E, de fato, a situação de Vitória nesse quesito não era nada admirável. Tanto é assim que em maio de 1967, no início da gestão de Pelissari, ao analisar
aqueles que foram denominados de “os problemas básicos” da cidade, o jornal A Gazeta
ponderou que: “As chuvas, que tantas preocupações estão trazendo para a cidade fizeram
com que, pelo menos momentaneamente, viessem a debate os chamados problemas básicos de uma cidade e esmiuçadas as administrações pelo que fizeram ou não fizeram com
relação a eles. Nossa Capital tem problemas básicos seríssimos. Os de drenagens e esgotos
aí estão na ordem do dia, motivados pela imensa queda pluviométrica. (...) Eis, assim, as
principais incógnitas da equação: construção de galerias, caixas de areia, barragens nos
morros, fixação da terra dos morros pela vegetação e destruição das pedras que ameaçam
rolar. Se, ao término da sua administração o prefeito Setembrino Pelissari tiver evitado os
169
História da Câmara Municipal de Vitória
desmoronamentos e deslizamentos nos morros, terá solucionado um problema básico da
cidade e será, talvez, o primeiro prefeito a concluir coisa assim.”14
GALERIAS
A construção de um eficiente sistema de escoamento e drenagem das águas pluviais era uma necessidade premente que a cidade de Vitória já vinha apresentando desde
há muito tempo. As soluções parciais e provisórias até então encontradas não impediam
que, em épocas de chuvas torrenciais, principalmente a parte baixa da cidade sofresse sérios danos e transtornos. Pouco tempo após a posse do prefeito Setembrino, uma forte
precipitação de chuvas colocou a cidade em grande risco. A Prefeitura, com o apoio de
diversos órgãos estaduais como o Corpo de Bombeiros, o Departamento de Água e Esgotos – DAE -, o Departamento de Estradas e Rodagens - DER - e a Administração do
Porto, empenhou-se seriamente em evitar maiores danos à população. Essa atuação mereceu elogios até mesmo da oposição, quando o seu líder, João Carlos Simonetti, reafirmou
o propósito de seu partido em colaborar e apoiar as boas iniciativas da administração municipal, e aproveitou a oportunidade para se solidarizar com a Prefeitura “pela sua atuação
brilhante durante os trabalhos de recuperação da cidade após a última inundação de que
foi vítima”. E o Vereador José de Paula Rocha teceu comentários sobre a eficiência da rede
de drenagem construída pela Prefeitura, em Vila Rubim, “evitando, durante as últimas
chuvas caídas na capital, a inundação daquele bairro e impedindo prejuízos aos comércios
ali estabelecidos”. Não obstante, seu colega Délio Rodrigues Correa, ao julgar conveniente parabenizar os ex-prefeitos Solon Borges e Jair Andrade “pela construção da rede de
drenagem da Vila Rubim”, lembrou-se igualmente da necessidade de que obras idênticas
fossem realizadas em outras partes da cidade.15
João Carlos Simonetti, por outro lado, ao comentar acerca das obras que a Prefeitura realizara na rua Barão de Itapemirim, denunciou que o prefeito não cumprira o que
prometera aos comerciantes daquela rua, dado que apenas fizera uma limpeza na rede de
drenagem e esgoto “em vez de fazer a substituição total daquelas redes, para evitar futuras
inundações”. Simonetti informou ainda que os proprietários das casas comerciais estariam
dispostos a doar o material necessário à pavimentação dessa rua, desde que o prefeito
170
A Sexta Legislatura 1967-1971
substituísse as redes de drenagem e esgotos.16
Ficava explicitado, assim, com a ampla participação da Câmara municipal, a necessidade de um claro programa de construção de obras prioritárias na cidade de Vitória.
O prefeito Setembrino Pelissari, ao mostrar-se sensível a essas reclamações, tomou uma
iniciativa que iria marcar de forma indelével sua passagem pela Prefeitura da cidade.
Em novembro de 1967, o Vereador da oposição João dos Santos, ao pronunciar-se novamente sobre a necessidade da construção de redes de drenagem e esgotos na capital, anunciou que o prefeito já tomara as providências cabíveis com relação à construção
de galerias para as águas pluviais. De acordo com João dos Santos, era esse o motivo pelo
qual se construía um grande barracão de obras na praça Costa Pereira.17
Dois meses depois, porém, o aguerrido líder da oposição, Darcy Castelo de Mendonça - que denomina atualmente uma das mais importantes obras da capital, sem que se
saiba disso, a famosa “Terceira Ponte” -, criticou duramente o Executivo municipal. De
acordo com Darcy, a administração municipal pautava “pela falta de planejamento mais
adequado para a realização das obras de construção das galerias pluviais que, apesar de ser
obra de vulto e digna de elogio, sua execução vem causando sérios prejuízos à população,
principalmente às casas comerciais localizadas na rua Sete de Setembro”.18
A respeito dessas críticas, em abril de 1968, o ex-presidente da Câmara Claudionor Lopes Pereira, ao defender o prefeito das críticas da oposição, teceu comentários sobre
o grande volume de obras em andamento em vários bairros da cidade, uma prova, para ele,
de que a administração municipal se preocupava com vários problemas da coletividade,
além da realização das obras das galerias. No entanto, o vice-líder da oposição João Carlos
Simonetti, não perdoou a “morosidade do serviço das galerias pluviais, com sérios prejuízos para a população”.19
De fato ou talvez por causa mesmo dessas críticas, em setembro desse ano de
1968 o governista José de Paula Rocha já se referia à “administração certa e segura” de
Pelissari. Rocha ainda o cumprimentou por ter solucionado “um problema centenário da
cidade de Vitória, com a construção das galerias pluviais”.20
171
História da Câmara Municipal de Vitória
José de Paula Rocha, Boécio, Mário Cypreste, Beraldo, João dos Santos, Setembrino,
jornalista Sérgio Rossio, João Carlos Simonetti, Carlos M. da S. Fraga, Claudionor Lopes Pereira e
Nenel Miranda.
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
EDUCAÇÃO
No âmbito da Educação, uma das primeiras iniciativas da administração de Pelissari foi a criação do Conselho Municipal de Educação, uma medida que foi aplaudida,
aparentemente, por parte da oposição, principalmente por Mário Cypreste e por Darcy
Castelo Mendonça.21José de Paula Rocha, ao elogiar a composição do Conselho, destacou
o nome indicado como seu presidente, o do ex-Vereador Arabelo do Rosário.22
Essa instituição funciona até hoje, e no site da Prefeitura a sua atuação é descrita
assim:
Conselho: planejamento de políticas de educação
O sistema municipal de ensino de Vitória conta com gestão compartilhada e participativa da
172
A Sexta Legislatura 1967-1971
comunidade escolar. De caráter normativo, deliberativo e consultivo, o Conselho Municipal de
Educação – Comev – constitui-se de representantes do governo municipal e da sociedade civil e
lhe cabe a formulação e planejamento de políticas de educação em Vitória.
Incluem-se, dentre as funções do Comev, participar da elaboração, do acompanhamento e da avaliação de planos, programas e projetos educacionais bem como acompanhar e avaliar a prestação
de contas no que se refere à aplicação de recursos na educação em Vitória.
Composição
O Conselho Municipal de Educação é composto por dezenove membros titulares e dezenove suplentes, que representam os seguintes segmentos/instituições: magistério; instituições de educação infantil da iniciativa privada; comunidade; estudantes da rede pública municipal; Secretaria de
Educação; comunidade científica da área educacional; diretores de escolas municipais, servidores
técnico-administrativo da educação básica municipal; Conselho Tutelar de Vitória e professores
das instituições de educação infantil da rede privada.
Os conselheiros têm mandato de dois anos, podendo ser reeleitos por igual período. O Comev
funciona em sessão de plenário e em reunião de comissões permanentes. Possui, também, uma
câmara específica responsável por acompanhar e realizar o controle social sobre a distribuição,
transferência e aplicação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb.
Cabe a essa Câmara, entre outras funções, supervisionar o censo escolar anual e acompanhar a
aplicação de recursos federais transferidos para o município.23
Se por um lado a criação do Conselho Municipal de Educação recebeu aplausos
até da oposição, por outro o projeto de lei do Executivo que criou o Serviço de Educação
e Cultura gerou muita polêmica na Câmara. João dos Santos, do MDB, declarou a esse respeito que a bancada do MDB não se colocava contra os interesses do ensino no município
e acrescentou que o seu partido estava propenso a não aprovar o projeto tão somente por
temer que houvesse “o propósito da criação de novos cabides de emprego”. Entretanto,
o seu colega Beraldo Madeira da Silva, ao retrucá-lo, asseverou que se interessava pela
173
História da Câmara Municipal de Vitória
aprovação do referido projeto com a intenção exclusiva “de contribuir para o desenvolvimento de um plano de ensino” que o prefeito se propunha executar e ainda advertiu que
“se tal finalidade for desvirtuada, não mais continuaria na liderança do senhor prefeito e
da bancada da ARENA”. O projeto de criação desse órgão gerou tamanha oposição que
obrigou o presidente Claudionor Lopes Pereira a usar de bastante “energia” para pode
dirigir os trabalhos da Câmara. E, mesmo com essa “energia”, Délio Rodrigues Corrêa
declarou na tribuna que a Câmara “se tornou um pandemônio” e era “um corpo acéfalo
depois que aprovou pela preclusão a mensagem oriunda do Executivo municipal, criando
o Serviço de Educação”. Para Délio, o Regimento da Câmara se transformara em “papel
velho”. Nesse ambiente de animosidade, o Vereador Marinho Delmaestro, ao discursar
na tribuna, efetuou críticas ao seu colega Arnaldo Pratti, que aparentemente não estava
presente. Segundo o jornal A Gazeta, no entanto, no auge de sua diatribe, Delmaestro “foi
surpreendido pelo senhor Pratti, que, no plenário da Casa, e dirigindo-se calmamente para
a tribuna agrediu violentamente o senhor Delmaestro, dizendo que aquilo era para servir
de lição para não falar mais de ninguém pelas costas.”24
Por ocasião da criação do Conselho Municipal, José de Paula Rocha avisou que
em breve o Ginásio Municipal de Vitória, localizado na Ilha do Príncipe, contaria com um
prédio próprio em que estaria “comodamente instalado”.25No entanto, o mesmo José de
Paula Rocha esclareceu, alguns dias depois, que o Ginásio da Ilha do Príncipe “foi fruto
dos esforços do ex-governador Dr. Francisco Lacerda de Aguiar, que o organizou com o
nome de Ginásio Estadual Maria Ortiz”.26
Em maio do ano seguinte, o mesmo Rocha elogiava Pelissari pela inauguração
de mais três unidades escolares mantidas pela Prefeitura.27Seu colega Délio Rodrigues
Correia igualmente cumprimentou Pelissari pela inauguração do Ginásio Municipal do
Bairro da Penha.28E em junho do mesmo ano de 1968, Rocha congratulou-se não só com
o prefeito mas também com o Conselho Municipal de Educação pela realização do Congresso dos Professores Municipais, em que foram debatidos assuntos de interesse do setor
educacional. Na mesma ocasião, Rocha anunciou que o Ginásio Municipal Moacyr Avidos
diplomaria naquele final de ano a sua primeira turma de formandos do curso ginasial.29
174
A Sexta Legislatura 1967-1971
Mas foi Darcy de Mendonça quem focalizou o problema da falta de vagas para
matrículas nos colégios públicos da nossa capital, além de apontar para o fato de que alguns dos ginásios gratuitos da Campanha de Educação cobravam uma taxa de matrícula de
quinze mil cruzeiros, fato com o qual ele não concordava.30Apolinário Delmaestro, a esse
respeito, informou que o governador Christiano Dias Lopes determinou que se desse a
preferência para matrícula no Colégio Estadual aos filhos daqueles que ganhassem até duas
vezes o salário-mínimo regional.31
No diagnóstico realizado pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado, ainda
sob o comando de Darcy Werter Vervloet, ficou evidenciado que acontecia uma explosão
de demanda por escolarização em todo o Espírito Santo, no nível primário e médio, principalmente na Grande Vitória. Essa demanda evidenciava a deficiência e a incapacidade de
atendimento do sistema público de educação.32
Darcy de Mendonça, do mesmo modo, denunciou, junto com João Carlos Simonetti, a intromissão política na designação dos diretores dos estabelecimentos de ensino,
um fato que deixava, segundo eles, “insatisfeita a população”. Esse descontentamento
ocorria principalmente em Gurigica33 e também em Maruípe. Nesse último bairro, por
exemplo, o Vereador Carlos Magno informou das irregularidades ocorridas no Ginásio
Otacílio Lomba, em que o diretor ao ser afastado da administração “causou revolta nos
alunos, que, inconformados”, não mais compareciam “às aulas”.34
Esse problema, o da nomeação política dos diretores de escola, começou a ser
denunciado naquela época, mas se prolonga, na verdade, até os dias de hoje. E tanto é assim que, no dia 11 de fevereiro de 2014, o jornal A Gazeta noticiou que o senador Ricardo
Ferraço, do PMDB, apresentara uma proposta, acerca dessa questão, que previa a escolha
de diretores de escolas públicas exclusivamente por meio de concurso público, já que,
conforme o jornal, “hoje o cargo é preenchido por indicação política e barganhado por
aliados do governo. Anteriormente, a Assembleia Legislativa já havia aprovado a eleição
direta para diretor de escola, “mas o governo vetou”. Para o senador Ferraço o concurso
seria “a melhor forma de garantir a participação democrática da comunidade escolar”.35
175
História da Câmara Municipal de Vitória
Um grave problema da educação, relativo à falta de profissionais, foi tratado por
Mário Cypreste ao discorrer sobre os prejuízos trazidos pela retirada de professores que
exerciam as funções de “emergência” no Parque Infantil de Santo Antônio.36E Beraldo
Madeira da Silva, ao abordar a questão da assiduidade dos profissionais do magistério,
comunicou ainda que recebera várias reclamações de pais de alunos do Colégio Estadual
tocantes à “falta de aulas”, na verdade uma decorrência da “ausência de grande parte de
professores”.37
Nesse contexto, Délio Rodrigues Corrêa sugeriu a instalação de um Grupo Escolar em São Cristóvão e propôs que se aproveitasse, para isso, o prédio inicialmente
construído para ser um posto médico.38E João dos Santos pediu providências ao governo
do Estado para os melhoramentos que precisavam ser realizados no Grupo Escolar Padre
Anchieta, em Jucutuquara.39
Enfim, não se pode afirmar que a área da educação tenha ficado completamente
“esquecida” naquela legislatura. Os vereadores fizeram o possível para lembrar os problemas da área, e a Prefeitura não poupou esforços no sentido de resolvê-los.
VELHOS E NOVOS PROBLEMAS
Não se pode dizer que os antigos problemas da cidade, tais como os do abastecimento de gêneros de primeira necessidade, como carne e leite, do provimento de água,
do fornecimento de energia, da coleta e tratamento de esgoto tivessem sido equacionados.
Mesmo assim, a respeito do problema do suprimento de gêneros, em julho de 1968 José de
Paula Rocha se congratulou com o prefeito Setembrino Pelissari pela inauguração da primeira etapa do Mercado da Vila Rubim, uma obra que após a sua conclusão minorou parcialmente o problema do abastecimento da cidade. Essa obra, conforme lembrou Mário
Cypreste, tinha sido bem avançada na gestão de Jair Andrade, mas só viria a ser concluída
pelo prefeito Setembrino.40
Outras demandas, contudo, tomavam vulto na cidade. A questão da rede de telefonia era uma delas, dado que a sua expansão não atendia às necessidades da população.
Os vereadores da oposição se mostraram mais atentos ao problema, e por isso João Car-
176
A Sexta Legislatura 1967-1971
los Simonetti analisou a mensagem do Executivo que pedia a autorização para contratar
com a Companhia Telefônica do Espírito Santo a instalação de cem novos aparelhos telefônicos. Simonetti queixou-se então que, em outra legislatura, a Câmara ao conceder
àquela Companhia o direito contratual de fazer reajustamentos no custo dos aparelhos
telefônicos, permitiu também a reserva de determinado número de telefones “para futuras
especulações”.41O oposicionista Darcy Castelo de Mendonça, além disso, criticou a mesma Companhia “pela falta de consideração aos seus usuários e pelo serviço deficiente”
que prestava “à coletividade capixaba”.42Não só os oposicionistas como também os vereadores governistas fizeram críticas à Companhia telefônica, como o governista Beraldo
Madeira da Silva, que ao sugerir a melhoria do sistema de ligações telefônicas protestou
“contra a demora que vem se verificando na ligação para Vila Velha”.43
O aumento da população, principalmente em decorrência da imigração e do êxodo rural, criou sérios problemas em Vitória. E esse fato não passou despercebido aos
vereadores de Vitória. O combativo Darcy Castelo de Mendonça evocou a “administração
profícua realizada pelo ex-governador Dr. Francisco Lacerda de Aguiar”, que, segundo
ele, ao dinamizar a urbanização nos bairros dos morros da capital, substituiu “verdadeiras
choças por casas de alvenaria”.44
Ainda assim, em abril de 1968, Arnaldo Pratti, ao solicitar providências para o
problema relacionado ao aumento do número de pedintes na capital e dos assim chamados “sem-teto”, teceu comentários sobre os prejuízos para o Espírito Santo da política de
erradicação dos cafezais, posta em prática pelo governo federal.45Carlos Magno da Silva
Fraga, igualmente, responsabilizou o governo federal pela proliferação de mendigos nas
grandes cidades “em virtude da falta de providência para dar condição de vida ao homem
do campo, o que provoca o êxodo do agricultor para a capital”.46No entanto, o efeito mais
notável do êxodo rural e da imigração foi o crescimento das construções clandestinas.
As autoridades municipais tentavam em vão coibir a expansão descontrolada da
construção de moradias improvisadas, as chamadas “barracas”. Todavia, alguns vereadores
se opunham a essa política. Mário Cypreste, por exemplo, protestou contra a proibição da
construção de barracos e lamentou que “o operário após adquirir um terreno com grandes
177
História da Câmara Municipal de Vitória
sacrifícios não possa construir sua modesta residência”.47
No contexto da reforma administrativa realizada por Christiano Dia Lopes Filho,
novos órgãos foram criados e um deles, a Companhia de Habitação e Urbanização do
Espírito Santo - Cohab-ES, visava justamente ao equacionamento do problema habitacional. Mas o Vereador Arnaldo Pratti, em julho de 1967, denunciou da tribuna da Câmara
que essa Companhia não atendia às finalidades para as quais fora criada e, por isso, não
se justificavam “os gastos que o município vem fazendo para a sua manutenção”. E Délio
Rodrigues Corrêa, ao apoiá-lo, alertou que a Cohab não poderia realizar o seu plano habitacional “em virtude dos grandes gastos” que tinha “com o pagamento de funcionários”.48
TRÂNSITO E TRANSPORTES URBANOS
Os problemas do trânsito e dos transportes coletivos foram apontados de forma
incisiva desde muito tempo atrás. Em 1960, por exemplo, na pesquisa realizada pelo Seminário Socioeconômico, já se falava em Vitória na necessidade de substituir os ônibus por
trólebus, ao propor a sua expansão e circulação até aos bairros mais distantes. Apontava-se igualmente que era imprescindível a pavimentação não só do centro da cidade mas
também das vias de comunicação com os bairros vizinhos. E explicitamente se discutia a
respeito da necessidade de um “planejamento imediato do descongestionamento do tráfego, estudando inclusive estacionamentos e desvios dos veículos de carga - procedentes
do Rio de Janeiro, de Minas e da Bahia ou com destino a esses estados -, das ruas centrais
da cidade”.49
No espaço de sete anos, porém, até a posse de Setembrino Pelissari na Prefeitura,
nenhuma dessas macromedidas tinha sido encarada com seriedade.
Os problemas de trânsito em Vitória não eram ainda tão graves o quanto eles
são hoje, mas já se colocavam de maneira crítica na medida em que não eram encontradas
soluções ao menos paliativas para eles. O volume de tráfego nas ruas do Centro, provocava “confusão” e congestionamentos, além de criar limitações ao uso delas como estacionamento. E a criação de um “Serviço de Trânsito”, encarregado de fiscalizar e gerir o
problema, previsivelmente, não deu os resultados esperados.
178
A Sexta Legislatura 1967-1971
Na Câmara, as críticas, dirigidas principalmente a esse órgão, perderam de vista os
condicionantes estruturais que davam origem aos problemas de trânsito. Até nos bairros
os problemas começavam a aparecer. A esse respeito, Arnaldo Pratti comentou a necessidade de policiamento de trânsito nos bairros da capital e sugeriu a instalação de sinais para
pedestres nas principais ruas do Centro.50 Mas o quase sempre cordato José de Paula Rocha, apesar de elogiar o trabalho desenvolvido pela administração municipal, responsável,
segundo ele, pelo “progresso da cidade”, acusou a “incompetência da Inspetoria de Trânsito para a solução dos problemas de trânsito”.51Da mesma forma, Délio Rodrigues Corrêa
criticou as medidas adotadas pelo “diretor do Trânsito”, que proibira o estacionamento
de veículos na avenida Beira-Mar, “sem antes equacionar o problema”. Ele entendia que
o estacionamento deveria ser restabelecido naquela avenida, e que tal restrição somente
se justificaria “se fossem criados outros locais para estacionamento de veículos”. Corrêa
indignava-se com o fato de o órgão aplicar multas “indiscriminadamente”, segundo ele,
em “flagrante desrespeito aos proprietários de veículos, principalmente àqueles que nos
visitam”.52Darcy Castelo de Mendonça solicitou ao Serviço de Trânsito que fosse proibido
o estacionamento de veículos da rua Duque de Caxias, no trecho compreendido entre a rua
da Alfândega e o Magazin Lojas Unidas, durante o horário comercial.53
Muito mais graves ainda do que os problemas do trânsito eram os problemas
correlatos do transporte coletivo. Os ônibus, introduzidos em Vitória nos anos 30, já nos
fins dos anos 60 praticamente substituíram os antigos bondes elétricos. A não pavimentação da maior parte das ruas, as grandes distâncias, principalmente nas áreas já conurbadas
com as outras cidades que compõem a região metropolitana, a insuficiência dos ônibus e
o estado de sua conservação, porém, geravam muitas desaprovações aos serviços de transportes coletivos. Aos vereadores parecia que o problema maior estava na falta de fiscalização. Délio Rodrigues Corrêa, por exemplo, fez apelo veemente ao prefeito no sentido
de determinar uma rigorosa fiscalização nos veículos, uma vez que eles trafegavam “em
precárias condições e sem o cumprimento dos horários”.54Carlos Magno da Silva Fraga,
ao reclamar das linhas de transporte coletivo que faziam o trajeto entre Alto de Caratoira
e Santa Teresa, rogou que elas melhorassem as “condições de atendimento à população
daqueles bairros”.55
179
História da Câmara Municipal de Vitória
E, com efeito, outros vereadores, como Darcy Castelo de Mendonça, reclamaram
das diversas medidas adotadas pela Inspetoria de Trânsito, especialmente daquela que determinou que os coletivos da zona norte fizessem o retorno a partir da praça do Trabalho,
no final da avenida Capixaba, e não seguissem mais até o centro da cidade.56O mesmo fez
Arnaldo Pratti ao protestar contra a determinação de que os ônibus da zona sul retornassem a partir da avenida República; sugeriu que os coletivos pudessem trafegar “em estacionamento até a praça do Trabalho”.57Diante da transferência do ponto final dos ônibus, que
chegavam de Vila Velha, Cariacica e Viana, para a rua Florentino Ávidos, Claudionor Lopes Pereira sugeriu a construção de abrigos para os passageiros nos terminais, dado que na
época não existiam.58O mesmo vereador fez “longo e substancioso discurso” com relação
aos transportes coletivos dos bairros da zona norte, principalmente de Santa Maria.59E, em
outra ocasião, o mesmo Claudionor retornou ao tema para declarar que a coletividade era
“pessimamente servida por veículos em péssimo estado de conservação, já considerados
calhambeques”.60A esse respeito, Nenel Miranda lembrou que o prefeito não era somente
responsável por administrar o transporte coletivo, como também deveria prestar uma atenção mais severa na fiscalização “a fim de não permitir que ônibus em estado deplorável de
conservação continuem em suas linhas, desservindo à coletividade”.61 Mas Darcy Castelo
de Mendonça, o líder da oposição, foi mais enfático e crítico sobre esse tema. Após tecer
severas críticas ao serviço de transporte da capital, “cujos veículos trafegam em péssimo
estado de conservação e com horários cheios de irregularidades”, ao solicitar enérgicas
providências do prefeito, declarou também que, nesse aspecto, o prefeito não tinha “correspondido ao crédito de confiança que esta Casa lhe outorgou, por meio dos senhores
vereadores.”62Jonas Ferreira Porfírio, além de condenar o serviço de transporte coletivo
da capital, assegurou que se fosse realizada a soma dos veículos pertencentes a “todas as
empresas”, existiriam “apenas setenta e nove ônibus” em circulação, “dentre os quais,
somente oito são novos”. Para Jonas Porfírio, era um absurdo “este pequeno número de
veículos atenderem diariamente uma população flutuante de trezentas mil pessoas.”63
As solicitações, para a criação ou a extensão das linhas de ônibus, eram extremamente comuns na época. Mário Cypreste, por exemplo, solicitou que a linha de transporte
de Santo Antônio se estendesse até Santa Lúcia.64
180
A Sexta Legislatura 1967-1971
Não se tinha ainda, naquela altura, uma consciência muito clara da necessidade da
construção de outras pontes ligando Vitória a Vila Velha e a Cariacica. No entanto, o Vereador Beraldo Madeira da Silva sugeriu a necessidade de “alargamento da ponte que liga
os municípios de Vila Velha e Cariacica, localizada em São Torquato” por causa do perigo
constante que a ponte representava para os transeuntes.65
SAÚDE
A saúde era uma área considerada de responsabilidade exclusiva do governo do Estado, entretanto os graves problemas que a população enfrentava nesse setor praticamente
obrigaram os vereadores a se pronunciarem sobre o assunto. Em maio de 1968, João Carlos Simonetti anunciava a inauguração do Hospital Maternidade São Lucas.66Entretanto,
José de Paula Rocha, Raulino Rodrigues da Rocha, Setembrino Pelissari, Mário Cypreste e Beraldo Madeira da Silva..
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
poucos dias após, seu colega Arnaldo Pratti responsabilizou o governo estadual pelo “es-
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História da Câmara Municipal de Vitória
tado danoso em que se encontra a Santa Casa de Misericórdia”, e ainda informou que ele
não pagava “em dia” as taxas devidas por lei àquela entidade hospitalar.67Por esse mesmo
motivo, Mário Cypreste conclamou as autoridades “municipais, estaduais e federais” para
ajudarem o Hospital Santa Casa.68
Naquele tempo, vários vereadores se envolveram intensamente com uma campanha filantrópica em prol da construção do Hospital Santa Rita de Cássia, especializado
no diagnóstico de câncer. À frente dessa campanha esteve o controvertido Vereador Apolinário Marinho Delmaestro.69Em agosto de 1968, em um de seus polêmicos discursos
ele declarou que em breve seria entregue ao povo “o maior e mais moderno hospital do
Brasil”.70
Mário Cypreste igualmente defendeu perante o governo estadual a liberação de
verbas destinadas à construção do Hospital Evangélico de Vila Velha.71Os serviços médicos oferecidos tanto pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários IAPC-, quanto pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários -IAPI - eram
considerados deficientes, como reclamou o Vereador João dos Santos.72
AS NOVAS QUESTÕES
Em meio à chamada “Revolução Cultural”, que ocorria naquele momento em
quase todo o mundo ocidental, na Câmara de Vitória também se discutiam temas relacionados aos novos costumes que se disseminavam pelo mundo. E um dos veículos pelo qual
essas informações eram absorvidas era a televisão. Naquela altura, já funcionava a retransmissora da TV Vitória, ligada aos Diários Associados e ao deputado João Calmon, liderança do PSD de Colatina. Por isso, João Carlos Simonetti se congratulou com o governador
Christiano Dias Lopes “pelas providências que estão sendo tomadas para a instalação de
duas estações repetidoras de televisão”.73
Mas, a posição assumida pelos vereadores nem sempre era contrária aos novos
costumes que se disseminavam, embora houvesse divergência a respeito. Em agosto de
1968, bem em meio à turbulência provocada pela famosa Revolução de 1968, João dos
Santos, por exemplo, um dos vereadores mais combativos da oposição, teceu comentá-
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A Sexta Legislatura 1967-1971
rios sobre a Encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, na qual o papa apresentava uma
opinião contrária ao uso da pílula anticoncepcional. Santos, ao apoiar a pregação papal,
mencionou as consequências produzidas pelo uso dessa droga e ainda opinou que “muitos
indivíduos irresponsáveis acobertados pela ação deste produto, infelicitam muitas jovens
e muitos lares”. Do ponto de vista religioso, que ele julgava de muito maior importância,
protestantes e ateus podiam até usar a pílula, entretanto, segundo ele “aos católicos cabem
as sanções dos dispositivos da encíclica, pelo descumprimento da ordem papal”.74O seu
colega Raulino Gonçalves discordou desse posicionamento e ainda se declarou favorável
ao uso da pílula anticoncepcional. Ele aproveitou para se declarar também favorável ao
divórcio, isso porque “existe por aí um desquite imoral e em função deste desquite vivem
muitos casais irregularmente, cujos filhos que vêm dessa união irregular sofrem as consequências não podendo sequer regulamentar seus documentos civis”. Raulino, da mesma
maneira, manifestou-se favorável à introdução da pena de morte no Brasil “para coibir a
maioria dos crimes bárbaros que acontecem, tais como os que têm se verificado com os
profissionais do volante, que, defendendo o sustento de seus familiares, são saqueados por
quadrilhas de ladrões organizados que estão infestando a nossa nação”. Em apoio a Raulino, Boécio Pache de Faria defendeu o uso da pílula com o argumento de que ela poderia
diminuir o “índice de mortalidade de crianças no Brasil, que morrem à fome e pelo pequeno salário-mínimo de noventa e poucos cruzeiros novos líquidos, que absolutamente não
dá para um pai pobre manter sua prole que geralmente é numerosa”.75
Nesse ano turbulento também já se disseminava entre os jovens o uso da maconha. E Beraldo Madeira da Silva, um dos mais idosos vereadores da Câmara, denunciou
o fato. Ele informou o plenário acerca do tráfico e da distribuição de maconha entre os
estudantes principalmente “quando procuram banhar-se na Praia Comprida”. Beraldo
afirmou ter sido informado desse fato por um estudante de “bons princípios” que rejeitou
de seus colegas um cigarro de maconha, no que fora por causa disso “desmoralizado”. De
acordo com o relato de Beraldo: “Esse garoto de índole respeitável, do qual precisamos
para suceder aos nossos políticos, notificou seu pai desse problema. Este, por sua vez, veio
a mim solicitando que tomasse na Câmara as necessárias providências. Mas as providências que este Vereador poderá tomar são fazer a denúncia e solicitar veementemente ao
senhor José Dias Lopes, dinâmico secretário de Segurança Pública, no sentido de enviar
183
História da Câmara Municipal de Vitória
para o referido bairro um detetive para averiguar o fato.” Beraldo, ao enumerar os efeitos
“maléficos” causados pela maconha, informou que um cientista, pesquisando os efeitos
dessa droga, “apanhou alguns ratos e injetou-lhes uma porção da droga. Depois de alguns
minutos, verificou que estes perderam a noção, ficaram agressivos, chegando ao ponto
de se devorarem. Essa droga dá ao homem coragem, agressividade e excita a praticar os
maiores homicídios, além de provocar modificação palpebral, alteração da pupila, vertigem, tonteira, náusea, alteração no ritmo dos movimentos respiratórios, euforia, angústia,
desorientação no tempo e no espaço, sensação de irrealidade, apetite, sede e tantas outras
perturbações”.76
Os temas religiosos eram igualmente uma preocupação de alguns vereadores que
se manifestaram intensamente ao abordá-lo. Darcy Castelo de Mendonça, por exemplo,
revelou que ele e Beraldo Madeira da Silva foram tratados como “boçais” por um padre
católico, porque expuseram seu ponto de vista contrário a algumas facetas da reforma
que a Igreja Católica realizava em suas práticas. Eles contestaram, além da não realização
de batismos no Convento da Penha, também a realização de estágio preparatório para
tornar-se padrinho de batizados, uma vez que “isso cerceia o direito aos iletrados de serem
católicos”. José de Paula Rocha referiu-se aos pastores protestantes que colaboraram com
a campanha do Hospital do Câncer, “apesar de a classe evangélica estar também grandemente empenhada com campanhas para a construção do Hospital Evangélico, situado no
bairro Alecrim, no município de Vila Velha. Essa classe que, apesar de ser considerada a
minoria e até mesmo desprezível, está também com a Judá do povo alemão, em silêncio,
construindo aquele grande hospital, que não será propriedade exclusiva dos evangélicos,
mas sim, terá suas portas abertas a todo o povo capixaba e brasileiro”. Rocha, além disso,
informou que outras seitas religiosas, em silêncio, cooperaram com as “campanhas pré-construção” desses hospitais, como a “Espírita e tantas outras”, mas sem fazer-se notar
porque as suas bandeiras eram “servir sem alarde”.77E de fato, em outubro de 1969, Apolinário Delmaestro, que muito se empenhara na campanha pela construção do Hospital do
Câncer, anunciou a inauguração desse hospital, “cuja fita simbólica será cortada pelo mui
digno presidente da Câmara municipal de Vitória”78
184
A Sexta Legislatura 1967-1971
A FORMAÇÃO DA METRÓPOLE
Os anos da sexta legislatura, ou seja, o período de 1967 a 1971, assistiram ao nascimento da percepção de que Vitória deixara de ser a “Cidade Presépio” de antigamente, e
se transformava, juntamente com os municípios vizinhos, com os quais a cidade se conurbava rapidamente, em uma grande área metropolitana.
A imagem antiga de uma pequena e bem organizada cidade-capital, “espremida”
bucolicamente entre os morros e o mar, muito associada ao epíteto mencionado, ainda era
utilizada para reivindicar o “embelezamento” da cidade. No entanto, já aparecia nitidamente a percepção de que a nova dimensão que a cidade estava adquirindo extravasava os
antigos moldes, até no plano cultural.
Darcy Castelo de Mendonça, por exemplo, enfatizou a necessidade de melhorar
a “apresentação” da nossa “Cidade Presépio”, contudo era preciso prestar atenção principalmente nos “extremos” da cidade, que ele ainda identificava como sendo constituídos
pela Ilha do Príncipe e pela avenida Nossa Senhora da Penha. Para ele, era preciso iluminar
a avenida da zona norte e limpar a ilha ao sul “para que a nossa cidade seja agradável aos
olhos dos nossos visitantes e que ofereça melhor condição e melhor padrão de vida a nós
que a habitamos”.79
Na opinião do Vereador Darcy de Mendonça, da oposição, a administração municipal se concentrava apenas e exclusivamente na realização de obras no centro da cidade,
todavia era preciso realizar obras nos bairros mais afastados.80Em uma outra ocasião, o
mesmo Vereador mencionou a falta de providências dos poderes públicos a respeito do
acompanhamento do “desenvolvimento da cidade, que cresce assustadoramente graças à
iniciativa particular.”81
Seu colega Carlos Magno da Silva Fraga, da mesma maneira, ao reclamar da administração de Setembrino Pelissari, anunciou que ele teria “abandonado por completo
os bairros de Nossa Senhora da Penha, Itararé, Santa Marta, Barreiros e Vila Maruípe,
que estão, atualmente, carecendo de esgotos, drenagens, iluminação e de muitos outros
melhoramentos.”82Raulino Gonçalves declarou que em uma visita que fizera ao bairro de
185
História da Câmara Municipal de Vitória
Goiabeiras, juntamente com alguns de seus moradores e de membros do Clube Três de
Maio, constatou “o estado de abandono em que se encontra aquele bairro”, e solicitou às
autoridades os seguintes benefícios: “rede de água, posto policial, posto telefônico, iluminação elétrica e agência postal”.83
Nicanor Alves dos Santos era outro vereador que incansavelmente defendia os
bairros da zona norte da cidade. Após descrever as “péssimas condições higiênicas” dos
bairros da Bomba, Itararé e Santa Lúcia e da avenida César Hilal, ele sugeriu à Prefeitura
que firmasse convênio com o Departamento Estadual de Saneamento a fim de que os problemas desses bairros fossem resolvidos, “pois em épocas chuvosas os referidos bairros
ficam quase sem condições de habitação” e que, “assim como o senhor prefeito resolveu
o problema da praça Costa Pereira com a construção das galerias pluviais, irá também, do
mesmo modo, resolver os problemas do Parque Moscoso”.84
Em outra sessão, o mesmo Vereador Nicanor fez várias considerações sobre o
problema de inundações da zona norte da capital em épocas chuvosas “quando quase
acontece casos de calamidades públicas nos bairros de Santa Maria, Santa Lúcia, César Hilal, Maruípe, e Bento Ferreira”.85Nicanor solicitou ainda que fossem tomadas providências
a respeito da avenida Reta da Penha, “sem asfalto” e com “um valão à sua margem que reclamava limpeza e aprofundamento”.86Miranda sugeriu o asfaltamento da Reta da Penha,
mas admitiu que, uma vez que se tratava de uma “obra inexequível por parte da Prefeitura
por ser de grande monta”, se formasse uma comissão de vereadores com o objetivo de
ser dirigir ao ministro Mário Andreazza, dos Transportes. Naquela época, esse ministro
visitaria Vitória, e a comissão aproveitaria a oportunidade para solicitar-lhe a realização da
obra, como recomendou o Vereador Miranda.87
Com os bairros da zona norte, da mesma maneira, era muito preocupado o Vereador Claudionor Lopes Pereira, que respeitava as críticas que seus colegas faziam ao
prefeito. Claudionor, porém, não concordava com a afirmação feita pelos vereadores de
que o prefeito Setembrino não trabalhava, “pois as obras surgem maravilhosamente nos
bairros e centro da capital”. Claudionor argumentou ainda que “nem o atual prefeito,
nem os futuros resolverão definitivamente os problemas do município, porque à medida
186
A Sexta Legislatura 1967-1971
que ele cresce, reclama obras de grandes vultos, como abertura de ruas, construção de
túneis e pontes além de outros melhoramentos”. Para Claudionor, as críticas da oposição
eram necessárias desde que elas fossem “honestas, sadias e construtivas”.88Claudionor
informou que o bairro de Tabuazeiro já recebera vários melhoramentos como “telefone
público, iluminação e água”, mas que, apesar disso, ele não ia “à tribuna contar esses benefícios como muitos políticos fazem” com o intuito de procurar “impressionar o povo
ainda despolitizado”.89Claudionor ainda anunciou a inauguração de um ginásio municipal
em Itararé, contudo denunciou a “situação calamitosa por que passava o Colégio Otacílio
Lomba, de Maruípe”.90
Já ficara claro, no entanto, que os “extremos” da cidade tocavam os de outros
municípios, e é por isso que o Vereador José de Paula Rocha saudou o convênio que se
pretendia firmar entre os municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Viana e Serra, por
meio da Companhia de Desenvolvimento do Espírito Santo - Codes, “visando à elaboração de um plano de desenvolvimento para a área metropolitana de Vitória”.91 Os jornais
da época, contudo, noticiaram e criticaram o fato de que os vereadores do MDB não apoiaram a assinatura do convênio, o que obrigou João dos Santos a justificar o seu voto.92De
fato, votaram inicialmente a favor do projeto, oriundo do Executivo, os vereadores: Beraldo Madeira da Silva, Boécio Pache de Faria, Raulino Gonçalves, Raulino Rocha, Darcy
Castelo de Mendonça, José Manoel Nogueira de Miranda, Gerson Camata, e Apolinário
Delmaestro. E contra o projeto se posicionaram João dos Santos, Délio Rodrigues Corrêa,
Carlos Magno da Silva, João Carlos Simonetti e Sérgio Ricardo Rocio. A decisão, de parte
da bancada do MDB, de votar contra o projeto do Executivo, repercutiu muito mal e foi,
como afirmamos, criticada pela imprensa. O jornal A Gazeta, por exemplo, publicou uma
matéria com a manchete “A opinião pública vitoriense repudia a decisão da Câmara”, em
que afirmava: “Vitória não mais se inclui na chamada ‘Grande Vitória’, compreendida
pelos municípios de Vila Velha, Viana, Cariacica e Serra, que obedeceriam a um plano de
desenvolvimento integrado. E isso porque cinco vereadores do MDB com assento em
nossa Câmara Municipal decidiram votar contra o projeto constante de mensagem do prefeito Setembrino Pelissari que iria carrear para o projeto nada menos do que 30 milhões
de cruzeiros novos.” E no irônico artigo “Viva a Câmara”, o mesmo jornal comentou que
“A ‘Grande Vitória’ em menores proporções do que a ‘Grande São Paulo’ tem o mesmo
187
História da Câmara Municipal de Vitória
espírito na sua organização. As populações dos municípios da periferia da Capital, e desta,
estão com mais de trezentos mil habitantes e, hoje, enfrentando problemas extremamente
graves, como Vitória, sem rede de esgotos e a rede de água em estado de verdadeira calamidade”.93
A CRÍTICA POLÍTICA
Um regime militar e autoritário foi implantado no país em 1964, sem dúvida,
contudo é um equívoco se pensar que a crítica e a oposição política tenham sido extintas
repentinamente e desaparecido completamente, desde o início do regime.
Já vimos que, na Câmara de Vitória, os vereadores eleitos pelo MDB se prontificaram desde o início a colaborar com o Executivo, mantendo-se numa postura de vigilância, mas sem fazer uma oposição sistemática ao prefeito. Esse posicionamento moderado
também se refletiu na avaliação que se fazia dos governos estadual e federal, embora estes
também não estivessem isentos de crítica.
Nos primeiros dias de março de 1967, João dos Santos atribuiu às consequências
do governo de João Goulart a implantação no país de um “Governo Revolucionário”.94Mas
o pouco precavido Apolinário Marinho Delmaestro, apesar de governista, denunciou que
grupos monopolistas americanos, que tinham propriedades no Brasil, apoderavam-se dos
laboratórios químicos e massacravam o povo brasileiro “sem nenhuma compaixão”. Ao
elogiar efusivamente Juscelino Kubitschek e sua grande “capacidade administrativa” e os
grandes benefícios que trouxera para o Espírito Santo - ele que era considerado um “inimigo” do regime -, Delmaestro ainda atribuiu tudo o que acontecia de ruim no Brasil à
“Revolução Brasileira”, e taxou-a de uma “revolução de papagaios”.95 O Vereador da oposição João Carlos Simonetti se congratulou com o Sindicato
dos Professores do Estado do Espírito Santo por ter conseguido o primeiro acordo salarial
para os professores sujeitos à legislação trabalhista. Mas ele aproveitou a oportunidade para
fazer uma crítica “veemente” contra o ato do Presidente da República que determinou o
fechamento da União Espírito-Santense dos Estudantes -UESE, transferindo o patrimônio
dessa entidade para o Diretório Central dos Estudantes - DCE.96E essa não foi a única
188
A Sexta Legislatura 1967-1971
vez que Simonetti apoiou abertamente movimentos de estudantes. Em setembro de 1967,
aprovou a greve dos estudantes de Medicina, por acreditar na justiça da sua reivindicação, a
de que o Sanatório Getúlio Vargas fosse encampado pela Universidade Federal do Espírito
Santo, para servir de hospital-escola.97
Em outra linha de ação, Gerson Camata, da ARENA, criticou o projeto de Constituição Estadual, sobretudo a redação dada ao capítulo referente às atribuições dos vereadores e ao funcionamento das câmaras municipais. Carlos Magno da Silva Fraga reforçou
essa crítica ao declarar que o projeto constitucional em questão reduzia “consideravelmente a atividade dos vereadores”. Já Beraldo Madeira da Silva, também arenista, denunciou
a “humilhação com que são tratados os vereadores”. E Mário Cypreste fez um apelo à
imprensa credenciada na Câmara “no sentido de dar cobertura à campanha dos senhores
vereadores na defesa dos seus interesses”. Délio Rodrigues Corrêa, da mesma maneira,
apoiou seus colegas, enquanto que Raulino Gonçalves salientou que esse projeto feria “direitos adquiridos”, razão pela qual não podia aprová-lo. Em suma, mais prático, Raulino da
Rocha sugeriu que a Câmara entrasse em entendimento com a Assembleia Legislativa para
que fosse modificado o texto do referido capítulo.98
Alguns dias depois, Darcy Castelo de Mendonça, ao discursar, falou a respeito da
promulgação da nova constituição e lamentou que as emendas, apresentadas pelo MDB,
não tivessem alguma receptividade, uma vez que visavam corrigir as falhas existentes.99
Do mesmo Gerson Camata partiu a lembrança acerca do estado precário em que
se encontrava a rodovia que ligava Vitória a Colatina, e igualmente o apelo ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER –, com o intuito de que se desse prioridade
para o asfaltamento das rodovias do Espírito Santo que tinham na época, segundo Camata,
“trânsito muito mais intenso que outras já asfaltadas em outros estados”. Camata também
protestou contra a exclusão do Porto de Vitória das escalas dos navios de passageiros da
Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. O Vereador Darcy Castelo de Mendonça ainda
lastimou a falta de aplicação de verbas federais no Espírito Santo “enquanto somas vultosas são aplicadas em outros Estados”.100
189
História da Câmara Municipal de Vitória
Em junho de 1967, Mário Cypreste comunicou à Câmara que no mês seguinte
se realizaria a Convenção do Movimento Democrático Brasileiro. Acrescentou ainda que
no transcorrer dessa Convenção seria iniciado um movimento no Espírito Santo com o
objetivo de propor a realização das eleições diretas para a presidência da República, bem
como a anistia para os políticos cassados pela revolução. E seu colega da ARENA, Beraldo Madeira, se solidarizou com essa proposta.101Mas, em setembro de 1967, dois meses
Da esq. para dir.:
Mendonça,.
Convidado, Chrisógono Teixeira da Cruz, Apolinário Delmaestro e Darcy Castelo de
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
depois, o mesmo Beraldo Madeira da Silva se posicionou contra a realização de eleições
municipais no ano seguinte.102
Arnaldo Pratti, por sua vez, declarou que o MDB, por intermédio de sua bancada
na Câmara, assim como apoiara “as boas iniciativas do senhor prefeito municipal”, pela
mesma razão também tinha o direito de criticá-lo quando julgasse que qualquer medida
não atendia aos interesses da coletividade. E este lhe pareceu ser o caso dos gastos feitos
pelo prefeito com uma grande reportagem na revista Manchete, na qual, parecia a Pratti,
190
A Sexta Legislatura 1967-1971
que o prefeito se excedera em fazer propaganda pessoal.103Mas o governador do Estado
também não ficara isento desse tipo de crítica e, por isso, Darcy Castelo de Mendonça teceu críticas ao governador Christiano Dias Lopes por ter anunciado que viajaria ao Rio de
Janeiro de ônibus como “medida de economia”. Mendonça argumentou que o governador
poderia ter viajado de avião, “aproveitando melhor o tempo que ficaria nesta capital e que
sua viagem de ônibus não representava economia para o Estado”.104
A CÂMARA, O GOVERNO CHRISTIANO DIAS LOPES E OS INCENTIVOS FISCAIS
Uma das iniciativas mais estruturantes assumidas pelo governador Christiano
Dias Lopes foi a de buscar o apoio do governo federal com o objetivo de favorecer a entrada de recursos e investimentos no Espírito Santo. Para isso, ele contou com forte apoio
da Findes e dos empresários capixabas, mas teve também um forte apoio da Câmara de
Vitória que, em várias oportunidades, manifestou seu préstimo a essa política.
Em fevereiro de 1969, Jonas Ferreira Porfírio congratulou-se com a classe dos
empresários “pela solidariedade apresentada ao senhor governador pelos seus trabalhos
realizados no Nordeste do Brasil em favor do Espírito Santo”, os quais receberam menção
de destaque no Jornal do Brasil.105Nesse mesmo sentido, Nenel Miranda fez apreciações
sobre uma reportagem publicada em A Gazeta, no dia 27 de março de 1969, intitulada
“Federação das Indústrias reclama melhor tratamento para o Estado do Espírito Santo”.
Ao finalizar seu discurso, Miranda afirmou que apresentaria um requerimento em que pediria que fosse enviada uma moção de solidariedade ao governador do Estado e ao senhor
Jones dos Santos Neves Filho, chefe da referida federação. Nenel Miranda ainda requereu
a transcrição na ata do artigo de A Gazeta, que classificou como um “magnífico trabalho
em favor do desenvolvimento do Estado do Espírito Santo”.106
Algum tempo depois, Miranda, ao cumprimentar o povo espírito-santense por
conseguir finalmente os incentivos fiscais que tanto se almejava, considerou esse acontecimento como “fruto de grandes lutas travadas pelas Câmaras Municipais, Assembleia
Legislativa e Federação das Indústrias”. Miranda também dirigiu sinceros agradecimentos
191
História da Câmara Municipal de Vitória
“ao ministro Hélio Beltrão, ao marechal Arthur da Costa e Silva e aos ministros das três
Forças Armadas que naquele momento sucediam ao presidente da República”, “por sempre terem suas atenções voltadas para os problemas de nosso Estado”. Na mesma sessão,
Beraldo Madeira da Silva fez longas considerações sobre o decreto, que concedia incentivos fiscais ao Estado do Espírito Santo, razão pela qual, segundo ele, “os estados do Norte
e Nordeste do Brasil se levantaram contra as reivindicações de nosso Estado, mas, hoje,
graças às lutas de nosso governo, aqueles estados compreenderam que o Espírito Santo é
também Brasil”. Beraldo, ao ler e comentar cada um dos artigos desse decreto, informou a
respeito “dos benefícios milagrosos que terá o Estado do Espírito Santo, fruto de grandes
lutas travadas pelo povo, representados pelos senhores vereadores, federações, deputados
estaduais e federais, governador e senadores”. Beraldo também agradeceu aos ministros
militares, e assegurou que o Espírito Santo ficava lhes devendo “grande parcela de seu
desenvolvimento econômico”.107
Arnaldo Pratti, na ocasião, reivindicou que, na ausência do prefeito, este fosse
substituído pelo presidente da Câmara e não por alguém simplesmente indicado por ele,
e ainda se referiu aos incentivos ao se congratular com os homens responsáveis pela industrialização do Estado do Espírito Santo, que tudo faziam para a sua inclusão na área
da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE. Pratti mencionou a
SUDENE para dizer que: “Seus administradores têm se mostrado favoráveis na presença
de nosso governador, mas, na sua ausência fazem o contrário, demonstrando, portanto,
serem maus brasileiros. Em consequência desse indiferentismo, a Companhia Ferro e Aço
de Vitória vive dificuldades para se desenvolver industrialmente, tendo que, para trabalhar,
importar matéria-prima da África do Sul’. Ao finalizar o discurso, Pratti sugeriu ao “governo federal que com um pouco mais de esforço concluísse a segunda etapa das referida
siderúrgica, a fim de não mais ser necessário importar matéria-prima”.108
Em outra sessão, o mesmo Pratti criticou a imprensa por informar que o governador do Estado conseguiu incentivos fiscais para o Espírito Santo “esquecendo-se de
distribuir os méritos à Câmara e à Assembleia que, também, nunca se acomodaram com a
anterior e desanimadora situação de nosso Estado”.109Pratti reconheceu que “o governo
federal resolveu o problema de incentivos fiscais no Estado do Espírito Santo”. Pratti,
192
A Sexta Legislatura 1967-1971
porém, recordou que se convencera de que “a esperança para a solução dos problemas
econômicos do Estado era realmente o turismo”. Pratti ainda fez um veemente apelo aos
“nossos empresários para que se preparem adequadamente para receber aqueles turistas
que pretendem nos visitar”.110Boécio Pache de Faria sugeriu ao governador que firmasse
acordo com o presidente da República “no sentido de trazer incentivos fiscais para o Estado do Espírito Santo.111
A CÂMARA E O ESQUADRÃO DA MORTE
Na Câmara não se faziam somente críticas, também se produziam muitos elogios
a aspectos particulares da administração municipal e estadual. Gerson Camata, com o
apoio de Beraldo Madeira da Silva, ao ocupar a tribuna, elogiou o trabalho que era desenvolvido por José Dias Lopes à frente da chefia da Polícia, “no sentido de dar tranquilidade
à família capixaba, pondo fim à onda de crimes que há vários anos vem ocorrendo no Estado”, que cumpria assim, segundo Camata, o compromisso que assumira ao tomar posse
no cargo.112Raulino Rodrigues da Rocha, por sua vez, concordou com seus colegas ao
declarar sentir-se satisfeito “em emprestar sua colaboração à atual administração daquela
repartição estadual” e acrescentou que um dos aspectos mais positivos da gestão de José
Dias Lopes era o seu esforço para “modernizar e ampliar as instalações da Polícia civil”.113
O Vereador da oposição João dos Santos, todavia, ao protestar contra as “arbitrariedades”, que supostamente eram cometidas pelo chefe de Polícia, relatou o caso da prisão
arbitrária de um comerciante e de seu confinamento em um “cubículo” “junto com marginais e criminosos”. No mesmo dia, porém, José de Paula Rocha declarou que o chefe de
Polícia realizava um trabalho meritório, “responsabilizando os culpados”. E, na sequência,
apelou ao chefe de Polícia para que adotasse “rigorosas medidas” com relação ao funcionamento de bares suspeitos e casas de prostituição na Ilha do Príncipe.114Darcy Castelo
de Mendonça contestou os “espancamentos” feitos pela Polícia Civil.115Beraldo Madeira,
contudo, ao comentar uma informação do jornal A Gazeta, efetuou elogios à atuação de
José Dias Lopes, o chefe da Polícia Civil.116
Dois anos mais tarde, porém, em agosto de 1969, explodiram na imprensa denún-
193
História da Câmara Municipal de Vitória
cias a respeito da atuação do famigerado “Esquadrão da Morte” no Espírito Santo. FNa
Câmara, o governista Boécio Pache de Faria foi um dos primeiros a refletir sobre essas
denúncias. Ele teceu comentários sobre os “odiosos” crimes ocorridos na Barra do Jucu,
que, segundo ele, “teriam sido praticados por elementos da Polícia Civil, deixando toda
a cidade em estado de perplexidade”. Ele afirmou estar certo de que “em pouco tempo
o senhor José Dias Lopes, secretário de Segurança Pública do Estado, desvendará todo
aquele mistério”. Na ocasião, Apolinário Delmaestro foi igualmente comedido e também
teceu comentários sobre “os bárbaros crimes averiguados à margem direita da rodovia Vila
Velha-Barra do Jucu por elementos da Polícia Civil que, aproveitando a ausência do senhor
José Dias Lopes por motivo de viagem aos Estados Unidos, desmoralizaram e mancharam
o nome da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, julgando e condenando arbitrariamente à pena de morte aqueles que por eles eram considerados criminosos”.117
João dos Santos, ao protestar contra as violências e os crimes praticados por elementos da Polícia Civil, em flagrante desrespeito ao Artigo 150 da Constituição Federal,
entendeu que o inquérito dos crimes praticados pelo “Esquadrão da Morte”, de acordo
com ele, deveria “ser feito pela Polícia Federal e pelo 3º. BC para que haja isenção e imparcialidade na apuração dos responsáveis.” Seu colega Jonas Porfírio, contudo, protestou
contra as críticas feitas ao governador do Estado e ao Secretário de Segurança, seu irmão,
“por crimes praticados por quatro policiais pertencentes à Polícia Civil”. Porfírio não admitia que se colocasse a culpa “no senhor Christiano Dias Lopes Filho e no senhor José
Dias Lopes e nem que se atinjam os homens de bem que integram a nossa Polícia Civil,
pois os fatos estão sendo apurados e os responsáveis serão punidos pelo Governo e pela
Justiça”. Mesmo assim, Délio Rodrigues Correa, do MDB, estranhou não ter o Secretário
de Segurança “tomado conhecimento de crimes que eram praticados por elementos da
Polícia Civil, enquanto o governo federal, instalado em Brasília, no propósito de bem governar, toma conhecimento de todas as ocorrências registradas em qualquer parte do país”.
Délio afirmou ainda que gostaria que o governo revolucionário designasse para presidir o
inquérito do “Esquadrão da Morte” o coronel Dirceu Bittencourt de Sá, uma vez que este
demonstrou, ao comandar a Polícia Militar do Espírito Santo, “competência, honestidade,
imparcialidade e sobretudo vontade firme de servir ao governo revolucionário que em boa
hora foi implantado no país”.118
194
A Sexta Legislatura 1967-1971
Poucos dias depois, quando João Carlos Simonetti voltou a abordar esse assunto,
diagnosticou que o detetive Fernando Schwab não era “o elemento indicado para presidir
o inquérito de tais crimes, porque, segundo suas próprias declarações, dadas à imprensa,
está sendo vítima de pressões que o impedem de prosseguir ao referido inquérito”.119Três
dias depois, Simonetti, comentou uma reportagem, publicada no jornal A Tribuna, de autoria do jornalista e estudante de Direito Ewerton Guimarães, com o título “A Violência
em Nome da Lei”. Esse jornalista entrevistara os “espancados e maltratados pela Polícia
Civil” e conseguira retratar “horríveis atos praticados pelos nossos mantenedores da ordem” e, por isso, Simonetti advertiu que se não houvesse “um rigoroso inquérito sobre
tais acontecimentos, todos nós estaremos sujeitos a sofrer as mesmas consequências”. Para
finalizar, Simonetti protestou contra o “Título de Honra ao Mérito dado ao Secretário de
Segurança Pública deste Estado”. Mas seu colega Nenel Miranda, enquanto por um lado
afiançou que o “mistério será desvendado por uma eficiente comissão de inquérito, a fim
de salvaguardar a honra e a boa integridade moral de bons policiais integrados à nossa Polícia Civil”, por outro elogiou a administração de José Dias Lopes, que, segundo ele, “acabou com o marginalismo, reformulou o método de trabalho e equipou modernamente o
sistema de comunicação da Central de Polícia”. José de Paula Rocha ao comentar as “grandes manchetes jornalísticas” assegurou que tais acontecimentos “propiciaram aos políticos
de oposição chance para criticar o governo”, contudo, de acordo com Rocha, “homens
de bom senso, mesmo estando do outro lado, não aplaudirão tais acontecimentos”. Ele
ainda enfatizou que era contrário à violência, mas solicitou à oposição que reconhecesse
que o governo, por meio do secretário de Segurança, de policiais íntegros e do quadro de
funcionários do Tribunal de Justiça estava “procurando dar tranquilidade à comunidade,
reprimindo aqueles que nos são perigosos”. Ele solicitou que a oposição confiasse “nos cidadãos que funcionam nos inquéritos contra a violência, isso porque em tempo oportuno
eles darão os resultados adequados dos acontecimentos”.120
Arnaldo Pratti, do MDB, entretanto recordou-se de um detalhe importante a respeito do assunto. Ele lamentou os acontecimentos provocados pelo “Esquadrão da Morte” que não só eliminara estupidamente “muitas vidas”, como ainda chegara “ao ponto de
provocar o barateamento dos terrenos da Barra do Jucu”. Pratti pediu o afastamento do
secretário de Segurança a fim de propiciar ambiente favorável à apuração dos fatos, e ape-
195
História da Câmara Municipal de Vitória
Assessores, Carlos A.Viana Freire, Gerson Camata, Setembrino Pelissari, Chrisógono
T. da Cruz, Walace V. Borges e Arnaldo Pratti.
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
lou pela intervenção da Polícia Federal na solução do problema. Ao finalizar seu discurso,
Pratti também não isentou a imprensa e “determinados jornalistas” de críticas, uma vez
que “deram notas dizendo que a Câmara Municipal de Vitória e a Assembleia Legislativa
do Estado aproveitam-se de cadáveres para fazer demagogia, esquecendo aqueles colunistas de enaltecer o insano trabalho deste órgão Legislativo para manter a paz e a ordem de
nosso Estado”.121
O ATO INSTITUCIONAL Nº 5 – AI-5
Durante esta legislatura, ocorreu no plano nacional a grave mudança institucional
representada pela edição do famoso AI-5, em 13 de dezembro de 1968. O regime militar
instaurado em 1964 “endureceu”.
A Câmara de Vitória, ao reiniciar o seu funcionamento em 31 de janeiro de 1969,
reelegeu para a presidência da Mesa o Vereador Beraldo Madeira da Silva, praticamente
sem oposição, fato que não ocorrera nos anos anteriores.
196
A Sexta Legislatura 1967-1971
Desse clima político prevalecente no país e na Câmara, dá conta a mudança de
atitude dos vereadores diante das celebrações do “Dia 31 de março”, a data em que se comemorava o aniversário da Revolução de 1964.
Em 31 de março de 1968 não se realizou a sessão ordinária na Câmara, mas no
dia seguinte, 1º. de abril, Mário Cypreste, da oposição, congratulou-se com Argilano Dario,
conspícua liderança da oposição política no Estado, que assumira como deputado federal
em substituição ao deputado Mário Gurgel – licenciado por problemas de saúde - e que
era na verdade um dos maiores líderes da oposição “radical” no Estado. Durante a licença para tratar de uma hepatite, Gurgel declarou em carta escrita a um jornalista que ele
viera para a Câmara “com o compromisso de lutar pela redemocratização do Brasil e pela
pacificação da família política com a anistia ampla e irrestrita, pelo direito sindical e pela
ampliação do ensino universitário.”122Gurgel ficou surpreso ao perceber que na primeira
lista de políticos cassados após a edição do AI-5 não constava o seu nome. Mas no dia 9 de
fevereiro de 1969 seu mandato foi efetivamente cassado e seus direitos políticos suspensos
por dez anos. 123
O clima político havia se alterado de forma decisiva no país e no Espírito Santo.
E foi talvez por esse motivo que a comemoração do “Dia 31 de março”, no sétimo aniversário da revolução, mudou de ênfase.
Já no dia 5 de fevereiro de 1969, o polêmico Vereador Apolinário Delmaestro fez
considerações sobre grupos de sonegadores de impostos que atuavam no Espírito Santo e
aproveitou a oportunidade para depositar suas esperanças na revolução, que, segundo ele,
vinha “punindo severamente esses tubarões que se enriquecem ilicitamente”.124
Todavia seu colega Boécio Pache de Faria, no dia seguinte ao do anúncio da
cassação de Mário Gurgel, foi mais claro ainda e lamentou que “em pleno vigor dos atos
constitucionais” em que o objetivo fundamental seria, segundo ele, “a restauração democrática do país”, um determinado jornal da capital, que Boécio não cita expressamente,
tenha criticado o governador do Estado, Christiano Dias Lopes, “taxando-o de demagogo,
simplesmente por ter ido ao Nordeste fazer reivindicações em favor do nosso Estado”.
197
História da Câmara Municipal de Vitória
Para Boécio, ao contrário: “O que S. Exª. fez não foi demagogia e sim um ato bastante louvável. Foi pedir recursos para o Espírito Santo e procurou justamente aqueles que os têm
para nos dar”. Na continuação, Boécio ainda afirmou que a revolução “não foi feita para
se ter medo. Sua única finalidade é restituir o respeito democrático e a integridade política
daqueles que realmente os merecem.” Ressalte-se que não ocorreu nenhuma palavra sobre
a cassação do líder político capixaba e muito menos sobre os interrogatórios que estavam
acontecendo no quartel de Vila Velha.125
Nesse contexto ficava cada vez mais difícil e complicada uma atuação de oposição
no parlamento municipal, e quem primeiro refletiu isso foi João dos Santos. Ao justificar a
atuação de seus colegas Darcy Castelo de Mendonça e João Carlos Simonetti, que tinham
ideais semelhantes aos seus, informou que esses vereadores, do partido de oposição, não
apresentavam projetos “porque não são demagogos”. Ele afiançou ainda que “jamais fará
acordo ou demagogia apoiando outros políticos” e que se fosse necessário “ser sacrificado
pelo povo” ele estaria sempre “pronto a esse sacrifício”.126
Poucos dias depois, o mesmo João dos Santos voltou a expressar o seu mal-estar
e disse que se julgava no direito de criticar o prefeito “porque também o elogia quando
merece”. Ele, além do mais, assegurou que não tinha “nada contra o senhor prefeito, tampouco contra o senhor governador”, mas lhe parecia ser um fato que Setembrino Pelissari
“não tem feito uma boa administração”, embora admitisse que ele trabalhava até “mais um
pouco” do que o governador. João dos Santos não só disse que a administração ia mal,
como também declarou que a prova disso era que vários funcionários “não comparecem
à repartição”. Em seguida, ao rebater as acusações de um colega seu, segundo a qual ele
reclamava do prefeito “por não receber a remuneração atrasada”, João informou que não
dependia de “dinheiro de política”, que em sua “profissão de advogado ganhava algum
dinheiro” e até já conseguira “comprar um carro, e se recebesse todo o dinheiro das causas
patrocinadas, poderia até comprar um ‘Galaxy’”. Além do mais, afiançou que como profissional já fora “convidado para defender causas em quase todos os municípios do Estado,
também tem cliente até no Estado da Guanabara”. Ao concluir seu dramático discurso,
Santos congratulou-se com o presidente da República “pela medida simpática, tomada por
meio de portaria, disciplinando as taxas escolares”.127
198
A Sexta Legislatura 1967-1971
No dia 10 de março de 1969, ao deixar o exercício de seu mandato para fazer
tratamento de saúde, João dos Santos – que seria substituído pelo jornalista Sérgio Ricardo
Rocio - ainda proferiu outro discurso, no qual, além de reafirmar a sua posição, historiou
o seu posicionamento na Câmara. Ele assegurou que havia criticado tanto a administração
federal quanto a estadual e a municipal, “assim como também as elogiou desde que merecessem”. Entretanto, declarou que nos últimos tempos tinha “aplaudido algumas medidas
simpáticas do governo federal, com relação à cassação de alguns políticos profissionais,
taxas escolares”. Além do mais, em relação à administração estadual, elogiara não só as medidas tomadas pelo secretário de Segurança Pública como também aquelas que se referiam
às obras em andamento, como as da restauração do Teatro Carlos Gomes. E finalmente
confirmou que deu parecer favorável a todas as medidas da administração municipal que
julgou “lógicas e racionais”, e ainda que das mensagens do Executivo, a única contra a qual
se opusera fora a da “Grande Vitória” “por causa de uma cláusula instituindo uma comissão por tempo indeterminado”.128
Mas foi justamente na comemoração do “Dia 31 de março” que esse “estado de
espírito”, prevalecente na Câmara após a edição do AI-5, se manifestou com toda a clareza. Na data em que se completavam cinco anos da eclosão da revolução, o combativo
Darcy Castelo de Mendonça criticou alguns vereadores da ARENA, visto que pretendiam
suspender a sessão em homenagem à data do aniversário da revolução, e declarou que esse
dia “seria mais eficientemente homenageado nesta casa”. José de Paula Rocha não só rendeu “efusivas homenagens à “Revolução de 1964” como ainda disse que ela “modificou
radicalmente o sistema governamental do Brasil”. Rocha garantiu que, após a revolução, “a
justiça tem vindo de cima para baixo, fato inédito no país”, e que além disso “os homens
da revolução têm procurado dar ao Brasil um novo caráter, colocando-o numa posição de
destaque perante as grandes nações do mundo.” O Vereador Gerson Camata se referiu à
carta do “Presidente da Revolução” (sic) “declinando-se das homenagens que lhe pretendiam fazer quando em vida, com a denominação do edifício da Caixa Econômica desta
capital de Edifício Presidente Castelo Branco”. A seguir, Camata “fez comentários sobre
uma série de efeitos benéficos advindos da revolução, cujo quinto aniversário se comemora
hoje, para o desenvolvimento econômico-financeiro do Brasil”. Raulino Rodrigues da Rocha também se reportou ao ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, que, em
199
História da Câmara Municipal de Vitória
Da esq. para dir.:
Chrisógono T. da Cruz, Nenel Miranda, Walter Miranda e Gerson Camata.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
sua opinião, “com a revolução baniu do Brasil todos os maus brasileiros”, e enfatizou que
“neste país, não há mais lugar para os comunistas”.129
No fim de alguns dias, porém, o assunto “Revolução de 64” voltou a ser abordado por outros vereadores. José de Paula Rocha destacou o trabalho realizado pelo ex-presidente Castelo Branco - “de saudosa memória” - a favor dos municípios na “participação
direta nas arrecadações da União, considerando-o como um dos maiores municipalistas do
país.” Em seguida, Darcy Castelo de Mendonça asseverou que o prefeito municipal não
havia “empreendido política revolucionária administrativa”, entretanto essa forma de política estava “muito bem desempenhada pelas Forças Armadas do Brasil, Exército, Marinha
e Aeronáutica, que juntos têm trabalhado dinamicamente, para o progresso e desenvolvimento da nação”.130
Todavia, mesmo vereadores “extremamente” críticos e polêmicos com relação
à administração municipal e a estadual, adotavam uma postura favorável ao regime vi-
200
A Sexta Legislatura 1967-1971
Sessão Ordinária no quarto andar do Edifício Glória. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
gente. O polêmico Clério Vieira Falcão, por exemplo, congratulou-se com o ministro da
Justiça, com o presidente da República e com a revolução “por estarem envidando todos os
esforços e meios legais no sentido de banir todos os maus políticos do Brasil”.131 João dos
Santos afirmou que se o Brasil não andava bem não era por culpa de imperialistas nem de
esquerdistas, “mas por culpa de maus brasileiros”. Ressaltou que a situação de crise econômica já não existia “porque a gloriosa revolução procurou expurgar os maus elementos da
sociedade”. Ao concluir, Clério Falcão congratulou-se com o governo federal, não só por
focalizar o orçamento educacional como também por estimular o Projeto Rondon, cuja
área principal de ação era no Estado do Amazonas e, por isto era necessário que “todos
nós brasileiros ajudemos este governo que quer realmente melhorar o Brasil”.132João Carlos Simonetti, outro Vereador do MDB, se referiu “às novas esperanças do povo brasileiro
ao ouvir, por intermédio da imprensa, as ponderadas e sábias palavras do novo presidente
da República, que teve a coragem de afirmar que não vivemos num governo de regime
democrático”, e destacou ainda uma das célebres frases proferidas pelo novo presidente:
“Ao invés de atirar pedras no passado, vamos ajuntá-las para construir o nosso futuro”.
201
História da Câmara Municipal de Vitória
Simonetti afirmou igualmente que “as máculas do passado devem ser esquecidas, e é mister
que se unam as classes para que seja construído um futuro em ritmo de Brasil Grande”.133
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 240 leis classificadas da seguinte forma:
01. Obras públicas: 2
02. Estrutura Organizacional: 2
03. Subvenções e auxílios: 1
04. Tributos, isenções, correções, taxas: 5
05. Utilidade pública: 29
06. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas e bairros: 101
07. Cargo público, gratificação, salário e vencimento: 15
08. Pessoal, aposentadoria: 3
09. Orçamento: 11
10. Contrato, convênio, acordo: 6
11. Comenda, medalha, prêmio, troféu, data comemorativa: 1
12. Patrimônio Municipal, permutas, compras, vendas, doação, licenças: 20
13. Necrópole: 2
14. Posturas: 6
202
A Sexta Legislatura 1967-1971
15. IBWP – Instituto Beneficente Washington Pessoa: 1
16. Transporte Coletivo: 6
17. Cidadão Vitoriense: 26
18. Operação de Crédito: 1
19. Plano Plurianual: 1
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 1757, de 4 de setembro de 1967: Cria o Serviço de Educação e Cultura,
subordinado ao Gabinete do prefeito.
 LEI 1776, de 13 de dezembro de 1967: Regulamenta o processo de outorga
de permissão para o Serviço de Transporte Coletivo de Passageiros no município de Vitória.
 LEI 1781, de 18 de dezembro de 1967: Autoriza entendimentos com o Governo do Estado, Ministério de Viação e Obras Públicas, Capitania dos Portos de Vitória e
Departamento Estadual de Estradas de Rodagem, para constituição de Comissão Técnica,
visando os estudos necessários a construção de ponte sobre o canal de acesso que liga o
Município de Vitória a Vila Velha.
 LEI 1793, de 22 de fevereiro de 1968: Autoriza o Executivo a permitir a
construção de uma avenida ligando a Praia Comprida a Ilha do Frade, nos termos do projeto aprovado pelo Ministério da Marinha.

Urbanos.
LEI 1862, de 12 de novembro de 1968: Cria o Departamento de Serviços
 LEI 1920, de 5 de setembro de 1969: Obriga as empresas de transporte coletivo a manterem um ônibus circulando de uma em uma hora, no período compreendido
203
História da Câmara Municipal de Vitória
entre 0:00 horas até 5:00 horas da manhã.
 LEI 1933, de 30 de dezembro de 1969: Extingue a partir de 30 de outubro
de 1969 a participação de servidores municipais no produto da arrecadação de tributos e
multas da PMV e dá outras providências.
204
CAPÍTULO VII
A SÉTIMA LEGISLATURA
1971 - 1973 O início da gestão de Chrisógono Teixeira da Cruz
A Sétima Legislatura 1971-1973
UMA LEGISLATÚRA MUITO CURTA
A sétima legislatura, programada antecipadamente para durar apenas dois anos,
como de fato ocorreu, iniciou-se no dia 31 de janeiro de 1971, com a Sessão de Instalação
realizada ainda no quarto andar do Edifício Glória, no centro de Vitória.
Na verdade, vários vereadores haviam se manifestado anteriormente contra a
determinação federal que estabeleceu o mandato de apenas dois anos. Em 1970, Izildo
Alvarino, por exemplo, apelou ao presidente da República para que ele prorrogasse os
mandatos dos atuais vereadores de todas as capitais, ou pelo menos de Vitória, em vista
do curto período da legislatura e da falta de atendimento de obras nos bairros, que isso
implicava.01E seu colega José Ubaldo Pimentel, mais explícito, afirmou que em vista “de
ser curto”, o período da legislatura teria que exigir do prefeito “todo empenho no sentido
de executar as obras de grandes necessidades nos bairros da capital, para não ficar desmoralizado frente à população”.02
Foram eleitos os seguintes vereadores: Arnaldo Pratti, Clério Vieira Falcão, José
Ubaldo Pimentel, Adir Sebastião Baracho, Nicanor Alves dos Santos, Carlos Alberto Viana
Freire, Izildo Alvarino, Raulino Rodrigues da Rocha, José Maria Ramos Gagno, José de
Paula Rocha, José Manoel Nogueira de Miranda, o mais votado, Ademir Antunes, Claudionor Lopes Pereira, Apolinário Marinho Delmaestro e Nicanor Alves dos Santos.
Com sete votos, Arnaldo Pratti do MDB foi eleito para a presidência da Mesa
contra seis dados ao seu adversário da ARENA, José Ubaldo Pimentel. O vice foi José
Maria Ramos Gagno, enquanto para 1º. secretário foi escolhido Clério Vieira Falcão; para
2º. secretário, Ademir Antunes; para 3º. secretário, José Ubaldo Pimentel. Assim, o velho
MDB fazia pela primeira vez em sua curta história a Mesa da Câmara Municipal.03
O primeiro orador da primeira sessão ordinária foi o experiente militar aposentado Nicanor Alves dos Santos, que chamou a atenção para os problemas de Tabuazeiro e
207
História da Câmara Municipal de Vitória
Itararé, bairros que ele supostamente “representava”. Nicanor apelou também ao governador que deixava o cargo, Christiano Dias Lopes Filho, para que interviesse na questão
da fixação dos preços da água pela Cesan, cujas tarifas, se dizia, seriam “consideravelmente
majoradas”. Logo em seguida, seu polêmico colega Clério Vieira Falcão, também originário dos quadros da polícia, solicitou a reconsideração do “aumento extorsivo das tarifas”
da Cesan, mas lembrou igualmente a situação deplorável dos detentos da Chefatura de
Polícia. Ele não só elogiou o presidente Emílio Garrastazu Médici e a “monumental obra
da Transamazônica” como ainda prometeu ser um “defensor intransigente dos preceitos
democráticos adotados em nosso país”.04
Esses dois vereadores, ambos originários da polícia, fariam um contraponto entre
si nesta legislatura. Nicanor, por sua consistente, mas comedida defesa da administração
municipal, e Clério Falcão, por sua sistemática oposição ao prefeito Chrisógono Teixeira
da Cruz. Tanto que já bem perto do fim de seu curto mandato os dois se engalfinharam
mais uma vez numa áspera discussão.
Em setembro de 1972, quando já se estava em plena campanha eleitoral para as
eleições que logo mais se realizariam, Nicanor, ao referir-se ao procedimento de Falcão,
fez “críticas e ataques à administração municipal”, e disse que ele assim o fazia “em razão
de o senhor prefeito municipal estar realizando obras cuja realização não interessava ao
Vereador, uma vez que restringe o seu campo de atuação demagógica”. Acrescentou ainda que Falcão era “um caluniador barato e contumaz na sua campanha política, arrasta e
desonra as pessoas de destaque de nossa vida pública, como no caso do seu requerimento
apresentado à presente sessão, de ataques ao Dr. Antônio Dias de Souza, presidente do
IAPJM”. Em sua defesa, Falcão declarou que o seu interesse era que houvesse “mais respeito às leis por parte do Executivo municipal”, e que “no caso presente, se houve convênio para execução das obras de calçamento das partes internas do conjunto habitacional
construído pelo IAPJM, este deveria, em cumprimento à lei ter sido apreciado por esta
Câmara”. Falcão ainda fez, como era de seu feitio, uma bombástica denúncia. Afirmou que
havia recebido um telefonema de “determinada pessoa”, que não se identificou, “dando-lhe ciência de que um funcionário graduado da Prefeitura Municipal de Vitória, promoveu
reparos e melhoramentos em seu (sic) apartamento em Jardim Camburi, com material da
208
A Sétima Legislatura 1971-1973
Prefeitura e, inclusive, também com operários da municipalidade”. Falcão convidou seus
pares “para visitarem o local para certificar-se da verdade da denúncia que ora fazia, uma
vez que, assim que a recebeu, procurou cientificar-se da verdade dos fatos”. O Vereador
Nenel Miranda usou a tribuna para explicar as razões pelas quais tanto a ARENA quanto o
MDB tinham rejeitado os requerimentos do Vereador Clério Vieira Falcão, e asseverou que
“as proposições deste Vereador” eram calcadas na “mentira, com o propósito de denegrir
a integridade dos homens públicos de nossa cidade”.05
Ademir Antunes, assessor, Chrisógono T. da Cruz, Clério Falcão, Arnaldo Pratti,
Walace V. Borges, Izildo Alvarino e sobrinho de Lauro Cypreste.
Da esq, para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Com sua atuação extremamente “polêmica”, Falcão marcaria de forma indelével
esta curta legislatura, pelas atitudes questionáveis que assumiu e pelas críticas nem sempre
coerentes que fez. Ele começou sua atuação fazendo referência e enaltecendo as administrações municipais anteriores de Sérynes Pereira Franco e Adelpho Poli Monjardim, mas
“desmereceu” a administração de Setembrino Pelissari “por razão de haver dado início
a inúmeras obras, deixando-as quase todas inacabadas”.06Todavia, antes de terminar seu
mandato, Falcão se tornaria um ardente defensor da administração de Pelissari.
209
História da Câmara Municipal de Vitória
Logo após o início da legislatura, Falcão, ao se referir aos “aumentos abusivos”
da Cesan, fez ao mesmo tempo “severas denúncias à direção daquela autarquia”. Ele criticou também o governador “pela falha gritante do atraso de seis meses no pagamento dos
professores primários”. Ao justificar a sua renúncia da 1ª Secretaria, para a qual havia sido
eleito por seus colegas do MDB, Falcão declarou que a Mesa “não o ouviu para a nomeação do diretor geral da Câmara, quando se julga o membro da Mesa mais indicado para
tais assuntos”. Outra razão para sua renúncia era por causa “de várias portarias baixadas
sem também que fosse ouvido, dentre as quais algumas privam os funcionários da Casa de
certas regalias”. Falcão, que era uma verdadeira “metralhadora giratória” não se contentou
apenas com essas críticas e também fez acusações aos seus colegas de partido, em que atingiu diretamente o vice-presidente José Maria Ramos Gagno, a quem ele taxou de “venal”,
“além de outras duas acusações”, que o escrivão julgou de bom alvitre não transcrever na
ata da Câmara. Outro Vereador também atingido diretamente foi Izildo Alvarino, líder do
MDB, qualificado por Falcão de “líder robô, teleguiado pelo Vereador José Maria Ramos
Gagno”. Falcão apenas excetuou de suas críticas Adir Sebastião Baracho. Em resposta a
ele, Gagno admitiu que realmente foram baixadas algumas portarias pela Mesa Diretora,
mas com a finalidade de “disciplinar a ordem nesta Casa”. Ele igualmente admitiu que realmente existia uma portaria, determinando o uso de traje condigno ao Legislativo de uma
capital, porém, “estes atos não são lesivos aos direitos de ninguém, são simplesmente atos
normativos para o bom andamento dos trabalhos desta Casa”. Ao defender-se das acusações pessoais de Falcão, Gagno afirmou que “jamais foi chamado a prestar depoimento
perante a DPO porque sempre procurou preservar a ordem e acatar as determinações do
poder constituído”. Gagno disse, finalmente, que o Vereador Clério Falcão, “sendo de
procedência humilde, vivendo longos anos como motorista da Superintendência de Polícia
e tantos outros como prestamista, e, finalmente, conseguiu alcançar o cargo de Vereador,
julga-se, portanto, com o direito de passar por cima dos colegas e do Regimento Interno
desta Casa”. Mas o Vereador José Ubaldo Pimentel refutou da mesma forma as palavras
de Clério Falcão que lhe foram dirigidas “porque sempre procurou elevar sua dignidade e
caráter muito antes de pensar em vir para esta Casa.”07
O Vereador Izildo Alvarino também se defendeu das acusações “pejorativas” de
Falcão. De forma muito comedida, mas com veemência, Alvarino afirmou que pelo menos
210
A Sétima Legislatura 1971-1973
procurava “desempenhar fielmente seus deveres, sob o signo do Evangelho e sem proferir
blasfêmias contra o seu próximo”.08
Incansável, na sessão seguinte, Falcão voltou a atacar, desta vez abordando um
assunto de grande relevância para a cidade. Ele denunciou que a Usina de Pelotização,
situada no Porto de Tubarão, vinha “poluindo o ar, afetando sensivelmente as famílias que
moram no bairro da Praia Comprida”. Falcão, contudo, aproveitou para criticar o governador do Estado “por irregularidades da Chefatura de Polícia e por inaugurações pomposas
de obras cujo mérito deveria ser atribuído aos três últimos governos que o antecederam”.09
Dessa vez, porém, e infelizmente, suas críticas ficaram sem resposta.
Em virtude disso, menos de uma semana depois, Falcão protestou contra a falta
de providências da Companhia Vale do Rio Doce, “para evitar que o pó de minério do cais
de Tubarão prejudique a população da Praia do Canto e Praia Comprida”.10Coonestando
a denúncia feita por Falcão, Nenel Miranda comentou o problema da poluição do ar e sugeriu que o cientista Augusto Ruschi fosse convidado pela Câmara para fazer uma palestra
sobre o tema.11Falcão entrou com um requerimento e solicitou ao ministro do Trabalho
autorização no sentido de que determinasse ao Departamento de Higiene e Trabalho o
levantamento da área insalubre da Usina de Pelotização do grande cais de minério da Vale
do Rio Doce. Em seu apoio, Izildo Alvarino alegou que o requerimento de Falcão deveria
ser aprovado “por se tratar do interesse do trabalhador que vive em ambiente insalubre
provocado por excesso de cal no cais de Tubarão”. Mas o adversário de Falcão, José Ubaldo Pimentel, afirmou que o requerimento de Falcão não seria necessário “em vista da
existência de investidor, fazendo levantamento a fim de equacionar o problema existente
na referida área”.12
O mesmo Pimentel, no entanto, se manifestou contra o Executivo municipal por
pretender cancelar os débitos em dívida ativa da Companhia Vale do Rio Doce, dizendo
que essa companhia “nada fez em favor de nossa cidade” e que lhe parecia lícito “pagar o
que se deve”, principalmente no caso dessa Companhia que tinha, segundo ele, recursos
suficientes para quitar suas dívidas. Carlos Alberto Viana Freire, porém, afirmou que a
Companhia Vale não pagou na época apropriada “porque não sabia se estava em região
211
História da Câmara Municipal de Vitória
pertencente ao município de Vitória ou da Serra”. Na realidade, a Companhia já havia pago
para a Prefeitura da Serra e por esse motivo ela, por meio de seus advogados, solicitara o
cancelamento de suas dívidas.13Mesmo assim, Izildo Alvarino considerou a isenção solicitada “inadmissível”, uma vez que a Companhia não necessitava disso, ao contrário, quem
precisava era o município “porque deve milhões de cruzeiros à Santa Casa de Misericórdia,
e esta não mais vem prestando atendimento aos mendigos e indigentes da cidade”.14
Falcão condenou o governo estadual pelo descaso não só com os professores
primários como também com o pessoal da Polícia Civil, “enquanto outros funcionários
são altamente privilegiados”. E disse ter sido criticado quando fez denúncias quanto à
qualidade da água que o antigo DAE distribuía aos usuários, “mas na realidade esta água
é podre e, sobretudo, é a mais cara do mundo”. Ele também lamentou ser esquecido pela
imprensa “porque defende a causa do povo, porém, se em seus pronunciamentos elogiasse os burgueses oferecidos pelo senhor governador, sem dúvida seria alvo de manchetes
nos jornais desta cidade.”15Em relação aos professores primários, Falcão foi de opinião
que eles recebiam “minguado salário, que se resume na má nutrição de suas famílias”.16E
quanto à tarifa da água, Falcão foi ao ponto de apelar à população para que não pagasse
suas tarifas uma vez que o Conselho Interministerial de Preços – CIP–, não tomara conhecimento do aumento.17
Outra questão polêmica levantada por Falcão se referia à construção de barracos de madeira na cidade. Ele denunciou que o prefeito ameaçava aqueles que residissem
em barracos de madeira, “prometendo derrubá-los, caso os moradores não os pintassem
em prazo determinado”. Falcão foi de opinião que o prefeito queria levar a população à
miséria, “colocando os lares dos humildes em desespero”.18Noutra ocasião, ele chegou a
colocar-se à disposição “daqueles que desejarem construir barracos de madeira em seus
respectivos terrenos, garantindo-lhes licença para a devida construção”. Mas o seu colega
José de Paula Rocha discordou dele ao declarar “ser crime a construção de barracos clandestinos” e também que a Lei 351 permitia a construção dos barracos em terrenos afastados da cidade, no entanto “nenhum prefeito permitira essas edificações”.19Claudionor
Lopes Pereira, porém, solicitou a legalização dos terrenos e dos barracos construídos no
terreno que a Prefeitura havia doado à Ufes, nos bairros de Santos Dumont, Bonfim,
212
A Sétima Legislatura 1971-1973
Itararé e Engenharia “porque a Ufes não quis construir naquele local”.20José Maria Gagno criticou o prefeito em virtude de sua intransigência, ameaçando derrubar os barracos
comerciais “sem oferecer aos seus proprietários uma outra solução para que eles possam
atuar em outro setor”. De acordo com Gagno, o prefeito deveria agir a fim de evitar criar
“uma crise social”. Seu colega José Ubaldo Pimentel também discordou do prefeito e solicitou que se estudasse “as possibilidades de não prejudicar as pessoas humildes, porque
elas necessitam de ajuda e principalmente compreensão.”21
Essas discordâncias pontuais com a atuação do prefeito Chrisógono Teixeira da
Cruz se intensificaram com a notícia, transmitida ao plenário por Gagno, de que a Fiscalização Municipal levara “as cadeiras de engraxates dos aleijados e os carrinhos de churrascos dos proletários que sustentam as suas famílias com esses humildes trabalhos”. Gagno
informou que o prefeito praticou um ato de violência “contra esses pobres homens”.
Como era previsível, recebeu apoio do indefectível Clério Vieira Falcão, e ainda de Izildo
Alvarino, que apontou a revolta dos vendedores ambulantes do Mercado da Vila Rubim.
Segundo Alvarino, “dias atrás, eles superlotaram a galeria da Casa, queixando-se da Fiscalização Municipal por haver proibido a venda de limões e temperos dos menores e adultos
no interior do Mercado”. Para Izildo, engraxates, vendedores de laranja e de churrasco
“não querem partir para o roubo, desejando apenas trabalhar em prol da manutenção de
seus familiares”. Entretanto, o corajoso Nicanor Alves dos Santos defendeu a Fiscalização
Municipal com o argumento de que “o ambulante não pode em hipótese alguma estacionar
as suas bancas em frente das lojas porque os comerciantes pagam rigorosamente os seus
tributos, não lhe parecendo injusta a decisão tomada pelo prefeito municipal”.22
Contudo, no dia seguinte, o mesmo Gagno comunicou que o prefeito Chrisógono Teixeira da Cruz telefonara para a Câmara, para informar que autorizara a Fiscalização
a restituir os materiais dos respectivos donos. Entretanto, Gagno afirmou novamente que
o prefeito criara uma “crise social”, no que o colega Raulino Rodrigues da Rocha concordou com ele ao criticar as “arbitrariedades” cometidas. Para Rocha: “Essas criaturas
estão ligadas ao município, pagam os seus tributos há longos anos, e somente agora eles
vêm alegar que os ambulantes sujam as ruas da cidade. Ao contrário. Esses cidadãos prestam um relevante serviço à coletividade. Prestam informações a visitantes, auxiliam aos
213
História da Câmara Municipal de Vitória
Da esq. para dir.:
Izildo Alvarino, José Maria R, Gagno, Ademir Antunes e convidados.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
transeuntes”.23Pouco tempo depois, Carlos Alberto Viana Freire comunicou que o Tribunal de Justiça havia concedido liminar ao mandado de segurança, impetrado em favor dos
vendedores ambulantes que tiveram seus barracos destruídos pela Fiscalização.24
Clério Falcão acabou por se indispor completamente com o prefeito municipal
e também com a maior parte de seus colegas quando informou que o prefeito era “proprietário de vários terrenos situados à margem da avenida Beira-Mar, razão pela qual irá S.
Exª. fazer a restauração da avenida, somente para valorizar a sua propriedade. Entretanto,
deixa os humildes passando sérias privações em consequência do derrubamento de seus
barracos”. Nesse momento, o presidente Arnaldo Pratti advertiu o orador pelo “sáfaro”
pronunciamento e a seguir suspendeu temporariamente a sessão. Ao ocupar novamente a
tribuna, nesse mesmo dia, Clério Falcão afirmou que a sua voz desagradava porque falava
“em prol da população”.25
No mês seguinte, Falcão, ao retomar o tema de sua denúncia, assegurou que “S.
214
A Sétima Legislatura 1971-1973
Exª. ocupa o cargo de prefeito municipal a fim de fazer o seu jogo político”, e que, além
disso, realizava a urbanização da “área de Camburi para valorizar terrenos de sua propriedade”. Na opinião de Falcão, o prefeito deveria “olhar para o bairro de Santa Marta, cujas
ruas estão em péssimas condições, em virtude do desvio de verbas para calçamento”.
Ainda confirmou que o prefeito negara o pagamento do “abono aos operários da municipalidade”, ao viajar “para o Rio de Janeiro para depois dizer que foi tratar de assuntos da
Prefeitura Municipal”. Ao concluir o discurso, Clério Falcão afirmou que já por duas vezes
recebera “convite de S. Exª. para beber uísque e comer puã de caranguejo em determinado
local”.26
No entanto, após alguns dias, Falcão, ao criticar mais uma vez o prefeito, informou do suposto desaparecimento “de tratores, patrol, pá mecânica e vinte milhões das
verbas destinadas à manutenção dos operários”. José de Paula Rocha, nesse momento,
usou a tribuna para declarar que “existem elementos que gostam de fazer política construtiva, e outros gostam de fazer política com sensacionalismo, atirando pedras nos outros”.
Na realidade, Rocha confirmou que não acreditava que o prefeito desviasse “material da
municipalidade”. Contra Falcão também protestou Claudionor Lopes Pereira, que asseverou que ele não tinha “decência com as autoridades, principalmente com o senhor prefeito
municipal de Vitória, porque mediante acusações contra o chefe do Executivo, cabe a este
poder providenciar uma Comissão de Inquérito para averiguar as irregularidades. Porque,
se o senhor prefeito estiver desbaratando dinheiro do cofre e consumindo com os maquinários, terá por certo a sua punição.” Carlos Alberto Viana Freire proclamou que o Vereador Clério Vieira Falcão procurava “aparecer de qualquer jeito, lançando-se contra os seus
próprios colegas e até mesmo contra o senhor prefeito municipal, um homem culto que só
pensa melhorar a nossa cidade”. Freire, ao concluir o discurso, afiançou que “os tratores”
encontravam-se “em pleno funcionamento nas obras da municipalidade”.27
Falcão, entretanto, passou a criticar o prefeito acerca da sua “suposta pretensão”
de dispensar alguns funcionários do quadro municipal, por meio de projeto de lei. Falcão
se manifestou acintosamente contra o projeto, o que levou seu colega José de Paula Rocha
a reagir e dizer o quanto lamentava vê-lo entre os demais colegas, “provocando tumultos e
até mesmo procurando envolver-se com os problemas dos vereadores”. Para Rocha, “cada
215
História da Câmara Municipal de Vitória
um deseja equacionar os problemas de seu bairro, com o chefe do Executivo, para bem
servir ao seu eleitorado”. O presidente Arnaldo Pratti, da mesma maneira, discordou das
atitudes de Falcão, o qual, segundo ele, procurava “contrariar as normas regimentais desta
Casa”. Em represália, Pratti advertiu Falcão e garantiu que “compete ao Vereador legislar
e não tumultuar o bom andamento dos trabalhos”. Em relação às ações do prefeito, Pratti
sustentou que “se ele colocava para fora trabalhador”, era porque, como administrador,
“conhece o bom operário, e para cumprimento da legislação trabalhista, paga a sua indenização”.28
Em outra de suas diatribes, Falcão afirmou que não só os bairros de Itararé e Ilha
das Caieiras encontravam-se em completo abandono por parte da Prefeitura, como ainda
alegou que o Vereador Carlos Alberto Viana Freire acompanhava “o senhor prefeito em
alguns bairros da cidade” e que nada fazia “em favor dos mesmos, muito embora sabendo
que a Prefeitura está com os cofres abarrotados de dinheiro”. Freire, ao se defender das
críticas de Falcão, proclamou que o mesmo era um “autêntico demagogo e mentiroso,
porque além de nada fazer, faz insinuações através de mentiras”.29 Na verdade, Falcão insistia em dizer que Chrisógono somente realizava “obras em bairros dos burgueses”.30Ao
responder a essa crítica, sem citar Falcão, Nicanor Alves dos Santos discordou da atitude
de “determinado” Vereador que se aproveitava “dos dramas causados em épocas chuvosas para fazer exploração política nos bairros da cidade, acusando o chefe do Executivo
municipal, homem que está dando continuidade às obras deixadas pela administração anterior”.31
O presidente Arnaldo Pratti, em outra ocasião, concedeu a palavra a Falcão para a
discussão de um projeto da sua autoria juntamente com outros vereadores. Falcão discordava da redação, mas “não procurava se ater à matéria, agitando-se e tumultuando cada vez
mais”. Pratti o repreendeu, e Falcão, ao retrucar, taxou-o de “antipovo” e teve “cassada a
sua fala”. Entretanto, o Vereador Falcão só desceu da tribuna por solicitação do Vereador
Raulino Rodrigues da Rocha. Na ata dessa sessão, pode-se ler que: “Entretanto, ao passar
à esquerda da Presidência, em direção a antessala, convidou-o [a Arnaldo Pratti] para uma
luta corporal no térreo do prédio”. Na oportunidade, ainda, os vereadores José Maria
Ramos Gagno, Ademir Antunes e José Ubaldo Pimentel solicitaram a realização de uma
216
A Sétima Legislatura 1971-1973
sessão secreta na forma estabelecida pelo Regimento, para discutir as atitudes antirregimentais do Vereador Falcão, “comprometendo o decoro desta Casa”. José de Paula Rocha
comunicou igualmente que ouvira de algumas pessoas, presentes na galeria da Câmara,
que Falcão estivera com um agitador, de nome Walter Bastos, “para o ensejo de uma luta
corporal com o senhor Vereador José Maria Ramos Gagno”. Em face dessa denúncia, o
policial, que guarnecia as dependências da Câmara, foi autorizado a impedir a presença
desse agitador, tido como “autêntico perturbador da ordem”. Apesar disso, Falcão ainda
afirmou que tinha “um espírito nativista, porque se for necessário tomar atitudes contra
homem, tomar-se-á de igual para igual”.32Não obstante, o requerimento para a cassação do
mandato do Vereador Clério Falcão foi rejeitado, com o que não concordou José Ubaldo
Pimentel, que era favorável à cassação.33
Falcão, após esses conflitos, começou a se sentir, como ele dizia, “traído” por seus
colegas de partido. Ele afirmou estranhar a atitude da bancada do MDB, negando apoio
aos requerimentos de sua autoria, nos quais, segundo ele, solicitava informações do Executivo sobre determinadas obras que estavam sendo realizadas. Ele afirmou que o “gesto de
traição de seus colegas o magoava profundamente porque fora orientado por eles mesmos
e, no entanto, tivera todos os seus requerimentos rejeitados”. E Falcão não admitia que,
por causa do “interesse pessoal”, seus colegas se esquecessem das responsabilidades e da
fidelidade partidária, uma vez que, no seu entender, “esses vereadores se colocam ao lado
do senhor prefeito, em detrimento do interesse público”. Afiançou que o partido se tornara uma “colcha de retalhos”, em que “cada um faz o que bem entende, numa orgia prejudicial”. No entanto, a discussão somente degringolou de vez quando Falcão fez referência
“às inúmeras batidas de carros da Câmara e os prejuízos que se somam ao saldo devedor
de responsabilidades dos nobres edis, de seu moribundo partido”. E parece que a carapuça
serviu para José Ubaldo Pimentel, que, para defender-se, afirmou que o pronunciamento
era “mais próprio de um canalha e não de um homem, muito menos de um Vereador, que
tem a representação de uma parcela do povo”. Pimentel esclareceu que o acidente que
sofrera, na realidade fora uma consequência de ter auxiliado outro cidadão, que também
teve o carro acidentado.”34
Nos momentos finais da legislatura, ainda, o Vereador Nicanor Alves dos Santos
217
História da Câmara Municipal de Vitória
fez questão que constasse em ata a declaração, feita por Falcão, de que existia “bandalheira e safadeza na área da antiga praça Guasti, em Vila Rubim e que o senhor prefeito está
tendo financiamento pelos empreiteiros para sua promoção na imprensa”.35Na mesma
sessão, José Maria Ramos Gagno disse discordar totalmente da afirmação feita por Falcão,
a de que ele sempre fora procurado “para levar vantagens com relação a empregos para
sua esposa, telefones, para que não atacasse a administração municipal”. Gagno assegurou
também que “ninguém teria a ousadia de lhe oferecer propinas”.36
José Maria R, Gagno e Nicanor Alves dos Santos. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
A posição radicalmente crítica de Falcão em relação à administração municipal,
e, com menor frequência, até com o governo estadual, não tinha contrapartida no plano
federal. É que, surpreendentemente, Falcão sempre se mostrou um ardoroso defensor do
regime militar. No sétimo aniversário da Revolução de 1964, comemorado na Câmara no
dia 31 de março de 1971, seu adversário do MDB, José Maria Ramos Gagno declarou, ao se
referir ao período que antecedeu ao golpe militar de 1964, que em “épocas caóticas, viviam
os brasileiros em um regime antidemocrático, e que, se não fosse a grande batalha travada
pelos bravos marechais, estaria a nossa pátria num regime cubano”. Para Gagno, “esta data
é motivo de júbilo para o povo brasileiro, que hoje marcha tranquilo e seguro em busca do
desenvolvimento de sua terra”. Falcão, ao sucedê-lo na tribuna, exclamou: “Nesta terra já
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A Sétima Legislatura 1971-1973
se pode morrer. Porque o Brasil é hoje um regime deveras democrático!” Ele igualmente
enalteceu o governo federal pelas “obras magníficas” que vinham sendo realizadas em
todo o território nacional, “a fim de dar dias melhores aos filhos desta abençoada pátria”.
Izildo Alvarino, do mesmo MDB, foi mais ponderado e comedido quando afirmou que,
embora a revolução fosse “uma luta eficaz de bravos generais, em defesa da pátria”, ainda
existiam “brasileiros necessitados”. Alvarino acreditava que “em vista do grande desenvolvimento gerado pela revolução, era amenizado o sofrimento de seus compatriotas”. Ao
finalizar o discurso, Alvarino também se congratulou com o presidente da República por
ter escolhido “um homem de bem [Arthur Carlos Gerhardt dos Santos] para administrar
o Espírito Santo”.37
Mas a unanimidade que havia no MDB, no aplauso ao governo federal, era destoada no plano municipal e estadual por Clério Vieira Falcão, que, por isso mesmo, lamentava a falta de solidariedade de seus colegas de partido nas críticas contundentes que ele
fazia ao prefeito. E a observação feita por ele, a de que entre os seus colegas de partido
“cada um faz o que bem entende, numa orgia prejudicial”, remetia à atitude pragmática
dos vereadores de um partido majoritário que optou por não fazer oposição sistemática
ao prefeito, justamente em função de suas conveniências eleitorais. Em outras palavras, os
vereadores entendiam que apenas dois anos de mandato era muito pouco tempo para eles
se afirmarem diante de seu eleitorado.
Antes de se definir essa política partidária, a do “cada um faz o que bem entende”,
mencionada por Falcão, no início da legislatura surgiram divergências no MDB quanto à
postura que deveria ser adotada, o que obrigou o vice-líder, José Maria Ramos Gagno, a
refutar as notícias de que o MDB estava “em fase de desavença”. Para ele, “o que realmente se passa são algumas divergências entre membros do partido, porém, isso ocorre não
somente no MDB, como também no partido da situação”.38
O MDB, no entanto, não abandonara o discurso de que era um partido diferenciado. Izildo Alvarino, líder do partido, ao declarar, “em represália àqueles que desejam vê-lo
ao caos”, reiterou que o MDB era “a voz dos humildes, e que nós, os seus representantes,
lutamos destemidos, sempre na vanguarda em prol do povo”.39O mesmo Izildo, em uma
219
História da Câmara Municipal de Vitória
atitude contrária aos seus opositores da ARENA, que acusavam os emedebistas de bajular
o prefeito, afirmou que: “A bancada do MDB nada pediu ao chefe do Executivo municipal. Sua Excelência sempre procurou dialogar conosco, convidando-nos para audiência e
andanças pelos bairros da capital. Mas nunca fomos bajuladores, propondo negociata com
o prefeito de Vitória”.40
Todavia, um ano depois, Izildo reafirmou que o prefeito municipal atuava condignamente na administração municipal “mediante o excelente apoio que a bancada do MDB
tem dado nesta Casa, a qual votou o Orçamento do Município por saber que S. Exª. iria de
fato realizar as necessárias obras desta cidade”.41Ao aprovar por unanimidade um projeto
de lei do próprio Clério Vieira Falcão, que criou uma linha de ônibus da Ilha do Príncipe
até o Jardim Camburi, Nenel Miranda disse que o MDB demonstrava que não só era de
fato “afinado” com a administração, como igualmente o era a ARENA, “e ambos poderão
fazer uma orquestra harmoniosa para o bem-estar desta Casa”.42
Em outra ocasião, Izildo cedeu a palavra a Adir Sebastião Baracho que ao usar a
tribuna solicitou a retificação de uma matéria jornalística “maledicente”, publicada nos jornais da cidade. Na matéria se informava que o prefeito municipal era “fundador do MDB”,
e Baracho reiterou que tal frase jamais teria sido dita por ele.43Izildo Alvarino, então, se
viu obrigado a desmentir boatos, divulgados pelos jornais, anunciando que ele estaria se
transferindo para a ARENA. Ao desmentir essa notícia, Izildo afirmou que “a sua atitude é
de sempre servir ao seu partido” e aproveitou para agradecer aos colegas “a união perfeita
no plenário desta Casa”.44Mais adiante, Gagno ressalvou os méritos do MDB e confirmou
que o partido continuava firme em sua “missão”. E, em um aparte, Ademir Antunes sustentou que a ARENA procurava atrair elementos do MDB mediante comentários falsos,
porque observava “a existência de fortes políticos do MDB fazendo obras gigantescas em
nosso Estado”. Claudionor Lopes Pereira, na réplica, reiterou que a ARENA não forçava
elementos da oposição, “desejando que o mesmo continue firme para a integralização da
política brasileira”.45
Ao final da legislatura, porém, a ARENA era o partido que parecia mais dividido
internamente. Tanto é assim que Gagno, do MDB, ocupou a tribuna para corroborar a
220
A Sétima Legislatura 1971-1973
existência de duas facções dentro da bancada da ARENA na Câmara — de um lado “uma,
do senhor governador Christiano Dias Lopes, secundada pelo senhor Setembrino Pelissari”, e do outro lado, a bancada “do senhor Arthur Carlos Gerhardt Santos”. De acordo
com Gagno, uma era “integrada pelos senhores Vereadores Carlos Alberto Viana Freire,
José Manoel Nogueira de Miranda e Claudionor Lopes Pereira”, enquanto a outra era “integrada pelos senhores Vereadores Nicanor Alves dos Santos, Raulino Rodrigues da Rocha
e José de Paula Rocha, respectivamente”.46
Na verdade, para além das divergências políticas, ideológicas e partidárias, esta
legislatura foi praticamente dominada pela disputa individual entre os próprios vereadores
que, dada a exiguidade do mandato de apenas dois anos, competiam entre si diante do
eleitorado pela apresentação de obras supostamente conseguidas por cada um deles. Os
exemplos são inúmeros a esse respeito. Nicanor Alves dos Santos mencionou as constantes reivindicações que teria feito ao prefeito em prol dos moradores do bairro de Santa
Maria. Mas Arnaldo Pratti, que era “representante” e morador desse mesmo bairro, discordou dele nesse ponto. Nicanor o aparteou intempestivamente e obrigou a suspensão da
sessão.47José Ubaldo Pimentel também discordou das atitudes de alguns vereadores “pelas
demagogias que fazem perante os moradores do Morro do Bonfim, nas obras solicitadas
por este Vereador ao chefe do Executivo municipal”, e, nesse momento, Arnaldo Pratti
saiu em seu apoio.48Nicanor se referiu aos melhoramentos feitos no bairro Itararé “mediante suas constantes reivindicações”, mas Clério Vieira Falcão afirmou que tais obras foram de fato realizadas por prefeitos da ARENA, contudo “mediante reclamos do MDB”.49
Em outra ocasião, o próprio Nicanor, ao denunciar as “demagogias” de alguns
vereadores, citou como exemplo o aterro do mangue de Goiabeiras. De acordo com Nicanor, essa obra fora realizada “mediante as suas reivindicações”, porém Izildo Alvarino
“noticiou aos moradores a sua intervenção”.50José Ubaldo Pimentel também discordou
das atuações de alguns vereadores “que vivem de demagogia perante a população”. Pimentel então citou o exemplo das obras de dragagens, executadas pelo Departamento Nacional
de Obras de Saneamento – DNOS -, obras que na opinião dele não se deviam “a um ou
dois Vereadores, e sim, a todos os Vereadores que aprovaram unanimemente o projeto de
Lei, oriundo do poder Executivo municipal”.51
221
História da Câmara Municipal de Vitória
José Ubaldo Pimentel e Hélio Gualberto.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Essa última fala de José Ubaldo Pimentel expressou muito bem o dilema político
dos vereadores da sétima legislatura, visto que com um mandato de apenas dois anos, eles
se viam com poucas credenciais em termos de obras e realizações perante seu eleitorado.
E essa situação se agravou mais ainda ante um Executivo que agia de forma “burocratizada” e “técnica” por meio de organismos e empresas estatais, como o citado DNOS, cuja
ação era regulada por decretos-leis, oriundos do poder Executivo. Aparentemente, não era
pequeno o volume de obras que estavam sendo realizadas na administração de Chrisógono
Teixeira da Cruz, que, neste aspecto, dava continuidade a algumas obras iniciadas na gestão
anterior de Setembrino Pelissari. Cruz, no entanto, ampliava o raio de sua atuação para o
novo conjunto de bairros populares que cresciam por toda a cidade. Nesse sentido, afirmou Nenel Miranda que o Executivo “estava dando continuidade às obras de infraestrutura deixadas por Setembrino Pelissari”. Ele informou que fora aberta uma concorrência
pública para a execução de mais três etapas dessas obras, que se iniciariam nas avenidas
Vitória, Beira-Mar e Nossa Senhora da Penha, “abrangendo o bairro de Santa Lúcia”, e,
além disso, acrescentou a notícia de que a construção de uma galeria cortaria a avenida
“Reta da Penha, indo despejar no bairro de Camburi”.52
E foi o mesmo Nenel quem informou que, desde o início da segunda sessão legis-
222
A Sétima Legislatura 1971-1973
lativa em 1972, o prefeito enviava para a Câmara “inúmeros projetos de real importância
para a coletividade capixaba, sendo aprovados com o auxílio das bancadas integrantes”.
Seu colega da oposição José Manuel Ramos Gagno citou como exemplos desses projetos:
o levantamento e a restauração da avenida Beira-Mar; as galerias de águas pluviais, no
centro, principalmente a conclusão da galeria do parque Moscoso, igualmente realizadas
nos bairros; e as obras de infraestrutura, como o aterro da Praia do Canto, a dragagem e a
pavimentação em vários bairros.53Nicanor Alves dos Santos mencionou também as obras
de saneamento da zona norte da cidade, o combate aos mosquitos com os “fumacês”, a
construção do Palácio Municipal, onde se localiza atualmente a Prefeitura Municipal, e o
asfaltamento do núcleo residencial Antônio Honório.54Em setembro de 1972, Nicanor
Alves referiu-se ao projeto de lei, enviado pelo Executivo, no qual se pedia a autorização
para contrair empréstimo no valor de nove milhões e quinhentos mil cruzeiros para a
execução de obras que representavam, segundo Alves dos Santos, “o futuro da expansão
demográfica de Vitória”.55
Na verdade, por aqueles anos, Vitória crescia de forma acelerada, e os problemas
urbanos tendiam a se agravar. Cresciam igualmente, portanto, as reivindicações dos vereadores. Mas agora eram principalmente os bairros que reclamavam melhorias. Nicanor
Alves dos Santos, por exemplo, ao reclamar das inundações nos bairros da zona norte,
principalmente em épocas chuvosas, reivindicou para eles o mesmo tratamento que fora
dado antes ao centro da cidade, na gestão Setembrino Pelissari.56
Nesse mesmo sentido, Izildo Alvarino comentou as inundações dos bairros de
Maruípe, Santa Lúcia e Avenida César Hilal, reivindicando prioridade para as obras de
drenagem dessas áreas.57O mesmo Izildo Alvarino, ao salientar os “problemas sociais”
existentes nos bairros de Itararé, Penha, São Cristóvão e Santa Marta, tais como os do matagal que “tomava conta de suas ruas”, dos buracos abertos pela Cesan e pela Companhia
Telefônica, e os da falta de calçamento nas ruas principais, declarou que esses problemas
só seriam de fato resolvidos com a “incrementação de indústrias em nossa cidade”.58
Claudionor Lopes Pereira, em relação às consequências das obras em andamento
na época, defendeu a ideia muito judiciosa de que o futuro governador, Arthur Carlos
223
História da Câmara Municipal de Vitória
Gerhardt dos Santos, deveria lutar para melhorar o “entrosamento” entre “a Prefeitura, a
Cesan, a Companhia Telefônica e o Detran para que entre si sejam planejadas as obras e
reparos a serem realizados nas ruas da cidade, evitando desta forma, que o povo seja sacrificado pelo trânsito confuso e desordenado e para que os turistas de várias partes do Brasil
que visitam nossa cidade não levem para seus respectivos estados uma péssima impressão
de falta de planejamento administrativo das nossas autoridades.”59
Os problemas referentes ao trânsito em Vitória, de responsabilidade do Departamento Estadual de Trânsito - Detran-, eram apontados por José de Paula Rocha, que
culpava as autoridades “pelas mortes ocasionadas por desastres na rodovia que contorna o
bairro de Ilha do Príncipe”. Claudionor Lopes Pereira igualmente solicitou providências
ao Detran com vistas a que se efetuasse a fiscalização do trânsito em Goiabeiras “para evitar o abuso de motoristas inescrupulosos que trafegam por ali com excesso de velocidade,
colocando em perigo a vida dos transeuntes”.60José de Paula Rocha se congratulou com o
governo do Estado pela abertura e asfaltamento de inúmeras estradas que ligavam o interior do Estado, contudo advertiu para a necessidade de se construir uma nova ponte conectando Vitória a Vila Velha.61Gagno chamou a atenção para a necessidade de reformulação das leis de trânsito, “criando maior responsabilidade para os motoristas negligentes,
irresponsáveis ou insuficientemente habilitados”. Para ele, havia a necessidade de uma melhor preparação do candidato à obtenção da carteira de motorista, principalmente no que
concerne “às boas e respeitosas maneiras com que devem conduzir seus veículos, evitando
dessa forma os atropelamentos do trânsito”. No entanto, reiterou também a necessidade
de um policiamento mais ostensivo do Detran, com o intuito de que o fiel cumprimento
da sinalização do trânsito evitasse modo constante os acidentes registrados.62José Ubaldo
Pimentel apontou a necessidade de se “desviar do centro da cidade o tráfego de carros
pesados, através da nova estrada”, que tinha “o seu início em Carapina, contornando a
ilha de Vitória, ligando-se ao bairro de Campo Grande em Cariacica”.63Nenel Miranda, da
mesma maneira, apelou ao chefe do Detran, com o objetivo de que fosse providenciada a
sinalização em vários trechos das ruas da capital, principalmente na zona sul, em vista da
informação, noticiada pelo jornal A Gazeta, dos constantes engarrafamentos na Vila Rubim e na Ilha do Príncipe. Claudionor Lopes Pereira concordou com seu colega, enquanto
Gagno propôs que a Câmara fizesse um estudo escrito sobre o trânsito, encaminhando-o
224
A Sétima Legislatura 1971-1973
às autoridades.64
E novamente os problemas de segurança em Vitória eram apontados na Câmara.
José Ubaldo Pimentel solicitou urgentes e enérgicas providências contra o “assalto de veículos, tendo em vista a morte de um dos motoristas de táxi, assassinado friamente por um
dos marginais”.65Gagno foi mais radical e reclamou “do abandono em que se encontram
a capital e bairros de Vitória, por falta de policiamento”. Segundo ele, “vários roubos têm
ocorrido por falta de vigilância de policiais em determinadas zonas, principalmente Bento
Ferreira”.66No entanto, alguns dias depois, o mesmo Gagno esclareceu não ser contra a
autoridade policial, a verdadeira questão era que ela agia “somente no centro da capital,
devido à falta de planejamento de seus superiores, deixando locais estratégicos à mercê do
crime”.67 Nicanor Alves dos Santos solicitou policiamento “entre as vinte e duas horas
e as cinco da manhã” nos bairros de Goiabeiras, Vila Solon Borges e Conjunto Antônio
Honório e ainda aventou a possibilidade do acompanhamento de uma Rádio Patrulha “em
vista de assaltos praticados por marginais de toda ordem naquelas humildes residências”.68
Além disso, outra grave questão social revelava-se nas sessões da Câmara — a
questão habitacional e do déficit na construção de residências. A autoconstrução nas regiões periféricas passava a ser complementada pela atuação do Banco Nacional de Habitação
- BNH. A esse respeito, lembrou Adir Baracho que o BNH construía “núcleos residenciais
em diversos bairros do município, cumprindo, assim, sua finalidade e dando condições
habitacionais àqueles que ainda não possuem a casa própria”.69O seu colega José Maria
Ramos Gagno, contudo, ao comentar o chamado “Plano Habitacional” em vigor, advertiu que esse sistema de financiamento da casa própria pela Companhia de Habitação e
Urbanização do Espírito Santo - Cohab-ES - fazia “sofrer anualmente um acréscimo nas
mensalidades dos promitentes compradores, em decorrência do salário-mínimo.” Gagno
ainda considerou o denominado “plano de equivalência salarial” uma “farsa”, dado que
o trabalhador tinha que “pagar a sua residência num período de quinze anos, sofrendo
anualmente acréscimos em suas prestações”. Gagno finalmente apelou às autoridades com
vistas a que estudassem “um novo sistema habitacional” para que a população humilde não
viesse “a perecer”.70
225
História da Câmara Municipal de Vitória
Naquela altura, diversos “conjuntos residenciais” já tinham sido construídos ou
estavam em fase de construção, o que demandava investimentos maiores na infraestrutura
urbana. Adir Baracho reivindicou para o bairro Jardim da Penha, em Camburi, “ônibus e
calçamento em suas ruas”.71Nicanor Alves dos Santos enfatizou a falta de esgoto em Jardim da Penha, “obrigando os moradores a lançarem fezes e detritos em um valão existente
naquela proximidade, causando sério perigo àquela população.”72
Em função dessas reivindicações, Baracho anunciou, em maio de 1972, que o
prefeito havia solicitado um grande empréstimo “para equacionar o problema de esgoto
e pavimentação” do Jardim da Penha.73Nicanor Alves dos Santos, ao apelar ao governador, apontou a falta de rede de abastecimento de água no novo bairro de Jardim Camburi,
“onde os moradores vivem se abastecendo, exclusivamente, da água de poço”. De acordo
com Nicanor, a Cesan pretendia que os moradores organizassem um tipo de “condomínio” para adquirirem uma adutora, com a finalidade de organizar o abastecimento do
“precioso líquido” no bairro, o que, para ele, não seria “admissível”.74
A curta legislatura de dois anos criou uma situação política embaraçosa para os
vereadores, mas isso não impediu que eles aprovassem um longo recesso para suas atividades. As atividades da Câmara foram interrompidas em 30 de novembro de 1971 para
as férias dos parlamentares e somente se reiniciaram no ano seguinte, em 31 de março de
1972.75Mesmo assim, em 30 de junho de 1972, o presidente Arnaldo Pratti anunciou um
novo recesso até 1º. de agosto de 1972. Ao retornarem aos seus trabalhos, porém, os vereadores se viram na necessidade de justificar suas férias. Nicanor Alves dos Santos mencionou a discussão, ocorrida anteriormente sobre a questão do “encurtamento” da duração
do recesso, de trinta dias para apenas quinze dias, mas acabou por concordar com a decisão
da Mesa. O mesmo fez o seu colega do MDB José Maria Ramos Gagno, que aproveitou
a oportunidade para discorrer sobre a atuação dos vereadores “em prol da coletividade”
e ressaltou a necessidade do funcionamento das casas legislativas, “onde são debatidos os
problemas que afligem às coletividades”. Para Gagno, a Câmara era “o primeiro degrau
da hierarquia política, e o cargo de vereador, e por maior razão, para aqueles que almejam
escaloná-la, se torna sumamente exaustivo”.76
226
A Sétima Legislatura 1971-1973
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 274 leis, que foram classificadas da seguinte forma:
01. Estrutura Organizacional: 8
02. PDU – Plano Diretor Urbano: 1
03. Tributos, isenções, correções, taxas: 3
04. Utilidade pública: 33
05. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas e bairros: 132
06. Cargo público, gratificação, salário e vencimento: 6
07. Pessoal, aposentadoria: 10
08. Orçamento: 7
09. Contrato, convênio, acordo: 5
10. Comenda, medalha, prêmio, troféu, data comemorativa:
11. Patrimônio Municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, doação, licenças: 6
12. FUNDEP - Fundação de Pontes e Estacionamentos da cidade de Vitória: 1
13. Posturas: 11
14. Educação: 1
15. Transporte: Coletivo, taxi: 7
16. Cidadão Vitoriense: 36
227
História da Câmara Municipal de Vitória
17. Operação de Crédito, Crédito especial: 3
18: Contribuição de melhoria, PASEP: 5
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:

LEI 1968, de 22 de março de 1971: Reorganiza a administração da PMV.
 LEI 1991, de 11 de junho de 1971: Cria uma Secção Rodoviária, no Departamento de Obras, subordinada a Divisão de Construção e com a sigla Doc. 4. O Plano
Rodoviário do Município consta da construção e conservação de estradas municipais e
obras de artes, nas mesmas existentes.
 LEI 2019, de 31 de agosto de 1971: Autoriza o Executivo a assinar convênio com o Departamento Nacional de Obras e Saneamento para execução de obra de
dragagem do Canal Norte e Sul, afluentes da baía de Vitória.
 LEI 2060, de 20 de outubro de 1971: Aprova em todos os termos o contrato firmado pela PMV com o Instituto de Previdência e Assistência Jerônimo Monteiro
para o asfaltamento de ruas do Conjunto Residencial Antônio Honório, situado em Goiabeiras.
 LEI 2061, de 27 de outubro de 1971: Dispõe sobre os fatos geradores, incidência, alíquotas, cobrança e fiscalização dos tributos do município, estabelecendo normas
de fiscalização.
 LEI 2089, de 3 de dezembro de 1971: Cria a Seção de Controle de Posturas,
para exercer fiscalização quanto as posturas municipais.
 LEI 2181, de 4 de outubro de 1972: Autoriza o Executivo a contrair empréstimo para realização de obras de saneamento básico no bairro Jardim da Penha.
 LEI 2194, de 23 de novembro de 1972: Autoriza o Executivo a instituir a
FUNDEP- Fundação de Pontes e Estacionamentos da cidade de Vitória, com sede e foro
228
A Sétima Legislatura 1971-1973
na cidade de Vitória.
 LEI 2226, de 19 de dezembro de 1972: Constitui o Comitê de Imprensa da
Câmara Municipal com representantes dos jornais, emissoras de rádio e televisão da cidade
de Vitória.
229
CAPÍTULO VIII
A OITAVA LEGISLATURA
1973 - 1977 De Chrisógono Teixeira da Cruz a Setembrino Pelissari
A Oitava Legislatura 1973-1977
No dia primeiro de fevereiro de 1973 reuniu-se ainda no quarto andar do Edifício
Glória a Sessão de Instalação da oitava legislatura da Câmara, sob a presidência de Arnaldo
Pratti. Estavam presentes, além dos antigos vereadores, os novos edis; o senador Eurico
Vieira de Rezende; o presidente da Assembleia Legislativa, Eumyr de Macedo Gomes; o
prefeito, Dr. Chrisógono Teixeira da Cruz e outras autoridades.01
Os novos vereadores dessa legislatura foram pelo MDB: Darcy Castelo de Mendonça, Máximo Vieira Varejão, Clério Vieira Falcão, Edgar Gomes Feitosa, Arnaldo Pratti
e Izildo Alvarino. E os eleitos pela ARENA foram: Nicanor Alves dos Santos, Apolinário
Marinho Delmaestro, Claudionor Lopes Pereira, Walter Miranda, Raulino Rodrigues da
Rocha, Carlos Alberto Viana Freire, José Guterres Filho, José Manuel Nogueira Miranda
e Ademir Antunes.
Entre esses Vereadores, apenas Edgar Gomes Feitosa, Máximo Vieira Varejão, da
ARENA e José Guterres Filho, do MDB, não haviam sido titulares na legislatura anterior.
Eles ocuparam as vagas de Adyr Sebastião Baracho, José de Paula Rocha e José Ubaldo
Pimentel, os únicos vereadores da sétima legislatura que não se reelegeram. Mesmo assim,
entre os denominados “novos”, o experiente jornalista Edgar Gomes Feitosa havia sido
titular anteriomente.
Esses dados indicam que 80% dos componentes da sétima legislatura haviam
sido reeleitos. Tratou-se não só de um recorde histórico, como também demonstrou que
o eleitorado de Vitória reconhecera que o curto mandato dessa legislatura, de apenas dois
anos, não fora “suficiente”, e que ele deveria ser renovado agora por mais um quadriênio.
Para o primeiro ano da nova legislatura, foi eleita uma Mesa composta exclusivamente por vereadores do partido majoritário, a ARENA, que dispunha de nove votos.
Ela era encabeçada pelo experiente Vereador Claudionor Lopes Pereira, que estava em
seu quinto mandato como Vereador e era um dos nomes mais antigos e reconhecidos da
Câmara. Claudionor seria sucedido posteriormente, em 1975 e 1976, por outro experiente
233
História da Câmara Municipal de Vitória
Walter Miranda, Darcy Castelo de Mendonça, Claudionor Lopes Pereira, Carlos
Alberto Viana Freire, Clério Falcão, Nenel Miranda, Chrisógono T. da Cruz, Raulino Rodrigues da
Rocha, José Guterres, Máximo Varejão e Ademir Antunes.
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Vereador da ARENA, o militar reformado Nicanor Alves dos Santos, sob cuja presidência
a legislatura seria encerrada.
A exclusão dos representantes do MDB da composição da Mesa vencedora, entretanto, não significou que, na nova Câmara, houvesse disposição para se adotar uma
postura de radical oposição entre os dois partidos. Ao contrário, já na Sessão de Instalação,
o ex-Vereador José Maria Ramos Gagno, ao expressar aquele que se tornaria o ponto de
vista prevalecente entre seus colegas, advertiu os novos vereadores de que deveriam votar
favoravelmente as matérias de iniciativa do poder Executivo “sempre que elas venham de
encontro ao interesse do povo”. Arnaldo Pratti, com essa mesma finalidade, teceu elogios
à nova Mesa diretora. Não obstante, o seu colega Clério Vieira Falcão, que havia de certa
forma dado o tom da legislatura anterior, como vimos, disse que voltava à tribuna “com o
mesmo pensamento de luta em favor da população humilde que o elegeu”.02
234
A Oitava Legislatura 1973-1977
O ambiente político na posse desta legislatura era otimista, e o novo presidente
Claudionor Lopes Pereira convidou seus colegas para no dia seguinte presenciarem, no
Palácio Anchieta, a assinatura de um convênio da Prefeitura com o BNH. Esse banco
emprestaria nove milhões de cruzeiros para a realização de importantes obras no bairro
de Camburi, um bairro ainda com sérios problemas de infraestrutura, principalmente em
relação a uma deficiência grave no abastecimento de água.03
Nas primeiras sessões ordinárias, Clério Vieira Falcão, contudo, mostrava realmente a disposição de ânimo com que iniciava seu novo mandato: a de analisar criticamente as ações do Executivo. E demonstrou esse espírito quando, ao tecer duras críticas
ao diretor do Departamento de Obras da Prefeitura, informou que o serviço de pintura, o
qual, naquele momento, era feito com tinta a óleo, mas que, anteriormente, era executado
com cal, tinha sido realizado com material adquirido no “estabelecimento comercial de
propriedade de um dos irmãos daquele Diretor”.04O mesmo Clério Falcão, ao investigar a
administração da Santa Casa de Misericórdia, comunicou aos seus colegas que se dirigira
às autoridades federais, “via telex, apelando para que elas tomassem providências a esse
respeito”.05Clério Falcão parecia disposto a fazer aquilo que era sinalizado no título do
livro Lama no Ventilador, do jornalista Djalma Juarez Magalhães, cujo lançamento ele parabenizou. E é isso que ainda veremos a seguir.06
A CÂMARA DE VITÓRIA E A SIDERURGIA NO ESPÍRITO SANTO
O período que compreendeu os anos de 1973 a 1977 e que correspondeu ao da
legislatura ora noticiada, foi um dos mais estruturantes da história moderna do Espírito Santo. Foi nele que amadureceram e se concretizaram as medidas que viabilizaram o
plano de reestruturação da economia do Espírito Santo, na direção da sua diversificação
industrial, com a montagem efetiva de um pequeno, mas chocante conjunto de “grandes
projetos”, que teriam um impacto decisivo na vida social de todo o Estado, principalmente
na cidade de Vitória e nos municípios vizinhos. Nesse caso, pode ser elucidativo verificar
como a Câmara de Vitória se posicionou, se é que ela o fez, diante desse processo.
É um fato que a Câmara estava, a esse respeito, longe de poder ser o centro das
235
História da Câmara Municipal de Vitória
decisões que estavam viabilizando o processo de reconversão da economia e da sociedade
capixaba. Como afirmou Raulino Rodrigues da Rocha, a Câmara estava “de pés e mãos
atados”, sem “nada poder fazer”, tinha apenas “a tribuna” para poder “fazer alguma reivindicação para o povo”.07
Ainda mais quando se sabe que, no início de 1973, o clima geral no país ainda
era fortemente impactado pelo autoritarismo que se implantara lentamente em 1964, e
recrudescera em dezembro de 1968 com a edição do AI-5. Essa situação política ainda
gerava muita autocensura e favorecia posturas publicamente “conformistas”, não só com
o regime militar mas também com a sua obra administrativa e econômica, que tendia a ser
avaliada positivamente. Na ocasião em que se comemorava o nono aniversário da Revolução de 1964, por exemplo, Arnaldo Pratti, do MDB, ao elaborar comentários elogiosos ao
movimento militar, salientou entre outras obras suas “o Programa de Integração Social,
a Transamazônica, a Reforma Universitária e muito mais”. Ele esclareceu que apesar de
pertencer ao partido da oposição “o que vale no político é sua honestidade, sua linha de
conduta, seu caráter firme e não sua cor partidária”, e por isso concitou seus colegas a
também se congratularem com as autoridades por ocasião do evento comemorativo da
revolução.08E de fato seus colegas fizeram um “pronunciamento unânime” sobre o que
lhes parecia ter sido “os efeitos benéficos da revolução, reportando-se todos ao período
anterior a ela, quando a nação caminhava para o caos, tamanha era a desordem em todo o
país”.09
Essa atitude da maioria dos vereadores mostra que naquela altura a situação de
suposta “desordem” que vigorava no país antes de 1964 e o grande consenso que se formou no país de que ela não podia persistir indefinidamente, ainda eram lembrados como a
principal forma de legitimação da nova situação política vigorante no país.
A despeito disso, os vereadores de Vitória não perderam a oportunidade de se
pronunciar a respeito da tão relevante questão da mudança de rumo da economia estadual,
que as gestões estaduais de Christiano Dias Lopes e de seu sucessor Arthur Carlos G. dos
Santos, apoiadas no plano federal, estavam viabilizando.
236
A Oitava Legislatura 1973-1977
O participativo Vereador arenista Marinho Delmaestro fez muitos comentários
elogiosos a respeito do senador Carlos Lindenberg, principalmente pela recepção calorosa
que ele havia dado em Brasília ao governador Arthur Carlos G. dos Santos. Delmaestro
aproveitou também para lembrar a “brilhante atuação” do senador a favor da “edificação
de uma siderúrgica no Estado”, que iria envolver quinze mil trabalhadores, segundo informação do Vereador Máximo Vieira Varejão, em aparte que lhe foi concedido.10Arnaldo
Pratti, do MBD, parabenizou igualmente a atuação de Arthur Carlos G. dos Santos “pela
sua dinâmica atuação em favor da edificação da siderúrgica neste Estado”, assegurou ainda
que o governador era “um cidadão dotado de um autêntico idealismo” e que ele iria “trazer
mais indústrias para o Espírito Santo”.11Varejão, do MDB, congratulou-se com a Findes e
com seus dirigentes Jones dos Santos Neves Filho e Oswaldo Vieira Marques, “exímios escritores”, segundo ele, que estariam imbuídos de bons propósitos “em favor da tecnologia
no Espírito Santo”. Máximo Varejão se baseou na leitura de um artigo da revista Indústria
Capixaba, no qual se noticiava a reformulação do ensino técnico no Estado “em prol da
industrialização”.12
O tema do ensino técnico e de sua importância estratégica para o Espírito Santo
era o favorito de Darcy Castelo de Mendonça. Ao criticar os métodos e o conteúdo do
ensino ainda aplicado nos colégios da municipalidade, anunciou que, no futuro, o ensino
comercial não iria amparar “condignamente” os jovens capixabas. Alegou que o chefe do
Executivo deveria imediatamente determinar a aplicação do ensino da tecnologia “para
que tenhamos doravante homens experientes em prol da siderurgia do nosso Estado”, e
ainda reiterou que “seria lamentável se fossem transportados operários de outros estados
para a siderúrgica por falta de homens capacitados”.13
E quando estava prestes a se encerrar o ano letivo de 1973, Darcy de Mendonça,
ao analisar os resultados do ensino, fornecidos pelos educandários da cidade, concluiu que
eles não anunciavam “um futuro promissor”. Na opinião de Darcy, “muitos que receberam os seus diplomas não encontrariam um mercado profissional. Além disso, acreditava
que a “Escola Técnica Federal do Espírito Santo”, em vez de um “aprimoramento eficaz”,
trocara “os métodos de ensino pelo Código Estadual do Espírito Santo”. Darcy presumia
que se tornava necessária, “nesta cidade” que tinha sessenta mil homens desempregados,
237
História da Câmara Municipal de Vitória
“a execução de ensino técnico para que os alunos de hoje possam, futuramente, ocupar a
siderúrgica”. Ao observar esse fator negativo no ensino da municipalidade, Darcy de Mendonça recorreu ao diretor do Serviço de Educação da Prefeitura para que ele e o prefeito
estudassem a possibilidade de proceder à introdução do ensino de tecnologia em seus
educandários.14
A transformação do Espírito Santo em um polo exportador de minério de ferro
foi o tema da conferência proferida, na própria Câmara Municipal de Vitória, pelo engenheiro Jacob Ayub, superintendente do Porto de Vitória. Ayub mostrou-se muito otimista
ao discorrer acerca da criação de um corredor de exportação e igualmente a respeito da
expansão das atividades portuárias no Espírito Santo. Para ele, a localização estratégica do
Espírito Santo, com seu extenso litoral, iria conferir grande relevância ao Espírito Santo
“não só no Brasil, mas também “no mundo”. O Estado já era o primeiro em produtividade
na exportação de minério de ferro e se transformaria, segundo Ayub, no maior produtor
siderúrgico nacional em grande escala. Ayub mencionou ainda o potencial que o Estado
possuía, não só no setor de celulose como também de novos produtos que poderiam ser
exportados pelo porto de Vitória, tais como o melaço, o álcool e o açúcar. Ele comunicou
ainda que a Companhia Vale iria construir um superporto capaz de exportar de seis a dez
milhões de toneladas de aço. Ao concluir sua explanação, anunciou que, quanto ao Cais
de Capuaba, estavam depositados no Banco do Brasil quarenta e oito milhões de dólares,
destinados à execução da obra.15
Não faltaram, contudo, advertências de que a implantação de um polo siderúrgico
na região de Vitória poderia afetar de forma deplorável a qualidade do ar e da vida em seu
entorno. E Clério Falcão foi mais uma vez premonitório a esse respeito. Ao elaborar o que
poderia ser descrito como um “retrospecto” da vida futura - como redigiu o escrivão da
Câmara na ata da sessão -, Clério advertiu que “após a instalação da siderúrgica e de outras
indústrias no planalto de Carapina, Vitória irá ficar em completa poluição, o que se tornará
um foco de doenças no interior desta cidade”.16
Falcão, ainda na defesa da qualidade de vida dos capixabas, se congratulou com o
jornalista e escritor capixaba Rubem Braga pela campanha que ele vinha fazendo no jornal
238
A Oitava Legislatura 1973-1977
carioca Última Hora no combate à poluição do ar.17No entanto, o seu colega de legenda,
Máximo Varejão afirmou que em Vitória não existia poluição, o que havia sim era “a poluição da fome”, razão pela qual ele advogava a “necessidade de indústria neste Estado, para
a sobrevivência da população”. Para Varejão, ainda, urgia a instalação da siderúrgica “para
amenizar os problemas aflitivos desta população”.18
Na defesa mais uma vez do meio ambiente, Clério Falcão apelou aos engenheiros
responsáveis pelo serviço da Usiminas em Vitória que tomassem providências a respeito
do pó de minério desprendido de sua exportação pelo porto, que prejudicava a saúde dos
moradores de Paul e adjacências. Izildo Alvarino, que durante muito tempo fora funcionário da mesma Usiminas, comunicou-lhe que a empresa tomara “as necessárias providências, segundo entendimento que já tivera com os responsáveis por aquele serviço, para uma
solução”.19
Ao final de 1976, entretanto, essa questão da poluição retornou à Câmara, quando
um vereador - que infelizmente a ata não esclarece exatamente quem era -, ao informar
que em alguns dias seriam inaugurados mais dois fornos em Tubarão, anunciou que “as
nuvens de fumaça de enxofre exaladas pelas chaminés destruirão as cortinas de residências,
além de poluir mais ainda a capital, principalmente a região praiana”. Para o Vereador, a
causa da poluição do ar era a “falta de equipamentos necessários para se conterem os seus
efeitos”.20
A renúncia de Clério Falcão, em virtude de sua eleição para a Assembleia Legislativa, e a sua substituição por Hélio Machado de Miranda, no início de 1975, abriram espaço
para a atuação de outro crítico severo da implantação de um polo siderúrgico em Vitória.
O Vereador Hélio Machado de Mirando chegou a ser classificado pelo líder da ARENA - e
que por isso recomendou a sua reeleição - como um “autêntico oposicionista”, uma vez
que ele “nunca procurou fazer negociatas com o chefe do Executivo”.21Com efeito, em
sua primeira fala na tribuna da Câmara, Hélio Machado, ao pronunciar um “substancioso
discurso”, condenou o projeto de construção de um estaleiro na praia de Camburi, porque
ele “naturalmente poluirá, social, ambiental e sonoramente toda aquela região”. Ele ainda
se queixou da imprensa capixaba, que criticava os políticos que pensavam dessa forma, e
239
História da Câmara Municipal de Vitória
que ainda se mostrava partidária das mudanças condenadas por esses mesmos políticos.22
Hélio Machado igualmente foi um crítico muito severo do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias - FUNDAP. Na opinião de Machado, o Estado do
Espírito Santo, conforme a afirmação feita na época pelo próprio Secretário da Fazenda,
“estava falido”. Ele sustentou que essa falência se devia aos “desmandos praticados pelos
administradores anteriores, como por exemplo, na criação do FUNDAP que, apesar de ser
criado para dar amplitude ao Porto de Vitória, foi desvirtuado para beneficiar grupos econômicos que, numa manobra estratégica, “ao invés de pagar imposto ao Estado passaram
a receber incentivos fiscais”. De fato, justamente no dia 31 de março, ante essa “manobra
estratégica”, Machado surpreendentemente apelou ao presidente da República para que ele
instaurasse uma auditoria na Secretaria da Fazenda e ainda que fizesse uso para tal auditoria
do AI-5.23
E não satisfeito com esse apelo, poucos dias depois, o Vereador Hélio Machado,
ao argumentar que a Lei de Incentivos Fiscais por intermédio do BANDES desviava recursos para a região norte, onde havia “a atuação da Sudene”, pediu a revogação do FUNDAP, visto que, caso contrário, seriam por ele absorvidas as economias do Estado, “pois
ele nunca lhe trouxe vantagens, e só beneficiou, até hoje, os grupos econômicos”.24Em
uma outra ocasião, Hélio Machado denunciou, segundo ele, com base em publicações
da imprensa, que o FUNDAP desvirtuava-se por causa do uso de “notas fiscais frias” de
mercadorias, “que nunca chegavam ao porto de Vitória e que, com essas irregularidades
verificadas na ex-administração do governo do Estado, deixando o município de Vitória
sem receber o ICM, trazendo prejuízo para o povo capixaba”.25
Hélio Machado era radicalmente contra a Companhia Vale, que, segundo ele, não
trazia “nenhum benefício para o Estado, principalmente para os municípios de Vitória e
Vila Velha”. Para ele, o empréstimo que a Companhia prometera para a conclusão da avenida Dante Michelini não era “nenhum favor”, visto que aquela avenida era usada “mais
pela Companhia do que pelos moradores daqueles bairros”.26Até o congestionamento do
trânsito na cidade, Hélio atribuía ao comboio de trens da Companhia Vale do Rio Doce,
que na época se dirigia até o Porto de Vitória “para desembarque de mercadorias”, quando
240
A Oitava Legislatura 1973-1977
deveria fazê-lo, segundo ele, “altas horas da noite” para não prejudicar o trânsito.27
O clima criado pela divulgação das notícias da implantação de um polo siderúrgico em Vitória ajudou a atrair para a região muitos imigrantes. E o êxodo rural colaborou para agravar essa circunstância. Em agosto de 1973, Carlos Alberto Viana Freire, ao
analisar um artigo, publicado no Jornal do Brasil, comentou o crescimento do êxodo rural
no Espírito Santo e a regressão do crescimento de sua população. Freire tanto ressaltou
a “falta de urbanização de Vitória”, quanto lamentou a má qualidade “da vida rural” que
impulsionava o êxodo, e ainda implorou ao governador “mais prosperidade” para o Estado, como resposta ao problema.28A esse respeito, Izildo Alvarino condenou a atitude dos
pecuaristas que facultavam a “majoração dos gêneros alimentícios”, e exigiu enérgicas providências do governo contra eles, ao mesmo tempo em que solicitou também “incentivos
em prol dos homens do campo, a fim de amenizar o angustiante problema da fome”.29
A REPERCUSSÃO DO CASO ARACELI
As grandes transformações que a cidade passou a sofrer, sobretudo a partir dos
anos 70, não poderiam deixar de se refletir no comportamento dos indivíduos. Em todo o
país, avançavam os hábitos ditos “modernos” e, entre eles, o do uso de drogas, com o consequente aumento da violência e da criminalidade. Vitória, por um lado, não poderia ficar
imune a essas tendências, mas por outro, infelizmente o aparelho policial e de segurança
de que a cidade dispunha era completamente incapaz de enfrentar com êxito o aumento
previsível da criminalidade.
O Vereador Marinho Delmaestro abordou a falta de policiamento na cidade. E
seu colega Walter Pinheiro, em um aparte, disse que, na verdade, a situação do sistema de
segurança da cidade era muito pior, dado que o serviço policial somente dispunha de duas
viaturas para atender a todos os bairros da capital.30
No primeiro semestre de 1973, nesse ambiente de falta de segurança, ocorreu na
cidade um crime que chocou o país, comoveu os capixabas e mobilizou a própria Câmara.
O crime acabou por envolver, principalmente, como não poderia deixar de acontecer, o
seu Vereador mais polêmico, que também era policial. Refiro-me a Clério Vieira Falcão e
241
História da Câmara Municipal de Vitória
ao famoso “caso Araceli”.
Em julho de 1973, três meses após a ocorrência do crime, Falcão criticou a polícia
da capital e solicitou “urgência na sua resolução”. Falcão começou por fazer a acusação
explícita de que, “famílias como Helal e Michelini, andam de boca em boca, ficando a cidade cheia de boatos, culpando às vezes os que nada têm a ver com o caso”. Entretanto,
ao elogiar as qualidades pessoais de Gilberto de Barros Faria, superintendente da Polícia,
Falcão afirmou que “não poderia deixar de apontar a sua fraca atuação diante do órgão
que dirige”. Assegurando falar em “nome da criança capixaba”, Falcão apelou para uma
solução para o caso “para a tranquilidade da família espírito-santense”.31
Clério Falcão e seu homenageado.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Nesse contexto, Marinho Delmaestro, secundado por Ademir Antunes, se referiu
não só aos fatos que estavam ocorrendo em Vitória, principalmente o “caso Araceli” mas
também a outros crimes e assaltos, “sem que a polícia tome uma providência enérgica para
dar um fim a tal estado de coisas”.32Falcão reiterou que o delito praticado contra Araceli
“foi por intermédio de gente rica, porque só elemento dessa condição podia adquirir corrosivo para aplicação no inerte corpo de uma inocente”. Para ele, os criminosos se encon-
242
A Oitava Legislatura 1973-1977
travam “entre os bairros de Praia do Suá e Camburi”.33
Em outubro do mesmo ano, Falcão voltou a abordar o tema para solicitar uma
intervenção do governador, com o intuito de “impor justiça”, uma vez que, segundo ele,
“os criminosos encontram-se entre os bairros de Praia do Suá e Praia do Canto”. Ele acrescentou ainda a informação de que a mãe de Araceli chegara “da Bolívia para, com instância, solicitar das autoridades as demais providências”.34Três dias depois, Falcão elogiou o
jornal A Tribuna por ter publicado uma matéria sobre o caso, mas afirmou, corajosamente,
que ele era “sabedor de valiosas informações a respeito do paradeiro da menina sequestrada”, e que estaria “à disposição da polícia para depor sobre o caso, mesmo que lhe custe
a vida, pois forças ocultas estão a ameaçá-lo”. Contudo, Falcão concluiu que: “não me
acovardarei, estou pronto a levar avante o caso angustiante da menor.”35
Em outra sessão, Falcão voltou a usar a tribuna para lembrar que no “Dia da
Criança” as autoridades deveriam fazer alguma coisa a respeito do caso da menina morta, e
igualmente para informar que o jornalista Edvaldo Calmon, presente na Câmara, por fazer
parte da bancada da imprensa, havia dito “que sabia quem eram os criminosos”. Esse pronunciamento de Falcão fez com que o jornalista citado, também infringindo o Regimento
Interno da Câmara, revidasse às palavras de Falcão chamando-o de “mentiroso”. Falcão
respondeu que “canalha” e “mentiroso” era o jornalista, uma vez que “naturalmente se estava fugindo da questão era porque devia ter se vendido para calar”.36Falcão foi advertido
pelo presidente Claudionor Lopes Pereira para que da tribuna “omitisse nomes das pessoas
a que quisesse se dirigir, porquanto citadas nominalmente elas não poderiam se defender,
dadas as normas regimentais do poder Legislativo”. E, em solidariedade ao colega da
imprensa atacado por Falcão, os demais jornalistas se retiraram do recinto.37Poucos dias
após, porém, Falcão retratou-se perante a imprensa pelas ofensas dirigidas ao jornalista
Edvaldo Calmon.38
Alguns dias depois, Falcão retornou ao caso Araceli para novamente pedir a demissão do superintendente da Polícia Civil, isso porque, segundo ele, “todo mundo sabe
quem matou a menina Araceli, só o Dr. Gilberto é que não sabe”. Falcão ainda afirmou
que o jornal A Gazeta estaria “amordaçado com relação ao caso” e pediu o apoio dos jor-
243
História da Câmara Municipal de Vitória
nais A Tribuna, O Diário, Jornal da Cidade, Rádio Espírito Santo e TV Vitória para essa
“causa”. Entretanto, Falcão revelou também que: “quem matou a menina Araceli foram
dois jovens da alta sociedade. O garçom que viu os dois jovens colocarem a menina em
uma Kombi desapareceu. Por quê? Toda a cidade sabe que quem matou a menina Araceli
foram um filho da família Helal e outro da família Dante Michelini”. Falcão igualmente, ao
pedir a renúncia do “Dr. Trajana”, disse que ele era “dúbio”, e que por isso não tinha condições de exercer o cargo de diretor do Instituto Médico Legal da Polícia Civil do Estado.39
Na sessão seguinte, Falcão informou que se dirigiu ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, para solicitar ajuda para as providências cabíveis no caso, já que a Polícia do
Espírito Santo não tinha meios para elucidar o crime. Embora admitisse a honorabilidade
do superintendente Gilberto Faria, Falcão achava que ele estava sendo “pressionado” por
“forças ocultas” e, por isso, pedia a sua renúncia. Falcão também afirmou que recebera
cartas anônimas “avisando que ele está ameaçado de morrer desde que defenda a criança
capixaba entregue à sua própria sorte”. Emocionado, Falcão se dirigiu ao presidente da
República, aos senadores e aos deputados, e aos seus companheiros da Câmara para que
“juntos procurem meios para a defesa da criança brasileira”. Em seguida, ele se dirigiu aos
colegas, dizendo-lhes “adeus” “porque ameaçado como está, não sabe se esta é a última
vez que lhes fala”.40
Falcão reafirmou, em outra sessão, que por toda a cidade se propalava o boato de
que estaria “correndo dinheiro para que os criminosos não fossem descobertos”. Ele indagou não só sobre um “Dodge” importado, que supostamente servira de transporte para o
corpo da “infeliz”, como também perguntou acerca dos médicos que “dizem” atenderam
à menina.41
Em outubro, Falcão, sempre ele, retornou ao tema para dizer que a “senhora
Lola”, a mãe de Araceli, havia passado um “telex ao presidente da República” para contar
da “barbaridade”, feita em Vitória com sua filha, “onde os canalhas calam” e procuram
“ocultar o delito”, mesmo o jornal A Gazeta “por ser um órgão poderoso”. Falcão disse
ainda que em face dos seus pronunciamentos a favor da elucidação do crime da menor
estariam “procurando processá-lo”, razão pela qual já constituíra “dois advogados para sua
244
A Oitava Legislatura 1973-1977
defesa: “os doutores Jeová e Ewerton Magalhães”. Disse mais ainda que, se porventura ele
aparecesse morto, “a população capixaba saberá quem são os canalhas, que segundo informações encontram-se nos Estados Unidos”.42Pouco mais de um mês depois Falcão anunciou que os promotores “Elias Faissal e Bermudes” estavam sendo ameaçados “em face das
atuações” que faziam “contra os criminosos sedutores e assassinos”. No entanto, ele tinha
esperanças que, futuramente, o “Dr. Bermudes” ainda colocaria “os algozes de Araceli na
cadeia”.43
Em outra oportunidade, já em 1974, Falcão voltou a protestar contra as autoridades incumbidas da manutenção da ordem e da segurança pública, visto que elas não
tomaram as devidas providências para elucidar, não só o caso de Araceli mas também os
inúmeros casos de crimes e assaltos “que vêm se verificando nesta cidade”. Ele citou a esse
respeito os casos de “Lena, Betinho e João Pedro”, para os quais até aquela data também
não tinha havido punição.44
AS AUTARQUIAS
É preciso ressaltar que muitas das reivindicações dos vereadores se referiam à
atuação de empresas e autarquias estaduais como a Escelsa, a Cesan, a Telest, e o DER,
sobre as quais nem sempre o prefeito podia atuar diretamente.
Nesse contexto, Marinho Delmaestro, que foi grande defensor da administração
municipal, ao tecer críticas severas a respeito da Escelsa, afirmou, mais uma vez com grande dose de retórica, que o Estado do Espírito Santo era “o que mais caro paga pela energia
elétrica em todo o mundo”.45Intensas também eram as reclamações contra a cobrança da
taxa de iluminação pública.46Arnaldo Pratti, do MDB, aproveitou a oportunidade para
lembrar que caros e onerosos eram não só os serviços prestados pela Telest como também
os da própria Prefeitura. Raulino Rodrigues da Rocha igualmente criticou a Companhia
Telefônica “pela maneira como vem cobrando os telefonemas”.47A respeito da escassez
de telefones públicos, Nenel Miranda informou que chegariam à cidade os dez “orelhões”
que a Telest pretendia instalar nos bairros de Goiabeiras, Itararé, Praias, e Bairro da Penha,
além de um no Campus Universitário, o que era uma quantidade de aparelhos claramente
245
História da Câmara Municipal de Vitória
irrisória.48
Em 1973 começou a circular a notícia de que em breve o problema do abastecimento de água seria solucionado. E em abril desse mesmo ano, Darcy Castelo de Mendonça anunciou na Câmara que a Cesan ultimava a construção de “um novo sistema de abastecimento de água para a Grande Vitória”.49Assim, até o sempre crítico Clério Vieira Falcão
elogiou os trabalhos efetuados pela Cesan no Reservatório de Duas Bocas, em Cariacica,
ao mostrar fotografias da obra e afirmar que, após concluída, aquela obra iria “equacionar
o problema daquela região”.50
A princípio não diminuíram de todo as críticas à “falta de água na cidade”, principalmente em alguns bairros como Jardim Camburi. Marinho Delmaestro, por exemplo,
ocupou a tribuna “para mais uma vez criticar os dirigentes da Cesan por não providenciarem o serviço de canalização no bairro de Camburi, obrigando aqueles moradores a se abastecerem com água de poço”. Para Delmaestro, era “vergonhoso ver crianças, estudando no
colégio municipal existente naquele bairro, servirem-se de água de cacimba”.51Delmaestro
ainda afirmou que a Cesan anunciara o recebimento de uma verba de cem milhões de cruzeiros para resolver os problemas de abastecimento da Grande Vitória, mas acabou por
somente planejar “a construção de um poço” em Jardim Camburi, e isso lhe parecia ser
“inadmissível”.52No entanto, em outra oportunidade, o mesmo Delmaestro voltou a criticar a Cesan por exigir mil cruzeiros de cada morador para levar a rede de água ao bairro
de Camburi “enquanto a lei diz que este serviço” deveria ser prestado “sem nenhum ônus
aos usuários”.53
Convém ressaltar que naquela época a Câmara discutia o projeto, enviado pelo
Executivo, acerca da reurbanização de Camburi. E Arnaldo Pratti, por esse motivo, ao
chamar a atenção de seus pares para a importância do projeto, reputou “de grande responsabilidade” o que continha “em seu bojo”. Com efeito, em “mesa redonda, o prefeito, seus
engenheiros e outras autoridades” discutiram amplamente a questão.54
A questão do crônico problema do fornecimento de água não se restringia apenas ao bairro de Camburi. No bairro de Goiabeiras, a questão da falta de água também se
246
A Oitava Legislatura 1973-1977
apresentava, e Darcy Castelo de Mendonça e Izildo Alvarino reclamaram do abastecimento
precário na área. Eles exigiram que fossem enviados “carros-tanque para abastecer os moradores daquele populoso bairro”.55
Assim como o problema do abastecimento de água, a questão do saneamento e
do esgotamento da cidade afetava profundamente o bem-estar da população. Delmaestro,
dessa forma, também protestou contra a Cesan “pelo lançamento da rede de esgoto na orla
marítima da Praia do Canto”. Ele afirmou que a empresa “queria jogar o esgoto na Praia
de Camburi, mas o senhor prefeito municipal não o permitiu”. O Vereador igualmente
condenou o fato de que se concedia o “habite-se” para edifícios na Praia do Canto “sem o
necessário sistema de escoamento de esgotos, provocando ultimamente insuportável mau
cheiro naquelas imediações”.56
E outra autarquia que teve sua atuação bastante criticada foi o Detran, visto que
as reclamações contra o trânsito cada vez mais congestionado e perigoso de Vitória tornaram-se recorrentes. Raulino Rodrigues da Rocha, nesse âmbito, solicitou ao Detran “enérgicas providências” contra os motoristas que trafegavam em grande velocidade pelas ruas
dos bairros e da cidade, “colocando em perigo a população”. No bairro de Santo Antônio,
o abuso era constante e por isso ele reivindicou a colocação de quebra-molas nas proximidades das casas comerciais. Pratti referiu-se “aos nefastos acontecimentos que ocorrem
nesta cidade”, mas, ao contrário de seu colega Raulino, solicitou a colocação de sinais luminosos nas ruas mais movimentadas. E nesse quadro de condenações ao trânsito, a morte
por atropelamento da “estudante Eliana Sales Lisboa, na avenida Vitória, por motoristas
desalmados que não respeitam as sinalizações” obrigou o Vereador Máximo Vieira Varejão
a reivindicar a colocação de quebra-molas naquela avenida central da cidade.57Contudo,
ao comentar o mesmo episódio, Izildo Alvarino discordou de seus colegas e sugeriu a
construção de uma passarela na mesma avenida Vitória.58Entretanto, além da organização
do tráfego de veículos, os congestionamentos também eram mencionados e criticados.
Delmaestro, por exemplo, ao argumentar a respeito do “tumultuado trânsito da cidade”
disse que os constantes congestionamentos que ocorriam eram devidos à morosidade da
construção da “ponte do Camelo”, pelo Departamento de Estradas de Rodagem-DER.59
247
História da Câmara Municipal de Vitória
Namir Carlos de Souza, José Carlos da Fonseca, Carlos Alberto V. Freire, Claudionor
L. Pereira, Darcy Castelo de Mendonça, Clério Falcão, Chrisógono T. da Cruz, Ademir Antunes,
Raulino Rodrigues da Rocha, Nenel Miranda, Máximo Varejão, José Guterres e Walter Miranda.
Da esq. para di.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Todavia, nenhuma outra autarquia teve o seu desempenho tão mal avaliado quanto a Fundação de Estacionamentos e Pontes do Espírito Santo - FUNDEP. No início,
essa autarquia, criada para planejar, construir, manter e administrar o estacionamento de
veículos e das pontes em Vitória, até recebeu elogios de alguns vereadores. Nenel Miranda,
por exemplo, ao parabenizar a atuação da fundação, afirmou que a implantação do sistema
de “estacionamento pago” no centro da cidade, pela FUNDEP, fez com que algumas lojas
“reembolsassem” o valor da taxa de estacionamento a seus clientes, o que ele considerava
positivo. Entretanto, ele ressaltou que o objetivo da fundação não era apenas o de viabilizar
o estacionamento de “alta rotatividade”, mas também o de “baixa rotatividade ou de dia
inteiro”. Além disso, segundo ele, o prefeito lhe informara que, em função da arrecadação
das taxas de estacionamento, alguns bancos estavam interessados em financiar a construção de uma nova estação rodoviária. Até então a rodoviária da cidade funcionava na praça
Misael Penna, no Parque Moscoso, mas a sua incapacidade para atender ao movimento
248
A Oitava Legislatura 1973-1977
rodoviário da cidade era notória.60
Entretanto, Clério Falcão, destoou desses elogios e condenou veementemente a
FUNDEP, visto que ela estaria, segundo ele, “acabando com as ruelas de Vitória, tais como
a rua do Rosário, a rua Barão de Monjardim e próximo à redação de O Diário”.61 Ele alegou ainda que o órgão não passava de um verdadeiro “cabide de empregos” dos políticos
fracassados no último pleito, e que, além disso, estariam vendendo “placas para táxis por
cinco mil cruzeiros e algumas até por dez mil cruzeiros”.62E por causa dessas denúncias,
Falcão comunicou à Câmara que fora chamado, pelos dirigentes da FUNDEP, de “agitador
e moleque”.63Todavia, seu colega de partido Arnaldo Pratti o rebateu, alegou que a fundação não era um “cabide de empregos”, e enfatizou que se os ex-vereadores Adyr Sebastião
Baracho e José Ubaldo Pimentel, a quem Falcão supostamente citara em sua crítica, recebiam remuneração daquela fundação, era porque faziam “jus aos seus trabalhos”.64
Por conseguinte, Carlos Alberto Viana Freire, citou o Artigo 4º. da Lei nº. 2194,
que criou a FUNDEP na legislatura anterior, e afirmou que era objetivo da fundação
“promover o planejamento e a construção de áreas de parqueamento de veículos em locais
que forem determinados pela Prefeitura”. Portanto, Freire concluiu que a FUNDEP não
estava autorizada a “conceder áreas de ruas e praças para estacionamento”, visto que os
artigos 66 e 67 do Código Civil proibiam tal medida por tratar-se de “bem comum”. Essa
concessão, conforme Freire, só poderia ser efetuada por autorização de uma lei da Câmara,
cedendo àquela fundação esse direito, uma vez que se tratava de uma instituição de personalidade jurídica de Direito privado.65 E com base em artigos do Código Nacional de
Trânsito, Freire ainda contestou as afirmações da FUNDEP, feitas nos jornais locais, e insistiu na ilegalidade da cobrança desse sistema de estacionamento.66Freire também criticou
a cobrança feita pela FUNDEP, aos motoristas de táxis, da taxa de três salários mínimos a
título de inscrição de veículos.
Nesse cenário de condenações, Walter Miranda também discordou da determinação imposta pela FUNDEP a respeito da circulação dos ônibus provenientes de Carapina,
Carapebus e Itararé pela praça Costa Pereira, e assegurou que esse “péssimo remanejamento” trazia dificuldades aos usuários, moradores desses bairros, de se locomoverem até
249
História da Câmara Municipal de Vitória
ao Mercado da Vila Rubim. Ele insinuou que talvez a verdadeira intenção dos dirigentes
da fundação “fosse a de permitir a qualquer empresário a colocação de micro-ônibus para
trafegar pelo centro da cidade a fim de explorar a população da zona norte que vive de
irrisórios salários”. Contudo, Walter Miranda advertiu que, se isso acontecesse realmente,
ele iria denunciar a fundação.67
Todavia, Darcy Castelo de Mendonça salientou ainda que a FUNDEP não podia
“proibir ao profissional aprovado de acordo com as leis vigentes o desempenho de suas
funções, cobrando taxas absurdas”.68Em uma outra oportunidade, o mesmo Darcy dissera
que a FUNDEP “loteou toda a cidade, cobrando dos proprietários de veículos, inclusive
no horário noturno”.69
E parece que as fortes críticas à FUNDEP em algum momento surtiram efeito.
Mesmo assim, Marinho Delmaestro sugeriu que o prefeito havia suspendido temporariamente a cobrança de estacionamento, que vinha sendo executada por essa fundação, “devido à enorme pressão gerada pelos homens da imprensa escrita, donos de edifícios-garagem
e pelo presidente da Federação das Indústrias, Dr. Jones dos Santos Neves Filho”.70É
preciso salientar que esses mesmos vereadores, Darcy Castelo de Mendonça, Clério Vieira
Falcão, Marinho Delmaestro e Máximo Varejão foram aqueles que se apressaram a criticar o prefeito, de uma maneira até incoerentemente, por haver demitido funcionários da
FUNDEP, logo após a suspensão temporária da cobrança do estacionamento, que eles
tanto criticaram. 71
CHRISÓGONO TEIXEIRA DA CRUZ
O engenheiro e construtor Chrisógono Teixeira da Cruz foi nomeado prefeito da
capital pelo governador Arthur Carlos G. Santos, seu amigo, sem ter exercido antes qualquer cargo político. Apesar disso, ele concluiu os quatro anos de sua administração com
alto nível de aprovação na Câmara municipal, sendo considerado por muitos vereadores,
de ambos os partidos, um “grande administrador”. Marinho Delmaestro, por exemplo,
que era da ARENA, considerou-o, “um dos melhores prefeitos do país”.72Por causa dessa
apreciação, Delmaestro entusiasmou-se ao ponto de lançar o nome do engenheiro para a
250
A Oitava Legislatura 1973-1977
sucessão do governador.73
E a construção do “Palácio Municipal”, local onde até hoje funcionam a Prefeitura e a própria Câmara Municipal, era uma das obras responsáveis pela adesão dos
vereadores à sua administração. Arnaldo Pratti ao reportar-se à obra, no bairro de Bento
Ferreira, disse que ela iria “resolver o problema da dispersão dos departamentos da Prefeitura, reunindo-os em um só local, onde ficará também a Câmara dos Vereadores”. Em um
aparte a ele, Nicanor Alves dos Santos lembrou que “só os aluguéis que o poder Executivo deixará de pagar por dependências de outros, após a sua instalação, darão para pagar
o empréstimo adquirido para o término da obra”.74Em 1974, Claudionor Lopes Pereira,
o presidente da Câmara, elogiou a “monumental obra do Palácio Municipal, edificada na
avenida Beira-Mar”.75
Nesse contexto, ao elaborar um retrospecto, às vésperas do recesso natalino, das
obras realizadas por Chrisógono Teixeira da Cruz no transcorrer do ano de 1974, Carlos
Alberto Viana Freire salientou o “entrosamento” que tinha havido entre os vereadores e o
prefeito para sua execução. Freire, ao aludir ao Palácio Municipal “já em pleno funcionamento”, reivindicou do prefeito a confecção de uma placa com o nome de todos os vereadores “para que o povo, no futuro possa apreciar o trabalho realizado no decurso desta
legislatura”. Izildo Alvarino, da oposição, também “enalteceu o chefe do poder Executivo
pelas obras realizadas”.76Em outra oportunidade, o mesmo Izildo referiu-se à “magnífica
administração apresentada pelo engenheiro Chrisógono Teixeira da Cruz”. Ele afirmou
igualmente que essa administração tivera “o apoio dos vereadores do MDB, quando das
votações dos seus projetos”, mediante um “esquema traçado com S. Exª., e do aplauso do
povo em geral”. E ao finalizar Izildo disse que, por causa desse apoio, achava por bem que
se lançassem alguns vereadores à candidatura de deputado estadual.77
Os elogios ao dinamismo da administração municipal, porém, já tinham ocorrido
anteriormente. Por exemplo, na época das festividades da Semana da Pátria, diante de uma
série de obras inauguradas, Nenel Miranda afirmou que os aplausos recebidos pelo prefeito
demonstravam claramente “que o povo” estava sumamente agradecido pelo trabalho que
“vinha sendo realizado pelo engenheiro Chrisógono Teixeira da Cruz”. E ao referir-se à
251
História da Câmara Municipal de Vitória
Izildo Alvarino e família, Nenel Miranda, Marta Alvarino e Carlos Alberto V Freire.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
nova “Ponte da Passagem”, Nenel, informou que ela fora “construída em cento e cinquenta dias, com custo de um milhão e duzentos mil cruzeiros”. Contudo, advertiu, que ela só
seria inaugurada quando estivesse concluída a duplicação das avenidas Fernando Ferrari e
Nossa Senhora da Penha. A seguir, Nenel, da mesma maneira, enalteceu não só a “gigantesca” obra do “Palácio Municipal”, um “projeto feito por dois arquitetos dignos de serem
elogiados”, como também a inauguração da primeira etapa da avenida Dante Michelini.78
E Raulino Rodrigues da Rocha foi mais enfático ainda em seus elogios do que os
seus colegas, ao afirmar que a cidade de Vitória “nunca possuiu um prefeito que trabalhasse com tanta perfeição como o senhor Chrisógono Teixeira da Cruz”. Nenel, não perdeu
a oportunidade e lembrou, mais uma vez, que se podia observar naquela tarde, por um
lado, “o apoio unânime que os senhores vereadores vêm dando ao prefeito municipal”,
e, por outro, a “enciumada” de alguns no que “tange às festividades de inauguração de
obras”.79Em março de 1975, Nenel também elencou as grandes realizações de Chrisógono, tais como: a Rodovia do Contorno; a pavimentação da avenida Vitória e da Fernando
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A Oitava Legislatura 1973-1977
Ferrari; a Ponte da Passagem; a reconstrução da avenida Beira-Mar e da avenida Dante
Michelini; a construção do Palácio Municipal; e mais inúmeras obras de pequeno porte,
segundo o vereador.80
Todavia, não se pode afirmar que tenha havido na Câmara completa unanimidade com relação à administração do prefeito Chrisógono. Ao contrário, da mesma forma,
existiram críticas.
Na fase inicial da legislatura, o experiente Vereador Nicanor Alves dos Santos
apoiava discretamente a administração do engenheiro, indicado para a prefeitura. Contudo, em outubro de 1973, no contexto da campanha eleitoral do ano seguinte, quando já se
falava da escolha de um novo governador, Nicanor, o líder da ARENA, não só teceu graves acusações políticas contra o prefeito como também colocou à disposição da bancada
da ARENA a função de “líder da bancada” que ele exercia. E em um dos seus discursos,
Nicanor, ao abordar o lema “Chrisógono no Governo, MDB no poder”, que rapidamente
se espalhara na cidade, alegou que, desde o princípio da administração, o MDB criara na
Câmara diversos “cargos desnecessários”. Entretanto, informou que o prefeito teria prometido vetar essa “criação de cargos”, mas, segundo Nicanor, o prefeito não cumprira a
“palavra empenhada com os membros da ARENA”. De acordo com Nicanor, o prefeito
Chrisógono “dizendo-se apolítico, fazia o jogo com o partido da oposição, oferecendo,
inclusive, cargos a políticos desse partido, fracassados no último pleito”. Nicanor enfatizou ainda que o prefeito assumira o compromisso de apoiar os candidatos da ARENA.
E, ao realçar mais ainda a sua declaração, disse que o prefeito “caiu fora, deixando uma
gravação tímida, contestada por amigos do MDB”. Alegou também que o prefeito criara
“um órgão na Prefeitura” que se transformara em uma “arma de campanha” do MDB.
Nicanor, ao concluir, declarou categoricamente que “agora S. Exª. quer ser governador”,
preconizou que, se isso acontecesse, seria o “azar da ARENA” e a “glória para o partido
da oposição”.81
Essas declarações decretaram praticamente o rompimento do Vereador arenista
com o prefeito, e as suas denúncias se tornaram daí por diante rotineiras até o término da
administração. Nicanor, por exemplo, não só tornou a mencionar a aproximação do prefei-
253
História da Câmara Municipal de Vitória
to com o MDB, por nomear membros desse partido para importantes funções, como também fez acusações mais graves no plano administrativo. Ele sugeriu, assim, que o prefeito
beneficiara “generosamente as áreas onde tem seus interesses ligados, em detrimento dos
menos favorecidos que em alguns bairros estão sujeitos até a qualquer momento verem
suas casas levadas pela draga.”82
E parece que as críticas de Nicanor obtiveram ressonância dentro de seu próprio partido. Nenel Miranda, dessa maneira, usou a tribuna para dizer que discordava
“do método de intervenção do senhor prefeito municipal nas lideranças partidárias desta
Casa, mui principalmente com a liderança de seu partido, querendo excluir a pessoa do
senhor Nicanor Alves dos Santos”. Embalado por esse apoio, Nicanor retornou à tribuna
para afirmar que desde muito tempo “vinha observando a criação pelo prefeito de cargos
comissionados destinados ao partido da oposição”, uma atitude, conforme Nicanor, que
tinha sido censurada pelo próprio senador Eurico Rezende. E, ao exemplificar essa informação, disse que, após a ARENA fazer a maioria da Câmara, por causa da vitória nas
eleições de 1972, o prefeito criara a FUNDEP, e os cargos respectivos, “para colocar vereadores do MDB, principalmente aqueles que não se elegeram no último pleito”. Nicanor,
ao finalizar, ainda por cima teceu críticas à administração de Chrisógono “com referência
ao problema viário” e lançou dúvidas acerca do “audacioso sistema de valorização das suas
propriedades”.83
Nesse contexto, em outra de suas diatribes contra o prefeito, Nicanor afirmou
que, ao entregar o cargo, Chrisógono Cruz deixaria a Prefeitura “com tendência para a
falência, em virtude do grande festival de empréstimos”. E esses empréstimos, segundo o
Vereador, eram feitos com a “finalidade exclusiva de serem aplicados em obras próximas às
suas propriedades, para maior valorização”. Convém ressaltar que anteriormente Nicanor
já fizera ironias na tribuna em relação ao tema da “valorização de propriedades”, quando
afirmou que no bairro de Jardim Camburi “por ter S. Exª. algum imóvel que não interessa
a sua companhia, até a presente data nada fez em favor daquele bairro ou mesmo daquela
população. Se porventura alguns dos moradores doarem a S. Exª. uma boa propriedade,
por certo todo o bairro será beneficiado”.84
254
A Oitava Legislatura 1973-1977
Por conseguinte, alguns dias depois, Nicanor foi mais específico em suas acusações, ao referir-se à “Ilha do prefeito” e afirmar que “se o ex-proprietário da Ilha adivinhasse que o prefeito fosse fazer um excelente melhoramento naquela propriedade não a
venderia por tão baixo preço”. Enfatizou ainda mais a suposta denúncia, ao dizer que “se o
ex-dono do ‘Castelinho’ adivinhasse que S. Exª. não fosse fazer a desapropriação dele, também não o venderia”. Na opinião de Nicanor, “o chefe do poder Executivo”, no lugar de
“contrair empréstimo para pavimentação do bairro Jardim Camburi”, fizera um “empréstimo para execuções de obras nas proximidades de sua ilha e demais propriedades”. Em
outras palavras, Nicanor anunciou que na “avenida Marechal Mascarenhas de Morais, mais
conhecida por avenida Beira-Mar, S. Exª. gastou aproximadamente cerca de um milhão de
cruzeiros com a colocação de bloquetes, próximo a um prédio da Companhia Cruz”, acresce que esse trecho estava “sendo refeito pela municipalidade, consoante levantamentos da
área, para resguardar o edifício da ação do mangue”. Nicanor, então, concluiu enfático que
“o bairro de Jardim Camburi só não poderia deixar de ser pavimentado, se não tivesse um
administrador municipal que visasse a melhoramentos para o seu patrimônio”. No entanto, essa última afirmação de Nicanor foi refutada por Izildo Alvarino, da oposição, com a
notícia de que o prefeito “atendeu satisfatoriamente algumas reivindicações dos moradores
do bairro de Jardim Camburi, inclusive a colocação de uma linha de ônibus”. Contudo,
Izildo viu-se obrigado a admitir que era necessária a colocação da rede de água por parte da
Cesan, para evitar o abastecimento de água de poço naquela região. Diante dessa crítica, o
novo líder da ARENA, Carlos Alberto Viana Freire, aproveitou para rebater as acusações
de Nicanor, quando alegou que, se o prefeito, ao pavimentar uma via pública “excluísse
parte do calçamento defronte a cada propriedade sua”, ele acabaria por interceptar “quase
todas as obras constantes do plano administrativo”. A verdade, conforme o novo líder,
era a de que o prefeito demonstrava “perante a população ser um excelente administrador,
digno de nosso aplauso”.85
Todavia, foi mais sutil a intervenção do presidente Claudionor Lopes Pereira,
logo após a apresentação de mais uma crítica do seu colega de partido, o Vereador Nicanor, ao prefeito. Nicanor observou que a empresa “Daniel Alves Imóveis” denunciara o
prefeito “pela sua benevolência para com algumas firmas empreiteiras da Companhia Vale
do Rio Doce com relação a à cobrança do Imposto sobre Serviço – ISS –”, e declarou que
255
História da Câmara Municipal de Vitória
essa cobrança atingia a “cifra de cinco milhões de cruzeiros”. Claudionor então, ao realizar
um longo discurso acerca dos problemas do bairro de Maruípe, aproveitou para mencionar
as falas anteriores de Nicanor, em que este afirmava que os vereadores “da área de Maruípe” eram sempre muito criticados. Claudionor esclareceu que, de fato, como “Vereador da
ARENA”, fazia uma “política sadia”, uma vez que ele mesmo levava as “reivindicações do
povo ao prefeito e aos diretores dos diversos departamentos da Prefeitura”. Todavia, Claudionor observava que em relação à prática de alguns vereadores, “quanto mais o Vereador”
criticava o Executivo, mais era “aquinhoado em seus pedidos”. E, na sequência desse argumento, esse vereador concluiu que para se “conseguir algum benefício para o povo”, era
necessário “pedir veementemente”, ou até mesmo, “partir para a crítica”. Finalmente, ele
exortou os colegas a “exercerem maior hombridade no exercício dos seus mandatos”, isso
porque, conforme o mesmo Claudionor, “entre eles” existiam alguns que se prestavam a
um “leva e traz” constante e esqueciam-se de que essa Casa era “um poder autônomo”.86
Raulino Rocha, José Carlos da Fonseca, Chrisógono T. da Cruz, Claudionor Lopes
Pereira, Carlos A. V. Freire e Nenel Miranda.
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
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A Oitava Legislatura 1973-1977
No entanto, essas graves acusações que Nicanor Alves dos Santos fazia ao prefeito Chrisógono Teixeira da Cruz, de fato já eram realizadas por Clério Vieira Falcão, na
mesma tribuna desde a legislatura anterior. Mesmo assim causa espécie perceber que agora
Falcão não mais secundava as críticas do ex-líder da ARENA, condenações essas que tinham como base as denúncias que ele mesmo fizera antes. Ao contrário, surpreendentemente, Falcão revelou-se nessa ocasião um adversário de Nicanor.
Nessa conjuntura, em uma das sessões ordinárias, Nicanor afirmou com veemência que não só fora ele quem primeiro reivindicou melhoramentos para os moradores dos
bairros Jardim da Penha e Jardim Camburi como também que os benefícios constantes no
projeto do Executivo, que naquele momento tramitava na Câmara, demonstravam a sua
vitoriosa luta em favor dos moradores desses bairros. Além do mais, em relação às obras
que foram realizadas na Grande Maruípe, uma outra região que Nicanor igualmente pretendia representar, ele assegurou energicamente que “parte delas” fora concluída por meio
“de pressão”, “devendo o povo compreender que o seu afastamento da pessoa do prefeito
foi porque esse cidadão não cumpria com a sua palavra”. Entretanto, o “povo da região”
de Maruípe, conforme Nicanor advertiu, não deveria pensar que as obras “ali realizadas”
o foram por intermédio das reivindicações de outros vereadores. Nicanor informou ainda
que várias obras dessa região somente seriam inauguradas ainda “pela metade”, embora
elas constassem no plano municipal “como concluídas”. E, nesse mesmo dia, Nicanor
mais uma vez introduziu o tema das críticas à FUNDEP, ao condenar a localização de um
ponto de ônibus na praça Costa Pereira, determinada pela fundação, mas que não atendia
“aos reclamos dos moradores de Santo Antônio”. Na sequência, disse novamente que a
fundação não passava de um “cabide de empregos dos fracassados do MDB”, sua atuação
era ineficaz, “exigindo do povo tamanho sacrifício”, e assegurou finalmente que o prefeito
era responsável por “essa situação pelo fato de a consentir”. Para Nicanor, os emedebistas
eram tão somente “bajuladores de S. Exª.” Em virtude dessa denúncia, em um aparte que
não lhe foi concedido, Clério Falcão irrompeu intempestivamente no plenário para discordar dessa afirmação de Nicanor e acusou o parlamentar arenista de “covarde, agiota e de
mentecapto”. Finalmente, a sessão foi interrompida por um violento tumulto, e o presidente Claudionor Lopes Pereira simplesmente suspendeu essa sessão.87
257
História da Câmara Municipal de Vitória
Ressaltamos que as críticas de Nicanor à FUNDEP também foram rebatidas por
Arnaldo Pratti, que alegou não admitir que um Vereador - como o era Nicanor -, que tanto
defendeu um órgão - a fundação “quando da sua criação” -, fosse hoje o seu maior crítico.
No entanto, o embate entre Falcão e Nicanor continuou em outra sessão quando Clério
Falcão, ao aproveitar a oportunidade para insultar mais uma vez a Nicanor, foi advertido
pela presidência. Apesar disso, Falcão assegurou que, durante o tempo em que fora chefe
da Polícia, Nicanor “foi o elemento que mais espancou cidadãos”. No entanto, ao retornar
ao tema do apoio de Nicanor ao prefeito, Falcão acrescentou que Nicanor foi o Vereador
que “mais defendeu o prefeito”, mas que naquele momento era “inimigo de S. Exª. porque
queria comprar a Ilha e o prefeito [ilegível]”. Falcão partiu então para o campo das insinuações e ofensas pessoais ao informar que Nicanor “quando da restauração da avenida
Beira-Mar, a pedido de uma loira, sua amante, conseguiu-lhe vários caminhões de terra”.
E Falcão chegou ao ponto de afiançar: “Quem gosta de safadeza é safado. Se hoje ele aqui
não compareceu é porque fugiu do pau e, fugindo da briga, é covarde. Sendo covarde, é
frouxo”. Finalmente, Clério Falcão, ao lançar a última acusação, assegurou que o Vereador
Nicanor “para conseguir os mil e quarenta votos subiu os morros da cidade, oferecendo
pinico e óculos aos eleitores. Ele foi um simples soldado de polícia, sendo hoje um cidadão
possuidor de uma fortuna incalculável”.88
Nesse contexto, poucos dias depois, sem revidar aos insultos de seu colega, Nicanor explorou um tema que já abordara anteriormente, porém não falou de improviso
e apenas leu um discurso previamente escrito. Ele analisou inicialmente o problema do
plantão das farmácias, uma vez que naquele momento ocorria o fechamento das “farmácias não escaladas” após as vinte horas, uma determinação que, segundo ele, deveria
ser revista “quando houver a explosão demográfica que se espera na Grande Vitória”.
No entanto, Nicanor voltou ao tema da FUNDEP, para afirmar que, na época em que a
Câmara aprovou a criação da fundação, “ninguém imaginava que ela fosse se transformar
em um organismo contrário aos interesses da comunidade, de que o loteamento da cidade
em estacionamentos pagos e o fracionamento das empresas de transporte coletivo” eram
os “mais irretorquíveis exemplos”. Ao concluir, Nicanor ainda criticou o Detran, que na
opinião dele, seguia o mau exemplo da FUNDEP, e também se voltava “contra o povo no
fracionamento das empresas intermunicipais”.89
258
A Oitava Legislatura 1973-1977
Na época, a política educacional continuava a ser um dos temas recorrentes nas
sessões da Câmara, e nela a questão da situação precária das escolas municipais preocupava os vereadores. E, por isso, após escutar as críticas que Izildo Alvarino fizera contra o
“descuido” de algumas escolas municipais, Nicanor Alves dos Santos usou a tribuna para
condenar a política educacional do prefeito e de seu Departamento de Educação. Nicanor
também assegurou que ao longo dos quatro anos de administração municipal “nem sequer
se construiu um único prédio destinado ao ensino”, que muitas escolas viviam em “estado
deplorável”, serviam apenas de “cabide de emprego para afilhados e alijando aqueles alienados das graças do prefeito”. Ele citou como exemplo de protecionismo para afilhados,
o caso da demissão de uma professora, que fazia parte do “quadro funcional do Departamento de Educação, dirigido pelo senhor Arildo de Abreu Castro”. De acordo com
Nicanor, o diretor Abreu Castro, ao ser arguído por ter demitido uma exímia professora,
respondeu que “contra ela não havia nada, mas ele era contra o seu protetor”. Portanto,
a partir desse fato, afirmou Nicanor, “se poderia avaliar a capacidade administrativa do
senhor Arildo Abreu de Castro”.90
Naquele momento, como já ficou claro, o velho dilema do abastecimento de água
em Vitória era um dos “cavalos de batalha” na Câmara. Nicanor, por exemplo, ao se referir aos problemas de Jardim Camburi, afirmou que fazia dois anos que ele realizava uma
“campanha na Câmara” com referência à falta de canalização de água por parte da Cesan,
naquele bairro, que obrigava a sua população a se abastecer com água de poço. Além disso,
assegurou que diante das constantes reclamações, não só do “povo” como também da imprensa, o problema não recebera uma solução e, para que ele fosse resolvido, necessitou-se da intervenção do tenente-coronel Edmar Telesca, Comandante do 38º Batalhão de
Infantaria, e dos dirigentes da Companhia Vale do Rio Doce para que essa “situação deprimente fosse sanada”. De acordo com uma informação que ele recebera, a Companhia
Vale aquiesceu em “fazer uma sangria na adutora de Tubarão para suprir as necessidades
do povo”. Todavia, o problema só ficaria definitivamente solucionado, segundo Nicanor,
“quando a Cesan resolvesse instalar a rede de água naquela localidade.91
Nicanor igualmente defendeu um aumento de salário para a maioria dos servidores, principalmente os professores, que, segundo ele, “recebendo irrisórios vencimentos
259
História da Câmara Municipal de Vitória
jamais contaram com a mínima intervenção do senhor secretário da Fazenda”. Para ele, o
certo era que “a majoração de vencimento só era feita para uma pequena parte de servidores, porque para a grande parte nunca houve uma solução”. Ele ressaltou que se tornava
necessária uma intervenção do próprio governador.92
Ainda a respeito da educação, Nicanor referiu-se à “falta de escolas de 2º. Grau
nesta cidade e demais municípios do Estado, por falta de providências por parte do senhor
secretário da Educação e Cultura”. Ele lembrou que Vitória contava somente com o tradicional Colégio Estadual, como escola de 2º. Grau, e apenas outra no município de Vila
Velha, e era necessário, afirmava ele, criar outros estabelecimentos de 2º. Grau em todo o
Estado.93
Contudo, a crítica mais contundente e aparentemente a mais comprometedora
que Nicanor Alves dos Santos fez ao prefeito Chrisógono Teixeira da Cruz envolveu a
Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano - COMDUSA. Ele criticou
acerbamente essa autarquia estadual por ter vendido ao prefeito “uma enorme área do
aterro existente na orla marítima do bairro da Praia do Suá”. Nicanor afirmou que era “demais vergonhoso ver o patrimônio dessa Companhia sendo dividido entre três ou quatro
pessoas”, e solicitou “ao governo federal o afastamento do senhor José Carlos Nelto do
cargo que ocupava na Companhia.” Seu colega Marinho Delmaestro apoiou-o nessa crítica
contra os diretores da COMDUSA.94
A forte repercussão dessa denúncia, na imprensa, fez com que Nicanor voltasse
a ocupar a tribuna, na semana seguinte, para anunciar que o influente jornal O Estado de
São Paulo como “paladino da democracia e da justiça” publicara matéria, no dia anterior,
sobre “o escândalo da administração pública deste Estado, incluindo o nome do prefeito,
por ter participado da transação imoral com dirigentes da COMDUSA, participação essa
contrária aos princípios que pregam a moralização do Brasil”. A seguir, ele também citou
um artigo do jornal A Tribuna, do dia 11 de dezembro, a respeito da “Farsa de Cruz com
Christiano”. E, para concluir, Nicanor ainda afirmou que “S. Exª. vem usando da administração municipal para aumentar a sua riqueza. Gastou dez milhões de cruzeiros do povo
na pavimentação da Ilha adquirida do senhor Hugo Borges”, e, enquanto isso ocorria, “a
260
A Oitava Legislatura 1973-1977
população de Jardim Camburi” reivindicava “melhoramentos para o bairro”.95
A 18 de dezembro de 1974 quando o ano e a administração de Chrisógono já se
encerravam, Nicanor ainda voltou à tribuna para apontar mais irregularidades na administração municipal. Ele acrescentou ao “escândalo da COMDUSA” a questão do “não pagamento do abono natalino ao funcionalismo”, além da “pretensão de fixar aposentadoria
aos ex-governadores”. Para Nicanor, os vários “desmandos governamentais” deixavam a
ARENA em “muito má situação perante a opinião pública”.96
As críticas muito graves de Nicanor ao prefeito não obtinham, aparentemente,
ressonância entre seus colegas vereadores, que, na maior parte das vezes, permaneciam
impassíveis diante delas, sem demonstrar apoio publicamente. Entretanto, quando já se
estava em campanha aberta para as eleições de novembro de 1974, Ademir Antunes, do
MDB, usou a tribuna para assegurar que Chrisógono Teixeira da Cruz fora “não o maior
prefeito de Vitória, mas sim do país”. E, depois de fazer rasgados elogios à sua administração, afirmou que Chrisógono só não fora nomeado para o cargo de governador do Estado
porque fora “traído pelos arenistas”.97Se realmente é verídica essa “informação”, a de que
os arenistas teriam se posicionado contra Chrisógono, questiona-se, então, se isso explicaria a eleição, poucos meses depois, de Nicanor Alves dos Santos - o crítico contundente
de Chrisógono na Câmara - para a presidência da Câmara no biênio seguinte? Nesse caso,
poder-se-ia dizer que as críticas de Nicanor ao prefeito eram “veladamente” apoiadas por
seus colegas?
Na campanha eleitoral, da qual participava como candidato a deputado estadual,
Nicanor Alves dos Santos acusou os dirigentes da Cesan, que, mesmo pertencendo ou sendo subordinados à ARENA, segundo ele, “não solucionaram o problema da sujidade da
água que é servida à população capixaba”. Além disso, conforme Nicanor, esses dirigentes
com essa atitude traíram a campanha política dos integrantes arenistas e não respeitaram a
direção do futuro governador Élcio Álvares. No entanto, Nicanor ameaçou, ainda, que, se
o atual governador não tomasse as devidas providências, ele iria “pedir ao Comandante do
38º. BI para tirar essa ‘corja de cretinos’ daquela direção”.98
261
História da Câmara Municipal de Vitória
AS ELEIÇÕES DE 1974
A preocupação de Nicanor Alves dos Santos com a situação de seu partido perante a opinião pública tinha uma forte razão de ser: os resultados da eleição em todo o país,
mesmo em Vitória e no Espírito Santo, não corresponderam à expectativa do governo, que
interpretou unanimemente os números como uma clara derrota de seu partido. Esse resultado eleitoral teve uma influência muito grande no rumo político do país e condicionou de
maneira notável o processo de abertura política, dita “lenta e gradual”, que estava se iniciando na direção do retorno da democracia. Esse fato justifica o exame aqui da campanha
eleitoral de 1974 e da participação dos vereadores de Vitória nela.
Na verdade, é preciso fazer desde o início uma clara associação entre o andamento da campanha eleitoral, que se avizinhava, a situação social e econômica do país e seus
reflexos específicos no Espírito Santo.
O Espírito Santo fora um dos Estados mais afetados pela crise da economia cafeeira, instaurada no início dos anos 60, e pela política de erradicação dos cafezais de baixa
produtividade, incentivada e sugerida pelo governo federal. No começo da década seguinte
ainda não haviam se manifestado os efeitos positivos dessa política, mas os seus efeitos
negativos eram extremamente perceptíveis: êxodo rural, aglomeração urbana e “inchaço”
repentino da Grande Vitória, empobrecimento e outros.
Em junho de 1973, o Vereador José Corrêa Guterres Filho teceu comentários a
respeito do desemprego “que já começa a surgir nesta cidade”. Na sua condição de político,
ele participara e sentira de perto “as dificuldades de cada um” e conseguira “algumas ocupações para determinadas pessoas”, porém ele verificava o “gradativo aumento da lista de
desempregados”, que corresponderia, segundo ele, a “dois novos empregos para trinta necessitados”. Entre “seus conhecidos”, que lhe faziam pedidos de empregos, avultava o número de professoras normalistas, que, ao contrário de conseguirem um lugar para lecionar,
se contentavam com o emprego de simples “balconistas”. Guterres Filho apelava para as
autoridades no sentido de que elas não permitissem que essa situação se agravasse.99Darcy
Castelo de Mendonça advertiu que os trabalhadores capixabas emigravam para São Paulo
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A Oitava Legislatura 1973-1977
à procura de emprego nas obras do metrô.100E o seu colega Marinho Delmaestro, mais
otimista, ao rebater esse argumento, disse que “futuramente o povo capixaba não irá mais
sofrer com o problema do desemprego, em face das constantes construções de indústrias
no planalto de Carapina”.101
Ao mesmo tempo em que aumentava o desemprego, os vereadores percebiam
que o custo de vida também se agravava. Em agosto de 1973, Nicanor Alves dos Santos
notou que os problemas se alastravam “cada vez mais nesta cidade”, no que seria para ele
“um desrespeito ao governo federal”. E como exemplo desse desrespeito ele citou o recente aumento de 70% no preço da carne, “devendo ir a um percentual maior, equiparando-se
ao valor de um dia de trabalho de um assalariado”.102Poucos dias após, seu colega Izildo
Alvarino teceu comentários a respeito da majoração dos preços dos gêneros alimentícios,
principalmente para o aumento abusivo da carne, mas alegou que os culpados eram “a
COFAI, a SUNAB e outros órgãos governamentais”. 103
Com efeito, mais enfático ainda foi o arenista Marinho Delmaestro, para quem,
“o problema mais aflitivo nesta cidade é o da fome, porque o preço do peixe, da carne e
outros gêneros alimentícios, cresceu assustadoramente”. Acrescentou que a imprensa repercutia essa situação, “mostrando o preço da Guanabara”, que era “muito inferior ao desta cidade.” Para Delmaestro, “nem a SUNAB nem a COPESA veem, tampouco procuram
corrigir o abuso”.104Delmaestro denunciou a falta persistente de água, de óleo comestível,
de carne e de outros gêneros de primeira necessidade, mas forneceu a “desagradável” informação de que em Carapina e em Cariacica eram abatidos animais equinos para serem
vendidos à população.105
Clério Falcão, por sua vez, pediu providências imediatas para solucionar o problema existente sob a ponte Florentino Avidos e no Mercado da Vila Rubim, “qual seja a
miséria ali reinante”. E seu colega Delmaestro abordou o fato “vergonhoso” que “apreciamos diariamente em redor do Restaurante Universitário, aonde grande número de pessoas
necessitadas vão ali recolher restos de alimentos”.106
Nesse cenário, e diante da situação de pobreza crescente na cidade, o presidente
263
História da Câmara Municipal de Vitória
Claudionor Lopes Pereira afirmou que “o governo tem procurado sanar os males de nosso
país”, mas alertou para o fator “homem”, ao observar que o salário-mínimo “por ser muito
irrisório”, não resolvia “o problema da alimentação, em face do desenfreado aumento dos
gêneros alimentícios”. Na época, falava-se em “salário- médio”, porém Claudionor acreditava que essa solução também não iria “equacionar o aflitivo problema” porque a “cada
dia que se passa, o homem está ficando esquecido. Como podemos progredir, se a mola
mestra está fracassando?” Ao final do discurso, Claudionor preconizou que era “necessário
que se faça o congelamento dos preços, para melhor suavizar”, visto que existiam “famílias de mais de cinco filhos” que não conseguiriam viver com um salário-mínimo, “salvo
aqueles que arrecadam além de quinhentos cruzeiros”. Além disso, assegurou que se, por
um lado o aumento de “custo de vida foi de um modo geral”, por outro lado se fazia necessário que o governo desprezasse “a criação de gado” e olhasse “com mais atenção para
a agricultura”.107
Clério Falcão, em uma linha coerente com sua atuação pregressa, ao abordar o
problema do custo de vida fez acusações pessoais ao delegado regional da SUNAB “por
não querer intervir contra os comerciantes e marchantes que vivem a majorar os preços
dos gêneros alimentícios desta cidade”. Embora sem possuir provas, como ele mesmo
admitia, ele afirmou que esse delegado da SUNAB era “parente de marchantes”, e que por
isso que ele não corrigia o “abusivo aumento da carne e outros gêneros de real necessidade”, que na época eram vendidos muito “além dos preços tabelados no Estado da Guanabara”. Carlos Alberto Viana Freire igualmente atribuiu a escassez e o aumento do preço da
banha “ao tabelamento”, enquanto a “falta de óleo comestível” imputou à mesma SUNAB
“por não tomar as necessárias providências”.108
Na época, a questão do desabastecimento de gêneros abrangia da mesma forma
o suprimento dos cereais. Por conseguinte, Izildo Alvarino, ao parabenizar o deputado
federal Argilano Dario por seu discurso no Congresso, em que abordava “as crises por que
passa o Brasil, e particularmente o Espírito Santo”, mencionou a questão da “falta de pão
e de todos cereais de primeira necessidade. Alvarino apelou ao governador do Estado no
sentido de construir estradas para os municípios do interior “a fim de facilitar o transporte
de feijão, milho, arroz farinha de mandioca e outros cereais, dos quais aqueles municípios
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A Oitava Legislatura 1973-1977
eram produtores, minorando assim um pouco das angústias provocadas pelas crises atuais”.109
Nesse contexto de desabastecimento, o seu colega de oposição, Darcy Castelo
de Mendonça, ao reportar-se ao problema da majoração do custo de vida, disse que não
era admissível que o trabalhador pudesse viver “comprando a carne pelo valor de quinze a
vinte cruzeiros o quilo”.110 Máximo Varejão, ao advertir para a “crise de fome nesta cidade
devido à constante majoração dos gêneros alimentícios”, denunciou que na recente visita
feita ao Estado, pelo presidente da República, soube que “um determinado cidadão, ao reivindicar o equacionamento da crise, desapareceu do meio da turba”.111Em outra ocasião,
o mesmo Varejão lembrou que um dos jornais da cidade divulgara a informação de que os
gêneros de primeira necessidade tiveram “uma majoração de cento e vinte por cento”.112
A penosa situação salarial do funcionalismo público da própria Prefeitura e, particularmente dos professores, do mesmo modo era lembrada com bastante frequência.
Nicanor Alves dos Santos, por exemplo, observou que um professor ganhava aproximadamente “trezentos cruzeiros mensais”, uma quantia que era, segundo ele, “inferior aos
vencimentos de um escriturário do município”. Para o Vereador não era justo “que os
mestres tenham salários baixos, quando se sabe que o funcionalismo público municipal
ganha bem ao se comparar com o funcionalismo estadual, melhor ainda ao se comparar
aos vencimentos de outras prefeituras”. No entanto, essa situação era igualmente atribuída
à Câmara, mas Alves dos Santos ao rechaçá-la assegurou que o Legislativo não apreciava
“os contratos de trabalho da Educação”.113Entretanto, Clério Falcão denunciou que o
governo do Estado não pagava em dia aos professores, “principalmente àqueles que vão
para o interior do Estado, ganhando vencimentos na base da CLT, passando por lá sérias
privações”. Ele lembrou ainda que já ocorria um certo “êxodo rural” desses professores, e
que eles retornavam a Vitória “em busca de um emprego melhor”.114
À medida que se aproximavam as eleições de novembro de 1974, esses problemas
sociais passaram a ser abordados com uma frequência e intensidade cada vez maiores, atribuindo-se à ação dos governos a sua responsabilidade, principalmente pelos vereadores da
oposição. Nesse sentido, Clério Falcão, que era candidato a deputado estadual, ao advertir,
265
História da Câmara Municipal de Vitória
em junho de 1974, que no Mercado da Vila Rubim havia uma grande divergência no preço
dos gêneros de primeira necessidade “sem a menor intervenção das autoridades”, atribuiu
abertamente a culpa ao Conselho Interministerial de Preços - CIP-, por julgá-lo “ser o causador principal do grande índice de aumento dos gêneros alimentícios e de outros fatores
que envolviam a população”.115
E Marinho Delmaestro, da ARENA, ao discursar a respeito do aumento da carne
bovina, solicitou das autoridades governamentais “para que quando tomassem medidas
dessa natureza, anunciassem ao povo pela imprensa escrita, o porquê do aumento”. Na
opinião de Delmaestro, o trabalhador capixaba, além de receber um irrisório salário-mínimo, que não era condizente com as suas necessidades, ainda “dorme e acorda assaltado”.
E na sequência, Delmaestro informou que, se o trabalhador não pagasse “as tarifas, como
as respectivas taxas de luz, telefone e água”, teria “as mesmas cortadas”, mas se fizesse
“qualquer reclamação no guichê de qualquer órgão”, esse mesmo trabalhador seria “preso
e taxado como subversivo.” Para Delmaestro: “O capixaba está subjugado a sua própria
sorte, e até mesmo se hospitalizar não há mais condição porque ao chegar ao hospital terá
que assinar uma duplicata em branco e, caso contrário, não há internamento”. No entanto,
Darcy Castelo de Mendonça do MDB, ao fazer uma ressalva, observou que a culpa desses
acontecimentos devia recair “sobre o político” e não sobre o cidadão apolítico, diminuído
pelos políticos “algumas vezes” em “suas narrativas”. E quanto ao aumento do custo de
vida, o mesmo Mendonça enfatizou que não se precisava explicar mais nada ao povo, “porque ele já sabe: a culpa é da administração arenista”.116
Logo após, o Vereador Clério Falcão aumentou o tom de suas críticas ao delegado
regional da SUNAB, “por ter anunciado à população estar controlando o preço dos gêneros alimentícios nas mercearias, instaladas nas proximidades do Mercado da Vila Rubim”,
e taxou-o de “mentiroso”. E ainda, ao assumir a “responsabilidade de sua fala”, Falcão
afirmou que apesar de os preços continuarem cada vez mais elevados, aquela Superintendência somente perseguia “boates e não mercearias”. Enfatizou que se fosse mentira essa
afirmação, rapava “a cabeça” e não mais subia “nesta Tribuna”. Para finalizar, ele ainda criticou os fiscais da Prefeitura pela “perseguição constante” que eles faziam aos vendedores
ambulantes da cidade.117
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A Oitava Legislatura 1973-1977
Do mesmo modo, Falcão se valeu da campanha eleitoral para retomar um tema
antigo de suas críticas: o problema do pó de minério. Ele, ao sair em defesa dos “operários
de Tubarão”, disse ter enviado um ofício ao Ministério do Trabalho a respeito de sua própria situação. Falcão referiu-se igualmente “ao pó de minério, à cal e a outras substâncias”,
lançadas na Grande Vitória, que além de pôr em risco a vida dos trabalhadores, ainda importunavam “a vida dos residentes em Camburi, na Praia do Canto e adjacências” e que “já
não sabem mais que providência devem tomar”.118
Um pouco antes da eleição, Falcão afirmou que o povo deveria votar no MDB
“porque, com o irrisório salário que ganha e o aumento do custo de vida, não mais acredita nos indiferentes apregoamentos que fazem os políticos da ARENA no interior do
Estado”.119
Nessa mesma linha, Izildo Alvarenga, que igualmente era candidato a deputado
estadual, afirmou que, em virtude do “sucessivo aumento do custo de vida” e do “irrisório
salário pago ao trabalhador”, “a classe trabalhadora não satisfeita”, poderia “melhor prestigiar os candidatos do partido MDB, em represália ao Governo.”120Já Arnaldo Pratti, que
era candidato a deputado federal pelo MDB, também correlacionou em sua campanha o
aumento do custo de vida com o irrisório salário pago aos trabalhadores.121
Como se nota, o MDB explorou exaustivamente a temática social, procurando
sensibilizar o eleitorado com ela. E essa disposição da campanha eleitoral não deixou de
resvalar para o terreno de uma crítica também política da revolução e do regime militar
ainda vigente, o que promovia o “descolamento” do MDB com relação ao mesmo regime.
E ao perceberem essa correlação, os mais inteligentes defensores do regime na Câmara,
como Marinho Delmaestro, trataram de lembrar os benefícios econômicos trazidos pela
revolução. Como conhecedor da história recente do Estado, Delmaestro destacou não só
as obras iniciadas pelo Governo Jones dos Santos Neves como também as do Governo
Christiano Dias Lopes Filho, tais como o Palácio da Justiça, o prédio da Imprensa e a execução do projeto “espinha de peixe”. Naquele momento, segundo ele, o governo estadual,
além de incrementar a indústria na baixada de Carapina, ainda orientava a qualificação da
mão de obra com escolas técnicas. Delmaestro concluiu enfaticamente que: “Tudo isso é
267
História da Câmara Municipal de Vitória
desenvolvimento. É crescimento do Estado. E tudo isso devemos à gloriosa e renovadora
Revolução de 1964…”. No entanto, ele não pôde deixar de mencionar que “tudo isso”
tinha como meta “superar dentro de pouco tempo, as crises da carne verde, do óleo, do
petróleo e dos cereais”.122
Como vemos, ao elencar os benefícios trazidos pela Revolução de 64 para o Espírito Santo, o orador não dispunha ainda de um leque muito grande de “realizações”, uma
vez que as principais medidas “revolucionárias” nesse sentido ainda não haviam amadurecido plenamente. No entanto, os problemas econômicos e sociais que o país começava a
enfrentar, como a carestia, o desabastecimento e os “salários irrisórios”, incomodavam de
forma imediata a população e poderiam ter um impacto decisivo nas eleições.
E na defesa de seu partido, Delmaestro queixou-se dos governos estadual e municipal por prestigiarem “elementos emedebistas, sem atender às justas reivindicações de
qualquer elemento arenista, quando necessárias”. No entender de Delmaestro, enquanto
“os vereadores da oposição” conseguiam “posições vantajosas nas autarquias” em que “o
governo” era o maior acionista, “como no caso da Cesan e COMDUSA”, a ARENA não
tinha “vez nem oportunidade sequer de ser atendida pelos seus diretores”, que alegavam
“não serem políticos” e procuravam “não atender ao Vereador desta facção” e, por essa
razão, solicitaria “do presidente do partido as necessárias providências”. Contudo, Izildo
Alvarino, ao rebater essas críticas, disse que, na verdade, enquanto a ARENA estava se
“desmantelando”, o MDB, “por ser minoritário”, atuava “com êxito e precisão, sem nada
pleitear, trazendo diversos benefícios ao município e votando os projetos do Executivo
para a realização de suas obras”.123
Todavia, em 1973, os emedebistas já percebiam que as chances eleitorais do partido, nas eleições que se realizariam em novembro de 1974, eram muito boas. No Estado,
estavam em disputa uma vaga para o Senado Federal e os cargos de deputados federais e
estaduais.
Assim, animados com a perspectiva de vitória nessa eleição, cinco vereadores do
MDB apresentaram suas candidaturas: Arnaldo Pratti, para deputado federal; e Máximo
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A Oitava Legislatura 1973-1977
Vieira Varejão, Ademir Antunes, Clério Vieira Falcão e Darcy Castelo de Mendonça, para
deputado estadual.124
E diante dessa conjuntura, o Vereador Darcy de Castelo Mendonça, ao discorrer a
respeito da visita que o deputado federal Dirceu Cardoso, candidato ao Senado pelo MDB,
fizera ao norte do Estado, falou sobre “a euforia do povo ao ensejo da nova campanha
política, demonstrando estar coeso com o MDB”.125Contudo, ele também denunciou a
campanha que era feita contra os prefeitos do MDB em todo o país, e admitiu que “os dirigentes arenistas, sabedores que o partido do MDB” tinha “excelentes possibilidades nos
pleitos eleitorais do país”, procuravam mediante “intriga e inveja, jogar brasa em cima do
partido, a fim de se manter”. Ao finalizar, enfatizou que isso era “política rasteira e falta
de democracia”.126
Todavia, quando o deputado Élcio Álvares já havia sido indicado para a sucessão
do governador do Estado, em agosto de 1974, Darcy afirmou que era contrário ao método
utilizado de nomeação dos governadores dos estados e deixou claro que era a favor de que
houvesse eleições para esse cargo. Para ele, esse não era só um desejo apenas do MDB,
“como também do povo em geral”, que reclamava da aplicação do método da indicação e
pleiteava “o direito de se governar por meio do voto direto”.127Darcy igualmente criticou
Élcio Álvares, uma vez que ele, “como se nunca tivesse pedido voto ao povo”, ao deslocar-se nas “praças públicas”, anunciava “antidemocraticamente que a ARENA iria massacrar
o MDB no próximo pleito eleitoral”.128
Com efeito, Élcio Álvares, como governador indicado, se envolveria profundamente na campanha eleitoral. No entanto, a sua indicação para o cargo já havia provocado
uma divisão na ARENA, dado que ela preterira outros candidatos.
É preciso ressaltar que as críticas muito graves de Nicanor ao prefeito não obtiveram, aparentemente, ressonância entre seus colegas vereadores, posto que eles frequentemente permaneciam impassíveis, sem demonstrar publicamente seu apoio a essas
críticas. Entretanto, quando já se estava em campanha aberta para as eleições de novembro
de 1974, Ademir Antunes, do MDB, usou a tribuna para dizer que Chrisógono Teixeira
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História da Câmara Municipal de Vitória
da Cruz fora “não o maior prefeito de Vitória, mas sim do país”, e após fazer rasgados
elogios à sua administração, afirmou que Chrisógono só não fora nomeado para o cargo
de governador do Estado porque tinha sido “traído pelos arenistas”.129
No entanto, dias antes, o mesmo Vereador afirmara na tribuna que discordava das
atitudes de alguns candidatos da ARENA, que se aproveitavam das festividades de inauguração de obras, a que o prefeito comparecia, não só para ocuparem o palanque como ainda
para fazerem a sua própria campanha eleitoral. E ainda enfatizou que esses Vereadores
esqueciam-se de que o êxito da administração municipal fora obtido unicamente “mediante os esforços dos integrantes do MDB nesta Casa”, e omitiam também que “foram eles
arenistas que vetaram o nome do senhor Chrisógono Teixeira da Cruz para o cargo de
governador do Estado”, em benefício da candidatura de Élcio Álvares.130
Por conseguinte, Ademir Antunes esperava que, em represália “aos traidores”, o
povo de Vitória votasse em Dirceu Cardoso e nos candidatos do MDB. Nesse sentido, afirmou Máximo Varejão, que Chrisógono, que fora “espezinhado” pela ARENA por ocasião
da escolha do novo governador, naquele momento era aclamado pelos “falsos arenistas”,
que se aproveitavam “da inauguração de obras” e subiam “no palanque para endeusá-lo”.
Por isso, seu colega Clério Vieira Falcão acrescentou a informação de que o palanque, feito
exclusivamente para o prefeito Chrisógono inaugurar suas obras, era “ultimamente ocupado pelo senhor Élcio Álvares, seu inimigo número um, fazendo campanha política”.131
E de fato, na campanha eleitoral, da qual participava como candidato a deputado estadual, o Vereador Nicanor chegou ao ponto de acusar os dirigentes da Cesan, que,
“mesmo pertencendo ou sendo subordinados à ARENA”, segundo ele, “não solucionaram
o problema da sujidade da água”, servida “à população capixaba”. E ainda assegurou que,
com essa atitude, esses cidadãos traíam a campanha política dos integrantes arenistas e não
respeitavam a direção do futuro governador Élcio Álvares. Assim, Nicanor ainda advertiu
que, se o governador Arthur Gerhardt Santos não tomasse as devidas providências, ele iria
“pedir ao Comandante do 38º. BI para tirar essa ‘corja de cretinos’ daquela direção”.132
Convém salientar que Nicanor Alves dos Santos, Claudionor Lopes Pereira e
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A Oitava Legislatura 1973-1977
Carlos Alberto Viana Freire, três vereadores arenistas da Câmara municipal, também se
apresentaram como candidatos a deputado estadual. Eles apoiaram as candidaturas de José
Carlos da Fonseca, e seu vice, Dr. Luiz Buaiz, ao Senado.133
Na campanha eleitoral, o MDB, além de explorar as divergências internas da
ARENA e a sua relação problemática com o prefeito Chrisógono Teixeira da Cruz, ainda
usou acima de tudo o problema da crise social, que afetava grande parte da população. Os
emedebistas, como foi o caso de Ademir Antunes, ao exaltarem os méritos de seus candidatos, principalmente de Dirceu Cardoso, enfatizaram a sua “integridade moral”, sem
atingir diretamente o regime e o governo. Contudo, não se esqueceram de salientar a “alta
do custo de vida”, que atingia “a população espírito-santense”, que em sua maioria vivia
de “irrisório salário-mínimo”.134
No entanto, ao mesmo tempo em que os arenistas, como Marinho Delmaestro,
apontavam o desenvolvimento “cultural” e econômico do Espírito Santo e enalteciam os
governos estadual e federal e a própria Revolução de 1964, considerados os “propulsores
deste desenvolvimento”, seus opositores, em vez de atingir diretamente o regime, preferiam enumerar os defeitos do candidato ao governo. Foi o caso de Arnaldo Pratti, ao
afirmar que: “o futuro governador Élcio Álvares, ultimamente, está querendo intimidar
o povo do interior do Estado com certas normas por ele exigidas. Não pode assim fazer
porque é ele um cidadão simplesmente nomeado para o cargo, sem contar com o voto direto do povo. Elemento desse jaez não demonstra ser patriota, e sim oportunista. Pois com
carro e gasolina do governo faz a campanha da ARENA, divulgando obras dos governos
federal e estadual. Reconhece na verdade as grandes obras executadas pelo governo federal, mas não se deve esquecer também das gigantescas obras executadas pelos presidentes
anteriores à revolução, tais como: o estádio do Maracanã, a cidade de Brasília e várias outras. Cada época tem a sua grande obra. O governo que aí está nada mais é do que o fruto
de uma negociata”.135.
Nesse contexto, seu colega Máximo Varejão, igualmente candidato a deputado estadual, em outra ocasião, asseverou que a “frase mais certa pronunciada por uma Arenista
fora a seguinte: O Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. E o motivo disso, segundo Varejão,
271
História da Câmara Municipal de Vitória
era que o “governo da revolução” estava “roubando o direito do povo, tirando, inclusive
o direito e a condição do MDB de ir à rádio falar a verdade ao povo”.136Varejão várias
vezes se referiu à pressão que os candidatos do MDB sofriam, principalmente no interior
do Estado. Arnaldo Pratti, ainda assim, acreditava que, por “toda a parte” em que andava,
sentia a insatisfação “devido ao estado atual das coisas, e que o que o povo queria mesmo
era que alguém fale e leve para a tribuna a sua queixa”.137
Em vista disso, o presidente Claudionor Lopes Pereira, - candidato a deputado
estadual pela ARENA -, ao convidar seus colegas para a solenidade de diplomação do
futuro governador Élcio Álvares e de seu vice, o médico Carlos Lindenberg Von Schilgen,
repercutiu esse tipo de argumentação. E aproveitou a oportunidade para afirmar que ao
observar os pronunciamentos dos candidatos oposicionistas pela TV Vitória - a única em
operação no Estado -, notou que vários candidatos do MDB realizavam “atentiva campanha contra o Governo”, que repercutiam o “contrário aos métodos de trabalho dos
candidatos da ARENA”. Do mesmo modo, constatou que os emedebistas, ao tecerem as
suas críticas, não falavam dos importantes empreendimentos que o Governo trazia para o
Brasil, uma vez que “se nada tivesse feito o Governo, pelo menos os bons brasileiros deveriam notar o regime de mudança de ordem no solo pátrio”. Para Claudionor, uma grande
ação efetuada pelo Governo “foi tirar o país do caos do regime comunista”, contudo os
emedebistas afirmavam que se vivia em um “regime de ditadura”, além de falar “o que
bem entendem pela televisão”. E enfático e com veemência, pronunciou a seguinte frase:
“Querem eles ludibriar o povo sem esclarecer a verdade dos fatos”. Na conclusão de seu
discurso, o presidente Claudionor disse que era “admissível que se faça oposição, mas uma
oposição de alcance, uma oposição construtiva, digna de um antagonista”, porém que ao
fazer um “pronunciamento tal qual fizeram esses cidadãos”, que não demonstraram nem
“solução nem sabem o que querem”, Claudionor prometeu que retiraria “a sua candidatura
ao cargo de deputado estadual”.138
Todavia, a oposição insistia em suas denúncias. Clério Vieira Falcão, por exemplo, afirmou que a ARENA estava “levando o povo à miséria”, dado que “os homens que
dirigem o BNH” e que eram integrantes desse partido, não davam “meios condignos aos
compradores de seus imóveis”. E ainda assegurou que a Companhia de Pesca no Espírito
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A Oitava Legislatura 1973-1977
Santo – COPESA -, vendia “peixe deteriorado à população por preço absurdo”, enquanto
a “Fundação Getúlio Vargas, sabendo da existência de aumento dos gêneros alimentícios
anuncia que os mesmos majoraram-se no percentual de um a dois por cento ao ano”.139
Ao observar as dificuldades de sua campanha, os arenistas começaram a apontar,
eles mesmos, as inconsistências e as divergências na atuação de seus principais líderes.
Marinho Delmaestro, por exemplo, concluiu que a ARENA era traída não só pelo senador João Calmon como também pelo ex-governador Christiano Dias Lopes Filho, que
não vinham colaborando “no decurso da campanha eleitoral para a sua fortificação”. Ele
excluiu de sua crítica, porém, o senador Carlos Lindenberg, dado que ele se encontrava
enfermo.140Todavia, em outro discurso, ele incluiu o senador Eurico Rezende, além do
próprio “pai do atual governador” nessa “lista” de supostos “traidores”.141
Em contrapartida, a oposição se animava cada vez mais durante a campanha eleitoral. Consequentemente, Falcão asseverou que os arenistas estavam “desesperados”, ao
percorrerem “todo o Estado” para participarem de comícios aos quais o povo não comparecia. Para Falcão, em mais uma de suas frases contundentes: “O povo está com o MDB, e
Dirceu Cardoso, por certo, irá sepultar politicamente o seu opositor”.142
Esse tipo de discurso demonstra que a eleição parlamentar de 1974 estava se
transformando em um verdadeiro plebiscito a respeito do governo e ainda colocando em
risco a sua reputação.
Convém apontar que na tentativa de responder às críticas mais contundentes da
oposição, Marinho Delmaestro contestou o ex-Vereador Berredo de Menezes - candidato
a vice na chapa de Dirceu Cardoso -, que fizera referências críticas ao AI-5. Em contraposição, Delmaestro enalteceu a Revolução de 1964, ao relatar a “péssima situação do
governo João Goulart e dos seus antecessores, sem deixar de memorizar fatos inerentes
às greves provocadas por estudantes durante aquele período de governo”. E finalmente
Delmaestro acrescentou que o Estado do Espírito Santo estava recebendo “inúmeros benefícios do governo da Revolução”.143
E o próprio Delmaestro voltou a defender a Revolução de 1964, quando anun-
273
História da Câmara Municipal de Vitória
ciou a realização do último comício de campanha de seu partido, na praça Oito, com a
presença anunciada dos três líderes, que antes dissera que estavam “traindo” a ARENA, a
saber, João Calmon, Eurico Rezende e Christiano Dias Lopes. Ele reiterou sua defesa da
Revolução, disse que, com “seus oito anos”, ela era ainda “como uma criança”, e garantiu
que o Brasil, “ao atingir dezoito anos de Revolução, será um glorioso país”.144
Surpreendentemente, porém, um dia antes das eleições, no dia 14 de novembro
de 1974, Delmaestro avaliou que o comício realizado pelo MDB, na mesma praça Oito,
era “uma autêntica contestação do povo aos desmandos verificados na Cesan e na Viação
Itapemirim pelo monopólio coletivo entre Vitória e Rio de Janeiro, além de outras irregularidades consentidas pelo atual governo do senhor Arthur Carlos G. Santos”. Delmaestro
declarou, ao finalizar, que se continuasse esse “estado de coisas”, levantaria, ele também,
“sua voz contra o futuro governador, senhor Élcio Álvares”.145
Com efeito, após a realização da eleição de 1974, e confirmada a vitória de Dirceu
Cardoso, Delmaestro atribuiu a derrota de seu partido à “falta de apoio ou de condição do
Governo estadual para com os candidatos arenistas, no interior do Estado ou mesmo na
Grande Vitória”.146
Contudo, seu colega Arnaldo Pratti, do MDB, que não conseguiu se eleger como
deputado federal, ao avaliar a vitória de seu partido em todo o país, disse que “o povo,
pacificamente protestou”. Para ele, os próprios legisladores tinham grande parte da culpa,
pois “concorriam com seu apoio, votando leis que oneram por demais o orçamento do
indivíduo”. Pratti também reconheceu a importância da televisão no pleito, “levando sua
imagem aos mais longínquos rincões do país, onde os eleitores se esclarecem mediante as
notícias por ela transmitida”. Enfim, Pratti cumprimentou seu colega Clério Vieira Falcão,
o único de seus colegas que conseguira eleger-se para a Assembleia Legislativa estadual.147
O RETORNO DE SETEMBRINO À PREFEITURA DE VITÓRIA
A Câmara realizou em 18 de dezembro de 1974 a sua última sessão do ano. Em
seguida, entrou em recesso e somente reuniu-se novamente a 31 de janeiro de 1975, mas
apenas para a eleição e posse da nova Mesa Diretora. E a Mesa foi encabeçada por Ni-
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A Oitava Legislatura 1973-1977
canor Alves dos Santos, como presidente da Casa, e José Correia Guterres Filho, como
vice-presidente. O suplente Hélio Machado assumiu no lugar de Clério Vieira Falcão, que
renunciara em função de sua eleição para a Assembleia Legislativa.148
Na verdade, a primeira sessão ordinária da 3ª Sessão Legislativa só se realizaria
em 17 de março de 1975, quando já haviam tomado posse tanto o novo governador Élcio
Álvares quanto o novo prefeito Setembrino Pelissari, que retornava ao cargo. Ou seja, o
recesso dos vereadores durou cerca de três meses, durante os quais a Câmara não funcionou efetivamente. Nessa ocasião, Arnaldo Pratti e Izildo Alvarino foram escolhidos como
líderes do MDB, enquanto que Carlos Alberto Viana Freire e Apolinário Marinho Delmaestro se tornaram os líderes da ARENA.
Em seu primeiro discurso, Freire, da ARENA, salientou que os principais problemas de Vitória estavam relacionados à construção: de centrais de abastecimento, de uma
estação rodoviária, e de pontes ligando Vitória ao continente. A sua expectativa era a de
que os novos governantes iriam “dar solução a esses problemas dentro do menor espaço
de tempo possível”. Contudo, o seu colega Darcy Castelo de Mendonça, do MDB, que
estava preocupado com o real funcionamento do novo serviço taquigráfico da Câmara,
anunciou que Pelissari iria reurbanizar todos os morros do centro de Vitória, e disse esperar que o novo prefeito apresentasse à Câmara, no início de seu novo mandato, um relatório completo da situação de Vitória para que no futuro não fosse necessário apresentar
“desculpas não convincentes”. E Delmaestro voltou mais uma vez a qualificar a água da
Cesan como “a pior do mundo, a despeito da empresa possuir no seu quadro quarenta
e quatro engenheiros”, ao passo que Pratti mencionou a situação de “destaque” em que
se encontrava a parte financeira da Prefeitura, cujo orçamento para o próximo exercício,
segundo ele, alcançava a casa de cem milhões de cruzeiros. No entanto, Pratti não se esqueceu de alertar para o fato de que apenas “3% ou 4%” desse total seriam destinados à
saúde e à educação. E não deixou de mencionar as questões sociais, quando lembrou os
problemas da “velhice”, da mendicância e de outros “sérios problemas de ordem social
existentes em nossa capital”.149
A partir de 1976, entretanto, o agravamento da situação econômica, os chamados
275
História da Câmara Municipal de Vitória
“problemas de ordem social”, e a evolução política do país passaram a ser a tônica prevalecente no discurso dos vereadores, em uma clara evidência de que a situação política do
regime se alterava. No próprio dia 31 de março de 1976, quando se comemorava o 12º.
Aniversário da Revolução, além dos discursos situacionistas, elogiando a obra da Revolução, principalmente o clima de ordem que ela criara no país, o oposicionista Máximo
Vieira Varejão leu o discurso proferido anteriormente pelo primeiro presidente da época
da Revolução, o marechal Castelo Branco. Na realidade, porém, Varejão ao terminar a
leitura, alertou as autoridades constituídas para que fizessem “um exame de consciência
para o problema angustioso que vive o povo brasileiro, com relação ao problema social,
principalmente, o custo de vida, para que os governos revolucionários não manchassem
com manchas a imagem da pátria”.150
Dessa feita, a oposição ganhava espaço em todo o país. E nessa conjuntura, o
governador Élcio Álvares sugeriu a fusão dos municípios de Vitória e Vila Velha, mas um
plebiscito realizado nos dois municípios, em abril de 1976, derrotou a proposta, e a oposição comemorou o resultado. Hélio Machado, por exemplo, declarou que o resultado do
plebiscito mostrava que o governador não tinha prestígio.151
Diante desse crescimento de espaço dos opositores, obras aparentemente necessárias, como as de uma passarela sobre a avenida Fernando Ferrari, oferecendo uma passagem mais segura, principalmente para os estudantes da Ufes, passaram a ser contestadas
pelos vereadores do MDB. Isso obrigou o presidente Nicanor Alves dos Santos, ao rebater
as críticas à administração municipal, a afirmar que o prefeito Setembrino Pelissari não
só encontrou essa obra em andamento como ainda tivera a coragem de concluí-la. Além
disso, declarou que não era verdade, que as muretas colocadas nessa avenida destinavam-se a obrigar os estudantes a utilizarem a passarela, que eles supostamente não usavam, ao
preferirem correr o risco de atravessar as muretas.152
Todavia, a interrupção do tráfego de veículos na rua Sete, no intuito de que ela
fosse transformada em uma rua de lazer, foi denunciada por José Guterres Filho, uma vez
que ela aumentara a presença no local de “marginais, malandros e desocupados, perturbando a ordem e o sossego daqueles moradores”. A propósito da ordem, o prefeito Pelissari
276
A Oitava Legislatura 1973-1977
contratara “mulheres”, apelidadas sarcasticamente de “setembretes”, para realizar a limpeza das ruas de Vitória. Contudo, Darcy Castelo de Mendonça, ao criticá-lo “severamente” por essa medida, asseverou que ela não visava “puramente à finalidade da limpeza da
cidade, e sim com motivos de uma política demagógica”. E Varejão foi mais longe ainda e
alegou que “em vez de tirar de seus lares essas senhoras, o que poderá prejudicar a criação
de seus filhos, o que se devia proporcionar eram salários condignos aos chefes de família
para que possam manter-se mais ou menos dentro da situação atual”. No dizer de Varejão,
era preciso que os políticos se conscientizassem da responsabilidade que tinham, ou seja,
a de lutar “em favor do povo” e em “corrigir as irregularidades que estão sendo praticadas
pelo INPS, pela falta de justiça social, quando os seus dependentes recebem a pequena
quantia de 2/3 do salário-mínimo, sem condições de sobrevivência”.153
Nesse cenário, a “realidade” dos “verdadeiros problemas que se encontram na
cidade e bairros da capital” foi o tema de um trabalho, publicado no jornal A Gazeta pelo
jornalista Edwaldo dos Santos, e comentado na Câmara pelo oposicionista Darcy Castelo
de Mendonça.154
Nessa época, Máximo Varejão expressou a intenção do MDB “em favor do povo
brasileiro, com relação a distensão política e a revogação do Decreto nº 477”, que impedia,
segundo ele, a “formação política da classe estudantil”.155
Assim, dentro da própria Câmara, o relacionamento entre os vereadores começava a se extremar. Izildo Alvarino, por exemplo, afirmou que, ao procurar sempre honrar
o seu mandato, evitou os gastos excessivos para autopromoção. Além disso, evitou “as
perseguições” aos humildes operários e serventes da Prefeitura, para ele, “verdadeiros joguetes” nas mãos do Vereador Nicanor Alves dos Santos, presidente da Câmara.156
No entanto, os arenistas também começaram a adotar um discurso com um tom
mais crítico, ao perceberem a penetração que a crítica social vinha adquirindo e que, além
do mais, ela se aprofundava em todo o país. Dessa forma, a um requerimento, apresentado
pela ARENA, que pedia a formação de uma CPI, Hélio Machado retrucou e argumentou
que ele era “puramente demagógico, tentando enganar a opinião pública”. Para ele, os
277
História da Câmara Municipal de Vitória
dirigentes da ARENA, “sentindo que a maioria da população brasileira acompanhará o
MDB nas próximas eleições”, que a “política adotada pela ARENA” “nenhum benefício”
trazia “em favor da população brasileira”, agora próximos das eleições, queriam “roubar a
bandeira do Movimento Democrático Brasileiro”, que era “sem dúvida o partido que luta
em defesa do povo brasileiro”. Do ponto de vista de Hélio Machado, “o responsável pelo
elevado custo de vida” era “somente o governo revolucionário”, e, se quisessem “tomar
medidas em favor dos consumidores”, não precisavam “fazer demagogia mediante a formação de Comissão de Inquérito.”157
E de fato, o Vereador arenista Marinho Delmaestro criticou o governo pela falta
de fiscalização com relação aos aumentos abusivos, que se verificavam nos preços das
mercadorias de primeira necessidade, bem como o Departamento de Saúde pela falta de
fiscalização da carne clandestina que entrava nos açougues de Vitória.158
Delmaestro denunciou, da mesma forma, “a ausência dos deputados estaduais e
federais, dos senadores, dos órgãos dos governos federal e estadual, nos maiores e angustiosos problemas em favor do povo do Espírito Santo”. Para ele, tanto no âmbito federal
quanto no estadual, existia a “falta de assistência no setor educacional e no da saúde, principalmente na Grande Vitória”.159Em outra oportunidade, Delmaestro igualmente afirmou que ainda não fora construída a estação rodoviária de Vitória “porque o governo do
Estado” estaria aceitando a “pressão do senhor Camilo Cola”, que não aceitava e não permitia essa obra, para usar “o abrigo de passageiros, denominado de rodoviária, existente na
praça Misael Pena, para vergonha dos capixabas”. Delmaestro voltou a dizer que Vitória
estava “totalmente abandonada pela falta de esgoto e de policiamento”.160
Todavia, as eleições municipais, marcadas para novembro de 1976, se aproximavam e os vereadores expressavam cada vez mais fortemente a intenção de aparecerem
como os paladinos das causas populares, procurando com isso ganhar a adesão dos eleitores. Mas, em vez de eles se apegarem aos problemas “locais”, repisavam os problemas
de âmbito nacional que afetavam a população local como a carestia, os salários baixos, e
outros. Assim, alguns forcejavam, como dizia Ademir Antunes, por uma “oposição autêntica” e criticavam a ARENA por ser o partido da “corrupção”. Contudo, essas críticas
278
A Oitava Legislatura 1973-1977
não ficavam sem resposta. Nesse sentido, o Vereador Walter Miranda, ao rechaçar Máximo
Vieira Varejão, afirmou que a Revolução não tinha partido, tanto cassou políticos da ARENA, quanto do MDB, “como foi o caso da cassação do prefeito de São Mateus, Amocim
Leite, do MDB, cassado por corrupção”.161
Desta forma, a situação respondia enfaticamente às críticas da oposição, que acusava o prefeito municipal Setembrino Pelissari de realizar e inaugurar obras com uma
finalidade meramente política. Os situacionistas alegavam que elas eram uma prova do trabalho que ele vinha “realizando em favor do povo de Vitória”, como dizia Nicanor Alves
dos Santos.162
De fato, a especialidade mesmo da campanha eleitoral da oposição eram as críticas à situação social do país. E até vereadores da ARENA, como Marinho Delmaestro,
não poupavam críticas ao governo federal pela condução da política econômica. Nesse
sentido, Izildo Alvarino o cumprimentou por ter feito em seu pronunciamento “uma denúncia grave, contra as autoridades constituídas do País, pelo elevado custo de vida”.163E
o mesmo Alvarino fez severas críticas ao “governo da ARENA” “em virtude do estado de
calamidade pública que atravessa o povo brasileiro, com os aumentos constantes e desenfreados nos produtos de primeira necessidade, não tendo condições de sobreviver aqueles
que ganham um pouco mais que o salário-mínimo, quanto mais quem recebe o minguado
salário de fome, e por isso aumenta a cada dia a mortalidade infantil”.164
Diante desse quadro, Máximo Varejão também cumprimentou Marinho Delmaestro por suas críticas aos governos federal e estadual, “bem como aos seus órgãos subordinados, pela falta de autoridade contra os latifundiários”, que estavam “espoliando
o povo, sonegando e aumentando os produtos de primeira necessidade”. Varejão então
afirmou que essa reclamação continuamente fora e era “a meta do partido da oposição”,
que sempre “lutou em favor do povo sacrificado, em virtude do elevado custo de vida, sem
condições de sobrevivência da classe pobre.”165
Por conseguinte, Varejão conclamou o povo a votar no MDB “em virtude de o
partido da ARENA estar matando o povo de fome, em consequência da inflação que se
279
História da Câmara Municipal de Vitória
verifica nos produtos de primeira necessidade.” Mas, José Manoel Nogueira de Miranda,
ao justificar a rejeição da formação de uma CPI para apurar a FUNDEP, pedida pela oposição, rebateu as críticas de Varejão ao governo federal, disse que a inflação era na verdade
um fenômeno mundial e que a inflação brasileira era decorrente dela.166
Inaguração da nova Câmara de Vitória. Da esq. para dir.:Carlos Alberto V. Freire, Élcio Alvares, Geni
Vivácqua, Nicanor A. dos Santos (ao fundo), Andreia e Setembrino Pelissari.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
No dia 10 de setembro de 1976, a Câmara realizou a sua primeira sessão ordinária, já em sua nova sede no Palácio Atílio Vivácqua, localizado no bairro Bento Ferreira,
o mesmo lugar onde até hoje se encontra. Na ocasião, Arnaldo Pratti cumprimentou a
Mesa Diretora e salientou a sua “luta insana visando à conclusão de todas as dependências
deste Palácio”. Contudo, seu colega Máximo Vieira Varejão preferiu render homenagens
e um pleito de saudades “a muitos vereadores do passado, fazendo, na oportunidade, uma
retrospecção da Câmara desde o seu início até hoje”. Ao concluir seu discurso, Varejão fez
uma sucinta biografia dos ex-presidentes do passado. E o presidente Nicanor Alves dos
Santos, ao exteriorizar a sua emoção, agradeceu as palavras de Arnaldo Pratti e cumpri-
280
A Oitava Legislatura 1973-1977
mentou o prefeito Setembrino Pelissari “por culminar na conclusão desta grande obra”.
Todavia, não foram só aplausos o que se escutou a respeito da conclusão do Palácio Municipal. Em sessão anterior, Hélio Machado de Miranda, ao lembrar-se da ocasião em que se
solicitou a aprovação de empréstimo pela Prefeitura para a conclusão da obra do “Palácio”,
ele confessou que havia votado contra “por achar que existiam obras de prioridade em
favor do povo capixaba”.167
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 237 leis, que foram classificadas da seguinte forma:
01. Estrutura Organizacional: 4
02. PDU – Plano Diretor Urbano: 7
03. Tributos, isenções, correções, taxas, anistia fiscal: 11
04. Utilidade pública: 28
05. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas, bairros, prédios públicos: 79
06. Cargo público, gratificação, salário, salário família e vencimento: 17
07. Pessoal, aposentadoria, estatuto dos funcionários: 10
08. Orçamento: 7
09. Contrato, convênio, acordo: 2
10. Comenda, medalha, prêmio, troféu, data comemorativa:
11. Patrimônio Municipal, permutas, compras, vendas, doação, licenças: 18
12. FUNDEP - Fundação de pontes e estacionamentos da cidade de Vitória: 1
281
História da Câmara Municipal de Vitória
13. Posturas: 7
14. Educação: 3
15. Transporte: Coletivo, taxi: 7
16. Cidadão Vitoriense: 18
17. Operação de Crédito, Crédito especial: 12
18: Contribuição de melhoria, PASEP: 1
19. Iluminação pública: 1
20. Auxílio, subvenção: 2
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 2242, de 17 de abril de 1973: Transforma o Departamento de Educação e Cultura em Departamento de Educação, Cultura e Saúde.
 LEI 2246, de 8 de maio de 1973: Institui Caixa Escolar junto ao Departamento de Educação, Cultura e Saúde.
 LEI 2252, de 6 de junho de 1973: Cria, diretamente subordinado ao prefeito Municipal, o Conselho de Planejamento Urbano, COPLU, órgão técnico de caráter
consultivo e opinativo para questões relacionadas com o planejamento integral da PMV.
 LEI 2285, de 25 de outubro de 1973: Cria a taxa de iluminação pública e autoriza o poder Executivo a firmar convênio com a Escelsa para abertura e movimentação
da conta especial para depósito do produto da arrecadação da taxa de iluminação pública.

LEI 2286, de 25 de outubro de 1973: Dispõe sobre a exploração do serviço
de transporte coletivo e individual de passageiros.
282
A Oitava Legislatura 1973-1977

LEI 2306, de 20 de maio de 1974: Dispõe sobre o zoneamento da cidade.
 LEI 2357, de 25 de março de 1975: Dispõe sobre a incidência do imposto
sobre serviços de qualquer natureza nas atividades ligadas a pesquisa, exploração e exportação de óleo e gás na plataforma brasileira.

LEI 2414, de 19 de dezembro de 1975: Denomina de Aristóbulo Barbosa
Leão o Centro Interescolar que está sendo construído pela municipalidade na avenida Vitória, no antigo campo do União Esporte Clube.
 LEI 2443, de 14 de julho de 1976: Autoriza o poder Executivo a contrair
empréstimo no montante de CR$ 8.000.000,00 junto a reserva para desenvolvimento da
zona do rio Doce, da Companhia Vale do Rio Doce, para conclusão da avenida Dante
Michelini, em Camburi.
 LEI 2458, de 9 de dezembro de 1976: Autoriza o poder Executivo a contrair empréstimo de até CR$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil cruzeiros) junto
a CEF, através do Fundo de Apoio e Desenvolvimento Social – FAS, para construção de
pré-escola em cinco escolas integradas da rede municipal de ensino.
283
CAPÍTULO IX
A NONA LEGISLATURA
1977- 1983 De Setembrino Pelissari e Wander Bassini a Carlito Von Schilgen
A Nona Legislatura 1977-1983
SUSPEITAS SOBRE A ELEIÇÃO DA MESA DIRETORA
O recesso da Câmara havia começado em dezembro de 1976. Mas o Legislativo
municipal só voltou a se reunir no dia 31 de janeiro de 1977. Composto, então, por dezesseis vereadores, ele se reuniu apenas para empossar os novos vereadores e eleger a sua
nova Mesa Diretora.
Os seguintes vereadores foram eleitos e empossados pelo MDB: Ademir Antunes, Antônio Pelaes da Silva, Arnaldo Pinto da Vitória, Arnaldo Pratti, Atharé
Stamato da Fonseca e Castro, Élcio Teixeira de Almeida, Izildo Alvarino, Máximo Vieira
Varejão. E pela ARENA: Apolinário Marinho Delmaestro, Carlos Alberto Vianna Freire,
Claudionor Lopes Pereira, José Corrêa Guterres Filho, José Manoel Nogueira de Miranda,
José Maria Ramos Gagno, Mário Cypreste e Nicanor Alves dos Santos.
Dos titulares da legislatura anterior, haviam sido reeleitos dez parlamentares, ou
seja, mais de 70% do total de vereadores. Eram eles: Ademir Antunes, Apolinário Marinho
Delmaestro, Arnaldo Pratti, Carlos Alberto Viana Freire, Claudionor Lopes Pereira, Izildo
Alvarino, José Guterres Filho, José Manoel Nogueira de Miranda, Máximo Varejão e Nicanor Alves dos Santos.
Além dos reeleitos, retornavam à Câmara Arnaldo Pinto da Vitória, veterano da
quarta e da quinta legislatura; José Maria Ramos Gagno, veterano da sétima legislatura,
e Mário Cypreste, veterano da sexta legislatura. Cypreste mudara de partido, trocando o
MDB pela ARENA. Além disso, Antônio Pelaes - substituto como primeiro suplente de
Darcy Castelo de Mendonça, que renunciara ao mandato para assumir como deputado na
Assembleia Legislativa -, Atharé Stamato da Fonseca e Castro e Élcio Teixeira de Almeida
ocupavam o mandato como titulares pela primeira vez.
287
História da Câmara Municipal de Vitória
Uma vez que os dois partidos elegeram o mesmo número de vereadores, ou seja,
oito cada um, havia a expectativa de saber como seria composta a Mesa Diretora. No entanto, procedida à votação, o resultado foi o seguinte: para Presidente, Mário Cypreste, da
ARENA com dez votos; para 1º. Vice-Presidente, Arnaldo Pratti, do MDB com dez votos;
para 2º. Vice-Presidente, José Maria Ramos Gagno, da ARENA com dez votos; para 3º.
Vice-Presidente, Izildo Alvarino, do MDB com dez votos; para 1º. Secretário, Élcio Teixeira de Almeida, do MDB com quatorze votos; para 2º. Secretário, Apolinário Marinho
Delmaestro, da ARENA com dez votos; e para 3º. Secretário, Máximo Vieira Varejão, do
MDB com dez votos.01
Todavia, esse resultado gerou grande controvérsia. Na primeira sessão ordinária,
realizada apenas em 15 de março de 1977, – data em que a Câmara voltou a funcionar após
o recesso iniciado em dezembro -, foi registrada, na ata desse mesmo dia, a informação,
prestada pelo Vereador Ademir Antunes, de que a ata da sessão anterior havia sido enviada
ao Conselho de Ética do MDB, com a finalidade de ser analisada por esse conselho. Portanto, sugeria-se que a eleição da Mesa Diretora estava sendo contestada.02
Essa situação obrigou o Vereador Mário Cypreste a se justificar publicamente
pelo que ocorrera em sua eleição. Depois de salientar que ele fora o terceiro Vereador mais
votado da capital, Cypreste esclareceu que, na eleição de 31 de janeiro, não havia “corrupção, como era propalado nos jornais da capital, e sim um entendimento entre os vereadores do MDB e da ARENA”. Cypreste afirmou também que “nem o prefeito municipal nem
o Vereador Nicanor Alves dos Santos” deveriam ser envolvidos nessa questão em relação
à eleição da Mesa.03
Em seguida, sem se referir diretamente ao episódio da eleição da Mesa Diretora, Marinho Delmaestro usou a tribuna para se congratular com o fato, apontado por ele
mesmo, de que 80% dos vereadores eram advogados, para ele um fato salientável, “nesta
hora em que devemos elevar nossa luta pelos reclamos do povo”, como ele disse. Ele afirmou, da mesma forma, que o povo de Vitória sofria “pela falta de responsabilidade dos
políticos profissionais, que se apossaram dos postos-chave do Espírito Santo e neles estão
enriquecendo”. Por causa disso, Delmaestro vaticinou que a “Revolução precisa chegar ao
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A Nona Legislatura 1977-1983
Espírito Santo, principalmente na cidade de Vitória, pela falta de autoridade, com a falta de
leite, pelo elevado preço que já se paga nos transportes coletivos, a falta de policiamento e
principalmente a falta de educação”.04
Com efeito, a eleição da Mesa Diretora realmente repercutiu bastante na imprensa, e não apenas na imprensa local, como informou Mário Cypreste.
Sob o título “A Composição das Mesas provoca primeiras cisões”, o influente
jornal O Estado de São Paulo publicou matéria no dia 2 de fevereiro de 1977, na qual
noticiava e analisava a formação das mesas em algumas Câmaras do país, dando destaque
para o que ocorrera em Vitória, onde a Arena vencera graças à adesão de emedebistas, o
que teria provocado uma crise política “com ameaças de parte a parte”. Segundo o jornal:
"O deputado federal Argilano Dario, presidente do MDB do Espírito Santo, por exemplo,
prometeu ontem a expulsão dos integrantes da metade de sua bancada de vereadores da
Câmara de Vitória, participantes da chapa vitoriosa para a Mesa. Esses vereadores – Izildo
Alvarenga, Ademir Antunes, Arnaldo Pratti e Élcio Teixeira – abandonaram a chapa de
seu partido e apoiaram a arenista de Mário Cypreste”. Argilano Dario teria descoberto
que na “trama da derrota” de seu partido “achava-se o presidente do diretório municipal,
Gastão Franco Americano, a quem coube manter o diálogo de adesão com os arenistas.
Em troca, Americano será nomeado diretor geral da Câmara, Arnaldo Pratti será nomeado
procurador da Prefeitura de Vitória e os outros três vereadores oposicionistas receberam
promessas de emprego público para familiares. O mesmo fenômeno ocorreu na vizinha
Vila Velha, onde o MDB tem oito vereadores contra sete da Arena, além do prefeito, e
preferiu apoiar para a presidência da Mesa o arenista Walter Régis”. O jornal atribuiu a
derrota do MDB de Vitória à “falta de ética”.05
Na verdade, a atuação dos vereadores do MDB na formação da Mesa Diretora resultou na abertura de um rumoroso processo contra os vereadores envolvidos, e é possível
acompanhar o desenrolar do processo pelos pronunciamentos feitos na própria tribuna.
Já em março de 1977, Arnaldo Pratti considerou que a atuação do Conselho de Ética do
MDB era antiestatutária, uma vez que “sendo um órgão de consulta, transformou-se em
órgão processante sob a pressão do presidente do Diretório Regional, deputado Argilano
289
História da Câmara Municipal de Vitória
Dario”. Ele ressaltou que os únicos órgãos de “deliberação partidária” eram as convenções
dos diretórios municipais e estaduais e igualmente o diretório nacional, e que moveria um
“processo de calúnia” contra Argilano Dario por declarações que ele prestara “ao jornal
O Globo”. Na mesma sessão, ainda, outro implicado, o Vereador Ademir Antunes, estranhou a posição do deputado estadual Darcy Castelo de Mendonça, que votara contra seus
ex-companheiros de Câmara, mas referiu-se também à “animosidade” de Argilano Dario
contra ele, “por ter obstado a nomeação de sobrinho seu em cargo comissionado na Câmara Municipal”, dando como prova documento partidário que Antunes leu da tribuna,
segundo a ata.06
No dia seguinte, Arnaldo Pratti voltou à tribuna, segundo ele, “constrangido pela
maneira incoerente com que foram julgados, política e não juridicamente pelo partido, os
quatro vereadores indiciados no processo de infidelidade partidária”. Pratti defendeu a noção de que um “princípio fundamental para a representação contra um Vereador, a falta de
uma diretriz partidária que, no caso da eleição da Câmara, teria que ser específica: diretriz
partidária para a Câmara Municipal de Vitória, porque em Vitória, embora não pensasse
a direção, mas a maioria da bancada antecedente interessava ao MDB, a maioria em Plenário”. Em seguida, Marinho Delmaestro voltou a usar a tribuna para dizer que, com a
sua idade, podia afirmar que conhecia “centenas de políticos profissionais da nossa terra,
desde governador, senador, prefeito, cujas famílias faturam oitenta a noventa mil cruzeiros
em empregos conseguidos pelas portas dos fundos dos governos estadual e municipal e
até do federal”. Delmaestro afirmou que conhecia Izildo Alvarino havia muito tempo, que
ele era um “cidadão sem vícios, que se dedica exclusivamente à educação dos seus filhos”.
Ao finalizar, Delmaestro autorizou o presidente a descontar dos seus subsídios dois mil
cruzeiros a favor de Izildo Alvarino para “ajudar a custear as despesas de advogado em sua
defesa na Justiça Eleitoral”. O próprio Alvarino confessou que não estava surpreso com o
julgamento de seu nome “por um grupo de fariseus, usando dos atos mais covardes para
nos incriminar de corrupto”. 07
A 30 de março de 1977, Pratti referiu-se ao julgamento, ocorrido no “domingo
próximo passado”, para repudiar o que ele chamou “a maneira truculenta e arbitrária pela
qual eles [vereadores] foram julgados, negando-se-lhes os mais comezinhos princípios de
290
A Nona Legislatura 1977-1983
Direito, notadamente no que diz respeito aos prazos para apresentação da defesa e, ainda,
erros que tornam possível de nulidade todo aquele julgamento.”08
No entanto, seu colega Izildo Alvarino extrapolou essa crítica para afirmar - após
o julgamento partidário desfavorável a ele e seus colegas -, que ainda continuava com o
mandato de Vereador, “apesar de ser maculado por um nortista, cabeça chata, que estimulou jornais, rádios e televisões contra minha pessoa”.09
O pronunciamento de Izildo Alvarino continha uma implícita restrição ao deputado Argilano Dario por ser ele nordestino. Contudo, parece que ele foi um dos únicos
vereadores a fazer restrições a políticos capixabas, por causa de sua origem. Em outubro
de 1977, por exemplo, Claudionor Lopes Pereira subiu à tribuna para defender o governador Élcio Álvares “das críticas que lhe são dirigidas por ser ele mineiro”. Claudionor
afirmou desconhecer qualquer dispositivo legal que impedisse um cidadão mineiro de ser
governador do Estado do Espírito Santo ou de qualquer outro Estado. Para ele: “Todos
somos brasileiros. Esse direito é assegurado por lei”. E para consolidar a defesa de seu
ponto de vista contrário à discriminação de imigrantes de outros estados na política capixaba, Claudionor concluiu dizendo que “o senhor Eurico Rezende é mineiro e é senador
pelo Espírito Santo; o Sr. Dirceu Cardoso é fluminense e é senador pelo nosso Estado; o
Sr. Aloízio Santos é nortista e é deputado federal pelo Espírito Santo; o grande Florentino
Avidos era fluminense, governou o Espírito Santo e construiu as ‘Cinco Pontes’, a única
que temos interligando a parte sul da cidade com os municípios vizinhos. Portanto, essas
críticas são improcedentes, e foi de grande infelicidade o Vereador Izildo Alvarino ao assim proferi-la”.10
Todavia, o argumento realmente fundamental em defesa dos vereadores emedebistas acusados de infidelidade partiu mais uma vez de Arnaldo Pratti. Para ele: “Numa
eleição secreta - no caso a eleição da nova Mesa Diretora desta Casa - não se pode marcar
votos, nem, portanto, caracterizar infidelidade partidária, sobretudo porque o partido não
se reuniu para estabelecer diretriz partidária”. Desse modo, Pratti, ao acusar seus adversários de “incompetentes”, afirmou que eles não conheciam a legislação eleitoral, “nem os
estatutos do partido, nem o código de ética do MDB, porque, se o conhecessem, veriam
291
História da Câmara Municipal de Vitória
que estavam constantemente incursos em crimes de infidelidade”. Ele depositou sua esperança na justiça comum, para quem recorreu da sentença partidária que o condenou. E
esta, de fato, acabou mesmo absolvendo os acusados.11
AUMENTAM AS REIVINDICAÇÕES
O tema da punição dos vereadores do MDB preocupou a Câmara durante quase
todo o primeiro semestre de 1977, mas não impediu que ela também discutisse não só os
problemas reais da cidade como também os da administração municipal. Nesse contexto,
as críticas contra o antigo INPS, além daquelas que envolviam a assistência médica prestada à população, se tornavam cada vez mais comuns. E entre essas críticas estavam o
tratamento “ruim” que era dispensado aos usuários, as filas “intermináveis” no SAMU e
no Hospital São Lucas, e a falta de segurança de médicos e enfermeiros eram temas recorrentes nos discursos de José Maria Ramos Gagno.12
Contudo, havia quem defendesse discretamente o superintendente do INPS. Mário Cypreste, por exemplo, afirmou que o superintendente desejava “dialogar com os vereadores para em conjunto estudar o problema da fila”.13Élcio Teixeira de Almeida revelou
a sua “tristeza” ao presenciar a forma como eram tratados na Santa Casa de Misericórdia
os associados do INPS, “quase sem os mínimos recursos materiais e humanos”, e citou o
caso do “humano e abnegado” Dr. Jarbas “que em cinco horas, cuidou de umas oitenta
pessoas e realizou mais de quinze intervenções cirúrgicas”. Para ele, o caso do INPS era
um caso de “calamidade pública” já que “suas exigências burocráticas eram exorbitantes.
Na opinião de Élcio: “Até o paciente preparar, naquele vai e vem, toda a sua papelada,
se porventura for acometido de um problema grave ele não resistirá e morrerá antes de
atender essas absurdas exigências, sem, entretanto, receber assistência médico-hospitalar”.
No entanto, Mário Cypreste mais uma vez interveio no debate para se dizer “triste” com
os pronunciamentos contra o INPS e garantir que, “na qualidade de seu funcionário”, iria
promover uma audiência com o superintendente Dr. Ernesto Muzzi, com a presença dos
vereadores “para vermos se as deficiências estão com os hospitais credenciados ou com o
próprio INPS”.14E, dias depois, o mesmo Cypreste esclareceu que havia levado as críticas
ao superintendente do INPS, e que, segundo este, “a culpa do mau atendimento aos asso-
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A Nona Legislatura 1977-1983
ciados daquele órgão previdenciário” não era propriamente do INPS, e “sim dos hospitais
credenciados”, que não estavam preparados “para acompanharem o desenvolvimento da
cidade de Vitória”.15
E realmente, naquela altura, já era disseminada a percepção de que a cidade de
Vitória, e suas vizinhas, cresciam de forma exponencial. O experiente Arnaldo Pinto da
Vitória comparou o crescimento de Vitória ao de uma planta, que, “cresce, paulatinamente, sem que ninguém se aperceba”. Para ele: “assim foi o crescimento da cidade e, com ele,
cresceram os problemas, sem que as autoridades lhes dessem as atenções devidas”. Então,
na opinião de Arnaldo, aconteceu o que se podia observar, ou seja, o aumento de “problemas gritantes” que desafiavam os “nossos administradores públicos”.16
Ainda convém salientar que um desses graves “problemas gritantes”, apontados
por Arnaldo, dizia respeito à saúde dos habitantes de Vitória. E Arnaldo Pinto da Vitória, atento a essa questão, ainda comunicou que constatara que a baía de Vitória era “um
sanitário mal cheiroso” e que ao “debruçar-se sobre a muralha da avenida” via-se, “além
das águas poluídas, detritos de toda sorte boiando sobre a baía”. Ele informou igualmente
que, “do outro lado”, avistava-se “a construção do moderno porto de Capuaba, um dos
principais do Brasil”, porém “os navios” que vinham “de fora” entravam “na cidade por
uma privada”. E, de forma muito consequente, Arnaldo assegurou que apresentaria uma
moção ao Ministério da Saúde, para solicitar uma verba para a construção dos esgotos de
Vitória, convocando com esse intuito o apoio de seus companheiros.17
Da mesma forma, ao analisar a situação da baía de Vitória, Antônio Pelaes da
Silva formulou um projeto de outra natureza. Ele, ao liderar a campanha pela implantação
do transporte aquaviário, ligando Vitória a Vila Velha, afirmou já ter recebido o apoio necessário dos prefeitos dos municípios relacionados à questão. Contudo, segundo Pelaes, o
governador Élcio Álvares estava torpedeando sua campanha “por ciúmes de Setembrino
Pelissari em questões políticas”.18
Mesmo assim, um ano após essa crítica “sarcástica” de Pelaes, seu colega José
Manoel Nogueira de Miranda felicitou o mesmo governador Élcio Álvares e o seu se-
293
História da Câmara Municipal de Vitória
Setembrino Pelissari, Mário Cypreste, Arnaldo Pinto da Vitória (discursando), Dona
Eliete e o ex-governador Christiano Dias Lopes.
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
cretário de Transportes “pela inauguração do serviço de transporte aquaviário, ligando a
Prainha em Vila Velha a Vitória”. Na oportunidade, Miranda solicitou às autoridades para,
ao mesmo tempo, inaugurar os percursos entre o Porto de Santana e Vitória, e entre a Prainha e Bento Ferreira. Ao final, solicitou às “autoridades” que não permitissem o excesso
de lotação nas “lanchas” do transporte aquaviário, a fim de se manter o conforto mínimo
de seus usuários.19
Na época, igualmente se apresentava a preocupação com a construção de uma
nova rodoviária na cidade, relacionada ao problema dos transportes urbanos. Naquela altura, Marinho Delmaestro considerava que a rodoviária existente, que funcionava na praça
Misael Pena, próxima ao Parque Moscoso, era “um chiqueiro e um antro de maconheiros
e marginais” e, por isso, para ele, a construção de uma nova rodoviária era “por demais
necessária”. Entretanto, Delmaestro raramente se esquecia de mencionar uma acusação
muito polêmica e que repetia constantemente, a de que, “se ela ainda não saiu” do local
294
A Nona Legislatura 1977-1983
onde funcionava, era porque existia “o dedo do senhor Camilo Cola impedindo, a fim de
garantir seus próprios interesses”. Todavia, na mesma sessão, seu colega Mário Cypreste
externou sua satisfação ao ler a notícia, publicada no jornal A Gazeta no dia 2 de abril de
1977, informando sobre o início da construção da rodoviária no aterro da COMDUSA, localizado entre a Ilha do Príncipe e o bairro Santo Antônio. Cypreste disse esperar que essa
notícia se transformasse em realidade, além disso, esperava que também fosse concluída a
“Segunda Ponte”.20
Cypreste era tido como o “representante” do bairro de Santo Antônio e, por isso,
naturalmente favorável à localização da nova rodoviária no aterro da COMDUSA. Entretanto, não havia consenso na Câmara quanto a essa localização da futura rodoviária. A esse
respeito, Arnaldo Pinto da Vitória, além de criticar o governador pela sua “intromissão”
em “negócios do município”, quando era sabido “que o Estado não possui recursos nem
sequer para concluir a rodovia que liga Colatina a Baixo Guandu”, afirmou que não se
podia admitir que o governo continuasse com a ideia de construir a rodoviária na Ilha do
Príncipe “pois aquela região” era “responsável por todo o engarrafamento da cidade”. E
Carlos Alberto Viana Freire informou que sugerira a construção da rodoviária em Bento
Ferreira, em um terreno que a Prefeitura poderia adquirir do Americano Futebol Clube,
porém esse projeto, “pelos insistentes pedidos dos moradores deste bairro”, foi abandonado. Para Freire, a construção da rodoviária seria executada pela FUNDEP, uma fundação
ligada à PMV, mas o Governador retirou essa competência do órgão municipal e a transferiu para a Fundação Jones dos Santos Neves que, segundo ele, até aquela data ainda não
sabia “qual a firma que executará as obras de acesso da Segunda ponte”. Assim, Freire, ao
se dizer contrário à escolha da Ilha do Príncipe, sugeriu que “outro local bem adequado
seria no mangal de Goiabeiras, pois lá se evitaria que os ônibus transitassem pelo centro da
cidade com os desvios da Estrada do Contorno e da Rodovia do Sol”. Contudo, Nicanor
Alves dos Santos redarguiu-o, dizendo que a competência para a construção da rodoviária
era do Estado e não do Município.21
No entanto, a construção da rodoviária não seria rapidamente executada, como
se esperava. No ano seguinte, em março de 1978, Cypreste, ao intervir em um debate, assegurou que não queria fazer a defesa do governador Élcio Álvares, mas, “como arenista”,
295
História da Câmara Municipal de Vitória
ainda estava “esperançoso de que no último ano do seu governo”, seria resolvido o problema da Segunda ponte e da construção da estação rodoviária”.22
Por outro lado, os vereadores percebiam não só os problemas decorrentes do rápido crescimento da cidade como também a incapacidade das autoridades para resolvê-los
de maneira eficaz e no tempo adequado. Todavia, continuavam apresentando um posicionamento francamente favorável a medidas que incentivassem o crescimento econômico do
Estado e da cidade. E esse foi o caso da construção de uma siderúrgica no Espírito Santo.
Imbuídos de uma visão “desenvolvimentista”, a maior parte deles participou intensamente de uma campanha que visava pressionar o governo federal para a concessão de
recursos que viabilizassem a construção do que seria a Companhia Siderúrgica de Tubarão,
a CST.
Em 24 de junho de 1977, Nicanor Alves dos Santos informou que, nesse mesmo
dia, a imprensa trouxera uma notícia que considerava muito grave: a de que o vice-presidente da Siderbrás informara que os recursos para a construção da “Usina de Tubarão”
não eram liberados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento “por falta de pressão dos
políticos capixabas”. E diante do possível atraso na instalação do complexo siderúrgico,
que Nicanor considerava “uma esperança para nós, capixabas” e da “desolação diante das
declarações daquela autoridade”, Nicanor concluiu que a referida Usina não seria iniciada
“tão cedo”.23
Após três meses, Carlos Alberto Viana Freire comentou outro artigo de jornal,
cujo título era “Uma Bandeira Solta”, publicado no jornal A Gazeta, em 28 de agosto de
1977, no qual se analisava a situação da Usina de Tubarão. Freire não só congratulou-se
com o jornal pela publicação da reportagem como também solicitou “veementemente”
aos senadores, deputados federais e a todos os políticos representantes do Estado com
a finalidade de unir seus esforços “para que a Usina de Tubarão e também a RENAVI
[RENAVI-Reparos Navais e Industriais, em Vila Velha], sejam uma realidade, para orgulho
e engrandecimento do povo espírito-santense”. Seu colega José Manoel Nogueira de Miranda, mais conhecido como “Nenel”, também leu tópicos do mesmo artigo e solicitou a
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A Nona Legislatura 1977-1983
união dos políticos capixabas “para não permitir que a Usina de Tubarão, prometida pelo
presidente da República, se esvaia mansa e pacificamente”. Nenel hipotecou solidariedade
à imprensa por “levantar sua voz sobre esse assunto de fundamental importância para o
Estado do Espírito Santo”.24
Da mesma forma, alguns dias depois, Izildo Alvarino fez apelos ao presidente da
República, ao ministro das Minas e Energia e aos seus assessores para que eles não consentissem que a Usina de Tubarão fosse “transferida para outro Estado”. Em seguida, Arnaldo Pinto da Vitória afirmou que, “no silêncio de seu escritório”, escrevera uma matéria
cujo título era: “Usina de Tubarão, um sonho que não passou”. No trabalho, o Vereador
teria exposto seu pensamento sobre o futuro “socioeconômico do Espírito Santo com a
nefasta desaceleração da Usina de Tubarão”. Na mesma sessão, ainda, Nicanor Alves dos
Santos assegurou que estranhara o silêncio do governador a respeito da Usina de Tubarão,
mas congratulou-se com a imprensa capixaba e, sobretudo, com o deputado federal Gerson Camata “por estar sozinho brigando em Brasília para que ela seja uma realidade no
Estado do Espírito Santo.25
Temendo que a construção da Usina realmente se interrompesse, Arnaldo Pinto
da Vitória criticou o governador, que, segundo ele, “apático à nossa política econômica”
só sabia “criar subsecretarias”. Além disso, ao comentar que “o complexo industrial de
Carapina” só seria “reativado politicamente após vinte e quatro meses”, informou que a
“exploração imobiliária”, em decorrência da “incrementação industrial”, deveria “ter um
fim”. Dessa maneira, conforme Arnaldo Pinto da Vitória, “o capixaba poderá comprar
uma simples casa para morar”, um ato que naquela ocasião não podia empreender, justamente “por causa da expectativa de que Vitória irá crescer e em consequência tudo irá se
valorizar”.26
Todavia, Nicanor Alves dos Santos, alguns meses depois, anunciou com muita
satisfação a solução dos problemas que impediam a “agilização da implantação da Usina de
Tubarão”. E aproveitou para render “sinceras homenagens às autoridades que trabalharam
neste sentido, especialmente ao presidente Geisel e ao Dr. Arthur Carlos G. Santos”. Na
visão de Nicanor, o governador tinha sido um baluarte na presidência da empresa.27
297
História da Câmara Municipal de Vitória
Assim, à vista do que julgava ser o “aceleramento da Usina de Tubarão”, José
Manoel Nogueira de Miranda afirmou que esse fato iria provocar “um grande afluxo de
pessoas para Vitória”, o que obviamente provocaria “uma série de problemas”. Por esse
motivo, o Vereador Nenel, ao antecipar o que hoje chamamos de “avaliação de impacto
sócio-ambiental” - e que, na época, infelizmente não era ainda feito - não só exigiu das
empresas e dos governos, como também apelou “veementemente” ao governador, “no
sentido de oferecer melhores condições de vida”. E como exemplos das melhorias de
condições de vida, Nenel citou: o “alargamento da avenida Fernando Ferrari”, o “melhor
escoamento do tráfego na garganta da Ilha do Príncipe”, além de “mais hospitais, mais
escolas”. E, da mesma forma, mencionou entre esses exemplos a “segurança pública”, que
na opinião dele deveria ser “condigna para atender ao impacto do desenvolvimento que
por certo terá o Estado do Espírito Santo.”28
Nesse contexto, o crescimento exponencial das reivindicações de toda sorte não
podia deixar de impactar a reputação das administrações municipais. Contudo, apesar do
aumento da arrecadação estadual, os municípios alegavam que a sua participação no ICM
estava, na verdade, diminuindo. E conforme relatou Nicanor Alves dos Santos, reunidos
em São Gabriel da Palha, prefeitos e vereadores alegavam que, enquanto a arrecadação
estadual crescera em 84%, as cotas de participação dos municípios no ICM haviam caído
pela metade.29
Ao mesmo tempo em que aumentavam as reivindicações da população, essas demandas igualmente se organizavam. Assim surgiram movimentos comunitários de bairros,
a exemplo do bairro Jardim da Penha, onde moradores, além de conseguirem a instalação
de um posto policial no bairro, também faziam “novas” reivindicações como praças, área
de lazer e esportes e parques infantis. E esses movimentos também contavam com o apoio
de vereadores.30
Convém ressaltar que já existiam outros grupos, relativamente organizados, os
chamados “movimentos de invasão de áreas para moradia”, que nem sempre contavam
com o apoio declarado dos vereadores. Élcio Teixeira de Almeida, por exemplo, considerou a invasão ocorrida da Ilha das Caieiras um “ato ilícito e desumano”, que recebera “o
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A Nona Legislatura 1977-1983
aval do senhor governador do Estado”, porém elogiou as providências tomadas pelo prefeito Setembrino Pelissari que, “contra aquela invasão, usando do bom senso, determinou
as demolições dos barracos sem que houvesse nem maus-tratos nem agressões”.31
Contudo, o seu colega Máximo Vieira Varejão argumentou que: “Se o povo não
invadir, os grandes vão e ocupam aquelas áreas propaladas”. Entretanto, Claudionor Lopes
Pereira, ao abordar o tema, afirmou que não tinha “procuração para defender o governador e sua esposa” da acusação feita por seu colega, de que eles haviam incitado “a invasão”
e, se o faziam, era por uma “questão de justiça”. E Claudionor, além de advertir seu colega
Élcio de Almeida, afirmou que era necessário que se “medisse as palavras”, “para não vir
a ser processado”.32
CRISE POLÍTICA MUNICIPAL
Com efeito, a tendência geral era para o aumento das críticas à administração
municipal. Na Câmara, o Vereador que assumiu de forma mais contundente a bandeira da
crítica e da oposição ao prefeito Setembrino Pelissari foi Antônio Pelaes da Silva. Ele não
lhe perdoava “pelo abandono” em que se encontrava “a cidade de Vitória”, e “pela grande
promoção publicitária dada às inaugurações de obras, cujas despesas chegam a superar o
valor das obras construídas”.33
Em outra ocasião, o mesmo Pelaes da Silva criticou o prefeito Pelissari “por gastar importância vultosa na construção de uma praça de esporte, de tênis”, enquanto a
cidade de Vitória estava “carente de escadarias, esgotos, e outros”. Pelaes ainda apresentou
na tribuna quatro páginas do jornal A Gazeta, em que se fazia propaganda de obras da
administração Pelissari, “sendo que muitas das obras em manchetes” somente seriam entregues “ao povo, daqui um, dois ou dez anos”, segundo ele. E Pelaes igualmente criticou a
FUNDEP.34No entanto, a “desavença” maior de Pelaes com Pelissari parece ter começado
- como ele mesmo contou - quando, ainda em sua “inexperiência política”, esteve pessoalmente no gabinete do prefeito para pedir “uma vaga de professora para sua eleitora”.
Decepcionado com essa experiência, Pelaes passou a afirmar que após adquirir “alguma
experiência, não irá mais ao gabinete de S. Exª., pois, tudo que faz pelo Vereador é visando
299
História da Câmara Municipal de Vitória
ao seu futuro”.35
E até seu colega Élcio Teixeira de Almeida corroborou as críticas feitas por Pelaes
ao prefeito Pelissari, tanto com relação às obras da praça Demócrito de Freitas e sua quadra de tênis quanto à propaganda indevida nos jornais. Ele exibiu as mesmas páginas do
jornal A Gazeta, mostradas por seu colega e, além disso, apresentou e comentou também
outra matéria jornalística cujo título era: “Setembrino Pelissari faz campanha política com
dinheiro do povo”.36
Essas críticas a Pelissari, contudo, não ficaram sem respostas e foram refutadas
pelos vereadores Nicanor Alves dos Santos, Nenel Miranda e Carlos Alberto Viana Freire.
Em consequência disso, Freire sugeriu ao Vereador Antônio Pelaes da Silva que fizesse
uma visita aos municípios de Cariacica e Vila Velha para observar que “muitos problemas,
até os pequenos”, chegavam a “ser insolúveis pelas administrações daqueles prefeitos” que
pertenciam “a facção emedebista”. E o Vereador José Maria Ramos Gagno, ao afirmar que
Setembrino Pelissari soubera “enfrentar aleivosias e insinuações de locupletamento pessoal
de cabeça erguida, com honestidade e honradez”, sugeriu que naquele momento “de sucessão governamental, fosse lembrado um homem da capacidade administrativa e da estirpe de Setembrino Pelissari”.37E, quando Mário Cypreste elogiou o presidente da República
pela escolha do nome de Eurico Rezende para governar o Espírito Santo, da mesma forma
sugeriu que Setembrino Pelissari fosse escolhido para ser o vice-governador.38Contudo,
seu colega Carlos Alberto Viana Freire afirmou que seu candidato ao governo estadual era
Setembrino Pelissari.39
É importante salientar que apesar da grande reputação do prefeito Setembrino
Pelissari, principalmente entre os vereadores de Vitória, isso não impediu a efetivação da
sua demissão intempestiva pelo governador Élcio Álvares, em junho de 1978, poucos meses antes da eleição para o Legislativo estadual e federal. Por conseguinte, esse desfecho
da mesma forma repercutiu na Câmara. E José Maria Ramos Gagno, por exemplo, afirmou que o governador Élcio o fizera “de forma precipitada e inoportuna, dentro de um
propósito de eleger alguém do seu estafe”. Em seguida, Gagno, ao elogiar Pelissari, como
cidadão e como político, declarou que se ele concorresse às eleições seria um “candidato
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A Nona Legislatura 1977-1983
eleito”, e se propôs a fazer com ele a célebre “dobradinha”.40
Da mesma maneira, pode-se igualmente mencionar, como exemplo dessa repercussão, o Vereador Máximo Vieira Varejão. No que lhe dizia respeito, Varejão acrescentou
que Pelissari fora deposto não só de forma “indelicada” como também “de uma noite
para o dia, enquanto o mais humilde empregado tem trinta dias de aviso prévio antes de
sua demissão”. E até o irreverente Marinho Delmaestro, após afirmar que o Estado estava
“desgovernado”, hipotecou solidariedade a Pelissari ao assegurar que “o povo” saberia
“julgar esta punhalada” que o ex-prefeito acabava de “receber pelas costas”. Da mesma
maneira, Carlos Alberto Viana Freire, outro admirador do ex-prefeito, ao tecer críticas ao
governador Élcio Álvares, afirmou que a “impopularidade de S. Exª.” levava-o “a não ser
bem aceito nem no seu próprio ambiente político”, e ainda prognosticou que essa mesma
impopularidade conduziria a ARENA, no Estado, a perder pontos para o partido da oposição. E ainda Arnaldo Pinto da Vitória referiu-se à falta de “consideração” do governador
por exonerar Pelissari “a toque de caixa”.
Contudo, a declaração mais significativa sobre a demissão “intempestiva” foi a
de Nicanor Alves dos Santos, que, após se referir à capacidade administrativa de Pelissari
classificou-o como “amigo do Vereador” e explicou o “porquê”: “Amigo do Vereador por
dois atos realizados neste seu último mandato à frente da municipalidade: pela construção
da sede própria da Câmara Municipal de Vitória e pela sanção da Lei que criou o Instituto
de Aposentadoria dos vereadores de Vitória – IAVV -, cujo órgão não permitirá que o
ex-vereador venha no futuro viver às expensas da caridade pública, a exemplo de alguns
ex-colegas nossos”. Nesse sentido, José Manoel Nogueira de Miranda afirmou que era
“muito bom sair da vida pública de cabeça erguida como saiu Setembrino Pelissari”. E
Nenel Miranda igualmente ofereceu até mesmo a renúncia de sua candidatura a deputado
estadual, “se ainda houvesse uma fórmula jurídica que pudesse favorecer a candidatura
de Pelissari para o mesmo posto”. Ao final, na sua fala de agradecimento, Setembrino
Pelissari, que estava presente à sessão, confessou que havia recusado os dois cargos que o
governador lhe oferecera: um cargo de direção no Banestes e uma Secretaria de Estado.41
A demissão intempestiva de Pelissari, que era tido como “um amigo do Verea-
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História da Câmara Municipal de Vitória
dor”, ajudou a criar um sentimento de crise política na Câmara, até mesmo em virtude das
críticas que já vinham sendo feitas à atuação da Câmara, como um todo. Assim, perante as
notícias publicadas na imprensa, informando que havia uma crise na Câmara, o presidente
Mário Cypreste se viu obrigado a desmenti-las. Ele assegurou que, em “relação às renúncias dos senhores vereadores José Maria Ramos Gagno e Élcio Teixeira de Almeida”, elas
se deviam não só ao fato de eles serem “advogados militantes” como ainda à circunstância
de serem “membros da Mesa Diretora”, e por causa dessa situação estariam “impedidos
de exercer a advocacia”.42
Nesse cenário, Cypreste protestou “impetuosamente” contra o jornalista Ismar
Penha Barcellos, que escrevera um artigo no jornal A Tribuna “contra funcionários e
vereadores”.43Da mesma forma, Carlos Alberto Viana Freire refutou as críticas de alguns
jornalistas que estavam, segundo ele, “achincalhando e declarando que os vereadores nada
fazem em favor do povo”. Por isso, Freire enumerou as indicações, os projetos de lei e os
requerimentos de sua autoria, dentre os quais destacou a indicação ao ministro Cirne Lima,
em 1971, em que solicitava a implantação de um centro de abastecimento em Vitória,
“concretizado na Ceasa”.44
Diante de tal situação de crise política, o Vereador Atharé Stamato da Fonseca e
Castro anunciou o fim da luta contra a sua cassação, organizado por cinco vereadores do
MDB com a acusação de infidelidade partidária. Para Atharé, era o fim de uma maratona
“patrocinada por Argilano Dario, Dirceu Cardoso e Mário Moreira que, a todo custo, tentaram a expulsão dos vereadores desta Casa, processados por infidelidade partidária”.45
Não obstante, Máximo Varejão, o candidato a presidente do MDB, derrotado por
Cypreste na polêmica eleição da Mesa Diretora, afirmou que ocorrera mesmo a infidelidade de seus colegas de partido, uma vez que a bancada do MDB era composta por oito
vereadores, e, se sabia pelo Regimento Interno não só que o escrutínio era secreto como
se sabia também que havia um certo número de traidores. Segundo Varejão, a fim de não
se culpar inocentes, “estabeleceu-se que cada votante da bancada tinha seu nome na 2ª.
Secretaria, e que ficaria caracterizada a infidelidade pelos nomes dos vereadores do MDB
que não foram sufragados na 2ª Secretaria, que eram os que votaram contra a chapa do
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A Nona Legislatura 1977-1983
MDB”. Varejão confessou que ficara tão desgostoso com a sua derrota que fora acometido
de enfermidade, tendo que afastar-se por dois meses para tratamento de saúde. Em apoio a
esse forte pronunciamento de Varejão, Arnaldo Pinto da Vitória, que fora do MDB e nessa
ocasião estava na ARENA, aplaudiu os discursos de Ulisses Guimarães, Franco Montoro,
Alceu Colares e Alencar Furtado no Parlamento nacional. Contudo, defenestrou o discurso de Atharé, que, segundo Arnaldo, extravasara “injustamente” “um monte de ódio e de
recalques, fazendo pronunciamentos tenebrosos, envolvendo personagens ilustres como
Argilano Dario, Dirceu Cardoso e Mário Moreira”.46
Nesse cenário, algum tempo após essa discussão na Câmara, o mesmo Varejão fez
uma denúncia mais grave ainda. Ele comentou a notícia, publicada em um jornal da cidade,
com o título “MDB está em situação difícil devido a problema com membro do diretório”,
na qual se denunciava um “incógnito” membro do diretório do MDB como “aliciador de
menor e traficante de tóxicos”. Varejão advertiu que, se o partido não tomasse “as providências” para que fosse “revelado o nome do implicado”, a ARENA estaria “de atalaia
para devorá-lo”. Varejão, entretanto, insinuou que o denunciado poderia ser um Vereador,
ao afirmar que era preciso revelar o nome do implicado “a fim de que não venham pairar
dúvidas sobre os oito membros do MDB que fazem parte deste sodalício”. E Gagno não
só rebateu as insinuações de Varejão, como ainda declarou que ele se estribava em “coisas
infundadas”.47
No entanto, a “carapuça” parece ter recaído sobre o Vereador Atharé, que repudiou a matéria do jornal e “desafiou da tribuna a quem interessar”, a que provasse que ele
tinha sido processado em alguma “vara criminal desta cidade”.48E ainda, em outra ocasião,
Atharé, ao desabafar na tribuna, afirmou que “desde que iniciou o seu mandato, vem sofrendo a sanha dos seus adversários políticos: infidelidade partidária, queda de liderança,
calúnia por parte de determinado deputado estadual”, e, além disso, tentavam “proibir a
sua candidatura a deputado estadual”. Para Atharé, “como homem público” que era, podia
“ser candidato a qualquer posto, pois não era “subversivo”, não estava sendo “processado
pela Justiça” e não tinha “passado desonesto”.49
Dessa maneira, as insinuações negativas respingavam em Atharé, e isso levou
303
História da Câmara Municipal de Vitória
Sessão da Câmara. Da esq. para dir.: Atharé, Gagno e Pratti, logo atrás, Ademir Antunes, José Guterres
e Darcy de Mendonça
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Marinho Delmaestro, da ARENA, de forma muito solidária, a apelar à presidência da Mesa
para que fossem tomadas providências “com relação aos constantes ataques dirigidos ao
Vereador Atharé Stamato da Fonseca e Castro”.50Mesmo assim, talvez decepcionado com
seus colegas de Câmara, Varejão, ao recordar a “autonomia e independência das Câmaras
passadas”, lamentou que “a Câmara dos vereadores se resumiu em um palco de lamúrias,
relegada a segundo plano e sujeita a cidadãos que possuem dez bilhões em contas bancárias”. E, na conclusão, Varejão pediu ao presidente Geisel que fizesse “voltar aquela autenticidade que as Câmaras passadas possuíam”, já que, conforme Varejão, “estávamos numa
era de salve-se quem puder”.51
É preciso destacar que a apologia implícita que Varejão, do MDB, fazia ao regime militar, na pessoa do presidente Geisel, se transformava também em severa crítica ao
“eldorado comunista”. Na opinião de Varejão, esse eldorado comunista estava “prestes
a sucumbir, uma vez que todos os ditadores, com toda a luta, caíram: Hitler, Mussolini,
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A Nona Legislatura 1977-1983
Franco, Stálin, Oliveira Salazar, deixando os seus países em questiúnculas e envolvidos
pelo problema do pão nosso de cada dia. O Eldorado comunista passa pela mesma refrega, ele que esperava resolver todos os problemas do proletariado com a utopia do regime
materialista”.52
E, nesse momento, o “Processo nº 20/78, de interesse do Dr. Ferdinand Berredo
de Menezes”, repercutiu imensamente contra a reputação da Câmara, ao propor a cassação dos mandatos dos vereadores Mário Cypreste, Nicanor Alves dos Santos e Apolinário
Marinho Delmaestro. Eles eram acusados de homologarem uma resolução, concedendo
auxílio-moradia aos vereadores da Câmara de Vitória. E ao invocar o disposto no Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, Arnaldo Pratti consultou a Câmara sobre a aceitação da denúncia do ex-Vereador Berredo de Menezes. No entanto, todos os vereadores, à
unanimidade, votaram contra o recebimento da denúncia, que foi retirada.53
Por outro lado, Arnaldo Pinto da Vitória denunciou manobras, que se realizavam
na Câmara, “com a criação de cargos, afrontando flagrantemente o Artigo 96 da Lei Orgânica dos Municípios e a pretensão da Mesa Diretora”. Segundo Arnaldo, “se aprovado [o
projeto], corromperá vereadores e a dignidade desta Casa”. Para ele, alguns vereadores da
ARENA usaram o senador Eurico Rezende “como garoto de recado para pedir a Élcio Álvares que envie mensagem à Assembleia Legislativa para modificar a Lei Orgânica, no que
diz respeito ao funcionalismo das câmaras municipais”. Como emedebista, Arnaldo Pinto
da Vitória afirmou que jamais concordaria “com a criação de cargos para este Legislativo”
e, além disso, assegurou que era favorável a que ocorresse a reclassificação de vencimentos
do quadro de funcionários do Legislativo nos mesmos padrões que foram feitos “para o
pessoal da Prefeitura”. Arnaldo, ao concluir, advertiu que ainda faria mais acusações “as
quais deixarão o povo estarrecido quando souber do mar de lama acontecido nas administrações desta Casa de Leis”.54
E esse depoimento de Arnaldo Pinto da Vitória deixa entrever que naquela altura
se faziam sérias acusações contra a Câmara. Ao tentar rebatê-las, José Maria Ramos Gagno afirmou que seus atos na Casa foram sempre com “isenção de ânimo”, sem hostilizar
ninguém, mas que “jamais existiu neste poder o conhecido ‘esquemão’”, acrescentou ainda
305
História da Câmara Municipal de Vitória
que esta “ficção” teria sido cunhada “pelo jornalista de A Gazeta, Dório Antunes”. Gagno
admitiu, contudo, que havia, “sim, um grupo que se afinava e se ajustava nos seus ideais, e
votava as matérias que lhe convinham, dentro de um clima bastante cordial”. Logo após,
Arnaldo Pinto da Vitória repudiou “aqueles” que faziam “parte de esquema, esqueminha
ou esquemão, ou ainda de grupos coercitivos”, e assegurou que eles não eram “dignos da
família” que possuíam, uma vez que agiam de “maneira repugnante”, isto é, tiravam “de
quem tem direito, para dar a quem não o tem.”55
Todavia, um mês após a demissão de Setembrino Pelissari, o fato continuava não
só repercutindo politicamente como gerando também interpretações sobre ele. Segundo
Marinho Delmaestro, a “crise política no município de Vitória com a mudança de prefeito”
ocorreu simplesmente porque Setembrino Pelissari “se propunha a trabalhar politicamente
em favor de seu cunhado, Nicanor Alves dos Santos, [e também] de Christiano Dias Lopes
Filho e Gerson Camata”.56
Mesmo assim, Arnaldo Pinto da Vitória elogiou as obras realizadas por Setembrino Pelissari e augurou ao novo prefeito, Wander José Bassini, falecido recentemente, uma
“boa administração”.57
No entanto, Carlos Alberto Viana Freire, ao criticar a entrevista concedida por
Bassini, e publicada no jornal A Gazeta, assegurou que o novo prefeito ajudaria “politicamente” o governador Élcio Álvares, visto que era “na Prefeitura, onde os favores são
maiores”.58
E de fato, dois meses após a troca de prefeitos, Freire voltou a criticar Bassini “pela paralisação das obras da municipalidade, pelas promessas não cumpridas e pela
campanha política em favor de Walter de Prá, com a contratação de trio elétrico e outros
aparatos caríssimos”. Freire disse, ainda, que entraria com um pedido de informações não
só acerca da “folha de pagamentos de junho a setembro” como também sobre “os gastos
promovidos pela Prefeitura no período”.59
Importa salientar que a denúncia de Freire evidencia na verdade que a ARENA enfrentava as eleições legislativas, que se realizariam em novembro de 1978, bas-
306
A Nona Legislatura 1977-1983
Wander Bassini, Nicanor A. dos Santos, Izildo Alvarino, Lauro Cypreste (funcionário da CMV) e convidado.
Da esq. para dir.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
tante dividida e, além disso, que o governador Élcio Álvares não conseguia hegemonizar
e unir todas as suas forças. E Nicanor Alves dos Santos, que apoiara a indicação de Élcio
Álvares, foi um dos arenistas que denunciou essa situação na Câmara. Por um lado, Nicanor aprovou o movimento dos professores estaduais liderados pela professora Myrtes
Bevilácqua, presidente da Associação dos Professores do Estado do Espírito Santo e, por
outro, fez questão de denunciar Élcio Álvares, que “na ânsia de eleger seus candidatos
preferidos”, pressionava seus desafetos da própria ARENA, tais como Gerson Camata,
Christiano Dias Lopes e Setembrino Pelissari e outros, e com isso prejudicava “a ARENA
no Espírito Santo e, por conseguinte, causando sua total desunião”.60
Nessas circunstâncias, as críticas a Élcio Álvares - que estava em seu último ano
de mandato e com sucessor já indicado -, e também aos prefeitos nomeados por ele,
tornaram-se ainda mais comuns. Para Antônio Pelaes da Silva, o governador “foi infeliz na
escolha dos seus secretários, como o foi também na escolha do prefeito de Vitória”. Ain-
307
História da Câmara Municipal de Vitória
da, conforme Pelaes, falava-se “de inaugurações de obras e mais obras”, contudo durante
os quatro anos de mandato somente existiam mesmo, “três obras apenas”, as avenidas
“Dante Michelini, Maruípe e Leitão da Silva”, além de “umas galerias por aí que talvez não
ficarão prontas”.61
É evidente que a oposição se animava para o pleito no fim de 1978. E, por isso,
Élcio Teixeira de Almeida noticiou a realização da Convenção do MDB, a ser realizada em
10 de julho de 1978, quando, segundo ele, seriam escolhidos “homens de filosofia política definida”, que defendessem “o pleno estado de Direito, e que mediante sua segurança
filosófico-partidária” chegassem a contrariar “o AI-5 e o Decreto nº 477”. Ao finalizar,
declarou que: “O povo, no próximo pleito, saberá dar resposta ao sistema de escolha indireta para governadores de Estados, prefeitos e senadores biônicos.”62
APÓS AS ELEIÇÕES DE 1978 – EURICO REZENDE E CARLITO VON SCHILGEN
Logo após o recesso de final do ano, a Câmara voltou a se reunir a 31 de janeiro
de 1979 e procedeu à eleição da nova Mesa Diretora para o biênio 1979-1980. E com a
memória ainda viva da crise provocada pela eleição da Mesa anterior, dessa vez os oito
vereadores do MDB cerraram fileiras em torno do nome de Máximo Vieira Varejão. Assim, o resultado do primeiro pleito foi de oito votos para Varejão, e igualmente oito votos
para José Manoel Nogueira de Miranda, da ARENA.63Apesar desse resultado, Varejão foi
mesmo escolhido como presidente da Mesa Diretora.64
Ao iniciar a Sessão Legislativa de 1979, Izildo Alvarino mostrou-se “esperançoso” com o novo presidente, o general João Batista Figueiredo, no que concernia à redemocratização nacional. Alvarino, ao reafirmar o compromisso do MDB “com o povo”,
disse que se lhe perguntassem acerca do comportamento da bancada do MDB frente ao
futuro prefeito, nesse momento em que o partido dirigia o poder Legislativo, responderia
que estaria na expectativa, “porquanto já tomou conhecimento de que o Dr. Carlito [Carlos Fernando Lindenberg Von Schilgen]” administraria o município “com muito dinheiro,
cerca de três trilhões de cruzeiros”, e a maior responsabilidade recairia “sobre esta Câmara,
308
A Nona Legislatura 1977-1983
por saber que o município não suporta mais empréstimo”.65
Saliente-se que Vitória, na época, já apresentava sérios sintomas de uma grave
crise social. Um deles era o problema do crescimento assustador da insegurança coletiva,
Nenel Miranda, Nicanor A. dos Santos, José Maria R. Gagno, Carlito Von Schilgen,
Apolinário M. Delmaestro, Claudionor Lopes Pereira, Josè Guterres e Antônio Pelaes da Silva. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Da esq. para dir.:
um tema ainda não tão intensamente frequente nos discursos da Câmara. E a esse respeito,
Marinho Delmaestro aproveitou o início da Sessão Legislativa para reivindicar a união das
bancadas de ambos os partidos, por meio de protestos e apelos, com o intuito de procurar
ajudar as autoridades a resolverem o problema “angustiante” da “falta de segurança pública nas ruas de Vitória”.66
Nessa conjuntura, a requerimento de Antônio Pelaes da Silva, a Câmara convidou
o general José Parente Frota, secretário de Segurança Pública, para uma conferência sobre
o tema “Segurança Pública do Nosso Estado”. Nessa conferência, o general fez um retros-
309
História da Câmara Municipal de Vitória
pecto, infelizmente não transcrito na ata da sessão, da atuação da Segurança Pública para a
prevenção da criminalidade.
Logo após a exposição, os vereadores apenas fizeram questionamentos pontuais
ao secretário de Segurança. As questões levantadas por eles se tratavam dos seguintes temas: Carlos Alberto V. Freire perguntou acerca da permanência de apenas três policiais
em rodízio de vinte e quatro horas nas delegacias de polícia; Arnaldo Pratti questionou o
secretário sobre a higiene nas delegacias; Élcio Teixeira de Almeida indagou a respeito da
violência policial no bairro Flexal e igualmente sobre o linchamento de presos em Iconha;
Pelaes da Silva inquiriu sobre os assaltos praticados pelos presos do Instituto de Reabilitação Social Jair Etienne Dessaune, diante da autorização de visitas de seus familiares nos
fins de semana, e também reivindicou a volta dos “Cosme e Damião” para guarnecer as
ruas da cidade; Izildo Alvarino quis saber das constantes multas aplicadas pelos guardas de
trânsito; Atharé Castro usou a palavra para enaltecer a pessoa do general; Ramos Gagno
abordou a ocorrência de assaltos e assassinatos de motoristas de táxi; Guterres Filho quis
saber não só se os policiais da Polícia Civil dispunham de armas quando em missão com
a Polícia Militar, como também acerca da munição que usavam; Mário Cypreste relatou os
assaltos aos assegurados do INPS nas filas para receberem seus pagamentos no centro da
cidade; e Claudionor Lopes Pereira se referiu à falta de polidez de um “certo policial quando do assalto a uma joalheria do centro da cidade”, que, ao atender a ligação e ser informado do assalto, dissera que aquele órgão policial somente “aceitaria queixa por escrito”,
e que “também não tinha viaturas para determinados fins”.67
Importa acentuar que o aumento da criminalidade estava ligado sem dúvida nenhuma à ineficiência no combate ao crime por parte do aparelho de segurança do Estado.
No entanto, vinculava-se igualmente à crise social que assolava o país naqueles anos. E o
primeiro elemento causador dessa crise era a inflação descontrolada, que produzia elevação excessiva do custo de vida; baixava a qualidade de vida da população, empobrecendo-a; gerava desemprego; queda das taxas de crescimento; descalabro das finanças públicas;
êxodo rural; aumento do déficit habitacional; invasões de terrenos urbanos; greves; e outros. Em Vitória e no Espírito Santo todos esses fatores estiveram ativos, e refletiram-se
na atuação dos vereadores.
310
A Nona Legislatura 1977-1983
E nesse campo da crise econômica, Arnaldo Pratti, ao reportar-se mais uma vez
à inflação galopante vigente no país, afirmou que o povo estava na iminência de ser mais
uma vez ludibriado diante da majoração no preço da carne em 27%. Todavia, em vez de
atribuir essa elevação à política financeira e econômica do governo federal, ele preferiu culpar os “grandes e gananciosos pecuaristas” do país, os quais, segundo ele, não só estavam
muito bem representados, como também eram bem defendidos no Senado e na Câmara
Federal.68
Em outra ocasião, o mesmo Pratti voltou ao tema, desta vez para protestar contra as autoridades estaduais e federais “por não atuarem contra os pecuaristas e outros
latifundiários causadores dos constantes e abusivos aumentos da carne, do leite, de outros
alimentos de primeira necessidade”. Pratti tachou-os até de “cretinos e imbecis”, além de
protestar também contra os parlamentares do Senado e da Câmara Federal “por não tomarem medidas, por serem eles, inclusive, os próprios fazendeiros e criadores de bois”.69
Do mesmo modo, Marinho Delmaestro, ao bater na mesma tecla, declarou que
o governo não tinha pulso para “dominar” os agropecuaristas, que, segundo ele, roubavam “desgraçadamente a tranquilidade e a bolsa do povo brasileiro”. E ainda discordou
igualmente do procedimento do ministro Delfim Neto “por não ter cumprido a promessa,
quando ministro da Agricultura, de encher a panela do povo”. Por tudo isso, Delmaestro
era favorável às greves impostas pelos trabalhadores objetivando melhores salários.70
Já Antônio Pelaes da Silva preferiu culpar os comerciantes e os donos de supermercados tanto pelo aumento dos preços quanto pela falta de providências por parte do
governo federal contra os que “exploravam cada vez mais a bolsa do povo”.71 Nessa mesma linha, Atharé S. da Fonseca e Castro mencionou os problemas que afligiam a população
de baixa renda do país, dizendo que a humanidade pobre “grita, sofre e chora por falta de
pão, enquanto um por cento dessa humanidade nababescamente se delicia com os prazeres
e a fartura em sua mesa”. Na conclusão, Atharé asseverou que “quando o Parlamento”
reclamava era “recebido com menosprezo”.72
No entanto, Élcio Teixeira de Almeida, questionou o discurso do ministro Delfim
311
História da Câmara Municipal de Vitória
Neto, a respeito do problema inflacionário no país – “em almoço de seiscentos talheres,
oferecido pelos empresários das multinacionais” – em que esse ministro, teria afirmado
que “enquanto existir um brasileiro sorrindo, não será contida a inflação”. Como parlamentar, Almeida afirmou que não entendeu bem o significado das palavras do ministro,
uma vez que deveria estar ele “chorando, e não sorrindo, em ver a desgraça assolando a
nação”. No entendimento de Almeida, a fala do ministro tratava-se de uma maneira de
expressar a ideia de que ficaria “O pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais rico”,
dado que a “política salarial por ele implantada” não satisfazia “ao anseio do povo”, visto
que “o cidadão que dormir com cinquenta cruzeiros no bolso, acordará com tal importância valendo apenas trinta cruzeiros, devido à enorme desvalorização da moeda”. Finalizando, Pelaes ainda discordou não somente do sistema de “embalagem luxuosa” empregada
na produção de mercadorias, como também da propaganda na televisão “para encarecer
ainda mais o produto vendido ao povo”.73
Todavia, não foi isso o que fez seu colega Arnaldo Pinto da Vitória, que preferiu
apontar a responsabilidade direta do governo federal na elevação do custo de vida. Para
ele, a elevação do custo de vida e a precária situação financeira do trabalhador ocorriam em
virtude “dos deficientes métodos administrativos empregados pelos governantes militares
num período de quinze anos”. Arnaldo criticou especificamente e de forma contundente
o ex-ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen “por ter aumentado propositadamente os juros nos estabelecimentos bancários, a fim de obter lucros em demasia e desgraçar ainda mais o mísero brasileiro”.74E, ao reportar-se ao problema socioeconômico do
país, ele afirmou estar perplexo ao observar a atuação de “um grupinho de maus brasileiros
se enriquecendo cada vez mais à custa do erário público e milhões de brasileiros passando
fome devido à fraca atuação do próprio governo federal”. Na opinião de Arnaldo Pinto da
Vitória, “o feijão e outros cereais” que eram vendidos à população “por preços absurdos”,
se sofressem um processo de fiscalização, “extrairia antes do empacotamento seiscentos
gramas de pedra e outros detritos em cada quilograma”. Tratava-se, no dizer de Arnaldo
Pinto da Vitória, de um “roubo desenfreado e uma falta de vergonha de um país” que não
tinha “sequer uma fiscalização.”75
Como podemos notar, a crise social afetava amplos setores da população, mas
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A Nona Legislatura 1977-1983
atingia principalmente os menos favorecidos. E de acordo com o Vereador Élcio Teixeira de Almeida, a situação em que vivia o povo brasileiro era “deveras lamentável”, os
alimentos desapareciam “do mercado consumidor a cada dia e a cada instante”, e não só
os preços dos gêneros de primeira necessidade subiam “ao bel-prazer” como ainda as
passagens de ônibus “sofreram novo aumento por intermédio de decreto baixado pelo
prefeito da capital”. A conclusão do Vereador foi a de que diante dessa situação calamitosa constatava-se “o aumento da prostituição, da mendicância, da criminalidade e da dor
nos lares brasileiros”. Era preciso, conforme Élcio Almeida, que existisse uma “melhor
meta administrativa para o povo”, porque “os crimes e assaltos praticados pelos próprios
policiais, nesta cidade”, eram originários “da crise econômica e social em que viviam os
próprios militares”. Ao atentar para esse discurso, Izildo Alvarino foi de opinião que o
governo federal deveria aplicar o quanto antes a reforma agrária no país, tomando dos
“latifundiários ociosos as terras férteis e distribuindo-as aos lavradores ou a quem quiser
trabalhar, dando-lhes, maquinário próprio para o cultivo da mesma.”76
E apesar de estarmos já no início dos anos 80, precisamente em setembro de
1980, o Vereador Arnaldo Pinto da Vitória ainda acreditava que um dos grandes problemas
do país era o “terrorismo”. No entender de Arnaldo da Vitória, ele estava institucionalizado no país por intermédio “de maus brasileiros, subversivos, com aplicação de bombas,
matando, inclusive pessoas inocentes”. E ao referir-se mais uma vez ao constante aumento
dos gêneros alimentícios, Arnaldo discordou da atuação do governo, principalmente de
seu ministério, em relação aos latifundiários, agropecuaristas e proprietários de supermercados que não atendiam ao tabelamento dos preços do feijão e do leite, estocando-os em
enormes quantidades, e os vendiam à população ao seu arbítrio, ao preço que bem entendiam. Para ele, essas práticas abusivas se deviam à ganância “dos desalmados proprietários
de supermercados que cada dia mais se enriquecem à custa dos proletários”, e era por isso
que o Brasil se encontrava “nesta terrível situação”. Assim, para Arnaldo: “O homem que
limpa a rua, que capina e que ajardina nada ganha, mas aquele que vive palitando os dentes
ganha uma fortuna”. E era preciso que houvesse “sentimento e amor ao povo brasileiro”.
No entanto, esse discurso crítico não era consensual na Câmara, mesmo entre os antigos
vereadores da oposição. Arnaldo Pratti, por exemplo, ao refutar algumas das críticas proferidas por Arnaldo da Vitória ao governo, principalmente ao Ministério do Planejamento,
313
História da Câmara Municipal de Vitória
disse que discordar do sistema de planejamento era “muito fácil” e que “dificílimo” era
“realizar e coordenar um sistema eficaz para equacionar ou mesmo amenizar a meta inflacionária no país”. Ou seja, “uma nação” não se fazia “da noite para o dia, haja vista as
dificuldades porque outras nações estão passando no tocante à fome e à miséria, além das
greves e mortes. O Brasil precisa é de dinheiro para melhor se desenvolver. Não é com
pouquinho dinheiro que se constrói usinas do porte da de Itaipu, siderúrgicas e outras
obras”. Ao concluir o seu discurso, Pratti lembrou que naquele mesmo dia - a saber, três
de setembro de 1980 - seria votada na Câmara Federal a emenda “Anísio de Souza” que
dispunha sobre a prorrogação de mandatos dos prefeitos e vereadores, por mais dois anos,
e Pratti esperava que daí a dois anos, em 1982, o povo pudesse escolher livremente não
apenas os prefeitos dos municípios mas também os governadores dos estados.77
Em outubro de 1980, ao descobrir que o litro da gasolina sofreria aumento de
trinta e oito para quarenta e cinco cruzeiros, e que o leite passaria de dezoito para trinta e
três cruzeiros, Arnaldo Pinto da Vitória afirmou ter ficado “estarrecido e perplexo”. Ele
admitiu que esses aumentos resultavam do “grave problema que vem atravessando não só
o Brasil e outros países, que é o problema da falta de petróleo devido à guerra entre o Irã
e o Iraque”. Como Vereador, ele concordava com a pretensão do governo federal de proceder ao racionamento do gasto de gasolina com o aumento de seus preços, mas o que ele
não admitia era que esse aumento resultasse também na majoração dos preços do gás de
cozinha e do leite. O Vereador Da Vitória se perguntava: “Será que as tetas das vacas estão
também no Golfo Pérsico? Os deputados, senadores e ministros que ganham polpudos
vencimentos podem pagar o alto preço dessas mercadorias, mas o pobre não. Se alguém
não sabe administrar, que passe o poder a outrem.” E seu colega José Maria Ramos Gagno, ao dar continuidade a essa avaliação da situação, afirmou que a nação vivia “morrendo
de apreensão em face dos últimos reajustamentos nos preços dos gêneros alimentícios,
resultantes dos constantes aumentos do preço do petróleo”. Para Gagno, a guerra entre
Irã e Iraque gerava preocupação em todo o mundo, além do que se sabia “que o Brasil
não produz petróleo satisfatoriamente para abastecer o consumo interno. A produção do
álcool também não é suficiente, embora sendo do país. O governo não é culpado por tudo
o que acontece na nação, porque problemas dessa natureza abrangem nações.” Apolinário
Delmaestro também opinou a respeito do problema inflacionário ao afirmar que o Brasil
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A Nona Legislatura 1977-1983
tinha “tudo o que almeja, o que falta é vergonha. Falta ao brasileiro a coragem, o patriotismo, a vontade de lutar e trabalhar. Enquanto, no Brasil, muitos atuam em dois ou mais
empregos, outros morrem de fome por não terem um local de trabalho. Os políticos do
partido PMDB são verdadeiros demagogos, só sabem criticar, nunca defender o direito
sagrado do povo. Quando da prorrogação de mandatos, criticaram o Partido Democrático
Social, mas nenhum deles teve a coragem de renunciar.”78
Os vereadores do recém-criado PDS, o novo partido governista, como Arnaldo
Pratti, que deixara a “oposição”, reconheciam que a nação brasileira “não atravessava no
momento uma fase benéfica, que se pudesse dizer de interesse maior para o povo brasileiro, no que dizia respeito à inflação, e que o governo procurava diuturnamente meios adequados para diminuir a taxa inflacionária, mas não conseguia”. Contudo, Pratti argumentava também que: “tal problema e situação é resultante no mundo inteiro. Se tomar medida
violenta, provoca o desemprego ou coisa pior. Mesmo com as elevadas taxas inflacionárias,
o Brasil avança a passos largos no campo da siderurgia e alcança meios de destaque no
campo internacional. Não é pelo fato da procedência dos constantes aumentos do petróleo
e seus derivados e a falta do feijão no mercado interno que se vai criticar o governo federal.
O certo é que o país progride e todos vivem.”79
No entanto, os vereadores tradicionalmente governistas, como Claudionor Lopes
Pereira, admitiam que frente ao problema inflacionário o governo federal encontrava-se
“impotente perante as multinacionais” que viviam “a explorar o povo brasileiro”. Mas esse
mesmo governo “soube usar as suas forças contra o padre Vítor Miracapillo. O governo
não tem coragem de coibir todo o abuso dos grupos econômicos contra a bolsa popular.
Antigamente os aumentos das passagens nos transportes coletivos não iam além de cinquenta centavos; hoje se aumenta em cinquenta e até cem por cento, sem que as autoridades tomem as mínimas providências. A impressão que se tem é que os homens do governo
estão totalmente perdidos no tocante à administração”.80
Enfim, como afirmou José Maria Ramos Gagno, a tônica dominante no país naquela altura dizia respeito à “miséria em que vive o povo brasileiro face à inflação galopante que reina no país”. Para ele, o trabalhador brasileiro, especialmente o proletário,
315
História da Câmara Municipal de Vitória
tinha “saúde precária pelo fato de passar fome, daí resultando as enormes filas vistas na
Previdência Social, restando ao homem brasileiro morrer, não com dignidade, e sim como
um animal”.81
Nesse contexto, outra manifestação da crise social em que estava mergulhado o
país em virtude da inflação era o movimento grevista, que se intensificava em todos os
setores, mesmo no serviço público. Em maio de 1979, José Maria Ramos Gagno solidarizou-se com a greve dos professores estaduais, atribuindo-a ao menosprezo com que foi
tratada a categoria dos professores durante longos anos, levando-os, segundo Gagno, a
perceberem mensalmente menos do que um soldado de polícia. O Vereador igualmente
discorreu sobre o desemprego no país e o “empobrecimento” da população, atribuindo-os ao “enriquecimento maior dos que já eram ricos, devido ao regime do capitalismo que
reinou neste durante dez ou mais anos”.82
Da mesma forma, José Corrêa Guterres Filho considerou que o professor, de um
modo geral, teria “caído muito na escala de destaque, pelo fato de não estar recebendo um
salário condizente”. Para Guterres Filho, “todo ou qualquer trabalhador que sente ou vê
aviltada a sua função, procura todos os meios de valorização diante das demais classes”.83
Contudo, não era apenas a questão salarial que mobilizava a categoria dos professores: eles também reivindicavam melhorias das condições de trabalho e da carreira
do magistério. E por isso Izildo Alvarino convidou seus colegas para uma reunião, a se
realizar no Colégio Ceciliano Abel de Almeida, com a participação de mais de quinhentos
professores “a fim de debaterem assuntos atinentes ao concurso que seria realizado pela
municipalidade”, segundo Alvarino.84
No entanto, não eram apenas os professores que se mobilizavam na área da educação e do serviço público, nos anos 80; da mesma forma o faziam os estudantes universitários, uma vez que o seu órgão de representação se reconstituiu nessa época. A esse
respeito, Arnaldo Pinto da Vitória, ao se solidarizar com a greve dos estudantes da Ufes,
asseverou que ela se devia à “falta de verbas para a manutenção não só dessa universidade
mas também de outras do país”. E por essa razão, Arnaldo se questionava: “Como pode
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A Nona Legislatura 1977-1983
uma universidade se desenvolver sem que tenha materiais adequados para sua aprendizagem? É necessário que o governo tome de imediato as providências que se fizerem necessárias”.85
Nesse cenário, outros setores também participavam do movimento grevista no
Espírito Santo. E Marinho Delmaestro não só protestou contra o aumento dos preços dos
gêneros alimentícios, como também se mostrou favorável à greve dos operários da construção civil, em luta para a obtenção de melhores salários. No entanto, seu colega Élcio
Teixeira de Almeida afirmou discordar dos “métodos demagógicos”, praticados por determinados deputados estaduais, que à frente dos grevistas distribuíam panfletos “para fazer
ver à população que eram eles os líderes e defensores da classe”. Após criticar severamente
os construtores de obras que pagavam irrisórios salários aos seus trabalhadores, Élcio Almeida elogiou o trabalho, realizado pela Comissão de Justiça e Paz da Cúria Metropolitana
de Vitória, em apoio aos “movimentos trabalhistas”.86
E Delmaestro, nesse sentido, congratulou-se com o arcebispo Dom João Batista da Mota e Albuquerque “por ter incentivado e auxiliado os trabalhadores grevistas”.
Contudo, ele criticou as autoridades policiais “por encarcerarem apenas o homem pobre
quando do roubo praticado, e nunca o homem rico”.87
Por conseguinte, os vereadores também se manifestavam a respeito das greves
que ocorriam em âmbito nacional. Assim, ao reportar-se ao movimento grevista que na
época acontecia em São Paulo, Arnaldo Pinto da Vitória declarou que o mesmo era “legítimo” e “nacionalista”, visto que “a classe trabalhista, a alavanca mestra do país, luta não
somente por um salário justo, mas também pela estabilidade de um ano apenas, que lhe
foi tirada pelo próprio governo federal, após a decretação do novo sistema de salário com
reajuste semestral”.88
É necessário apontar que a crise social auxiliava na intensificação das críticas tanto a administração estadual quanto a municipal. E os vereadores menos identificados com
o governo, que não eram muitos, aguçavam seus diagnósticos da situação.
Nessas circunstâncias, Antônio Pelaes da Silva foi um dos críticos mais contun-
317
História da Câmara Municipal de Vitória
dentes da administração do prefeito Carlito Von Schilgen. Com efeito, em julho de 1979,
poucos meses após a posse do prefeito, Antônio Pelaes fez severas críticas a ele por “ter
colocado parentes e cabos eleitorais em altos cargos da Prefeitura e por não querer extinguir a FUNDEP”.89
Saliente-se que a atuação da FUNDEP sempre fora alvo de muitas críticas e restrições por parte dos vereadores e da própria população. Nessa época, entretanto, os problemas com essa fundação se agravaram. Pelaes, por exemplo, ao exigir a extinção da
FUNDEP, com o antigo argumento de que ela era um simples “cabide de emprego”, afirmou que ainda existiam nessa fundação, segundo ele, “vários advogados” que ganhavam
“polpudos vencimentos”, mas que não compareciam ao trabalho. Pelaes informou que
existia uma linha telefônica, instalada em “casa de político arenista”, “cujas taxas de ocupação do aparelho eram pagas pela própria FUNDEP”. E na conclusão assegurou: “O que
a FUNDEP sabe fazer é lotear as ruas estreitas de Vitória, e empregar os apadrinhados de
seu diretor e do próprio prefeito.”90
No entanto, alguns meses depois, o mesmo Pelaes informou que o prefeito atribuíra às críticas ao funcionamento da FUNDEP, realizadas não só por ele como também
por seus colegas de oposição, o prejuízo de cerca de quinze mil cruzeiros por dia, no faturamento. E, além disso, Pelaes declarou que o prefeito pretendia colocar aproximadamente
sessenta funcionários da FUNDEP “para fora de seu quadro trabalhista”. Dessa forma,
Pelaes ao se mostrar indignado e “assediado” por essa represália da parte do prefeito Carlito Von Schilgen, assegurou que ele não tinha “gabarito” para ser prefeito, e que, além de
tantas outras “falhas”, ele era “biônico”, e consequentemente não sabia dar o tratamento
merecido aos vereadores, tratava-os com toda descortesia, e chamava-os de “imbecis” e de
“canalhas”.91
Pelaes retornou os ataques ao prefeito, por não ter enviado à Câmara, como havia
prometido pela televisão, a mensagem concedendo aumento salarial aos servidores municipais. Para Pelaes, ele só enviaria a mensagem depois da autorização dada pelo “governador
biônico”. Ao enfatizar suas condenações ao prefeito, Pelaes questionava: “O que adianta o
município de Vitória ser independente, se tem um prefeito amarrado às colunas do Palácio
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A Nona Legislatura 1977-1983
Anchieta?” Da mesma forma advertia: “O dinheiro público está sendo gasto com mordomias, jantares e mais jantares no Hotel Senac, e o PMDB está aqui para denunciar”.92
Todavia, a FUNDEP encontrava apoio entre diversos vereadores na Câmara. E o
seu colega Mário Cypreste, por exemplo, congratulou-se com os líderes das bancadas do
MDB e da ARENA, por reconduzirem aos cargos de Conselheiro e Suplente da FUNDEP,
os senhores Fernando Rezende, Edgar Gomes Feitosa, Raul Bretas de Alvarenga e Walter
Miranda, respectivamente. Nesse sentido, e igualmente contrariando a crítica de Pelaes,
José Maria Ramos Gagno teceu comentários elogiosos à advogada Alda Gomes de Oliveira
“pelo seu aproveitamento no preenchimento de uma vaga na FUNDEP”.93
O ambiente de críticas à atuação do prefeito cresceu, e Arnaldo Pinto da Vitória,
ao generalizar a crítica de Pelaes, denunciou a nomeação de Mariazinha Velloso Lucas para
o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, outro “cabide de emprego”, segundo ele.
Para Arnaldo, ao enunciar o que ele chamava “as inúmeras irregularidades existentes nesta
capital”, Vitória era a cidade “do ódio, do desamor e da incompreensão”. E ao concluir,
Arnaldo afirmou: “porque no momento em que ocorria uma mudança de governo neste
Estado, todo mundo quer ser diretor de órgão governamental, mas nunca pensando no
bem-estar do povo, e sim no aumento de sua conta bancária ou no seu próprio bolso”. E
como exemplo ele salientou que: “O diretor da Cesan, não equaciona o problema da falta
de água; o do Detran ‘tal qualmente’, o problema do trânsito; o SAMU, repartição que
recebe do governo federal polpudas verbas, não atende condignamente à população; na
FUNDEP o assalto já se tornou profissionalizado. A Cohab, que foi criada para dar casa ao
humilde trabalhador, tira-lhe o seu direito sacramentado para dar casa às preteridas amantes dos parlamentares. A Caixa Econômica Federal, uma ‘vergonha nacional’, empresta Cr$
160.000,00 para compra de casas com enormes juros e correção monetária. A Prefeitura
não tem prefeito interessado em fazer uma boa administração.”94
Pelaes, que cumpria brilhante trajetória crítica, “voltou a carga”, em agosto de
1979, para afirmar que Carlito Von Schilgen não apresentava obras em sua administração
e, além disso, promovera um concurso público com a única finalidade de arrecadar dinheiro com a taxa de inscrição. Contudo, Ary Bezerra discordou das críticas de seu colega,
319
História da Câmara Municipal de Vitória
enalteceu a atuação do prefeito Carlito pela sua intervenção perante o BNH, ao conseguir
verbas “para melhores obras no município”. Guterres, da mesma forma, refutou Pelaes,
afirmou que ele só sabia “criticar destrutivamente”, e que o prefeito Carlito contratara uma
empresa para a realização do concurso “para que não houvesse suspeição”, e mesmo assim
Pelaes procurava criticá-lo indevidamente.95
Na ocasião, Izildo Alvarino afirmou ter ficado “estarrecido” quando leu, em determinado jornal, que o prefeito Carlito Von Schilgen seria exonerado do cargo pelo governador Eurico Rezende, dado que, se “S. Exª. o prefeito” não realizava “uma boa administração”, isso se devia ao fato de “não ter escolhido secretários eficientes para auxiliá-lo a
bem administrar a Prefeitura”. Segundo Izildo: “O certo é que existe uma máfia no interior
do Executivo, lutando diuturnamente contra o senhor prefeito. E que essa mesma máfia só
irá deixar de perturbar quando o vir fora da PMV.”96
Dessa forma, José Maria Ramos Gagno foi um pouco mais longe e assegurou
que o prefeito Carlito Von Schilgen era “tecnicamente incapacitado para administrar o
município de Vitória. Permite e desconhece que engenheiros concluam a galeria da avenida
Paulino Muller, sob a avenida Beira-Mar, com manilhas; permite a sujeira e o abandono
total das ruas da cidade e não determina o retorno do carro fumacê aos logradouros do
município para o combate à proliferação de mosquitos”.97
Nesse cenário, Élcio Teixeira de Almeida, outro forte opositor ao governo, já em
setembro de 1979, ao mencionar as especulações em torno não só da extinção dos partidos
como também da reformulação partidária, declarou que o partido opositor “que sempre
esteve ao lado do povo, desde a sua criação, lutando contra atos absurdos dos governos
revolucionários, está sentindo nesta hora amarga o cutelo deste último governante, que
quer a todo custo a sua extinção”. Para Almeida: “O pior de tudo é se terem observado
políticos da oposição, ultimamente, subirem em palanques e elogiarem este governo que
não teve o apoio popular.”98
Assim, outra crítica feita por Pelaes se referia aos empréstimos contraídos pela
Prefeitura. Segundo o Vereador, o prefeito enviara um projeto para a Câmara com o intuito
320
A Nona Legislatura 1977-1983
de contrair um empréstimo no valor de trezentos e cinquenta milhões de cruzeiros para
serem gastos em obras em determinados bairros pobres. Entretanto, para ele, a Prefeitura
não tinha condições “sequer de pagar ao funcionalismo”, que estava com seus salários em
atraso, “quanto mais de pagar um empréstimo como esse”.99
Da mesma maneira, Pelaes ao tentar incompatibilizar o prefeito com os demais
vereadores, afirmou que ele declarara a um jornal que os vereadores eram subornados
por “alguém” para não votarem no Plano Diretor Urbano – PDU –, apresentado por ele.
Pelaes concluiu que a suposta declaração do prefeito deixava os vereadores de ambas as
bancadas “em total desarmonia com esse cidadão que não raciocina antes de tomar atitude
desta natureza”. Contudo, Claudionor Lopes Pereira assegurou que Carlito não só seria
incapaz de fazer uma declaração desse tipo, atribuindo-a ao “maquiavelismo” do jornalista
que redigiu a matéria, como também declarou que o novo PDU só viria a “beneficiar o
povo capixaba”.100
Mesmo assim, Ademir Antunes retornou ao tema do PDU para protestar “veementemente” contra Marinho Delmaestro, vice-líder da ARENA, por ter afirmado, perante um jornalista do jornal A Gazeta, “que os vereadores não iriam derrubar o projeto
que dispõe o PDU, porque o prefeito tem vários empregos para negociar quando da sua
votação”. Diante dessa denúncia e da outra, igualmente divulgada pela imprensa, em que
o prefeito declarara que os vereadores eram subornados por determinado empresário para
votarem contra a questão do PDU, Antunes proclamou que, doravante, na qualidade de
líder da bancada oposicionista iria, “juntamente com os demais integrantes da bancada,
votar contra esse famigerado projeto”.101
Em outra oportunidade, Pelaes voltou a acusar o prefeito, que anunciara estar
“comprando” os vereadores, para que eles votassem as matérias de seu interesse em troca
de cargos na Prefeitura.102
Nessa conjuntura, os vereadores passaram a se acusar mutuamente. O Vereador
Atharé, por exemplo, descontente com a presidência de seu colega Máximo Vieira Varejão,
concordou com a retirada de “pauta provisória” do projeto do PDU, realizada pelo pre-
321
História da Câmara Municipal de Vitória
feito interino, Armando Rabelo. No entanto, ele teve a coragem de confessar na tribuna
que o motivo de sua queixa se referia ao não cumprimento, por parte de Varejão, de uma
promessa que este lhe fizera, ao ter votado nele para ocupar a presidência: a de que sua
sobrinha seria mantida no cargo comissionado, “como estão os demais, irmãos e parentes
de vereadores”.103 Atharé confessou que jamais perdoaria a “traição” de Varejão, que nele
não votaria outra vez, “nem morto”, pois além de traí-lo, Varejão não só exonerou sua
sobrinha “na calada da noite”, como ainda colocou no lugar dela um seu inimigo pessoal,
o ex-Vereador Hélio Machado.104
Todavia, as críticas aos vereadores e à Câmara eram feitas principalmente pela
imprensa. Em julho de 1979, Pelaes se viu obrigado a discordar das críticas efetuadas por
um dos jornais da cidade contra a Mesa Diretora da Câmara e igualmente contra os demais
vereadores, acusados de praticar “um sistema de mordomia com as verbas requisitadas do
poder Executivo”.105
Logo após a realização do XVII Congresso Nacional de Vereadores, ocorrido em
Belo Horizonte, entre 15 e 19 de setembro de 1980, com a participação de alguns vereadores de Vitória, que aprovaram a realização do próximo congresso em Vitória, surgiram
críticas aos vereadores e ao chamado “projeto Panamá”. Esse projeto pretendia efetivar os
parentes de vereadores em cargos comissionados. Marinho Delmaestro protestou contra
“determinados jornalistas” que “sem conhecimento algum, procuram menosprezar o Vereador e ao próprio Legislativo municipal, com suas críticas sem fundamento, pelo simples
prazer de criticar e ofender”. Delmaestro afirmou que o presidente Varejão deveria informar o povo por meio da televisão a respeito do chamado “Projeto Panamá”. E Arnaldo
Pratti asseverou que era “lamentável a atitude de determinados jornalistas que, sentindo-se
recalcados ou mesmo sem capacidade intelectual para exercer a profissão, procuram por
meio de suas críticas ofender moralmente a pessoa do Vereador, jogando-o contra a opinião pública e até mesmo enlamear o próprio Legislativo municipal. Não só o Vereador,
como os deputados federais, estaduais, senadores, médicos, odontólogos etc., quando da
realização dos congressos de suas respectivas classes, comparecem para debaterem assuntos atinentes ao desenvolvimento de suas funções, e ninguém é criticado pela imprensa.
Somente aqui em Vitória o Vereador é criticado. Os vereadores desta Casa foram hospeda-
322
A Nona Legislatura 1977-1983
dos em Belo Horizonte em hotel modesto, enquanto vereadores de outros estados foram
hospedados em hotel de luxo”.106
Nessa sequência de incriminações, o Vereador Carlos Alberto Viana Freire, em
novembro de 1980, fez graves acusações contra seus colegas. Ele afirmou que a Mesa
Diretora da Câmara, presidida por Máximo Vieira Varejão, juntamente com o “superintendente da Secretaria”, elaborou um projeto de lei “com a finalidade única e exclusiva de
efetivar parentes e amigos de vereadores, projeto esse que nem a redação final foi feita
pela Comissão de redação da Casa. Após o veto do prefeito, o senhor Máximo Varejão,
aborrecido com os vereadores contrários à matéria, impôs perante os demais a destituição deste Vereador da liderança, e hoje o seu afastamento da presidência da Comissão de
Justiça”. Freire afirmou ainda que “S. Exª. aliciou os Vereadores Atharé Castro e Ramos
Gagno, nomeando os seus sobrinhos em cargos comissionados, e agora pretende derrubar
o veto”. Freire ainda confessou que iria “pedir a cassação do mandato do Vereador Vieira
Varejão”. Contudo, Gagno refutou a fala de seu colega e disse que “jamais fora aliciado ou
subornado por ninguém”. Além disso, confessou que o presidente colocara “seu sobrinho
em cargo comissionado, por ser um cargo de confiança, e ninguém mais é de confiança
do que os seus próprios parentes. Em todos os poderes e parlamentos existem esses privilégios, até mesmo na presidência da República. O que faz o Vereador Viana Freire na
noite de hoje são meras acusações. O senhor Máximo Vieira Varejão é um homem de bem.
Ninguém foi aliciado para votar na matéria e, se ela foi aprovada por maioria absoluta
dos vereadores desta Casa e vetada pelo senhor prefeito, ainda é princípio democrático
da maioria manter ou derrubar o veto”. Gagno, ao lamentar que os vereadores contrários
não só abandonassem a ética parlamentar, como também não respeitassem a sensibilidade
alheia, achou justa a atitude do Vereador Máximo Varejão no exercício da presidência,
“em exonerar os parentes daqueles que não eram favoráveis à matéria”. Mas nem todos
os vereadores concordavam com Gagno. Arnaldo Pinto da Vitória era um deles. Para ele:
“A moral é atributo do homem, não é pelo fato de o homem vestir uma toga de juiz, ou
ocupar um cargo elevado na vida pública, que ele vai proceder de maneira desastrosa.
Antigamente havia o respeito irrestrito ao Vereador e à coisa pública, hoje o que se vê são
coisas dessa natureza. O projeto ‘Panamá’ é altamente imoral, porque visa exclusivamente
efetivar parentes de vereadores, ferindo, desta forma, frontalmente, a Constituição Federal
323
História da Câmara Municipal de Vitória
e consequentemente a Lei Orgânica dos Municípios. Há necessidade de uma reforma administrativa na Secretaria, mas deve-se primeiro fazer a exoneração de todos os parentes de
vereadores, a fim de não prejudicar o pessoal efetivo há mais de quinze anos nesta casa. A
Câmara precisa de funcionários, mas que seus ingressos sejam por intermédio de concurso
público”.107
Em outubro de 1980, Carlos Alberto Viana Freire ocupou a tribuna para denunciar Edilson Ramos Athaydes, diretor subordinado à Secretaria de Serviços Urbanos da
PMV, “por haver agredido moral e fisicamente a pessoa do Vereador Ary Pereira Bezerra,
dentro das dependências da Câmara”. Freire achou que o prefeito deveria chamar a atenção
desse servidor e, se possível, afastá-lo de uma vez por todas do “convívio burocrático”.108
A nona legislatura apresentava graves problemas internos, e sua reputação entre o
eleitorado não era das melhores. Todavia, por uma determinação federal, seu mandato foi
prorrogado por mais dois anos, até 1982. Essa medida ocorreu no bojo de uma reforma
política nacional que também extinguiu os antigos partidos políticos e criou novos agrupamentos políticos no país, apesar dos protestos, sinceros ou não, de parte da oposição.
Em abril de 1980 já existia uma deliberação dos vereadores quanto ao seu novo
pertencimento partidário. Assim, Atharé Castro, Élcio Teixeira de Almeida e Antônio Pelaes da Silva filiaram-se ao novo PMDB. Posteriormente, Élcio Teixeira de Almeida foi para
o PDT.109
Claudionor Lopes Pereira, Máximo Vieira Varejão, Guterres Filho, Ary Pereira
Bezerra, Marinho Delmaestro, Mário Cypreste, Izildo Alvarino, Ademir Antunes, Carlos
Alberto Viana Freire e Nenel Nogueira de Miranda foram para o PDS, o novo partido
“governista”. Contudo, não se definiram inicialmente Arnaldo Pratti e Arnaldo Pinto da
Vitória.110
Essa nova disposição político-partidária da Câmara favoreceu a realização daquele que parece ter sido realmente o objetivo da reforma política: o enfraquecimento da
oposição. E, se tanto na sessão legislativa quanto no biênio anterior a oposição emedebista
havia eleito a Mesa Diretora, no último biênio da legislatura, 1981-1983, a presidência da
324
A Nona Legislatura 1977-1983
Mesa voltou a ser ocupada pelo governista do PDS, Carlos Alberto Viana Freire, que obteve doze votos, com apenas um voto em branco.111
Todavia, essa eleição ainda foi contestada judicialmente por Máximo Vieira Varejão, o presidente no biênio anterior, que entendeu que a prorrogação do mandato dos
vereadores por mais dois anos também era válida para o cargo que ocupava, no entanto
não obteve sucesso.
Mas a legislatura foi salva pela prorrogação dos mandatos e, naquela altura, a sensação que havia no país e também em Vitória era a de que a Revolução de 1964 esgotara
a sua vigência política no país. No dia 31 de março de 1981, o Vereador Gagno expressou
esse ponto de vista e assegurou que o estado em que vivia o país era muito grave. Para ele,
“o movimento revolucionário perdeu-se no tempo e no espaço, porque os militares apoderaram-se do poder e deixaram-no desmoralizar-se, permitindo o desemprego, a inflação
galopante e outros fatores negativos no país. Até mesmo aqueles que viviam pendurados
nos balaústres do bonde da Revolução não mais saúdam o dia magno de seu aniversário
e, se algum deputado o faz, é com a finalidade única e exclusiva de se promover. Ao povo
faminto e desesperado não mais interessa a rima do céu de anil com o céu do meu Brasil.
Interessa-lhe é ter o feijão, o arroz e a carne na mesa, e isso sempre lhe falta. Os aumentos
concedidos pelos governantes não condizem com a necessidade do povo porque a majoração nos preços dos alimentos de primeira necessidade é exorbitante, visto que a inflação
são eles que fazem e dificultam cada dia mais a bolsa popular.”112
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 545 leis classificadas da seguinte forma:
01.
Estrutura Organizacional: 10
02.
PDU – Plano Diretor Urbano: 5
03.
Tributos, isenções, correções, taxas: 14
325
História da Câmara Municipal de Vitória
04.
Utilidade pública: 17
05. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas, bairros e prédios públicos:
336
06.
Cargo público, gratificação, salário, vencimento, diária: 26
07.
Pessoal, aposentadoria, IAVV, plano de cargos e salários: 21
08.
Orçamento: 19
09.
Contrato, convênio, acordo: 7
10.
Símbolos municipais, datas comemorativas, hino de Vitória: 4
11. Patrimônio Municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, alienação, doação, licenças: 29
12.
FUNDEP: 1
13.
Posturas: 11
14.
Educação: 2
15.
Transporte: Coletivo, taxi: 10
16.
Necrópole: 4
17.
Operação de Crédito, Crédito especial: 14
18: Contribuição de melhoria, subvenção e auxílio: 3
19. Obras: 2
326
A Nona Legislatura 1977-1983
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 2481, de 11 de fevereiro de 1977: Institui o Código de Posturas do
Município de Vitória.
 LEI 2502, de 22 de julho de 1977: Cria o Instituto de Aposentadoria dos
Vereadores de Vitória – IAVV.
 LEI 2548, de 15 de fevereiro de 1978: Institucionaliza o processo de modernização da PMV e reformula a organização estrutural de suas unidades de administração direta.
 LEI 2551, de 23 de fevereiro de 1978: Estabelece as diretrizes básicas para
o plano de cargos e de remuneração da PMV.

de Vitória.
LEI 2555, de 26 de maio de 1978: Dispõe sobre os símbolos do município
 LEI 2627, de 22 de novembro de 1979: Dispõe sobre o ato de fumar em
recintos fechados de uso público.
 LEI 2665, de 23 de janeiro de 1980: Institui como hino oficial da cidade de
Vitória a composição intitulada Hino a Vitória.
 LEI 2669, de 13 de fevereiro de 1980: Autoriza a constituição da Companhia de Desenvolvimento de Vitória – CDV. Institui o Fundo de Desenvolvimento de
Vitória.
 LEI 2675, de 15 de maio de 1980: Considera via urbana a atual via expressa secundária denominada Av. Fernando Ferrari, que liga a ponte da Passagem a BR-101
Norte.
 LEI 2822, de 8 de janeiro de 1981: Disciplina que nas vias de trânsito intenso serão construídos acessos às calçadas para deficientes físicos.
327
História da Câmara Municipal de Vitória
 LEI 2851, de 26 de agosto de 1981: Cria do Departamento de Transporte
Coletivo e Individual de Passageiros – DTC, com uma divisão de licenciamento, cadastro
e controle e outra de fiscalização.
 LEI 2899, de 29 de dezembro de 1981: Autoriza uma operação de crédito
até o limite de 55.749 UPC’s, destinada a fazer face às despesas com a execução do programa de Lotes Urbanizados do Bairro São Pedro.
 LEI 2945, de 13 de maio de 1982: Dispõe sobre o Estatuto do Magistério
Público do município de Vitória.
 LEI 2994, de 17 de dezembro de 1982: Institui o Estatuto dos Funcionários Públicos do município de Vitória.
328
CAPÍTULO X
A DÉCIMA LEGISLATURA
1983 - 1989 De Berredo de Menezes e José Moraes a Hermes Laranja
A Décima Legislatura 1983-1989
BERREDO DE MENEZES E AS SUAS “BERREDICES’
Os discursos pronunciados na primeira sessão ordinária da décima legislatura,
que se iniciou efetivamente em março de 1983, revelam que naquela altura havia uma expectativa bastante ambígua com relação ao futuro da cidade e do Estado.
Por um lado havia a sensação de otimismo despertada pela vitória insofismável da
oposição nas eleições de novembro de 1982, em quase todo o país. No Espírito Santo, a
oposição elegeu pela primeira vez, desde o golpe de 1964, e com grande maioria de votos,
o governador Gerson Camata - cujo cargo ainda detinha a prerrogativa de nomear o prefeito da capital; elegeu grande parte dos prefeitos do interior e elegeu também a maioria
dos vereadores da Câmara de Vitória. Coube ao PMDB, portanto, a direção da Casa e a
composição da sua Mesa Diretora, que foi liderada pelo experiente Arnaldo Pinto da Vitória, o novo presidente.
Todavia, por outro lado, vigorava igualmente em todo o país um enorme desalento, causado pelo agravamento vertiginoso da crise econômica e social que afetava o país
de maneira profunda, uma situação de crise que tinha sido a base sobre a qual se assentara
a própria vitória da oposição. Como afirmou naqueles dias um articulista do jornal A Gazeta: “Estamos correndo graves riscos. A preocupação com o imediato, responsabilidade
precípua do governo, está justificando o imobilismo mental de quase todos os demais setores da sociedade. O amor masoquista pelo desespero e a perplexidade parecem superar
todos os demais sentimentos e a própria razão nacional.”01
A evolução política e econômica do país nos anos seguintes iria demonstrar que
o otimismo gerado pela vitória oposicionista tinha apenas um fundamento político, e era
irrealista, uma vez que os novos governos não puderam realizar, a princípio, obras administrativas marcantes, nem mesmo minorar, com sua ação, os efeitos mais perversos da crise
que abalava o país.
331
História da Câmara Municipal de Vitória
E o reflexo dessa situação na atuação da Câmara foi a sensível concentração da
antiga oposição, agora a situação dominante, nas questões “nacionais”. Os vereadores do
PMDB centraram fogo na crítica à política federal, principalmente à sua política econômica e à situação social do país. Em vez de discutir “prá valer” e tentar equacionar os problemas mais “concretos” da cidade, que cresciam.
Mas essa “saída” política da situação política agora dominante não seria suficiente
para “salvar a pele” do novo prefeito “biônico”, Ferdinand Berredo de Menezes, que seria,
a princípio, o alvo de críticas muito severas por parte da nova oposição. Berredo nasceu no
Maranhão e se formou em Direito no Rio de Janeiro, de onde se transferiu para o Espírito
Santo ainda nos anos 50. Sua vocação literária e poética revelou-se muito cedo, tornando-se um escritor muito premiado. Era funcionário da Caixa Econômica Federal e professor
da Universidade Federal do Espírito Santo. Elegeu-se suplente de Vereador por duas vezes
e exerceu a vereança entre 1959 e 1962 pelo PTB. Presidiu o Movimento Trabalhista Renovador (MTR) até 1966, ano em que foi um dos fundadores do MDB, pelo qual se elegeu
suplente de senador em 1974 e 1982. Também foi presidente do PMDB antes de ser nomeado prefeito da capital por Gerson Camata.
Essa nomeação do prefeito da mais importante cidade do Estado, aliás, destoava
completamente do clima autonomista e democratizante que reinava em todo o país e feria
frontalmente a autonomia municipal – que era justamente um dos lemas da campanha pela
redemocratização do país. Nesse contexto, os prefeitos recém-eleitos da Grande Vitória,
a saber, o de Vila Velha, Vasco Alves; o de Cariacica, Vicente Fantini; o da Serra, João
Batista Mota; e o de Viana, Demóstenes de Carvalho, com exceção do prefeito da capital,
já nomeado, mobilizaram-se logo depois de tomarem posse, exigindo “maior participação
no governo”, já que eles se sentiam “alijados do processo de formação do novo governo
estadual”. Eles exigiram a constituição do Conselho de Desenvolvimento da Região da
Grande Vitória, denunciando a “crescente intervenção do Estado nos municípios, com a
conseguinte perda gradativa da autonomia municipal...”. Mas o prefeito da capital se recusou a participar dessa articulação, que poderia ser positiva para a cidade de Vitória, dada a
sua “dependência” do governador, uma vez que tinha sido nomeado por ele e não eleito
por maioria expressiva de votos como seus colegas.02
332
A Décima Legislatura 1983-1989
Mesmo assim, no plano do legislativo, havia a expectativa de que a nova fase de
abertura política demandava, no mínimo, a melhoria dos padrões institucionais de seu funcionamento e a Câmara parecia apta a fazer mudanças.
A nova legislatura foi composta inicialmente pelos vereadores: Etta Fern G. de Assis (PMDB); Estanislau Kostka Stein (PMDB); Ary Pereira Bezerra (PDS); Máximo Vieira
Varejão (PMDB); José Roberto Zanoni (PMDB); Paulo José Lindoso (PMDB); Claudionor
Lopes Pereira (PDS); Élcio Teixeira de Almeida (PMDB); Ruy R. Crespo Filho (PMDB);
José Corrêa Guterres Filho (PDS); Walfredo Wilson das Neves (PMDB); Gibson Muniz
da Silva (PMDB); Maria Elisabeth Ozório da Costa (PMDB); José Esmeraldo de Freitas
(PDS); Demócrito Rebello (PMDB); Sebastião Gualtemar Soares (PDS); Edilson Lucas do
Amaral (PDS); Edson Rodrigues Batista (PMDB); e Arnaldo Pinto da Vitória (PMDB).
Eram ao todo, como se vê, dezenove vereadores, sendo treze do PMDB e seis do
PDS.
Assim, já na abertura da sessão legislativa, o peemedebista Élcio Teixeira de Almeida, que logo depois faria parte do secretariado de Berredo de Menezes, sendo substituído pelo suplente Gildo Ribeiro, usou uma estratégia que seria de uso muito comum entre
seus pares: a de acusar a situação anterior pelas dificuldades do presente. Ele lembrou os
“desmandos administrativos praticados pela administração municipal e estadual”, anteriores, e a sua “fraca atuação em favor do povo”. Quando o novo governador ainda não
tomara posse, e o Espírito Santo ainda era governado por Eurico Rezende, Élcio Teixeira
de Almeida afirmou sem pestanejar que Rezende não passava de um “serviçal do poder,
que não foi escolhido pelo voto popular e vive hoje pagando quantias vultosas à imprensa,
escrita e televisada, para a divulgação de obras que talvez não tenham sido ainda concluídas...”.03
Seu colega Estanislau Stein, - mais conhecido como Stan Stein -, também se iniciando na vereança, e recém saído da universidade federal, onde se formara em economia,
fez questão de dizer igualmente que acreditava estar vivendo um momento de “renovação
e de esperança”. Contudo, ele assegurou que seria “oposição” enquanto houvesse “injusti-
333
História da Câmara Municipal de Vitória
ça, fome, ignorância”, e igualmente contrário à “maxidesvalorização” e à “falta de respeito
do governo para com o trabalhador”. Para Stan Stein, a bancada do PMDB, unanimemente, estaria lutando “até a conquista da autonomia e da independência desse poder, em que
poderá coibir as medidas autoritárias de desrespeito ao trabalhador, que paga em dia os
seus impostos, sejam os diretos, sejam os indiretos, que hoje representam quase 50% do
salário bruto dos trabalhadores deste país”.04Stan relacionava os problemas que vinham
assolando a nação brasileira à dívida externa, que era, segundo ele, resultante das obras
de grande vulto realizadas pelo regime militar: Tucuruí, Carajás e muitas outras. Para Stan:
“O general de plantão em Brasília, que não foi escolhido pelo voto popular, e os seus ministros, no afã de pagarem os altos juros devidos aos países que lhe emprestaram milhões
de dólares para a execução de tais obras, vivem hoje pedindo clemência aos banqueiros
internacionais e pregando ao povo brasileiro que a crise que atravessa a nação é resultante
da crise internacional”.05
Nesse mesmo sentido, o experiente presidente Arnaldo Pinto da Vitória subiu
à tribuna para dizer que no início de cada legislatura há sempre uma enorme expectativa
do povo para com os eleitos, mas que no “cenário nacional nuvens negras continuam
prejudicando as metas administrativas do país”: “projetos e mais projetos visando contrair empréstimos com outros países sem, contudo, se importarem se a nação suportará
doravante as dívidas externas””. Para Arnaldo era “desrespeitoso saber que a nossa moeda
atualmente nada vale para os países capitalistas. É preciso que haja um basta em toda essa
situação”.06 Poucos dias depois, Arnaldo foi mais cáustico ainda, desta vez ao referir-se
não só à anterior administração municipal como também à própria legislatura anterior, que
ele acusou de ter pago uma enorme despesa no Hotel Porto do Sol de Guarapari. Para
Arnaldo: “A cidade está espoliada, em mãos de incompetentes, ladrões do erário público.
O mercado da Vila Rubim é ainda aquela podridão, nem o lixo é tirado daquele local”.07
Ao rebater essas acusações contra a atuação do PDS na legislatura anterior, José
Guterres Filho esclareceu que ele e o Vereador Claudionor Lopes Pereira, embora fazendo
parte da bancada criticada, não haviam participado dos banquetes oferecidos naquele hotel
de Guarapari, pagos pela Câmara, já que eles não teriam dado os seus “votinhos” para a
constituição da Mesa de então.08
334
A Décima Legislatura 1983-1989
Dessa forma, o ânimo crítico da antiga bancada oposicionista, agora na situação
estadual e municipal, arrefecia diante da crítica que também passou a lhe fazer a bancada
do PDS, principalmente na voz mais abalizada do competente Vereador Edilson Lucas
do Amaral, ex-secretário de Educação do governo Élcio Álvares. Para este Vereador, a
formação do secretariado do novo governo, em que pese sua afirmação de que fora escolhido “o melhor que o Estado já tivera”, teria se dado, entretanto, de forma lamentável,
como a “repartição de um bolo”, com a distribuição de cargos e de outras “facilidades”,
da mesma forma pela qual os atuais integrantes do PDS foram criticados no passado. Ou
seja, Edilson lastimava que o PMDB, agora no governo, estivesse repetindo as mesmas
práticas fisiológicas e clientelísticas que ele mesmo condenava no passado.09Edilson seria
um crítico contumaz do “empreguismo” e do “nepotismo” praticado pelo PMDB e um
dos primeiros a apontar a “fraca atuação” do novo prefeito Berredo de Menezes, criticando principalmente a política salarial por ele empregada.10
E quem destoava um pouco desse pêndulo entre a situação e a oposição era a
Vereadora Etta Fern Gonçalves de Assis, que, junto com Maria Elizabeth Osório da Costa
- mais conhecida até hoje como Beth Osório -, formava a bancada feminina da Câmara,
pela primeira vez constituída por duas parlamentares. No “Dia Internacional da Mulher”,
Etta fez rasgados elogios às “donas de casa” e ao “procedimento da mulher na vida social
e política do país”. Etta, ao lembrar sua genitora, declamou uma poesia de Maria Aldina
Silveira Furtado, que dizia assim: “Mulher com seis letras. Mulher total. Feminina nos gestos, no sorriso, na graça, na palavra, no modo de andar, de agir, de viver. Mulher que sabe
lutar...”11
No início da legislatura, o presidente Arnaldo Pinto da Vitória apresentou um
projeto que geraria muita polêmica na Câmara e na própria imprensa: o projeto sugeria a transferência das sessões plenárias noturnas, que se realizavam às terças, quartas
e quintas-feiras, para as quatorze horas. Stan Stein defendeu o projeto, explicando que
“desde a gestão do ex-presidente Nicanor Alves dos Santos, há uns seis anos, as sessões
são realizadas à noite. Mas achamos que isso deve mudar para facilitar o acesso do público
e da imprensa, que poderia divulgar mais nossos trabalhos.” Mesmo discordando dessa
proposta, Beth Osório sugeriu que “deve haver alguma antecipação, e não continuar às
335
História da Câmara Municipal de Vitória
Da esq. para dir.:
Beth Osório. Etta de Assis e convidado.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
dezenove horas.”12
Todavia, mais crítico na defesa da proposta do presidente da Câmara foi o próprio
jornal A Gazeta, ao lembrar que: “Anos atrás, a Câmara Municipal de Vitória funcionava à
tarde. Nesse horário, estava garantida a presença de um número expressivo de populares,
interessados em saber como os vereadores tratavam as coisas do município, de que modo
defendiam os interesses dos habitantes da capital. Depois, o horário de funcionamento
passou a ser noturno, o que esvaziou as galerias, por motivos óbvios. Afinal, não são todos
os vitorienses que, após um dia de trabalho, dispõem de tempo e vontade de assistir aos
trabalhos da CMV.” O jornal, ao arrematar sua posição, afirmou ainda que: “A mudança
do horário de funcionamento da Câmara, da tarde para a noite, obedeceu a interesses particulares dos próprios vereadores. Estes, tendo a representação popular como um ‘bico’,
acharam mais cômodo e barato desempenhar suas funções profissionais dentro dos horários normais da manhã e da tarde, reservando o período noturno para os interesses da
comunidade. Acontece que a representação popular exige dedicação exclusiva e tempo
integral (...) Já é tempo de introduzir mudanças que tornem a Câmara Municipal de Vitória
336
A Décima Legislatura 1983-1989
capacitada a resolver os problemas que tem de solucionar em favor de um eleitorado que
as reclama (...)”.13
De fato, o problema dessa alegação - de que a Câmara precisava “reconquistar” a
presença dos munícipes em suas galerias, como admitiu o próprio Arnaldo Pinto da Vitória
-, era que “a Câmara fica mal localizada em relação ao centro de Vitória, o que em qualquer
horário inviabilizaria a presença do público, que teria de pagar transportes para ter acesso
à Câmara”. Contudo, foi lembrado que era difícil a aprovação do projeto em virtude do
fato de que a maioria dos vereadores “têm emprego paralelo ao exercício de mandato, com
raras exceções. E como alguns percebem salários consideráveis, o projeto que pretende
mudar o horário de sessão da Câmara de Vitória não deverá ser aprovado”.14
Com efeito, o projeto não foi aprovado mesmo. A ideia, contudo, frutificou tempos depois, pois a Câmara voltou a funcionar no horário da tarde em 1987.
Na verdade, a proposta de Arnaldo Pinto da Vitória fazia parte de um “pacote”
de medidas moralizadoras que ele anunciou desde o princípio de sua gestão como presidente da Casa. Ele queria seguir o lema proposto pelo novo governador Gerson Camata
de que: “A partir de agora, o Espírito Santo começa a viver um novo tempo. A meta será o
atendimento às necessidades reais de todo o povo capixaba, de moralizar a administração
da coisa pública, de governar juntos.” Para isso, ele pretendia tomar uma série de iniciativas, visando “elevar o conceito” da Câmara no meio da população. Em um manifesto, que
ele publicou na imprensa, dizia-se que: “A Câmara Municipal de Vitória, durante longos
anos se viu envolvida em escândalos diversos, fazendo com que a população de Vitória
formasse uma ideia negativa a respeito dessa corporação legislativa.”15
Por conseguinte, para mudar essa opinião negativa que a população tinha com
relação à Câmara, Arnaldo afirmou que iniciaria um processo de contenção de despesas,
partindo do princípio de que a Câmara não era um órgão arrecadador, portanto, não podia
ser um “órgão gastador” de dinheiro público. E a primeira providência, que ele afirmou “já
ter tomado”, foi a de suprimir o que o povo chamava de “mordomias”: foram eliminados
“o carro e a cota de gasolina” de todos os vereadores, inclusive a do presidente da Casa.
337
História da Câmara Municipal de Vitória
Com essa medida pretendia-se economizar cinco milhões de cruzeiros por mês. Outra
medida foi a de restringir o “clientelismo” do emprego, “vedando admissões de parentes
de vereadores até o terceiro grau”. Segundo Arnaldo, com a intenção de suprimir os cargos comissionados, “a partir dessa providência, a Câmara de Vitória vai instituir o salutar
concurso público para preenchimento dos cargos existentes na secretaria da Casa”. Além
disso, ele prometia organizar o quadro de pessoal, reorganizar as atividades funcionais e
delegar direitos e responsabilidades. Arnaldo, porém, informou ainda que logo ao assumir
a presidência percebera que todas as instalações do recinto da Câmara eram defeituosas,
“desde a parte elétrica até a parte de refrigeração”. E para resolver isso ele contratou “uma
empresa que iria recuperar todo o sistema”. Além do mais, com a “recuperação do sistema”, os funcionários da secretaria ocupariam a parte superior do Palácio Atílio Vivácqua,
enquanto a parte inferior seria dividida em gabinetes para a instalação dos vereadores. Assim, com essas medidas, que Arnaldo pretendia implantar “doa a quem doer”, em breve a
Câmara municipal poderia estar “dentre as mais destacadas do Brasil”.16
Uma “mudança de imagem” era também o que prometia fazer o novo prefeito
Berredo de Menezes, na Prefeitura de Vitória. Em entrevista concedida ao jornal A Gazeta, logo no início de seu governo, Berredo apontou os problemas da cidade que lhe
pareciam ser os mais graves. Ele citou a situação lamentável dos esgotos da cidade, 70%
dela sem rede de esgotos; a situação da saúde também era estarrecedora, já que a Secretaria
Municipal de Saúde tinha 32 médicos e 25 dentistas, no entanto eles só atendiam “e pessimamente” aos servidores municipais; a inexistência de um Plano Diretor Urbano (PDU)
atribuída por ele à “incompetência” dos governos anteriores; a situação precária do lazer
na cidade, com as ruas invadidas por camelôs, provocando os rapas.17
Assim, no mesmo dia em que Berredo de Menezes tomou posse como prefeito,
em solenidade na Câmara Municipal - 24 de março de 1983 -, seu correligionário Stan Stein
- cujo relacionamento com o prefeito daí por diante teria muitos altos e baixos - elogiou
a pessoa do ilustre homem público “que durante dezenove longos anos soube resistir às
pressões impostas pelos homens do partido do Governo e manteve firme o seu respaldo
político”. O próprio Berredo recordou que “foi nesta Câmara, no velho prédio do ‘Glória’
que começou nesta cidade a sua luta em defesa do povo”. Para ele, vinte e quatro anos
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A Décima Legislatura 1983-1989
haviam se passado, e ele “defendendo os mesmos ideais em defesa dos mais desprotegidos
da sorte”. Ele afirmou que era essa a sua primeira visita, depois de sua posse, ao poder
Legislativo, “o qual foi despojado de sua autonomia, por força da prepotência e do arbítrio
que o tempo pôde contar, embora já desponte o raiar de um novo dia para o povo. Fui
Vereador desta Câmara pelo PTB e hoje estou aqui como prefeito que trabalhará passo
a passo com o poder Legislativo”. Berredo prometeu não só que nada faria sem ouvir a
Câmara, como também que percorreria todas as partes da cidade sempre acompanhado
dos vereadores, “ouvindo a população e executando as obras que ela reivindicar”. Além
disso, enfatizou que o seu lema seria o mesmo do governador Gerson Camata: “Vamos
governar juntos”.18
Logo após, outro correligionário do governo, Paulo Lindoso - um competente
engenheiro, maranhense, radicado em Vitória, onde era funcionário da CVRD -, quando
já estava escolhido o secretariado do prefeito, do qual ele mesmo faria parte como secretário de Obras, elogiou não apenas a “competência” mas também a “capacidade” desse
secretariado. Na opinião de Lindoso, – que foi substituído pelo suplente Roque Gusmão -,
o secretariado era composto por professores, médicos, vereadores e jornalistas, todos dispostos a proporcionar uma administração “digna e proveitosa à população de Vitória”. Ele
reconheceu, com muita honestidade, que as administrações do PDS haviam feito algumas
“boas obras”, porém aconteceu da mesma maneira muita “irresponsabilidade administrativa”. Ou seja, isso ocorreu porque, segundo ele, os governantes eram “independentes” dos
governados. Não obstante, Lindoso pediu sua demissão em maio de 1984, alegando “falta
de consideração”.19
Mesmo assim, o seu colega do PMDB Gibson Muniz da Silva afirmou que a escolha do secretariado municipal não seria de consenso entre os vereadores e que o PMDB
estaria “caindo nos mesmos erros do PDS”. Ao finalizar, Gibson Silva afirmou que não
era justo que o governo prejudicasse os servidores da municipalidade, retardando o seu
pagamento, “para pagar dívidas do Estado”, e ainda assegurou que “Vitória, atualmente,
não é uma cidade que necessite de grandes obras”.20
E as “grandes obras” foram justamente o que a administração Berredo de Menezes não
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História da Câmara Municipal de Vitória
Da esq. para dir.:
Convidado, Paulo Lindoso, Berredo de Menezes e Max Mauro. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
teve. Ao deixar o secretariado de Berredo, em que era titular da Secretaria de Serviços Urbanos da Municipalidade, e retornar para a Câmara em outubro de 1983, Élcio Teixeira de
Almeida listou as “pequenas obras que realizou à frente da SEMURB”, e que teriam sido
apenas estas: a fonte luminosa; o cercadinho chinês e a arborização da praça Costa Pereira;
a iluminação da rua Coronel Figueiredo; o remanejamento do sistema de coleta de lixo; e a
abertura do portão do Parque Moscoso sem o pagamento à entrada”.21
Ao completar os primeiros “cem dias” de governo, Berredo de Menezes teria sido
torpedeado pela imprensa local, porém o peemedebista Gibson Muniz da Silva veio em seu
apoio, atribuindo essas críticas à bancada do PDS, que estaria, segundo ele, querendo “confundir a opinião pública”. Gibson, ao atacar o PDS, afirmou que essa atitude se devia ao
fato de seus vereadores “não mais receberem propinas como antes recebiam”. Ele atacou
igualmente o ex-governador Élcio Álvares, taxando-o de “demagogo” e “irresponsável”,
pelo fato de ter contraído empréstimo “na ordem de vinte e cinco milhões de dólares para
a ponte [terceira] que se encontra paralisada”. Nesse sentido, ele se perguntou: “que moral
340
A Décima Legislatura 1983-1989
tem este partido para querer questionar este governo que está no poder há apenas três
meses?”22
A construção da terceira ponte havia realmente começado no governo Élcio Álvares (1975-1979), mas já estava parada há algum tempo. Todavia, antes mesmo de assumir
o governo, Gerson Camata declarou: “Se o Estado, um dia, começou a erguer a ponte foi
por indução do governo federal. Então, que o governo federal a banque. Temos que nos
convencer que estamos num Estado pobre, com poucos recursos e que não pode investir
uma fábula numa ponte, quando existem várias outras obras de menor porte e de maior
significado para a população.”23E poucos dias após assumir o governo, Camata continuava
afirmando que “terceira ponte é assunto proibido”.24
No entanto, e em parte devido à iniciativa do senador José Ignácio, que foi autorizado por Camata a iniciar tratativas com o governo federal nesse sentido, em junho de
1983 o governo anunciou a intenção de continuar a obra da terceira ponte.25Assim, em
fevereiro de 1984, o senador Moacyr Dalla, então presidente do Congresso Nacional, já
anunciava que “dentro de quarenta e cinco dias a obra da terceira ponte iria recomeçar graças à concessão de um empréstimo pelo BNDES”.26Já se anunciava também, no entanto,
que após a conclusão da ponte seria cobrado um pedágio equivalente a “US$ 1,20”.27
Ao se reiniciarem as obras, porém, o Vereador José Esmeraldo de Freitas, que era
engenheiro civil, voltou a chamar a atenção das autoridades para a necessidade de inclusão
no projeto de execução da obra de uma ciclovia e de uma passagem para pedestres – o que
parecia ser uma proposta bem sensata e racional. Segundo José Esmeraldo: “estas providências visam beneficiar milhares de trabalhadores que poderiam ter essas duas opções de
transporte, num momento em que os custos de deslocamento para o trabalho são superiores aos permitidos pelos assalariados. Isso porque a grande maioria dos trabalhadores não
têm condições de se locomover de ônibus, pois as passagens estão muito caras.”28
Todavia, alguns dias antes de se completarem “os cem primeiros dias” do governo de Berredo, o atuante Vereador Edilson Lucas do Amaral já havia criticado o secretário
Élcio Teixeira de Almeida por querer desativar o terminal “Dom Bosco”, com “a proibição
341
História da Câmara Municipal de Vitória
de parada obrigatória dos ônibus da zona sul nas proximidades do Colégio Salesiano”.
Segundo Edilson, “com o fito de prejudicar e afastar os vendedores ambulantes e barraqueiros ali instalados, deixando-os chorando, em virtude da perda de suas atividades”.
Edilson, ao reforçar sua crítica, disse que: “durante toda a sua vida, nunca viu um governo
que só procura prejudicar o pobre como este”. Além disso, outros pontos lembrados pelo
Vereador do PDS foram o afastamento e perseguição às mulheres “prostitutas da cidade”,
e igualmente a perseguição ao “jogo do bicho”. Para finalizar, Edilson ainda tocou em
um ponto muito sensível naquela altura: ele pediu ao prefeito que enviasse a “mensagem
de aumento dos servidores municipais”. E essa questão geraria um grande desgaste para
Berredo de Menezes.29
Ainda em abril de 1983, Edilson voltou à tribuna para lembrar que corriam boatos na cidade a respeito do possível afastamento de Dirceu Cardoso do cargo de secretário
de Segurança Pública, por ter ele interferido na “perseguição” ao “jogo do bicho”. Pesavam contra Dirceu Cardoso, desde o início, fortes acusações de ineficiência à frente de sua
Secretaria. Contudo, Edilson aproveitou a oportunidade para advertir que o prefeito Berredo de Menezes transformara a Secretaria Especial de Meio Ambiente em Secretaria de
Ação Social “com a criação de dezoito volumosos cargos, para serem abocanhados pelos
senhores vereadores do PMDB”. Ele assegurou que o Vereador Paulo Lindoso, ao assumir
a Secretaria de Obras, nomeara de imediato a sua esposa para um cargo comissionado.
Mas, Stan Stein contestou Edilson, e avisou que ele fizera falsas acusações. Stan informou
que Dirceu Cardoso fora a Brasília com o governador Gerson Camata “para pedir um dinheirinho, a fim de tirar do buraco este Estado falido pelo governo anterior”. E quanto ao
suposto cargo criado por Lindoso, Stein afirmou que a esposa do secretário fora nomeada
sim, “mas pelo prefeito”.30
No entanto, em meio a esse “tiroteio” travado entre os membros das diferentes
bancadas, também havia espaço para a apresentação de projetos muito polêmicos, como o
de Stan Stein, que dispunha acerca da proibição do capeamento asfáltico em ruas, avenidas
e praças do município de Vitória.31 Mas, José Esmeraldo de Freitas, ao contestar o projeto
de Stan, afirmou que ele deveria ser uma iniciativa do Executivo e não da Câmara. Freitas
não apenas questionou a alegação de que o asfaltamento provocava desemprego na cidade,
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A Décima Legislatura 1983-1989
como igualmente asseverou que “a desativação das usinas de asfaltos é que geraria sim o
desemprego de dezenas de funcionários”.32
Em outra ocasião, o mesmo José Esmeraldo aproveitou uma informação fornecida por Gibson Muniz da Silva para refutar esse projeto. Com efeito, Gibson consultara
vários professores de Engenharia da Ufes que se mostraram contrários à proposta de Stan
Stein, por ela gerar desemprego. Diante de tal informação, José Esmeraldo prognosticou
que, se o projeto de Stan fosse aprovado, Vitória se transformaria numa “província”, parecendo- lhe que Stan queria fazer Vitória “voltar à Idade da Pedra Lascada”.33
Nesse cenário, Gildo Ribeiro, aparentemente agastado com a derrota da proposta, que ele apoiara, de mudança de horário das sessões da Câmara, atacou o presidente
Arnaldo Pinto da Vitória. Gildo afirmou que, embora ele tivesse tomado a iniciativa de
não permitir o uso de carros com “cota de gasolina para os vereadores”, deveria ocorrer
ainda maior contenção de despesas “por parte da Mesa”. Além disso, precisava-se não só
manter apenas o mínimo de funcionários necessários, como também necessitava-se evitar,
por exemplo, o contrato de dois milhões de cruzeiros assinado pela Câmara com os jornais
da cidade para a divulgação dos trabalhos dos vereadores. Todavia, muito irritado com essa
crítica, o presidente Arnaldo Pinto da Vitória respondeu que, como Vereador, não levava
“desaforo para casa”, principalmente quando a acusação era “leviana”. Dessa forma, Arnaldo afirmou: “Sou presidente eleito por dezenove votos, e sou bastante conhecido nesta
cidade, sem nunca precisar mostrar honestidade. Como presidente, propus-me a moralizar
esta Câmara e assim estou fazendo, como pedia o próprio povo, quando dos comícios nas
praças dos bairros da cidade. Acabei com o uso dos carros pelos senhores vereadores, a
cota de gasolina, o empreguismo familiar, as gratificações, os jantares, os estágios em hotéis de luxo etc. Mas, dizer que o presidente tem que dar explicações a cada Vereador do
ato que pratica, não. Não, porque faço tudo dentro da lei, e o Regimento Interno assim não
me permite. Dizer que foi feito um contrato com A Tribuna de dois milhões de cruzeiros,
e outro com A Gazeta também de dois milhões, é uma grande mentira. Fiz sim, contrato
na ordem de seiscentos e quarenta mil cruzeiros e não dois milhões. Isso num processo
bem debatido entre as partes interessadas, e dentro do que preceitua o próprio Regimento
Interno. Como presidente, uso o meu próprio carro, muito embora a Câmara ainda tenha
343
História da Câmara Municipal de Vitória
dois, e um deles é de uso da Secretaria para compra de materiais por intermédio do senhor
superintendente administrativo”.34
Da mesma maneira, o experiente Claudionor Lopes Pereira sentiu-se ofendido
com as críticas que eram feitas às gestões anteriores, afirmou que ainda aguardava “as boas
novas” prometidas pelos vereadores da antiga oposição, mas que “até agora nada foi feito”
nesse sentido. Claudionor declarou que, anteriormente, Arnaldo Pinto da Vitória, ao sentir
“vergonha” das críticas que eram feitas à corrupção existente na Câmara, não comparecia
aos comícios. Mesmo assim, Claudionor mostrou-se “revoltado” com a atitude do governador Gerson Camata, que num discurso de campanha em Maruípe, segundo Claudionor,
chamou a Câmara de “corrupta”. E ele “como Vereador e morador naquele bairro por
longos anos, sentiu-se profundamente ferido e magoado”.35
Saliente-se que, em represália às críticas efetuadas às gestões anteriores, a oposição começou igualmente a atacar com veemência a própria administração do PMDB. A
oposição passou a acusar esse partido de praticar o empreguismo e a corrupção.
Nesse quadro, o prefeito Berredo de Menezes tomara a iniciativa de acabar com
a efetivação de funcionários de categorias liberais - como médicos, dentistas e advogados
-, promovida na administração anterior, arguindo a sua inconstitucionalidade. Ao mesmo
tempo, porém, ao se queixar ao governador dos pedidos de emprego que lhe chegavam
“diariamente”, argumentou que: “A Prefeitura tem apenas duzentos e setenta cargos, e eu
já estou com quinhentos e oitenta e seis pedidos de nomeações. Para ocupação dos cargos,
eu estou levando em consideração a qualificação técnica do pessoal. Já não tenho hora para
trabalhar, devido ao grande número de pedidos de empregos.”36
Entretanto, assim que ocorreram as primeiras demissões promovidas pelo prefeito, a oposição “caiu de pau em cima dele”. Gualtemar Soares, por exemplo, criticou
violentamente o PMDB. Ele afirmou que Berredo estava “despreparado para o poder,
despreparado para o cargo que exerce, dando uma de vedetismo inconsequente, levando desemprego e inquietação aos funcionários da PMV e às suas famílias”. Acrescentou
ainda que somente naquela semana o prefeito dispensara “duzentos e cinquenta e cinco
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A Décima Legislatura 1983-1989
servidores contratados pela CLT, na sua grande maioria todos percebendo salário-mínimo,
com a esfarrapada explicação da ilegalidade de tais contratações”, mas o certo era que a
Prefeitura já tinha “uma lista imensa de apaniguados para ocupar o lugar dos demitidos”.
Na conclusão, Gualtemar Soares asseverou que “essa questão de economia de folha de
pagamento é balela.”37
Nesse sentido, Edilson Lucas do Amaral denunciou Renato Soares Areia, secretário da Municipalidade, por praticar o “empreguismo”, ao contratar seu sobrinho, Sílvio
Egito; sua sogra; sua esposa, Regina Lúcia Soares; e seu primo, Renaldo Soares Areia. Esse
“primo”, entretanto, ocupara um cargo que anteriormente pertencera ao ex-Vereador Walter Miranda, que, mesmo afastado por licença médica, “sem respeito algum a sua pessoa e
ao seu estado de saúde, fora exonerado para dar lugar ao primo de Renato Soares”. Edilson
não só voltou a acusar Paulo Lindoso pela nomeação de sua esposa, como também lembrou que o prefeito Berredo de Menezes, para “fazer economia de oito milhões numa folha de pagamentos de duzentos e oitenta milhões”, colocou “na rua duzentos e cinquenta
e cinco humildes funcionários, chefes de família”. Ao finalizar seu discurso, ele informou
que o secretário da Fazenda que não tinha “competência para elaborar a mensagem de
aumento de vencimento dos servidores municipais”, mesmo assim nomeou sua irmã para
um cargo elevado.38
Todavia, não eram somente esses políticos a possuir parentes empregados na Prefeitura. Segundo as denúncias de Edilson Lucas do Amaral, era igualmente esse o caso do
próprio Arnaldo Pinto da Vitória, e dos vereadores Máximo Vieira Varejão, Walfredo Neves, José Maurício Gomes, Mirtes Bevilácqua, José Moraes e Benedito Amâncio Pereira.39
Ressalte-se que muito irônica a esse respeito foi a campanha lançada pela Vereadora Beth Osório - uma parlamentar muito atuante no campo da cultura. O lema de sua
campanha era “Quem é parente de quem” na Prefeitura, e tinha a finalidade de demonstrar
o “apadrinhamento na distribuição de cargos” no governo.40
Da mesma maneira, Ary Pereira Bezerra denunciou a existência de corrupção na
Prefeitura Municipal de Vitória, “onde servidores do Instituto Jones dos Santos Neves, à
345
História da Câmara Municipal de Vitória
disposição do Executivo, estariam acumulando vencimentos do Instituto com os da Prefeitura, além de se beneficiarem da recente mensagem de aumento, em tramitação nesta
Da esq. para dir.:
Ary Bezerra, homenageado, Max Mauro e Berredo de Menezes. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Casa, com vencimentos, se aprovada, de até seiscentos e quarenta e dois mil cruzeiros”.
Ary Bezerra acrescentou ainda que a soma dos vencimentos desses servidores daria para
pagar os “duzentos e cinquenta e cinco operários” demitidos por Berredo de Menezes. E
além do mais, o “baixo índice de aumento”, que a mensagem do prefeito propunha, não
aumentava nada, mal repunha “aquilo que a inflação tomou no decurso de doze meses”, e
somente beneficiava, “na verdade, os altos funcionários”.41
E de fato, a mensagem de aumento proposta por Berredo de Menezes parece que
não agradou nem aos seus próprios partidários. Tanto que o líder da bancada do PMDB,
Stan Stein, ao responder as críticas de Ary Bezerra, não só apresentou um requerimento,
em que solicitava a apuração das irregularidades apontadas por ele, como ainda prometeu
propor uma emenda “para amenizar o problema da classe dos servidores que hoje super-
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A Décima Legislatura 1983-1989
lotam as galerias da Casa”.42
Com efeito, a “insuficiência da proposta de aumento” de Berredo de Menezes
aguçou a oposição, e suas críticas foram corroboradas pelos próprios peemedebistas. Edilson Lucas do Amaral, ao reforçar a crítica de Ary Bezerra, declarou que: “Hoje o que se
vê é a traição, a mentira; começam a dizer ao povo que não podem fazer nada. O prefeito
Berredo de Menezes, antes de assumir a Prefeitura, estudou todo o relatório fornecido pela
administração anterior. Hoje só sabe chorar o passado. São os administradores peemedebistas falsos promesseiros, de corações vazios, covardes, em essência (...) O secretariado
e o prefeito tiveram a pouca vergonha de mandar para esta Câmara mensagem não condizente com o anseio da classe de servidores da municipalidade, e hoje ainda afirmou o
senhor prefeito que não mudará de ideia, o aumento será de oitenta por cento.”43
Diante da insatisfação manifestada pela própria situação, Claudionor Lopes Pereira louvou a atitude de Edson Rodrigues Batista, Gibson Muniz da Silva e Ruy Ribeiro Crespo Filho “por haverem se manifestado, neste plenário, contra esta famigerada mensagem”.
O próprio presidente Arnaldo Pinto da Vitória afirmou que os salários dos servidores
eram mesmo muito baixos, e que, além disso, era chegada a hora “de esta Câmara se livrar
dos grilhões do Executivo, que há muito tempo era submissa àquele poder”.44
Nessa conjuntura, Edson Rodrigues Batista esclareceu que durante dezesseis dias,
juntamente com os vereadores Stan Stein, Ruy Ribeiro e Gibson Muniz da Silva, todos
do PMDB, esteve ligado ao setor financeiro da Prefeitura, com o objetivo de averiguar
“a possibilidade de conceder maior índice de aumento aos servidores”, porém chegou,
lamentavelmente, à conclusão de que a situação da Prefeitura era “das piores possíveis”.
Na conclusão, ele culpou as administrações anteriores, e afirmou que elas: “Fizeram miséria em todo o Brasil. Neste município houve a aprovação da lei apressadinha para agregar
aqueles que o PDS colocou na Prefeitura para fazer suas campanhas políticas. Cinco mil e
seiscentos servidores ficaram prejudicados, e os cabos eleitorais tiveram agregações. Naquelas legislaturas costumavam aprovar tudo que era enviado para esta Câmara.” Contudo,
Claudionor Lopes Pereira, ao rebater essas alegações, afirmou que: “As boas obras feitas
pelo PDS, ninguém comenta, só apontam erros. Como Vereador de sete mandatos, acom-
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História da Câmara Municipal de Vitória
panhei o trabalho de vários prefeitos, e esta Câmara viu o posicionamento da bancada da
oposição e da bancada situacionista. Os vereadores da oposição, com exceção de alguns,
eram subservientes. Este Vereador nunca o foi.”45
O mesmo Claudionor posteriormente informou que, após estudar a proposta do
prefeito, a Câmara apresentou uma Emenda Substitutiva, obtendo a aprovação unânime
dos vereadores, contudo, vetada “em parte” pelo prefeito. Esse veto, no entanto, foi rejeitado pela Câmara, mantendo-se, portanto, a Emenda Substitutiva. Em consequência,
Claudionor declarou que: “agora, vem o prefeito, dizem, em alto e bom som, dizer que
não vai pagar os cem por cento (...) A situação é por demais melindrosa e vai depender do
bom senso desta Câmara”.46
O descontentamento com o prefeito atingia o ponto em que as medidas moralizadoras, como, por exemplo, a da colocação de relógio de ponto em todos os colégios da
Prefeitura, eram criticadas pela oposição por “prejudicarem sensivelmente os funcionários
e professores da Secretaria da Educação”, como afirmou Edilson Lucas do Amaral.47
E algumas atitudes e declarações bombásticas do prefeito, um literato nordestino
de forte verve satírica, irritavam mais ainda não só os funcionários públicos como também
os próprios vereadores que ainda o apoiavam. Diante da greve do magistério, por exemplo,
ele afirmou: “Estou decepcionado com a greve, por duas razões: primeiro porque recebi,
supostamente, da União dos Professores do Espírito Santo - UPES, uma convocação com
dois erros grosseiros de português, que desmoralizam a classe. Por duas vezes o verbo paralisar é escrito com z. Segundo, por verificar que essa convocação contém uma informação falsa que revela desonestidade intelectual de seus autores, quando revela que o índice
que proponho na mensagem de aumento é de 52%.”48Poucos dias após, Berredo afirmou
a respeito da mesma greve: “O magistério reclama de barriga cheia”.49
Após mais de dois meses de desgastantes negociações, e mediante uma greve duradoura e politicamente muito inconveniente, Berredo de Menezes acabou por apresentar
uma proposta de aumento salarial, que foi aceita relutantemente pelos funcionários.
Nessa ocasião, os debates sobre a criação de uma nova Lei Orgânica do Muni-
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A Décima Legislatura 1983-1989
cípio e do novo PDU igualmente se sucediam, sem que se chegasse a uma conclusão. O
novo PDU já vinha sendo discutido há mais de três anos, no Instituto Jones dos Santos
Neves, mas os vereadores acreditavam que ele deveria ser urgentemente discutido e aprovado a fim de evitar construções incompatíveis com as novas propostas de ordenamento
urbano da cidade. E quando o PDU foi encaminhado para a Câmara, os vereadores logo
começaram não apenas a discutir como também discordaram acerca da elevação do gabarito dos prédios para doze andares, em Jardim da Penha e Jardim Camburi. Na opinião dos
vereadores Rui Crespo e Gibson Muniz, que se opunham aos “doze andares’, o Jardim da
Penha já era um bairro “superpopuloso”, e essa “mudança de gabarito” iria gerar diversos
problemas, tais como, a construção de esgotos adicionais e a falta de escolas e telefones suficientes para atender os moradores do bairro, além disso, o abastecimento de água voltaria
a ser deficiente. Por conseguinte, eles eram favoráveis à criação do Conselho Municipal,
com o respectivo aumento do número de representantes das comunidades.50
Finalmente, no início de janeiro de 1984, o PDU de Vitória foi votado e aprovado pela Câmara. O novo PDU mantinha o limite de quatro andares para os edifícios dos
bairros Jardim da Penha, Jardim Camburi e parte de Mata da Praia, o que foi considerado
uma vitória da comunidade. Da mesma forma desistiu-se de elaborar o arrolamento dos
imóveis antigos que deveriam ser tombados, o que permitiria a sua demolição. Essa solução final para o caso do PDU aliviou a tensão existente na cidade, onde encontravam-se
“mais de duzentos projetos de construção de prédios com obras paralisadas” nos bairros
de Praia do Canto e Barro Vermelho, aguardando apenas uma definição do PDU - que
logo foi sancionado pelo prefeito com apenas poucas emendas.51
O ano de 1983 terminava e a Câmara e muitos de seus vereadores estavam envolvidos com o movimento das “Diretas-Já”, que então tomava conta de todo o país. Nesse
sentido, em janeiro de 1984, vinte e cinco vereadores de todo o Estado reuniram-se na
Câmara de Vitória para iniciar um movimento pela formação de um comitê, integrando
todos os vereadores do Espírito Santo na campanha pelas eleições diretas.52O suplente em
exercício, Gildo Ribeiro, se destacou nessa campanha, e sugeriu “batalhas mais enérgicas
pelas diretas-já.”53
349
História da Câmara Municipal de Vitória
Contudo, essa situação não impediu que a oposição deixasse de martelar e repetir
à exaustão suas críticas ao prefeito. José Corrêa Guterres Filho, por exemplo, lembrou que,
ao assumir, o prefeito “notou o número excessivo de cargos, e, naquela oportunidade colocou na rua garis e funcionários com até vinte anos de serviço”. Logo em seguida, contudo,
ele, que desejava moralizar a Prefeitura, “colocou os seus apaniguados”.54
E a situação, ao invés de rebater diretamente essas críticas, preferia apontar para
os graves problemas nacionais, como fez o presidente Arnaldo Pinto da Vitória. Para ele:
“Fala-se muito no empobrecimento dos municípios brasileiros; na reforma tributária e na
Assembleia Nacional Constituinte como também nas eleições diretas para a presidência da
República. Todos os segmentos da sociedade brasileira estão perplexos, estarrecidos diante
dos descaminhos, os desmandos do governo federal. Não é admissível mais suportar o
arrocho do custo de vida, da irresponsabilidade de Brasília, como se não bastasse a redução de 20% dos reajustes dos trabalhadores brasileiros, justamente daqueles que ganham
pequenos salários, como um ou dois salários-mínimos. Ainda falam no aumento da contribuição do FGTS, o que é um descaramento insuportável. O Ministério da Previdência levanta a hipótese de aumentar de 8% para 10% a contribuição para o Fundo de Garantia.”55
Diante desse tipo de atitude, a oposição colocava claramente o “dedo na ferida”
quando afirmava, como fez Claudionor Lopes Pereira, que “enquanto o Vereador vem à
tribuna falar dos problemas da nação, esquece aqueles atinentes ao município de Vitória.
Há dois meses que o Estado não efetua o pagamento de seus servidores. O funcionário
estadual não tem mais condições de pagar a luz, a água, a conta do armazém, que inclusive
já tem fechadas as suas portas. Isso o Vereador não vem aqui para falar.”56
Assim, em novembro de 1983, José Corrêa Guterres Filho foi a tribuna anunciar
que os jornais da cidade, junto com a revista Veja, estavam noticiando a próxima demissão
de Berredo de Menezes, porém isso só iria ocorrer em julho de 1985.57
No entanto, um ano depois a situação financeira da Prefeitura melhorou e Berredo de Menezes pôde anunciar que gastaria, em 1985, “trinta bilhões de cruzeiros em
obras”. No “pacotão de obras”, anunciadas pelo novo secretário de Obras, Humberto
350
A Décima Legislatura 1983-1989
Vello, constavam: a nova avenida Beira-Mar de Santo Antônio, com o aterro; a construção
do acesso à torre de televisão, via Fradinhos; o recapeamento asfáltico de toda a avenida
Beira-Mar; a urbanização da Praia do Suá; a conclusão do calçadão de Camburi; a construção de galerias em Tabuazeiro e Bairro de Lourdes; as obras de pavimentação na ilha das
Caieiras, e outras.58
Todavia, o novo desafeto de Berredo de Menezes, o próprio presidente da Câmara, Arnaldo Pinto da Vitória, “detonou” o pacote de obras do prefeito. Arnaldo afirmou
que o prefeito propusera muitas obras impróprias, tais como a de construir uma “praia
artificial” em Santo Antônio e a de recapear a avenida Beira-Mar, quando existiam obras
mais prioritárias, como, por exemplo, as do calçamento das ruas de seu bairro, o Jardim da
Penha, que foram “deixadas de lado” pela administração municipal. Por isso mesmo, Arnaldo da Vitória considerou que Berredo era “persona non grata” em Jardim da Penha.59
Como vemos, essa divergência política indicava que o prefeito já não detinha o
apoio unânime da bancada do PMDB, na Câmara, e isso contribuiu para o desfecho da
eleição do novo presidente da Casa, em substituição à Arnaldo da Vitória, que ficara no
cargo dois anos. Edson Rodrigues Batista do PMDB foi eleito presidente da Câmara, porém, contava apenas com o apoio da maior parte dos vereadores do PDS e grande número
de defecções dentro de seu próprio partido.
E o desfecho dessa nova situação política foi analisado por Marcelo Martins,
em artigo publicado no jornal A Gazeta. Para esse articulista, Berredo enfrentava uma
sistemática oposição de vários vereadores do PMDB, o que o levava a buscar o apoio dos
vereadores do PDS para a aprovação de seus projetos. Chegou-se a dizer na Câmara que,
em função disso, “o PDS estava dando as cartas, mesmo sendo minoria.” Faziam declarada
oposição a Berredo os seguintes vereadores: Stan Stein, Arnaldo Pinto da Vitória, Beth
Osório, Gibson Muniz e Ruy Crespo Filho, que acusavam Berredo de estar promovendo
a “desagregação do PMDB”. Mais do que político, o rompimento de pelo menos quatro
desses vereadores com o prefeito tinha origem em questões pessoais, que abrangiam acusações e ofensas de toda ordem. Além disso, a interferência do prefeito no processo sucessório da presidência da Câmara, ao eleger o Vereador Edson Batista, por meio de uma
351
História da Câmara Municipal de Vitória
Da esq. para dir.:
Gualtemar Soares, homenageada e Edson Rodrigues Batista. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
composição com o PDS, teria sido de fato o ponto que marcou a ruptura definitiva com
os peemedebistas. Na verdade, os pedessistas apostavam na divisão do PMDB, esperando
com isso serem chamados para definir a escolha do novo presidente. Essa situação provocou a denúncia, feita por Gualtemar Soares, do PDS, e um ferrenho opositor de Berredo,
de que os pedessistas apoiaram Edson Batista para conseguir cargos na Mesa. E igualmente corrente era a conclusão de que Edilson Lucas do Amaral, do PSD, transformara-se
na “estrela principal” da Câmara, ao mesmo tempo corria o boato de que ele conseguira
empregar um filho na Prefeitura. Em função disso, Stan Stein, um antigo apoiador de
Berredo, e na ocasião seu desafeto, questionava os caminhos assumidos pelo Legislativo
municipal, acreditando que a sua soberania corria perigo. Para Stan: “Chegamos ao ponto
de outorgar ao prefeito o direito de legislar por decreto.”60
Com efeito, a contundência das críticas ao prefeito e a forte oposição, que se
formou na Câmara contra ele, inviabilizaram a sua continuidade no cargo e favoreceram a
sua demissão, em julho de 1985.
352
A Décima Legislatura 1983-1989
A ELEIÇÃO DE HERMES LARANJA
José Moraes assumiu a Prefeitura de Vitória no lugar de Berredo de Menezes, em
julho de 1985, quando já ia de vento em popa a campanha eleitoral que elegeria o primeiro
prefeito da capital, por via direta, após o regime militar. Moraes governaria a cidade por
apenas seis meses, durante os quais tanto o envolvimento com a campanha eleitoral, quanto o pouco empenho com os problemas administrativos, foram prioritários para todos os
políticos.
Essa postura política ajudava a agravar a situação da cidade, que se ressentia disso. E quem melhor expressou a conjuntura, mais uma vez, foi o loquaz Vereador Arnaldo
Pinto da Vitória. Para ele, o seu partido, isto é, o PMDB, era o “responsável pelos descaminhos e desmandos que se verificam hoje na municipalidade de Vitória; este município
nunca sofreu tanto nas mãos de tão péssimos administradores, de irresponsáveis que levam
a essa situação de abandono, sem nenhum empreendimento importante para a cidade de
Vitória”.61
Muito irritado com a sua exclusão da chapa que concorreria à Prefeitura - encabeçada pelo deputado estadual Hermes Laranja, que tinha como candidato a vice Antônio
Pelaes, outro deputado estadual -, Arnaldo considerou um desaforo que Laranja o tivesse
procurado em sua casa para convidá-lo a ser o vice em sua chapa, excluindo-o logo após,
sem sequer haver lhe telefonado para dar uma explicação. Na opinião de Arnaldo Pinto da
Vitória: “A Câmara não participa dessa eleição, de dois deputados que não são daqui e que
não lhe deram sequer a oportunidade de participar da chapa; seria um deputado e um Vereador; a Câmara ficará como sempre no ostracismo, sem participar das grandes decisões.”62
Da mesma maneira, em outra ocasião, Arnaldo reconheceu que “o bairro de São Pedro,
durante três anos, ficou ao abandono; Maria Ortiz não recebeu uma obra neste período; o
Mercado da Vila Rubim em situação desfavorável; o comércio sofre nas unhas de maus administradores, a sua principal avenida, Marques Azevedo, está em situação lamentável”.63
Outro peemedebista autêntico como Stan Stein reconheceu que, naqueles dias,
Vitória estava “atrasada em treze ou quatorze anos”, já que “vive a população uma so-
353
História da Câmara Municipal de Vitória
brecarga com o maior crescimento urbano, mais edifícios de apartamentos, residências e
escritórios, que impedem de imediato a remodelação do sistema de distribuição de energia
elétrica no município; consequentemente, não havendo investimentos de grande porte,
cresce a ameaça de surtos de incêndio (...)”. Stein, ao enfatizar a oportunidade que se abria
com a eleição para prefeito, atribuiu-a à “luta do povo brasileiro que resistiu à situação
de autoritarismo por vinte e um anos, conquistando espaços para as suas manifestações,
revertendo as intenções dos governos biônicos, hoje já reconquistada a eleição direta para
prefeitos das capitais”.64
Na campanha, os defensores da candidatura do ex-prefeito Chrisógono Teixeira
da Cruz, do PDS, não deixaram de apontar para a suposta situação de “abandono” em
que a cidade se encontrava, principalmente após a ascensão do PMDB ao governo. Era o
caso de Élcio Teixeira de Almeida, um antigo partidário da oposição emedebista, que se
dizia na época alijado “propositalmente” desse partido “por aventureiros pertinazes que
estão no comando do glorioso partido, o PMDB”. Ele referiu-se em sua análise não só ao
governo do Estado como também ao ex-arenista Gerson Camata, que conseguira impor
a sua chapa na convenção partidária, impelira seus candidatos “goela abaixo”, e colocara
todas as secretarias e a própria Prefeitura a serviço dessas candidaturas. Élcio, ao apoiar
Chrisógono, argumentou que “pelo seu passado, porque aqui nasceu, aqui sempre viveu,
tendo passado pela Prefeitura de Vitória, que criou o bairro onde mora, Jardim da Penha,
que virá para completar a sua obra; olhando o quadro que aí está, a idade com que está,
não lhe permite mais esperar por uma nova aventura para esta cidade, pois Vitória está há
quase nove anos parada.”65
Importa salientar que um dos argumentos usados pelo governador Gerson Camata, em sua campanha a favor do candidato Hermes Laranja, era o de que assim haveria
maior entrosamento entre o governador e o prefeito, sendo os dois do mesmo partido.
A oposição, contudo, lembrava que Camata não deveria se esquecer de que, em 1982, a
população havia votado nele contra o governo federal, e que logo após ele havia “pedido
arrego ao presidente”, e recebera em troca uma grande soma de recursos do governo federal. Aliás, “uma soma que nenhum governo anterior recebera”, como afirmou Edilson
Lucas do Amaral.66
354
A Décima Legislatura 1983-1989
A polarização da campanha eleitoral entre os candidatos Hermes Laranja e Chrisógono Teixeira da Cruz não agradava aos petistas que tentavam projetar o seu candidato:
o médico e sindicalista Vitor Buaiz e seu vice, o arquiteto Kléber Frizera. O discurso dos
partidários dessa candidatura era o de que Vitória fora governada até então por empresários e prefeitos biônicos que “não tinham compromisso com o povo”, enquanto Vitor Buaiz “sempre esteve nas lutas sindicais”, como afirmou o Vereador Gibson Muniz da Silva.67
Nesse contexto, em meio ao “tiroteio” verbal da campanha eleitoral, que logo
descambaria para a troca de acusações, o presidente da Câmara, Edson Rodrigues Batista,
antigo morador e representante do bairro de Santo Antônio, aproveitou para fazer um desabafo. Ele se queixou de seus companheiros de partido, o PMDB, por terem urdido contra ele “uma trama diabólica” com acusações que o tornaram conhecido em todo o Estado,
lamentavelmente. Edson se queixava principalmente do governador Gerson Camata que
dissera, segundo ele, que os vereadores e deputados só iam ao Palácio do Governo “para
pedir empregos e que nada reivindicavam para suas comunidades”.68
A proximidade das eleições radicalizava a campanha eleitoral, surgindo protestos
contra o seu “baixo nível” e a predominância de ataques pessoais, como afirmou Edilson
Lucas do Amaral.69 Essa não era, todavia, a única crítica que se fazia à campanha. Arnaldo
Pinto da Vitória confessou que estava “abismado” com o alto custo da campanha, principalmente com os gastos do candidato do PMDB, Hermes Laranja, que possuía, “rodando
pela cidade”, nada menos do que três trios elétricos, quando se apregoava que ele era um
“candidato pobre”. Para Arnaldo, era difícil imaginar que esse “mentiroso venha a ser eleito”, e que o que se via de fato era o “esbanjamento de recursos públicos com o candidato
do governo”. Da mesma maneira, ele lembrava que, da parte de Chrisógono, “não se ouve
nenhum ataque pessoal ao outro candidato”. Da mesma forma, Arnaldo aproveitou para
desancar o PMDB e o governo de Camata, ao declarar que era: “preciso muito cuidado
com os gastos faraônicos desse candidato do PMDB, esse enganador. O que fez o PMDB
na Prefeitura? Nada fez em favor de ninguém, desgraçou os funcionários, achatou os seus
salários, botou pobres operários na rua da amargura, dispensou funcionários que não eram
da grei do PMDB e, de repente, agora aparecem como os salvadores dos funcionários. (...)
O momento é de muita reflexão: o senhor Gerson Camata, em quem o povo depositou
355
História da Câmara Municipal de Vitória
confiança, não realiza um governo honesto, agora mesmo não consegue a aprovação de
suas contas na Assembleia Legislativa”.70
Do mesmo modo, acusações de “compra de voto” foram muito comuns. Gualtemar Soares afirmou que: “de São Pedro-1 a São Pedro-6” (...) “a senhora Rita Camata, por
intermédio do Vereador Walfredo, está distribuindo colchões, panelas de pressão, tábuas
para barracos, comida, ‘Eternit’, pregos e cimento; quem quiser ver, venha à Câmara Municipal. O Vereador Walfredo está atendendo em horário integral; e dá sanduíche e dinheiro
para passagem em troca de seu voto; também no Palácio Anchieta, lembra o Vereador
Arnaldo Pinto da Vitória, estão distribuindo colchões de solteiro e de casal e dinheiro, por
cima; é a corrupção eleitoral em marcha. É preciso que o desembargador, juiz presidente
do TRE, ouça e tome providências. Quem está falando é o Vereador Gualtemar Soares,
à Câmara Municipal de Vitória. (...) Por que tropas federais? Porque o Estado está desgovernado; para uma simples eleição de prefeito precisar vir tropa do exército para assegurar
essa eleição, é absurdo; nunca aconteceu isso em Vitória, nunca aconteceu no Espírito
Santo, é um acinte ao povo.”71Arnaldo assegurou ainda que estavam fornecendo “casas,
tábuas, lajotas e cimento, tudo por conta da Prefeitura; estão ameaçando os motoristas
de táxi se não votarem no candidato do governador: ‘vamos perseguir até que vendam o
ponto onde trabalham’; estão riscando os carros com spray.(...) O PMDB combateu tanto
o malufismo, e faz pior, está comprando todo mundo com dinheiro que não lhe pertence,
que pertence ao povo.”72
Na verdade, a campanha ocorria em meio a um clima de profundo pessimismo
com relação à situação do país como um todo. Já surgiam manifestações de desalento não
só com o processo de redemocratização como também com a chamada “Nova República”.
Na Câmara, quem igualmente expressou esse sentimento foi Élcio Teixeira de Almeida, ao
afirmar que já se encontrava “decepcionado com a Nova República; o povo foi mobilizado
e unido, conseguiu as diretas para prefeito e a Constituinte, mas o que acontece? Hoje os
aumentos são de dois em dois meses; o povo foi para as ruas unido para mudar, mas está
pagando um preço muito alto por essas mudanças, o povo está pagando mais caro a carne
verde, o gás, o feijão, pela incompetência dos membros da Nova República, o pacto social
prometido não está sendo cumprido.”73
356
A Décima Legislatura 1983-1989
E foi justamente para falar a respeito da conjuntura nacional que Stan Stein participou de uma mesa-redonda, no auditório do Centro de Artes da Ufes, juntamente com
Luiz Inácio da Silva, o Lula, presidente do PT, e com o engenheiro e empresário Jones
dos Santos Neves Filho. Para Stan, “o líder do PT descrê peremptoriamente, de maneira
radical, do pacto social, colocando para início da discussão: 1º., a concessão de reajuste trimestral de todos os salários; 2º., a redução da carga horária de 48 para 40 horas semanais;
3º., a reposição da perda inflacionária nesses vinte anos, em torno de trinta por cento a ser
reivindicada. O representante do empresariado propõe a livre negociação salarial entre empregados e empregadores, a redução da carga tributária e fiscal, a limitação dos gastos do
governo ao montante da receita ordinária, abolindo o déficit público.(...)O que viu foram
colocações de dois polos diferentes, reivindicações nos estreitos muros da própria fábrica,
um como empresário e outro como trabalhador, carecendo da visão extramuros, dos que
estão do lado de fora, que não são empregados, nem organizados para reivindicar direitos;
fala dos miseráveis brasileiros, das crianças abandonadas, de sete milhões e quinhentos mil
sem pais, sem parentesco, sem carinho, que serão novos criminosos amanhã. Coloca-se entre esses dois polos, essas duas visões, ponderando a necessidade de investimentos públicos, a adoção da correção salarial por escala móvel, defendida por renomados economistas,
como Dércio Munhoz e Maria da Conceição Tavares, dois economistas comprometidos
com a realidade brasileira, propostas que não foram levadas a sério pelos interlocutores.
Consequentemente é o apelo que faz para participação desse debate a todos os parlamentares, e que na eleição municipal de 15 de novembro, com apoio do partido comprometido
com a realidade brasileira, que é o PMDB, possa-se eleger os candidatos Hermes Laranja
e Antônio Pelaes para a Prefeitura de Vitória”. Pouco tempo após, Stan, infelizmente, iria
se arrepender desse seu posicionamento.74
Nessa conjuntura, havia também muita insatisfação com a própria administração
local do PMDB. Para Gibson Muniz da Silva, o PMDB - que já perdera três representantes
pertencentes à sua executiva - “não aprendeu a governar, comete erros iguais ou piores que
o PDS. Culpava-se Wander Bassini, - sucessor de Setembrino Pelissari -, por superlotar a
Prefeitura, mas o senhor Berredo de Menezes, em dois anos, dobrou de quatro mil servidores para sete mil e quinhentos; e o senhor Wander Bassini, antes chamado de corrupto,
hoje está ao lado do senhor Hermes Laranja. O que mais impressiona é o PMDB achar que
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História da Câmara Municipal de Vitória
o povo de Vitória seja composto de idiotas, com obras de última hora para ganhar votos;
em duas semanas estão com mais obras do que em dez anos; se tinha dinheiro e não era
aplicado, para onde esse dinheiro ia eu não sei.”75
DE OLHO NO PLANO CRUZADO E NAS ELEIÇÕES DE NOVEMBRO DE 1986
Hermes Laranja, o vencedor do pleito, assumiu a Prefeitura num momento em
que os vereadores da Câmara municipal já haviam feito novas opções partidárias, em virtude tanto da criação de novos partidos, entre eles o Partido da Frente Liberal - PFL, quanto
da crise dos partidos já existentes. Pouco antes da eleição, apenas nove vereadores pertenciam ao PMDB; três ao PDS - que ficara bem reduzido, contando apenas com José Esmeraldo, Guterres e Claudionor -; quatro ao PFL; e um ao PT, o Vereador Gibson Muniz
que, decepcionado com o PMDB, trocara de partido. Três outros, que pertenciam ao PDS,
a saber, Edilson Lucas do Amaral, Ary Bezerra e Gualtemar Soares, mais o peemedebista
Arnaldo Pinto da Vitória, haviam formado o PFL.
Nesse contexto - e como nenhuma das bancadas possuía o mínimo de dez parlamentares para fazer sozinha a Mesa -, havia não só dúvidas sobre como seria a sua composição futura como também a respeito do comportamento político da Câmara.
Entre os vereadores havia a convicção de que o novo prefeito, qualquer que fosse
o seu partido, teria que dialogar com a Câmara, respeitando sua independência para não
ser “vítima” de resistências ou de oposições sectárias. Segundo o Vereador Demócrito
Rebello, o novo prefeito teria “que sentar e conversar bonitinho.” No entender de Rebello
o Legislativo municipal nunca havia recebido “a devida atenção de prefeitos e governadores.”76
Como agravante, já se sabia que, em 1986, se realizariam novas eleições para o
preenchimento de cargos no Senado, na Câmara Federal, na Assembleia Legislativa e no
Governo do Estado, o que igualmente geraria novas divisões na Câmara.
De qualquer forma, e como no jogo político eleitoral a administração da capital possuía um peso significativo, ficava difícil acreditar que o prefeito contasse com a
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A Décima Legislatura 1983-1989
Da esq. para dir.:
Gualtemar Soares, Hermes Laranja, homenageado e Max Mauro.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
unanimidade na Câmara. Sabia-se também que estava longe de ter sido eliminada da Câmara a figura do Vereador “personalista”, mais preocupado em preservar redutos eleitorais
do que propriamente tratar e encarar os problemas do município como um todo e não
apenas os de um bairro ou dois. Sabia-se igualmente que o mais provável era que o futuro
prefeito viesse a utilizar como estratégia política, para ter condições de dirigir o município,
a criação de um grupo fiel de vereadores que, em troca de certos favores, lhe garantissem
a necessária sustentação política. Era o que se dizia na imprensa.77
No entanto, quando já se sabia da vitória de Hermes Laranja, a Câmara aprovou
a formação de uma Comissão Especial de Inquérito – CEI, para apurar possíveis irregularidades que teriam sido praticadas na Prefeitura, na gestão de José Moraes, com empréstimos ilegais a servidores municipais e a pessoas jurídicas.78
Hermes Laranja, ao iniciar o seu relacionamento com a Câmara, sancionou o chamado “trem da alegria” da Câmara, em que permitiu a contratação de três assessores para
cada um dos vereadores, o que acarretaria uma despesa considerável. A Vereadora Beth
359
História da Câmara Municipal de Vitória
Osório, sempre pronta a denunciar possíveis falcatruas praticadas na Câmara e a única
que votou contra a nova lei, classificou o projeto como “trem da alegria”. Garantiu ainda
que, a partir dessa “negociação”, a maioria dos vereadores já estaria “pronta” para apoiar
o prefeito.79
Essa classificação da nova lei, porém, foi repudiada pela Câmara, com a alegação
de que até então os vereadores só dispunham de funcionários para a realização de tarefas
meramente burocráticas. Eles também repudiaram as insinuações de que estariam se “vendendo” ao prefeito com a aprovação da nova lei.80
Como era de se esperar, no entanto, mal começaram os trabalhos legislativos, já
começaram também as articulações para as próximas eleições, com o lançamento da candidatura a deputado estadual de alguns vereadores, o que provocou o esvaziamento prematuro da Câmara.81Mesmo assim, muitos deles, temendo um “desgaste” de seus nomes,
recusaram-se a apresentar suas candidaturas.
Dois meses após a posse de Hermes Laranja, o país foi surpreendido com o
anúncio do famoso “Plano Cruzado”, decretado pelo presidente José Sarney. E, como não
poderia deixar de acontecer, foi o atento economista Stan Stein o primeiro a refletir sobre
o novo rumo da economia nacional, que o plano antecipava.
Nesse momento, Stein saudou o plano, afirmando que ele correspondia à expectativa que havia no meio do povo de que algo fosse feito para a “extirpação do maior
câncer que corroía as energias dos trabalhadores, da inflação descontrolada, herdada do
regime de arbítrio da ditadura, ao longo de vinte e um anos”. Para Stein, o programa de
estabilização, baixado pelo governo federal “de maneira firme e corajosa”, visava pôr um
fim ao “enriquecimento sem trabalho, enriquecimento de tão poucos a gastar fortunas tão
grandes à custa da miséria daqueles que de fato pegam duro na batalha do viver do suor de
seu próprio rosto, dos calos das próprias mãos”. Stan advertiu, contudo, que, mesmo não
querendo negar apoio ao programa de estabilização, era preciso lembrar que os salários haviam sido congelados em função da média dos pagamentos feitos nos últimos seis meses,
enquanto os preços haviam sido congelados nos valores dos “dias 26 e 27 de fevereiro”,
360
A Décima Legislatura 1983-1989
valores esses do “pico” dos preços. Existiria assim, segundo Stein, um diferencial entre
o poder aquisitivo dos salários e os preços das mercadorias, o que significava uma ligeira
perda dos trabalhadores, o que demandava, então, uma “aproximação dos valores”. Seu
colega Arnaldo Pinto da Vitória afirmou que o momento era de “esfuziante expectativa,
face às medidas corajosas do governo no seu combate tenaz à inflação”, lembrando que a
CUT, a CONCLAT e os partidos de esquerda estavam contra o programa do governo apenas no que dizia respeito à defasagem entre os salários e os preços, já apontada por Stan.
Para Arnaldo: “o que precisava no Brasil era a mudança que o povo nas ‘Diretas-já’ exigiu
do governo, quando foi às ruas exigir mudanças na administração brasileira; ao se negar a
eleição direta, o povo chorou nas ruas e praças públicas, mas não desertou da luta e partiu
para o colégio eleitoral, já com o caminho limpo para Tancredo Neves, pois os militares já
concordavam em transferir o poder aos civis, porque realmente durante vinte e um anos,
este país foi dilapidado pelo capital opressor, pelo capitalismo selvagem dos grandes investidores, dos grandes proprietários de supermercados, a tal ponto que se desejou para o
Brasil o mesmo sistema econômico da Argentina. Todavia, os nossos economistas optaram
pelo combate à inflação e também pelo combate à recessão”. Arnaldo ainda considerou
que Leonel Brizola estava “frustrado com as medidas do governo do PMDB e permite aos
seus seguidores sujar com spray os muros no Rio de janeiro, colocando ‘Abaixo o pacotão,
fora Sarney’. Fora o senhor Leonel Brizola, que deve sair deste país, se não está gostando
das medidas saneadoras do governo, quando nunca se viu na História do Brasil, homem
público que atingisse tamanho índice de popularidade — noventa e cinco por cento do
povo aplaudem as medidas do governo. E vamos criar uma comissão de fiscalização para
participar ativamente em favor do povo, em favor das medidas do senhor presidente da
República”. Walfredo Wilson das Neves entendeu que o governo aplicara uma sanção
“aos tubarões”, e que os grandes penalizados com o plano foram os agiotas “que vendiam
carros por cinquenta milhões, que depois de seis meses estavam ao preço de duzentos
milhões”.82
Essa euforia com o lançamento do plano, entretanto, não duraria muito tempo.
E a principal ameaça a ele eram justamente as novas eleições, que estavam marcadas para
acontecer em novembro de 1986. Haviam sido realizadas eleições para governador em
1982, em 1985 para prefeitos, e agora novas eleições estavam marcadas para os governos
361
História da Câmara Municipal de Vitória
estaduais e para a composição da Assembleia Nacional, com função de Assembleia Constituinte. É que o sucesso de popularidade conseguido com o anúncio do plano, em um ano
eleitoral, ensejava a noção de que seria preciso adiar ao máximo a realização de qualquer
mudança nesse plano que pudesse abalar a popularidade conseguida. E de fato, já no dia
cinco de março, poucos dias após o lançamento do Plano Cruzado, o Vereador Élcio Teixeira de Almeida lembrou que a sucessão estadual estava “bem próxima”, e que “diversos
candidatos pleiteiam o voto popular”. Élcio chamou ainda a atenção dos eleitores para o
fato de que “o nome que vai trazer as mudanças para o Estado do Espírito Santo, chama-se
Max de Freitas Mauro”.83
Nesse mesmo sentido, Edilson Lucas do Amaral reconheceu que o país foi “sacudido por um decreto econômico de esperanças futuras, para que todos possam realizar
os seus anseios e reduzir a tremenda pobreza que existe no país e no Estado.” Edilson informou que visitou vários morros e sentiu como tinham aumentado os problemas sociais
que afligiam as comunidades, e esperava-se que “a partir de agora, com o plano, surjam
soluções para todas as infelicidades do dia a dia do trabalhador”. Ele afirmou igualmente
que “este era um ano político”, e que no “próximo sábado no Novo-Hotel”, em Camburi,
haveria uma “reunião importante do PFL”, quando seria lançada a candidatura de Élcio
Álvares para o governo do Estado. Edilson advertiu ainda que na oportunidade estariam
presentes Jônice Tristão e Otacílio Coser, “amigos fraternos de Élcio que a imprensa mesquinha anda dizendo terem eles abandonado Élcio, que eles nada teriam mais a ver com
Élcio Álvares”. Edilson Amaral, ao finalizar, informou que estava terminando a leitura
do livro “Brasil, nunca mais”, que mostrava “o trabalho das esquerdas e da repressão do
governo militar”.84
Enquanto os políticos já se movimentavam para a campanha eleitoral, o povo
continuava “eufórico” com o congelamento de preços, e quem refletiu esse estado de espírito, na Câmara, foi o Vereador Paulo Lindoso. Ele afirmou que após a decretação da nova
ordem econômica “o clima é novo, a psicologia da população está diferente, sem aquele
fantasma de ter que comprar hoje porque amanhã cedo o preço será outro; sob o aspecto
do congelamento dos preços, a medida foi um ‘ovo de Colombo’, simples, mas que deu
uma nova estrutura à população brasileira, a ponto de acabar com as incertezas do ama-
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A Décima Legislatura 1983-1989
nhã”. No entanto, isso não era o suficiente, na opinião de Lindoso. Para ele: “É preciso
que não se pare na publicação do decreto com emendas, o processo é contínuo, porque
ainda é de se conseguir o ajustamento das duas faces, não só do congelamento dos preços
como também da recuperação do poder aquisitivo dos salários”.85
E, enquanto a população se entretinha com o sucesso passageiro do plano, e os
políticos voltavam a se mobilizar para as próximas eleições, os problemas da cidade se
agravavam.
Um desses problemas era o da poluição. Arnaldo Pinto da Vitória observou que,
no mesmo momento em que alguns moradores de Fradinhos se preocupavam em impedir
que a Prefeitura construísse uma simples estrada de acesso ao morro da televisão, “todos
veem estarrecidos o que vem fazendo a CST e a CVRD em Vitória”. Ele informou que
após o jantar “observou uma nuvem vermelha, densa, terrivelmente feia, como se fosse
uma bomba atômica que tivesse estourado sobre Vitória”. Para ele, eram “as descargas
mortíferas da CST, invadindo de fuligem os lares desta cidade”. E concluiu, afirmando
que: “Todos, nesta Casa, devem protestar, erguer a voz e clamar ao governo federal, ao governador, ao ministro das Minas e Energia e ao senhor Arthur Carlos Gerhardt Santos, que
foi o responsável, que disse que não haveria poluição, e hoje se vê essa nuvem criminosa
que, com o verão e pouco vento, ela para em cima de Vitória, como se fosse uma bomba
atômica”. José Esmeraldo de Freitas, dizendo-se igualmente preocupado com a saúde do
povo, lembrou a profecia feita por Augusto Ruschi de que aquelas indústrias “ocasionariam sérias doenças ao povo”. Para José Esmeraldo: “Os vereadores têm que se unir e fazer
com que a CST e a Vale do Rio Doce deem uma solução compatível ao problema, para que
os seus próprios filhos e netos sejam felizes no futuro. O povo de Vitória está morrendo
devagarzinho, inclusive da doença que mais mata no mundo, que é o câncer. A Câmara
Municipal poderia ter, inclusive, uma comissão permanente, com respaldo técnico da Ufes
e de outros órgãos federais, estaduais e municipais, a fim de fazer vistorias nos setores da
CST e da Vale do Rio Doce, todas as semanas. Seria a forma de fazer aqueles indivíduos
preocupados. E não é só o problema da CST e da CVRD, há o problema muito grande da
Aracruz Celulose, todas as quintas-feiras, às 22:00 horas, quando ela abre as comportas, e
o povo já está acostumado com aquele cheiro horrível, que trará sérios prejuízos no futu-
363
História da Câmara Municipal de Vitória
ro”.86
Nessa ocasião, outro grave problema da cidade dizia respeito ao novo bairro de
São Pedro, onde se estava fazendo um grande aterro hidráulico. Na data em que o governador Gerson Camata lançava o projeto “CURA”, para fazer o tratamento dos esgotos
sanitários e a complementação das obras de Camburi, Walfredo Wilson das Neves denunciou a situação de São Pedro, afirmando: “haja lixo para aterrar o bairro de São Pedro, que
é uma vergonha, cuja fama roda o mundo, por causa das invasões conduzidas por pessoas
mal intencionadas do PDS, no afã de ter os votos daqueles infelizes”. Mesmo assim, Neves
afirmou que São Pedro era uma “prioridade na mensagem do PMDB”.87
O trânsito era outro problema que se acentuava cada vez mais, e as intervenções
públicas sobre o tema não eram bem recebidas pela população. Para Edilson Lucas do
Amaral, o prefeito José Moraes e a Fundação Jones dos Santos Neves haviam feito “violentas modificações na cidade”, ampliando calçadas e fechando ruas, fazendo com que
aumentasse a dificuldade para se chegar ao centro da cidade pelas avenidas Beira-Mar ou
Vitória. Para Edilson: “Se o projeto AGLURB, da Fundação Jones dos Santos Neves, for
isso que aí está, é melhor que não aconteça, porque não se têm condições nem de viajar de
ônibus. O senhor prefeito tome providências para acabar com a loucura que fizeram, abrir
as ruas que fecharam e que volte a tranquilidade no centro da cidade.”88
Dessa forma, preocupado tanto em impedir um endividamento maior da Prefeitura quanto prevenir o “enriquecimento ilícito”, Arnaldo Pinto da Vitória sugeriu que
o novo prefeito começava “a injetar dinheiro em grandes grupos capitalistas, imprensa,
televisão, que não precisam de nada porque já têm muito, esquecendo-se do leite, da carne,
do pão das creches e das escolas das crianças”. Aproveitando a oportunidade, Arnaldo
lembrou aos vereadores mais novos quatro fatos que ele considerava “vergonhosos”: “a
COMDUSA aterrou a Praia do Suá e a Praia do Canto com o dinheiro federal; inaugurada a avenida Nossa Senhora dos Navegantes, tudo aquilo passou para a Prefeitura fazer
a urbanização; a COMDUSA ficou com o bom, vendeu o loteamento, não deixou sequer
um pedaço de terra para a Prefeitura, mas transferiu o elefante branco para a Prefeitura
urbanizar; o Estado construiu no Mercado da Vila Rubim três galpões com a finalidade
364
A Décima Legislatura 1983-1989
de comercializar produtos hortifrutigranjeiros e, quando já desvirtuados de sua finalidade,
quando já não se comercializava ali um cesto de qualquer produto hortifrutigranjeiro, já de
tetos apodrecidos, foram passados à Prefeitura para fazer as reformas. Agora tentam perpetuar outro crime, o governo estadual quer livrar-se do elefante branco da Rodoviária, um
déficit formidável que não consegue se pagar, passando-o para a Prefeitura. Hoje esteve
no ‘Tancredão’ – obra suntuosa e de duvidoso bom gosto -, e que após a sua inauguração
passará para a administração municipal. Trata-se de uma obra feita a toque de caixa, sem
nenhuma segurança, e a Prefeitura, tomando conta daquilo ali, gastará o que não tem.”89
Após a tragédia, ocorrida em agosto de 1986, quando parte dos morros de Gurigica e do centro da cidade desabaram, causando grandes prejuízos e a morte de várias
pessoas, Walfredo das Neves, líder do PMDB, solicitou ao prefeito a elaboração de um
plano para a efetiva contenção das encostas na cidade. Segundo ele, as escadarias também
estavam correndo o risco de desabamento dado o péssimo estado de sua conservação. A
falta de iluminação e de segurança eram igualmente problemas recorrentes nessas áreas.90
Convém ressaltar que a situação do Parque Moscoso igualmente começava a ser
vista como “crítica”. Beth Osório denunciou a descaracterização do Parque com a construção de um muro, porém foi sua colega Etta de Assis quem denunciou a “crescente
prostituição e marginalização da região”. Segundo ela: “o Parque Moscoso hoje é uma
região perigosa, com vários prostíbulos ao seu redor, com um sem-número de prostitutas
espalhadas nas ruas em plena luz do dia. Este problema se agrava à noite com a chegada
dos marginais, transformando as ruas do outrora tranquilo Parque Moscoso num local de
violência com agressões e assaltos frequentes.”91
A gravidade dos problemas locais, apontados pelos vereadores, não impedia que
eles continuassem a se concentrar de fato nas consequências do Plano Cruzado, já que era
essa a maior preocupação da população. Em agosto de 1986, quando crescia de intensidade a disputa eleitoral, principalmente a disputa para o governo do Estado - na qual se
digladiavam Max Mauro e Élcio Álvares, correndo também “por fora” e sem grandes chances eleitorais Arlindo Villaschi e Rubem Gomes -, já começavam a despontar na Câmara
advertências para o colapso iminente do Plano Cruzado. Claudionor Lopes Pereira, por
365
História da Câmara Municipal de Vitória
exemplo, advertiu que o plano estava “prejudicando a classe média e a classe pobre”, e que,
se o presidente da República não tomasse determinadas medidas, “o plano pode vir a falhar”. Para ele, era do conhecimento de todos que os preços de muitos produtos, como os
de material de construção, eram estabelecidos livremente pelos comerciantes, enquanto os
salários continuavam achatados, o salário-mínimo “não dá para viver” e a carne não existia
nos açougues. Mesmo assim Claudionor, candidato a deputado estadual, não se esqueceu
de pedir votos para si. Reforçando essa análise, Arnaldo Pinto da Vitória apontou para o
problema do dólar paralelo e do tráfico internacional de cocaína, e sugeriu que o Brasil
“precisa tomar medidas mais sérias no sentido de impedir que retorne a inflação a este país,
alguns ajustamentos precisam ser feitos no Plano Cruzado”.92
Posteriormente o mesmo Arnaldo, sempre atento à conjuntura nacional, advertiu
que “os inimigos do povo, os donos de frigoríficos, latifundiários e pecuaristas iniciaram
uma ação de desestabilização do Plano Cruzado, cobrando ágio pela carne, atrás de uma
instituição flagrantemente contrária ao interesse público, a UDR.” Seu colega Élcio Teixeira de Almeida complementou a advertência de Arnaldo, afirmando que a Sunab “precisava
ser mais ativa e que a Polícia Federal estava agindo de forma errada, não tendo competência para defender a economia popular”. De olho nas eleições, entretanto, Élcio condenou
o fato de que era “o partido que estava servindo a determinados candidatos em detrimento
de políticos que nem sequer puderam se candidatar”. Na mesma sessão, Stan Stein admitiu que “vivemos, neste momento, uma corrida cujas metas são a conquista do governo
do Estado e a eleição de alguns que passarão por representantes do povo no Congresso
Constituinte.”93E essa preocupação política condicionava o sucesso do plano.
CORRUPÇÃO
Em maio de 1986, o governador Gerson Camata, pretendendo candidatar-se ao
Senado, renunciou em benefício de seu vice, o ex-prefeito José Moraes. Como sabemos,
este último havia substituído Berredo de Menezes na Prefeitura Municipal, em meados do
ano anterior.
No dia 18 de maio de 1986, o jornal A Gazeta trouxe matéria na página de política
366
A Décima Legislatura 1983-1989
cujo título era: “Berredo acusa José Moraes e divulgará escândalos”. Ao comentar a matéria na Câmara, Gualtemar Soares afirmou que “a bandalheira foi tão grande que a obra
do Jardim da Penha teve o seu valor acrescido de setecentos por cento(...)A construção
da nova avenida Santo Antônio, outro escândalo, uma diferença de dezessete bilhões de
cruzeiros, que alguém levou, que alguém roubou”. A conclusão de Gualtemar, como ele
gostava de ser chamado, foi a de que: “se a Câmara não tomar uma atitude, serão todos os
senhores vereadores coniventes; é muito dinheiro, muita criança morrendo de fome nos
morros, muita miséria neste Estado, muita gente à margem da sociedade que não tem o que
comer(...)Pelo menos é de se tentar formar uma CEI para saber quem está com a razão, de
se tomar uma atitude perante as acusações feitas pelo senhor Berredo contra José Moraes
e Wilmar Barroso, dono da firma Arariboia, que, no entender deste Vereador é um safado
há muito tempo; se usou documento falso para ganhar uma concorrência, se ficar provado,
cadeia nele.”94
E de fato, no dia seguinte, atendendo a esse apelo, Arnaldo Pinto da Vitória apresentou requerimento, subscrito por vários outros vereadores, pedindo a apuração das irregularidades na Prefeitura em relação à contratação de obras em Jardim da Penha e Jardim
Camburi. Arnaldo defendeu o seu requerimento, dizendo que o denunciante, Berredo de
Menezes, afirmara que obras por ele contratadas em Jardim da Penha e Jardim Camburi,
orçadas em quatorze bilhões de cruzeiros, tiveram o seu preço alterado na administração
de José Moraes para trinta e um bilhões de cruzeiros, somente para obras em Jardim da
Penha. Arnaldo declarou “ter em mãos os dois contratos, um de quatorze bilhões, assinado em 25 de abril de 1985, e o outro de trinta e um bilhões, assinado em 20 de agosto”, e
ponderou que competia a José Moraes, na época governador do Estado, “ocupar espaço
na imprensa e de acordo com a Lei de Imprensa e fazer a sua defesa”, mas, ao invés disso,
“ele não reagiu” por duas vezes. De Wilmar Barroso, Berredo de Menezes também teria
dito que se tratava de “homem desonesto, afeito a espertezas em contratos de obras com
o poder público.”95
Logo após a aprovação da CEI, Edilson Lucas do Amaral tentou explicar a motivação das acusações, afirmando que: “O senhor Berredo de Menezes ficou mordido
porque as obras que ele deixou foram realizadas pelo seu sucessor, o atual governador José
367
História da Câmara Municipal de Vitória
Moraes; também o senhor Wilmar Barroso tem o seu passado, e é preciso apurar a apresentação da sua documentação falsa para ganhar concorrência”.96
Engrossando o coro das acusações contra José Moraes, Élcio Teixeira de Almeida
asseverou que os grandes jornais do país noticiavam que o governador do Espírito Santo
havia iniciado uma série de exonerações com o objetivo de promover a candidatura do
senador José Ignácio Ferreira perante os convencionais do PMDB. Para Élcio: “A cidade
de Vitória não merece assistir a essa demonstração de violência, de intolerância política da
parte do governador José Moraes; o senhor José Moraes tem de entender que é governador
de seis meses, que não chegará a janeiro, que tem de procurar unir o partido como o maior
promotor do processo sucessório. O senhor José Ignácio Ferreira é político habilidoso,
mas teve este Vereador o desprazer de dizer que como político não corresponde às expectativas, não é de esquerda, nem de direita; é um reacionário, malufista, dos coronéis, dos
generais, foi cassado porque disse besteira, teria de ser preso e não cassado(...) O Berredo
de Menezes tem ido aos jornais, frequentemente, para acusá-lo com palavras de baixo calão, e o senhor José Moraes se limitou a dizer que Berredo falou depois das dez horas, quis
dizer que Berredo estava bêbado. Tem de haver uma manifestação da Executiva do partido,
porque já chega às raias da intolerância, de ofender o governador José Moraes e o senador
José Ignácio, os quais ficaram calados, e quem cala consente.”97
No ano seguinte, 1987, explodiram denúncias muito mais graves ainda, desta vez
contra o prefeito Hermes Laranja, e quem as iniciou foi um dos vereadores mais combativos e inteligentes da Câmara. Segundo depoimento de Stan Stein, em abril de 1987, numa
reunião com o secretário de Finanças do município e ele, Laranja se queixara da situação
de penúria, de “caixa-zero” e de “tacho raspado” vivida pelo município “por causa da
crise econômica nacional”. O prefeito se queixou do mesmo modo das taxas de juros
dos empréstimos, e apresentou como projeto de “salvação” do município a anistia fiscal
para os devedores do município. Stan salientou, entretanto, que “quem propôs a contratação desses empréstimos foi o próprio prefeito”. Para Stan, ainda, “Sua Excelência foi
quem traçou as prioridades da administração sem ouvir as vozes mais representativas do
município, construiu o complexo sociocultural, vulgo “sambão do povo” ou ‘laranjão do
Hermes’, sem previsão orçamentária, tendo consumido mais de quarenta e dois milhões de
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A Décima Legislatura 1983-1989
cruzados, além de contratar uma empresa para montar e desmontar a passarela armada na
Reta da Penha. Agora nos chega essa proposta para reabilitar a caixa da Prefeitura, levada
ao buraco pela insânia da administração, concedendo anistia aos devedores do município;
quando o cidadão sério, por mais humilde que seja, paga seus impostos em dia. Mas alguém
quer levar proveito nessa história, quando se sabe que o ex-secretário do Planejamento é
devedor de mais de quinhentos mil cruzados de impostos à Prefeitura.”98
As denúncias contra Hermes Laranja podem estar relacionadas ao insucesso de
seu suposto candidato à presidência da Câmara, Walfredo Wilson das Neves, que, por apenas um voto, fora derrotado por José Roberto Zanoni, candidato apoiado pelo governador
José Moraes. Este, segundo se dizia, estaria interessado em candidatar-se a prefeito em
1988. A derrota de Laranja que “apostou todas as fichas em seu candidato”, desagradando
com isso aos adversários, predispôs a Câmara, como afirmou Stan Stein - um dos desafetos
do prefeito -, a uma postura que “recuperasse o respeito à Câmara Municipal”. Como novo
vice-presidente da Câmara, Stan informou que ele estaria atento “a toda e qualquer irregularidade que possa ser cometida pela administração municipal, e denunciará da tribuna da
Câmara, com críticas, os erros da administração Hermes Laranja.”99
A denúncia dos gastos excessivos com obras discutíveis e consideradas desnecessárias ia se tornando um lugar comum na cidade, e a Câmara refletia essa crítica. E foi
nesse contexto que surgiu a proposta de se adotar o chamado “Orçamento Participativo”,
um mecanismo destinado a abrir espaço para a participação da sociedade na elaboração do
orçamento municipal.
Liderada pelo Vereador Gibson Muniz da Silva, a proposta era frequentemente
apresentada na Câmara acompanhada de críticas à gestão tradicional, e foi isso mesmo o
que fez Élcio Teixeira de Almeida. Almeida lembrou que o ministro da Justiça, Paulo Brossard, no programa “Diário da Constituinte”, havia preconizado a inserção de um artigo
na nova Constituição, que se estava elaborando, que obrigasse prefeitos e governadores
a ouvir as comunidades quando da realização de obras. Na avaliação de Almeida: “Com
certeza, se existisse na Constituição atual esse artigo, os governadores e prefeitos não gastariam importâncias imensas, como as gastas na exposição agropecuária de Carapina, no
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História da Câmara Municipal de Vitória
Da dir.. para esq.:
Stan Stein, Cacau Monjardim, convidada e José Roberto Zanoni. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Sambódromo de Santo Antônio e no Aeroporto de Guarapari; obras suntuosas que não
interessam às comunidades. Tramita na Casa projeto de lei, da autoria do Vereador Gibson Muniz, instituindo a audiência das comunidades quando da elaboração do orçamento;
evidentemente, se adotado, a população opinando, será responsável pela destinação dos
dinheiros públicos.”100
E de fato, em junho de 1987, o próprio Gibson Muniz da Silva lembrou que havia na Câmara projeto apresentado por ele, em 1986, quando ainda era Vereador pelo PT,
determinando que as comunidades organizadas discutissem o orçamento da Prefeitura de
Vitória, antes que ele fosse enviado à Câmara. Gibson defendeu o projeto, dizendo que
o dinheiro público era normalmente empregado por “determinação única e exclusiva” do
prefeito, dependendo apenas de seu interesse eleitoral. Para Gibson da Silva, a discussão
do orçamento com a comunidade “evitaria as obras eleitoreiras que surgem para gastar o
dinheiro do povo, para gerar votos aos que se candidatam”. Ainda acrescentou que fez o
projeto quando estava no PT, e que, se a imprensa não o publicou, foi porque não teve o
370
A Décima Legislatura 1983-1989
apoio de ninguém, muito menos de seu partido, o PT, um partido que “diz querer a participação popular” e que era “na verdade”, segundo Gibson, “um bando de desempregados
dizendo-se representantes dos trabalhadores”.101
A priorização de grandes obras, com evidente interesse eleitoral, deixava de lado
as reivindicações populares, que via de regra eram localizadas e de pequeno porte, mas tinham grande importância para as comunidades carentes. Deixando-as de lado, a função da
Câmara e a dos vereadores ficaria esvaziada. Walfredo Wilson das Neves lamentou a situação em que viviam os bairros de Vitória que visitou, e a causa disso era a não realização das
“pequenas obras” pela Secretaria de Obras. Para ele, a Secretaria de Obras “é prioritária
para todos os vereadores, pois a única coisa que se faz é pedir uma obra, um remendo de
rua, e isso não está acontecendo”.102
Nessa mesma linha de crítica, Stan Stein afirmou que, mesmo sabendo que eram
poucos os recursos destinados à contenção de encostas, o prefeito conseguiu desviar quatorze milhões para outras atividades, sob a rubrica de aquisição e desapropriação de imóveis. Para Stan, o prefeito conseguiu gastar em três meses mais de quarenta e quatro bilhões
de cruzados previstos para drenagens e pavimentação de ruas. Os recursos para o “Sambão do Povo” teriam sido retirados do Departamento de Ensino de 1º. Grau.”103E foi por
essas razões que Stan concluiu que: “Fizemos uma análise do orçamento da Prefeitura e
podemos dizer que não é do meu partido este prefeito, que o meu partido não comunga
com esse comportamento de uma administração vaidosa, caprichosa e irresponsável. E
nela vamos encontrar a razão por que a Prefeitura se encontra hoje na bancarrota.”104
A bancarrota da Prefeitura, apontada por Stan, se estendia também aos principais
órgãos da administração. Para Edilson Lucas do Amaral “a Cesan está quebrada, o Detran
está quebrado, mas os cidadãos que as ocuparam, que fizeram suas campanhas, que tiveram
altos salários, mordomias, secretárias elegantes, não respondem pelos fatos da sua administração”.105
Pois foi nesse contexto e nessa mesma época que explodiram na imprensa, mais
uma vez, graves denúncias contra o prefeito Hermes Laranja, feitas novamente por Ber-
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História da Câmara Municipal de Vitória
redo de Menezes. A 29 de setembro de 1987, a Câmara recebeu telegrama do ex-prefeito
convidando os vereadores para uma audiência a fim de apresentar denúncias por escrito
à Câmara, devidamente protocoladas, para posteriormente serem lidas em plenário e iniciadas as providências cabíveis. Na mesma sessão, Élcio Teixeira de Almeida denunciou a
compra do antigo prédio da FAFI sem a devida autorização da Câmara Municipal. Logo
após informou que, no domingo anterior, o jornal A Gazeta havia estampado em letras garrafais denúncias contundentes do ex-prefeito Berredo de Menezes contra Hermes Laranja,
afirmando então que “os vereadores incorrerão em crime de omissão se não questionarem
o senhor Berredo de Menezes; o Decreto 201 é muito claro, e a súmula do Supremo de
número 301 diz das condições da ação penal contra ele, condicionada ao seu afastamento
do cargo, por ‘impeachment’; a Câmara é o primeiro poder a apurar e não o Judiciário”.106
Paulo Lindoso posteriormente disse que “acordou no domingo” com a tempestuosa denúncia de Berredo, que veio cheia de “raios e trovões” contra possíveis corrupções
na Prefeitura, dando a impressão, à primeira vista, de “que os vereadores estão dormindo,
desatentos para os atos do senhor prefeito”. Sua conclusão foi a de que “podia até ser este
o caso”, mas que era bom “aguardar Berredo de Menezes”, em respeito à população, dar
entrada com as “provas de fatos”. O sempre crítico Stan Stein, porém, de forma aparentemente surpreendente, preferiu comentar logo em seguida a situação econômica do país,
sem sequer um comentário sobre as graves acusações que estavam sendo feitas contra
Hermes Laranja.107
No dia 6 de outubro, no entanto, um dia após a Câmara Municipal ter decidido
favoravelmente ao recebimento da denúncia contra o prefeito Hermes Laranja, Stan Stein
se redimiu da hesitação inicial, dizendo que os vereadores tinham sobre os ombros “a
mais grave responsabilidade, a da prática da justiça, exatamente quando a sociedade descrê
das instituições políticas, porque grassa no país a impunidade. Neste momento em que a
Câmara constitui uma comissão processante, que possa isso representar uma semente de
esperança, de recuperação da credibilidade da população nos homens públicos e notadamente nos vereadores da Câmara Municipal de Vitória. Que as medidas sejam tomadas
sem, contudo, perder-se o respeito pela pessoa, qualquer que seja a qualidade dos atos
praticados”. Stan, no entanto, mandou da mesma forma “uma palavra de reprovação”
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A Décima Legislatura 1983-1989
contra o que ele chamou de “baixo nível das declarações publicadas na imprensa, tanto do
lado do denunciante quanto do denunciado, desrespeitosas e que agridem os mais íntimos
sentimentos das pessoas humanas”. Edilson Lucas do Amaral, um dos indicados para fazer
parte da CEI, mostrou-se melindrado com o tratamento que o prefeito havia dado à Câmara, e garantiu que a Comissão iria “apurar tudo, sem qualquer interferência, doa a quem a
doer, isento de qualquer paixão, já que o que interessa realmente é a verdade”. Aproveitou
então para dizer que gostaria que o prefeito lhe respondesse “por que havia doado uma
área de cem metros, em Tabuazeiro, para uma escola de samba, depois de negá-la a um
condomínio para uma área de lazer para as crianças? Como os jornais noticiam, S. Ex.ª
comprou o prédio da FAFI sem autorização desta Câmara; que responda sobre as doações de materiais, de cimento, madeiras, feitas pelo senhor Siri; que S. Ex.ª informe sobre
os gastos de publicidade que deixam todos estarrecidos; enquanto isso fica sem se saber
como o Bob´s entrou na Praça dos Namorados. Lamentavelmente, acho que o Sr. prefeito
desconsiderou esta Câmara...”108
Finalmente a Comissão Processante da Câmara, em 10 de outubro de 1987, presidida por Edilson Lucas do Amaral, tendo como relator Élcio Teixeira de Almeida e composta também por Beth Osório, oficiou ao prefeito Hermes Laranja, dando-lhe um prazo
de dez dias para que se defendesse.109
Assim, já mais convencido da gravidade e da seriedade das denúncias contra o
prefeito, Paulo Lindoso sugeriu uma profunda reflexão sobre a carreira política, que para
ele deveria ter como lema a “busca da verdade e não da sobrevivência, não para apaniguar
correligionários, quando o povo já tem ideia tão errônea dos homens que fazem política”.
Lindoso via em tudo isso uma traição ao programa original do PMDB. De acordo com ele:
“É lamentável ver que tudo foi feito por pessoas que usaram o PMDB; não canso de falar
que o meu PMDB é aquele do programa que tenho em casa, no meu local de trabalho, no
meu gabinete, contra a corrupção, o roubo, as falcatruas, as molecagens, as bandalheiras e
que lutou pela Constituinte que hoje está aí”.110
Contudo, nem todos os vereadores estavam convencidos da justeza das acusações
de Berredo, e o sempre combativo Arnaldo Pinto da Vitória era um deles. Ele confessou
373
História da Câmara Municipal de Vitória
e chamou a atenção para o fato de que, quando prefeito de Vitória, Berredo “por várias
vezes viu-se envolvido em escândalos, quando não houve interesse de se apurar as denúncias, em favor da unidade do partido, sob o risco de se perder a eleição vitoriosa de Hermes Laranja.” Afirmou ainda que tinha a impressão de que Berredo “perdeu as faculdades
mentais; como advogado sabe perfeitamente que deveria aguardar o relatório da comissão
processante para então ingressar na vara competente para ver processado o Sr. Hermes
Laranja. É o carro adiante dos bois, vamos raciocinar: ele está fazendo o que da Câmara?
Uma propriedade sua, aonde ele vem e dá sua notícia, sai daqui para a televisão e fala o que
bem entende?”111
Mesmo assim Ruy Crespo Filho sugeriu que o presidente do Diretório Municipal
do PMDB convocasse uma reunião dos filiados para saber das denúncias e “não apenas
para cassar o mandato de Hermes Laranja, mas também para que ele seja expulso do
PMDB, como outros denunciados por corrupção dentro do partido.” Gibson Muniz da
Silva aproveitou para confessar que, mesmo estando sem partido, resolveu “de alguma
forma ajudar o prefeito Hermes Laranja, em troca levando-lhe as reivindicações das comunidades: votou no candidato do prefeito à presidência da Casa, e simplesmente S. Ex.ª não
lhe atendeu em nada. Hoje, coloca-se na Casa, independente e sem compromisso algum
com o prefeito Hermes Laranja, porque ele não cumpriu compromisso algum como Vereador.” Stan Stein informou que, ao relatar o Orçamento de 1987, já denunciava a falcatrua
de se “retirar verbas das dotações para a educação”, para uma obra chamada “complexo
sociocultural”, vulgarmente chamada “Sambão do povo”, “Laranjão” e consagrada por
“Sambódromo”, “não previsto no orçamento de 86; fato que aí está para ser apurado pela
Comissão processante.”112
A 15 de outubro de 1987, a Câmara, com sete votos favoráveis e quatro contrários, aceitou novas denúncias de Berredo de Menezes contra Hermes Laranja. No entanto,
ao escutar a leitura das novas denúncias feitas por Berredo, Arnaldo Pinto da Vitória fez
uma intervenção da tribuna que desmereceu sua inteligência e sua reconhecida honestidade. Após classificar as novas denúncias como “novas mentiras” e afirmar que Hermes
Laranja realizava uma administração “sem par neste município”, ele ainda vituperou que
Berredo de Menezes era “um sapo que veio do Maranhão para o Espírito Santo para
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A Décima Legislatura 1983-1989
Da esq. para dir.:
José Esmeraldo de Freitas, homenageado e Ruy Crespo Filho. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
atingir a honra de família tradicional do nosso Estado, da nossa Cidade. É homem que
tem raiva do sucesso alheio e não vai perder seu tempo para tecer considerações a respeito do senhor Berredo de Menezes; uma representação criminal já corre contra ele numa
das varas da nossa capital, aqui está a inicial da ação que Hermes Laranja promove contra
Berredo; irão depor contra ele o ex-Vereador José Maria Ramos Gagno, Dante Moreira,
Antônio Salviano e o Dr. José Moraes.”113
Em meio a essa grave crise política, cujo final era imprevisível, explodiu uma
greve de funcionários municipais reivindicando melhorias salariais, e isso levou Gibson
Muniz da Silva, que considerou a greve a “maior desgraça”, a sugerir que o presidente da
Casa, José Roberto Zanoni deveria enviar as acusações, formuladas por Berredo contra o
prefeito Hermes Laranja, à Procuradoria Geral do Estado. Admitindo que Laranja já não
tinha condições de administrar o município, Gibson propôs que “seria um bem afastá-lo
do cargo por intervenção do Estado ou por pedido de licença de S. Ex.ª, para que não haja
interferência na apuração dos fatos. E o presidente desta Câmara, de cabeça fria, poderá
375
História da Câmara Municipal de Vitória
assumir a Prefeitura e dar encaminhamento às obras do município e a uma solução para a
greve que aí está.”114
Diante do impasse que se criara, Paulo Lindoso tentou uma solução partidária
e conciliatória, com o argumento de que o que estava ocorrendo não manchava apenas
o nome do prefeito, “está manchando a administração do PMDB, partido que pregou a
moralização, a solidariedade com os trabalhadores, eleições diretas, melhores salários e
estabilidade no emprego”.115
Entretanto, a maioria de que o prefeito dispunha na Câmara não dependia exclusivamente do PMDB, mas dos vereadores de outros partidos. Ruy Crespo Filho, perante as
novas denúncias, envolvendo o secretariado de Hermes Laranja, principalmente “um que
ainda continuava na Europa fazendo turismo”, argumentou que: “se o prefeito tem base
de sustentação na Câmara, de uma maioria de vereadores que não são do PMDB, qual a
origem desta aliança suprapartidária? Por que essa aliança? Talvez o prefeito esteja com
problema, é preciso questionar essa ‘amarração’, o porquê dessa aliança que está prendendo o senhor prefeito.”116
Ruy Crespo defendia, na verdade, um maior “diálogo” entre o prefeito e os vereadores. Para ele, o que estava faltando podia ser resumido em três palavras: diálogo, entendimento e participação. No entanto, o “prefeito nega-se ao diálogo com os vereadores e
vivemos momento crítico; se tivéssemos capacidade de entendimento, não estaríamos passando por isso; e em nível municipal, a participação dos vereadores praticamente não existe. Não me canso de vir a esta tribuna para solicitar do senhor prefeito a reforma: reforma
profunda do secretariado; secretariado esse cheio de forasteiros, não identificados com o
partido. As nossas indicações não são atendidas, mas o projeto Mutirão realiza obras, o
SOS realiza obras, o grupo do samba do prefeito Hermes Laranja vem fazendo uma administração paralela. É preciso que o senhor prefeito possa se entender melhor com os
senhores vereadores, do contrário não poderá contar em nada com esta Casa de Leis.”117
Em outra ocasião, o mesmo Ruy Crespo asseverou, referindo-se ao secretariado
de Hermes Laranja, que o “senhor Mário Gurgel, grande personalidade, não é do PMDB; o
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A Décima Legislatura 1983-1989
senhor Idivacir também não é do PMDB, o secretário de Obras também não é do PMDB, e
muitos outros secretários não são do PMDB, portanto essa administração não é do PMDB.
É preciso que o líder do prefeito se comprometa com a bancada do partido, de fazer essa
mudança de secretariado, do contrário, não se chegará a nada.”118
E enquanto a CEI contra Laranja operava, muitas pressões ocorreram sobre a
Câmara, e algumas delas foram expressas pelos próprios vereadores. Gibson Muniz da
Silva, por exemplo, lastimou o momento que a Câmara atravessava, salientando a ira com
que alguns vereadores trabalhavam na CEI, querendo, segundo ele, “pegar Hermes Laranja
para bode expiatório”. Para Gibson, o “PMDB deve tomar vergonha na cara, porque muitos vereadores estiveram na inauguração do Sambódromo, e diziam: esta obra consagrará
Hermes Laranja. Cito nomes de pessoas proeminentes com quem tenho conversado, cito
pessoas da minha comunidade que me advertem, que me dizem: Berredo é um irracional,
um desequilibrado, Hermes tem trabalhado, pense muito a situação.”119
Outros vereadores, como Walfredo Wilson das Neves, defendiam Hermes Laranja com o argumento de que ele estava “resgatando aquele povo de São Pedro e da Resistência do meio do lixo; teve a coragem que ninguém teve de instalar a Usina de Lixo para
evitar que os miseráveis tenham suas casas fétidas de lixo, no meio de porcos e moscas.”120
Todavia isso não demovia a CEI de prosseguir em seu trabalho e anunciar, já a 10
de novembro de 1987, que Hermes Laranja poderia ser afastado do cargo, pois, segundo
um de seus componentes, “já existem argumentos suficientes para isso”. A CEI apurara
as denúncias de que Hermes Laranja teria favorecido a Construtora Affonseca na concorrência para a execução das obras do “Sambódromo”. Outros vereadores favoráveis ao
afastamento do prefeito argumentavam que não havia orçamento para a construção do
mesmo Sambódromo, como já ficara provado pelos depoimentos. Eles alegavam também
que uma das justificativas para a construção da obra foi a de que a Prefeitura iria construir
escolas no local, porém isso não aconteceu. Além disso, as obras teriam sido orçadas em
quarenta e dois milhões, mas com a sobretaxa de 36% teriam passado para cinquenta e
quatro milhões, estourando o orçamento da Prefeitura.121
377
História da Câmara Municipal de Vitória
Em meados de dezembro de 1987, o prefeito ainda assim declarou aos jornais que
seria absolvido pela Câmara. Essa declaração deu motivos para Stan Stein levantar a suspeita de que “ou o senhor prefeito é vidente, ou, se não pode adivinhar, sua certeza deve
estar baseada em argumentos de corrupção, da subversão de valores.”122
A insinuação - feita por Hermes Laranja, ao informar que seria absolvido pela
Câmara - acentuou a ira de Berredo de Menezes, que veio a público novamente pedir outra
CEI para apurar supostas irregularidades, envolvendo a mesma Construtora Affonseca na
recuperação da ponte da Ilha do Frade. Berredo aproveitou para denunciar o advogado
e ex-Vereador José Maria Ramos Gagno, que era o advogado de Laranja, o qual estaria
impedido de fazê-lo, segundo Berredo, dado que era procurador do Estado. Além do que,
Gagno afirmara que “o prefeito já tem como certo nove vereadores a seu favor na Câmara”, uma afirmação, segundo Berredo, que “desrespeitou a Câmara e os vereadores”.123
Anunciou-se pela imprensa, no início de dezembro, que o Tribunal de Contas da
Prefeitura de Vitória entregaria amplo relatório à CEI, comprovando as irregularidades
denunciadas. No mesmo dia, porém, o presidente da CEI denunciou a existência de “espionagem” na própria Câmara Municipal de Vitória, já que documentos sigilosos estariam
sendo repassados ao prefeito. Edilson Lucas do Amaral não citou ninguém diretamente,
mas Berredo afirmou categoricamente que o “espião” era o próprio relator da CEI, o
Vereador Élcio Teixeira.124Ao rebater essas acusações, Élcio Teixeira, que tinha sido secretário de Berredo, igualmente o acusou “de ter praticado corrupção na PMV”.125E quem
também saiu em defesa de Hermes Laranja foi Paulo Lindoso, afirmando que: “Não há por
que se condenar sem as devidas provas, isentos de personalismo ou radicalismo político.
Dessa forma, o prefeito Hermes Laranja continua a merecer de todos nós o respeito devido ao ocupante do cargo de primeiro representante do povo de Vitória.”126
Entretanto, o Juiz dos Feitos da Fazenda Pública Municipal de Vitória, Airton
Barbosa Lima, em dezembro de 1987, suspendeu os trabalhos da CEI, concedendo a liminar, nesse sentido, impetrada por Hermes Laranja.127
Após essa liminar, o longo recesso da Câmara, que ainda durava de dezembro
378
A Décima Legislatura 1983-1989
até março, parece ter dado uma “esfriada” no ambiente da Câmara. E, por isso mesmo,
foi chocante o discurso de Edilson Lucas do Amaral, presidente da CEI, informando que
lera, “no último domingo”, sobre a situação das prefeituras da Grande Vitória, e o que
lera não lhe agradara. De acordo com Edilson, a Prefeitura de Vitória tinha mais de sete
mil funcionários, estava na bancarrota, mas encontraram “mais de duzentas pessoas” para
empregarem na Prefeitura, “nos gabinetes dos vereadores Walfredo das Neves e Ary Bezerra”, considerados “os vereadores do povo.” Diante dessa realidade, Edilson arrematou:
“Não acredito mais neste país, a não ser na guerrilha, na revolução selvagem, de pegar em
armas; o que se vê é o povo faminto, iludido pela demagogia insana e infeliz.”128
Edilson Lucas do Amaral, hoje falecido, infelizmente, deve ter ficado muito decepcionado com a notícia anunciada, naquele mesmo dia, informando que o prefeito Hermes Laranja havia conseguido sustar definitivamente o processo movido contra ele pela
Câmara. E ainda havia impetrado contra a mesma Câmara um mandado de segurança, que
acabou sendo aceito pelo Tribunal de Justiça.
E o melhor reflexo, na Câmara, dessa decepção foi o discurso pronunciado por
Stan Stein. Alguns meses após o fato - já no clima dominado pela nova campanha eleitoral
para as eleições de novembro de 1988, que elegeriam o novo prefeito, além de uma nova
Legislatura para a Câmara -, Stan Stein lembrava que era preciso cobrar do presidente Sarney uma posição contra a corrupção no país. Entretanto, para Stan, “silenciamos diante
da corrupção no município, o mais profundo mar de lama na história desta cidade, como
silenciou a Câmara diante da rejeição das contas do senhor Carlos Alberto Viana Freire,
processo arquivado por preclusão, que não sei como ocorreu, se a Câmara em tempo hábil prestou informações ao Ministério Público. Assim se deseja fazer ao senhor Hermes
Laranja e sua administração, que desrespeita a boa-fé do povo, administração eivada de
corrupção, improbidade, imoralidade, que lesa os cofres municipais, e a Câmara na agradável situação de não opinar, pela condenação ou absolvição do prefeito; o povo haverá
de cobrar de nós uma manifestação, inclusive, porque a arguição de suspeição do juiz está
prejudicada, mudado o juiz, há de receber o processo de volta à instância para decidir o
mandado de segurança; a Câmara também parece não ter agilizado o advogado contratado
para essa ação.”129
379
História da Câmara Municipal de Vitória
Num período mais próximo ainda das eleições, Stan Stein voltou à tribuna, mais
uma vez, para conclamar a participação na campanha, e afirmar que diante do “aquecimento do processo eleitoral” era importante lembrar que o prefeito tinha “um comportamento
de verdadeiro tirano, absolutista, totalitarista, de sozinho definir como são gastos os recursos da população, cobrados na forma de impostos”. Stan almejava que os “vereadores
eleitos o sejam com o compromisso entre eles e a sociedade de representar seus interesses,
suas aspirações de seriedade, respeito, probidade de combater a corrupção, os desmandos
administrativos, de apontar as prioridades dos investimentos definidos pela própria comunidade. Por que não se conclui a praça dos Namorados? Porque ela serve para devolver ao
empresário que a está construindo o dinheiro gasto na campanha do senhor Hermes Laranja; isso significa não ter o menor respeito pela sociedade de Vitória, pelas pessoas mais
humildes do bairro de Itararé, ao anular a verba de galeria da rua Daniel Abreu Machado
para aumentar os gastos com a praça dos Namorados, para jogar na avenida Beira-Mar e
na conta da empresa Korpus, que faz a limpeza urbana. Nos quatrocentos e tantos anos de
Vitória, os garis sempre fizeram limpeza, agora temos uma empresa trazida de Fortaleza,
quando a cidade nunca esteve tão suja.”130
E bem próximo ao fim da décima Legislatura, que durara seis anos, e da polêmica
gestão de Hermes Laranja na Prefeitura de Vitória, o país vivia um ambiente de euforia,
gerado pela aprovação da nova Constituição. Mesmo assim, a Câmara de Vitória se reunia
poucas vezes, em virtude da proximidade da eleição de 15 de novembro de 1988, que escolheria os novos vereadores e o novo prefeito.
A 4 de outubro de 1988, um dia antes da aprovação da nova Constituição, porém,
alguns dos mais atuantes e inteligentes vereadores usaram a tribuna para expressar a sua
expectativa com relação à nova Constituição e ao país. E não era nada positiva a avaliação
que eles faziam. O combativo Stan Stein asseverou: “Vivemos momento muito sério, grave, de certa maneira, da História deste país. Dá para fazer um paralelo com a experiência
da Revolução Francesa de 1789, que foi precedida, em nosso país, por personagens que
ousaram, como Tiradentes, acreditar nos seus ideais de construir uma pátria com independência, fraternidade, igualdade e prosperidade. Vivemos situação em que a fraternidade
inexiste; inexiste a solidariedade, quando vemos em toda parte, entre os jovens, a mentali-
380
A Décima Legislatura 1983-1989
dade do ‘vamos se arrumar’, ou a de ‘levar vantagem em tudo', raciocínio que predomina
na sociedade. Quero acreditar que o povo brasileiro receberá o raio da iluminação e descobrirá no meio de tanta miséria, a luz da História que fertilizará e fará brotar uma semente
nova, e pelo voto faça-se a redenção do povo”.131
No entanto, Arnaldo Pinto da Vitória, que concordou com o retrato do país pintado por Stan Stein, afirmava que: “No meu sentir, a Constituição, que amanhã será promulgada, proporcionará aos congressistas medalhas de ouro, prata e bronze, que custarão
aos cofres da nação sofrida, a bagatela de quarenta e cinco milhões de cruzados. País que se
acha à beira do abismo, quando vemos nas ruas de Vitória e do Brasil inteiro, multidões de
miseráveis, esfarrapados, mal alimentados, mal-amados, arrastando-se, como vemos, à procura de empregos de um miserável salário-mínimo, para comprar no vendeiro da esquina
um quilo de feijão por oitocentos cruzados, de carne por mil e duzentos cruzados, de farinha por trezentos e cinquenta cruzados, para ganhar ao fim de dias de trabalho a miséria
de vinte e poucos mil cruzados. É falta de civilidade, vivemos uma selva de pedra, não há
amor pela espécie humana.” Em sua fala, por sua vez, Edilson Lucas do Amaral vaticinou:
“Amanhã, o país terá a tão falada Constituição, que nasceu de um movimento de esquerda,
com críticas ao atual momento, de lamentáveis vinte e poucos anos de ditadura. Hoje estamos vivendo a proximidade de um desastre; o Brasil tem a maior safra da História e encontramos famintos nas praças públicas; enquanto isso, estudantes são levados a protestar sob
influência de ideologias alheias, tumultuam a cidade, porque não temos, absolutamente,
governo. O país está entregue à incompetência dos homens públicos, transformou-se num
país ingovernável e, se existe uma Constituição, ela não se cumpre e não é para ninguém
cumprir; se diz que ninguém ganhará mais do que o prefeito, que ganha cento e oitenta mil
cruzados, já vão aumentar o salário dele para ninguém perder dinheiro; assim é e continuará a propaganda promocional: ‘Tudo pelo social’.”132
Findava assim a décima Legislatura, e os seus vereadores tiveram a sua performance política avaliada pela imprensa. José Guterres (PFL) mantinha um relacionamento
de independência com a Prefeitura, porém não se opunha às matérias propostas pelo
Executivo, era tido como um Vereador com quem o prefeito podia contar. Já Ruy Crespo
(PMDB) - ligado ao ex-governador José Moraes e ao grupo que fundou o PP - apoiava o
381
História da Câmara Municipal de Vitória
prefeito Hermes Laranja e, na eleição, integrou a “Frente Laranja” que sustentou o candidato do PFL, Nilton Gomes. Beth Osório, do PMDB, era crítica da administração municipal, no entanto sem se opor e, com isso, se desgastar; não apoiava integralmente o prefeito
e não votou todas as matérias do Executivo. José Roberto Zanoni (PMDB) era presidente
da Câmara, ligado ao ex-governador José Moraes e também ao prefeito Hermes Laranja.
Arnaldo Pinto da Vitória (PL), embora tentasse demonstrar independência, fazia o jogo do
prefeito. Etta de Assis (PMDB), inicialmente o apoiava integralmente, contudo, no final de
1986, mudou o comportamento, disputou a eleição para o cargo de deputado estadual e se
sentiu magoada, já que não teve dele o apoio que esperava. Demócrito Rebello (PMDB),
embora não ligado ao prefeito, acompanhava a maioria dos seguidores de Hermes Laranja. Edilson Lucas do Amaral (PL) não era filiado ao prefeito, contudo sempre votou suas
matérias. Paulo Lindoso (PDT), após trocar o PMDB de Ulysses pelo PDT de Brizola, em
1988, adotou uma postura de oposição ao prefeito. Élcio Teixeira de Almeida (PMDB),
apesar de não ser muito ligado ao prefeito, acompanhava os seguidores de Hermes e votava todas as matérias do Executivo, ou seja, o prefeito podia contar com ele. Gibson Muniz
(PL), eleito pelo PMDB, foi para o PT, acabou sendo expulso dos quadros petistas por
“cotar” matérias do Executivo com as quais o partido não concordava, visto que tinha um
comportamento imprevisível. Walfredo das Neves (PMDB) foi o líder da Prefeitura na
Câmara; Edson Batista (PMDB) era o presidente da Câmara; José Esmeraldo (PL) teve o
apoio da máquina administrativa na sua campanha; Ary Bezerra (PFL) e Claudionor Lopes
Pereira obtiveram discreto apoio da Prefeitura. Stan Stein (PSDB) teve contra si o prefeito,
que não queria a sua reeleição porque fez várias críticas à atuação de Hermes Laranja e
dificultou a votação de muitas matérias.133
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta Legislatura foram sancionadas 531 leis classificadas da seguinte forma:
01. Estrutura Organizacional: 30
02. PDU – Plano Diretor Urbano, Meio-ambiente: 24
03. Tributos, isenções, correções, taxas, anistia: 18
382
A Décima Legislatura 1983-1989
04. Utilidade pública: 3
05. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas, bairros e prédios públicos: 193
06. Cargo público, gratificação, salário, vencimento, diária: 57
07. Pessoal, aposentadoria, IAVV, plano de cargos e salários, vale transporte: 40
08. Orçamento, orçamento plurianual: 24
09. Contrato, convênio, acordo: 15
10. Símbolos municipais, datas comemorativas, prêmios: 3
11. Patrimônio Municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, alienação, doação,
licenças, licitação: 42
12. Posturas: 12
13. Educação: 3
14. Transporte: Coletivo, taxi: 16
15. Necrópole: 5
16. Operação de Crédito, Crédito especial: 26
17: Contribuição de melhoria, subvenção e auxílio: 10
18. Obras: 6
19: Saúde: 3
20. Cultura: 1
383
História da Câmara Municipal de Vitória
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 3034, de 7 de julho de 1983: Cria no Bairro São Pedro uma escola de
pré-escolar e de 1º grau.

LEI 3037, de 19 de julho de 1983: Cria o Conselho Municipal de Política
Salarial.
 LEI 3039, de 19 de julho de 1983: Cria a Associação dos Servidores Municipais de Vitória – ASMUVI.
 LEI 3050, de 3 de agosto de 1983: Cria o Conselho Municipal de Justiça
Administrativa.
 LEI 3111, de 16 de dezembro de 1983: Cria o Centro Cultural Municipal
Carmélia M. de Souza.
 LEI 3158, de 10 de fevereiro de 1984: Dispõe sobre o desenvolvimento
urbano de Vitória e institui o Plano Diretor Urbano – PDU.
 LEI 3165, de 3 de abril de 1984: Institui a meia-passagem nas linhas de ônibus de transporte coletivo para os estudantes das escolas de 1º e 2º graus e nível superior,
públicas ou privadas.
 LEI 3224, de 28 de novembro de 1984: Cria o Museu de Arte e História da
cidade de Vitória.

LEI 3315, de 8 de abril de 1986: Cria a Secretaria Municipal de Meio Am-

LEI 3320, de 24 de abril de 1986: Cria a Secretaria Municipal de Transpor-

LEI 3326, de 27 de maio de 1986: Cria a Reserva Biológica Municipal Ilha
biente.
tes.
384
A Décima Legislatura 1983-1989
do Lameiro.
 LEI 3502, de 10 de novembro de 1987: Dispõe sobre a política de proteção,
controle e conservação do meio ambiente. Institui o Fundo Municipal de Proteção Ambiental.

LEI 3564, de 22 de dezembro de 1988: Cria o Parque Municipal da Gruta
da Onça, no Morro da Capixaba ou do Vigia.
385
SEXTA PARTE A CÂMARA NA ERA DA REDEMOCRATIZAÇÃO
CAPÍTULO XI
A DÉCIMA PRIMEIRA
LEGISLATURA 1989 - 1993 A gestão de Vítor Buaiz
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
O INÍCIO DO GOVERNO
Na eleição de 1988, a Câmara Municipal de Vitória obteve uma renovação de dois
terços da sua composição, que aumentou de dezenove para vinte e um vereadores, acompanhando o crescimento populacional da cidade. Foram eleitos os seguintes candidatos: no
PT, Otaviano de Carvalho, com 862 votos, Gilsa Helena Barcelos, com 760, e Robson Neves, com 744; pelo PSDB, Luzia Toledo, com 1049 votos e Stan Stein, com 922; no PC do
B, Namy Chequer, com 798; no PSB, Pedro Luiz Corrêa, com 797; no PL, se reelegeu José
Esmeraldo de Freitas, com 2.699 votos, o mais votado, e o radialista Ferreira Neto, com
744 votos; o PFL elegeu Alexandre Buaiz Neto, com 1.977 votos, Ary Bezerra, com 958
votos e Adelson Ribeiro, com 858 votos; pelo PDS, Toninho Loureiro, com 1.093 votos,
Adeilson Fraga, com 1.124 votos, e ainda se reelegeu Claudionor Lopes Pereira, com 931
votos; no PDT Dermival Galvão Gonçalves com 909 votos ; pelo PTB, Márcio Calmon
obteve 815 votos; e pelo PMDB, Ethereldes Queiroz do Vale (Teteco) com 1.259 votos,
Anselmo Laranja, o mais novo Vereador, com 909 votos, e a reeleição de Edson Batista,
com 805 votos e Walfredo Neves, com 992 votos.01
Como se observa apenas seis, dos dezessete vereadores que disputaram a reeleição, se elegeram novamente: Stan Stein, Walfredo das Neves, Edson Batista, José Esmeraldo, Claudionor Lopes Pereira e Ary Bezerra.
O partido do novo prefeito Vítor Buaiz elegeu apenas três vereadores, porém
nenhum deles era de seu grupo político. Otaviano de Carvalho militava na Democracia Socialista, tida como uma das tendências mais radicais do PT; Robson Neves era das fileiras
do Movimento Comunista Revolucionário (MCR); e Gilda Barcelos era aliada do deputado
João Coser, ambos identificados como militantes da chamada “Articulação”. E essas três
correntes possuíam um ponto em comum: todas tinham feito restrições à “Frente Vitória”,
a aliança de seis partidos, incluindo o PSDB, que elegeu Vítor Buaiz.02
Mesmo assim, Vítor Buaiz assumiu, demonstrando alguma prudência ao afirmar
391
História da Câmara Municipal de Vitória
que não temia a falta de apoio na Câmara, e ainda que não tinha “receio de trabalhar com
a minoria; não é só no PT que há políticos sérios e honestos e, além do mais, há que se
respeitar a autonomia da Câmara Municipal. Não podemos nos encarar como adversários.
Temos que agir de forma harmônica e com respeito para beneficiar a comunidade.” Mas
Vítor Buaiz também advertiu que a partir de 1º de janeiro seria decretado o fim da “compra de votos de vereadores feita pelo atual prefeito para aprovação de suas mensagens”.
Para ele: “O Vereador não pode representar apenas seu bairro ou seu partido, mas deve
representar toda a sociedade, sobretudo agora que irá escrever as leis do município, e nós
teremos o maior interesse de trabalhar em comum acordo com todos eles.”03
Vítor Buaiz discursa na Câmara. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
A eleição de um representante do PT para a Prefeitura, e que ocorria pela primeira vez na história política de Vitória, gerou a expectativa de que uma gestão inovadora e
até “revolucionária” poderia ocorrer na capital. Gerou, contudo, principalmente na Câmara e entre os vereadores, muita apreensão sobre quais poderiam ser as inovações propostas
pelos novos ocupantes do governo municipal.
392
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
Coerente com o discurso de campanha, e diante do alegado “caos” existente em
vários setores, a administração petista buscou desde o início identificar-se e projetar a
imagem de um governo comprometido com a moralização, com a democratização e com
a igualdade. Na Câmara, um dos primeiros a verbalizar esse discurso foi Róbson Mendes
Neves, líder da bancada do PT. Dois meses após o início de sua atuação, Róbson Neves
julgou que já era oportuno fazer um “debate crítico” e uma análise do comportamento
de seus “companheiros” tanto como “administradores do bem público”, ou seja, como
poder Executivo quanto como “legisladores”. Sua conclusão foi a de que o PT estava
“cumprindo à risca” os seus princípios políticos e o programa de governo municipal. Para
Róbson: “Tanto no exercício do Executivo como no Legislativo estamos dando prova de
que ingressamos num novo tempo. A mudança pedida nas urnas começa a ser implantada:
ela é marcada especialmente pelo fim dos privilégios, pela moralização, democratização
e abertura de canais de participação para a população”. Partindo de um débito inicial de
trinta e seis milhões de cruzados novos, verificado no primeiro dia de janeiro de 1989, segundo ele, a Prefeitura já começava a se estruturar em “bases sólidas”, e a superar o “caos
generalizado” em que os diversos setores da administração foram encontrados.04
Dias antes, outro combativo representante do PT na Câmara, Otaviano de Carvalho, informou que a bancada do PT, composta por jovens como ele, Róbson Neves e mais
a Vereadora Gilsa Barcelos, apesar de sua inexperiência, já havia apresentado sete projetos
de lei de grande interesse para a “comunidade”, além de requerimentos convocando os secretários das Finanças e da Educação, para que eles fossem “sabatinados”, “questionados”
e “pressionados”, visando ao seu bom desempenho nas funções para as quais haviam sido
indicados.05
O discurso petista de moralização administrativa, no entanto, ajudaria a incrementar a dissidência política dentro do próprio partido governante, como veremos logo
adiante, e ensejaria, principalmente, fortes desconfianças e a oposição de grande número
de vereadores de outras tendências políticas, que passaram a interpretar essa postura como
sendo contrária aos vereadores e à Câmara, de uma forma geral. O PT era ainda um partido muito marcado pela sua trajetória anterior, de feição “sindicalista” e até “revolucionária”, fundamentada numa crítica radical das chamadas “instituições burguesas”, entre as
393
História da Câmara Municipal de Vitória
quais os parlamentos se incluíam. Essa trajetória embutia um forte “preconceito” contra
os órgãos representativos, em benefício de uma visão “basista”, de mobilização permanente e de “democracia direta”. Assim, no dia em que as galerias da Câmara foram completamente lotadas por pessoas que compareceram para protestar contra o IAVV - Instituto
de Aposentadoria dos Vereadores de Vitória, houve enorme manifestação no momento
do discurso da Vereadora Gilsa Barcelos, o que obrigou a presidência a suspender temporariamente a sessão. Gilsa retornou à tribuna para dizer que não via de forma negativa a
manifestação da galeria e que não era o PT que estava “instigando” a população contra os
vereadores, “desmoralizando-os”. Para Gilsa, o que levava a esse comportamento eram “as
ações dos próprios vereadores, porque historicamente pouquíssimos demonstraram compromissos com o povo”. Nesse mesmo sentido, o seu colega Róbson Neves foi em seu
apoio, afirmando que “nos Parlamentos, os legisladores legislam em causa própria, quando
deveriam ter a preocupação de legislarem para a coletividade.06 Para o outro Vereador petista, Otaviano de Carvalho, era preciso “que a Câmara entenda o momento histórico que
vive a sociedade brasileira e comece a combater todas as formas de privilégio que perduram nesta Casa.”07
Era impossível que um discurso como esse não gerasse entre a maioria dos vereadores a sensação de que a sua posição na Câmara estava ameaçada, principalmente porque ele veio muito cedo, acompanhado por ações concretas para combater os chamados
“privilégios” dos vereadores. A primeira grande polêmica da Legislatura girou, justamente,
em torno do projeto apresentado pelo PT com vistas a extinção do IAVV, contra o qual as
reações foram imediatas.
As críticas contra o IAVV partiram inicialmente do Vereador Teteco Queiroz do
Vale, do PMDB, mas, na verdade, o primeiro discurso, pronunciado numa sessão ordinária
nesta décima primeira legislatura, foi justamente o do Vereador Ary Bezerra, para protestar
contra a proposta do prefeito Vítor Buaiz relativa ao IAVV. Diante da informação de que
ele não entraria com os 75% de contribuição para o referido instituto, Ary Bezerra - que se
tornaria daí por diante e até ao final do seu mandato um crítico contundente da administração de Buaiz - ameaçou o prefeito, afirmando que, se ele “não mandar a verba do IAVV,
pediremos ‘impeachment’ de S. Ex.ª”. Profundamente irritado com o pronunciamento de
394
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
Buaiz sobre o assunto, na TV, quando ele teria dito que os vereadores deveriam procurar o
“INPS”, se quisessem se aposentar, Ary Bezerra advertiu: “acho que o PT está começando
mal e terminará mal”. Walfredo das Neves considerou o “despreparo” e a “inocência” do
prefeito, em sua entrevista à TV, e afirmou que ele estava “desrespeitando” os vereadores
e que: “Devemos ser respeitados pelo Executivo para que haja diálogo, a coexistência pacífica deve existir entre os poderes”. Da mesma forma, Alexandre Buaiz Neto, após lembrar
com alguma modéstia que havia tido sua votação “com o apoio de meu pai e de amigos”
e que não estava ali na Câmara comprometido “com quem quer que seja”, lamentou que o
prefeito estivesse querendo “passar por cima de todos os vereadores e queira fazer política
só em prol de seu partido”.08
Criado em 1977, na gestão do prefeito Setembrino Pelissari, o IAVV concedia
benefícios proporcionais de aposentadoria para os vereadores após oito anos de exercício
do mandato. O fundo, para esse fim, era formado pelas contribuições dos vereadores, mas
principalmente pela participação da Prefeitura com o aporte de 75% do valor total. Em
1988, entretanto, na legislatura anterior, a regra havia sido mudada para seis anos de exercício do mandato, o que gerou a “onda de protestos” mobilizada pelo PT. Segundo Róbson
Neves, em março de 1989, matéria recente publicada pelo jornal A Tribuna dava conta de
que, até então, vinte e dois ex-vereadores já eram beneficiários.09
A forte repercussão que a notícia teve na mídia e na sociedade aguçou as críticas do PT, que eram muito severas. Para Otaviano Carvalho, “a sociedade brasileira não
aguenta mais sustentar pessoas que não trabalham, pessoas que se aposentam com seis
anos de trabalho, sustentados pelo Erário municipal”.10
Róbson Neves aproveitou o embalo para lembrar também que o prefeito estava
mandando um projeto de lei criando o Programa de Assistência ao Menor, destinando a
ele a verba que era utilizada para o IAVV.11
Apesar das fortes críticas do PT, havia também defensores moderados do IAVV
na Câmara. João Antônio Nunes Loureiro, mais conhecido como “Toninho Loureiro”,
era um deles. Entrevistado pela TV Gazeta sobre um tema que gerava grande discussão
395
História da Câmara Municipal de Vitória
e interesse na sociedade local, ele afirmou que o IAVV era legal, mas que ele era contra o
repasse feito pela Prefeitura. Ele achava o desconto dos vereadores muito alto e que deveria ser estudada uma fórmula para que o IAVV sobrevivesse com seus próprios recursos.12
Contudo, Luzia Toledo - que estava em seu primeiro mandato, era do PSDB e
também fazia parte da Frente Vitória, que elegera Vítor Buaiz - afirmou que sua posição
era “clara e límpida”, ou seja, era contra o repasse da Prefeitura. Ainda confessou que
embora se sentisse bem “com o povo lotando a galeria”, como ocorrera no dia anterior,
ela se sentia “triste”, porque mesmo concordando com a posição do PT, reconhecia que
“o povo que aqui veio ontem, veio encomendado”, sugerindo com isso que o PT estava
“manipulando” a situação em benefício próprio.13
O aspecto mais preocupante, entretanto, foi lembrado por Alexandre Buaiz Neto.
Ele classificou os episódios ocorridos na Câmara como “lamentáveis”, e afirmou que “o
que se passou não condiz com o que nos propomos a fazer nesta Casa”. Para Buaiz, o chefe do Executivo deveria se impor, “não no meio da rua, em cima de um carro, incentivando
o povo a perturbar o bom andamento dos trabalhos desse poder. Surpresa a minha ao ler
na imprensa uma nota que dizia ter eu telefonado para a polícia, quando o único telefonema que dei foi para providenciar um médico para minha mãe enferma, mas, se o fizesse,
seria o meu direito, como de qualquer cidadão que deseja sua integridade física.” Nessa
mesma linha foi o discurso de Stan Stein, do PSDB, outro Vereador apoiador da Frente
Vitória. Ele protestou contra a maneira como PT e seus vereadores haviam conduzido as
manifestações na Câmara, afirmando que a manifestação popular é bem-vinda “mas fazê-la como ontem é ressuscitar o nazismo, porque o senhor Carlos Lobo, militante do PT, na
entrada do estacionamento da Câmara, incentivava funcionários da Prefeitura com o lema:
‘porque a quadrilha está prestes a votar, neste momento, um projeto que reduz de seis para
quatro anos a aposentadoria dos senhores vereadores’”.14
Mais afeito até então à “luta de massas” e profundamente cético com relação à
atuação parlamentar, que a maioria de seus simpatizantes classificava como meramente
“burguesa”, as lideranças do PT continuavam apostando basicamente na greve, e principalmente na greve geral, como a forma de luta mais consequente e prioritária. Assim, no
396
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
mesmo instante em que Otaviano de Carvalho noticiava o recebimento de mensagens de
apoio à luta contra o IAVV, ele conclamava os vereadores “a entrarem na luta por melhores
condições salariais, contra o ‘Plano Verão’, apoiando a Greve Geral marcada pela CUT e
pela CGT”. Ele, da mesma forma, apoiava a assembleia dos trabalhadores da Cesan, que
reivindicavam 104% de aumento, e lembrava a luta dos jornalistas de A Gazeta contra a
“prepotência patronal, que nega direito assegurado no último acordo coletivo”. Otaviano
manifestou seu apoio a Cândido Lopes Carcavali, demitido pela direção do SENAI, e
convidou seus colegas vereadores a participarem do debate popular com o líder sindical
sul-africano VIKA, defensor, segundo ele, dos negros sul-africanos em sua luta contra o
apartheid, a ser realizada no Centro Cultural Carmélia Maria de Souza.15
Namy Chequer Bou Habib Filho, mais conhecido simplesmente como Namy
Chequer, em seu primeiro mandato como Vereador – ele está, até hoje, exercendo mandato na Câmara de Vitória, que já era então filiado ao PC do B e igualmente componente da
Frente Vitória –, também apoiou a greve geral como resposta dos trabalhadores para protestar politicamente contra o “plano ladrão” e o “desgoverno do senhor Sarney”, que havia
provocado, segundo ele, a corrosão de mais de 50% dos salários dos trabalhadores. Namy
protestou contra a violência da repressão à greve, chamando a atenção para a atuação de
um certo “Tenente Barcelos”, segundo ele, um “truculento que não respeitou nenhuma
autoridade”.16
Stan Stein igualmente salientou a importância da greve geral, que teria sido, apesar
da “má organização do movimento”, o “maior movimento paredista dos trabalhadores”.
Ele era a favor que se melhorasse a “qualidade da mobilização” de modo que o movimento
fosse realmente pacífico “sem os grampos de furar pneus, sem as facas de rasgar pneus,
sem as pedras para quebrar vidros, sem os músculos para tombar veículos”, (agindo à
semelhança dos atuais Black-blocs), que ele atribuía à ação de elementos “marginalizados
da nossa sociedade, que são o lumpen, sem qualquer consciência, que utilizam as oportunidades para o saque, como quase ocorreu nas ‘Lojas Americanas’, hoje, pela manhã.”17
Róbson Neves fez, do mesmo modo, um balanço da greve, afirmando que “ela foi
um sucesso” e que cerca de 70% da população economicamente ativa teria sido atingida.
397
História da Câmara Municipal de Vitória
Ele lembrou, porém, um registro lamentável no Espírito Santo, que já tinha sido advertido
por Namy Chequer: “todos tiveram a oportunidade de tomar conhecimento da truculência
com que a Polícia Militar tratou trabalhadores indefesos que lutavam legitimamente por
Da esq. para dir.:
Namy Chequer, Gilsa Barcelos e convidados
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
.
seus direitos. Até crianças foram reprimidas a cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo,
disparos de armas de fogo e prisões ilegais”. Referindo-se aos vereadores, Róbson Neves
lamentou que “foram poucos os companheiros prestando o seu apoio durante a greve geral. Todavia, tenho certeza de que num curto prazo teremos cada companheiro desta Casa
junto com o povo nos seus momentos de luta. É isso que a sociedade aguarda de cada um
de nós.”18
Entretanto, uma parte significativa dos vereadores fez restrições muito graves
ao “movimento paredista”, acusando-o de haver promovido a baderna na cidade, e de ter
acintosamente desrespeitado a lei e a ordem. Essa crítica respingou inclusive no prefeito
municipal, que foi acusado de haver promovido ilegalmente a greve entre os próprios
398
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
funcionários municipais. Walfredo das Neves revelou que “viu os barbudos de camiseta
vermelha do PT” portando “instrumentos perfurantes” para esvaziar pneus de um caminhão enquanto a polícia tentava o diálogo, mas que o PT “tem o esquema de fazer greve
na marra, sob violência”, e isso seria “um despreparo dessa gente” bem como do prefeito
Vitor Buaiz “que desceu de seu pedestal para entrar na molecagem no meio da rua. Não é
greve nem é exercício da democracia.”19
Nessa mesma linha de pensamento, Ethereldes Queiroz do Valle Júnior, o “Teteco”, lembrou que o PT estava trilhando o mesmo caminho do PMDB com o seu “des-
Teteco, Anselmo Laranja, ex-deputado Dailson Laranja e
outros convidados. Da dir. para a esq.:
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
lumbramento”. Teteco afirmou que tinha muito medo desse “deslumbramento”, que era,
talvez, uma “falta de responsabilidade de mais uma vez perdermos a democracia e dar
espaço aos militares voltarem ao poder.” A greve, para Teteco, era válida, era até salutar,
mas os militantes não poderiam incorrer nos mesmos erros de 1964. Ele achava justo que
399
História da Câmara Municipal de Vitória
o prefeito participasse da greve, “mas não incentivar os servidores municipais a não trabalhar. Faça greve quem quiser, mas também tem direito o que não quer fazer greve, tem
direito a trabalhar; houve momentos de agressão, e esse não é o caminho certo.”20
Radicalizando essa posição moderada de Teteco, Ary Bezerra apresentou projeto
de resolução para que se criasse uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para apurar
possíveis irregularidades cometidas pelo prefeito municipal de Vitória. A acusação que fez
foi a seguinte: nos dias 14 e 15 de Março de 1989 a Prefeitura foi fechada e os funcionários
não tiveram acesso às suas repartições de trabalho e a agência do Banestes ficou fechada,
e muitos contribuintes que lá foram para pagar seus impostos não puderam fazê-lo. Para
Bezerra: “A Prefeitura não é do senhor Vítor Buaiz, a Prefeitura é do povo. Não sou contra a greve, desde que seja ordeira; reivindicar é direito do trabalhador. E não seria certo
o prefeito fazer o que fez.” Reforçando essa denúncia, Alexandre Buaiz Neto considerou
que os responsáveis pela paralisação “não foram hábeis e esta prática democrática e salutar [da greve] foi substituída pela baderna, pelo caos, pela desinformação e a alienação de
inocentes úteis”.21
Essas atitudes iniciais do prefeito e do PT em nada colaboraram para um balanço
exclusivamente positivo dos primeiros dias de sua administração. E para isso também contribuiu uma denúncia levantada inicialmente na Câmara pelo veterano Claudionor Lopes
Pereira, que iniciava o seu oitavo e último mandato como Vereador, sendo o parlamentar
que exerceu a vereança por mais tampo em toda a história recente da Câmara de Vitória,
autor da epígrafe que encabeça este livro. Claudionor denunciou o aumento exorbitante
do IPTU. Ele se indignara com uma entrevista concedida pelo secretário de Finanças dizendo que nos anos anteriores o aumento do IPTU fora “irregular”. Para ele, entretanto:
“Tenho aqui vários carnês, onde constatamos que um terreno que em 1988 foi tributado
em 11.644, cujo valor venal era de 673.442,38, este ano de 1989 passou a ser tributado em
106.475,99; seu valor venal foi para 6.154.594, com um aumento de mil por cento. Estamos
com o ‘Plano Verão’, com grande número de mercadorias a preços congelados, então os
contribuintes vão pagar ou pagaram por uma inflação que não condiz com a realidade.”22
No embalo dessa crítica ao “fiscalismo” petista, o experiente Edson Rodrigues
400
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
Batista, ex-presidente da Casa na legislatura anterior, sumariou a experiência inicial do
novo prefeito, fazendo também graves denúncias contra ele e seu partido, o PT. Para
Edson Batista: “Desde que iniciamos os trabalhos legislativos, somos incriminados, criticados, desrespeitosamente, por Sua Excelência, o senhor prefeito, por quem sempre tive
grande admiração, como homem de bem, político bem sucedido, mas lamento as posições
que vem tomando desde que assumiu o Executivo municipal. Estamos de cabeça erguida
e não viverei sob a pressão de uns poucos que querem se autopromover, em detrimento
da maioria, que tem entrado em contradição e se fazem donos da verdade. O povo está aí
para julgar-nos, o povo que nos acompanha sabe quem está com a verdade. Os humildes
moradores dos morros, não sei se têm conhecimento de que pagam mais 3% o bujão de
gás, aumentado pelo prefeito de Vitória, votada a lei nesta Casa, sob pressão dos vereadores do PT, o único que votou contra a matéria foi o Vereador Edson Batista, enquanto
outros colegas votaram por colaborar com a administração. Ouviram-se pronunciamentos
que vinham para acertar as coisas, que jamais o povo pagaria o repasse, que iriam até as
últimas consequências; pediram até parecer do Procurador da Prefeitura, que iriam reunir
as comunidades e entrariam na Justiça, mas não permitiriam que o imposto recaísse sobre
o povo. E quem está pagando é o povo, por projeto do PT; por isso não poupam o Vereador Edson Batista, por apresentar projeto modificando o Regimento Interno para aqui
não votarmos sob pressão, quando enchem o Plenário com os aproveitadores das benesses
do Executivo para pressionar os vereadores a aumentar os impostos.”23Mais radical ainda,
a esse respeito, foi a atitude de Walfredo das Neves, em fevereiro de 1990, ingressando
na Vara da Fazenda Municipal com uma ação para anular os novos reajustes do IPTU que
vigorariam em 1991.24
Nesse contexto, cresciam as críticas dos vereadores menos “afinados” com o prefeito. Para Ary Bezerra, o prefeito não fazia outra coisa senão jogar contra os vereadores,
contra o IAVV “para passar os cem dias, porque nada fez por Vitória”. Em nome de mais
onze colegas, que formariam uma maioria na Câmara, Alexandre Buaiz Neto afirmou que
o prefeito “está mais preocupado com o IAVV, os funcionários e quer penalizar os servidores municipais desta Câmara.”25
E quem iniciou uma avaliação sobre os primeiros cem dias do governo foi o vete-
401
História da Câmara Municipal de Vitória
rano Claudionor Lopes Pereira, afirmando que: “hoje vi no Bom Dia Espírito Santo, o secretário de Obras dizer que a Prefeitura está emperrada e, gostaria de dizer a esse secretário
que o senhor Vítor Buaiz ainda não deu o ar da sua graça, dada a sua falta de inteligência e
capacidade para administrar o município de Vitória.”26
Contudo, quem melhor “fechou” essa avaliação foi Dermival Galvão, quando
manifestou o “desconforto” que sentia ao sentar em sua cadeira de Vereador após pouco
mais de três meses de mandato: “Praticamente com três meses de vereança e me sinto
desconfortável ao assentar-me numa das cadeiras desta Câmara, pela pouca vergonha de
alguns políticos que ainda têm no pensamento o regime da ditadura; sinto decepção ao ver
a negociata que faz o Executivo com relação ao Legislativo, a imposição que faz o senhor
prefeito aos vereadores, o seu descaso para com as indicações que eles apresentam para
ajudá-lo na administração da cidade. O que vemos é o descaso, a cidade abandonada, os
funcionários da saúde em greve; não se admite um posto médico inundado, pisando-se nos
esgotos, telhado a cair, falta de materiais para o atendimento.”27
Apesar dessas críticas, um ano após a posse, Vítor Buaiz já era considerado, segundo pesquisa realizada nacionalmente pelo Instituto Datafolha, o melhor dos prefeitos
do PT eleitos em 1988: 38% dos entrevistados o consideravam melhor do que Hermes Laranja, 28%, igual e 25%, pior. Questionados sobre quais seriam os principais problemas da
cidade, esses mesmos eleitores responderam da seguinte maneira: 1º, a limpeza e coleta de
lixo (24%); 2º, o asfalto e a conservação das vias públicas (14%); 3º, o transporte coletivo
(13%); 4º, a segurança e a criminalidade (12%). Assim, ao tomar conhecimento da pesquisa, e aparentemente satisfeito com ela, Vítor Buaiz considerou que não se podia culpar a
sua administração pela derrota do candidato do PT em Vitória, onde Lula tinha sido batido
por Fernando Collor, na eleição de 1989.28
Essa avaliação positiva de Vítor Buaiz, na pesquisa do instituto paulista, contudo
contrastou vivamente com aquela que os próprios petistas faziam de sua gestão, considerada por eles “inoperante” e “ineficiente”. Ela igualmente foi acusada de falta de ousadia e de
desvio da linha do partido. Nesse sentido, o Diretório Municipal do PT emitiu documento
em que apontava a existência de “dissonância entre o discurso e a prática”, a ausência de
402
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
estratégias definidas para a administração e uma certa “obscuridade no tratamento das
verbas municipais”.29
O PT E A “FRENTE VITÓRIA”
Como se observa nos pronunciamentos anteriores, principalmente no de Dermival Galvão, ao fim dos primeiros “cem dias” já se podia perceber que o prefeito estava encontrando dificuldades para implementar sua política com relação à Câmara, dado que um
grande número de vereadores se sentia “desprestigiado” e “sem espaço” na administração
petista, que estaria privilegiando em demasia seus interesses partidários.
O “desconforto” da maioria dos vereadores se intensificava em virtude das críticas indiscriminadas que eram feitas a eles pela imprensa e pela mídia, e que eram atribuídas
pelos vereadores à ação direta ou indireta do prefeito e da bancada do PT. Eles estariam
mobilizando grupos de pessoas em sua campanha contra os vereadores não imediatamente identificados com suas propostas. Essa situação melindrosa obrigou Namy Chequer,
membro da Frente Vitória - que dava apoio ao prefeito -, a se solidarizar no repúdio dos
vereadores a um artigo publicado em um certo Jornal de Serviço, no qual, segundo Namy,
se desmoralizavam “indiscriminadamente” os vereadores. Para Namy: “O poder Legislativo é muito atacado e, às vezes, injustamente, por ser o poder mais acessível, sujeito às
pressões, pelas galerias cheias, e sobre o parlamentar ao andar nas ruas”. Seu colega, Toninho Loureiro, reforçou essa defesa condenando nominalmente o autor do referido artigo,
o jornalista Oswaldo Oleari - que tinha obtido 289 votos como candidato a vereador na
eleição passada -, e que, com “palavras de baixo calão”, teria escrito “matéria que ofende
esta Casa de Leis”. Na mesma sessão, Alexandre Buaiz Neto afirmou que não conhecia
pessoalmente Oswaldo Oleari, “mas ele pode usar outra forma para se projetar, não será
por esta maneira de denegrir a imagem de cidadãos honestos, corretos e sérios”. Buaiz pediu ao presidente da Casa, Adelson A. Ribeiro, que interpelasse Oleari para que ele dissesse
realmente “quem é corrupto”.30
Essa situação política era agravada pelo fato de que começavam a se tornar aparentes sérias divergências políticas e de luta por espaço dentro do próprio PT e do governo
403
História da Câmara Municipal de Vitória
municipal, como vimos na avaliação apontada anteriormente. A esse respeito, Teteco pôs
o “dedo na ferida” quando condenou as nomeações feitas pelo prefeito de candidatos
derrotados na eleição - atitude política que antes o PT criticava: o nepotismo e as “brigas
de interesse” entre secretários. Teteco concluiu seu discurso afirmando: “Quero que o PT
deixe Vítor Buaiz trabalhar.”31
Ary Bezerra não deixou por menos, apontando irregularidades na Companhia
de Desenvolvimento de Vitória - CDV, em que estaria ocorrendo um verdadeiro “trenzinho da alegria”, com alguns funcionários ganhando bem acima da média do mercado.
Essa situação achava-se em claro contraste com a promessa de Vítor Buaiz, na qual dizia
que a “Prefeitura não é um cabide de empregos e que moralizaria a Prefeitura”, segundo
Ary. Arrematou sua denúncia afirmando literalmente: “No gabinete do prefeito também
tem corrupção, quem o disse foi o senhor líder da bancada do PT.” Claudionor Pereira
reforçou essa crítica à CDV declarando que: “Falta nos vereadores do PT dignidade para
denunciar essa aberração, essa falcatrua e dão-se ao luxo de colocar neste pasquim ‘Vamos
acabar com o IAVV’. Vamos sim acabar com a CDV, esta imoralidade, este câncer no nosso município.”32
E efetivamente Dermival Galvão requereu a constituição de uma Comissão de
Inquérito para apurar as denúncias feitas por Otaviano de Carvalho, do próprio PT, a respeito da contratação dos serviços da Editora Papel da Comunicação S/C Ltda., de propriedade do jornalista Dório Antunes, para a confecção do jornal Frente&Verso, um boletim
de divulgação interna da administração Vítor Buaiz.33
Em agosto de 1990, por requerimento de Anselmo Laranja, foi solicitada a instalação de uma CPI a fim de apurar a existência de possíveis irregularidades nos concursos
realizados pela Prefeitura para a contratação de professores e servidores da CDV. Anselmo
alegou que o concurso dera margem “a várias suspeitas”. De acordo com ele, quatro mil
candidatos participaram do concurso, mas apenas mil e quatrocentos foram aprovados,
isso porque “os critérios para aprovação, predeterminados no edital, foram alterados, passando de objetivos para subjetivos”. Não se permitira, da mesma maneira, a “revisão das
provas”.34 E de fato, poucos dias depois, o presidente da Câmara, Adelson Álvares, assinou
404
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
decreto criando a CPI.35
Uma solução aventada para os dilemas políticos existentes no relacionamento do
Executivo com o Legislativo foi a designação do Vereador Namy Chequer como líder e
“procurador” do interesse da Frente Vitória, o conjunto de seis partidos que se coligaram
e que ajudou a eleger Vítor Buaiz. Namy, em sua explanação, lembrou que essa designação
decorria não só de “questões administrativas”, mas também “para manter a boa convivência entre as diferentes forças políticas”, com o objetivo “de encaminhar os problemas que
vêm ocorrendo por falta de coordenação entre os poderes Legislativo e Executivo”. Para
Namy ainda: “é importante a boa vontade manifestada pelos senhores vereadores, por ser
esta uma experiência nova e o limite da minha atuação é o de levar adiante o interesse dessa
coligação, da Frente Vitória”.36
UM PROGRAMA DE OBRAS DA PREFEITURA
Cerca de seis meses após o início do novo governo municipal, as lideranças políticas do PT começavam a dar sinais de que o prefeito finalmente possuía um “programa de
obras” a ser realizado na capital. A alegação para a demora foi a de que teriam sido necessários seis meses para “sanar as finanças, pagando a pesada herança deixada por Hermes
Laranja”, como afirmou o Vereador Otaviano de Carvalho. Todavia, uma grande novidade
estava sendo introduzida na gestão dos recursos disponíveis. Como afirmou Carvalho: “A
população participará desse processo, em discussões nos centros comunitários, fazendo
com que os recursos públicos se destinem para obras prioritárias, definidas pelas comunidades, diferente da forma tradicional de as grandes empresas definirem as obras a serem
feitas.”37
Essa opção política pelas obras consideradas “prioritárias”, a serem definidas pelas próprias comunidades a partir de suas necessidades mais imediatas, pressupunha e
implicava claramente o abandono da perspectiva de realização de grandes obras, estruturantes, consideradas naquela altura como “desnecessárias” para a cidade. E quem melhor
expressou esse ponto de vista foi a Vereadora Luzia Toledo quando afirmou que “Vitória
precisa de pequenas obras, não há necessidade de tantos gastos, quando são necessárias
405
História da Câmara Municipal de Vitória
pequenas obras nos bairros.”38 Todavia a mesma Vereadora, Luzia Toledo, anunciou, no
dia 24 de agosto de 1989, que, no dia anterior, havia sido inaugurada a Terceira Ponte, que
ela classificou como um “grande evento”.39
A introdução de um novo método de gestão do orçamento, mais conhecido hoje
como o do “Orçamento Participativo” foi defendida com grande alarde pelos vereadores
petistas. Gilsa Barcelos descreveu o processo - do qual participava ativamente - de introdução da novidade na gestão do orçamento, da seguinte maneira: “Vivemos hoje, um momento histórico em nosso município, fruto da proposta democrática e popular da Frente Vitória perante a administração da Prefeitura e anseio dos movimentos sociais organizados que
sempre lutaram por essa conquista: a participação na gestão do município, que se configura
de imediato com a discussão
do Orçamento Municipal.
Vale ressaltar aqui o processo que gerou a proposta de
elaboração do Orçamento
pela população. Antes da
primeira assembleia geral,
em que foram convidados
todos os segmentos organizados do município, todos
os vereadores e a população
geral, houve várias reuniões
preliminares envolvendo as
Secretarias de Planejamento
e de Ação Social da Prefeitura, o Conselho Comunitário e o Conselho Popular
de Vitória para elaborar a
proposta, que foi apresentada no dia trinta de junho,
Luzia Toledo e sua homenageada. no Ginásio ‘Dom Bosco’. A
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
406
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
partir do dia trinta de junho, os bairros iniciaram o processo de discussão das prioridades e
a escolha de seus representantes, sendo atingidos mais de cinquenta bairros que enviaram
as atas de suas assembleias aos conselhos municipais que os credenciaram a participar da
primeira assembleia de delegados, realizada no dia dezoito de junho, no ‘Carmélia’, onde
foram compostas três comissões: rateio, políticas tributárias e plano de ação das Secretarias. Cada comissão ficou composta de representantes das regiões que a partir do dia vinte
e cinco de julho iniciaram seus trabalhos, terminando por elaborarem relatórios que no último dia quatorze de agosto foram juntados pelas comissões numa só proposta. Temos que
dizer também que a administração Frente Vitória, querendo e entendendo a importância
de valorizar o poder Legislativo municipal, convidou todos os vereadores a participarem
do processo, como o está fazendo hoje, apresentando o calendário das atividades das próximas assembleias de bairro. Por isso, senhor presidente e senhores vereadores, na certeza
de que somente com a participação do povo na administração do Estado se conseguirá
construir uma sociedade mais digna, é que estamos dando a nossa colaboração. Quem não
contribuir seriamente vai ficar alijado da História.”40.
No entanto, ficar “alijado da História”, com a introdução da mudança proposta,
era justamente o que temia grande parte dos vereadores. Contudo eles perceberam que
existiam muitas “irregularidades” no processo de elaboração do orçamento, descrito pela
Vereadora do PT. Após uma visita do prefeito à Câmara para explicar as mudanças no
orçamento propostas pelo PT, Walfredo das Neves considerou que elas não o haviam
convencido. E sua principal alegação foi a de que: “Nada tenho contra as comunidades,
enalteço-as até, mas quando da eleição de 1988, essas mesmas comunidades elegeram os
seus representantes a esta Câmara, às Assembleias Legislativas, à Câmara dos Deputados e
ao Senado, isto é, chamar as comunidades para atos de competência desta Câmara é chover
no molhado. Hoje foi denunciado pelo Vereador Pedro Luiz que, embora alardeado que a
comunidade esteja participando da discussão do orçamento, nada disso acontece, existem
nos bairros, como no Bairro da Penha, quatro associações: Associação do Bairro; Associação dos Moradores, Associação Comunitária e Associação das Mulheres Unidas. O que
existe é uma disputa eleitoreira em cima das comunidades; por isso eu discordo. O representante legítimo do povo é o Vereador, mas, aqui vinte e um membros proporcionalmente
ao número de habitantes atuam em desarmonia com a comunidade.” Para Ary Bezerra: “O
407
História da Câmara Municipal de Vitória
essencial é que o Vereador foi eleito para vir à Câmara e falar em nome das comunidades,
mas o prefeito quer colocar um capitão aqui, um tenente ali, um líder comunitário acolá
para tomarem conta dos bairros e os vereadores ficarem à margem, perdendo a sua função
de trabalhar pelos bairros.” Alexandre Buaiz Neto aproveitou para dizer: “A administração
que aí está tem a única intenção de arrecadar, de enfiar a mão no bolso do contribuinte,
apesar deste sofrer o maior achatamento salarial que a população já sofreu.”41
Pedro Luiz Corrêa, porém, fez denúncias mais específicas sobre o novo método
político do orçamento participativo. Ele confessou que esteve no “Carmélia” com a intenção de participar da discussão do orçamento para 1990, mas, segundo ele: “Não vi nada
além de uma baderna comandada pelo secretário Betarelo, do Planejamento; tudo já está
arranjado, o Bairro da Penha foi ‘garfado’, representado por dois cabos eleitorais da Vere-
Solenidade na Câmara. No plano inferior: Dermival Galvão, Gilsa Barcelos, Otaviano de Carvalho, Stan Stein, Toninho Loureiro, José Esmeraldo de Freitas, Luzia Toledo e Alexandre
Buaiz Neto. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
adora Gilsa Barcelos; registro para os senhores vereadores a presença do senhor Osvaldo
Moreira que me fez entrega deste monte de atas falsas, sem assinaturas sequer; o orçamento-90 é manipulado pelo senhor Betarelo e alguns, não todos, vereadores do PT; também
está aqui o senhor Rui Coelho, do PT, que também manipulou atas falsas; as comunidades
não estão discutindo nada.”42
EDUCAÇÃO
As manifestações da Câmara em favor de uma melhora significativa na educação
municipal começaram muito cedo nesta legislatura. No mês seguinte à posse do novo prefeito, o Vereador Márcio Antônio Calmon usou a tribuna para denunciar que as escolas
de Vitória “estavam abandonadas”. Era o seu primeiro pronunciamento a respeito de um
assunto ao qual se dedicaria quase com exclusividade durante os quatro anos de seu mandato.43
Outros vereadores, da mesma maneira, se colocavam como “defensores da educação”. E foi esse o caso de Adeilson Fraga que, logo no início de seu mandato, denunciou
à administração municipal que várias escolas do município estavam sem atendimento aos
alunos por falta de carteiras; em outras, os alunos matriculados no curso noturno não tinham aulas por falta de professores. A falta de tempo para os professores fazerem o planejamento e a preparação do conteúdo das disciplinas também era apontada como causa da
baixa qualidade do ensino. Fraga estava preocupado com a recuperação das perdas salariais
dos professores, contudo achava que a desculpa dada pela Prefeitura, para não fazer novas
contratações, não era aceitável.44
Anselmo Laranja, outro Vereador preocupado com o tema, mostrou que Vitória
era uma cidade com quase “quatrocentos mil habitantes” [?], mas só possuía três escolas
de segundo grau, e, além disso, desde 1979, “há uma década”, não se construía uma única
sala de aula em Vitória. E o resultado disso era que mais de mil e trezentos jovens estão
sem frequentar o segundo grau porque o Estado não oferece as vagas. Ele conclamou o
secretário José Eugênio Vieira, que ele respeitava, a trabalhar diuturnamente para “cavar”
recursos para a Secretaria da Educação. Para este Vereador, era preciso que os governos,
409
História da Câmara Municipal de Vitória
o estadual e o federal, priorizassem investimentos para a educação, construindo escolas de
segundo grau em Vitória.45
Márcio Calmon - cuja atuação parecia ser muito inspirada no Senador João Calmon, um capixaba que se destacara no cenário nacional justamente por defender a educação -, levantou a “bandeira” de que a educação deveria receber investimentos de pelo
menos 35% do orçamento municipal, previstos na Lei Orgânica, uma vez que, no Estado
como um todo, existiam quatrocentos mil analfabetos, dos quais setenta mil eram crianças
que se encontravam no estágio de absoluto desconhecimento de nosso idioma. Calmon
conclamava a Secretaria da Educação a discutir com as escolas particulares a questão do
aumento das mensalidades, que, para ele, era provocado pelo crescimento da demanda decorrente da decadência do ensino público. Ele igualmente tinha que rebater o argumento
dos que afirmavam que a sua proposta de destinar 35% do orçamento para a educação
inviabilizaria as administrações.46
Um ano após a aprovação e a introdução da regra dos “35% para a educação”,
Márcio Calmon vangloriou-se de que “hoje está provado que este percentual de 35% está
dando para construir, reaparelhar e reformar diversas escolas. Com esse montante, os nossos professores começaram a reivindicar melhores salários e também melhores condições
de trabalho. Acredito que começamos a ver uma luz no fim do túnel.”47
Igualmente interessante era a proposta para que a rede municipal de ensino instituísse condecorações, em cerimônia pública, para os alunos que obtivessem média igual
ou superior a oito.48
Outro projeto apresentado, na Câmara, foi o do Vereador Adeilson Fraga, intitulado “Adote uma Escola” e transformado em lei, mas ainda não regulamentado. Seu objetivo era o de carrear recursos da iniciativa privada para as escolas públicas municipais, pois
elas estariam precisando urgentemente de reformas, uma vez que muitos alunos se encontravam sem estudar por falta de espaço físico.49 A convicção mais sólida de Fraga consistia
na ideia de que o maior problema da educação era a falta de recursos, e de que com os
recursos suficientes a qualidade do ensino e o aproveitamento dos alunos melhorariam.50
410
A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
Edilson Lucas do Amaral - que já havia sido Secretário da Educação, Vereador
titular em outra Legislatura, era suplente e assumira o exercício recentemente -, numa de
suas intervenções, criticou a aplicação desigual de recursos por parte do governo federal,
que, segundo ele, estaria aplicando 89% dos recursos da educação nas universidades, em
artes e museus, deixando a educação de base “entregue às baratas”.51
Em junho de 1990, porém, já começavam a aparecer os primeiros resultados das
críticas sistemáticas dos vereadores ao estado em que se encontrava a educação no município. Dermival Galvão usou a tribuna para parabenizar o prefeito e dizer que em “seu”
bairro de Jesus Nazaré havia sido iniciada a obra de uma escola “pela qual lutamos e conseguimos verba estadual”.52
Posteriormente, Márcio Calmon anunciou que “pela primeira vez na História”
estava se fazendo alguma coisa em prol da educação. Segundo ele, a coluna “De Olho na
Ilha” do jornal A Gazeta, de 15 de julho de 1990, noticiara que Vitória ganharia mais oito
escolas e dez creches, que, para Calmon, “não são um milagre e se deve efetivamente a esta
Casa de Leis; foi luta acirrada com aqueles que se dizem defensores do povo de Vitória”.53
No final de 1990, Calmon voltou a expressar a sua preocupação constante com
a educação para afirmar que, no município de Vitória, “parece que este ano será melhor
do que no ano passado”. Alertou, contudo, aos pais de alunos que, se não conseguissem
vagas nas escolas municipais, eles poderiam obter bolsas de estudo, tanto para os estabelecimentos particulares de ensino fundamental, quanto no ensino médio. Com a finalidade
de conseguir essas bolsas de estudo, Calmon faria um plantão na Câmara para atender a
esses pais. Mas voltou a enfatizar a importância de se introduzir nas escolas a emulação
sadia entre os alunos, por exemplo, com a outorga do diploma “Estudante do Ano”, visando estimular a assiduidade e o rendimento do ensino e também diminuir a reprovação
em massa dos alunos.54
Em agosto de 1991, a secretária de Educação, Odete Veiga, no programa “Bom
Dia Espírito Santo”, anunciou que a sua Secretaria estava adquirindo, para o bom aprendizado dos alunos da rede municipal de ensino, videogames, videocassetes e outros apare-
411
História da Câmara Municipal de Vitória
Marcio Calmon (à esq.) e homenageado
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
lhos. Irritado pelo fato de o seu nome não ter sido mencionado na entrevista, Márcio
Calmon lembrou que a compra anunciada só fora possível porque a Secretaria estava com
“bastante dinheiro em caixa”. Acrescentou ainda que esse recurso era proveniente da elevação de 25% para 35% dos recursos do orçamento destinados à educação, proposta por
ele, e que “o PT, nesta Casa, quando da discussão do Orçamento, procurou obstaculizar o
seu trabalho”. Para Calmon: “Não teve ela a coragem de dizer que esta Câmara é responsável por essa evolução”.55
O conflito entre o Vereador Calmon e a secretária da Educação, no entanto, não
terminou nessa ocasião. Já em março de 1992 ele denunciou que havia um “SNI” na Secretaria. Rebatido por um deputado do PT, Calmon ocupou a tribuna para afirmar: “Existe
sim, o SNI na Prefeitura. É tão verdadeiro que quando este Vereador se fez presente na
PMV, juntamente com seu assessor, no momento em que a secretaria Municipal de Educação forçava de toda maneira ao não cumprimento da ordem judicial, visando ao aumento
do número de vagas para alunos ainda não matriculados nos colégios do município, graças
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
à ação impetrada por este Vereador, fora desrespeitado, filmado, e como se não bastasse,
teve ela a petulância de telefonar para o Comando Geral da Polícia Militar para que este
Vereador lá comparecesse para depor. Um ato ditatorial digno de quem tem e executa o
SNI. Estamos hoje matriculando mais vinte e um alunos por determinação da Justiça e
quero ver se a secretária Municipal de Educação, aquela ‘pinóquia’, vai ou não atender à
determinação judicial.”56
Na data em que o Vereador Róbson Neves enalteceu a administração de Vítor
Buaiz pela construção de creches-modelo e inauguração da Escola de Primeiro Grau Arthur da Costa e Silva, em Goiabeiras - uma obra considerada pela imprensa “monumental”
-, Márcio Calmon lembrou que o jornal A Tribuna, de 28 de outubro de 1990, publicara
matéria na qual Vítor Buaiz considerava a sua proposta de destinação de 35% do orçamento para a educação de “inviável, impraticável”. Calmon, contudo, não questionou o sucesso
relativo da administração de Vítor Buaiz no campo da educação, cujo mérito o Vereador
também reivindicava para a Câmara e para ele próprio.57
SAÚDE
Alguns vereadores, sendo eles mesmos médicos, dedicaram parte de seu mandato
à discussão do grave problema da saúde pública no município. Entre eles destacou-se a
figura do Dr. Dermival Galvão, que gostava de se identificar como o Vereador dos bairros
Jesus de Nazaré e Joana D´Arc, dois de seus redutos eleitorais. Uma de suas primeiras
manifestações a respeito do tema foi para pedir a “cabeça” do Secretário Estadual, Nilton
Gomes. Ele alertou para o fato de que a meningite estava se alastrando no Espírito Santo,
o que exigia uma resposta eficaz, e que era necessário que os vereadores tomassem uma
atitude a fim de dar um basta à incompetência tanto do “secretário estadual como do secretário municipal”, já que eles “nada fazem em defesa da população de Vitória”. Na sua
avaliação, os postos médicos da cidade estavam “caindo aos pedaços”, como o do bairro
da Penha, “onde havia esgoto a céu aberto.”58Pedro Benevenuto era outro secretário da
Saúde que também não era do agrado de Dermival Galvão. Para ele, na gestão de Benevenuto “a saúde do município está um verdadeiro caos, até hoje não aprendeu a administrar,
mas nem por isso peço a S. Ex.ª que tire esse secretário.”59
413
História da Câmara Municipal de Vitória
Adelson Álvares Ribeiro e homenageada. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Pedro Luiz Corrêa também denunciou a situação caótica da saúde. O cenário que
se apresentava, na opinião de Pedro Luiz, era deplorável, pois: “no Hospital São Lucas, são
macas nos corredores e doentes no chão, denunciei o fato à Gazeta que não divulgou uma
linha sequer por ser um jornal comprometido; o SUDS não repassa dinheiro há seis meses;
o hospital São José não atende aos clientes do INAMPS; o Hospital Evangélico, também,
dá preferência aos conveniados; a Santa Casa já não suporta mais, há cinco meses sem ver
um centavo da Previdência, a Santa Casa 2 está fechando as portas, o CTI fechado; no
IESP a greve dos médicos, que não podem continuar ganhando trezentos cruzados novos
por mês, vergonha, sendo o governador [Max Mauro] também médico e homem honesto,
que S. Ex.ª resolva o mais urgente possível a greve dos médicos do Estado”. Aproveitou
a oportunidade para lembrar que, quando estava em campanha, num comício no bairro
da Penha, prometeu que, se fosse eleito, a sua primeira indicação seria para que o prefeito
doasse uma ambulância para o serviço da comunidade. Depois de eleito, entretanto, a sua
primeira indicação ao prefeito fora justamente para que ele doasse a ambulância àquele
bairro, porém até aquele momento não obtivera nenhuma resposta do prefeito. Em fun-
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
ção disso, Pedro Luiz tomara uma resolução: adquirira uma ambulância “do seu próprio
bolso” e a colocaria logo à disposição dos bairros da Penha, do Bonfim, de Itararé e de
São Benedito.60
O problema mais grave de saúde dizia respeito, como apontou mais uma vez Dermival Galvão, ao Orçamento Anual. Em 1990, por exemplo, apenas 6% eram destinados à
saúde, enquanto para a Secretaria do Meio Ambiente, segundo ele, foram destinados 23%.
Dermival confessou: “Sempre aplaudi a coerência do PT e é lamentável o problema que
vive um dos melhores médicos da Prefeitura, o Dr. Breno. Há um abaixo-assinado, com
mais de três mil assinaturas, por sua volta ao cargo na Secretaria da Saúde, que ocupara por
mais de seis anos; não há nada a macular o seu trabalho profissional naquela Secretaria.
Vou convidar o senhor Pedro Benevenuto para vir a esta Casa, para saber o que ele faz, ou
se ele só sabe rasgar faixas da greve dos médicos, e já disse que é ele ou o Dr. Breno(...)
O que foi feito na área de saúde? Um centro de medicamentos sem medicamentos, não
vemos obra de um posto de saúde, de um pronto-socorro, quando fizemos indicação por
três postos: em São Pedro, Maruípe e Goiabeiras, mas, infelizmente, há descaso pelas coisas da saúde.”61
A “ERA COLLOR”
Na metade de seu mandato, já que havia tomado posse há cerca de dois anos, Otaviano de Carvalho, uma das mais expressivas lideranças da Câmara na legislatura, discordou da crítica que um colega lhe fez por se ater “muito pouco aos problemas de Vitória”.
Otaviano admitiu que realmente Vitória era uma “ilha”, mas “era igualmente verdadeiro”
que ela está “situada no contexto nacional”, e isso justificaria a sua constante referência aos
grandes problemas nacionais.
A firme disposição para abordar e discutir as questões de âmbito mais geral, que
certamente afetavam de forma muito profunda a vida da comunidade que a Câmara representava, foi reforçada, porém, pelo fato de que o poder Executivo estava sendo exercido
por uma tendência política que almejava chegar ao poder político estadual e nacional e
que via na conquista da Prefeitura um degrau para a realização de um plano político mais
415
História da Câmara Municipal de Vitória
amplo.
O contexto político nacional, marcado pela eleição do presidente da República,
após mais de vinte anos de regime ditatorial, e por uma profunda crise social e econômica
cujo vértice era um processo inflacionário incontrolável, facilitou o envolvimento da maior
parte dos vereadores com essa problemática, em que pese a crítica daqueles vereadores como a do que criticou Otaviano - que achavam que as questões de âmbito local estavam
sendo relegadas a segundo plano.
A tribuna da Câmara se converteu num palanque para as críticas contundentes e
severas que se faziam, principalmente ao governo de José Sarney que já estava em seu final,
mas era o alvo prioritário das diatribes proferidas na Câmara. E Otaviano de Carvalho,
que não foi o único a adotar essa postura, foi imbatível nesse quesito. Para ele, “o maior
subversivo do país é o Sarney e a sua política econômica, o maior desestabilizador do país
é Sarney, que tem um patrão, a quem deve obediência, os grandes grupos econômicos.”62
No início de 1989, princípio da Legislatura, as candidaturas presidenciais para o
pleito que se realizaria no final do ano já estavam praticamente colocadas. E em junho, já se
faziam notar no país e na Câmara os primeiros sinais da vitória de um candidato surpresa,
que emergira repentinamente no cenário da disputa eleitoral: Fernando Collor de Melo,
o jovem político alagoano que ousava desafiar velhas raposas da política nacional como
Brizola, Aureliano Chaves, Mário Covas, Ulisses Guimarães e o próprio Luís Inácio Lula
da Silva. Walfredo das Neves, mesmo dizendo que “não morria de amores por Collor”
reconheceu o crescimento de sua candidatura e que ele se devia fundamentalmente a “sua
briga com Sarney”.63
No lugar de apresentar um claro projeto alternativo de mudanças para o país,
que pudesse contar com o apoio eleitoral da massa da população, os adversários de Collor
preferiam se apegar a discursos mais ou menos “radicais” e “classistas”, de oposição à ditadura militar. Em maio de 1989, Otaviano de Carvalho, por exemplo, leu e comentou nota
oficial de seu partido condenando um atentado a bomba cometido em Volta Redonda, que
foi atribuído à “violência da direita”, e cujo objetivo, segundo ele, era “intimidar as classes
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
trabalhadoras nas suas lutas” e levar o país ao caos e de volta à ditadura.64
Essa postura puramente “classista” de um setor importante da oposição política
inibia a construção de alianças políticas e a formação de um consenso mais amplo que pudesse sustentar um novo governo para o país na sua transição para o regime democrático.
Mais realista e consequente, a esse respeito, foi a proposta apresentada por Namy Chequer,
já em março de 1989, reproduzindo o manifesto de seu partido, o PC do B. Sob o título
“Conclamação à unidade das forças populares”, esse partido dirigiu-se aos trabalhadores,
ao “povo” em geral, às correntes de esquerda, aos sindicatos, às organizações democráticas, às personalidades políticas progressistas e às lideranças, propondo entendimentos
políticos para a formação de “uma ampla união democrática à sucessão presidencial e à
defesa de um efetivo regime democrático”. Namy enfatizou a opinião de seu partido pela
qual se deveria buscar a unidade já a partir do primeiro turno da eleição presidencial, sob o
risco de se ter na fase final “dois concorrentes de partidos das classes dominantes”, e que
“prevalecendo a unidade, a disputa no primeiro turno demonstraria desde logo a força e a
decisão das correntes populares em luta contra as elites dirigentes reacionárias.”65
A previsão do PC do B, manifestada na Câmara por Namy Chequer, de que poderiam ir para o turno final dois candidatos da “direita”, como se sabe, não se confirmou.
É fora de dúvida, contudo, que a disputa encarniçada travada no seio da oposição ainda no
primeiro turno, em nada ajudou na construção posterior de uma aliança que pudesse garantir a vitória do candidato Lula no segundo turno. Nem o fez o discurso aparentemente
“radical” desse candidato, em que pese o apoio decidido que ele obteve de vários setores
políticos, principalmente de Leonel Brizola, o candidato da esquerda “derrotado” por Lula
no primeiro turno.
Namy Chequer foi também um dos primeiros vereadores a se manifestar contrário ao famigerado “Plano Collor”. Poucos dias após o anúncio do “plano” governamental,
Namy, cujo partido fazia abertamente oposição ao governo, apontou os três aspectos mais
“altamente negativos” da nova política econômica: arrocho salarial, recessão e desnacionalização da economia. Ele comentou e criticou cada um desses pontos.66
417
História da Câmara Municipal de Vitória
Dois dias depois, seu colega da Frente Vitória, Otaviano de Carvalho, apresentando o posicionamento oficial do PT, apontou o “caráter autoritário e demagógico” do
plano, afirmando que as suas características estavam sendo ocultadas pela “maior campanha publicitária já feita no país, pela imprensa, que recebe as altas verbas desse mesmo
governo”. Segundo Otaviano, “milhares de trabalhadores, nos últimos três dias, foram
despedidos de seu emprego; em Viana foram despedidos cento e oitenta e um; Aracruz se
transformou hoje em verdadeiro campo de batalha, e os trabalhadores que perdem o seu
emprego tiveram como resposta do governador Max Mauro, o famoso ‘cassetete democrático’, com notícias de que já houve até trabalhadores feridos a bala.”67
Daí em diante, Namy Chequer, Otaviano de Carvalho, Róbson Neves e Stan
Stein, principalmente estes, continuaram se destacando na Câmara por suas críticas contundentes aos aspectos mais salientes e mais desfavoráveis aos trabalhadores da política
“collorida”, segundo esses parlamentares. Deixando praticamente de lado o “confisco” da
poupança e dos depósitos bancários, que teria sido a medida mais impopular do “Plano
Collor” - reputada pela maioria dos juristas como ilegal e completamente arbitrária -, esses
parlamentares centraram “fogo” essencialmente na privatização das empresas estatais, que
era, sem dúvida alguma, um dos alicerces em que se assentava a nova política. E como
vereadores de Vitória, a sua luta concentrou-se especificamente no combate à privatização das duas maiores empresas estatais operantes no Estado do Espírito Santo: a CST e a
CVRD. Namy Chequer denunciou o governo Collor como o mais antinacional da História
brasileira, e seu plano como um plano “traçado pelas quinhentas empresas que dominam
o nosso planeta, que veem no Estado um obstáculo para a sua expansão na economia do
nosso país; daí vem a campanha de desmoralização das nossas estatais, pela volta do Estado às atividades assistencialistas, para cuidar da saúde, da educação, da habitação e retirar
do Estado a sua condição de motor do nosso desenvolvimento industrial. Senhores vereadores, Collor não conseguirá implantar o seu plano antinacional dentro da legalidade da
Constituição; ele terá de passar por cima da lei, e de recorrer ao fascismo e à truculência.”
Mas esse discurso de oposição não era unanimidade na Câmara de Vitória, em que a política de Collor também tinha apoiadores, mesmo que esse apoio fosse velado e raras vezes
manifesto, como teve a coragem de fazer Walfredo das Neves, logo após a fala de Namy
Chequer. Walfredo perguntou: “Collor é o responsável pelo que está aí? Nem Jesus Cristo
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
em sessenta dias faria mais; o governo Collor está tentando acertar, e só a CUT não gosta
dele, porque Lula perdeu. Pergunto: se fosse o Lula a fazer esse plano, Vossas Excelências
o estariam criticando?”68
Esse apoio de Walfredo das Neves a Collor, no entanto, parece que durou pouco.
Dizendo-se contador formado, advogado, e com dois cursos de doutorado na área do Direito, em agosto de 1990, poucos meses depois de haver declarado sua adesão a Collor, ele
usou a tribuna para dizer que “mais uma vez estou decepcionado com o senhor Collor de
Melo, por negar o abono de Cr$. 3.000,00 aos aposentados e pensionistas, um ato desumano, já que, lamentavelmente, aposentados e pensionistas não fazem greve(...) Mas temos
o poder do voto e vamos dar o troco em três de outubro e eleger aqueles que se dedicam
há muitos anos à causa dos aposentados e pensionistas; sou criticado por me candidatar a
deputado federal, mas já me referi às palavras de Santo Agostinho: ‘O sucesso que outros
alcançaram, por que não posso alcançá-lo?’”.69
Um aspecto do dilema fundamental do governo Collor parece ter ficado bem
claro no posicionamento dos dois vereadores da Câmara de Vitória. Por um lado, Collor
se defrontou com uma forte oposição ideológica, muito bem expressa no pronunciamento
de Namy Chequer, para quem o tema da desestatização e das privatizações, uma das propostas de governo de Collor, era um “tabu” indiscutível. Por outro lado, o apoio que ele
conseguiu na sociedade, do tipo do que foi expresso por Walfredo, era muito frágil, pouco
consistente e incapaz de conferir estabilidade a um governo que foi constituído a partir de
um programa de mudanças. A insatisfação com os “efeitos colaterais” de seu plano, como
o aumento do desemprego, a recessão e a volta da inflação, coroou-se com as denúncias
generalizadas de corrupção, que, juntas, iriam antecipar o fim do governo e a mais grave
crise política do país após o retorno da democracia. E a Câmara participou ativamente
desse desfecho.
Na verdade, em setembro de 1991, Otaviano de Carvalho, coerentemente com o
discurso fortemente moralizante do PT, já discursava na Câmara, apontando com indignação a corrupção, o banditismo e as falcatruas “praticadas pela senhora Rosane Malta de
Mello, à frente da LBA”.70
419
História da Câmara Municipal de Vitória
Todavia, foi apenas em 1992 que explodiram para valer as denúncias que iriam
propiciar o movimento “Fora Collor”. Em março daquele ano, Róbson Neves convidou
seus colegas para a manifestação programada pela CUT para o dia 13, sexta feira, na praça Oito, cujo lema era “Diga não a Collor de Melo”. Ele leu o manifesto da “Frente de
Oposição a Collor” em que se afirmava que o principal instrumento da crise era o governo
Collor e que todos os dias surgiam novas denúncias de corrupção envolvendo ministros,
assessores diretos e até mesmo suas famílias. Para Róbson: “Os mínimos padrões de responsabilidade e de idoneidade no trato da coisa pública são quebrados”, e era nesse quadro
que o PT, o PDT, PC do B e PSB criavam o Fórum Permanente de Oposição ao governo
Collor e à recessão, “objetivando criar um vasto movimento de oposição popular e democrático com atuação no campo institucional e social.”71
Otaviano de Carvalho, citando a revista Veja - uma publicação até hoje abominada por alguns por suas denúncias de corrupção nos governos -, mencionou os casos de
corrupção que envolviam os ex-ministros Alceni Guerra e Rogério Magri, a ex-presidente
da LBA e esposa do presidente, Rosane Collor, e a ministra Margarida Procópio pela construção de uma mansão em Teresópolis. Esses exemplos de imoralidade no trato da coisa
pública, segundo Otaviano, “tem mostrado ao povo a maior corrupção jamais vista em
outros governos”.72
Namy Chequer, da mesma maneira, fez severas críticas a Collor, afirmando que
os jornais e as revistas do país só estavam trazendo, em suas primeiras páginas, notícias
de irregularidades e falcatruas do presidente Collor, em parceria com seu amigo PC Farias, afirmando que “lá fora o senhor Collor também é taxado de ladrão.” Para concluir,
informou que Collor: “É mentiroso, o seu governo está desacreditado, restando apenas
ser substituído por outro.” Embora considerando essas palavras desrespeitosas com a pessoa do presidente, Anselmo Laranja, que afirmou ter votado em Lula no segundo turno,
considerou que Namy Chequer estava coberto de razão e que: “Pelas falcatruas, os roubos
e as sonegações que faz o senhor PC Farias, a sua condenação seria a pena de morte, se
ela existisse no país. Ninguém acredita mais no governo que aí está, porque é o governo
da corrupção e da desordem.”. Na continuação, Dermival Galvão também usou a tribuna
para dizer que “dentro em breve, o presidente Collor de Melo terá que renunciar porque
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
o que está sendo noticiado pela imprensa é por demais vergonhoso”. Contudo, o médico
Vereador aproveitou a oportunidade para lembrar que, na atual campanha, um candidato
a vereador, pelo PT, estava usando papel reciclado, que ele sugeriu ter sido subtraído da
CDV, um órgão da Prefeitura. Dermival perguntou então: “será que o PT está usando a
máquina administrativa para fazer campanha de candidatos à custa da CDV?”.73
Em 18 de agosto de 1992, Stan Stein afirmou que o Brasil havia assistido, na semana anterior, ao presidente Collor dizer, a propósito da apuração da CPI do Congresso
Nacional, que o processo movido contra ele “era uma armação de golpistas que queriam
roubar-lhe o mandato que o povo lhe outorgara”. E conclamou o povo a vestir-se com “as
cores verde e amarela, em protesto contra as acusações ao seu governo”. O povo, porém,
segundo Stan Stein, “insatisfeito com as corrupções de seu governo, no dia 16, domingo,
foi às ruas, vestindo-se de preto, com carros, faixas, num luto total, em quase todos os estados da federação, contra os desmandos, a corrupção do governo Collor...”74
O presidente Alexandre Buaiz Neto, em setembro de 1992, transformou a sessão
ordinária da Câmara em sessão solene para que os vereadores da Casa e de outras Câmaras,
também presentes como Domingos Tauffner, de Vila Velha, manifestassem, “simbolicamente”, em votação, apoio ao impeachment do presidente Fernando Collor, facultando
cinco minutos para os oradores que quisessem fazer uso da palavra. E o fizeram: Domingos Tauffner, Róbson Neves, Namy Chequer, Luzia Toledo, Walfredo das Neves, Otaviano
de Carvalho, Dermival Galvão Gonçalves, Adeilson Fraga, Gilsa Barcellos e Stan Stein. A
votação simbólica foi à unanimidade dos presentes: dezessete votos a favor do impeachment, incluindo-se aí o voto do Vereador de Vila Velha.75
No dia 29 de setembro de 1992, o impeachment foi de fato aprovado pelo Congresso Nacional, decretando-se o fim da curta “Era Collor”. A Câmara de Vitória participou com muita dignidade desse movimento político.
OPOSIÇÃO
Como vimos, no início deste capítulo, já na primeira sessão, Ary Bezerra sugeriu a
possibilidade de requerer o impeachment de Vítor Buaiz, em virtude da posição que o pre-
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História da Câmara Municipal de Vitória
feito estava assumindo diante do problema do IAVV, querendo, segundo ele, simplesmente
suprimi-lo pela “asfixia” financeira. Desde então, Ary fustigou diversos aspectos da administração do petista, mantendo-se sempre numa linha de coerência, mas sem agressividade.
Ary Bezerra, numa dada ocasião, ocupou a tribuna para contestar uma nota, publicada no jornal A Gazeta pelo Vereador Namy Chequer, em que este teria chamado todos
os vereadores de “safados” “por votarem projeto em escrutínio secreto”. Ary respondeu:
“Quero dizer ao Vereador que política se faz com educação; afinal todos os projetos vêm
aos vereadores para eles votarem Sim ou Não. Eu não sou safado, sou um cidadão brasileiro e primo nas minhas atitudes por uma só coisa: honestidade.” Aparteado por outros
vereadores e pelo próprio Namy Chequer, seguiu-se um rápido desentendimento que obrigou o presidente a suspender a sessão temporariamente. No retorno, Ary afirmou que se
o colega “tinha o direito de chamar de safados os vereadores”, também tinha ele o direito
de revidar e chamar “de safados aqueles que não votaram pela aprovação do projeto”. Segundo Ary: “É preciso saber fazer política, quando passaremos quatro anos nesta Câmara
e temos de ter uma convivência boa e honesta. Não acredito que o senhor Namy Chequer
estivesse em dia de bem com a vida.” Mas Ary ainda contou, de forma bem irônica, um
episódio recente que continha de fato uma crítica mordaz ao prefeito, informando que:
“Domingo, na missa das dezenove horas, na Catedral, o padre fez sermão e repreendeu o
prefeito, e com muita razão, por ele ter derrubado a igreja do Bairro da Penha, em terreno
que já é da Diocese de Maruípe. O que temos a fazer aqui? É dizer ao Bispo – vote no PT
– leve a gente a votar no PT, agora é chorar na cama que é lugar quente.”76
Em agosto de 1989, Róbson Neves fez questão que fosse registrado em ata “ipsis
verbis” a “Nota de Desagravo”, publicada em A Tribuna, na qual as lideranças e dirigentes
do PT diziam prestar apoio a Otaviano Carvalho “acusado levianamente pelo Vereador
Ary Bezerra, desta capital, de ser “o seu informante sobre erros do partido [PT] na condução da Prefeitura de Vitória.” Continuava a nota: “O companheiro Otaviano tem o nosso
respeito e merece toda a nossa confiança, pois a sua conduta partidária é marcada pela
dedicação constante na construção do PT. A clara intenção do Vereador leviano é de causar contradições internas no interior de nosso partido, como se o PT fosse uma estrutura
fisiológica e mesquinha – características marcantes dos partidos burgueses, a exemplo do
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
PFL. Nosso partido (PT) tem a sua democracia interna e as suas divergências são tratadas
nas instâncias próprias.”77
Na sessão seguinte, porém, Ary Bezerra usou a tribuna para afirmar que os jornais haviam noticiado que ele dissera que o Vereador Otaviano Carvalho era “dedo-duro”,
e lhe passava informações. Ary contestou a notícia, afirmando que o jornalista usara de
“mau-juízo”, e que ele nunca dissera que Otaviano era “dedo-duro”. Otaviano Carvalho,
contudo, teria lhe dito, isto sim, e Claudionor Lopes Pereira e Pedro Luiz Corrêa estavam
presentes e poderiam confirmar, “que 20% dos cargos comissionados de Vila Velha, foram dados ao prefeito Vítor Buaiz; não sei se o Vereador Otaviano Carvalho falou por
brincadeira, ou o que quis dizer com isso; tenho certeza de que não mentiria, porque é um
homem autêntico. O que existe, senhores vereadores, é que dentro do PT existem facções;
a facção do prefeito não gosta do Vereador Otaviano, e a facção do Vereador Otaviano não
gosta do prefeito; veem, V. Ex.as, ninguém sabe quem manda, como brigam as facções; a
Prefeitura está um caos.”78
Otaviano, obviamente, negou ser verídica a informação prestada por Ary, mas
expressou o ponto de vista de que alguns vereadores “teimam em manter o papel antigo,
de o vereador intermediar obras, arrumar e defender empregos; o PT já manifestou a sua
discordância desse conceito e prática, a função do Vereador é estar presente nas lutas populares e legislar no interesse da população.”79
Os vereadores mais críticos atribuíam a essas divergências internas do PT
não apenas o “caos administrativo” que vigoraria na Prefeitura, mas também as próprias
dificuldades iniciais no relacionamento do prefeito com a Câmara. Teteco se referiu ao
“descontentamento com o que acontece no relacionamento entre o poder Executivo, o poder Legislativo e as comunidades”, atribuindo-o ao fato de que o município “foi colocado
em segundo plano e têm prioridade os problemas internos do Partido dos Trabalhadores”.
Para ele, não adiantava “continuar nesse radicalismo do PT, que não levará absolutamente
a nada; não confundir politização com fanatização: nem todo burro é fanático, mas todo
fanático é burro(...) é muito mais fácil administrar o município de Vitória do que o PT.”80
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História da Câmara Municipal de Vitória
Seis meses depois da posse de Vítor Buaiz, Ary Bezerra ainda dizia que havia
percorrido vários bairros, a saber: Forte São João, Bonfim, Bairro da Penha, Morro do
Romão e Fradinhos e que até então “nada foi feito”, e a causa disso lhe parecia óbvia: “o
prefeito, no meio das facções do PT, é o último que fala e o primeiro que apanha; não tem
condições para dizer que quer uma obra. Não adianta os vereadores irem ao gabinete do
prefeito, porque as obras só serão feitas por solicitação dos vereadores do PT. Nós vamos
nos desmoralizar aqui, se não dermos um freio no prefeito, neste plenário; o que ele quer
fazer é a campanha de Lula, e dentro da Prefeitura tem um comitê pró-Lula; e falavam
tanto contra outros partidos.”81
Essas denúncias levaram Ary a afirmar, em outubro de 1989, que: “Senhor prefeito, uma CEI está aberta, vamos mostrar a corrupção na Prefeitura, corrupção denunciada
pelo Vereador Otaviano de Carvalho; lamentável que ocorra na Prefeitura, com o PT, que
só tem demagogia e, na maior parte, de mentirosos. O povo que votou em Vítor Buaiz
hoje está horrorizado com esta administração que nada faz por Vitória, que só veio para
atrapalhar o crescimento da cidade.”82
Claudionor Lopes Pereira, foi outro Vereador que sempre manteve uma postura
de oposição “sistemática” ao governo do PT, veterano de oito mandatos consecutivos, e
vivia então o final de sua carreira política como Vereador. Diante de supostas irregularidades, ocorridas no concurso para professor da Prefeitura, ele lembrou que já tinha havido
vários pronunciamentos, sugerindo e requerendo a instalação de uma Comissão de Inquérito para apurar o fato, porém o que lhe causou surpresa foi que “quando se trata de comissão contra o Executivo, contra o PT, a imprensa não diz nada, porque está no ‘cocho’,
a faturar dinheiro alto, mas fosse um Vereador do PT a requerer Comissão para apurar
irregularidades no IAVV, essa imprensa facciosa, cheia de ‘xiitas’ do PT, faria um alarde.
Digo em alto e bom som ao povo de Vitória: estão largando dinheiro a rodo, mas eu não
estou no ‘cocho’ do PT, fui eleito para fazer oposição e, quem souber de irregularidades na
Prefeitura, casos concretos, traga-me, que vou denunciá-los desta Câmara, e, se possível,
tomaremos outras providências, porque é uma vergonha.”83
Quando já se estava no terceiro ano da administração Vítor Buaiz, em março de
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
1991, Toninho Loureiro advertiu que o município tinha “recursos suficientes para fazer
todas as obras necessárias”. No entanto faltava competência à administração do PT, visto
que, segundo ele, “as várias facções não deixam a administração trabalhar, vemos a briga
infernal de uma ala contra outra a favor de secretários.”84
Posteriormente, confirmando em parte a denúncia de Toninho Loureiro e de
outros colegas seus, Róbson Neves ocupou a tribuna para fazer um pronunciamento, em
que ele mesmo admitiu “preferia não estar incluindo na minha trajetória política”. Ele desempenhara seu papel como líder do partido na Câmara, “conseguindo manter um nível de
governo coletivizado, onde a sociedade participava dele diretamente, por meio do Legislativo e das comunidades organizadas”. Róbson acrescentou, porém, que: “agora assistimos
ao triste desfecho político na relação PT e administração municipal. Quatro secretários se
exoneraram do governo porque não encontraram nele espaço político de dever e de direito
do partido, do PT. Aquilo que em princípio era regra democrática, ou seja, caber ao partido e ao prefeito governar Vitória, virou letra morta(...) O prefeito tem a sua autonomia,
mas não deve nunca virar as costas ao partido que sustentou a sua eleição. Porque sem
o PT jamais o prefeito Vítor Buaiz teria chegado à PMV(...) Se a administração contraria
frontalmente o partido, contraria a mim diretamente. Estou com o partido porque acredito
nele.”85
Aproveitando a “deixa” de Róbson Neves, Claudionor Pereira lamentou a sua
renúncia e o cumprimentou por ter “respeitado a oposição”, entretanto, perguntou: “quem
sozinho quer administrar Vitória? O senhor Vítor Buaiz ou o PT? O senhor Vítor Buaiz
não é prefeito do PT, nem da Frente Vitória, acima do PT e da Frente Vitória é prefeito de
Vitória; foi eleito pelo povo de Vitória, por muitos cidadãos que não pertencem ao PT nem
à Frente Vitória por acharem o senhor Vítor Buaiz um homem digno de assumir as rédeas
da Prefeitura de Vitória. Senhores vereadores, nem Vítor Buaiz nem o PT estão administrando a cidade de Vitória, e a prova evidente está no problema do IPTU; não fosse essa
Casa levantar-se contra essa extorsão na cobrança do IPTU, não fossem os vereadores, o
povo estaria amargando esse imposto altíssimo, inconstitucional do prefeito, do PT, da
Frente Vitória.”86
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História da Câmara Municipal de Vitória
O IPTU, de 1991, veio com acréscimos substanciais, e a oposição se mobilizou
para impedir a efetivação de sua cobrança. Para Edson Rodrigues Batista, o aumento do
IPTU foi até de “dezoito mil por cento, quando a inflação não ultrapassara os 1.794,84%”
(sic!). Para ele, todo aumento superior à inflação teria que ser aprovado por lei, no Legislativo, o que não ocorrera.87
Walfredo das Neves classificou a cobrança como um “escândalo” uma vez que
havia evidentes erros de cálculo, e conclamou os contribuintes para que viessem ao seu gabinete para anulá-lo. Anselmo Laranja considerou o aumento como “abusivo” e a cobrança
como “distorcida”, apenas, segundo ele, “para satisfazer a sede insaciável de arrecadar da
atual administração, da administração petista, que como lobos famintos, quer se manter no
poder com o sacrifício da nossa população, para na última hora realizar as obras eleitoreiras para fazer o sucessor de Vítor Buaiz”. Laranja lembrou que, numa matéria publicada
no jornal A Gazeta, a administração alegara que os valores dos imóveis estavam “defasados
há vinte anos”. Ele advertiu ainda que, “quando [isso ocorre] por erro da administração
o contribuinte não deve pagar, num único ano, a atualização desse valor”. Laranja citou o
caso de um imóvel avaliado em “seiscentos mil cruzeiros, no ano anterior, e que este ano
foi reavaliado por vinte e três milhões de cruzeiros”, para ele, com esse aumento “o proprietário carente, pobre, terá de vender o seu imóvel para pagar o IPTU, ou ter seu nome
maculado e tornar-se inadimplente por não ter condições de arcar com a responsabilidade
de pagar o imposto do seu imóvel supervalorizado, como supervalorizados estão todos os
impostos de alíquotas acima do valor.” Até mesmo o petista Otaviano Carvalho admitiu
que “houve erros grosseiros no cálculo do valor dos imóveis”, mas, como era de seu feitio,
ele aproveitou para dizer que competia à Câmara “colocar a Comissão para trabalhar e os
vereadores cumpram suas funções, para isso ganham muito bem.”88
Uma linha mais moderada e menos sistemática, mas igualmente crítica e de muito
bom nível, foi a postura que o Vereador Anselmo Laranja manteve diante da administração do PT. Abordando uma reportagem veiculada na coluna “Praça Oito”, do jornal
A Gazeta, em que se dizia que o “modo petista de governar pressupõe uma política de
alianças, não no sentido apenas eleitoral, mas numa dimensão de ampliação de um projeto
democrático e popular”, Anselmo afirmou: “Tudo que apregoa o PT, faz o contrário em
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
sua administração. A Prefeitura de Vitória gasta milhões e milhões de cruzeiros com o
pagamento a firmas particulares para o serviço de limpeza pública, quando o serviço poderia ser feito pela própria administração. Pagamento em aluguel de carros, que daria para
compra de outros veículos para a Prefeitura.”89
Essa “moderação” de Anselmo, porém, não foi suficiente, para evitar que ele
tivesse em plenário, alguns dias depois e por outros motivos, um “bate-boca” lamentável, com seu colega Ferreira Neto, que, segundo o jornal A Gazeta, “quase termina em
morte”. Após a discussão em plenário, no “cafezinho”, os dois continuaram a discussão
com acusações mútuas, e Ferreira Neto teria lançado um copo de café em Anselmo que
“tentou arrombar a porta da sala da presidência para atacar Ferreira Neto com um facão,
que guardava em seu carro. Para não ser atingido Ferreira teve de pular a janela de um banheiro. Ferreira procurou a Polícia para apresentar queixa.” E por entender que o clima na
Câmara estava “péssimo”, o presidente Alexandre Buaiz Neto determinou a abertura de
uma Comissão de Inquérito “para apurar os fatos” e enviar as conclusões para a Justiça.90
O problema dos gastos, entretanto, continuava no centro das divergências. No
entendimento da oposição, a Prefeitura dispunha de muitos recursos, contudo eles eram
gastos muitas vezes em obras “desnecessárias”. Foi isso o que afirmou Adeilson Fraga,
quando fez críticas à administração municipal “por não estar atendendo às reivindicações
dos vereadores para que as obras prioritárias dos bairros sejam realizadas; investindo verbas vultosas em obras desnecessárias e em bairros luxuosos da cidade.”91
Em maio de 1992, porém, já bem perto do encerramento da legislatura, o presidente Alexandre Buaiz Neto convidou “a deputada Brice Bragato, do PT, a tomar acento à
Mesa”, e registrou “a presença no recinto da senhora Iriny Lopes, presidente Regional do
PT”. Em seu discurso, Róbson Neves comunicou que estava reassumindo a liderança do
PT na Câmara, e comentou ainda que havia exercido a função antes, mas “devido a divergência partidária passou a liderança ao Vereador Namy Chequer, do PC do B”.92
E, de fato, em março de 1991, Róbson Neves havia deixado a liderança de Vítor
Buaiz, por decisão do diretório municipal do partido, com fortes críticas à administração.
427
História da Câmara Municipal de Vitória
Na ocasião, Neves havia denunciado a exoneração de quatro secretários do governo municipal, e que “uma parcela minoritária do partido, usando externamente do discurso de
autoridade do prefeito, arrogou para este e aos seus colaboradores mais diretos a tarefa de
formular equipe e políticas para o município”.93
Róbson Neves continuou, todavia, seu discurso, afirmando que, “com a escolha
de sua bancada, volto no firme propósito de bem desempenhar a função de líder, contando
com a colaboração de todos os senhores vereadores na aprovação de matérias de interesse
do povo.”94
Esse discurso indica que o relacionamento entre a Prefeitura e a Câmara, como
um todo, evoluíra bastante, desde o seu início conturbado, para uma situação de relativo
“entendimento”. E foi isso o que manifestou, na mesma ocasião, o irrequieto Walfredo
das Neves, do PMDB, dizendo que concordava com as palavras de Vítor Buaiz no tocante
à existência “de harmonia entre os poderes Legislativo e Executivo”. Stan Stein felicitou
Róbson Neves para dizer-lhe também que a bancada de seu partido, o PSDB, sempre contribuiu para a aprovação de projetos oriundos do Executivo, quando do interesse do povo,
e que “tudo faria para que continuasse havendo a necessária harmonia entre os poderes”.
No mesmo sentido se manifestou Dermival Galvão, do PDT.95
Em síntese, esse “entendimento” significa que as principais forças políticas, representadas na Câmara, estavam alinhadas com o prefeito Vítor Buaiz, mas, ao mesmo
tempo, não indicava que ele não contasse com mais oposição na Câmara. Alguns vereadores se mantiveram, praticamente desde o início até o fim da legislatura, como críticos de
vários aspectos de sua administração. E nenhum Vereador se destacou mais, nesse plano,
do que Ary Bezerra.
O SALÁRIO DOS VEREADORES
Otaviano de Carvalho vinha abordando o “problema” dos salários dos vereadores desde o início de seu mandato. Em junho de 1989, ele afirmou que tratava desse tema
porque ele “já começa a tomar as páginas dos jornais capixabas”, ou seja, divulgavam “a
proposta de alguns vereadores de aumentar os seus próprios salários”. Partindo do princí-
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
pio de que “já somos uma parcela privilegiada da sociedade”, e de que existia “uma grande
diferença” entre os subsídios dos atuais vereadores com relação aos salários que eles ganhariam “se estivessem ligados à produção”, e de que “já ganhamos muito bem”, Otaviano
concluía que era “inadmissível aumentar-se hoje os subsídios dos vereadores.”96
Em abril de 1990, porém, Róbson Neves usou a tribuna para informar que estava
“surpreso” com o aumento de 84,32% concedido pelo presidente da Câmara, Adelson
Álvares Ribeiro, aos subsídios dos vereadores, e que estranhava “muito” que o mesmo
aumento não tivesse sido concedido também aos servidores da Câmara. Róbson ainda
assegurou que a diferença seria devolvida pelos vereadores do PT. E isso foi o suficiente
para Ary Bezerra dizer que a bancada do PT na Câmara “é de demagogos, porque eles são
os primeiros a ir ao cofre receber os subsídios; vão devolver o dinheiro ao senhor prefeito,
mas porque não doam o dinheiro para uma casa de caridade?”97
Essa colocação do Vereador pefelista produziu um dos piores momentos da Câmara nessa legislatura, com ocorrências que foram retratadas com muito alarde e ênfase
na imprensa.
Contestando o fato de o prefeito Vítor Buaiz ter afirmado não possuir recursos
suficientes para o pagamento integral do reajuste, Ary Bezerra começou a agredi-lo verbalmente, deixando, segundo A Gazeta, “perplexos os populares que acompanhavam a
sessão”.98Ary afirmou: “Vitinho, você tem que tomar porrada para aprender a lidar com
homem. Se eu te pego de morro abaixo, te casso”. Completamente descontrolado, Ary
lembrou a ocasião em que o prefeito o mandou se “vestir de havaiana e desfilar na praça
Costa Pereira com uma melancia na cabeça”. Para Ary: “Ele não deveria ter feito aquilo”,
acrescentando ainda que: “Vitinho, você vive de prisão de ventre. Faz uma força desgraçada e não obra. Vai lavar esta cara, Vitinho. Você falando e um urubu voando é a mesma
coisa”.99
Usando o microfone de aparte, o peemedebista Walfredo das Neves, “apoplético”, segundo a matéria de jornal, procurou acusar não somente os petistas, mas todos
aqueles vereadores que devolveriam o dinheiro, dizendo que eles eram “demagógicos” e
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História da Câmara Municipal de Vitória
“comem do mesmo cocho que os demais parlamentares, porque também terão, ao final de
quatro meses, um reajuste de 84,32%. Se existe porco aqui, todos somos”. Mas, somente
quando Walfredo afirmou que todos os vereadores da Frente Vitória eram “interesseiros”
e só pensavam em “retorno eleitoral”, o “clima” ficou realmente tenso. Irritado com as
acusações, Teteco do Vale levantou-se de sua cadeira para, em tom grave, criticar Walfredo,
fazendo-lhe várias acusações.100
Nesse momento, segundo o mesmo jornal, deixando o microfone de apartes,
Walfredo partiu para cima de Teteco, gritando bastante, totalmente sem controle, que:
“Você é um sem-vergonha. Diz que não é, se for homem. Você é sem-vergonha. O povo
precisa saber que você é um ladrão da CDV”.101
Essa reportagem, demasiado negativa para a Câmara, foi igualmente intensamente criticada por alguns vereadores. O próprio Walfredo classificou a imprensa capixaba
de “caluniosa, comprada, mafiosa e formada por picaretas”. Claudionor Lopes Pereira
afirmou mesmo que: “Quando é para falar bem dos vereadores a imprensa não se manifesta, mas quando é para alimentar fofocas, ela é a primeira que aparece na Câmara.” Esses
vereadores consideravam que a imprensa estava sendo conivente com a demagogia dos
petistas, que haviam devolvido a diferença salarial.102
Diante das repercussões extremamente negativas que a notícia do aumento sofria
na imprensa, o presidente da Câmara, Adelson Álvares Ribeiro, do PFL, fez questão de
esclarecer que “não se tratava de um aumento, mas de uma reposição de salário, o pagamento de um resíduo salarial”. E o próprio Róbson Neves admitiu que o presidente Collor
de Mello “roubou esses 84,32% dos trabalhadores e os vereadores acham-se com o direito de dar esse índice”. Defendiam que o aumento igualmente fosse dado ao restante do
funcionalismo, porém, segundo Róbson, isso era apenas “para justificar à opinião pública
o porquê do aumento dos vereadores”. A esse protesto de Róbson Neves juntou-se o de
Namy Chequer, para quem o pagamento da reposição era uma “ilegalidade”.103
A divergência do PT com seus colegas da Câmara, entretanto, não ficou por aí.
Em maio de 1990, a Câmara rejeitou projeto de lei, de autoria da bancada petista, redu-
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
zindo o recesso parlamentar de noventa para trinta dias, instituindo sessões nas segundas-feiras e sextas-feiras, além do aumento da duração das sessões, que passaria de três para
quatro horas. Entre os vereadores dos outros partidos apenas Namy Chequer, do PC do
B, Teteco Queiroz do Vale, do PMDB e Edson Batista também do PMDB votaram a favor
dessas propostas. Quanto ao primeiro ponto, o da redução das férias, já havia sido estabelecido, na nova Lei Orgânica do Município, redigida na Constituinte Municipal, que as
férias seriam de noventa dias.104
O desgaste do Legislativo aumentou ainda mais quando surgiram denúncias de
que alguns vereadores estavam tirando licenças médicas de cento e vinte dias apenas para
beneficiar os suplentes, que assumiam em seus lugares. Os suplentes passavam a receber o
salário integral, mas o titular também continuava recebendo o seu. O presidente Adelson
Álvares Ribeiro admitiu que essa situação “causa desgaste para o Legislativo”, e que “poderemos ter ao invés de 21 eleitos 42, caso a moda de licença pegue”. Adelson, entretanto,
da mesma forma lançou uma ameaça afirmando que: “Se tivesse poder, decretaria o fechamento da Câmara e entregaria as chaves para o prefeito Vítor Buaiz”.105Em reportagem de
agosto de 1991, no entanto, mostrava-se que a Câmara tinha vinte e um vereadores, mas
pagava salários a vinte e cinco.106
Poucos meses após, ante a possibilidade de ser conferido um novo aumento, de
44% para os vereadores, a bancada petista protestou, alegando que se tratava de uma “casta
de privilegiados”, e que iria tentar movimentar 5% do eleitorado de Vitória, para conseguir a aprovação de uma lei, vinculando o salário dos vereadores ao do funcionalismo. De
acordo com Gilsa Barcelos, “não vamos ficar somente nisto. Pretendemos impor que a
melhor fórmula será que os salários dos vereadores, seja na base de quinze vezes o menor
salário.”107
Todavia, por ordem da justiça, o aumento de 44% acabou mesmo acontecendo, em julho de 1990, e cada Vereador passou a ganhar cerca de 344 mil cruzeiros, bem
acima do salário dos deputados estaduais, que ainda era de cerca de 220 mil cruzeiros, o
que repercutiu intensamente na imprensa.108E a manchete estampada no jornal A Gazeta,
poucos depois, foi “O PT entrou com ação contra o aumento dos vereadores”.109Uma
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História da Câmara Municipal de Vitória
pendência judicial, com fortes danos à imagem da Câmara, se instituiu a partir de então.
Em novembro de 1991, contudo, o mesmo jornal A Gazeta voltou a afirmar que: “Vereador de Vitória ganha mais do que deputado”.110
A reincidência da crítica obrigou o presidente da Câmara Alexandre Buaiz Neto a
emitir nota de esclarecimento em que admitia que era “imperioso reconhecer que os salários percebidos atualmente pelos senhores vereadores são de fato elevados, considerando-se sobretudo a drástica realidade nacional, onde a maioria esmagadora da classe trabalhadora recebe salários incompatíveis com a dignidade humana.” Buaiz Neto, no entanto,
consolou os cidadãos com a informação de que a Câmara havia aprovado, por unanimidade, “princípios claros e definidos para o reajuste salarial do poder Legislativo”, que seriam
“idênticos aos do funcionalismo público municipal, inclusive dos excelentíssimos senhores
prefeito e vice-prefeito de Vitória.”111
Em uma reunião, realizada após esse pronunciamento, o mesmo Alexandre Buaiz
Neto propôs simplesmente a “extinção do salário de vereadores” e a realização de sessões
noturnas, pois: “Com isso todos poderão desenvolver suas atividades normais durante o
dia, abrindo mão dos salários”. A bancada do PT apoiou a proposta.112
No entanto, parece que a proposta não foi aceita pelos demais vereadores, visto
que no mês seguinte foi anunciado um novo aumento dos salários, que passaram para 3,9
milhões de cruzeiros, e essa situação levou o presidente Alexandre Buaiz Neto a declarar:
“Enquanto não se decidem, sou obrigado a pagar.”113
O polêmico aumento dos vereadores igualmente ajudou a intensificar as críticas
aos gastos globais com a Câmara Municipal, que passaram a ser apontados como uma parcela significativa e desmedida da receita do município. A alegação era a de que a Câmara
estava “usando mal” a autonomia concedida pela Constituição de 1988, reduzindo com
seus gastos a capacidade de investimento do município, que, em virtude disso, deixava de
atender às necessidades fundamentais dos eleitores, como a educação e a saúde. Uma das
manchetes de A Gazeta, por exemplo, estimou que as Câmaras municipais, de uma maneira geral, gastavam até 25% da receita de seus municípios. Todavia, na mesma matéria, em
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
entrevista concedida por Vítor Buaiz, e pelo vice-prefeito Rogério Medeiros, eles informaram que o orçamento da Câmara de Vitória para o ano de 1991 era de cerca de trezentos
milhões de cruzeiros, o que representava apenas 2,3% do Orçamento do município.114
Entretanto, isso não arrefecia a postura “crítica” da imprensa contra a Câmara.
Em matéria, de dois de junho, o mesmo jornal voltou a afirmar que: “Vereador ganha até
100 mil por hora de trabalho”. A matéria informava que “Os vereadores de Vitória são
marajás”, afirmação essa que teria sido feita por Róbson Neves. Para exemplificar essa informação citaram o caso de vereadores que chegavam a ganhar até 100 mil cruzeiros por
hora trabalhada em plenário, entretanto essa comunicação se referia, supostamente, aos
vereadores de São Mateus e não aos de Vitória. O dano principal, o da imagem, contudo,
ficava com os vereadores de Vitória.115
UMA CÂMARA “INSOSSA”
A décima primeira legislatura foi a responsável pela atuação da Constituinte Municipal, encarregada de elaborar uma nova Lei Orgânica para o município de Vitória. Formada por alguns dos seus vereadores e presidida por Dermival Galvão, a Constituinte teve
o seu Regimento Interno aprovado em 23 de outubro de 1989.116
Todavia, em fevereiro de 1990, Róbson Neves denunciou, na tribuna, que a Constituinte não andava “porque os vereadores querem receber pelo trabalho.”117E talvez tenha sido por esse motivo que ao resenhar seu mandato, já no fim dele, Dermival Galvão
Gonçalves, que não havia se reelegido, agradeceu apenas à colaboração do colega Edson
Rodrigues Batista na elaboração da Lei Orgânica, sequer mencionando os outros colegas
da Constituinte.118
A Constituição de 1988 havia determinado e previsto que as Câmaras Municipais
de todo o país deveriam transformar-se em Constituintes Municipais, com a finalidade de
elaborarem, no prazo de seis meses, uma nova Lei Orgânica do Município. Em janeiro de
1990, com seus trabalhos completamente atrasados, a Constituinte de Vitória andava com
muita lentidão e embaraços de toda ordem. Além da pouca participação popular na Constituinte, o PT havia apresentado uma proposta “pronta e acabada” de Lei Orgânica que foi
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História da Câmara Municipal de Vitória
desdobrada e distribuída entre as comissões temáticas. Isso obrigou o prefeito Vítor Buaiz
a advertir que os vereadores não deveriam “pensar em fazer uma lei para a administração
do PT, mas para a cidade de Vitória”. Vítor temia que a nova Lei Orgânica comprometesse
completamente o Orçamento municipal, e inviabilizasse a administração.119
Outros vereadores foram acusados de apresentar emendas com objetivos puramente pessoais e eleitoreiros como, por exemplo, a da gratificação dos vereadores, a da
efetivação de funcionários celetistas da Prefeitura, e a da concessão de 20% de abono para
os funcionários que se aposentassem.120
Em abril de 1990, a Lei Orgânica foi finalmente aprovada, com a inclusão da efetivação de novecentos e oitenta servidores, que haviam conseguido a estabilidade através
da chamada “Lei Berredo”. Apesar do voto contrário da Frente Vitória essa emenda foi
aprovada.121
Um ano depois, entretanto, a Câmara ainda não havia votado o seu Regimento
Interno, apesar de a Lei Orgânica haver determinado que isso se deveria fazer no prazo
de seis meses. E somente com aprovação desse Regimento algumas das novidades positivas da Lei Orgânica poderiam ser realmente efetivadas na prática. Uma delas instituía
a chamada Tribuna Livre na Câmara, pela qual se permitia a manifestação popular nas
sessões do Legislativo; outra inovação era a transformação da Mesa Diretora da Câmara
num colegiado; a criação do colégio de líderes de partido; também se admitia os projetos
de iniciativa popular com proposta assinada por 5% do eleitorado; estavam previstas as
consultas populares por 5% da população; da mesma forma foi aprovado os 35% para a
Educação; criou-se um Conselho Municipal na maioria dos setores da administração; e
instituiu-se a eleição direta para diretor de escola. Todas essas medidas inovadoras precisavam, no entanto, de regulamentação, mas isso só poderia ocorrer com a aprovação do
novo Regimento Interno, o que não havia acontecido até aquela data. 122
Assim, em 1992 a décima primeira legislatura caminhava para o seu final, mas os
vereadores mostravam-se cada vez mais preocupados com as eleições, que se realizariam
no final do ano, para a renovação da Prefeitura e da Câmara. Estava em jogo o futuro po-
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
lítico de todos.
E como consequência desse fato, o empenho dos vereadores no trabalho legislativo era cada vez menor. Walfredo das Neves foi um dos primeiros a denunciar essa situação,
lamentando haver no plenário, no momento em que fazia o seu discurso, apenas três vereadores. Ele lembrou a promessa que os vereadores haviam feito, no início do mandato, no
sentido de que eles iriam “renovar e moralizar” a Casa. Mas, segundo ele, “o que se vê e o
que se tem é uma Câmara insossa: sem credenciamento de uma rádio para a retransmissão
da fala dos senhores vereadores, sem um serviço taquigráfico para feitura de atas ipsis verbis do que se fala e discute nesta Casa.”123
Em um contexto como esse os problemas relativos à composição da Câmara, e ao
seu funcionamento interno, passaram a chamar a atenção dos poucos vereadores que ainda
se dedicavam ao trabalho na Câmara. Stan Stein, por exemplo, se mostrou sensibilizado
com um artigo publicado na imprensa se referindo ao número excessivo de vereadores na
maioria das Câmaras. O ex-presidente da Casa, Adelson Álvares Ribeiro, citando o grande
número de pessoas que ligavam para o seu programa de Rádio criticando o número excessivo de vereadores, comentou o projeto de seu colega José Esmeraldo de Freitas, reduzindo esse número de vinte e um para quinze vereadores. Mesmo admitindo ter assinado
o projeto de Esmeraldo, Adelson concluiu que o número deveria aumentar para vinte e
cinco.124
Uma crítica semelhante partiu de Dermival Galvão, dirigida à própria Mesa Diretora e especialmente à atuação da presidência da Casa, então sendo exercida por Alexandre
Buaiz Neto. Para Dermival, a presidência não estava cumprindo a promessa, feita no início
do seu mandato, “de moralizar o Legislativo municipal”. Afirmava que a atual administração “é uma bagunça e está repercutindo lá fora, dando a entender que esta Casa está acéfala. O povo precisa tomar conhecimento do que faz o Vereador, mas a Presidência, num
método de total incompetência, não mais permite que a fala do Vereador seja retransmitida
pelo rádio, como antes era feito; e não há divulgação do seu trabalho pelo jornal, mesmo
por pequeno que seja. O presidente cruza os braços e fecha os olhos, e isso faz demonstrar
total irresponsabilidade. Se a Mesa Diretora não tem competência de bem administrar que
435
História da Câmara Municipal de Vitória
renuncie. Na sessão passada não houve a parte destinada à ordem do dia, por não ter papel
na xerox; incompetência administrativa, principalmente do superintendente administrativo
da Câmara. Nos banheiros não têm papel, sabonetes, e nota-se o mau-cheiro devido à falta
de dinheiro, que faça uma reunião com os vereadores, expondo a todos, indistintamente,
o aflitivo problema.”125
A falta de quórum era outro problema que já estava se tornando crônico. Essa
questão foi denunciada por Edson Rodrigues Batista, dizendo que seus colegas “deixam
o plenário em total desrespeito ao orador”.126Já o seu colega José Ferreira da Costa Neto,
mais conhecido como “Ferreira Neto”, que era, e ainda é jornalista esportivo, e se destacou na Câmara por defender o esporte amador e a importância do esporte na formação
da juventude, afirmou que na gestão do presidente anterior “pelo menos havia um pouco
de ordem; o que se verifica atualmente é que o superintendente administrativo da Casa,
manda mais que o presidente, e tem os vereadores como pés-de-chinelo”.127
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta Legislatura foram sancionadas 335 leis, classificadas da seguinte forma:
01. Estrutura Organizacional, Conselho: 14
02. PDU – Plano Diretor Urbano, Meio-ambiente: 31
03. Tributos, isenções, correções, taxas, anistia: 15
04. Utilidade pública: 1
05. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas, bairros e prédios públicos: 144
06. Cargo público, gratificação, salário, vencimento, diária, acordo coletivo: 20
07. Pessoal, aposentadoria, IAVV, plano de cargos e salários, vale transporte: 19
08. Orçamento, orçamento plurianual: 24
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A Décima Primeira Legislatura 1989-1993
09. Contrato, convênio, acordo: 9
10. Cidade irmã, datas comemorativas, prêmios: 4
11. Patrimônio Municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, alienação, doação,
licenças, licitação: 8
12. Posturas: 9
13. Educação: 6
14. Transporte: Coletivo, taxi: 15
15. Necrópole: 1
16. Operação de Crédito, Crédito especial: 3
17: Contribuição de melhoria, subvenção e auxílio: 4
18. Obras: 2
20: Saúde: 6
21. Cultura: 1
22. Esportes: 1
E algumas das leis mais importantes e significativas foram as seguintes:
 LEI 3566, de 3 de janeiro de 1989: Cria a Reserva Ecológica Municipal
Restinga de Camburi.
 LEI 3569, de 19 de janeiro de 1989: Cria a Reserva Ecológica Municipal da
Pedra dos Olhos, no Bairro Fradinhos.
437
História da Câmara Municipal de Vitória

LEI 3601, de 22 de junho de 1989: Disciplina a publicidade e propaganda
da PMV.
 LEI 3640, de 28 de dezembro de 1989: Autoriza a criação do Conselho
Municipal de Entorpecentes – COMEN.

LEI 3711, de 9 de janeiro de 1991: Institui e regula o Fundo Municipal de
Saúde.
 LEI 3712, de 17 de janeiro de 1991: Cria e regula o Conselho Municipal de
Saúde de Vitória.

LEI 3730, de 5 de junho de 1991: Institui o Projeto Cultural Rubem Braga.

LEI 3736, de 11 de junho de 1991: Cria o Banco de Sangue Municipal.
 LEI 3751, de 5 de novembro de 1991: Cria o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Fundo da Infância e da Adolescência. Cria Conselhos Tutelares.
 LEI 3763, de 27 de dezembro de 1991: Cria o Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Vitória. Cria o Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia.
 LEI 3769, de 15 de janeiro de 1992: Cria o Conselho Municipal de Defesa
do Consumidor.
 LEI 3780, de 3 de fevereiro de 1992: Cria o Instituto Municipal de Defesa
do Consumidor – PROCON/VITÓRIA.

438
LEI 3788, de 18 de fevereiro de 1992: Cria a Escola de Artes FAFI.
CAPÍTULO XII
A DÉCIMA SEGUNDA
LEGISLATURA 1993 - 1997 A gestão de Paulo Hartung A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
QUASE UMA UNANIMIDADE
O aparente “sumiço” do livro de atas referente ao primeiro semestre de 1993 nos
impede de elencar com precisão os vereadores que foram realmente eleitos como titulares
para esta legislatura.
Todavia, em agosto de 1993, portanto mais de seis meses após o início dos trabalhos da legislatura, exerciam o mandato na Câmara os seguintes vereadores: Silvio Lopes Pereira, Antônio Smith, Ademir Cardoso, Agnaldo Goldner, Alexandre Buaiz Neto,
Ferdinand Berredo de Menezes, João Pedro de Aguiar, Pedro Luiz Corrêa, Perly Cipriano,
Huguinho Borges, Jair de Oliveira, José Carlos Lyrio Rocha, José Coimbra, José Esmeraldo
de Freitas, Jurandy Loureiro, Luzia Toledo, Namy Chequer, Nenel Miranda, Otaviano de
Carvalho, Sandro Carioca e Toninho Loureiro.01
Na eleição da Mesa para os dois primeiros anos dessa legislatura, segundo entrevista concedida pelo Vereador Toninho Loureiro, existiam dois grupos disputando a supremacia: o grupo liderado por Stan Stein, que pretendia ser o presidente, e o outro, liderado
por José Esmeraldo de Freitas. Para evitar o “racha” na Câmara, o prefeito Paulo Hartung
interveio pessoalmente na discussão, conversando com os membros dos dois grupos e
sugerindo que um outro candidato fosse escolhido: o do próprio Toninho Loureiro, cujo
nome teria sido aprovado por unanimidade. Na opinião do ex-presidente, o seu nome foi
o escolhido por ser ele “uma pessoa tranquila e pacata que tinha bom relacionamento com
todos. Não tinha posições ideológicas rígidas e visava principalmente ao atendimento das
reivindicações da comunidade”.02
Toninho Loureiro, hoje com cerca de sessenta anos, nasceu no bairro da Gurigica
e se tornou líder comunitário no bairro de Bonfim. Seu pai vendia carne de porco fresca
e salgada na feira da Marechal Campos. Ele ajudava o pai e a mãe desde cedo. Depois da
morte precoce do pai, porém, ocorrida quando ele tinha pouco mais de dez anos, tornou-se auxiliar de sua mãe no comércio que possuíam no bairro. Começou a estudar em um
441
História da Câmara Municipal de Vitória
estabelecimento público cujo nome homenageia outro importante Vereador da Câmara
Municipal, o Ginásio Otacílio Lomba, Vereador nos anos 50. Loureiro se tornou bancário
no centro da cidade, mas continuou estudando à noite. Fez vestibular para Contabilidade
na UVV, em que se formou como Contador e passou no concurso para escrivão juramentado. Foi eleito pela primeira vez em 1988, com mais de mil e trezentos votos pelo PDS
e para um segundo mandato em 1992, pelo PSDB. Depois de algum tempo, mudou-se
para o bairro de Jardim da Penha que passou a ser a partir de então o seu principal reduto
eleitoral.03
Toninho Loureiro e seus convidados. Sentado, à direita, o ex-vereador Claudionor Lopes Pereira. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
Após a eleição de Toninho Loureiro, segundo ele mesmo, a Câmara funcionou
sempre à base do consenso, com a maioria absoluta dos vereadores apoiando o prefeito,
até o fim de seu mandato. É que, segundo Loureiro, Paulo Hartung não só aperfeiçoou as
inovações introduzidas por Vítor Buaiz, como também escolheu um excelente secretariado, que era muito eficiente e bem melhor do que o secretariado de Vítor Buaiz. Loureiro
442
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
admitiu que, depois disso, “sempre teve forte afinidade com a política desenvolvida por
Paulo Hartung, que é um político extremamente habilidoso e bom de diálogo”. Como
presidente da Câmara, Toninho lembra que chegou a substituir o prefeito por duas vezes,
numa das quais mandou limpar a ponte da Ilha da Fumaça, por causa do “acúmulo de
lixo e sujeira, entupindo o canal e degradando a área. A limpeza melhorou a condição da
área”.04
A legislatura se iniciara no começo do ano, mas já na retomada dos trabalhos
legislativos de 1993, após o recesso de julho, Otaviano de Carvalho - o combativo Vereador do PT que se reelegera
para o seu segundo mandato -,
com a experiência parlamentar que já adquirira, percebeu
que algumas mudanças haviam ocorrido na Câmara, no
que diz respeito à prática parlamentar. Ele reconheceu que
durante as primeiras sessões
ordinárias os vereadores ainda tinham a oportunidade de
promover alterações nos projetos de lei enviados pelo prefeito, mas, para sua surpresa,
nas últimas sessões, os votos
dos vários vereadores atenderam “única e exclusivamente
à vontade do senhor prefeito
municipal”. Otaviano atribuiu
Otaviano de Carvalho e Perly Cipriano.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
essa mudança à atuação direta do assessor parlamentar
do
prefeito, no plenário, comandando acintosamente as votações. Otaviano confessou que
ficou “estarrecido” diante desse fato e que, “durante os quatro anos passados, em nenhum
443
História da Câmara Municipal de Vitória
momento tivemos uma situação tão constrangedora”.05
Os vereadores petistas tentaram exercer desde o início da legislatura uma função
crítica, mesmo quando algumas de suas denúncias respingavam na gestão anterior do prefeito Vítor Buaiz, que era de seu partido. E foi esse o caso da denúncia feita por João Pedro
de Aguiar, Vereador em primeiro mandato, conhecido e respeitado professor de filosofia
na Ufes. João Pedro se referiu à construção do Shopping Vitória, situado na Enseada do
Suá, cuja obra fora iniciada na gestão petista de Vítor Buaiz, e, segundo João Pedro, “foi
feita sem que o projeto fosse aprovado, e, mesmo com as autuações, as notificações e até
com o embargo da obra, foi dada a continuidade aos trabalhos”. A nova administração municipal, a partir de janeiro de 1993, teria permitido a continuidade da obra, mas em março
deste ano havia sido registrada por um fiscal a solicitação da construtora para a aprovação
de uma modificação no projeto da obra, que não teria sido aprovada até aquela data pelos
órgãos competentes da Secretaria Municipal de Obras. Concluídas as obras, o pedido da
construtora ainda se achava em tramitação. A conclusão de João Pedro foi de que o poder
Executivo não poderia permitir “que o poder econômico interfira e burle a lei”, e por isso
ele pediu a aprovação do requerimento para que o secretário de Obras comparecesse à
Câmara a fim de dar as devidas explicações.06
Contudo seu colega José Coimbra se mostrou “estarrecido” com essa denúncia
referente a “uma obra de grandiosidade, que veio gerar empregos para aproximadamente
cinco mil pessoas”. Coimbra não só admitiu que as denúncias eram graves e mereciam
ser apuradas, como ainda ponderou que “deve-se bater palmas para esse grupo que veio
investir no Espírito Santo.”07
João Pedro sentiu a seriedade da observação feita por José Coimbra e usou mais
uma vez a tribuna para dizer que não conhecia nem o “senhor Mequinho Buaiz” nem os
“donos do Shopping Vitória”. Todavia, ele assegurou que não era contra o desenvolvimento comercial e cultural da cidade, nem contra a geração de empregos e que sua posição era
a de “não se acostumar a voltar as costas para os compromissos com o povo.” Para ele,
a convocação do secretário de Obras era uma prerrogativa dos vereadores e da Câmara
Municipal e não era um “requerimento eleitoreiro”, como teria sido insinuado, pois ele
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
não estaria “acobertando possíveis irregularidades que porventura tenham acontecido no
governo passado”. A convocação não seria uma “agressão” ao secretário, mas a recusa do
requerimento sim, pois ela estaria agredindo a democracia, “que exige informações para
todos”. João Pedro finalizou afirmando que na periferia “a lei é cumprida com todo o seu
rigor”, e por isso não se podia permitir “que grandes conglomerados econômicos sejam
beneficiados pela ilegalidade e pela omissão da Prefeitura municipal, em fazer cumprir a
lei.” Para ele, o “Estado está sempre atendendo a interesses privados, interesses de grandes
grupos econômicos privados, e o Estado não é um poder ‘público’, porque não atende a
maioria da população, sem discriminação, e, sobretudo, com justiça.”08
A esse mesmo respeito, Perly Cipriano, lamentou que a convocação tanto do atual
secretário de Obras da Prefeitura quanto do anterior, Fernando Betarello, para dar explicações sobre a construção do shopping referido não tenha sido aprovada. Perly era velho
militante da esquerda capixaba e havia nascido em Aimorés, Minas Gerais, e iniciado sua
militância no movimento estudantil e no Partido Comunista em 1960. Em 1964 ingressou
na Ufes no curso de Odontologia, onde respondeu a um Inquérito Policial-Militar (IPM).
Depois de ter sido preso no 31º. Batalhão de Infantaria de Vila Velha, em 1967 foi para a
URSS onde estudou Direito Internacional, só retornando ao Brasil em 1969 para militar
clandestinamente na ANL. Preso novamente em 1970, em Pernambuco, foi torturado
e condenado a “noventa e quatro anos e oito meses de prisão”, só saindo em 1979. No
ano seguinte foi um dos fundadores do PT, candidatando-se a governador do Estado em
1982.09
A bancada do PT solicitou audiência ao prefeito, mas ela só teria sido atendida
quatro meses após o seu pedido, como confessou João Pedro de Aguiar. Para o professor da Ufes, ao solicitar essa audiência, o objetivo de sua bancada era discutir as políticas
implementadas pelo Executivo e os problemas constatados pela bancada. Em nenhum
momento era fazer solicitações pessoais em nível fisiológico ou de favorecimento, pois,
como Aguiar confessou, a bancada petista desejava apenas “aprofundar uma nova prática
política”. João Pedro revelou que a bancada já havia acionado judicialmente o Executivo,
contudo doravante estava restabelecida a interlocução com o prefeito.10
445
História da Câmara Municipal de Vitória
Não obstante, mesmo essas “tentativas” de oposição feitas pelos petistas não
encontravam eco muito forte na maioria dos vereadores, que preferiram apoiar de forma
consistente a gestão Paulo Hartung, conferindo-lhe, com seu apoio, grande estabilidade e
liberdade de ação durante a maior parte de seu mandato, o que seria a marca política de
sua administração. E os próprios vereadores do PT, na iminência de conseguir o apoio de
Paulo Hartung à candidatura de Vítor Buaiz ao governo do Estado, trataram de arrefecer
o seu ânimo “oposicionista”.
Assim, o experiente e bem votado José Esmeraldo de Freitas, que até então utilizava a tribuna com grande parcimônia, o fez para salientar o hábito do novo prefeito
“de acordar cedo, para sair de bairro em bairro, na maioria das vezes com os senhores
vereadores, porque o prefeito Paulo Hartung não discrimina ninguém”. Em sua previsão,
se ele continuasse agindo dessa mesma forma “ele, sem dúvida, concluirá o seu mandato e
Vitória terá uma modificação muito grande em toda a sua estrutura.”11 Em outra ocasião,
o mesmo José Esmeraldo informou que participara com outros vereadores de uma dessas
visitas e teria ficado “surpreendido com a quantidade de obras de qualidade que esta administração está realizando”. Ele parabenizou também a gestão passada de Vítor Buaiz que
teria contribuído de forma significativa “para que as escolas da rede municipal atendessem
às crianças, pois são escolas- modelo”.12
Igualmente entusiasmado com o início da gestão Paulo Hartung, Huguinho Borges, suplente em exercício do PMDB, fez um breve relato dos trabalhos que vinha desenvolvendo como Vereador e citou entre eles: “a limpeza do canal de escoamento de Santo
André e São Pedro; a quadra da Escola Castelo Branco, na Ilha do Príncipe; a reforma da
delegacia; o início do calçadão da Ilha do Príncipe; o serviço da Central de Ambulâncias
24 horas; e a estrada ligando Fradinhos com o Forte de São João”. Borges informou ainda
que na “semana seguinte” iria a Brasília, com recursos próprios, acompanhando o prefeito,
e lá visitariam vários ministérios com a finalidade de conseguir verbas para obras como o
“Centro de Apoio à Comunidade de São Pedro”. Segundo Borges, o atendimento dessas
solicitações pelo prefeito estaria consolidando a aliança de seu partido com o PSDB, o
partido do prefeito.13
446
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
E, de fato, após a realização da Convenção Municipal do PSDB, partido ao qual
pertencia, Luzia Toledo salientou o consenso conseguido na convenção, atribuindo-o em
parte à liderança de Paulo Hartung, “uma pessoa competente, que quer resgatar a dignidade das pessoas” e “um peessedebista que tem orgulhado não só a família do PSDB como
também a família vitoriense”, pois, “em sete meses que está à frente da administração, o
prefeito Paulo Hartung já deu respostas, praticamente, ao município todo”, de acordo com
Luzia Toledo.14
A 30 de setembro de 1993, o prefeito Paulo Hartung, acompanhado do “Dr. Guilherme Dias, secretário municipal de Planejamento, do professor Joaquim Beato, secretário
municipal de Cultura e Esporte e do senhor Ítalo Batan Régis, coordenador do Conselho Popular de Vitória”, compareceu à Câmara para apresentar o “Orçamento-Programa
do Município de Vitória para o exercício de 1994”. Ocupando a tribuna, Paulo Hartung
afirmou que o fortalecimento da democracia “passa, acima de tudo, pela participação da
população na discussão orçamentária.” Ele afirmou também que era sua intenção e desejo
que o orçamento fosse realista, “executando-se em 1994 todas as obras listadas”.15
No início de 1994, Paulo Hartung voltou à Câmara com alguns de seus secretários
para dizer que no ano anterior tinham sido investidos 40% da receita de impostos no setor
educacional — 15% a mais do que determinava a Constituição federal e 5% a mais do que
fixava a Lei Orgânica Municipal. Na mesma área haviam sido atendidos 33.651 alunos,
sendo 6.156 nos Centros de Educação Infantil e 27.495 nas escolas de “Primeiro Grau”.
Cerca de “dois mil profissionais por mês” foram capacitados em serviço, durante o período letivo. No setor de saúde, foram reformadas “vinte e uma unidades sanitárias, concluído
o Laboratório Central e igualmente as unidades de Forte João e da Fonte Grande”. Para
Hartung, esses dados eram a comprovação de que o seu governo realmente se pautava por
uma perspectiva “social-democrática” que tinha como prioridade “número um a política
social e o compromisso de respeitar a autonomia dos movimentos sociais, combater as
injustiças sociais e regionais, lutar para dar a todos oportunidades iguais de se afirmarem e
crescerem como pessoas e cidadãos, facilitar a todos o acesso à justiça, valorizar o trabalho
e lutar pela elevação do nível de vida da população”.16
447
História da Câmara Municipal de Vitória
Ao avaliar os números do primeiro ano da administração Paulo Hartung, Huguinho Borges afirmou que caso se fizesse um comparativo com Vítor Buaiz, “será constatado que neste um ano foram realizadas muito mais obras do que nos quatro anos do
governo do PT.”17
E esse clima de congraçamento com a Câmara perduraria praticamente quase até
o fim do mandato do prefeito Paulo Hartung.
BERREDO DE MENEZES E A CPI CONTRA VÍTOR BUAIZ
O ex-prefeito Berredo de Menezes (1983-1986), agora eleito suplente, foi um
dos vereadores mais atuantes nesta legislatura. Ele havia começado a sua carreira política
no Espírito Santo justamente
como suplente de Vereador
em exercício ainda nos anos
50, como vimos. Inteligente
e aguerrido, Berredo se destacou inicialmente, nesta legislatura, pelas fortes denúncias
que fez contra o ex-prefeito
Vítor Buaiz, cotado, desde
que deixara a Prefeitura em
1993, para ser o candidato do
PT ao governo do Estado.
Em setembro de
1993, Berredo ingressou com
um pedido para a constituição
de uma CPI contra Vítor Buaiz, objetivando a apuração de
fatos que ele considerou da
maior gravidade: a alteração
448
Berredo de Nenezes e sua homenageada.
Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
de contratos por duas vezes, com violação da lei; o desvio do fundo de iluminação pública
“no último dia de governo, não se sabendo para pagar o quê”; e “o desvio do dinheiro que
a CDV arrecadou e não entrou para os cofres da Prefeitura.”18
O requerimento de Berredo foi aprovado com os votos favoráveis de dezessete
vereadores e apenas dois votos contrários, os de Otaviano de Carvalho e Perly Cipriano.
Nele, constavam de fato as seguintes acusações: “alterações contratuais patrocinadas pelo
ex-prefeito com a aquiescência da empresa ASA Criação de Publicidade Ltda., no exercício de 1992; desvio irregular de fundos destinados exclusivamente à iluminação pública de
Vitória; negociata na contratação da “empresa Ecoltec Ltda.”, também de fora do Estado,
no mesmo exercício de 1992; e o desvio “indefensável de todos os recursos oriundos da
venda dos produtos reciclados da CDV”, os quais “nunca deram entrada nos cofres da
Prefeitura”.19
No embalo das críticas de Berredo de Menezes, Huguinho Borges lembrou que
nas contas do governador Albuíno Azeredo foram apontadas várias irregularidades, na
primeira instrução técnica do Tribunal de Contas, mas, posteriormente, os conselheiros
do Tribunal de Contas preferiram aprová-las. Todavia, os deputados do PT na Assembleia
legislativa votaram contra a aprovação das contas do governador, baseando-se na nota
técnica anterior do Tribunal. Huguinho afirmou que estava informando isso porque era
“relator das contas do ex-prefeito Vítor Buaiz e havia uma instrução técnica com mais de
trinta irregularidades”; por conseguinte, ele gostaria de saber “se a bancada do PT na Câmara igualmente votaria contra a aprovação das contas de seu correligionário”.20
Três meses após a aprovação da CPI, Berredo informou que aquilo que fora
descoberto em apenas uma semana de CPI era “um escândalo”. Ele anunciou que iria
comprovar que na administração passada foram realizadas “várias concorrências de forma
fraudulenta”, e que a Casa ficaria estarrecida com isso, “pois o senhor Vítor Buaiz, que faz
parte do Comitê de Ética, e fala tanto de ética na política, não vai poder mais mostrar a
cara.” Berredo disse ainda que queria ver se a imprensa “que fala tanto de corrupção” não
iria revelar “os corruptos que se instalaram na administração anterior”.21
449
História da Câmara Municipal de Vitória
Huguinho Borges, que da mesma forma apoiou a CPI contra Vítor Buaiz, ao
justificar sua posição, acrescentou que realmente no governo Vítor Buaiz “havia um gasto
enorme com divulgação para que pudessem lançar o nome dele para concorrer ao governo
do Estado”.22
Em março de 1994, no entanto, Pedro Luiz Corrêa, um dos membros da CPI,
anunciou que a CPI já havia apurado “um possível roubo de setecentos mil dólares”, mas
que o ex-prefeito Vítor Buaiz, convocado pela CPI, não havia comparecido.23
Diante das novas acusações levantadas pela CPI contra o governo de Vítor Buaiz,
Alexandre Buaiz Neto, cujo parentesco com o ex-prefeito era notório, sugeriu “tranquilidade e moderação” aos seus pares na análise das denúncias, “para não caírem no ridículo”,
e que os responsáveis fossem punidos. Contudo, Alexandre Buaiz Neto expressou também
a certeza de que, se os fatos apontados fossem comprovados, “o Partido dos Trabalhadores terá outro candidato à altura para colocar.”24
Em defesa de Vítor Buaiz saiu o Vereador Perly Cipriano para afirmar que o que
depunha contra a Câmara Municipal não era o fato de o ex-prefeito não haver comparecido à CPI, mas o comportamento desta mesma Casa, “quando calúnias são realizadas”.
Para ele, o PT queria realmente que todos os fatos fossem apurados, mas que “nenhuma
lama fosse jogada na honra de alguém que passou por essa administração sem nenhum
arranhão, sem nenhuma calúnia”. Da mesma maneira, Perly informou que havia enviado
ofício ao Vereador Berredo de Menezes para que este lhe repassasse os depoimentos e os
documentos da CPI, porém o Vereador não enviara os documentos solicitados. Além disso, Perly protestou contra o fato de que o relatório parcial da CPI já havia sido distribuído
fartamente à imprensa, porém nenhum Vereador o havia recebido. Ele informou ainda
que Vítor Buaiz iria se dirigir à OAB para levar um documento, autorizando não só que
verificassem “todos os imóveis e bens” que ele possuía, como também aqueles que havia
adquirido durante sua administração, “inclusive suas contas bancárias”. Perly, ao negar a
veracidade de todas as acusações, sugeriu que houvesse “realmente apuração dos fatos” e
pediu que não se fizesse disso “uma tribuna para apressados tentarem denegrir a imagem
das pessoas.” Na conclusão, Perly negou ter afirmado que Berredo de Menezes fosse “lou-
450
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
co” ou “esclerosado”, mas sim que ele “estava falando muitas bobagens”.25
Em junho de 1994, finalmente, entrou em votação na Câmara o polêmico Relatório da CPI contra Vítor Buaiz. E é importante salientar o contexto político em que isso
se deu. Naquela altura, a campanha presidencial e, sobretudo, a campanha para o governo
estadual já estavam praticamente nas ruas e se faziam as articulações políticas mais importantes. O candidato favorito à eleição para o governo do Estado era justamente Vítor
Buaiz. Mesmo assim, Berredo, ao apresentar o relatório, disse que ele seria um “marco
histórico, pois se conhecerá quem é quem e quem defende de fato a moralização da vida
pública” e, além disso, que “se conheceria o posicionamento de quem tendo o dever moral
e legal de defender a moralidade na administração pública e se deixa arrastar pelos interesses mesquinhos de pouca moralidade, revelando o comprometimento de determinadas
autoridades que este Vereador acreditava fossem dignas, mas que desgraçadamente na hora
oportuna ele revelará que não mereciam.” Mesmo assim, Berredo alertou para o fato de
que, segundo os jornais, “elementos da mais alta projeção do PMDB estão propensos a
votar e a fazer campanha em favor de Vítor Buaiz para o governo do Estado”, o que, nem
ele, nem a Executiva de Vitória, “conhecendo os fatos apurados” poderiam estar a reboque
“de quem não soube honrar o seu mandato”.26
Na votação do relatório foi colocada uma questão de ordem pelo Vereador Otaviano de Carvalho, de acordo com a qual a votação deveria se basear no mesmo “quórum
de dois terços que havia criado a CPI”. Contudo, rejeitada essa questão de ordem, a votação foi feita por maioria simples, apresentando nove votos favoráveis ao relatório e seis
contrários. Votaram a favor: Agnaldo Goldner, Alexandre Buaiz Neto, Antônio Smith,
Berredo de Menezes, Huguinho Borges, Jair de Oliveira, Jurandy Loureiro, Pedro Luiz
Corrêa e Sílvio Lopes Pereira. E contra: João Pedro Aguiar, José Carlos Lyrio Rocha, Luzia
Toledo, Namy Chequer, Otaviano de Carvalho e Perly Cipriano. Na votação, estavam ausentes os seguintes vereadores: Ademir Cardoso, José Coimbra, José Esmeraldo de Freitas,
Nenel Miranda e Sandro Carioca.27
Perly Cipriano, ao comentar o resultado da votação, declarou que o relatório, na
realidade, já havia sido enviado ao Tribunal de Contas e a imprensa, antes mesmo de os
451
História da Câmara Municipal de Vitória
vereadores da Comissão o receberem; já tinha sido considerado improcedente pelo mesmo Tribunal de Contas e, assim mesmo, se teimou em enviá-lo para o Ministério Público,
que, “naturalmente, dará ao mesmo o destino que ele merece.” Perly recomendou a leitura
detalhada do relatório aos vereadores que o haviam aprovado e que eles meditassem “se
não o haviam aprovado” apenas com uma motivação “momentânea” e “do tempo das
eleições”.28
Com efeito, as vicissitudes posteriores do relatório têm muito a ver com a reclamação feita por Berredo de Menezes. Em discurso pronunciado em setembro de 1994,
Berredo ponderou que ele não havia “enlameado” o “senhor Vítor Buaiz”. De acordo
com Berredo, “a lama foi ele mesmo quem se jogou, porque tudo o que eu falei e apurei
contra ele, eu trouxe prova, trouxe prova e esta Casa aprovou, mandou para o Ministério
Público e aqui vai uma reclamação, meu caro presidente em exercício, Vereador Sílvio
Lopes Pereira: desarrumaram de tal forma o processo, publicaram o relatório de forma
errada, porque, como manda a boa técnica jurídica, na publicação do relatório tinha que
dizer que aquele relatório foi aprovado pela Câmara Municipal de Vitória, e como V. V.
Ex.ª faz parte da Mesa Diretora, deve ao nosso presidente essa reclamação. Já falei à sua
assessoria jurídica várias vezes que precisa ser republicado esse relatório como manda a lei,
estabelecendo que aquele relatório foi aprovado no dia que consta em ata. Não sei por que
motivo a sua assessoria técnica errou, mas precisa ser consertado, porque eu nunca vi isso.
Eu recebi uma cópia do processo e recebi uma bagunça, sem ordem, sem numeração, sem
coisa alguma e, infelizmente, isso está favorecendo o senhor Vítor Buaiz porque a decisão
desta Casa também não foi cumprida. Deveria estar no Ministério Público para exame das
peças e apresentação da denúncia pelos crimes provados, praticados pela administração do
senhor Vítor Buaiz.”29
A INSEGURANÇA E A REVITALIZAÇÃO DO CENTRO DE VITÓRIA
Nos anos 90, os grandes problemas do antigo centro histórico de Vitória tornaram-se aparentes. E um deles, talvez o mais grave até hoje, era o da segurança pessoal
e patrimonial. Mesmo com a relativa pusilanimidade com que o problema era abordado
pelas autoridades públicas, e ainda é até hoje, os ecos do problema da “insegurança cole-
452
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
tiva” chegavam, mesmo que timidamente, à Câmara dos Vereadores. E um dos primeiros
parlamentares a denunciar a gravidade do problema, na gestão de Paulo Hartung, foi o
evangélico Jair de Oliveira. Em setembro de 1993, ao informar que ele mesmo já havia
passado por várias “experiências negativas” no centro da cidade, sugeriu uma reflexão sobre o problema da “falta de segurança total” em que se encontrava a região, especialmente
nos finais de semana. A sugestão que ele fazia era no sentido de que se providenciasse
um patrulhamento mais ostensivo, principalmente nos finais de semana. Ele igualmente
propunha que a Câmara fizesse uma indicação ao prefeito municipal para a criação de
uma Guarda Municipal, experiência que, segundo ele, já funcionava a contento em cidades
como São Paulo e Recife.30
A esse mesmo respeito, José Carlos Lyrio Rocha noticiou o recente encontro que
tivera com comerciantes do Parque Moscoso e da Vila Rubim, com a presença do prefeito
Paulo Hartung, no qual foi entregue uma pauta contendo as suas reivindicações e entre elas
“predominantemente” estava o problema da segurança. Apesar de o problema estar afeito
ao âmbito estadual, o prefeito “ficou de levar a reivindicação para a Secretaria de Segurança
Pública e para a Polícia Militar.” No encontro, estava presente a Vereadora Luzia Toledo
que sugeriu a abertura de uma via de acesso à Vila Rubim, “para que o centro volte a ser
um lugar de passeio e de compras.” Ela sugeriu igualmente a instalação de uma delegacia
no antigo prédio da Secretaria da Fazenda.31
Em novembro de 1994, quando Vitor Buaiz já estava eleito como novo governador do Estado, Agnaldo Goldner denunciou o problema da insegurança em termos bem
semelhantes ao que se diz atualmente, mas ele não se referiu exclusivamente ao centro de
Vitória, e sim a toda a Grande Vitória. Para Goldner: “Temos hoje na Grande Vitória um
aglomerado de pessoas porque não se tem mais lugar para morar, trabalhar e viver. Vivemos presos nas nossas casas, devido à violência, à falta de segurança que impera na Grande
Vitória. Mas que esse novo governo se preocupe com a segurança do Estado como um
todo, por ser muito desorganizada. Faltam equipamentos, pessoal qualificado, e, com isso,
há o desperdício, o roubo, a corrupção de todo tipo.”32
Na mesma época, repercutiu bastante na sociedade local e até na imprensa nacio-
453
História da Câmara Municipal de Vitória
nal o sequestro de Janete Mayerfreund, filha do empresário Helmut Mayerfreund, proprietário da empresa “Chocolates Garoto”. O sequestro, como é óbvio, gerou uma enorme
aflição familiar que durou mais de sessenta e cinco dias, tempo de duração do cativeiro da
jovem. Na tribuna da Câmara, Stan Stein, ao saudar a libertação da jovem, afirmou que
como “homem público” queria acreditar e tomar iniciativa “para que a insegurança existente em nosso Estado possa diminuir e até ser reduzida a zero”. Contudo, ele apenas sugeriu que os “instrumentos da tecnologia” fossem de imediato colocados à disposição das
instituições policiais, com o que teríamos “a prevenção de muitos crimes”, segundo ele.33
Mais consequente, porém, foi o seu colega João Pedro de Aguiar quando encaminhou solicitação para que o comandante-geral da Polícia Militar fosse convidado a vir
à Câmara, em audiência pública, para que a chamada “Polícia Interativa” fosse discutida.
Aguiar, ao se referir não só à violência de “nossa sociedade” como também acerca dos
“atingidos pela criminalidade”, declarou querer discutir em profundidade “a política de
segurança” que estava sendo “desenvolvida pelo atual governo do Estado.”34
Todavia, seu outro colega, José Coimbra, - morador em Santo Antônio e mais
prático -, igualmente ao se referir à falta de segurança em Vitória, apelou para que fossem
reativados os “DPMs da Vila Rubim, do Centro Cultural Carmélia de Sousa e do Tancredão”, que foram desativados e estavam sendo depredados, segundo ele.35
E com uma perspectiva mais localizada ainda, Silvio Lopes Pereira, - irmão de
Claudionor Lopes Pereira e que de certa forma o “substituía” na Câmara após o seu último
mandato e a sua aposentadoria da política -, denunciou os assaltos que ocorriam em Maruípe, justamente o bairro em que ele e seu irmão residiam e que eles “representavam”.36
Nesse contexto, o Vereador Namy Chequer, do PC do B, preferiu sugerir a construção de uma estrada que desse acesso ao topo do morro do Forte São João, visto que
era esse, segundo ele, “um dos motivos de esse bairro ser um esconderijo de marginais.”37
Convém salientar que Nenel Miranda, ao referir-se mais uma vez ao projeto que
ele havia apresentado, autorizando a criação de uma Guarda Municipal mas que havia sido
recusado pela Câmara, afirmou que, neste caso, a Casa “deixou de trabalhar em benefício
454
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
da cidade”. Nenel denunciou que não só as lanchonetes da praça dos Desejos e da praça
dos Namorados estavam sendo assaltadas semanalmente como também os colégios municipais. Por causa da recusa da Câmara, Nenel confessou que a cada dia ele se “desgostava”
mais com o trabalho dela.38
Como se vê por esse breve panorama da discussão relativa à insegurança coletiva
e à revitalização do centro de Vitória, o debate travado na Câmara sobre o assunto era bastante superficial e esporádico, não chegando a se manifestar nele um diagnóstico preciso
do “angustiante problema” que até hoje, de forma crescente e insidiosa, retira o sossego
dos moradores da cidade.
TRÂNSITO, TRANSCOL E REGIÃO METROPOLITANA
Igualmente superficial era a discussão na Câmara a respeito dos problemas do
trânsito na cidade. Vitória já era naquela altura uma cidade com sérios problemas de mobilidade urbana, mas até os vereadores mais “críticos” subestimavam a importância da
realização de obras estruturantes que pudessem equacionar de maneira decisiva certos
gargalos.
Otaviano de Carvalho, por exemplo, que segundo consta era muito identificado
com o bairro Jardim da Penha, e seu morador, era totalmente contrário à construção de
uma “terceira ponte” ligando o bairro à Praia do Canto - a atual “Ponte Airton Sena”.
Quando surgiram as primeiras notícias de construção dessa ponte, em novembro de 1993,
ele comentou que “sempre que se aproximava uma eleição, na tentativa de ‘fazer caixa’
para ela, rearticulava-se o lema “o negócio é construir ponte”. Para ele o anúncio feito pelo
prefeito Paulo Hartung e pelo governador Albuíno Azeredo tinha a intenção de “jogar o
trânsito pesado dentro do maior bairro residencial da nossa cidade”. Contra a construção da ponte, ele argumentou ainda que em Vitória não se via “há mais de quinze anos a
construção de uma sala de aula para o segundo grau, e a comunidade de Jardim da Penha
pleiteia há quatro anos a construção de uma escola de segundo grau. Jardim da Penha não
quer ponte, quer dinheiro para construir uma DPM solicitada há mais de cinco anos, quer
dinheiro para construir uma escola de segundo grau no bairro.”39
455
História da Câmara Municipal de Vitória
Mais previdente, mas aparentemente irrealista foi Alexandre Buaiz Neto. Ele foi
de opinião que a construção da “quarta ponte” sobre o canal de Vitória, que se tratava de
um projeto de sua autoria, “era a solução definitiva para o trânsito de Vitória.”40
Em 1995 discutiu-se um novo projeto, fixando a “faixa da direita” das vias públicas como “faixas exclusivas para os ônibus”. No entanto, Jurandy Loureiro, que fora
proprietário de empresa de ônibus, ponderou, que, com a aprovação do projeto, “surgirão
vários problemas para o usuário e para o motorista, pois o usuário não suportará ficar
cerca de cinco minutos num ônibus parado no sol quente e irá forçar o motorista a sair, fazendo com que o motorista saia da direita, desobedecendo à lei e ficando sujeito a multas”.
Ainda assim Huguinho Borges admitiu que a proposta poderia ser conveniente em várias
ruas, mas “com certeza” seria “impossível” implantá-la na avenida Jerônimo Monteiro. É
que, “como os pontos de ônibus não são os mesmos, ocorrerá uma série de atrasos que
recairão em cima dos usuários, e esses têm que ser beneficiados pelos nossos projetos.”
Já Agnaldo Goldner chamou a atenção para a falta de educação não só do motorista de
ônibus como também do motorista de carro particular, assegurando que a “humanização
do trânsito depende da educação dos motoristas.” Para Goldner: “Essa ideia da faixa única
foi implantada no Rio de Janeiro, não sabemos se está vigorando, mas somos favoráveis
a que se experimente. (...) Votaremos favorável, mas, se não funcionar, teremos que fazer
um outro projeto, imediatamente, revogando esse. Achamos que não experimentar é pecar
pelo fato de não decidir, e nós temos que decidir agora pela aprovação e implantação desse
projeto.” Na conclusão, Huguinho Borges foi de opinião de que haveria poucas ruas em
Vitória realmente suscetíveis de comportar a introdução da “faixa única”.41
Superando o relativo desinteresse sobre o problema do trânsito urbano, em março de 1996 a Câmara promoveu um grande debate sobre o tema, e para o qual foram convidados Tarcísio Celso Vieira Vargas, presidente da Ceturb – Companhia de Transportes
Urbanos da Grande Vitória, alguns assessores, e Maria Regina Bossanel, chefe do Departamento de Engenharia de Trânsito do Detran. O título de sua exposição foi “Projetos e Estudos sobre o Trânsito na Grande Vitória”, conforme anunciou a Vereadora Maria Ignez
Pfister, organizadora do debate em torno de um projeto do Vereador Nenel Miranda sobre
a faixa única. Tarcísio falou rapidamente sobre o “Projeto do Transcol” para dizer que ele
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
era “um projeto muito grande, amplo, e relativo ao transporte coletivo na região da Grande
Vitória”. A previsão era de um “investimento de trinta e quatro milhões de reais, 60% dos
quais financiados pelo BNDES e 40% pelo governo do Estado”. Desse montante, “seis
milhões e quatrocentos mil de reais seriam gastos na construção de terminais (Campo
Grande, Laranjeiras e Carapina); vinte e um milhões na recuperação e pavimentação de
obras viárias, ou seja, noventa e dois quilômetros de vias seriam pavimentados e quarenta e
duas vias seriam recuperadas; um milhão e trezentos mil seriam gastos com a sinalização; e
novecentos e dez mil, em setecentos e oitenta abrigos em toda a Grande Vitória. Mais quarenta e nove milhões, financiados pelo Finame, seriam gastos na renovação da frota num
total de 379 veículos, perfazendo um total de investimentos de oitenta e quatro milhões
de reais”. Tarcísio Vargas salientou finalmente que as obras já estavam a pleno vapor. Já a
Dra. Regina Bolsanelo se referiu a temas como a municipalização do trânsito, a sincronização dos semáforos e o excesso de semáforos em Vitória. Huguinho Borges, secundado
por Sandro Carioca, ao iniciar o debate, interrogou os palestrantes sobre a viabilidade da
implantação da via exclusiva e acerca dos efeitos que o funcionamento do Shopping Vitória e da Assembleia Legislativa teriam no trânsito local, duas questões muito pertinentes.
Tarcísio Vargas respondeu então sobre a lei proposta pelo Vereador Nenel Miranda, assegurando que a Câmara “tem toda a sua autonomia, mas nos preocupa que alguma coisa
feita sem um estudo mais amplo, em vez de contribuir como um instrumento importante
para agilizar a fluidez do trânsito, ao ser implantado no momento errado, poderia desgastar
um instrumento importante como esses que são as canaletas, os corredores exclusivos que
já são usados em várias cidades.” Vargas prometeu que seriam feitos estudos neste sentido, mas que naquela altura “não temos a menor condição de dar informação de colocar
essa ou aquela rua. (...) porque só um estudo aprofundado como esse é que nos vai dar a
resposta.” Outros vereadores, como Nenel Miranda, autor do projeto da faixa exclusiva,
Silvio Lopes Pereira, Sandro Carioca e Agnaldo Goldner também participaram de forma
bastante produtiva do debate “que se encerrou já à noite”.42
Como se vê, a implantação de um projeto como o da faixa exclusiva e dos corredores de ônibus, que até hoje não foi concretizado, infelizmente, remetia naturalmente à
problemática de implantação da Região Metropolitana.
457
História da Câmara Municipal de Vitória
Em abril de 1994, a Vereadora Luzia Toledo anunciou que a Câmara estava promovendo um grande debate, juntamente com as entidades populares, sobre a criação da
Região Metropolitana da Grande Vitória.43
Infelizmente, porém, o debate não gerou resultados concretos. Tanto que em
1996, já no último ano da legislatura, o Vereador Toninho Loureiro lembrou que: “Quando
o Vítor Buaiz era prefeito de Vitória, ele fez várias reuniões para discutir sobre a Região
Metropolitana. Mas isso não saiu do papel.”44
CORRUPÇÃO
Se a discussão de um tema como o da segurança e da revitalização do centro da
cidade, - uma questão palpitante para a cidade -, era muito rala e superficial na Câmara, bastante extenso foi o tempo dedicado às denúncias de corrupção, principalmente daquelas
que ocorriam no plano nacional. Neste plano, a época inicial da décima segunda legislatura
foi muito marcada pela revelação do famoso escândalo envolvendo os chamados “Anões
do Orçamento”, um grupo de parlamentares federais (de baixa estatura!) que perpetrava
fraudes e crimes, manipulando o orçamento federal. As investigações da CPI constituída
no Congresso para apurar esses delitos em 1993 revelaram que o grupo atuava desde o
final dos anos 80, apropriando-se de enormes quantias do erário público. E isso gerou
grande comoção nacional, uma vez que o país vivia os estertores de uma grave crise econômica e social, muito marcada pelo descalabro da inflação e, no plano político, pelo recente
impeachment do primeiro presidente eleito após o fim do regime militar.
O efeito moral das denúncias foi devastador para o país, que viveu ali um dos
piores e um dos mais decepcionantes momentos de sua História.
No Espírito Santo, o escândalo nacional repercutiu mais ainda em virtude das denúncias que ao mesmo tempo se faziam por aqui. Elas se referiam ao fato de que também
na Assembleia Legislativa operava um grupo de parlamentares que igualmente praticavam
uma série de irregularidades. Na Câmara, José Carlos Lyrio Rocha afirmou que “o que
acontecia no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa deste Estado” era “motivo
de preocupação de todos, dada a desonestidade que aparenta nesses poderes, fazendo
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
parecer que todos os políticos são desonestos”. José Carlos acreditava que ainda se podia
dizer que existiam bons e maus políticos, mas diante de tanta “degradação”, que via de
regra ia de encontro às contas bancárias dos corruptos, ele sugeriu que fosse incluída na
Lei Orgânica do Município uma cláusula pela qual os vereadores concedessem à Câmara o
poder de vasculhar suas contas bancárias caso eles fossem objetos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ele achava que era preciso dar o exemplo e que o Congresso
Nacional deveria fazer uma autolimpeza. E nisso ele foi apoiado por Namy Chequer que
sugeriu que a Receita Federal fizesse uma devassa nas contas de cada um dos parlamentares
de “seis em seis meses”. Namy atacou os jornalistas corruptos, que existiriam em grande
número nas revistas, nos jornais e nas televisões do Brasil, segundo ele, mas lembrou que
havia uma lei de sua autoria, em pleno vigor, que não fora adotada pelo ex-prefeito Vítor
Buaiz e que ele nem sabia se o novo prefeito, Paulo Hartung, a conhecia, obrigando a
Prefeitura a afixar em mural as “Cartas-Convites” enviadas para empresas prestadoras de
serviços. Finalizando a sua forte diatribe contra a corrupção, Namy fez uma lembrança
“sinistra”: a de que a corrupção só se resolveu em outros países, que ele não disse quais
foram, “com o Paredão”.45
Explicitando mais adiante a sua “proposta”, Namy Chequer voltou a assegurar
que em vários países do mundo “os corruptos são julgados, condenados e fuzilados, além
de terem os seus bens confiscados, pois o maior crime que alguém pode praticar é roubar
o dinheiro do povo, sobretudo de um povo sacrificado.” Namy acreditava que no Brasil,
“se o político corrupto soubesse que sua pena seria o fuzilamento, ele não roubaria.” Contudo, ele assegurou que o sistema capitalista “não vive sem a corrupção e que, no sistema
socialista, os corruptos são aqueles oriundos do velho sistema, pois não há motivo para
querer ficar mais rico do que os outros”. Todavia, cabe perguntar: se o sistema capitalista
“não vive sem a corrupção” como é que se poderia eliminá-la sem eliminar o próprio capitalismo? Neste caso, não seria necessário “fuzilar” todos os capitalistas?46
Ao aproveitar o “clima” criado na Câmara com esses dois impactantes discursos,
o filósofo de profissão João Pedro de Aguiar usou a tribuna para tecer comentários sobre
a relação entre a ética e a política - um tema filosófico por excelência e com o qual certamente ele estava muito familiarizado - e advertir que nas discussões coevas sobre essa
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História da Câmara Municipal de Vitória
relação faltava uma ênfase no que ele chamou a “transformação da sociedade”. João Pedro
informou que só acreditava na ética na política “quando todos tiverem o propósito fundamental de transformar a sociedade, evidentemente, para a construção de uma sociedade
mais fraterna, mais humana e mais justa”.47
No entanto, essa concepção da ética embutia o pressuposto de que na verdade só
os socialistas, ou seja, os que almejavam construir uma “sociedade mais fraterna” eram os
“verdadeiros” defensores da moralidade na política. Mas, não seria possível imaginar que
em nome do ideal socialista se viesse a justificar a utilização de meios não éticos para a
realização de um fim tão superior? Ou de que os fins justificassem os meios?
Ao trazer corajosamente a questão para o âmbito estadual, Otaviano de Carvalho
- que morreria precocemente em acidente fatal de trânsito, quando ainda era muito jovem
-, externou a sua indignação pelo que chamou “momento vergonhoso” que se vivia então
no Espírito Santo, em que “a metade dos deputados da Assembleia Legislativa deste Estado deu um atestado de que não querem que a população respeite o poder Legislativo ao
votar a cassação do deputado Ulisses Anders”. Otaviano informou que os comentários na
Assembleia eram de que o governador do Estado “jogou pesado para que não se consumasse a cassação de um deputado que tem a capacidade de movimentar, sem ter nenhuma
fonte extra, uma quantia, no mínimo, 50% superior aos seus rendimentos.” Para ele, ainda,
dos vinte e nove deputados, apenas quinze votaram pela cassação, não sabendo ele se as
ameaças feitas pelo acusado de “entregar” outros deputados, ou colocar para fora outras
informações, tinham sido, de fato, suficientemente fortes para impedir que o deputado –
“associado ao tráfico de influência quando era assessor do seu irmão na Prefeitura de Vila
Velha e associado a trambiques que possibilitaram inclusive que ele se transferisse para a
EMESCAM e lá fizesse o vestibular, e associado a toda forma de clientelismo político”
- tivesse a sua cassação, preservando assim o seu mandato. Antes de concluir, Otaviano
ainda afirmou que só com uma “real democracia neste país” é que se poderia ter o “fim
desta bandalheira”, porém ele se surpreendia quando via que na própria Câmara Municipal não estaria havendo essa democracia, e na relação dela com o poder Executivo, já
que o seu pedido de informações a respeito do repasse de verbas para o IAVV não havia
sido respondido nem pela Câmara nem pelo prefeito e que estaria “virando normal nesta
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
Câmara” o prefeito “recusar-se a dar informações aos vereadores, mesmo com a Lei Orgânica prevendo isso.” Ele ameaçou processar o presidente da Câmara e o prefeito por esse
procedimento.48
A suspensão do deputado Ulisses Anders por apenas trinta dias, em vez de sua
cassação, como pediam vários colegas seus, desgastou profundamente a imagem da Assembleia Legislativa perante a opinião pública. No entanto, Sandro Carioca, que era do PSDB,
parabenizou a atitude da Executiva regional do partido por haver proposto a expulsão do
deputado e exigiu que fosse convocado um “seminário” para debater esse problema.49
Aproveitando mais uma vez a “deixa” de seu correligionário Otaviano, João Pedro de Aguiar citou dois artigos recentemente publicados no jornal A Folha de São Paulo,
sobre a corrupção que grassava no país, em um dos quais se concluíra que “o fato de que
um partido nitidamente ideológico, por questionável que seja a sua ideologia, como é o PT,
possa tirar proveito de uma crise dessa monta ilustra a importância decisiva de uma maior
consistência programática e respeito à fidelidade partidária. Uma legislação que tornasse
tais requisitos obrigatórios seria um enorme avanço para os usos e costumes políticos do
país e contribuiria para reduzir o nível de corrupção na esfera pública.” João Pedro afirmou
então que o PT era um partido “que tem um conteúdo ético, e, portanto, a partir deste
conteúdo, contribui para a transformação desta sociedade e para a ética e a moralidade na
gestão da coisa pública.”50
Mesmo assim, Huguinho Borges, que era o relator no julgamento das contas do
ex-prefeito Vítor Buaiz, insistiu em dizer que, com relação ao parecer do Tribunal de Contas, a posição do PT era “dúbia”. Respondendo a essa “acusação”, Perly Cipriano afiançou,
entretanto, que ele ficaria “muito contente” se a Comissão presidida por Huguinho Borges
analisasse cuidadosamente “todos os erros que pudessem aparecer nas contas da administração passada”, devendo-se aplicar também o mesmo critério na análise das contas de
Hermes Laranja. Para Cipriano: “No período em que os prefeitos eram nomeados, e não
eleitos, os vereadores eram mais conservadores e não apreciavam as contas”. Contudo, ele
achava importante que elas fossem rigorosamente examinadas, pois esta era “a obrigação
dos vereadores”.51
461
História da Câmara Municipal de Vitória
Retomando a denúncia dos escândalos “nacionais”, Berredo de Menezes lembrou
que a Caixa Econômica Federal, instituição bancária em que ele trabalhara por mais de
trinta anos, fora acusada de envolvimento com os “Anões do Orçamento”. Em função disso, ele advertiu não só que o país afundava “como se estivesse num pântano”, como também que a Constituição brasileira parecia não ter validade “para os corruptos e ladrões do
povo”. Berredo lamentou igualmente que o seu partido, o PMDB, estivesse sendo acusado,
na pessoa do presidente do Congresso Nacional, Ibsen Pinheiro, de estar profundamente
envolvido com os escândalos, o que ele achava “doloroso” e estava deixando-o “cansado
da política”.52
“TARDES MÓRBIDAS E INÚTEIS”
Em um contexto como esse era quase impossível a Câmara Municipal permanecer
isenta de críticas e prevenções contra ela; e essas restrições eram muitas vezes provenientes
dos próprios vereadores, alguns dos quais pareciam interessados em se mostrar isentos,
nem sempre com razão, da péssima imagem que os políticos, de uma maneira geral, estavam construindo e projetando em todo o país. A esse respeito, Luzia Toledo denunciou
a atitude de um colega. Ela disse que se sentia constrangida e não podia aceitar que “colegas seus”, que ela não nomeou diretamente, fizessem projetos e se expusessem perante
a imprensa, tentando diminuir e denegrir a imagem dos vereadores. É que esse “colega”,
ao fazer críticas aos vereadores por pretenderem receber seu salário no “dia vinte de cada
mês”, portanto antes dos “funcionários”, disse que eles já eram “privilegiados”. Namy
apoiou Luzia em sua crítica, e assegurou que “demagogia e cortina de fumaça” baixavam
o nível da discussão. Ele ainda afirmou que denunciar as mordomias nas casas legislativas
era correto, mas isso não devia servir de pretexto para “demagogia”, e que, além disso,
“querer passar a ideia de que o mal da Câmara de Vereadores de Vitória é o pagamento
no dia vinte, é uma cascata, no momento que vai ser ‘urvisado’ [de URV – Unidade Real
de Valor] o salário de todo o mundo; e que a grande desgraça, hoje, deste país, é o projeto
neoliberal que tem como capitão o senhor Fernando Henrique Cardoso, que, com esse
plano, pretende sucatear a indústria brasileira, pois embute um arrocho salarial imediato e
a médio prazo vai significar o sucateamento da indústria brasileira.”53
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
Namy se referia, obviamente, ao Plano Real, uma reforma econômica que estava
sendo “implantada”, naquela altura pelo ainda ministro de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso.
Contudo, Sandro Carioca não aceitou a crítica que seus colegas estavam lhe fazendo. Ele informou que ficou surpreso com o título e o conteúdo da matéria “Sandro Carioca
Denuncia Privilégios na Câmara Municipal de Vitória” e que o jornalista Nivaldo Santana,
autor da matéria, não traduzira a verdade de seu depoimento. Ele negou igualmente que
tivesse dito que o presidente da Câmara, Toninho Loureiro, fosse o responsável por essa
situação. Seu projeto apenas visava à isonomia salarial entre vereadores e servidores e, por
isso, concordava com o projeto de Huguinho Borges, estabelecendo o pagamento de todos
os funcionários, inclusive dos vereadores, no dia vinte de cada mês.54
Poucos dias após, Otaviano Carvalho voltou à carga nas críticas à Câmara, ao
dizer que a resolução aprovada anteriormente, permitindo a conversão dos salários dos
Vereadores em URV, sem obedecer à média dos quatro meses anteriores, dando-se ao
mesmo tempo garantia de reposição para qualquer perda colaborava “para que a imagem
do Legislativo” caísse perante “os olhos da população”. Ele afirmou ter ficado feliz com
a notícia de que o prefeito Paulo Hartung não concordava com essa resolução e que ele
não aceitaria “receber privilégios”. Mas, Berredo de Menezes foi extremamente severo
com Otaviano, ao afirmar que o Vereador “esbofeteou a dignidade do poder Legislativo
municipal de forma torpe, covarde e leviana”, que ele tivera uma “atitude espúria ao votar
integralmente o projeto de resolução e depois foi para os jornais dizer que ele votou contra”. Diante do conflito no plenário, Toninho Loureiro, o presidente da Casa, ao defender
o Projeto de Resolução, afirmou que a Mesa Diretora não só fizera o projeto respeitando
os 4% da receita da Câmara, como ainda confirmou que os salários dos vereadores foram
“urvisados” pela média dos últimos quatro meses. Loureiro defendeu a Câmara, e disse
que se o prefeito Paulo Hartung estava fazendo uma grande administração era porque a
Câmara estava “a par e passo com ele, no dia a dia dessa cidade, pois a Câmara quer o melhor para o povo de Vitória, independentemente de sigla partidária.”55
Na verdade, muitos vereadores se ressentiam da inoperância da Câmara e da pou-
463
História da Câmara Municipal de Vitória
ca repercussão que os seus atos tinham na imprensa e na sociedade. Otaviano de Carvalho,
ao fazer um balanço dos trabalhos realizados nos últimos meses, avaliou “se a Câmara
criara fatos jornalísticos”. Ele chegou à conclusão de que a Mesa Diretora, eleita havia “um
ano e meio” e presidida por Toninho Loureiro, “até agora não funciona como tal”, porque
o presidente “não cria condições de trabalho” e não organizava um processo de debates
de assuntos relevantes como o “PDU de Vitória”. João Pedro também apontou para o
problema quando afirmou que a imprensa raramente vinha à Câmara, “a não ser em alguns
projetos polêmicos, em especial alguns projetos do Executivo” e que “em muitas tardes,
nada há que aconteça nesta Casa que mereça, de fato, o registro da imprensa”.56
Discursando alguns dias mais tarde, o mesmo João Pedro asseverou que não estava mais disposto a continuar passando “estas tardes mórbidas e inúteis” que ele vinha
passando na Câmara e que, se não fosse possível alterar essa relação, preferia desempenhar
de uma maneira mais digna a sua dedicação à mudança social. João Pedro lembrou que as
ausências no plenário ocorrem não só em função da campanha eleitoral “mas também em
função de um certo grau de irresponsabilidade com a função de Vereador”.57
Concordando com João Pedro, Silvio Lopes Pereira foi de opinião que diante da
Casa vazia era preciso cortar o ponto dos vereadores que não comparecessem, uma vez
que o “trabalhador que não comparece ao trabalho tem o ponto cortado”.58
Todavia, esse “heroísmo” de João Pedro, ao criticar a Câmara como um todo e da
mesma forma o seu funcionamento, não ficou sem resposta. O presidente Toninho Loureiro rebateu as denúncias que João Pedro fizera em “um jornal seu”, e distribuiu cópias
para todos os vereadores de um processo contra ele. Nesse processo se mostrava que ele
tinha “dedicação exclusiva na Ufes” e que, além disso, “o dinheiro que o Vereador João
Pedro recebeu da Ufes também é dinheiro público e, na verdade, ele deveria estar com o
seu mandato cassado.”59
EDUCAÇÃO
A avaliação quase unânime da gestão anterior de Vítor Buaiz na Prefeitura era a
de que o aspecto em que o seu governo mais se destacara fora o da educação, que teria
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
sido, aparentemente, a sua prioridade. Como vimos anteriormente, Paulo Hartung, ao iniciar o seu mandato, dissera que estava gastando na educação mais do que aquilo que a Lei
Orgânica autorizava. Todavia, mais ou menos no meio de seu mandato, já existiam dúvidas
a respeito da continuidade da política de priorização da educação em Vitória.
Namy Chequer admitiu que Paulo Hartung havia mantido “certo padrão de qualidade da administração anterior”, mas uma “lacuna lamentável” existia justamente na área
da educação. Ele lembrou que no início a bancada do PT havia manifestado desacordo
com a nomeação de César Colnago para a Secretaria de Educação, e que ele, “infelizmente”, havia discordado dessa posição, mas era obrigado a reconhecer agora que Colnago
era “o pior secretário de Educação que já passou por essa Prefeitura.” Para Namy já não
era possível dizer que o ensino municipal era “melhor do que muitas escolas particulares,
como se podia dizer na administração passada.”60
Mais tarde, o mesmo Namy, ao justificar a sua apreciação negativa de Colnago,
afirmou que ele não atendia “ninguém”, não dava “confiança para Vereador”, não atendia
“ao povo” e era “insensível e incompetente”. Ele esclareceu, no entanto, que não estava
criticando Paulo Hartung, que “tinha tudo”, segundo ele, “para ser um grande prefeito”.
Luzia Toledo disse estranhar essas denúncias de Namy a Colnago, “uma pessoa educada
e fina”, e procuraria fazer uma reunião entre “ele e os vereadores”, porque poderia estar
havendo “um equívoco”.61
Todavia, poucos meses depois, foi a própria Luzia Toledo quem também expressou desagrado com a situação da educação, ela que era uma correligionária de Paulo
Hartung. Em um discurso pronunciado em novembro de 1994, Luzia afirmou que na
administração passada “a escola municipal foi considerada melhor que a particular”. Ela
ainda afirmou que o prefeito Paulo Hartung, de 37 anos, era um “prefeito empreendedor”,
mas admitiu que desejava “que o empenho dele com a educação fosse maior”, porque um
prefeito tinha “que fazer com que a escola pública seja igual a particular”. Ela esperava que
“na hora” em que ele terminasse o seu mandato a educação de Vitória fosse considerada
prioridade “número um”, “porque não se pode melhorar a qualidade de vida de uma população, se não passar pela educação”.62
465
História da Câmara Municipal de Vitória
Por aqueles dias de novembro de 1994 agitava-se na cidade o problema criado
pela greve dos professores da rede municipal de ensino. Em meio à campanha eleitoral
para governador, na qual o candidato petista Vítor Buaiz despontava como favorito, embora enfrentasse a dura concorrência de seu adversário Cabo Camata, o Vereador Otaviano
de Carvalho saiu em defesa da greve dos professores com o argumento de que prevalecia
uma lógica “perversa” que tentava atribuir “interesses outros” a todos aqueles “que lutam
por salários”, no caso específico dos professores que lutavam, segundo Otaviano, “por
um salário decente e pela recuperação da qualidade do ensino nas escolas municipais de
Vitória.” Para ele, a qualidade do ensino em Vitória estava em “queda livre” e era comum
encontrar pais e mães dizendo que “estavam procurando outro lugar para colocar seus filhos”, porque sentiam, “no dia a dia, no dever de casa” que os filhos traziam, a “queda na
qualidade de ensino na rede municipal”. E Otaviano concluía que isso só interessava “aos
donos de escolas particulares” e àqueles que não querem ver a demanda por mais vagas no
ensino público “no próximo ano” crescer. É que, segundo Otaviano, “a partir do momento em que você tem uma queda na qualidade do ensino, a pressão do conjunto da sociedade
pela construção de mais escolas, diminui, e diminui esse imenso potencial crítico que existe na rede municipal”. Para Otaviano: “A entrada dos filhos da classe média nos bancos
escolares da rede pública possibilitou — até pelo grau de organização da classe média,
por seu comportamento e por sua origem, devido a se agruparem nas grandes empresas
oriundas da Vale do Rio Doce, Telest, CST, setores bancários, que pelo grau de tradição
alcançado pelo movimento sindical na Grande Vitória — que esse setor tenha experiência
organizativa, que se disponha de fato a debater seus problemas.(...) E essa massa crítica
hoje incomoda e perturba aqueles que querem fazer com que o nível de ensino caia na rede
de ensino municipal (...) porque assim jogam por terra toda a lógica neoliberal que quer
construir no Brasil e em Vitória o chamado ‘Estado mínimo’, que quer reduzir as funções
das obrigações do Estado, que quer manter o serviço público só em áreas que não são do
interesse da iniciativa privada. E a área do ensino é hoje uma das áreas em que a iniciativa
privada joga duro, que mais investe na tentativa de esvaziar a escola pública, para que mais
e mais escolas particulares sejam construídas em nossa cidade. Essa lógica perversa tem
que ser combatida pelos professores da rede municipal, pelo Sindiupes, e por todos aqueles
que lutam para preservar o ensino na rede municipal. Devemos combater, não podemos
fingir que não há uma queda acelerada na rede de ensino. Está presente nas preocupações
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
de cada pai e cada mãe que tem seus filhos na rede pública. Não vamos permitir que se sucateie a escola municipal, que o município de Vitória, que recebeu um prêmio da UNICEF
como um dos quinze municípios desse país que mais levam a sério a educação, que esse
município perca o seu papel na luta pelo resgate da escola pública deste país.”63
Da mesma maneira, em março de 1995, João Pedro de Aguiar abordou o assunto
educação, para informar que havia feito um levantamento em vinte e nove escolas municipais, e dentre elas, vinte e quatro estavam com falta de profissionais por mais de um mês;
sua conclusão foi a de que a “atual administração municipal não tem cumprido a sua promessa, feita em praça pública de manter a qualidade do ensino neste município.”64
Após alguns dias, Huguinho Borges, que era partidário do prefeito Paulo Hartung, referiu-se a um panfleto intitulado “Cidadania”, de autoria de João Pedro, no qual ele
criticava a administração municipal, referindo-se dentre outras questões “à qualidade do
ensino e aos baixos salários dos professores”. Huguinho respondeu ao panfleto, e mostrou
que João Pedro estava “equivocado”, como resumiu a ata. Contudo, João Pedro voltou a
fazer a mesma crítica, - a de que a administração Paulo Hartung era um “retrocesso” com
relação à de Vítor Buaiz -, e alegou que era preciso “que os vereadores visitem as escolas
para que possam constatar os problemas reais que depauperam a qualidade do ensino municipal.”65
Outro tema relacionado com a educação municipal abordado na Câmara foi o
do funcionamento e da atuação das escolas particulares no que diz respeito aos uniformes
escolares. Como vimos anteriormente, os vereadores mais identificados com a “esquerda”
possuíam fortes prevenções contra a atuação das escolas particulares, que, segundo eles,
eram adversárias da expansão da rede pública. Stan Stein usou a tribuna para denunciar o
“mercantilismo” envolvendo o funcionamento das escolas particulares muito bem exemplificado na questão do aumento das mensalidades e na mudança dos uniformes escolares.
Para ele: “Não bastasse a frequência com que as escolas privadas têm figurado no noticiário econômico, vimos algumas delas figurar no noticiário policial. A ganância com que se
tem colocado diante das famílias, dos pais de seus alunos, explorando-os, impondo-lhes
ajustes nas prestações e mensalidades, foge ao raciocínio mais primário de qualquer analfa-
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História da Câmara Municipal de Vitória
beto. Em uma inflação que não alcança em doze meses 30%, vimos anúncios de reajustes
de 60%, 80% e 90%.” Contudo, não era apenas isso que Stan denunciava. Ele quis dizer
também, que: “Uniformes escolares têm sido agora a nova forma de extorsão de dinheiro
das famílias capixabas. O Colégio Nacional, Darwin e outros, segundo denúncia que nos
chegam, passam agora a mudar de uniforme, e neste sentido há uma lei recentemente aprovada na Assembleia dizendo que o uniforme não poderá ser mudado pelo prazo mínimo
de cinco anos. Mas vejo que essa lei de âmbito estadual não será suficiente para acabar com
esta ganância, esta sede de dinheiro fácil com que as escolas se têm apresentado.”66
Diante da existência na Câmara de inúmeros projetos de alteração curricular, com
várias propostas de inclusão de novos assuntos nas disciplinas já ministradas na rede municipal, e de incorporação de outras matérias, João Pedro de Aguiar ponderou que a aceitação de todas essas propostas resultaria numa “fragmentação sem precedentes, uma grande
colcha de retalhos”, e isso faria com que as matérias, que eram dadas naquele momento,
deixassem de contar com o tempo hábil para serem ministradas integralmente aos alunos.
A solução que João Pedro propôs foi a de que deveria haver uma grande discussão com
os educadores que eram “os profissionais que entendem de educação, antes de qualquer
proposta de reforma curricular a ser feita por esta Casa.”67
E de fato, provavelmente atendendo a essa sugestão de João Pedro, a Câmara, por
iniciativa de Maria Ignez Pfister, a suplente de Vereadora petista que estava em exercício,
convidou a Secretária Municipal de Educação, Ana Maria Marreco Machado, para uma
exposição a respeito da atuação de sua pasta e de suas propostas, e o convite foi atendido.
Referindo-se à seleção do conteúdo a ser ministrado nas escolas, a secretária afirmou, entre outras coisas, que ela acreditava na autonomia das escolas para elaborar os seus
projetos, “dizendo o que elas querem e para onde querem caminhar”, mas alertou que
“nós temos diretrizes maiores para que possamos, logicamente, saber para onde estamos
mandando e não diversificar e deixar cada um andar para um lado, senão fatalmente, nós
chegaríamos ao caos”. Ela se mostrou preocupada também com a produtividade das escolas e em como andavam elas “em termos de evasão, aprovação e reprovação”. A secretária
garantiu que Vitória possuía “a melhor rede de pré-escola do Brasil”, mesmo confessando
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A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
que ela não tinha a respeito “nenhum estudo” e se baseava “apenas no conhecimento empírico”.68
Mesmo assim, em maio de 1996, outra greve do magistério municipal voltou a
acontecer, e Maria Bernadete Von Randow, da Secretaria de Administração, compareceu à
Câmara para dar explicações a respeito da postura da Prefeitura municipal diante do movimento grevista por aumento salarial. Von Randow afirmou que não tinha como atender
a todas as reivindicações do magistério, pois isso implicaria “comprometer a receita inteira
da Prefeitura”. Segundo Von Randow: “Não houve compreensão do magistério. Houve
um movimento paredista, nós fomos à escola onde houve reunião com os pais, explicamos
isso, e hora nenhuma houve compreensão. Nós demos o máximo que nós poderíamos.
Não era tudo o que o magistério queria, mas era o máximo que a Prefeitura poderia dar.
(...) Essa administração tem primado por pagar o salário do servidor no mês de pagamento
e no mês trabalhado. Nós queremos continuar dessa forma até o final do governo. E para
continuarmos, nós temos que manter o equilíbrio financeiro que é sabermos o que é que
nós estamos arrecadando e como é que nós vamos pagar nossas contas com essa diminuição da arrecadação.”69
OPOSIÇÃO
O ano de 1994 se encerrava e o presidente da Câmara, Toninho Loureiro, se
congratulou com seus colegas vereadores pela votação do orçamento para o ano seguinte,
“sem uma emenda sequer”. Ele considerou esse feito uma demonstração “de grandeza, de
responsabilidade, e de respeito às discussões do orçamento com as lideranças comunitárias
nos bairros de Vitória”. E acrescentou que pela primeira vez a Prefeitura estava chegando a
um índice jamais visto de 98% de “obras previstas no orçamento e concluídas”, um índice
que Loureiro considerou “espetacular”.70
Todavia, essa expressão de apoio incondicional ao governo de Paulo Hartung deixou de ser quase uma unanimidade na Câmara. Antes do fim de seu mandato, surgiu uma
corrente de manifestações cujo conteúdo portava restrições ao jovem prefeito da Capital.
E mais uma vez o porta-voz inicial dessa insatisfação foi o veterano político de Vitória, o
469
História da Câmara Municipal de Vitória
ex-prefeito Berredo de Menezes. Ele criticou acerbamente Hartung pelos gastos com propaganda, que, segundo Berredo, eram feitos de forma “abusiva e escandalosa”, não dando
ao Legislativo “espaço e condições dignas de trabalho”; não divulgando as boas ações e os
trabalhos da Câmara Municipal de Vitória; e não demonstrando qualquer “consideração”
com “esta Casa”.71
No entanto, no início de 1996, o último ano da décima segunda legislatura, o
novo presidente da Casa,
Alexandre Buaiz Neto, ainda
considerou “sem falsa modéstia” que “esta legislatura
tem sido uma das melhores câmaras municipais que
a cidade de Vitória já teve”,
visto que o trabalho dos vereadores agradava à população e tornava a Câmara “uma
Casa respeitada, uma Casa de
Leis como a população de
Vitória realmente necessita.”
Buaiz não se esqueceu de reconhecer que o “sucesso da
administração que aí está no
Executivo é fruto do sucesso do trabalho desta Câmara
Municipal” e que, se Vitória
era uma “cidade modelo”,
Alexandre Buaiz Neto (à esq.) e seu homenageado. Fonte: Memórias de Vitória - Facebook
isso era uma prova de que
“nós temos a nossa participação, pois temos procurado fazer o possível para que nossa administração atenda a todos.” Buaiz louvou a presidência anterior de Toninho Loureiro por ter iniciado o trabalho
de “informatização” da Câmara, que ele concluiu, e informou que em 1995 foram feitas
470
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
“1.100 indicações” e tramitaram “221 projetos”, o que mostrava, segundo ele, que a Câmara “muito vem trabalhando”. Ele afirmou, ainda, que já estava em andamento o projeto de
uma reforma administrativa da Câmara e igualmente o de uma reforma física do espaço de
trabalho dos vereadores.72
A reforma física mencionada por Buaiz era necessária porque, segundo ele, não
era fácil trabalhar nas condições em que se vinha trabalhando ao longo dos últimos anos. É
que, de acordo com Buaiz: “Esta Câmara foi improvisada. Este prédio não foi construído
para ser a Câmara municipal de Vitória. Ele foi projetado para ser uma biblioteca. E nós
hoje temos aqui funcionando uma Câmara municipal em precárias condições e mesmo
nessas condições os senhores vereadores têm demonstrado o amor e o carinho pelas suas
tarefas que em conjunto nós estamos realizando.” Buaiz revelou que em conversa com o
prefeito mandara elaborar um projeto que não seria “uma obra faraônica, nem uma obra
nova”, mas melhoraria as condições de trabalho dos vereadores. Buaiz anunciou a mudança do horário de início das sessões da Câmara para as dezessete horas, em função da
campanha eleitoral, e se vangloriou de ter criado o “Disque-Vitória”, colocando a Câmara
aberta à população; ele assegurou, finalmente, que a reforma física criaria condições adequadas para “se trabalhar”.73
No entanto, a realização do projeto de reforma física da Câmara iria “azedar” a
relação do prefeito com o presidente da Câmara. Em março de 1996, Buaiz já anunciava
que o repasse da verba necessária para a reforma não estava acontecendo e que ele já ligara
mais de dez vezes para o prefeito e “até hoje não recebeu resposta”.74
No mês seguinte, Berredo de Menezes, dizendo-se revoltado “com isso que eu
denomino falta de caráter de um homem político”, voltou à carga contra Paulo Hartung e
afirmou que ele prometera “mundos e fundos” para a Câmara e que ia melhorar “a situação indigna em que vivemos, em verdadeiros cubículos”. E isso foi suficiente para desatar
de vez a veia crítica do presidente Alexandre Buaiz Neto que proferiu um “raivoso” discurso contra o prefeito. Para Buaiz Neto: “Fazer o que ele está fazendo em Vitória, qualquer
leigo faz, qualquer analfabeto faz. Com um orçamento de duzentos e cinquenta milhões
de reais qualquer inútil é capaz de realizar obras.” Sandro Carioca veio em seu apoio para
471
História da Câmara Municipal de Vitória
denunciar a utilização da imprensa pela máquina administrativa da Prefeitura e lamentar
que não houvesse a menor condição de os gabinetes dos vereadores funcionarem. Mesmo
assim, para Sandro: “Alguns vereadores são privilegiados, em relação às salas, que dão um
pouco mais de nove metros. Outros não têm nem sala, como é o caso do Vereador Nenel
Miranda, que não se encontra no plenário.”75
Berredo de Menezes, ao proferir então mais um de seus comoventes discursos,
porém meio dramático, disse que a impressão que ele tinha era a de que “nós estamos
num pinico”: “porque se botar de cabeça para baixo, desgraçadamente, parece mais um
pinico do que uma Casa de Leis”. Ele informou: “Venho para cá às oito horas da manhã.
Geralmente passo quase que o dia todo e, lamentavelmente, não tenho tempo para trabalhar, porque o que vem de gente para pedir socorro, pedir ajuda, pedir dinheiro, me deixa
completamente transtornado.” E concluiu: “Eu vou embora. Vou ter que deixar esta Casa.
Estou pensando, seriamente, em não voltar mais. Ah! Se Deus me desse agora a sorte de
acertar uma Sena. Eu não voltaria mais aqui. Porque agora, quando eu entro, desgraçada e
tristemente, fico com tristeza no coração e na alma, sobretudo pelo que o poder Executivo
está fazendo com a Câmara e com os vereadores que continuam dizendo sim e beijando a
mão do prefeito.”76
E ver vereadores só “dizendo sim e beijando a mão do prefeito” era também o
que exasperava e decepcionava João Pedro de Aguiar. Todavia, diante de manifestações
como as de Alexandre Buaiz, Sandro Carioca e Berredo de Menezes, o Vereador petista
confessou: “Eu fico, de certo modo, satisfeito e feliz porque nesse último ano de nosso
mandato vários vereadores têm vindo a essa tribuna para criticar o relacionamento de subserviência, de dependência, que macula a dignidade desta Câmara e a relação do Executivo
com o Legislativo que, desde o primeiro momento de nosso mandato, nós denunciávamos
aqui desta tribuna. Felizmente, no último ano, muitos vereadores, com fatos concretos
como agora se mostra, vêm a fazer essa mesma crítica. E gostaria de dizer ainda, que esse
fato narrado aqui, pelo Vereador Alexandre Buaiz Neto, assim como outros que já foram
trazidos à reflexão desta Câmara, de fato desmoralizam o Legislativo municipal. Por que
desmoralizam? Porque não são poucas as vezes, e eu diria que são muitas vezes, inúmeras
vezes, que os projetos do Executivo são votados por esta Câmara, sem o devido apreço,
472
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
sem uma discussão responsável. E muitas vezes sem leitura apropriada desses projetos e
ainda outras vezes, mesmo sabendo as intenções que vêm por trás desses projetos, assim
mesmo eles são votados. Quando o Executivo dobra o Legislativo, na verdade, nós temos,
como aqui entre nós, iniciado um processo que visa simplesmente diminuir a discussão
democrática, que visa corroer, melhor dizendo, a democracia que tão penosamente queremos instalar entre nós. Isso ocorre no Executivo municipal com relação ao Legislativo
municipal. Também ocorre na esfera estadual e também na esfera federal”.77
NOVOS TEMAS
Mulher
O tema da mulher não era completamente novo na Câmara nem a presença feminina na representação era completamente inédita, haja vista que desde os anos 50 mulheres
eram eleitas, mesmo que em pequeno número. Mas ele ganhou um novo alento na Câmara
a partir dos anos 90, especialmente com a atuação da Vereadora Luzia Toledo.
Ativa participante do Núcleo Capixaba de Mulheres, Luzia trouxe para a Câmara
a discussão de temas que tinham um interesse especial para as mulheres, como o combate à
esterilização em massa de mulheres, a implantação do planejamento familiar em todo o Estado, a não privatização da saúde, a implantação de um sistema de atendimento materno-infantil, a implantação da medicina comunitária, a assistência à gravidez e muitos outros.78
Negros
Da mesma maneira não era completamente inédita a referência na Câmara à problemática da população afrodescendente. Mas ela ganhou novo impulso com a presença
de vereadores como Maria Ignez Pfister e Ademir Cardoso. No Dia Internacional Contra
a Discriminação Racial, por exemplo, Maria Ignez usou a tribuna para lançar a Campanha
pelos Reparos ao Povo Negro, fazendo um relato da vinda compulsória dos negros africanos para o Brasil, transformados em escravos e “sofrendo maus tratos e perdendo suas
identidades”. Ela lembrou que a Constituição de 1988 estabeleceu punição para as manifestações de preconceito racial, “mas que isso não passa de literatura, e exige, portanto, que
473
História da Câmara Municipal de Vitória
essa legislação seja posta em prática.”79
A fala de Maria Ignez foi transcrita na íntegra em uma ata da Câmara, em que ela
concluiu que: “Não se trata de dizer que o negro deve adotar uma atitude violenta, mas
como representante de uma raça deverá dispor de um espaço para desenvolver-se, saindo
do estado de servidão que se prolonga até hoje. Vamos refletir e agir para reverter essa
realidade, pois a democracia não pode permitir esse tipo de exclusão. E como dizia o poeta
Lino Guedes: Negro preto, cor da noite/Nunca te esqueças do açoite/ Que cruciou tua
raça/Em nome dela somente/ Faze com que nossa gente/Um dia gente se faça.”80
Igualmente ativo na Câmara a respeito da questão dos afrodescendentes foi o Vereador Ademir Cardoso. Convidado pela Secretaria Municipal de Cidadania para participar
do Seminário Ação Afirmativa Cidadania Para o Povo Negro, realizado em Vitória, Ademir
fez referência ao “SOS Racismo”, criado pela Câmara para combater o racismo e que funcionava como um departamento da Secretaria Municipal de Cidadania, mas ainda não fora
regulamentado. Denunciando as práticas de racismo no Espírito Santo, Ademir concluiu
que: “Nós só teremos um povo feliz quando todos forem reconhecidamente iguais. Quando todos nós reconhecermos no nosso semelhante quer seja negro, quer seja branco, quer
seja índio, quer sejam quem forem, reconhecermos como iguais a nós.”81
Esporte e Saúde
Destacou-se também na Câmara nesta legislatura o Vereador petista Luciano Rezende. Médico de profissão, Luciano preocupou-se com a questão da saúde pública chamando a atenção para o fato de que 70% da população brasileira não praticava nenhum
tipo de atividade física “porque não tem estrutura pública disponível”. Por conseguinte,
logo que tomou posse, ele garantiu que iria trabalhar “no sentido de incentivar iniciativas que levem à mentalidade de prevenção, utilizando a prática de exercícios físicos e o
combate ao sedentarismo”. Ele achava que medidas nessa direção poderiam “reduzir os
problemas do sistema de saúde, principalmente na área de problemas cardíacos, com grande influência na baixa da produtividade do sistema econômico dos estados e municípios,
mortalidade precoce e gastos desnecessários com médicos e medicamentos.”82
474
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
PDU
Outro tema recorrente nesta legislatura foi o Plano Diretor Urbano - PDU. Já
em 1993, o Vereador Nenel Miranda requeria ao chefe do poder Executivo municipal que
enviasse à Casa, com a “urgência necessária”, uma reforma do Plano Diretor Urbano, principalmente a respeito do ponto mais polêmico, que era o “aumento do gabarito de construções nos bairros de Jardim da Penha e Jardim Camburi”. Para Nenel a reformulação do
PDU era necessária “pois o município vem perdendo muitas receitas em função de vários
artigos arcaicos do PDU que atrapalham o crescimento da cidade.” Segundo Nenel, muita
coisa que tinha sido aprovada antes “era válida, mas hoje não é mais.”83
Todavia, contra a modificação do gabarito nos bairros mencionados, logo se manifestou José Esmeraldo de Freitas. Seu argumento foi o de que esses bairros: “são de alta
densidade demográfica, onde de oitenta e cinco a noventa por cento dos terrenos já foram
edificados com prédios de pilotis de três andares e, não é admissível que venham, nesta
modificação do PDU, aprovar projetos modificando os gabaritos.”84
Dois anos depois, no entanto, José Carlos Lyrio Rocha afirmou que o projeto
de lei do PDU “que foi aprovado nesta Casa, na administração do ex-vereador Toninho
Loureiro teve uma tramitação muito rápida, considerando-se a grande importância daquele
assunto.”85
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 164 leis provenientes do Executivo e 112 provenientes
do Legislativo. E estas leis foram classificadas da seguinte forma:
01.
Estrutura Organizacional, Conselho: 27
02.
PDU – Plano Diretor Urbano, Meio-ambiente, CDV: 15
03.
Tributos, isenções, correções, taxas, anistia: 12
475
História da Câmara Municipal de Vitória
04.
Utilidade pública: 13
05. Logradouros públicos, nomenclaturas de ruas, bairros e prédios públicos:
183
06.
Cargo público, gratificação, salário, vencimento, diária, acordo coletivo: 16
07. Pessoal, aposentadoria, IAVV, plano de cargos e salários, vale transporte,
IBWP: 27
08.
Orçamento, orçamento plurianual, doação: 25
09.
Contrato, convênio, acordo, assessoramento, concessão: 8
10.
Cidade irmã, datas comemorativas, prêmios: 6
11. Patrimônio Municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, alienação, doação, licenças, licitação, concessão de uso: 28
476
12.
Posturas: 35
13.
Educação: 12
14.
Transporte: 15
15.
Necrópole: 2
16.
Operação de Crédito, Crédito especial: 8
17.
Contribuição de melhoria, subvenção e auxílio: 12
18.
Obras: 10
19.
Saúde: 21
A Décima Segunda Legislatura 1993-1997
20.
Cultura: 8
21.
Ação social: 4
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 LEI 3905, de 1º de fevereiro de 1993: Cria 36 Centros de Educação Infantil
e reconhece como sua unidade o Parque Infantil Darcy Vargas. (Origem: Executivo)
 LEI 3906, de 3 de fevereiro de 1993: Cria e denomina 10 Escolas de Primeiro Grau no Município de Vitória. (Origem: Executivo)
 LEI 3910, de 1º de março de 1993: Cria a Companhia de Limpeza Urbana
de Vitória – COLURB, órgão da administração indireta. (Origem: Executivo)
 LEI 3957, de 29 de julho de 1993: Cria o Fundo Municipal de Bem Estar
Social – FMBES. Cria o Conselho Municipal de Bem Estar Social. (Origem: Executivo)
 LEI 3975, de 6 de outubro de 1993: Cria o Conselho Municipal das Pessoas
Portadoras de Deficiência – CMDPPD. (Origem: Executivo)
 LEI 4077, de 15 de setembro de 1994: Autoriza o Executivo a contrair empréstimos junto à Companhia Vale do Rio Doce para implementação da rede de drenagem
da avenida Saturnino Brito. (Origem: Executivo)
 LEI 4149, de 16 de dezembro de 1994: Institui a Lei Orgânica da Procuradoria Jurídica do Município. (Origem: Executivo)
 LEI 4195, de 2 de maio de 1995: Autoriza a instalação de chuveiros automáticos nos balneários (praias) do município. (Origem: Legislativo)
 LEI 4213, de 1º de junho de 1995: Cria a Secretaria Municipal de Esportes.
Cria o Conselho Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Esportes. (Origem: Executivo)
477
História da Câmara Municipal de Vitória
 LEI 4230, de 7 de agosto de 1995: Estabelece critérios para as sociedades
serem declaradas de utilidade pública. (Origem: Executivo)
 LEI 4248, de 20 de setembro de 1995: Cria o Conselho Gestor do Sistema
de Arquivos. Institui o Sistema de Arquivo do Município de Vitória. (Origem: Executivo)

LEI 4291, de 29 de dezembro de 1995: Cria o Conselho Municipal de Tu-
rismo. (Origem: Executivo)
 LEI 4314, de 3 de abril de 1996: Obriga as empresas de transporte coletivo
de passageiros do Município de Vitória a utilizarem o gás GNV (gás natural veicular) como
combustível em seus veículos (ônibus). (Origem: Legislativo)
 LEI 4333, de 22 de abril de 1996: Cria faixa única para trânsito de veículos
de transporte coletivo de passageiros. (Origem: Executivo)
478
CAPÍTULO XIII
A DÉCIMA TERCEIRA
LEGISLATURA 1997 - 2000 O primeiro mandato de Luiz Paulo Vellozo Lucas A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
A PRESIDÊNCIA DE CÉSAR COLNAGO
A ata da primeira sessão ordinária desta legislatura contém um trecho que pode
servir para ilustrar a tendência política predominante nela desde o seu início. Declara-se,
nessa ata, que o Vereador César Colnago, já eleito para presidente da Casa, ao assomar à
tribuna, afirmou que “esta administração, será um exemplo de probidade e dignidade, altamente qualificada para bem servir o povo do município de Vitória.” Pergunta-se então:
Colnago se referia à sua administração à frente da Câmara ou à frente da Prefeitura de
Vitória? Tudo indica que a última alternativa é a verdadeira. Nesse caso, uma conclusão
logo se impõe: Colnago falava em nome do prefeito, identificando implicitamente a Câmara com a Prefeitura, o poder Legislativo com o poder Executivo. Ele se posicionava não
exatamente na condição de representante e chefe de um poder independente, cuja função
era apenas a de legislar e fiscalizar o outro poder, este sim o poder Executivo, mas como o
porta-voz de uma situação política dominante, cujos tentáculos se estendiam da Prefeitura
à Câmara, ou seja, do poder Executivo ao poder Legislativo. E por isso o presidente da
Câmara podia falar como se ele também respondesse pela função executiva. O que não
deixava de significar uma “elevação” do papel do presidente da Câmara.01
Pode-se afirmar, portanto, que a “quase unanimidade”, que havia prevalecido na
legislatura anterior (1993-1997), agora se afirmava claramente como uma “verdadeira unanimidade”. E isso prova que a situação política que dominara na gestão anterior, agora se
consolidava com mais força ainda. O governo de Luiz Paulo Velloso Lucas se propunha a
ser justamente a continuidade da gestão anterior de Paulo Hartung, cujo apoio fora essencial para sua vitória nas urnas. Em função dessa conjuntura política, o ex-presidente Toninho Loureiro falou do “amadurecimento” dos vereadores, e informou que eles haviam
participado de uma reunião com o prefeito e o seu secretariado, “mostrando um entrosamento para poder fazer o melhor por nossa cidade, independentemente de partidos”. E
mesmo assegurando não concordar “com tudo que está ocorrendo”, Dermival Galvão, o
médico que se reelegera Vereador, afirmou que estava “torcendo pelo sucesso do prefeito.”02
481
História da Câmara Municipal de Vitória
Se não ocorria “diversidade” política na Câmara, havia nela pelo menos uma
grande variedade no que diz respeito à origem social dos vereadores: indivíduos com uma
formação muito diversa foram agrupados conforme sua vitória nas urnas. Ao lado de
Hélio Gualberto, um conceituado jurista, desembargador e ex-presidente do Tribunal de
Justiça do Estado do Espírito Santo, filiado ao PT, figuravam vários médicos, como os
experientes Dermival Galvão, Pedro Luiz Corrêa, Luciano Rezende, o “novato” Cornélio
Alvarino, filho do ex-vereador Izildo Alvarino e o próprio presidente César Colnago. Da
mesma forma compunham a Câmara o ex-prefeito Hermes Laranja, advogado de profissão, como o eram José Carlos Lyrio Rocha e José Coimbra; mas figuravam também pessoas
de origem bem “popular” como o ex-gari Jair Lixeiro que, em uma de suas primeiras falas,
externou a sua felicidade por estar pertencendo “a um quadro de vereadores com muita
capacidade”. Jair ressaltou as dificuldades que encontrara para obter os 1754 votos que o
elegeram, a maioria dos quais obtidos no bairro São Pedro, onde morava, lembrou, contudo, de agradecer ao ex-prefeito Hermes Laranja pelo cargo de gari que este lhe arranjara
quando fora prefeito de Vitória. Além desses, Sergio Rabello e Mario Pinto de Oliveira
foram elencados pelo site da Câmara Municipal como participantes desta legislatura.03
Nesse contexto, Joel da Farmácia, outro Vereador de origem popular, esclareceu,
igualmente, que apesar de ter sido o Vereador menos votado, com 901 votos, havia feito
uma campanha muito simples, sem recursos financeiros e sem ajuda de partido, conseguindo votos exclusivamente de amigos e pessoas que conheciam o seu trabalho na farmácia
havia “mais de trinta anos”.04Isso sem contar o “folclórico”, mas assertivo, Zezito Maio,
“representante dos pescadores da Praia do Suá.”
A única bancada cujos parlamentares ainda poderiam fazer alguma oposição “sistemática” na Câmara era a bancada do PT, composta por apenas dois vereadores - os já
mencionados Hélio Gualberto e Luciano Rezende. Entretanto, já em abril de 1997, poucos
meses após o início da legislatura, Gualberto anunciou a sua desfiliação do partido, e assegurou que a sua conduta política continuaria sendo idêntica, mesmo estando em outro partido. Ele criticou a oposição sistemática que o PT queria fazer, “por não ter discernimento
próprio para distinguir onde esteja em cada proposta o interesse público”, e assegurou
que preferia o exercício de sua “individualidade”, sem restrições que pudessem limitar e
482
A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
dificultar o desempenho de sua função, como ele a entendia.05
No final do mesmo mês de abril de 1997, Luciano Rezende igualmente anunciou
com “profunda tristeza” o seu desligamento do PT, afirmando que o momento era de “reflexão”, dado que o partido acabava de perder o seu único representante na Câmara. Ficava
assim “sem voz” o partido que poderia se opor, de maneira sistemática, à situação política
dominante na Câmara e na Prefeitura.06
Todavia, a “despolitização” da Câmara ajudou a aumentar o desinteresse pelas
sessões, principalmente pela tribuna, e a qualidade dos discursos decaiu sensivelmente.
Como consequência, diminuiu também a própria frequência às sessões. Dermival Galvão
refletiu esse quadro, denunciando em junho de 1997, a poucos meses do início da sessão
legislativa, o “desânimo” com a atuação dos vereadores “principalmente com o número
excessivo de faltas às sessões”, junto com as alterações no momento em que se usava a
tribuna. Galvão ainda lembrou que muitos vereadores não apareciam nas sessões “ficando
sempre os mesmos para manter o quórum.”07 Até o “novato” Cornélio Alvarino surpreendeu-se com esse fato e manifestou a sua “indignação” com a “inexistência de audiência,
por parte dos vereadores, aos pronunciamentos proferidos da tribuna”.08
E talvez por causa dessa situação o Vereador Silvio Lopes Pereira, irmão do ex-vereador Claudionor Lopes Pereira, defendeu a necessidade de se reduzir em 50% o número de parlamentares em todo o país. Ele acrescentou ainda que a Câmara de Vitória
“poderia ter o número de vereadores reduzido pela metade que funcionaria perfeitamente bem” e “pouparia muitos recursos” que poderiam ser investidos em áreas prioritárias
como a da saúde.09
A discussão dessa questão sobre o número de vereadores, que compunham a Câmara, aliás, se tornou recorrente em toda a legislatura e levou o Vereador Ademar Rocha
a se congratular com o presidente Huguinho Borges - o Vereador que havia substituído
Colnago após o seu biênio - pela “grande ideia” que ele havia tido de reduzir, já na próxima
legislatura, o número de vereadores. Para Ademar a medida além de diminuir significativamente os gastos da Casa, faria com que apenas dois ou três partidos fossem representados,
483
História da Câmara Municipal de Vitória
“o que seria bom”, no seu entender.10
Com efeito, Huguinho apresentou um projeto, reduzindo o número de vereadores, de vinte e um para quatorze. Afirmou então que a aprovação dessa medida seria “um
momento histórico para a cidade de Vitória”, uma vez que representaria uma economia
de 30% no orçamento, e assim a Câmara daria um exemplo “para a nossa cidade e para as
outras câmaras municipais”.11
Mas não havia nenhuma unanimidade quanto a isso na Câmara. Hélio Gualberto
se manifestou contrário à proposta de Huguinho, dizendo que ela era “antidemocrática”
justamente porque excluía a representação das minorias na instituição e induzia ao bipartidarismo. Gualberto argumentou ainda que existiam muitas outras maneiras de se reduzirem os gastos. Huguinho contra-atacou, afirmando que a cidade estava dividida em sete
regiões, “o que daria dois vereadores por região, um número que representaria muito bem
a cidade”.12
A questão da redução do número de vereadores repercutiu com alguma força
na imprensa e na sociedade. Na opinião de José Coimbra, as regiões mais carentes seriam
prejudicadas, visto que poderiam ficar sem representação. Ele se queixou igualmente de
que, como líder do PSDB e vice-líder do governo, havia sido procurado pelos pequenos
partidos para dar explicações sobre o assunto.13
Todavia, Huguinho Borges acrescentou que a sua proposta já estava sendo apresentada para todos os municípios do Estado do Espírito Santo e até para os outros do
Brasil. Ele afirmou que seu projeto era de “moralização”, que “a maioria dos vereadores
o tinham assinado, além de conter a assinatura de mais de dez mil moradores de Vitória”.
Borges ainda informou que, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Futura, 80%
da população era a favor do seu projeto.14
No dia da votação em primeiro turno do projeto de Huguinho Borges, contudo,
ele foi rejeitado por quatorze votos contra oito dados pela sua aprovação.15No mês seguinte, porém, Ademar Rocha enalteceu a decisão do Ministério Público, reduzindo o número
de vereadores de vinte e um para onze. Ele desejava que fossem apenas quatorze, mas,
484
A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
mesmo assim estava disposto a candidatar-se mais uma vez.16
O desfecho judicial provisório de uma questão que havia sido levantada logo nos
primórdios da legislatura, ainda sob a presidência de César Colnago, não pode obliterar o
fato de que, apesar disso, no período de dois anos em que esteve à frente do Legislativo
municipal, Colnago conseguiu apresentar-se como o campeão da redução de despesas por
parte da Câmara.
Ao final do primeiro ano de sua presidência, César Colnago, em uma espécie de
prestação de contas, listou algumas das suas realizações: a devolução de um milhão e trezentos e cinquenta mil reais para a Prefeitura, quantia essa referente à verba privativa da
Câmara que não havia sido utilizada e tinha sido, portanto, “economizada”; a compra de
mesa telefônica com telefones digitais para os gabinetes dos vereadores; a informatização
dos gabinetes; a divulgação na mídia escrita, falada e televisada dos trabalhos legislativos;
e a realização de uma pesquisa a respeito do trabalho realizado pela Câmara perante a opinião pública. O presidente informou e enfatizou, a esse último respeito, que a pesquisa
havia revelado que o nível de “aprovação” da Câmara passara de 15% para 35%.17
Algumas dessas realizações, entretanto, não ficaram sem contestação. Zezito
Maio, por exemplo, afirmou que procurara Colnago, propondo-lhe que o dinheiro devolvido ao Executivo seria mais bem “empregado” se tivesse sido doado ao Hospital das
Clínicas e à Santa Casa. Maio se queixou igualmente que comunicara à Colnago que faria
uma viagem à África para fazer uma palestra, solicitando-lhe que outro Vereador fizesse
parte da comitiva, mas Colnago lhe respondeu que não, “pois isso iria denegrir a sua política”. O “representante da Praia do Suá”, como Maio gostava de se apresentar, finalizou a
sua diatribe, dizendo - com a mordacidade que lhe é característica, pois até hoje compõe a
Câmara - que a contratação do ex-vereador Stan Stein como procurador da Câmara significou, na prática, que a Câmara seria composta por vinte e dois vereadores.18
Da mesma forma, outras decisões de Colnago foram alvo de crítica. O ex-prefeito
Hermes Laranja saiu de sua discrição para expor a sua indignação com a atitude de Colnago que, segundo ele, teria praticamente nomeado o 1º. vice-presidente, substituto do
485
História da Câmara Municipal de Vitória
titular que falecera, ferindo o Regimento Interno, numa “atitude ditatorial da presidência”.
Laranja reivindicava para si o posto para o qual foi indicado o Vereador José Coimbra. No
entanto, Colnago se defendeu da acusação, afirmando que a sua decisão unilateral, e “sem
interferência de qualquer posição”, no preenchimento da vaga de 1º. vice-presidente, fora
imbuída do “espírito de justiça” e baseada na Lei Orgânica Municipal e no Regimento Interno, que estabeleciam a posição dos partidos e a proporcionalidade da Mesa.19
Huguinho Borges, que da mesma maneira apoiava o prefeito Luiz Paulo, foi outro
Vereador que afirmou se sentir “triste” com essa atitude de Colnago, que impôs o nome de
José Coimbra, causando com isso, segundo ele, “um desgaste desnecessário para todos.”20
Não por coincidência, Huguinho Borges foi o sucessor de Colnago na presidência da Câmara, no biênio 1999-2000.
SAÚDE
Em uma legislatura composta por muitos médicos era natural que os problemas
da saúde no município recebessem uma atenção especial. Contribuiu para isso a percepção
de que era esse um dos problemas mais “angustiantes” - como se dizia antigamente - dos
moradores de Vitória, das cidades vizinhas, de todo o Estado e até de outros estados, uma
vez que os precários serviços médicos da capital já atendiam a uma enorme clientela, com
o que eles se sobrecarregavam.
Um dos combativos batalhadores em defesa da melhoria dos serviços de saúde
foi o médico Cornélio Alvarino, cuja atuação foi intensamente voltada, na avaliação sincera
de seu colega Hélio Gualberto, “para os desfavorecidos da sorte e do destino”, entre os
quais se incluíam os menores carentes e os deficientes físicos.21
Poucos meses após a sua posse, Alvarino fez elogios ao trabalho que vinha sendo
desenvolvido pelo secretário da Saúde, Anselmo Tozi, mas sugeriu de forma muito pertinente a necessidade de se discutir a municipalização da saúde, além da “criação da região,
no que diz respeito à saúde”. Ele entrou também com um requerimento, convocando o secretário de Saúde de Vitória e os de todos os municípios vizinhos, para esclarecerem o que
estava sendo feito “na questão da urgência e da emergência e na prevenção da saúde”.22
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
Com efeito, poucos dias em seguida, Alvarino voltou a abordar o tema, chamando
a atenção para a falta de hospitais que atendessem às urgências, e para a superlotação dos
“prontos-socorros”. Em seu diagnóstico faltavam unidades de saúde que pudessem atender às pequenas urgências, evitando a sobrecarga dos prontos-socorros. Alvarino fez então
uma denúncia, descrevendo uma cena que ainda parece atual, infelizmente. Afirmou que
o Hospital da Polícia Militar, em que se achava funcionando excepcionalmente o Hospital
São Lucas, “estava repleto de pessoas deitadas nos corredores e sendo medicadas no chão
e sem nenhuma higiene”. Ele finalizou, convocando seus pares para uma “Sessão Solene”
a respeito da saúde pública, que se realizaria alguns dias depois.23
Aproveitando a crítica feita por Alvarino, seu colega Pedro Luiz Corrêa - que da
mesma forma era médico e vinha lutando pela saúde desde a legislatura anterior -, salientou que o Hospital São Lucas fora fechado para reformas havia “mais de dois anos” e “até
hoje nem foram iniciadas as reformas.” Sua sugestão ao governador era no sentido de que
o hospital ficasse aberto à população.24
O costume de se realizar uma “sessão solene”, com a presença de especialistas e
de interessados de fora da Câmara, para discutir temas relevantes, se tornaria uma praxe
nesta legislatura, com a realização de mais de uma centena delas durante o mandato. E
foi por isso que o Vereador Nenel Miranda chamou a atenção para a necessidade de se
disciplinar essas sessões uma vez que o Regimento Interno não continha instruções muito
claras sobre o assunto.25
Convém frisar que é uma pena que as atas das sessões ordinárias não contenham
o relato minucioso desses eventos, que certamente se constituíram num importante fórum
de discussão dos problemas da cidade e foram uma grande contribuição da Câmara para o
seu equacionamento.
Um dos participantes da Sessão Solene dedicada à saúde foi o Vereador Silvio Lopes Pereira. Ele relatou que todos os órgãos haviam colocado as suas dificuldades, mas, na
sua opinião, só existiria uma solução para o problema: a criação do Fundo de Participação
dos Municípios da Região Metropolitana. Silvinho, como era chamado na Câmara, citou o
487
História da Câmara Municipal de Vitória
problema da Santa Casa, que estava passando por grandes dificuldades financeiras, visto
que ela somente recebia verbas da Prefeitura municipal, e igualmente mencionou a questão
das emendas, apresentadas em um projeto de lei de autoria do Vereador Sandro Carioca,
destinando verbas para o “Hospital das Clínicas, Santa Casa, Pró-Matre, Caixa Escolar e
Secretaria da Cidadania”. Esse projeto, porém, foi vetado pelo prefeito. Silvinho lembrou
também que estava elaborando um projeto, criando o Conselho Municipal de Combate à
Fome.26
Naquela altura, o governo do Estado, presidido por Vítor Buaiz, do PT, ainda
atolado em uma crise financeira profunda e insolúvel, se mostrava incapaz de equacionar
os mais graves problemas enfrentados no dia a dia pela população. Como denunciou Toninho Loureiro, o governo estadual cancelara os convênios com os principais hospitais da
cidade e, por causa disso, a saúde estava em “situação crítica”. Na opinião de Loureiro, o
governo estadual havia vendido as ações da Escelsa, mas não resolvera nenhum problema
com o dinheiro arrecadado com essa venda. Para agravar mais ainda esse quadro as greves de servidores, por causa do atraso de pagamento dos vencimentos dos funcionários,
se generalizaram. E os médicos estavam à frente desses movimentos grevistas visto que
recebiam “muito pouco pelo muito que fazem”, como lembrou Silvinho Lopes Pereira.27
O agravamento dos problemas de saúde da população de Vitória ocorreu em virtude da epidemia da dengue, que, no dizer abalizado do médico Dermival Galvão, “tomou
conta da cidade de Vitória.”28
VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA COLETIVA
A legislatura foi contemporânea da revelação de uma verdade que até hoje nos
envergonha: a de que a cidade de Vitória e o Estado do Espírito Santo como um todo
eram um dos lugares mais perigosos para se viver no país. Os indicadores comparativos
da violência passaram a colocar a capital capixaba entre as primeiras do país, ela que tinha
sido chamada carinhosamente em tempos idos de Cidade Presépio, por seu aspecto bucólico, por sua paisagem “espremida entre o mar e as montanhas” e também por seu aspecto
acolhedor e pacífico. Mas essa imagem ficara para trás definitivamente, infelizmente.
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
A Câmara não foi capaz de apresentar um bom diagnóstico dessa situação e muito menos de fornecer um bom plano de combate ao alastramento de todas as formas de
crime e de violência. No entanto, ela não ficou completamente à margem do problema,
como parece óbvio, também por uma razão muito simples: os vereadores da mesma forma
eram e são pessoas comuns que não poderiam deixar de se sensibilizar com um mal que
lhes afetava igualmente.
Na verdade, a violência já se tornara um assunto por demais rotineiro, até na
mídia, como lembrou Luciano Rezende. Luciano ficou indignado com a declaração feita
pelo ministro da Justiça, Íris Rezende, inadvertidamente talvez, de que “o crime é algumas
vezes inevitável” (grifos na ata). Luciano achou a declaração “estranha” e se mostrou
muito preocupado “porque a crise que envolve hoje a vida humana passa a ser uma crise
que envolve até pessoas com biografia na área dos direitos humanos”. O desembargador
Hélio Gualberto considerou igualmente que a violência era a “grande matéria que alimenta
a mídia”, e que ela era o resultado, no seu ponto de vista, da fome, da desassistência e da
deseducação. Para o jurista, havia a necessidade de uma reflexão séria sobre o tema, e que a
sociedade meditasse e acertasse providências em torno do assunto “no sentido de diminuir
essa violência na qual a sociedade convive de uma maneira muito penosa.”29
O Vereador José Coimbra, todavia, foi muito mais específico na abordagem do
problema, ao criticar a implantação da “Polícia Interativa”, afirmando que ela foi instituída somente na Praia do Canto, um bairro considerado de “elite”, quando ela deveria ser
inserida também em todos os bairros, dado que os “bairros pobres”, segundo Coimbra,
“não têm dinheiro para comprar veículos”. Coimbra, no entanto, foi contestado por José
Carlos Lyrio da Rocha, dizendo ele não entender por que Coimbra adorava tecer críticas
“das realizações feitas por ele”, pois a “Polícia Interativa” dos bairros Praia do Canto, Praia
de Santa Helena e Barro Vermelho fazia “esforços para ajudar a Polícia Civil”, sabendo da
situação caótica que existia. Para Lyrio da Rocha, as motos, doadas pela comunidade da
Praia do Canto, estavam trabalhando tanto no centro da cidade quanto em alguns bairros
“pobres”.30
José Coimbra voltou a defender o mesmo ponto de vista, garantindo que partici-
489
História da Câmara Municipal de Vitória
para de um Simpósio sobre Segurança Pública, em que um Comandante da PM comentou
que a “Polícia Interativa” só estava sendo colocada em bairros considerados “nobres”,
e que os vereadores deveriam se unir para acabar com essa “discriminação”. Na mesma
sessão, Zezito Maio - sempre defendendo o “seu” bairro - denunciou que a igreja católica
da Praia do Suá fora atacada por baderneiros, que cometeram diversos atos de vandalismo
como a depredação das imagens do altar e a prática de “atos inomináveis”.31
O tema da insegurança pública era alvo de grande preocupação e apreensão por
parte de toda a sociedade, e por isso Colnago aprovou um requerimento e transformou,
mais uma vez, uma sessão ordinária em uma sessão solene com o objetivo de discutir a
“Segurança Pública”. Para participar da Mesa ele convidou vários militares e líderes comunitários. No entanto, a ata registra que após a exposição dessas autoridades a palavra
foi franqueada aos demais vereadores presentes que formularam questões às autoridades,
obtendo respostas “satisfatórias”. Mas nós ficamos sem saber, infelizmente, quais foram
essas respostas, pois a ata não as registrou. A sessão ordinária foi suspensa, uma vez que
não havia mais quórum. E essa se tornou a rotina da Câmara, com a substituição de muitas
sessões ordinárias por sessões solenes.32
A polêmica sobre a Polícia Interativa, porém, não havia se encerrado. Diante de
novas críticas, José Carlos Lyrio da Rocha - que também era líder comunitário da Praia do
Canto - voltou a defender a inovação, admitindo que muitas pessoas criticavam a contribuição financeira dos moradores e a quantia que eles pagavam para a Polícia Interativa,
entretanto ele não via “nada de mais nisso”. Já Dermival Galvão declarou que a função
de polícia cabia ao governo estadual, no entanto ocorria também uma falha do governo
municipal já que existiam “medidas concretas que a Prefeitura deveria tomar no sentido de
melhorar a segurança em nossa cidade.”33
Desenvolvia-se a percepção de que a violência na cidade podia estar sendo agravada pelo uso indiscriminado de armas, e por isso Zezito Maio apresentou projeto em
que propunha a proibição do uso de armas nas escolas públicas. Essa restrição abrangeria
“desde funcionários, guardas, até pessoas que se dirigissem às secretarias das escolas”.34
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
Ao discursar como representante de “seu” bairro, Santo Antônio, José Coimbra
reconheceu que a população “tem medo até da polícia, que não distingue morador de bandido”, e por esse motivo ele estava apresentando um projeto para a criação de um Conselho de Segurança Pública, em que os moradores participassem, mas sem necessitar “fazer
qualquer ajuda financeira”.35
O tempo passava, e a situação de insegurança só se agravava. Em 1999, diante do
aumento cotidiano da violência, Zezito Maio o associou ao desemprego, mas denunciou
o secretário de Segurança por insistir em assegurar que a criminalidade no Espírito Santo
estava diminuindo. Uma tendência, essa de os secretários de segurança negarem a evidência do aumento da violência, que se tornaria recorrente desde então até os dias atuais.36
A propósito dos índices de criminalidade, Dermival Galvão admitiu que se sentia
“envergonhado” ao saber que o maior índice de criminalidade nas capitais era o de Vitória.
Ele conclamou os vereadores a tomarem “atitudes concretas em relação à violência na
cidade, pois a população não está podendo sair nas ruas de Vitória”. Informou que fora
aprovado o projeto de Nenel Miranda, criando a Guarda Municipal, “mas que o Executivo
não o colocou em prática.” Dermival, da mesma maneira, sugeriu que a Prefeitura deveria
dar mais atenção a essa questão, fazendo um convênio com a Secretaria de Segurança para
aumentar o policiamento da cidade.37
Como presidente da Casa, e diante de tantas críticas à violência na cidade, Huguinho Borges promoveu outra sessão solene, em substituição, mais uma vez, a uma sessão
ordinária, com o título de “Vitória Contra a Violência”, em que compareceram autoridades
e líderes comunitários, repetindo-se nela a mesma rotina das anteriores.38
Na verdade, como pontuou Luciano Rezende - após retornar de uma viagem ao
Canadá, um país com elevados índices de desenvolvimento social e humano -, o Brasil
estaria vivendo uma verdadeira “guerra civil”.39
Mesmo assim, Cornélio Alvarino continuava defendendo a tese de que o problema era “mundial”, visto que o homem tinha “se esquecido que é um ser humano”,
que deveria “compartilhar com o outro”, acrescentando ainda que a situação social estava
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História da Câmara Municipal de Vitória
“contribuindo para o aumento da violência”. Na opinião de Alvarino, o problema era
muito mais sério e não seria resolvido “somente com a disposição de policiais nas ruas.”40
Em outra oportunidade, Alvarino voltou a bater na mesma tecla, ao afirmar que
a criminalidade envolvia “questões sociais como o desemprego, a desagregação familiar, a
impunidade e a influência que as pessoas sofrem da televisão, de videogames, dentre outros.” Seu colega José Coimbra, porém, foi bem mais realista e ponderou que a violência
estava ligada ao “descaso do governo em relação à segurança pública.”41
Mas enquanto o Vereador José Coimbra criticava o governo do Estado, Hélio
Gualberto defendia a Prefeitura, sustentando que ela “tem oferecido contribuições relevantes no sentido de solucionar o problema.”42
O PROJETO TERRA
Em setembro de 1997, o prefeito Luiz Paulo V. Lucas e a secretária de Ação
Social, Vânia Malheiros, apresentaram, em audiência pública, o que seria um dos projetos
mais significativos de sua gestão: o Projeto Terra. E muitos vereadores compareceram ao
evento, mas foram bem poucos os que mencionaram o projeto nas sessões ordinárias. E
bem menos ainda os que se propuseram a discutir abertamente o assunto na tribuna. Dois
dias após o evento, e isso é o que consta em ata, Hélio Gualberto apenas noticiou a sua
ocorrência sem se deter em analisar a proposta do projeto.43
Nesse contexto, em dezembro de 1997, José Coimbra anunciou que estava “feliz”
por haver começado o cadastramento dos moradores nos bairros Alagoano, Contorno e
Caratoira, visando ao Projeto Terra, que ele classificou como “o maior projeto do Executivo”.44
Em março de 1998, Coimbra voltou a se referir ao início do cadastramento dos
moradores de “sua região”, que moravam na orla marítima ou em barracos de madeira,
“para fazerem um financiamento de suas casas em outra área, mas no mesmo bairro.”45
No entanto, as referências ao Projeto Terra, na tribuna da Câmara, foram bem
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
escassas.
OS “PREFEITINHOS” E A REGIÃO METROPOLITANA
O primeiro mandato de Luiz Paulo V. Lucas também ficou muito marcado pela
introdução de uma inovação administrativa: a dos chamados “prefeitinhos” Mas, será que
a Câmara realmente discutiu e fiscalizou essa inovação administrativa? Vejamos.
Em agosto de 1997, Huguinho Borges usou a tribuna para falar da criação do
cargo de “prefeitinho”, porém advertiu, logo em seguida, que somente poderia falar com
maior clareza sobre o assunto quando tivesse “a oportunidade de avaliar os atos praticados
e se a medida realmente atende aos diversos setores da sociedade”. De acordo com Huguinho, o mais importante para os vereadores, naquele momento, era a discussão do Regimento Interno e do Orçamento da Câmara. Zezito Maio, no entanto, foi mais “prático”:
elogiou abertamente a administração de Luiz Paulo e mostrou-se claramente “satisfeito”
com as indicações “de pessoas capacitadas para os respectivos cargos.”46
José Esmeraldo de Freitas, outro apoiador do prefeito e antigo engenheiro da
Prefeitura, falou da importância de os “prefeitinhos” iniciarem logo o seu trabalho, “fazendo a limpeza das galerias e vistoriando pedras e rochas espalhadas por determinadas
áreas da cidade”. Esmeraldo de Freitas ponderou ainda que era importante que as pessoas
indicadas pelo prefeito fossem “pessoas do povo, que conheçam a região e que atendam
aos anseios da comunidade.”47
Um ano após a criação do cargo, Huguinho Borges voltou a se referir ao assunto
para criticar a atuação do “prefeitinho” de Santo Antônio visto que não atendia às “suas
indicações e as de alguns colegas vereadores.” Ele ameaçou romper politicamente com o
prefeito se o “prefeitinho” mencionado “não atendesse às suas indicações”, já que ele não
aceitava “tratamento diferenciado.”48
Mais preocupado com a possível concorrência dos “prefeitinhos” na disputa eleitoral do que em fiscalizar a sua atuação, Pedro Luiz Corrêa alertou seus colegas para a possível candidatura de alguns deles. Corrêa ressaltou que eles seriam favorecidos uma vez que
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História da Câmara Municipal de Vitória
estariam “com mais poder de mandar executar obras, do que os próprios vereadores”. Ele
solicitou que fosse marcada uma audiência com o prefeito para esclarecer essa situação.49
Outros vereadores, mesmo preocupados com seus bairros e com a atuação dos
“prefeitinhos”, reclamavam da não implementação imediata da Região Metropolitana. Zezito Maio fez um requerimento, solicitando a inserção em ata e nos Anais da Casa de um
editorial, publicado no jornal A Gazeta, intitulado “Silêncio Comprometedor”, cujo texto
integral vale a pena ser conhecido ainda hoje. O editorial afirmava:
Surpreende o silêncio adotado pelo governo e os novos prefeitos da capital, Vila Velha, Serra, Cariacica e Viana em relação à implementação da Região Metropolitana da Grande Vitória. Aliás, não
só causa surpresa como também perplexidade, já que o aparente desinteresse oficial se dá num
momento em que todos os problemas comuns aos cinco municípios estão se agravando, e as soluções começam a ficar mais distantes. A não ser uma cobrança de mais empenho feita pelo prefeito
da Serra, Sérgio Vidigal, em um artigo publicado em A GAZETA, no dia 20 de janeiro passado,
nada mais foi dito sobre o assunto. Inclusive, sequer o Conselho Metropolitano, coordenado pelo
governador Vítor Buaiz, se preocupou em marcar alguma reunião com os novos administradores
do município conurbados para informá-los sobre o andamento do processo de implantação da
Região Metropolitana. Na verdade, a metropolização das políticas públicas comuns a Vitória,
Vila Velha, Serra, Cariacica e Viana continua, como antes, apenas no papel e, por isso, ainda não
apresentou nenhum efeito positivo para a população. Ao contrário, a profundidade e a amplitude
dos problemas enfrentados na educação, saúde, saneamento, abastecimento, transporte, moradia,
segurança, meio ambiente e a questão do menor mantêm a mesma agressividade de dois anos
atrás, quando a Assembleia Legislativa aprovou a Lei 58/95 que instituiu a Região Metropolitana.
Em vários casos, as carências se tornaram mais profundas, e alguns setores entraram em processo
de deterioração. A epidemia da dengue já está instalada nos cinco municípios, e as ações isoladas
continuam sendo empecilho ao combate eficaz da doença. Assim também, a integração dos serviços de transporte coletivo, de táxi e ambulância não passa de mera teoria e a municipalização do
trânsito de Vitória parece um sonho impossível. Ou seja, mesmo tendo sido tema obrigatório de
palanque eleitoral, a Região Metropolitana da Grande Vitória ainda mostra sinais de desarticulação e, o que é mais grave, permanece comprometida pela falta de empenho dos governantes. O
resultado direto da omissão é o improviso que continua sendo a única estratégia de enfrentamento
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
dos problemas comuns aos cinco municípios. É preciso, portanto, que o governo e as prefeituras
voltem a encarar a criação da Região Metropolitana com mais seriedade e espírito público. Isso
porque a metropolização é um imperativo do desenvolvimento e da melhoria da qualidade de
vida da população e deve ficar acima dos interesses políticos. Na prática, ela é a alternativa para
o descalabro das políticas dos vitorienses, vilavelhenses, serranos, cariaciquenses e vianenses.50
Em consonância com Zezito Maio, Hélio Gualberto assegurou que a ideia da
Região Metropolitana era “ótima” e devia ser implementada, “mas isso não saiu do papel”.
Gualberto esclareceu que a Rede Gazeta estava montando um grande seminário para discutir o assunto e que a Câmara estava sendo convidada para esse evento.51
Mas, infelizmente, até hoje a Região Metropolitana não foi implementada.
A CÂMARA E A CAMPANHA ELEITORAL DE 1998
O ano de 1998 se iniciou, na Câmara, ainda sob o “impacto” da “prestação de
contas”, realizada em dezembro do ano anterior, pelo presidente Colnago. A devolução de
dinheiro anunciada por ele repercutiu nacionalmente, em especial com a matéria publicada
na prestigiosa Revista Veja sobre o tema. Ademar Rocha parabenizou o presidente pelo
feito, mas mostrou-se “insatisfeito” com a reportagem, pelo fato de ela ter-se referido ao
uso da telefonia celular pelos vereadores e a telefonemas que eram dados por “sogras e
que também eram pagos pela Câmara”. Ademar informou que foi o primeiro a dispensar
o telefone porque já tinha o seu e pagava a sua própria conta e que não era justo que todos
fossem indistintamente incluídos na denúncia da revista. O seu colega, Hélio Gualberto,
porém, foi mais otimista e se referiu aos trabalhos da Câmara durante o ano de 1997, assegurando que esse fora um ano bem produtivo, em que a instituição se valorizou e apresentou serviços que foram recebidos positivamente pela comunidade. Gualberto mencionou
dois projetos polêmicos, aprovados pela Câmara, que haviam recebido, segundo pesquisa
do Instituto Futura, a aprovação da opinião pública: a legalização do transporte alternativo
dos chamados “perueiros” e a proibição do comércio aos domingos.52
No entanto, foi o Vereador Zezito Maio quem apontou para o processo que iria
marcar a sessão legislativa que se iniciava. Ele lembrou que 1998 seria um ano eleitoral e
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História da Câmara Municipal de Vitória
que os acordos políticos estavam sendo feitos “por todos os lados”, incluindo senadores
e deputados, mas os vereadores estavam sendo deixados de fora. Zezito declarou que iria
apoiar o ex-prefeito Paulo Hartung, um “homem sério” segundo ele, na sua candidatura ao
governo do Estado, e que os candidatos ao governo do Estado iriam precisar do apoio dos
vereadores, e por isso ele sugeria que Paulo Hartung os convidasse para uma reunião em
que pudessem participar da elaboração de seu programa de governo. Zezito ainda criticou
o presidente Fernando Henrique Cardoso, “uma pessoa que não respeita os trabalhadores,
os aposentados, os idosos e as crianças.”53
Antes que a campanha eleitoral realmente esquentasse, contudo, e em pleno carnaval, a Câmara recebeu duas tristes notícias. No dia 26 de fevereiro de 1998, o veterano
de seis mandatos, Nenel Miranda, outrora conhecido por seu nome verdadeiro de José Manoel Nogueira de Miranda, assomou à tribuna para cumprimentar a secretária de Cultura
Cláudia Cabral - uma das “cariocas” que o prefeito Luiz Paulo V. Lucas havia “importado”
para o seu secretariado, filha do conhecido compositor Sérgio Cabral -, pela antecipação
do desfile das Escolas de Samba. De acordo com Nenel, o desfile foi “um sucesso que
culminou com o carnaval de rua, atendendo às expectativas.” Nenel fazia, sem o saber, o
seu último pronunciamento na Câmara.54
A medida antecipatória do carnaval, que Nenel elogiou, acabou se convertendo
numa tradição em nossa cidade, já que o carnaval é realizado até hoje uma semana antes
da festa oficial. Poucos dias depois, porém, no dia 3 de março de 1998, a sessão ordinária
deixou de ser realizada em virtude da morte quase simultânea de dois Vereadores: a do
próprio Nenel Miranda e a de Joel da Farmácia.55
Na sessão solene, realizada em homenagem a Nenel - um dos vereadores que
mais tempo ocupou o cargo, só sendo superado nisso por Claudionor Lopes Pereira -, o
ex-prefeito Setembrino Pelissari lembrou a profunda relação de Nenel com a Câmara e
afirmou que ele se tornara um verdadeiro “patrimônio” do povo de Vitória. Nenel e Jair
Parrini, o Jair da Farmácia, também homenageado pela Câmara, foram substituídos pelos
suplentes Isak Santos e Toninho Loureiro.56
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
Outra notícia triste veiculada, ainda nesta legislatura em 1999, foi a da morte, em
um trágico acidente de automóvel, do ex-vereador Otaviano de Carvalho. Essa notícia,
segundo Hélio Gualberto - que homenageou o combativo militante do PT –, “chocou,
traumatizou e deixou a sociedade deste Estado enlutada; ele foi uma unanimidade na nossa
sociedade, no sentido de que todas as pessoas reconheciam a sua sinceridade de propósito, o seu amor, a sua dedicação às causas populares e a sua prestação de serviços de alta
relevância para a comunidade deste Estado.” Luciano Rezende igualmente se manifestou
sobre a morte de seu antigo companheiro de partido, para assegurar que, apesar das divergências que ele tinha com Otaviano, não se poderia deixar de reconhecer como meritória a
sua trajetória “em busca da utopia de uma sociedade justa e da capacidade de sonhar com
um mundo melhor”. Já Zezito Maio salientou que embora tivesse ideias “totalmente” diferentes das de Otaviano, que era do PT, “partido pelo qual não tem simpatia alguma”, não
podia deixar de reconhecer que ele havia sido “um bom pai e um bom chefe de família.”57
A atuação política da Câmara, no ano de 1998, contudo, foi mesmo muito impactada pela realização da campanha eleitoral que elegeria o novo governador do Estado
e uma nova Assembleia Legislativa. E logo de partida uma decisão afetou de forma muito
sensível o posicionamento dos vereadores: o ex-prefeito Paulo Hartung - provável candidato, que aparecia nas pesquisas eleitorais com o maior potencial de votos -, foi preterido
na convenção de seu partido, o PSDB, em benefício do nome de José Ignácio Ferreira. Na
Câmara, em que Hartung, dada a sua proximidade política com o prefeito Luiz Paulo, e ao
seu próprio prestígio, ainda possuía grande influência, muitos protestos se manifestaram.
Luciano Rezende lamentou que o candidato da “preferência do povo” tivesse seu destino
interrompido juntamente com o do Estado do Espírito Santo. César Colnago, também
refletindo sobre o resultado da convenção do PSDB, disse que o ato praticado por este
partido “só vai deixar o processo mais embolado” e colocou o seu partido, o PPS, à disposição para discutir alternativas e compor uma chapa “democrática e popular.”58
Ao analisar o mesmo fato, Zezito Maio, sempre mais contundente em suas colocações, asseverou que o senador Élcio Álvares - a quem ele parecia atribuir a “pernada”
dada em Hartung - “nunca fez nada pelo Espírito Santo” e que “os velhos políticos se
reuniram mais uma vez para também derrotar o povo do Espírito Santo”. Maio conclamou
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História da Câmara Municipal de Vitória
Paulo Hartung e Luiz Paulo para que não “caminhem juntos com José Ignácio”, o candidato vitorioso no PSDB.59
Definidas as candidaturas, César Colnago licenciou-se da Câmara para candidatar-se a vice-governador, na chapa encabeçada por Albuíno Azeredo, e que tinha Paulo
Hartung como candidato ao Senado.60
Essa articulação política garantiu o apoio da maioria dos vereadores. Na verdade,
segundo o depoimento de José Coimbra, “todos estão apoiando a campanha ao Senado do
candidato Paulo Hartung.”61
O antigo Vereador José Esmeraldo de Freitas, ao analisar o resultado do pleito em
que se elegera deputado estadual e fora o único candidato da Câmara, vitorioso, afirmou
que teve muitas dificuldades para vencer, apesar de ter mantido distância da Prefeitura,
que tinha o seu candidato oficial, Lelo Coimbra. Este não fora eleito, na opinião dele, devido à incompetência de alguns secretários da Prefeitura que o apoiaram. José Esmeraldo
concluiu, com certa ponta de ironia, que “não se faz política agredindo e maltratando o
funcionalismo público”, uma postura que em um futuro não muito distante ainda iria pôr
em cheque a política peessedebista na Prefeitura.62
Mesmo tendo obtido 8181 votos para deputado estadual, mas sem conseguir se
eleger, Luciano Rezende agradeceu aos eleitores da Grande Vitória e de Santa Leopoldina
e ainda teve a gentileza de congratular-se com o colega José Esmeraldo de Freitas que se
elegera, segundo ele, “mesmo sem o uso do poder econômico”.63Mais crítico e mais direto,
entretanto, foi Cornélio Alvarino, que igualmente agradeceu a votação recebida, contudo
admitiu abertamente que “hoje, quem manda no voto é o dinheiro.”64
OS PROBLEMAS DA CIDADE
O pedágio da Terceira Ponte, o Trânsito e o Transporte Urbano
Em março de 1997, o atento Dermival Galvão detectou e denunciou um problema que ainda traria muita dor de cabeça aos moradores de toda a Grande Vitória, mas
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A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
principalmente aos de Vila Velha: a possibilidade da cobrança de pedágio na Terceira Ponte
ser transferida para uma empreiteira. Ele alertou seus colegas quanto à necessidade de se
fazer uma discussão séria sobre a cobrança de pedágio em uma ponte que se convertera
na principal ligação entre Vitória e Vila Velha. Galvão advertiu ainda que o pedágio estava
prestes a ser administrado por “certas empreiteiras” e, por isso, enviaria uma moção de
repúdio ao governo do Estado, presidido por Vítor Buaiz, e que os vereadores tinham a
responsabilidade de “abraçar esta luta para que a cobrança do pedágio termine no ano
2000”, como tinha sido prometido anteriormente.65
No entanto, os colegas de Dermival Galvão, infelizmente, não prestaram a devida
atenção às suas palavras. Os habitantes da Grande Vitória assistem atualmente ao desfecho
desse que parece ter sido um dos maiores escândalos da história política do Espírito Santo,
a julgar pela conclusão provisória de um relatório efetuado pelo Tribunal de Contas que
provocou a suspensão da cobrança do pedágio, sob o argumento de que as “empreiteiras”,
denunciadas em 1997 pelo previdente Dermival Galvão, haviam “embolsado” nesse período, ilegalmente, nada menos que oitocentos milhões de reais.
Naquela altura ainda se discutia o problema da implantação do Sistema Transcol,
ou seja, o sistema de transporte coletivo integrado na região metropolitana. Os efeitos positivos dessa implantação já eram visíveis, contudo ainda subsistiam muitas dúvidas. Uma
delas foi manifestada por Pedro Luiz Corrêa, que não era contra a implantação do novo
sistema de transporte coletivo unificado, mas lembrou que na época em que Vítor Buaiz
era prefeito, este fizera oposição ao sistema de unificação de transporte, assegurando que
ele iria prejudicar Vitória. Todavia, segundo Pedro Luiz, agora que ele era governador estava justamente terminando de implantar o sistema unificado. Pedro Luiz era contrário a que
se mexesse na chamada Câmara de Compensação, porque se ela também fosse “integrada”,
“Vitória” não teria mais “ônibus novos, e sim, sucatas.66 Zezito Maio, da mesma forma,
manifestou preocupação semelhante.67
Cornélio Alvarino, mesmo com a implantação do Sistema Transcol, continuava
presumindo que a maioria da população de Vitória não tinha garantido o direito de ir e vir
assegurado pela Constituição, dado que os ônibus que integravam o sistema de transporte
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História da Câmara Municipal de Vitória
coletivo de Vitória não atendiam às necessidades da população. Os ônibus não tinham
acesso a certas ruas estreitas e andavam quase sempre superlotados, o que fazia com que
as pessoas permanecessem muito tempo nos pontos de ônibus, que eram desprotegidos e
sem bancos de assento. Na opinião de Alvarino, sempre preocupado com os menos aquinhoados pela sorte, era preciso oferecer veículos adaptados ao transporte dos deficientes
físicos. Seu colega Silvinho Lopes Pereira igualmente abordou o problema da implantação
do Sistema Transcol para lembrar que era necessário modificar a lei que permitia aos idosos o acesso gratuito ao transporte coletivo, uma vez que muitos idosos teriam, segundo
ele, condições de pagar a passagem e não deveriam ser dispensados de fazê-lo. De acordo
com Silvinho, essa mudança na lei contribuiria para o “barateamento das passagens”. Da
mesma forma, deveria ser revista a Lei do passe-livre, com o objetivo de reduzir o preço
da passagem.68
Além disso, outra questão que preocupava os vereadores era a da compatibilização entre o transporte tradicional, realizado por ônibus ou táxis, com o chamado transporte alternativo, dos “perueiros”. Luciano Rezende era favorável a “formas alternativas”
de transporte, porém acreditava que era necessário “compatibilizar” essas “formas” de
maneira “responsável”.69
A respeito do transporte “alternativo”, ainda, José Carlos Lyrio Rocha discordou
de César Colnago quando este afirmou que o prefeito Luiz Paulo fora omisso na discussão da questão. José Carlos alegou que apesar de presumir que o Executivo poderia ter
uma participação maior nas discussões sobre o tema, o prefeito Luiz Paulo não merecia
ser tratado com “tanta severidade.”70 Já Ademir Cardoso, que retornava para a Câmara
após exercer o cargo de Secretário Municipal de Cidadania, pensava que o problema do
transporte alternativo merecia ser discutido com mais profundidade, e que, além disso, não
podia ser relacionado exclusivamente ao fato de gerar emprego, dado que esse não era o
principal motivo de sua introdução.71
Nenel Miranda foi um dos vereadores mais preocupados e atentos em relação ao
problema dos transportes e do trânsito na cidade. Infelizmente não concluiu o seu mandato em virtude de seu falecimento, mas, mesmo assim, como presidente da Comissão de
500
A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
Transportes Nenel ainda teve tempo de lançar a ideia de que fosse realizado um grande
seminário sobre transporte e trânsito na cidade de Vitória. O não atendimento de sua sugestão acabou dando motivo a que ele ficasse “magoado” com o presidente César Colnago. Na opinião de Nenel: “Não foi dada a devida atenção e o presidente da Casa fez um
expediente, pedindo um plenário aberto para o dia 23 do corrente mês [setembro de 1997]
para se discutir a gestão do Transporte”. Ele se confessou “muito triste e magoado” com
Colnago, a quem teria ajudado a se eleger como presidente “da Casa”.72
E um dos resultados dessa preocupação dos vereadores com o problema dos
transportes e do trânsito na cidade foi a aprovação de um projeto de lei, instituindo a municipalização do trânsito. Esse projeto foi saudado, em abril de 1998, por Zezito Maio com
a alegação de que esse era um assunto “do maior interesse para a cidade, que a Casa deu
uma demonstração de maturidade”.73
Um novo PDU?
Em outubro de 1998 voltou à discussão na Câmara um projeto de alteração do
PDU, dispondo sobre edificações na orla de Camburi, na parte fronteiriça ao bairro Jardim
da Penha, caracterizado como ZUD 1/01, no Plano Diretor Urbano. O pomo da discórdia
era a restrição a que fossem construídos edifícios de quatorze andares. O Projeto de Lei
nº. 72/98 foi vetado pelo prefeito Luiz Paulo, retornando à Câmara, na qual o veto seria
apreciado. José Esmeraldo de Freitas informou que, desde a época em que fora secretário
de Obras, “nunca foi favorável ao aumento dos edifícios, por isso é contra o veto.” Sua
alegação era a de que não havia “necessidade de uma região como Jardim da Penha ter
edifícios de quatorze andares.”74
No entanto, seu colega Huguinho Borges achava que o problema afetava não só
ao Jardim da Penha, mas também a toda a orla de Camburi, e por isso era preciso ouvir
a opinião de toda a população de Vitória. Além disso, Huguinho se mostrou a favor do
veto do prefeito uma vez que ele estaria embasado “numa opinião técnica do Conselho do
PDU”, uma opinião que seus colegas estariam simplesmente “rasgando”. José Coimbra
foi um dos vereadores que discordou do prefeito, sustentando que a discussão do PDU já
501
História da Câmara Municipal de Vitória
vinha ocorrendo desde 1993, e que estava faltando um entendimento maior com a comunidade. Para Coimbra, o Conselho do PDU “precisa ser reestruturado e ter uma participação
maior dos moradores daquela região e da Câmara.”
Contudo, na votação, o veto do prefeito foi rejeitado por dezoito votos contra
apenas um a favor.75Cornélio Alvarino justificou sua ausência, no dia da votação do projeto, declarou que foram colhidas aproximadamente quatro mil assinaturas “dizendo não
aos prédios de quatorze andares” e parabenizou a diretoria da Associação de Moradores
de Jardim da Penha pela dedicação e o trabalho de sensibilizar os moradores quanto à não
construção de prédios acima dos seis andares. Segundo Alvarino, se o veto não caísse “a
população de Vitória perderia o nosso único cartão postal”. Ele ainda parabenizou o prefeito Luiz Paulo pela sua sábia decisão, publicada no jornal A Gazeta, confirmando “que
não vai governar contra a opinião pública”.76
Obras
No início do ano 2000, César Colnago - que deixara a presidência da Câmara nas
mãos de Huguinho Borges e ocupava a estratégica Secretaria de Coordenadoria de Governo - compareceu à Câmara para a abertura dos trabalhos legislativos e realizar a leitura da
Mensagem e do Plano de Governo para aquele ano. Em sua exposição, Colnago salientou
que, com os novos recursos externos e a manutenção da capacidade municipal de investimento, a Prefeitura de Vitória estava: garantindo a qualidade dos seus serviços e obras;
mantendo a promessa de realização das obras pactuadas no Orçamento Popular; permitindo a continuidade dos investimentos nos projetos estratégicos, com destaques para o
Projeto Orla, com a reurbanização da Praia de Camburi e com a urbanização do canal de
Camburi; o início das intervenções na avenida Fernando Ferrari; e “dando prosseguimento
ao Projeto Terra”.77
Colnago demonstrou muito otimismo, anunciando que o ano “começava bem”
uma vez que também eram positivas as notícias quanto ao rumo da economia nacional. Em
Vitória, segundo ele, “esse cenário de recuperação do país” proporcionava “uma realidade
especialmente boa”. Somente para o Orçamento Popular a Prefeitura tinha à disposição
502
A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
vinte e dois milhões de reais em investimentos e serviços, contemplando todas as regiões
da cidade.
Essas obras e serviços se referiam à educação, saúde, urbanização, drenagem, pavimentação, iluminação, contenção de encostas, ao saneamento e as áreas de lazer, dentre
outras, destacando-se entre elas a construção de seis unidades de saúde, seis escolas de
ensino fundamental e oito centros de educação infantil.
Para o Projeto Terra havia sido aprovado um financiamento de vinte milhões de
reais, pelo BNDES, com os quais se levaria infraestrutura básica, equipamentos comunitários, recuperação e proteção ambiental, desenvolvimento comunitário e social a “oito poligonais”. Esses benefícios ajudariam a gerar renda, emprego, cultura, esporte e cidadania a
um total de vinte e quatro bairros, contemplados com as melhorias. Entre os investimentos
a serem efetuados em obras constava também, já desde o início da legislatura, a construção
do Parque Pedra da Cebola. Hélio Gualberto, que era membro da “Associação dos Amigos
do Parque Pedra da Cebola”, congratulou-se com a organização dessa sociedade e augurou
a realização da obra, comprometendo-se a lutar por isso.78
Colnago não se esqueceu de reconhecer que essa administração resultava da mobilização qualitativa do Executivo e do Legislativo, além da permanente expressão da sociedade civil organizada. De acordo com Colnago, ainda: “A cidade de Vitória sabe aonde
quer chegar e se movimenta claramente nesse sentido. O sucesso administrativo de Vitória,
que vem ultrapassando gestões, é prova da mobilização social e política pela qualidade de
vida, pela qualidade da política e pelo bem-estar de todos.” No entanto, a conclusão que
mais nos interessa frisar aqui é a seguinte: “E nesse processo, a Câmara de Vitória vem
participando de forma fundamental e essencial – um chamado que também apresenta a
sua pauta nesse ano de 2000. Estão em debate projetos que têm muito a contribuir para a
caminhada virtuosa de Vitória, como a institucionalização do Orçamento Popular e a Lei
Ambiental.”79
Nesse clima, a Câmara recebeu com entusiasmo o resultado da pesquisa efetuada
pelo Instituto Futura com relação à opinião da sociedade de Vitória a respeito do trabalho
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História da Câmara Municipal de Vitória
desenvolvido pelos vereadores: nada menos que 85,7% da população aprovavam a atuação
do Legislativo. Segundo o presidente Huguinho Borges, essa aprovação “representava a
credibilidade da instituição, a redução de gastos, o comportamento e a qualidade de trabalho dos senhores vereadores e a forma de conduta política dos mesmos, associada aos
assessores e ao corpo administrativo da Câmara.”80
Ao agradecer ao prefeito municipal pelas obras realizadas em toda a cidade, mas
principalmente na Praia do Suá, Zezito Maio não se escusou de admitir que era “governista
de carteirinha” e que Luiz Paulo V. Lucas estava realizando as obras que haviam sido projetadas na administração Paulo Hartung, que ele igualmente admirava.81
Jair Lixeiro, que era morador de São Pedro, mencionou a festa que estava sendo
organizada nesse bairro em comemoração à “invasão da área de São Pedro em 1977”.
Lembrou então a miséria em que vivia aquele povo do qual fazia parte - muito bem retratada por Hamilton de Almeida, no filme “Lugar de toda a Pobreza”, que ele infelizmente
não citou. Entretanto, Jair garantiu que “hoje os moradores são uns vencedores” porque
lutaram e conseguiram seus espaços, “possuindo suas casas”, totalizando quase cinquenta
mil habitantes, o que, de acordo com ele, teria “peso na política do Espírito Santo”. Para
Jair, a mortalidade havia caído drasticamente “e tudo tem andado muito bem por lá.”82
José Coimbra, morador em Santo Antônio, proclamou que sua região “sempre
foi muito discriminada e marginalizada e que muitos colegas só apareciam lá em época de
eleição”, porém reconheceu que “hoje tudo isso mudou”. Apesar disso, Coimbra reclamou
do fato de somente existir Polícia Interativa na Praia do Canto, enfatizando que “só” tinha
“guarda na Ilha do Boi e Ilha do Frade, enquanto na sua região tem muitas bocas de fumo
e ladrões.”83
Entretanto, outros vereadores não estavam completamente satisfeitos com o atendimento de reivindicações de bairros específicos. Ademar Rocha, por exemplo, confessou
que não fazia oposição ao prefeito e apontou os “benefícios” das votações que a Câmara,
com a sua contribuição, dava ao Executivo municipal, sempre apoiando o prefeito. Contudo, Ademar lembrou o compromisso que o secretariado de Luiz Paulo havia assumido
504
A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
com relação ao bairro de Tabuazeiro, “e que nada ainda foi feito”.84
Mesmo assim, o clima político prevalecente na Câmara foi quase até o fim da
legislatura francamente favorável ao prefeito Luiz Paulo. Tanto que, em abril de 2000,
quando já estava praticamente lançada a campanha eleitoral para a eleição do novo prefeito
e da nova Câmara, o presidente Huguinho Borges - que era apoiador do prefeito e havia assumido a Prefeitura em mais de uma ocasião - afirmou que estava muito preocupado com
o comportamento dos vereadores que defendiam o prefeito. Huguinho vaticinou que os
vereadores podiam se posicionar da forma que achassem melhor, mas que eles não podiam
“transformar a Câmara em um anexo da Prefeitura”.85
Nesse mesmo sentido, Ademar Rocha criticou as “campanhas milionárias” que
estariam sendo feitas pelos candidatos que apoiavam o prefeito municipal. Ele advertiu
que estava filmando, fotografando e anotando as placas dos carros utilizados na campanha para posteriormente verificar a prestação de contas desses candidatos. Rocha criticou
também as retaliações que os vereadores do PMDB estavam sofrendo por parte do poder
Executivo, acrescentando que ele próprio não dependia do poder público para ganhar
eleição.86Ademar foi um dos vereadores reeleitos, em uma eleição que “reelegeu”, segundo
ele mesmo, apenas “50% dos atuais vereadores”.87
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Nesta legislatura foram sancionadas 146 leis provenientes do Executivo e 715 provenientes
do Legislativo. Elas foram classificadas da seguinte maneira:
01.
Estrutura Organizacional, Conselho, normas de organização: 46
02.
PDU – Plano Diretor Urbano, Meio-ambiente, CDV: 35
03.
Tributos, isenções, correções, taxas, anistia: 13
04.
Utilidade pública: 35
505
História da Câmara Municipal de Vitória
05.
Logradouros públicos, nomenclatura de áreas públicas: 407
06.
Cargo público, gratificação, salário, vencimento, diária, acordo coletivo: 10
07. Pessoal, aposentadoria, IAVV, plano de cargos e salários, vale transporte,
IBWP: 25
08.
Orçamento, orçamento plurianual, doação: 17
09.
Contrato, convênio, acordo, assessoramento, concessão: 10
10.
Datas comemorativas, prêmios: 21
11. Patrimônio Municipal, permutas, aluguel, compras, vendas, alienação, doação, licenças, licitação, concessão de uso, desafetação: 24
506
12.
Posturas: 61
13.
Educação: 34
14.
Transporte: 24
15.
Necrópole: 1
16.
Operação de Crédito, Crédito especial: 6
17.
Contribuição de melhoria, subvenção e auxílio: 2
18.
Obras: 9
19.
Saúde: 52
20.
Cultura: 15
21.
Turismo: 3
A Décima Terceira Legislatura 1997-2000
22.
Esporte: 6
23.
Ação Social: 4
E algumas das leis mais significativas e importantes foram as seguintes:
 Lei 4405, de 20 de março de 1997: Cria o Conselho Municipal da
– COMUM. (Origem: Executivo)
Mulher
 LEI 4424, de 10 de abril de 1997: Institui o Código Sanitário do Município
de Vitória. (Origem: Executivo)
 LEI 4429, de 7 de maio de 1997: Cria o serviço denominado Disque Silêncio. (Origem: Legislativo)
 LEI 4432, de 12 de maio de 1997: Cria o Conselho Municipal do Negro.
(Origem: Legislativo)
 LEI 4438, de 28 de maio de 1997: Institui o Código Municipal de Meio
Ambiente. (Origem: Executivo)
 LEI 4470, de 30 de julho de 1997: Cria o Conselho de Paisagismo e Reflorestamento de Encostas. (Origem: Legislativo)
 LEI 4474, de 4 de agosto de 1997: Cria o Centro de Apoio à Mulher. (Origem: Legislativo)
 LEI 4519, de 13 de novembro de 1997: Autoriza a criação da Guarda Municipal de Vitória. (Origem: Executivo)
 LEI 4624, de 13 de abril de 1998: Proíbe nos estabelecimentos comerciais
do município de Vitória a venda de qualquer produto derivado do fumo e bebidas alcoólicas a menores de 16 anos. (Origem: Legislativo)
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História da Câmara Municipal de Vitória
 LEI 4724, de 3 de julho de 1998: Institui no calendário oficial de eventos
culturais do Município o Festival Vitória Cine-Vídeo. (Origem: Legislativo)
 LEI 4747, de 27 de julho de 1998: Institui o Sistema Municipal de Ensino
do Município de Vitória. (Origem: Executivo).

LEI 4752, de 14 de setembro de 1998: Cria o Conselho Municipal de De-
senvolvimento Econômico de Vitória – COMDEV. (Origem: Executivo).
 LEI 4821, de 30 de dezembro de 1998: Institui o Código de Edificações do
Município de Vitória. (Origem: Executivo).
 LEI 4837, de 24 de março de 1999: Institui e normatiza os serviços dos
trabalhadores autônomos nos estacionamentos, caracterizados como flanelinhas, guardadores ou zeladores de veículos. (Origem: Legislativo)
 LEI 4906, de 14 de maio de 1999: Autoriza a criação e instalação de um
Pronto-Socorro Odontológico no Município de Vitória. (Origem: Legislativo)
 LEI 4956, de 16 de setembro de 1999: Autoriza o município a criar o Programa Academia do Povo com o objetivo de equipar os parques de Vitória com academias
de ginásticas e musculação. (Origem: Legislativo)
 LEI 5086, de 1º de março de 2000: Institui o Código de Limpeza Pública
no Município de Vitória. (Origem: Executivo)
 LEI 5155, de 24 de maio de 2000: Cria o Fundo Municipal de Cultura. (Origem: Executivo)
508
 LEI 5159, de 5 de junho de 2000: Autoriza o Executivo a proceder a municipalização das ações de saúde, bem como a integrar às equipes do Programa Saúde da
Família - PSF, os profissionais municipalizados desta área.
CAPÍTULO XIV
A DÉCIMA QUARTA
LEGISLATURA 2001 - 2004 O segundo mandato de Luiz Paulo Vellozo Lucas
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II -O discurso dos vereadores e a gestão da cidade Os atos