Francini Feversani
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL:
SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Direito – Mestrado. Área de
concentração em demandas sociais e políticas
publicas, Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Direito.
Orientador: Dr. Hugo Thamir Rodrigues
Santa Cruz do Sul, março de 2007
2
Francini Feversani
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL:
SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS
Esta Dissertação foi submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Direito – Mestrado,
Área de Concentração em Demandas Sociais e
Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz
do Sul – UNISC, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Dr. Hugo Thamir Rodrigues
Professor Orientador
nome
Dr.
nome
Dr.
3
Dedicatória
De todos os papéis que desempenho na vida, aquele
no qual sou mais ausente é o de filha. As escolhas
que fiz me impediram de estar em casa, ao fim da
tarde, para tomar um chimarrão ao redor daqueles
que mais amo. Entre o magistério, a especialização,
o mestrado e a advocacia observei, de longe, que me
abstive dos prazeres simples em família. E se hoje
estou aqui é porque sempre contei com olhar atento
e carinhoso de meus pais, é porque sempre recebi
um tipo de amor incondicional que me formou
enquanto ser humano e que me permitiu a
independência. Tudo que sou devo a vocês, meu
alicerce, minha família: Luiz Antônio, Rosa, Fernanda
e Christian.
4
Agradecimentos
Agradeço Professor Doutor Hugo Thamir Rodrigues
pelo auxílio e orientação na elaboração deste
trabalho, sempre observando com olhar atento as
dúvidas suscitadas, fazendo sugestões que
enriqueceram o estudo.
Agradeço ao Dr. Pedrinho Antônio Bortoluzzi e ao Dr.
Cláudio Alves Malgarin pela aposta que fizeram em
mim, possibilitando a concretização dos meus
anseios profissionais.
O meu muito obrigada aos amigos que fiz neste
período de Mestrado e àqueles amigos que se
sempre estiveram presentes ou que mostram a sua
força exatamente nos momentos difíceis: Carline,
Felipe, Fernanda, Luiza, Marcinho, Roberta...
E ao Fabricio, muito mais do que pela paciência, e
pela compreensão... agradeço pelo amor, pelo
incentivo, por me fazer querer ser sempre uma
pessoa melhor. Se nem sempre consigo, sou
teimosa o suficiente para continuar tentando.
Aprendi, nestes anos que estamos juntos, que nem
sempre aquilo que se apresenta como certo é a
verdade, pois o que realmente importa acaba ficando
em um cantinho do coração, nem sempre explorado,
nem sempre conhecido.
5
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................... 07
INTRODUÇÃO................................................................................................... 08
1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS................................................................ 13
1.1 O Estado e o trato das políticas públicas.................................................... 14
1.2 O Estado como fomentador de políticas públicas....................................... 27
1.3 Imposição de tributos e histórico dos tributos no ordenamento jurídico
brasileiro............................................................................................................. 37
2 SOCIEDADE CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL.............................................. 49
2.1 O público não-estatal na concretização dos direitos sociais....................... 49
2.2 Evolução histórica-constitucional da idéia de assistência social................. 62
2.3 Delimitação do conceito jurídico de instituição de assistência social e
interpretação constitucional das imunidades tributárias..................................... 72
3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL............................................................................................................... 83
3.1 Natureza jurídica das imunidades tributárias............................................... 83
3.2 Imunidades tributárias condicionadas e regulamentação
Infraconstitucional............................................................................................... 93
CONCLUSÃO..................................................................................................... 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 117
6
RESUMO
O presente trabalho centra-se na compreensão dos requisitos constitucionais e
infraconstitucionais apresentados para o gozo da imunidade tributária pelas
instituições de assistência social, objetivando-se analisar a concretização dos artigos
150, VI, “c” e 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, em especial tendo em vista
a implementação de políticas públicas de inclusão social. O que se busca, desse
modo, é compreender a atuação do Estado enquanto fomentador de políticas
públicas e a importância assumida pela imunidade tributária neste contexto. Para o
desenvolvimento do trabalho, foi utilizado como método de abordagem o dedutivo, e,
como método de procedimento foi utilizado o monográfico, utilizando-se conceitos
doutrinários, legais e provindos da jurisprudência. A justificativa do tema proposto
centra-se na própria atuação do terceiro setor e nas políticas públicas por ele
implementadas, com o fomento do Estado, estando o problema direcionado ao
alcance, através da concretização, da imunidade tributária das instituições de
assistência social com vistas à identificação de tal instituto como mecanismo de
consecução de uma política pública de inclusão social. Assim, uma vez tendo-se no
presente trabalho um problema que envolve a análise de questões interdisciplinares,
são utilizados diferentes referenciais teóricos quanto ao tema a ser explorado, sendo
que quanto à atuação do Estado fomentador, parte-se da doutrina de Bernardo
Kliksberg (1998). Para a compreensão do dever fundamental de pagar tributos temse como referencial teórico José Casalta Nabais (1998) e quanto à extensão do
termo ‘instituição de assistência social’, o referencial teórico é Leopoldo Braga
(1969), permeando-se com a idéia de concretização da imunidade tributária,
utilizando-se a doutrina de J.J. Gomes Canotilho (1998). Tem-se, desse modo, que
com as crescentes deficiências encontradas no agir Estatal, o chamado terceiro
setor vem atuando de uma forma cada vez mais significativa nas relações
organizacionais, de modo a suplementar atividades essenciais do Estado, sendo
que, em contrapartida, o Estado lhes garante um regime tributário diferenciado, de
modo a se configurar um equilíbrio entre os valores despendidos na manutenção da
atividade e aqueles que seriam devidos ao Estado em decorrência de seu poder
indelegável de tributar. É necessário que se compreenda, portanto, o papel do
Estado na efetivação de políticas públicas que promovam inclusão social, em
especial tendo em vista a necessidade de o Estado encontrar soluções alternativas
para a consecução dos direitos sociais. É neste ponto que se pode falar na idéia do
Estado inteligente, enquanto Estado fomentador da sociedade civil, através do
alcance da imunidade tributária ao terceiro setor. O Estado, nesse sentido, assume
função primordial na efetivação de políticas públicas, seja implementando-as, seja
viabilizando-as. Sua atividade dever ser, assim, subsidiária, reconhecendo e
valorizando a atividade do terceiro setor, resguardando-se a atuação direta estatal
apenas nas hipóteses que se mostrem necessárias. O grande desafio é tornar o
Estado fomentador eficiente, com o manejo cauteloso da imunidade tributária.
Palavras-chave: Estado. Sociedade civil. Direitos sociais. Imunidade tributária.
Instituições de assistência social.
7
ABSTRACT
The present work is centered in the understanding of the constitutional and
legal requirements presented for the efficiency of the immunity tax for the institutions
of social assistance, objectifying the analysis of the concretion of articles 150, VI, “c”
and 195, § 7º, of the Federal Constitution of 1988, in special having in sight the
implementation of public politics of social inclusion. What has been searched, in this
manner, was the understanding of the performance of the State as a promoter of
public politics and the importance assumed for the immunity tax in this context. For
the development of this work, the deductive method has been used as boarding
method, and, as procedure method, it has been used the monographic one, using
concepts found in doctrine, in the law itself and the ones brought from the
jurisprudence. The justification of the considered theme is centered in the proper
performance of the third sector and in the public politics by it implemented, with the
promotion of the State, being the problem directed to the reach, through the
concretion of the immunity tax of the institutions of social assistance longing to the
identificate such institute as mechanism of achievement of the public politics of social
inclusion. Thus, once we have, in the present work, a problem that involves the
analysis of questions that involves more than one discipline, it has been used
different theoretical references in relation to the theme to be explored, in the part that
concernes to the performance of the promoter State, it has been used the doctrine of
Bernardo Kliksberg (1998). For the understanding of the basic duty to pay tributes,
the theoretical reference is Jose Casalta Nabais (1998), and in the matter of the
extension of the term `institution of social assistance', the theoretical reference has
been found in Leopoldo Braga (1969), completing with the idea of concretion of the
immunity tax, using, for that subject, the doctrine of J.J. Gomes Canotilho (1998).
This way, considering the increasing deficiencies found in State acting, the called
third sector has been acting each time in a more important way in relation to
organizational relations, in order to supply the essential activity of the State. On the
other hand, the State guarantees them a different tributary regimen, in order to
configure a balance between the expended values in the maintenance of the activity
and the ones that would be owed to the State in result of its exclusive power to tax.
Therefore, it is vital to understand the paper of the State in the effectiveness of public
politics that promote social inclusion, in special in view of the necessity of the State to
find alternative solutions for the achievement of the social rights. At this point we can
bring the idea of the intelligent State, as a promoter of the civil society, through the
reach of the immunity tax to the third sector. The State, at this point, assumes
primordial function in the effectiveness of public politics, either implemented them,
either making them possible. Its activity must be, thus, subsidiary, recognizing and
valuing the activity of the third sector, keeping the state direct performance only in
the hypotheses that really show necessity. The great challenge is to make the
promoter State efficient, with the cautious handling of the immunity tax.
Word-key: State. Civil society. Social rights. Immunity tax. Institutions of social
assistance.
8
INTRODUÇÃO
A vida em sociedade importa na imprescindibilidade de satisfação de
determinadas necessidades públicas. Com efeito, se a convivência humana em
grupos faz com se tenha a edição de normas que objetivam o regramento da vida
social, é também a partir da convivência em sociedade que se percebe que os
homens possuem objetivos comuns, como a realização de saneamento básico,
educação e segurança pública.
Ocorre que nem todos os indivíduos conseguem, por si só, conviver
socialmente com a garantia de sua dignidade, vivendo isso sim à margem daquilo
que se considera essencial à sobrevivência humana digna. A marginalização, aqui
entendida como a colocação de determinados indivíduos à margem da satisfação
das necessidades vitais básicas, ocorre tendo em vista processos históricos de
segregação e imposição arbitrária de poder, que fazem com que a igualdade
material torne-se inviável no contexto social. É nesta circunstância de desigualdade
e, por que não dizer, de indignidade, que a prestação da assistência social mostrase imprescindível para que se possa falar em igualdade formal.
A realização da assistência social se dá, deste modo, com o objetivo de permitir
que os indivíduos concretizem seus direitos individuais e sociais, com a prestação
de serviços à população menos favorecida. Fala-se, assim, em proteção às crianças,
adolescentes e idosos, assim como àqueles que necessitam de prestações positivas
para garantir sua dignidade. A prestação da assistência social, nesta idéia, viabiliza
que aqueles que se encontram à margem da concretização sejam incluídos na idéia,
hoje constitucional, de dignidade da pessoa humana.
No entanto, a forma inadequada de prestação da assistência social pode
colocar os indivíduos em uma situação de dependência, inviabilizando que os
mesmos consigam manter-se sem tais prestações. É por esta razão que se faz
necessária a compreensão dos efetivos contornos constitucionais da assistência
social, depurando sua importância no contexto de uma vida social eqüitativa.
9
O Estado, tradicional prestador da assistência social, necessita de recursos
para a satisfação das necessidades sociais. O poder estatal impositivo de
estabelecer tributos fundamenta-se, desse modo, na imperiosidade de recursos
públicos para a satisfação dos interesses sociais.
A esfera particular dos indivíduos (consubstancializada, no caso, em sua
liberdade e propriedade particular) sofre a intervenção do Poder Público com a
imposição de tributos, fonte principal de receitas públicas. É com o produto da
arrecadação de tributos que se possibilitam as prestações estatais positivas na área
social, bem como a viabilização das atividades burocráticas.
Ocorre que o Estado, por si só, não se mostra eficiente na satisfação das
necessidades sociais. É neste contexto que a sociedade civil se organiza e passa a
prestar serviços públicos que objetivam a concretização da assistência social.
Em contrapartida, a tais instituições é oferecida a imunidade tributária a
impostos (artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal) e contribuições para a
seguridade social (artigo 195, § 7o, da Constituição Federal). Com efeito, a
imunidade tributária é uma forma de desonerar estas instituições que atuam como
um verdadeiro braço do Estado.
Assim, o problema a ser enfrentado relaciona-se ao alcance, através da
concretização, da imunidade tributária das instituições de assistência social com
vistas à identificação de tal instituto como mecanismo de consecução de uma
política pública de inclusão social. Enfrentar tal ponto justifica-se na medida em que
para que se possa delimitar o real alcance da competência negativa instituída pelo
legislador constituinte nas normas de imunidade tributária é preciso que se perceba
os motivos que fizeram com que tal questão fosse elevada à ordem constitucional,
de modo a se possibilitar que as imunidades tributárias das instituições de
assistência social sejam efetivamente concretizadas em seu alcance constitucional.
Para tanto, faz-se necessária a compreensão da importância do terceiro setor e do
papel do Estado enquanto fomentador da sociedade civil, de modo que o sistema
tributário nacional seja analisado com vistas ao seu fim social, encarando-se o
direito de acordo com os fatos sociais que regula.
10
A justificativa do tema proposto centra-se, pois, na própria atuação do terceiro
setor e nas políticas públicas por ele implementadas, com o fomento do Estado.
Nessa realidade, a atuação do Estado seria como intermediador de políticas de
inclusão social, reconhecendo e estimulando a atuação da sociedade civil
organizada.
Analisando-se o problema a ser tratado, percebe-se que trabalho encontra-se
inserto na linha de pesquisa relativa a políticas públicas de inclusão social, mais
especialmente no que se refere às políticas tributárias que a promovam. Isso porque
ao se ter o trato adequado das referidas imunidades tributárias possibilita-se que a
desoneração seja alcançada apenas às instituições de assistência social que atuem
como um verdadeiro braço do Estado, promovendo a inclusão social.
Frise-se que a análise científica de tais questões poderá auxiliar para uma
maior sistematização na atividade legiferante, evitando-se a edição de regras que
não se coadunem com os requisitos objetivos (espécie de instrumento normativo a
ser utilizado para a obtenção da imunidade tributária) e subjetivos (como é o caso do
próprio conceito de instituições de assistência social) postos pela ordem
constitucional no que se refere ao trato das imunidades.
Para desenvolver o trabalho, será utilizado como método de abordagem o
dedutivo, por importar na análise do geral para o particular, analisando-se a relação
entre premissas. Como método de procedimento, será utilizado o monográfico,
tendo em vista a necessidade de análise do objeto de forma a se obter
generalizações.
A técnica, compreendida como o instrumento posto a serviço do processo
investigatório, consiste na pesquisa doutrinária, jurisprudencial e junto à legislação,
de modo a proceder-se a coleta dos dados, sua organização, análise e interpretação
para então passar-se à redação do texto monográfico.
De outro lado, uma vez tendo-se no presente trabalho um problema que
envolve a análise de questões interdisciplinares serão utilizados diferentes
referenciais teóricos quanto ao tema a ser explorado. Assim, no que se refere à
11
atuação do Estado fomentador, parte-se da doutrina de Bernardo Kliksberg (1998),
sendo que para se compreender o dever fundamental de pagar tributos tem-se como
referencial teórico José Casalta Nabais (1998). Já no que se refere à extensão do
termo ‘instituição de assistência social’, o referencial teórico é Leopoldo Braga
(1969), sendo que para a concretização da imunidade tributária utiliza-se a doutrina
de J.J. Gomes Canotilho (1998).
Desse modo, o objetivo do presente trabalho é exatamente o de analisar as
imunidades tributárias oferecidas a tais instituições e sua importância no contexto de
um pretendido Estado Democrático de Direito. Para tanto, iniciar-se-á com uma
abordagem sobre a atuação do Estado e sua postura enquanto fomentador de
políticas públicas.
Compreendido tal ponto, passar-se-á à análise do poder de tributar do Estado e
o histórico de tributos no contexto brasileiro, sempre se tendo em mente os motivos
que fizeram com que o legislador constituinte estipulasse as normas constitucionais
relativas ao sistema constitucional tributário.
O segundo capítulo inicia com a abordagem relativa ao público não-estatal,
ressaltando-se a atuação das associações civis na concretização dos direitos
sociais. Especificado o público não-estatal, passar-se-á a compreender a prestação
da assistência social e seu contexto constitucional, passando-se à análise da
extensão do termo ‘instituição de assistência social’.
O terceiro capítulo, por sua vez, é destinado à imunidade tributária, sua
natureza jurídica e fundamentos para a estipulação da norma constitucional de
competência negativa. Finalizando, a abordagem circundará em torno das
imunidades previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195, § 7o, ambos da
Constituição Federal de 1988, e sua regulamentação infraconstitucional.
A fim de alcançar os objetivos propostos, a abordagem do trabalho se dará de
modo crítico-reflexivo, compreendendo-se a importância da imunidade tributária para
a concretização das necessidades sociais. Assim, mesmo não se tendo o objetivo de
12
esgotar a matéria, o que se busca é colaborar para o incremento da discussão dos
temas que circundam o presente trabalho.
13
1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
A vida em sociedade e a necessidade de realização de objetivos comuns fez
com que o homem passasse a organizar-se coletivamente, de modo a desenvolver
atividades sociais básicas e permitir a consecução do bem comum.
O Estado, em si, é responsável pela organização e pelo controle social em
prol do benefício e bem estar da população. Ou seja, o Estado possui o poder
institucionalizado de modo a atender aos interesses da sociedade, assegurando-se
as garantias constitucionais.
Nesse ponto, é importante frisar que atender aos interesses da coletividade
não é sinônimo de soma dos interesses de todos, mas sim da realização de
objetivos comuns que se fazem indispensáveis à vida em sociedade. A vontade
geral não se confunde com a vontade de todos, sendo que através do Contrato
Social o homem deixa de ter uma liberdade irrestrita e passa a ter a liberdade civil.
Os limites da vontade social estão exatamente no exercício da vontade geral.
(ROUSSEAU, 1998).
A vida em sociedade e a atuação do próprio Estado, portanto, incrementam-se
dia-a-dia, na medida em que a vontade geral é emanada em normas jurídicas. E
estas, de outro lado, acabam sendo reflexo das alterações sociais, o que não se
mostra distinto em âmbito tributário. É neste sentido que se faz necessário
compreender a atuação do Estado, mesmo não se tendo o objetivo de conceituá-lo.
Em um primeiro momento, e sem a pretensão de esgotar a matéria, o que se
busca é traçar as linhas básicas que são relativas à atuação estatal para então se
compreender a forma com que as políticas públicas são desenvolvidas pelo Estado
ou mesmo por este fomentadas. É neste sentido que serão abordadas as questões
relativas ao Estado mínimo e ao Estado máximo, para então falar-se no Estado
fomentador de políticas públicas e sua atuação em matéria de políticas tributárias.
14
De qualquer forma, é necessário que se tenha em mente pelo menos uma
noção do que se entende por Estado na atualidade, para que se possa falar nas
políticas tributárias por ele desenvolvidas.
Nesse sentido, tem-se a lição de Wolkmer (1990, p.9):
[...] a categoria teórica Estado deve ser entendida, no presente ensaio,
como a instância politicamente organizada, munida de coerção e de poder,
que, pela legitimidade da maioria, administra os múltiplos interesses
antagônicos e os objetivos do todo social, sendo sua área de atuação
1
delimitada a um determinado espaço físico .
Um Estado tem atividades exclusivas como firmar e fiscalizar o cumprimento
de leis, regulamentar atividades econômicas em todo o seu território e através de
acordo internacionais, manter a ordem, arrecadar tributos entre outros. Com a
arrecadação pertinente ao Estado, cabe a ele o repasse para áreas como educação,
saúde, assistência social e defesa do meio ambiente, entre outras, pretendendo-se
oferecer uma relativa estabilidade e garantia de sobrevivência à sociedade.
Assim sendo, para que se possa compreender o trato do Estado no que se
refere às políticas públicas, passa-se a analisar a atuação estatal em dados
momentos históricos.
1.1 O Estado e o trato das políticas públicas
A vida em sociedade e a complexidade das relações entre os indivíduos
passou por características diferentes conforme o período histórico. As sociedades
até o ano de 1300 d.C. eram terminantemente rurais, sendo que seus membros
eram nômades ou seminômades2 e em muitas dessas tribos não havia alguém que
1
WOLKMER (1990, p.22), ainda remete que “[...] o Estado enquanto fenômeno histórico de
dominação apresenta originalidade, desenvolvimento e características próprias para cada momento
histórico e para cada modo de produção, com a subordinação plena das organizações políticas ao
poder da Igreja no feudalismo e com a secularização e unidade nacional da modernidade [...]”.
2
Van Creveld (2004, p. 29) ressalta ainda que “[...] seu sustento dependia quase exclusivamente da
caça-coleta, da criação de gado, pesca e da agricultura, quase sempre de subsistência [...]”.
15
governasse. É neste contexto de relativa desordem social que a Igreja ganha sua
força. (VAN CREVELD, 2004).
A Idade Média fica marcada exatamente pela confusão entre Estado e Igreja
(VAN CREVELD, 2004), sendo que o trato do direito por filósofos teológicos desta
época pode denotar um certo protecionismo ao jusnaturalismo teológico3, pois no
momento em que a Lei Divina era superior à lei humana, a Igreja poderia manter
uma tutela sobre o poder temporal.
A Igreja, assim, recebe um tratamento diferenciado, mantendo inclusive um
sistema de tributação paralela, de modo a perpetuar sua força e influência (VAN
CREVELD, 2004). O pagamento de dízimos fortalecia a estrutura da Igreja e a
colocava em uma situação de prestígio, fazendo com que os ciadadãos e, por vezes,
até mesmo os próprios governantes ficassem submetídios à sua força.
Ocorreram profundas mudanças nessa nova sociedade, e o Estado precisou
se tornar forte e centralizado, como mostra Van Creveld (2004, p. 83):
No feudalismo, o governo não era “público” nem se concentrava nas mãos
de um único monarca ou imperador; pelo contrário, dividia-se entre um
grande número de governantes desiguais que tinham entre si relações de
lealdade e que o tratavam como propriedade privada. Na Europa ocidental,
porém, a situação se complicava ainda mais em razão da posição
excepcional ocupada pela Igreja.
No feudalismo o trabalho servil era eminente e o senhor feudal detinha grande
poder sobre seus servos, que eram obrigados a pagar-lhe tributos pelo uso da terra.
As transformações que ocorreram no século XIV, XV e XVI, com a vinda do
capitalismo mercantil e com a mudança radical do modo de produção feudal,
ocasionaram a redefinição do Estado. (VAN CREVELD, 2004).
3
Na Idade Média, a natureza era considerada o produto da inteligência e da potência criadora de
Deus. Sendo a lei natural encarada como divina, surge ela com a criação do mundo, de forma que
Deus, Onipotente e Onipresente na vida do homem, cria-os como iguais e livres. A liberdade, por
assim dizer, é aquela vivida conforme os ensinamentos de Deus. É neste sentido que Tomás de
Aquino (1954) afirma que por serem os homens livres eles podem vir a violar a lei natural, mas essa
violação não retira sua validade. Já na Idade Moderna, a idéia de direitos fundamentais deixa de
residir sob a fé divina, e passa a ser considerada sob critérios racionais. Consoante ensina
Herkenhoff (1994, p.30-31), entende-se modernamente por Direitos do Homem “[...] aqueles direitos
fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela
dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade
política . Pelo contrário, são direitos que a sociedade tem o dever de consagrar e garantir [...]”.
16
Essa redefinição de Estado está intimamente relacionada com a própria
sedimentação da idéia de sociedade e com o surgimento da burguesia, sendo que
para Bonavides (1999, p.60):
A sociedade, algo interposto entre o indivíduo e o Estado, é a realidade
intermediária, mais larga e externa, superior ao Estado, porém inferior ainda
ao indivíduo, enquanto medida de valor.
A expressão sociedade, depois de haver sido usada pela primeira vez por
Ferguson com o nome de sociedade civil (civil society), se afirma no uso
político graças ao aparaceimento da burguesia.
Com o desaparecimento gradual da servidão, diante de uma opressão política
e econômica exercida sobre os camponeses, houve o nascimento de uma nova
diretriz, denominada Estado absolutista (ANDERSON, 1989). Os camponeses, que
até então sofriam pressão política e econômica por intermédio da exploração pelos
senhores feudais, migraram do campo para as cidades, passando a sofrer a
exploração de um Estado absolutista.4
O absolutismo é uma teoria política que defende que um indivíduo detenha
todo o poder, ou seja, um governo autoritário, tendo vigorado na Europa da Idade
Moderna, conferindo ao soberano um poder ilimitado. Hobbes (1979), ao tratar do
estado de natureza, afirma que as leis naturais não alcançavam eficácia devido à
situação de todos contra todos e, portanto, os homens renunciavam aos direitos que
tinham, exceto o direito à vida, transferindo-os ao soberano, que ficava responsável
pelo cumprimento das leis civis. O fortalecimento do Estado absolutista está calcado
exatamente nesta idéia de delegação de poderes por parte dos súditos aos
soberanos, sem pensar-se em participação social no processo de tomada de
decisões.
No que se refere ao cumprimento das obrigações, assim, o que se observava
era uma obrigação puramente nominal do soberano para com os súditos, e, de outro
lado, uma efetividade no cumprimento das leis impostas pelo soberano aos súditos.
Isso porque caso viessem os súditos a contrariar a ordem do soberano a eles seriam
impostas severas sanções. Porém, não poderia um súdito inquirir se o que o
4
Anderson (1989, p. 19) ressalta: “[...] o advento do absolutismo nunca foi, para a própria classe
dominante, um suave processo de evolução: ele foi marcado por rupturas e conflitos extremamente
agudos no seio da aristocracia feudal, cujos interesses coletivos em última análise servia”.
17
soberano ordenava era justo ou não, “[...] dado que todo súdito é por instituição
autor de todos os atos e decisões do soberano instituído [...]” (HOBBES, 1979,
p.109). Maquiavel (1955, p. 38), por sua vez, chega a afirmar que um príncipe sábio
não pode, nem deve, “[...] manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa
que o levou a fazê-las, o cumprimento delas lhe traz prejuízo [...]”.
Percebe-se, então, que à época do absolutismo não era conferida aos súditos
nenhuma garantia das responsabilidades assumidas pelo soberano no contrato
social. Por outro lado, os teóricos iluministas, ao pregarem a liberdade dos homens,
pretendiam exatamente limitar o poder do Estado, sendo que “[...] a liberdade, por
sua vez, é concebida como corolário da igualdade [...]" (MALFATTI, 1985, p. 52).
Em que pese ter havido abusos de poder por parte dos governantes nessa
época, o Estado absolutista foi um processo importante para a modernização
administrativa. Com efeito, precisou-se passar por desigualdades sociais e
abitrariedades visíveis, para que pensadores políticos repenssassem suas teorias,
dando início a uma participação mais efetiva à população. A modernidade é
importante para o desenvolvimento eficaz de uma sociedade, mas claro, com
transparência e ética. Essa transição fica marcada pela importância assumida pela
burguesia, mesmo no que se refere à autuação estatal.
Bonavides (1999, p. 60) afirma:
A burguesia triunfante abraça-se acariciadora a esse conceito que faz do
Estado à ordem jurídica, o corpo normativo, a máquina do poder político,
exterior a Sociedade, compreendida esta como esfera mais dilatadora, de
substrato materialmente econômico, onde os indivíduos dinamizaram sua
ação e expandem seu trabalho.
Tendo em vista todos os problemas sociais provenientes da instalação e
detenção de poder a uma única pessoa através do Estado absolutista, e
especialmente tendo em vista a grande carga tributária suportada pela classe
burguesa, a Revolução Francesa com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”,
pode ser considerada um divisor de águas. A partir dela surge o liberalismo, dando
ênfase à concepção de cidadania e à idéia de contrapor e efetivar uma política mais
18
participativa a toda a sociedade5. Nas suas origens, o liberalismo tinha como objetivo
condicionar a participação mais eficaz nas instituições do Estado, por meio de
votações e da elaboração das leis. (BONAVIDES, 1972).
O combate à monarquia pode ser percebido em Thomas Paine (1964), que
defende a república e a democracia como formas mais acertadas de governar,
devido, entre outros, ao fato de ser a vitaliciedade uma característica extremamente
falha ao passo de não ser possível afirmar que o filho de um Rei justo será, por
conseqüência, justo também.
A democracia, o sistema representativo e o processo legislativo ganham força
e se solidificam na idéia de Estado Liberal. A defesa das liberdades individuais e da
propriedade privada tornam-se um ícone do liberalismo, visando proteger o indivíduo
das arbitrariedades estatais. “Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre
fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o
ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como
maior inimigo da liberdade” (BONAVIDES, 1972, p. 02).
É nesta ânsia por liberdade e respeito à livre iniciativa que o Estado Liberal
acaba mostrando as suas fragilidades. A idéia de que o mercado conseguiria regular
as situações sem a intervenção do Estado mostrou-se relativizada, tendo em vista
uma parcela da população que depende de políticas públicas eficazes para que se
possa, efetivamente, construir e garantir a dignidade.
Sendo assim, sem um órgão regulador eficaz, a livre-concorrência se acentua
e o capitalismo além das fronteiras toma conta das negociações e acaba tornandose prejudicial, não só às novas políticas implantadas em prol do desenvolvimento,
mas também à sociedade e ao próprio governo.
Com a crise do Estado Liberal, o século XX foi marcado pela implementação,
nos países europeus, de Estados de Bem-Estar Social, havendo uma preocupação
5
Torres (2005, p. 33) ainda ressalta: “A cidadania em sua expressão moderna tem, entre os seus
desdobramentos, a de ser cidadania fiscal. O dever/direito de pagar impostos se coloca vértice da
multiplicidade de enfoques que a idéia de cidadania exibe. Cidadão e contribuinte são conceitos
coextensivos desde o início do liberalismo”.
19
latente com a efetivação dos direitos sociais. A justificativa para esta implementação
remonta à constatação de que a experiência liberal acabou por denotar a própria
importância do Estado, na medida em que reflexos práticos demonstram que o
mercado não é, por si só, capaz de satisfazer as necessidades públicas.
(BONAVIDES, 1972).
Nesse sentido, importante que se diferencie o Estado social do Estado
socialista, sendo oportuno o ensinamento de Bonavides (1972, p. 205):
O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural
por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e
diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado
proletário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que êle conserva
sua adesão à ordem capitalista, princípio cardial a que não renuncia.
Daí compadecer-se o Estado social no capitalismo com os mais variados
sistemas de organização política, cujo programa não importe em
modificações fundamentais de certos postulados econômicos e sociais.
O Estado de Bem-Estar Social é uma organização política e econômica que
objetiva a proteção e a defesa de interesses sociais e econômicos, não se
esquecendo do capitalismo e do princípio da livre iniciativa, mas agindo de modo a
harmonizar os interesses do mercado e a consecução do bem comum. Preocupa-se,
acima de tudo, com a dignidade da pessoa humana e com a satisfação do mínimo
vital. O Estado age, assim, de modo a regulamentar a saúde social, política e
econômica do país em parceria com os demais setores.
Cabe ao Estado de Bem-estar Social garantir a toda a sociedade serviços
públicos, proteção de qualidade e uma base econômica satisfatória. Vale ainda
ressaltar que também é de responsabilidade do Estado a cobrança e a
administração dos tributos, buscando-se a distribuição de renda e fontes financeiras
para realização de seus supostos deveres. Tendo em vista o crescimento
econômico, a estabilidade da nação e serviços sociais de qualidade, cabe ao
Estado, através de novas diretrizes políticas, o cuidado permanente com a economia
e a viabilização de infra-estruturas.
20
Com isso, os chamados Welfare States ganharam força, incrementando a
institucionalização de políticas públicas6 para a satisfação dos direitos sociais. Nesse
sentido, quanto ao papel a ser assumido pelo Estado, Hespanha (2002, p. 179)
afirma:
À comunidade devem ser garantidos, pelo Estado, padrões sociais básicos
que lhe permitam exercer seu papel. Daqui decorre que os direitos
individuais só reflexamente têm relevância, isto é, de acordo com os níveis
de proteção reconhecidos à comunidade e no quadro das relações de
direitos e deveres que identificam os membros da comunidade. É esta a
reconceitualização ou ressocialização dos direitos sociais centrados no
indivíduo em direitos sociais centrados na comunidade que fundamenta a
proposta de se instituir um sistema universal de bem-estar que reconheça
os diferentes níveis de desenvolvimento econômico e as diferentes
capacidades das nações e que, portanto, possa reduzir as contradições
entre as dimensões econômicas e sociais do capitalismo onde quer que
seja.
Como se observa das palavras acima, o Estado é visto como responsável pela
satisfação dos direitos sociais, não podendo se permitir um avanço econômico que
importe em descrédito social. Em outras palavras, a constatação a que se chega é
que somente um Estado que consegue implementar satisfatoriamente suas políticas
públicas para a satisfação dos direitos sociais pode ser considerado desenvolvido.
Ao tratar sobre as dimensões do Welfare State antes da existência de
economias globalmente integradas, Esping-Andersen (1995, p. 73) afirma que este:
[...] representou um esforço na reconstrução econômica, moral e política.
Economicamente, significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do
mercado, em favor da exigência da extensão da segurança do emprego e
dos ganhos como direitos de cidadania; moralmente, a defesa das idéias de
justiça social, solidariedade e universalismo. Politicamente, o welfare state
foi parte de um projeto de construção nacional, a democracia liberal contra
o duplo perigo do fascismo e do bolchevismo.
6
Ao tratar das dimensões da política, FREY (s.d, p. 216) refere: ”A dimensão institucional ‘polity’ se
refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do
sistema político-administrativo; No quadro da dimensão processual ‘politics’ tem-se em vista o
processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de
objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; A dimensão material ‘policy’ refere-se aos
conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao
conteúdo material das decisões políticas [...]”.
21
Tendo-se em mente que o Estado Social objetiva a construção de justiça social
e fortificação de cidadania7, percebe-se que a sua implementação de direitos sociais
não está ligada à idéia de políticas assistencialistas que coloquem o indivíduo em
situação de dependência da atuação estatal. A satisfação dos mínimos
constitucionais e a garantia da dignidade da pessoa humana perpassam a idéia de
emancipação do indivíduo, não estando ligada à noção de populismo, mais visível
nos países da América Latina.
Ademais, sabe-se que um dos principais problemas dos países latino
americanos é a alta carga tributária, sendo que uma política tributária como a
implementada, de fato, não promove com eficácia o bem-estar social. No caso
desses países, a forte pressão financeira internacional fez com que os mesmos
optassem pelo ajustamento econômico e fiscal, deixando o lado social em segundo
plano. Esse tipo de atitude governamentista acaba por denegrir o verdadeiro sentido
do Estado de Bem-Estar Social. (KLIKSBERG, 2000).
Assim, a realidade de desempregos ou de empregos com baixa remuneração e
de relações flexibilizadas, aliando-se a outros fatores estruturais8, faz com que seja
necessário repensar a atuação Estatal. Frise-se que, a par da grande tributação
vinda com a pretensão do Welfare State, em países como os da América Latina a
efetiva implementação de políticas públicas eficazes não passou de uma
expectativa, não sendo o Estado eficiente sequer na atenção das necessidades
vitais do cidadão.
Explicitando as dificuldades existentes na implantação de uma política de
Estado na América Latina, Van Creveld (2004, p. 449) afirma:
7
O termo cidadania é entendido aqui como a coletividade de cidadãos que efetivamente participam
do contexto social, não sendo meramente assistidos. Tem-se, assim, a idéia de cidadania plena,
compreendida em conformidade com as influências do mercado, mas não a este subalterna (DEMO,
1995). Cidadania, assim, é “[...] a competência humana de fazer-se sujeito, para fazer história própria
e coletivamente organizada [...]”(DEMO, 1995, p. 01).
8
Esping-Andersen (1995, p. 73) coloca as seguintes situações: “[...]o crescimento não-inflacionário
induzido pela demanda, no interior de um único país, parece hoje impossível; cabe aos serviços, mais
do que à indústria, a garantia do pleno emprego; a população está envelhecendo rapidamente; a
família convencional, dependente provedor masculino, está em declínio, e o ciclo da vida está
mudando e se diversificando, e tais modificações estruturais desafiam o pensamento tradicional sobre
a política social [...]”.
22
[...] justamente quando os Estados latino-americanos parecem estar se
aproximando de algum tipo de estabilidade política no topo, parece que a
maioria deles também fracassou na tentativa de integrar as partes mais
pobres de suas cidades como fizeram os europeus durante o século XIX.
Pelo contrário, tendo em conta a pressão ainda contínua da população, a
situação em muitos lugares talvez esteja pior do que há vinte ou trinta anos
[...].
Diante disso, a desigualdade social e todos os problemas dela decorrentes,
contribuem para a falta de êxito total na implantação de um Estado Social na
América Latina, contrapondo-se aos países europeus. O descompasso gerado pelo
desequilíbrio instalado tende a impedir que se ponha em prática a adoção de uma
nova política de Estado, como mostra Van Creveld (2004, p. 451) 9:
Em contraste marcante com a situação nos Estados Unidos e no domínios
britânicos, a construção dos Estados da América Latina só teve êxito até
certo ponto. Com poucas exceções, a maioria não conseguiu incluir todo o
povo sob o regime do estado de direito nem implantar um firme controle civil
sobre os militares e a policia, nem encontrar um equilíbrio entre a ordem e a
liberdade [...].
A prática latina de Estado não pode, portanto, ser denominada de social. A
experiência de Estado social acaba por ser visualizada de forma relevante nos
países europeus, preocupados com a satisfação de direitos sociais como educação
e saúde.
Esse embate entre Estado Social e Liberal leva à percepção de que embora a
efetivação de Estados sociais seja de difícil consecução, não se pode ignorar a
importância de implementação de políticas públicas que satisfaçam os direitos
sociais. A intervenção do Estado torna-se imprescindível para a consecução das
necessidades coletivas, visto que a sociedade e o mercado, por si só, não
conseguem atingir objetivos de redução das grandes desigualdades existentes.
9
Como coloca ainda Van Creveld (2004, p.451): “[...] do ponto de vista externo, é vidente que as
invasões sofridas por Granada em 1983, Panamá em 1989 e Haiti 1993 (para não falar do papel da
CIA no Chile ainda de 1973) são apenas os mais recentes de uma longa série de lembretes de que a
soberania dos menores é, em todo o caso, condicional à boa vontade do Grande Irmão e depende
dela [...]”.
23
O que se tem, assim, é a insuficiência do Estado mínimo e a insustentabilidade
do Estado máximo em determinadas realidades, sendo necessária a equação de tais
medidas para se delimitar a atuação estatal.10
No caso do Brasil, inúmeros são os problemas de realidade social
apresentados que contribuem para a não-efetividade da adoção de um Estado
social. No entanto, não se pode negar a importância da atuação estatal,
especialmente tendo em vista o advento de uma sociedade urbano-industrial. A
partir dos anos trinta, esse processo ficou mais visível com os esforços para
modernizar e tornar mais eficiente a administração.
Na década de trinta, verificou-se a superação do Estado clássico liberal e a
construção do modelo de Estado novo11, o qual foi considerado um divisor na
história institucional do país. O primeiro projeto de modernização no Brasil foi levado
a cabo pelo governo de Getúlio Vargas, e tinha como objetivo a industrialização
nacional12. (MENDES JÚNIOR; MARANHÃO ,1981).
De qualquer forma, a experiência brasileira vivida na chamada Era Vargas
denotou uma política assistencialista que visava manter o indivíduo dependente da
atuação estatal, fragilizando-se a própria idéia de justiça social. (MENDES JÚNIOR;
MARANHÃO ,1981).
10
Bobbio (1992, p. 126) lembra que a simples colocação de um Estado como mínimo ou máximo não
o faz fraco ou forte: “[...] não se pode confundir a antítese estado mínimo/estado máximo, que é o
mais freqüente objeto de debate, com a antítese estado forte/estado fraco. Trata-se de duas antíteses
diversas, que não se superpõem necessariamente. A acusação que o neoliberalismo faz ao estado
de bem estar social não é apenas a de ter violado o princípio do estado mínimo, mas também a de ter
dado vida a um estado que não consegue mais cumprir a própria função, que é a de governar (o
estado fraco). O ideal do liberalismo torna-se então o de estado simultaneamente mínimo e forte. De
resto, que as duas antíteses não se superpõem é demonstrado pelo espetáculo de um estado
simultaneamente máximo e fraco que temos permanentemente sob os olhos [...]”.
11
Mendes Jr. e Maranhão (1981, p. 181) afirmam: “podemos dizer que o golpe de novembro de 1937
que instaurou o Estado Novo tendia a concluir, de forma mais ‘aperfeiçoada’ o que havia começado
de 1930. os sindicatos, que conseguiriam manter uma relativa independência até 1935, passaram
totalmente para a tutela do Estado, que os atrelou. Sem dúvida, o Estado Novo ‘legalmente’ iniciou-se
com os golpes de novembro. Mas para os trabalhadores a repressão desencadeada a partir da
tentativa do levante da ANL em novembro de 1935 (ver Cap. XC) deve ser considerada o marco
inicial desses Estado repressivo.”
12
Mendes Jr. e Maranhão (1981, p. 173) ressaltam que “antes mesmo da implantação do Estado
novo, o governo Vargas passava a interferir cada vez mais na esfera econômica, principalmente no
combate a problemas inerentes à nova realidade industrializante, como a questão da ‘superprodução
ou consumo’”.
24
Com o fim do Estado Novo em 1945 e a chegada, mais tarde, de Juscelino
Kubitschek ao poder, a teoria de industrialização nacional permaneceu, porém, com
algumas diferenças. Passou-se a primar pela participação conjunta dos setores
público e privado, bem como o estímulo a sua expansão simultânea (MENDES JR;
MARANHÃO, 1981).
A estrutura de Estado foi sendo adequada com o passar dos anos, primandose pela descentralização administrativa. As autarquias e fundações ganham força ao
lado das sociedades de economia mista e das empresas públicas. Já com o governo
Fernando Henrique Cardoso13, percebeu-se uma aceleração de privatizações,
reformulando-se políticas administrativas de modo a liberar-se o Estado de certas
incumbências, de modo a permitir-se que a atenção estatal ficasse voltada a
questões essenciais.
Em 1999, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, com a
organização do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão14, criou-se uma
oportunidade para o avanço da reforma do Estado no sentido da ampliação do seu
aspecto definido até então e do seu alcance sobre as políticas públicas, ao
possibilitar a integração das importantes funções de planejamento, orçamento e
gestão. No entanto a reforma do Estado continuou a ser um mito, permanecendo-se
as ambições não concretizadas de construção de uma sociedade justa. (SOUZA,
2004).
É exatamente com o propósito de uma sociedade mais justa que o governo
busca um limiar de integração da sociedade nas suas decisões. O Estado
Democrático de Direito15 firma a participação popular no processo político da nação
13
Souza (2004, p.523) afirma que “[...] ao mesmo tempo que escancarava nosso mercado interno à
produção estrangeira, o grupo fernandista também orquestrava a maior desnacionalização de que se
tem notícia em tão curto período de tempo. Na gestão Itamar, apesar de ele haver abdicado de
governar em favor da equipe de FH, o capital estrangeiro ainda não tinha realizado uma invasão
maciça [...]”.
14
Órgão que coordena e supervisiona normas para a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias
e do orçamento geral da União.
15
Morais (2002, p. 38) mostra que “O Estado Democrático de Direto emerge, neste quadro de idéias,
como aprofundamento/transformação da fórmula, de um lado, do Estado de Direito e, de outro, do
Welfare State. Resumidamente, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se tem a permanência
em voga da já tradicional questão social, há como que a sua qualificação pela questão da igualdade
[...]”.
25
possibilitando uma legitimação da democracia, frisando, assim, um caráter de cunho
social, no qual a sociedade exerce seus direitos de cidadania participando (ou
pretendendo participar) ativamente das decisões de melhoria das políticas públicas.
Em suma, o Estado Democrático de Direito tem como objetivo principal a
concretização da igualdade formal, impondo garantias ao cumprimento da ordem
dos direitos humanos16 e gerando uma modificação constante na situação real da
sociedade. O objetivo é a redemocratização e a concretização das ações de caráter
minimizador de deficiências.
Na procura de um meio termo entre Estado Liberal e Estado Social, constitui-se
o Estado Democrático de Direito no qual este, possuindo um conteúdo que preza
pela mudança da realidade, também se envolve com a capacitação da sociedade a
para a prática da democracia e a concretização de uma vida digna17.
Desse modo, o Estado Constitucional Democrático pressupõe a legitimação do
poder, visando-se o respeito à ordem constitucional, entendendo-se esta como fruto
da soberania popular. Tem-se, assim, a idéia de que o poder político deriva do poder
dos cidadãos, sendo que o elemento democrático não é tido apenas para travar o
poder da Administração Pública, mas também para conferir a legitimidade deste
poder (CANOTILHO, 1998).
Canotilho
(1998,
p.
94)
assim
explica
os
fundamentos
do
Estado
Constitucional:
16
Morais (2002, p. 64) mostra que: “Resumidamente poderíamos dizer, então, que os direitos
humanos, como conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito a vida
digna jurídico-politico-psiquico-economico-fisica e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daquele do
presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos
agentes político-juridico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir que a todos seja consignada
a possibilidade de usufruí-los em beneficio próprio e comum ao mesmo tempo. Assim como os
direitos humanos se dirigem a todos, o compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de
todos, em um comprometimento comuns a todos [...]”.
17
Bonavides (2001, p. 190) esclarece que ”O emprego correto do conceito poderá assim explicar a
variação havida nas distintas modalidades de democracia, que correspondem, por exemplo, à
concepção democrática do Estado liberal (democracia individualista) ou à concepção democrática do
Estado social (democracia de forte pendor coletivista). O conteúdo democrático fica, pois, explicitado
pelo conteúdo ideológico, ou seja, por um sistema coerente de idéias e crenças [...]”.
26
Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não
metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a
legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de
legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem
de domínio e da legitimação do exercício do poder político.
Existe, nesta realidade, uma preocupação evidente quanto à participação
social, objetivando-se resultados eficientes para a efetiva concretização de um
Estado de Direito. Isso porque a cada dia surgem novos problemas que merecem
atenção especial, sendo que a democracia deve propiciar a diminuição das
deficiências sociais.
Assim, a busca pelo verdadeiro sentido democrático é uma constante da
reforma do Estado. É neste sentido que a participação da sociedade importa na
legitimidade política, sendo as demandas sociais consideradas metas para a
concretização da eqüidade, diminuindo com as desigualdades com o respeito à
Constituição.18
Inegável, portanto, a importância que o Estado há de assumir na construção
dos objetivos constitucionalmente expressos, oferecendo a garantia da ordem social
e a satisfação dos direitos fundamentais.
O estado brasileiro, enquanto instituição jurídica e política, neste contexto,
vai ter uma função importantíssima, na medida em que pelos termos da
dicção constitucional vigente, se responsabiliza pela mediação da
ordenação do social e pela garantia de algumas prerrogativas/direitos que
irão se ampliar no âmbito do processo de desenvolvimento das lutas sociais
e políticas contemporâneas (LEAL, 2006, p. 33).
O
que
se
percebe
é
que
a
concretização
dos
direitos
garantidos
constitucionalmente relaciona-se com a própria atuação do Estado e sua postura
perante a sociedade civil. É nesta circunstância que as lutas sociais acabam por
influenciar a política contemporânea, sendo que a complexidade dos anseios
públicos não pode ser ignorada pelo Estado.
18
“Com o novo caráter social do Estado, inúmeras garantias passaram a ser constitucionalmente
asseguradas aos cidadãos, ampliando a função da administração pública detentora do poder-dever
de satisfazer as necessidades da coletividade, em nome da qual adota como lema a prevalência do
interesse publico sobre o particular [...]” (TUPIASSU, 2006, p. 31).
27
A ótica capitalista, neste sentido, não pode ser simplesmente desconsiderada,
tendo em vista a constituição de uma sociedade pautada na livre iniciativa. Para que
se tenham políticas públicas eficientes, não se pode esquecer que ordenamento
brasileiro é pautado em uma economia capitalista19, sendo que o diálogo correto
entre mercado e sociedade civil permite que se realizem políticas emancipatórias. O
que se tem, assim, é que os interesses individuais não podem ditar a regra da vida
em sociedade, sendo que o Estado possui um papel importante na mediação dos
interesses particulares em consonância com a consecução dos objetivos públicos.20
A grande questão, nesse sentido, é de que forma o Estado deve agir para que
os direitos constitucionalmente previstos sejam efetivados, sendo que no ponto
seguinte passa-se a analisar a atuação do Estado enquanto fomentador de políticas
públicas.
1.2 O Estado como fomentador de políticas públicas
A atividade do Estado mostra-se, como se pode perceber até o presente
momento, indispensável à vida em sociedade. No entanto, as dificuldades
enfrentadas na consecução do bem comum e a inefetividade dos direitos sociais em
realidades como a brasileira, faz com que seja necessário que se analise de que
forma o Estado pode agir eficientemente para a mudança de tal panorama social.
É preciso advertir que por maiores que sejam as críticas que se teçam sobre a
atuação do Estado, sua atuação é simplesmente indispensável. Os problemas
apresentados reafirmam a necessidade de uma discussão mais apurada no que se
19
“É balela, para não dizer incompetência, imaginar políticas sociais desvinculadas das condições de
mercado que continuam, também no welfare state, e mais ainda num sistema capitalista perverso, o
regulador decisivo da sociedade e da economia. Dois seriam os principais disparates: dar maior
importância à assistência do que ao emprego, reproduzindo a cidadania assistida, ou seja, atrelada a
benefícios, em vez de emancipada; e fantasiar a geração de excedente econômico, como se recursos
pudessem ser ideologicamente inventados [...]” (DEMO, 1995, p. 80).
20
Quanto à atuação do Estado e a economia capitalista, Grau (2000, p. 28) afirma: “[...] o Estado, ao
atuar como agente de implementação de políticas públicas, enriquece suas funções de integração, de
modernização e de legitimação capitalista [...]”.
28
refere ao trato das políticas públicas, em especial tendo em vista a necessidade de
satisfação do mínimo existencial.
O Estado, não mais restrito à dialética desenvolvimentista ou socialista, deverá
ser atuante, regulando e impulsionando a economia (SCHMIDT, INÉDITO), agindo
de modo a garantir ao indivíduo a satisfação de suas necessidades essenciais,
sempre com a cautela de não torná-lo dependente da atuação estatal para a
realização de suas necessidades vitais básicas. A política pública deve, portanto, ser
satisfativa mas também emancipadora, contribuindo-se na efetivação da cidadania
plena.
A grande questão é como se faz possível a equação de tais medidas e a
implementação de políticas públicas viáveis, em especial políticas tributárias que
atuem na implementação dos direitos sociais. A atividade administrativa, como se
sabe, nada mais é do que uma atividade de gestão, que leva em conta os recursos
disponíveis e as necessidades apresentadas. E, em uma realidade como a
brasileira, o que se percebe são inúmeras demandas sociais que não recebem a
devida satisfação.
Nesse sentido, considerando o contexto da América Latina, a situação não é
nada favorável. O que se tem é a percepção cada vez maior de indivíduos que
podem ser considerados excluídos. Nas palavras de Klibsberg (2000, p. 99-100):
Os processos de polarização social em curso estão substituindo o perfil de
sociedades duais que, com freqüência, serviu para descrever as latinoamericanas, como áreas de modernidade e de atraso, por outro diferente.
As sociedades passam a estar integradas por dois grupos básicos: os
incluídos e os excluídos.
Os processos de exclusão vão além das divisões traçadas pelas
dualidades. Produzem profundas segregações. Um percentual significativo
da população não tem acesso a trabalhos produtivos, a uma educação de
qualidade, à cultura, ao mercado. Vão se criando nas grandes cidades
áreas fechadas para excluídos e incluídos, com limitadas comunicações
entre si. Multiplicam-se nos excluídos destinos inelutáveis de pobreza, que
se reproduzem de geração em geração. Debilita-se a unidade familiar, base
de uma vida humana plena. Os excluídos sentem tremer suas bases
estratégicas de vida e sua possibilidade de se integrar.
Esta realidade ratifica a afirmação de que a atuação do Estado é imprescindível
no atual momento. Os rumos das políticas públicas determinarão se tais
29
desigualdades irão minimizar ou, ao contrário, enraizar-se ainda mais. O grande
desafio, portanto, é tornar o Estado eficiente.
Exatamente tendo-se em vista as crescentes deficiências do poder estatal que
as discussões que envolvem sua atuação têm merecido destaque no cenário
político-jurídico. Isso porque, de um lado, tem-se que sua atuação encontra-se
restrita aos recursos financeiros disponíveis, que não se mostram suficientes tendo
em vista a grande demanda social. De outro lado, há que se ponderar que o mesmo
não pode ficar inerte perante os acontecimentos sociais, sendo sua atribuição fazer
com que sejam alcançadas à população carente políticas públicas de inclusão social
eficientes.
O problema, portanto, não é nada singelo: é necessário que se equacione a
função do Estado perante as necessidades sociais e se viabilize maneiras de
implementar políticas públicas de inclusão social eficientes.
Com efeito, o Estado atua como regulador das necessidades públicas e sujeito
ativo na satisfação das necessidades sociais, sendo que ao exercer suas tarefas
gerencias e satisfativas, deverá atentar à liberdade dos cidadãos. O que se tem, em
outras palavras, é a instituição de um pacto social no qual o indivíduo mantém sua
prerrogativa de liberdade, sujeitando-se à atuação do Estado naquilo que é
eminentemente público.
Nesse sentido, a única forma legítima pela qual a liberdade pode ser
sustentada e efetivada se dá com a conferência do poder aos cidadãos, sempre em
atendimento à ordem constitucional, a qual é considerada norma fundamental
informativa das possibilidades/necessidades de ordenação social (LEAL, s.d). É por
esta razão que se tem a máxima de que o indivíduo somente pode ser compelido à
determinada atitude por força de lei.
Ao Estado, portanto, cumpre a tarefa de agir como gestor dos interesses
públicos sem atuar em detrimento às garantias constitucionais, evitando-se
qualquer arbitrariedade.
30
No entanto, como já dito, a realidade visualizada é que as crescentes
demandas sociais existentes fazem com que o Estado enfrente problemas cada vez
maiores de gestão, sendo que as receitas arrecadadas não se mostram suficientes
para a satisfação de todas as necessidades públicas. Assim sendo, o Poder
Executivo, especialmente, tem enfrentado inúmeras dificuldades para equacionar o
binômio possibilidade financeira e demandas sociais, o que faz com que a arte de
bem gerir se torne cada vez mais relevante enquanto governo.
Em conseqüência das dificuldades enfrentadas, é preciso que se discuta
questões como a reforma do Estado, de modo a “enxugar” as atividades por ele
atualmente exercidas mas que não se mostram essenciais,
transpondo-se tais
atividades para o setor privado. De outro lado, tendo em vista a necessidade de
atenção a ditames eminentementes públicos, o Estado volta a chamar para si a
tarefa de regulação e satisfação de questões anteriormente repassadas ao
mercado, atentando-se a patamares mínimos de dignidade aos cidadãos
envolvidos.
Com isso, o que se visualiza é a tentativa de reestruturação estatal, com a
especificação das funções que devem ser exercidas e garantidas pela
Administração Pública, submetendo-se às leis de mercado as restantes.
Boaventura de Souza Santos (1995), ao discorrer sobre a reforma do Estado e
os pilares sobre os quais essa reforma se assenta, afirma que a fase do Estado
irreformável se relaciona com a concepção de que ele é ineficaz, parasitário e
predador, e por tal razão a sua única reforma possível e legítima seria reduzi-lo ao
mínimo necessário ao funcionamento de mercado. Parte-se, assim, da idéia
neoliberalista, com a análise da força e dos interesses do capitalismo.
Esta primeira fase da reforma do Estado, a fase do Estado mínimo, atingiu o
seu clímax com as convulsões políticas nos países comunistas da Europa
Central e do Leste, mas foi aí também que os limites da sua lógica
reformadora se começaram a manifestar. A emergência das máfias, a
corrupção política generalizada e o colapso de alguns estados do chamado
Terceiro Mundo vieram mostrar os dilemas do consenso do Estado fraco. É
que, como a reforma do Estado tem de ser levada a cabo por ele próprio, só
um Estado forte pode produzir eficazmente sua fraqueza. Por outro lado,
como toda a desresgulamentação, o Estado, paradoxalmente, tem de intervir
para deixar de intervir. Em face disto, passou a ser claro que o capitalismo
31
global não pode dispensar a existência de estados fortes, ainda que a força
estatal tenha de ser de um tipo muito diferente daquele que vigorou no
período do reformismo e se traduziu no Estado-Providência no Estado de
desenvolvimentista (SANTOS, 1995, p. 249).
Pelo que se vê, a realidade social de corrupção, por exemplo, levou ao
entendimento de que os objetivos de reforma não seriam alcançados com a simples
e pura redução do âmbito de atuação do Estado. Surgiu, assim, a idéia de Estado
reformável, que se mostra política e socialmente mais complexa que a anterior.
O Estado reformável assenta-se em dois pilares fundamentais: a reforma do
sistema jurídico e o papel do chamado terceiro setor na reforma do Estado
(SANTOS, 1995). Especialmente sobre o terceiro setor, sua atuação será analisada
no item 2.1, ao se tratar da idéia de público não-estatal, limitando-se, neste ponto, a
trazer-se a colocação de que este
[...] é uma designação residual e vaga com que se pretende dar conta de um
vastíssimo conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem
mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas,
não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos
sociais, públicos ou coletivos, não são estatais [...] (SANTOS, 1995, p. 250251).
As entidades do terceiro setor são, pois, privadas e atuam em atenção ao
interesse público sobressaletente, sendo que o terceiro setor emerge tanto em
países periféricos como em semi-periféricos, sob a forma de organizações nãogovernamentais nacionais ou transnacionais. Sua atuação se dá em consenso com
a idéia de reforma do Estado, com o resgate da atenção pública para questões que
são consideradas essenciais tanto para a dignidade dos indivíduos como para a
realização das funções tecno-burocráticas do Estado. Em outras palavras, pode-se
dizer que o terceiro setor tem assumido papel fundamental na atual concepção de
Estado, ainda que, em tese, não se considere que o princípio do Estado esteja em
uma crise generalizada, mas sim que o que está em crise no Estado é o seu papel
na promoção de intermediações não-mercantis entre cidadãos (política fiscal e
políticas sociais). O grande mérito do terceiro setor foi o de conseguir manter a
tensão entre a eficiência e a eqüidade na agenda política, gerando essa tensão e
gerando compromissos (SANTOS, 1995).
32
Assim, a reforma do Estado traz consigo o anseio imediato de que os
organismos funcionem melhor e/ou custem menos (KETTL, 1998), ligando-se à idéia
de satisfação dos interesses públicos com o dispêndio da menor quantia de verbas
públicas que se faça possível. Com isso, passa-se a falar em eficiência na
Administração Pública e no serviço público, princípio este que, vale ressaltar,
encontra-se transcrito no artigo 37 da Constituição Federal Brasileira.
Com efeito, a fim de garantir a eficiência dos serviços públicos, a Administração
Pública passa a implementar conceitos que até então somente eram compreendidos
na ótica de entidades privadas, primando-se por questões como a avaliação do
desempenho das funções públicas. Kettl (1998, p. 91) afirma que as avaliações
desempenhadas:
[...] precisam ocorrer em dois planos diferentes: no da produção, para poder
modelar o comportamento dos administradores e gestores; e no dos
resultados, para que possam ser elaboradas políticas consistentes. Esses
dois planos , é claro, são inter-relacionados. A avaliação dos resultados
pode ajudar os administradores a aprimorar suas estratégias; e a avaliação
de produção pode oferecer a chave para a explicação de problemas que
surjam nos resultados. Entretanto, seja qual for o sistema de administração,
se estiver baseado no desempenho, terá de começar entendendo
claramente que avaliações de resultado e avaliações de desempenho
oferecem respostas diferentes para problemas diferentes; que envolvem de
modos diferentes o administrador; e que estimulam de forma diferente o
comportamento.
No que se refere às dificuldades enfrentadas pelo Poder Executivo na gerência
dos gastos públicos, importante ressaltar que se presencia um expressivo número
de processos judiciais, o que denota a incapacidade pública na satisfação dos
interesses sociais. Essa incapacidade se dá tanto tem decorrência da insuficiência
de recursos financeiros como devido a problemas estruturais.
Ciente do embate, o Estado tem desenvolvido mecanismos operacionais que
objetivam uma melhoria na gestão pública, lançando mão, em especial, de
instrumentos que visam a descentralização. Com efeito, o que se busca com a idéia
de Administração Pública gerencial é a efetiva satisfação por parte do Estado de
funções que o mercado não consegue regular. Surge, desse modo, a idéia de
Estado Gestor (PEREIRA, 1988).
33
Pereira (1998, p. 36), ao tratar sobre os rumos do Estado gestor, assim afirma:
O objetivo é construir um Estado que responda às necessidades de seus
cidadãos; um Estado democrático, no qual seja possível aos políticos
fiscalizar o desempenho dos burocratas e estes sejam obrigados por lei a
lhes prestar contas e onde os eleitores possam fiscalizar o desempenho dos
políticos e estes também sejam obrigados por lei a lhes prestar contas. Para
tanto, são essenciais uma reforma política que dê maior legitimidade ao
governo, o ajuste fiscal, a privatização, a desregulamentação – que reduz o
“tamanho” do Estado – e uma reforma administrativa que crie os meios de
se obter uma boa governança.
A indagação que resta diz respeito aos efeitos da reforma sobre a dimensão do
Estado, o que não significa tratar-se exatamente de seu “tamanho”. Trata-se, isso
sim, de analisar a capacidade do mesmo cumprir suas funções institucionais. Em
essência, a tarefa básica do Estado é a de assegurar a satisfação do interesse
público, objetivando-se a participação da sociedade civil.
Como se percebe, as idéias lançadas para que se visualize uma Administração
Pública Gerencial, ainda não foram alcançadas. O que se tem é, isso sim, é uma
discussão teórica a respeito, sem que a grande maioria das medidas tenham sido
realmente implementadas.
As medidas estatais lançadas não têm se mostrado suficientes a garantir o
êxito das atividades técnico-burocráticas do Estado, tendo tampouco assegurado um
plano de visibilidade imediata dos seus comportamentos oficiosos. Compreende-se,
assim, que a prática rotineira de elaboração de normas cogentes a orientar a
atividade administrativa não são, muitas vezes, suficientes para garantir a
efetividade e a publicidade dos atos do Estado (LEAL, INÉDITO).
Nesse sentido, o que se tem é que a produção legislativa surte pouquíssimos
efeitos quando não se tem uma cultura de efetiva aplicação, ou mesmo quando não
existentes recursos financeiros suficientes à sua aplicação. Tal lógica vale tanto para
as questões burocráticas quanto para as políticas públicas que se pretende
implementar, sendo que a ausência de políticas de efetivação de direitos sociais
pode se dar tanto pela ausência de vontade política como pela simples insuficiência
financeira.
34
Não se pode negar que as dificuldades na gestão dos interesses públicos se
apresentam também por decorrência da insuficiência das receitas públicas se
comparadas com as necessidades sociais existentes. Paradoxalmente, o principal
problema enfrentado é a insuficiência de políticas públicas sérias que atuem na
origem dos problemas, enquanto que boa parte das verbas públicas é empregada
em ações assistencialistas e não emancipatórias.
Cria-se, assim, uma rede de dependência ao Estado, o que evidencia um sério
problema de gestão. Isso porque ao contrário de se minimizar as demandas sociais
com sua satisfação gradual, acaba-se, em última análise, por maximizá-las.
De qualquer modo, é preciso que se lembre que função do Executivo enquanto
gestor de gatos públicos é, entre outros aspectos, a de bem administrar, de modo
que suas atitudes estejam em conformidade com as verbas arrecadadas. Melo
(2000, p. 80), ao tratar da discricionariedade conferida ao Administrador Público,
afirma competir a ele a função de efetivar suas escolhas de modo a alcançar o
máximo de satisfação pública possível:
Certamente cabe advertir que, embora a discricionariedade exista para que
o administrador adote providência ótima para o caso, inúmeras vezes,
se não na maioria delas, nem ele nem terceiro poderiam desvendar com
certeza inobjetável qual seria essa providência ideal.
Como se percebe de suas palavras, o ato de administrar denota uma escolha
operada pelo Administrador Público, e essa escolha, em tese, deve ser a melhor
possível diante das circunstâncias apresentadas. A dificuldade reside exatamente na
indicação de qual seria a melhor escolha a ser realizada.
Assim, a função de gerir os gastos públicos se mostra bastante árdua, tendo
em vista a latente dificuldade de se apontar qual a medida que se mostra mais
urgente e necessária dentro das possibilidades financeiras apresentadas. É
exatamente neste sentido que, por exemplo, passa-se a primar pela participação
popular no processo de tomada de decisões e mesmo na fiscalização dos gatos
públicos, tendo-se esta como uma medida relevante na consecução de políticas
públicas eficientes.
35
A participação da sociedade civil no processo de tomada de decisões e mesmo
na implementação de políticas públicas mostra-se, pois, um indicador significativo do
capital social. No presente trabalho, tem-se a preocupação de tratar da atuação de
entidades privadas na consecução de políticas que atendam aos direitos sociais,
analisando-se, em contrapartida, a imunidade tributária que lhes é oferecida. E não
se faz possível analisar tal tema sem que se compreenda a atuação esperada do
Estado e a importância da sociedade civil. O foco da questão aqui tratada reside
exatamente na atuação da sociedade civil enquanto viabilizadora de objetivos
públicos e o tratamento tributário que o Estado, em contrapartida, lhe oferece.
É nesse sentido que se faz necessária a compreensão da atuação Estatal de
uma forma eficiente sendo que Kliksberg (1998, p. 40-41), ao traçar as linhas
mestres sobre o papel estatal nos países em desenvolvimento, esclarece que:
O tema central não pode ser o tamanho em abstrato, mas qual é a função
que deveria cumprir o Estado no processo histórico e como dotá-lo da
capacidade de gestão necessária para levá-lo a cabo com eficiência.
[...]
Coloca-se, então, a necessidade de se reconstruir o Estado, tendo como
horizonte desejável a conformação do que se poderia chamar um “Estado
inteligente”. Um Estado concentrado em funções estratégicas para a
sociedade e com um desenho institucional e um desenvolvimento de
capacidades gerenciais que lhe permitam concretizá-las com alta eficiência.
Um dos papéis-chave do “Estado inteligente” encontra-se nas numerosas
evidências no campo do desenvolvimento social.
A busca pela perfectibilização de um “Estado Inteligente” passa pelo
reconhecimento de suas próprias limitações, devendo o Estado atuar tendo em vista
as possibilidades a ele oferecidas para que possa tornar seus serviços eficientes.
Assim, se há uma limitação de ordem financeira, e se os níveis de capital social
são medidos também pela participação da comunidade no processo de tomada de
decisões e na resolução dos problemas, é possível que o Estado incremente sua
atuação como fomentador de políticas públicas, não sendo necessário que ele
mesmo as implemente. Em outras palavras, o que se está a dizer é que o Estado
pode atuar como intermediador destas políticas de inclusão social, reconhecendo e
estimulando a atuação do chamado terceiro setor.
36
No âmbito social, por conseqüência, o Estado necessita do auxílio da própria
comunidade para que os desafios de desenvolvimento sustentável sejam
alcançados, em especial quando se tem em mente que a área social necessita da
criação de meta-redes entre os atores sociais. É exatamente nesse sentido a
colocação de Kliksberg (1998, p. 47-48) quanto ao novo papel do Estado:
[...] parte fundamental do novo papel é o de agregar aliados no esforço de
enfrentar os problemas sociais. O Estado deve gerar iniciativas que
promovam a participação ativa neste esforço dos atores sociais básicos,
empresa privada, sindicatos, universidades e da sociedade civil em todas as
suas expressões.
Um Estado inteligente na área social não é um Estado mínimo nem
ausente, nem de ações pontuais de base assistencial, mas um Estado com
uma “política de Estado”, não de partidos, e sim de educação, saúde,
nutrição, cultura, orientado para superar as graves iniqüidades, capaz de
impulsionar a harmonia entre o econômico e o social, promotor da
sociedade civil, com um papel sinergizante permanente.”
Percebe-se, pois, que o “Estado inteligente” é aquele que é capaz de agregar
atores sociais, incentivando a promoção pela sociedade civil de políticas eficientes,
que satisfaçam as necessidades públicas. O incentivo à sociedade civil pode ser
garantido através da imunidade tributária, permitindo-se que o particular realize
diretamente uma política pública, obedecidos os critérios legais.
É neste contexto que o Estado tem de agir de forma inteligente na satisfação
dos interesses públicos, promovendo a consecução dos direitos sociais em
harmonia com os mecanismos que a própria Constituição Federal alcança21. A
imunidade tributária pode ser encarada como uma ferramenta à disposição do
Estado para que este fomente a atuação da sociedade civil, na medida em que
possibilita
a
desoneração
tributária
daquelas
instituições
que
atuam
em
suplementação à atividade estatal.
No entanto, para que se possa analisar com pormenores esta problemática, é
necessário, primeiramente, que se compreenda a sistemática de atuação do Direito
21
Quanto à atual situação de descaso com os direitos sociais, Rodrigues (2003, p. 06). refere que
“Parece claro que o crescimento econômico de alguns não significa desenvolvimento da coletividade,
o que pode gerar o descontentamento manifesto de segmentos sociais de um determinado povo, o
que não impede a impregnação do mundo com a ideologia neoliberal, a qual encontra importante
aliado na tecnologia, o que fomenta o desemprego estrutural. Assim, vislumbra-se uma fragmentação
de direitos sociais, caminhando-se, quem sabe, para o fim das relações de trabalho como hoje se
conhece, transmutando-os para simples contratos de prestação de serviços regidos pelo Direito Civil”.
37
Tributário no ordenamento brasileiro, através da análise de seu histórico
constitucional e, antes disto, dos fundamentos jurídicos que permitem a imposição
de tributos, o que passa a ser objeto de discussão no ponto seguinte.
1.3 Imposição de tributos e seu histórico constitucional brasileiro
A sobrevivência da idéia de Estado só se faz possível tendo em vista seu
poder impositivo, sendo que a arrecadação de tributos permite a realização das
atividades gerenciais e a satisfação dos direitos expressos em ordem constitucional.
A imposição de tributos aperfeiçoa-se, assim, tendo em vista a prerrogativa do
Estado alcançar aos cidadãos o mínimo necessário à sua existência enquanto
sociedade, oferecendo serviços como saúde, educação e assistência.
O fundamento para a imposição de tributos reside exatamente na perspectiva
de que a vida em sociedade ocasiona o surgimento de determinadas necessidades
públicas, que somente são satisfeitas com o emprego de recursos públicos. Assim, o
custeio das atividades públicas é patrocinado pelos contribuintes, sendo que ao
Estado é conferida a competência indelegável para instituir tributos.
É nesse sentido que a estrutura do ordenamento jurídico pauta-se na
instituição de direitos e deveres fundamentais, os quais devidamente cumpridos
asseguram o bom convívio social.
Percebe-se, pois, que embora a discussão
freqüente gire em torno dos direitos constitucionalmente garantidos, o Estado possui
a prerrogativa de, no exercício de sua soberania, primar também pelo cumprimento
dos deveres fundamentais dos cidadãos22, dentre os quais está incluso o dever de
pagar tributos. É este dever de pagamento de tributos que faz com seja possível
falar-se em coisa pública e na própria satisfação de interesses sociais.
22
No que se refere aos deveres fundamentais, Nabais (1998, p. 59) afirma que “os deveres
fundamentais, para além de constituírem o pressuposto geral da existência e funcionamento do
estado e do conseqüente reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto, se
apresentam, singularmente considerados, como específicos pressupostos de proteção da vida, da
liberdade e da propriedade dos indivíduos”.
38
No entanto, este indispensável poder de tributar do Estado não é absoluto,
encontrando limitações no próprio ordenamento. O sistema constitucional tributário
preocupa-se em limitar este poder impositivo na medida em que assegura aos
contribuintes determinadas garantias, como é o caso da norma de legalidade
tributária23, expressa no inciso I do artigo 150 da Constituição Federal, a qual afirma
ser vedado exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça24. Em igual
sentido, pode-se mencionar normas da anterioridade e da noventena, as quais
indicam, respeitadas as exceções legais, que a instituição ou aumento deve se dar
no exercício financeiro anterior e respeitado o período mínimo de noventa dias25.
Tais normas específicas possuem o objetivo de afastar-se arbitrariedades,
conferindo-se aos contribuintes uma certa previsão quanto aos encargos a serem
suportados. Tratam-se de normativos rígidos e cuja inobservância importa em
inconstitucionalidade da exigência tributária.
23
23
O princípio da legalidade tributária afirma que as pessoas políticas de direito público interno
somente podem colocar a obrigatoriedade dos contribuintes de pagar tributos ainda não instituídos ou
aumentar o valor relativo aos que já constam no ordenamento através de lei. A lei a que se refere a
Constituição Federal neste ponto é a ordinária, equiparando-se a tais as Medidas Provisórias, que
possuem força de lei e as leis delegadas. Não se pode ter, no entanto, o aumento ou a instituição de
tributo por qualquer outra forma infralegal, como, por exemplo, por resoluções ou portarias. No
o
entanto, existem exceções a este princípio, como se pode apontar do exposto no artigo 153, § 1 da
Carta Maior, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em
lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V do mesmo dispositivo legal.
Tratam-se dos impostos sobre a importação, sobre a exportação, sobre produtos industrializados, e
sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários.
24
A doutrinadora Germana de Oliveira Moraes (1999) coloca de maneira bastante precisa que no que
se refere à atuação da Administração Pública, o princípio da legalidade encontra-se superado pelo
princípio da juridicidade, exatamente pela necessidade de se observar também os princípios
jurídicos e não apenas a lei para poder considerar-se como juridicamente válido o agir estatal. Nesse
sentido, ainda que em âmbito diferenciado, é possível se afirmar sem qualquer receio que o hoje é
entendido como princípio da legalidade tributária deverá ter seu entendimento alargado para que se
possa ver compreendido os princípios jurídicos e não apenas a lei para que não haja afronta à ordem
constitucional na elaboração do tributo. Ou seja, se é fato incontroverso que o Poder Público não
poderá dar exigibilidade a um tributo que não tenha sido instituído através de lei, também é verdade
que o legislador deverá atentar minunciosamente aos princípios jurídicos para a elaboração dessa lei.
Por conseguinte, mesmo que algum tributo tenha sido instituído ou majorado em conformidade com o
que dispõe o inciso I do artigo 150 da Carta Magna, se a elencação do fato gerador ou a majoração
da alíquota tenha afrontado algum dos princípios jurídicos informadores da ordem constitucionaltributária, tal tributo não poderá ser considerado juridicamente válido.
25
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumento;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou, observado o disposto na alínea b;”
39
Ao lado de tais especificações, residem normativas constitucionais que traçam
as diretrizes para a atividade legiferante, preocupando-se em expressar objetivos a
serem realizados na legislação tributária. É Importante que se compreenda, pois,
que não apenas de requisitos estanques e objetivos é constituída a ordem
fundamental tributária, mas também de diretrizes e de limitações que se relacionam
com o próprio objetivo da existência de um sistema constitucional tributário.
Assim, na ordem tributária, ao lado de requisitos formais para a instituição ou
majoração de um tributo, como é o caso da legalidade tributária, observam-se
também normas abstratas e genéricas, cuja existência e positividade não podem ser
ignoradas. O mais comum exemplo é a questão da capacidade contributiva26, mas
este não é o único ponto a ser indicado.
É neste aspecto que se mostra relevante a compreensão dos motivos que
autorizam a instituição de tributos para, por via de conseqüência, depreender-se as
razões constitucionais que fazem com que se deixe de conferir ao Estado a sua
competência tributária, em especial tendo em vista a atuação da sociedade civil.
Com efeito, compreender-se os motivos que autorizam a instituição de tributos
permite que se compreenda, em última análise, as situações que levam o legislador
constituinte a delimitar a competência tributária, traçando-se os contornos de um
sistema constitucional tributário que tem a pretensão de ser eficiente.
Frise-se que o pagamento de tributos não pode ser relacionado com a idéia de
imposição indiscriminada de poder do Estado27, servindo isso sim como fonte para
que a contraprestação seja conferida aos cidadãos através da realização de políticas
públicas que atuem no incremento de direitos constitucionais. O cumprimento do
26
“Art. 145. [...]
§ 2º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da
lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
27
“[...] o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem
simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como um contributo
indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada
em estado [...]” (NABAIS, 1998, p. 185).
40
dever fundamental de pagar tributos é o que possibilita a própria vida em sociedade,
visto que
[...] os deveres fundamentais, para além de constituírem o pressuposto
geral da existência e funcionamento do estado e do conseqüente
reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais no seu conjunto, se
apresentam, singularmente considerados, como específicos pressupostos
da proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos indivíduos. Prova
disso temo-la, por exemplo, no dever que é objecto do presente estudo:
efectivamente, o dever de pagar impostos é um pressuposto necessário da
garantia do direito de propriedade, na medida em que esta é de todo
incompatível com um estado proprietário e implica inevitavelmente um
estado fiscal (NABAIS, 1998, p. 59-60).
Desse modo, partindo-se da perspectiva que o sustento da atividade estatal se
dá mediante a arrecadação de tributos, tem-se que o Estado moderno é marcado
pela característica de Estado fiscal, significando “uma separação fundamental entre
estado e economia e a conseqüente sustentação financeira daquele através da sua
participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto” (NABAIS,
1988, p. 196).
É neste aspecto que se tem que um dos fatores a indicar o desenvolvimento
de uma nação é o que ela arrecada com a tributação e como ela designa isso ao
bem da relação do indivíduo com a sociedade e o governo. O tributo e sua
legislação de arrecadação demonstram a capacidade econômica do país de
transferir as suas riquezas, dos cofres públicos, para as necessidades de sua
população.
No entanto, enquanto na atualidade a relação tributária não pode ser
considerada uma relação de poder, nos primórdios das sociedades a carga tributária
cobrada dos povos vencidos na guerra era elevadíssima. Assim, os povos
derrotados se subordinavam às leis impostas à nação vitoriosa, sendo que o objetivo
principal era de evitar novos confrontos. Já na Idade Média, como afirma Balthazar
(2005, p. 17), “[...] os tributos não eram pagos a um Estado, mas sim a uma pessoa,
o senhor feudal, perdendo, desta maneira, o caráter fiscal [...]”. E esta realidade
permaneceu até o surgimento dos Estados Nacionais.
É com o aparecimento dos Estados Nacionais que começamos a ter uma
noção de tributos mais aproximada da atualidade. O rei, porém, não
41
separava suas riquezas das do operário público. Os tributos eram cobrados
de acordo com os interesses do governante e não do
Estado. A idéia de tributo e, sobretudo, de imposto consolidou-se após a
Revolução Francesa, com a conseqüente distinção entre patrimônio do
governante e o erário público, surgindo daí a noção do Orçamento Público
(BALTHAZAR, 2005, p. 17).
O histórico do tributo pelo mundo mostra que, na antigüidade, a implantação da
política de arrecadação era exercida por um governo de uma maneira ineficaz e
desorganizada, tendo, em muitos casos, a apelação da força bruta para que tal regra
tomasse forma. Os tributos eram originários, em grande parte das vezes, da vontade
de um governante, o qual utilizava sua força e influência. No entanto, não havia uma
eficiência na arrecadação destes tributos ou tampouco a efetiva contraprestação do
Estado com a implementação de políticas públicas preocupadas com o bem-estar
social, sendo que cobrança de valores elevados acabava por colocar a camada mais
pobre da população em situação de nítida desvantagem. (BALTHAZAR, 2005).
Com o passar dos tempos, a tributação foi ganhando um expressivo destaque
para o desenvolvimento das nações, este entendido como expansão territorial e de
poder. Tal se deu, especialmente, tendo em vista as vitórias dos exércitos e o
crescimento dos territórios. (AMARAL, 2002).
Assim, embora a tributação tratava-se de algo relevante para o crescimento
das nações, a falta de preocupação com uma diretriz justa para o método
arrecadatório se fez presente por longos tempos na história mundial. Isso acabou
por gerar uma grande aversão à tributação, incrementando-se o descrédito na
própria atuação estatal.
Paradoxalmente, foi a própria organização da vida em sociedade e o
incremento da estrutura estatal que passou a demonstrar a necessidade da
prestação de políticas públicas em um grau mais acentuado. É o que ressalta
Amaral (2002, p. 14):
O Estado, seus governos e respectivas estruturas cresceram em tamanho e
importância. Conforme os governos foram se estabelecendo e as
sociedades se organizando, maiores foram as suas exigências com relação
à manutenção de suas benesses e na extensão de políticas sociais a
camadas mais amplas da população.
42
Internamente, como medida adotada para uma evolução tributária, passou-se
de prestação de trabalho (tributum in labore) para as prestações em espécie
(tributum in natura) e em seguida, para a prestação em dinheiro (tributum in
pecúnia)28, prestações essas que acabaram sendo definidas em lei. (BALTHAZAR,
2005).
No Brasil, com a imposição de uma diretriz tributária portuguesa, houve a
condução para uma estrutura baseada em modelo liberal. Tal modelo se estendeu
desde o seu descobrimento, com o início da colonização e, também, no decorrer do
período colonial, mesclando-se com princípios religiosos que também influenciaram
para a criação de um sistema tributário no Brasil, ainda que de contornos frágeis.
Com o lucro obtido da extratividade do pau-brasil, começou a ser cobrado, no país, o
primeiro tributo que se tem conhecimento: o quinto do pau-brasil. (BALTHAZAR,
2005).
Efetivamente,
[...] o Brasil Colônia foi marcado por um período de intensa exploração
portuguesa. Portugal não tinha nenhuma preocupação e interesse pelo
desenvolvimento de nossa terra. A ausência de um comércio forte,
conseqüência de uma escassa população, não exigia um direito positivo
fiscal e tributário próprio (BALTHAZAR, 2005, p. 35).
Com a instituição das Companhias Hereditárias e a produção da cana-deaçúcar, novos tributos começaram a surgir e serem cobrados, como os relativos às
mercadorias exportadas e importadas, sobre a produção das colheitas, metais,
especiarias, entre outros. (BALTHAZAR, 2005).
Não havendo uma organização fiscal eficiente e existindo assim, um real
distanciamento entre a colônia e a metrópole, instaurou-se uma forte sonegação
fiscal29, fazendo com que o propósito inicial do sistema das Capitanias Hereditárias
28
Balthazar (2005, p. 20) ressalta ainda: “Nota-se que ainda temos no direito brasileiro, imposições
sob a forma de trabalho (serviço militar, eleitoral, tribunal de júri), mas que não mais se confundem
com o moderno conceito de tributo”.
29
Balthazar (2005, p. 40-41) explana: “Os ‘contribuintes’ passaram a desenvolver diversas maneiras
de driblar o fisco, aliando-se aos ‘interesses’ dos funcionários da Coroa, que implantaram um sistema
fortemente marcado pela corrupção. Em menos de vinte anos, ficou patente que o sistema de
Capitanias Hereditárias não funcionou no Brasil. No contexto geral, um fracasso [...]”.
43
não alcançasse seus objetivos no Brasil. Com a vinda da família Real para o Brasil,
modificações importantes diante a tributação foram impostas gerando novos tributos
sobre a importação, sobre selos e também para a criação de um fundo para a
criação do Banco do Brasil. E, como não poderia deixar de ser, a instalação da
família Real portuguesa no Brasil também importou na incrementação de vícios
comuns à cultura portuguesa em relação à sua política fiscal. Assim, buscando uma
maior efetividade e regulamentação da política econômica instaurada desde então,
em 28 de janeiro de 1808, o príncipe D. João VI promulga a Carta Regia. Este
documento possibilita o livre comércio de qualquer produto, o nascimento da
Imprensa Nacional, a criação do Banco do Brasil, entre outros. (BALTHAZAR, 2005).
A partir do fim do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX,
intensificou-se a insatisfação popular com o sistema fiscal implantando no
Brasil, especialmente no que concerne à questão tributária, eclodindo
revoltas por todo o país, tais como a Inconfidência Mineira e Conjuração
Baiana, duramente reprimidas pelo governo português. As revoltas
continuaram a acontecer no período do governo de D. João VI; tal processo
culminou com a Proclamação da Independência, em 1822 (BALTHAZAR,
2005, p. 77).
Com a proclamação da independência, a época imperial no Brasil foi vitimada
por dois reinados. O primeiro reinado, tendo como imperador Dom Pedro I, inicia-se
com uma forte crise política e econômica, sendo que com a tentativa de amenizar os
problemas, cria-se a Constituição Imperial, a qual não resolveu as dificuldades
oriundas da tributação já existentes. Já o segundo reinado, assumindo por Dom
Pedro II, foi conhecido por uma economia agroexportadora. O sistema tributário
nesse período é mais bem organizado, mas a sistemática ainda tinha vícios, o que
acabava acarretando um prejuízo na arrecadação tributária. (BALTHAZAR, 2005).30
No entanto, não se pode negar que o segundo reinado teve momentos
históricos importantes que alavancaram um aprofundamento na política tributária.
Nesse sentido, pode-se mencionar a Guerra do Paraguai, que acarretou uma
majoração na alíquota de vários impostos e o término de outros, e Abolição da
Escravatura em 1888, que acabou por gerar um profundo impacto no regime político
30
Balthazar (2005, p. 93) mostra que a fase durante o segundo império continuou registrando “[...]
muitas falhas e constantes déficits orçamentários [...]”.
44
adotado até então, dando início à implantação dos ideais republicanos.
(BALTHAZAR, 2005).
Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, um novo
período se inicia no Brasil, passando as províncias a ocupar o status de Estados
federativos, com autonomia política e administrativa.
No campo tributário, a Carta firmou a competência da União e dos Estados,
por meio de um sistema de discriminação rígida de rendas tributárias.
Contudo, se, por um lado muitos impostos foram aproveitados do Império,
por outro, dois problemas sérios foram criados, sem que os constituintes, à
época, percebessem suas repercussões futuras: a superposição de tributos,
provocando uma concorrência tributária entre União e Estados, e o
alijamento dos Municípios da discriminação de rendas tributárias. Os
tributos destes ficavam a critério do Estado (BALTHAZAR, 2005, p. 106).
Caracterizada pela política do “café-com-leite”, na qual o sistema de governo
se entrelaçava entre São Paulo e Minas Gerais, a República Velha, também foi
marcada por uma determinação divisória de impostos. Em âmbito federal, tinha-se a
taxa de selos e impostos sobre importação estrangeira; em âmbito estadual,
observavam-se impostos sobre imóveis rurais e urbanos, e transmissão de
propriedade; já na esfera municipal, os decorrentes da renda de estabelecimentos
comerciais e de multas cobradas por infração municipal. Essa época também ficou
marcada com a criação do Imposto sobre a Renda em 1921 que incidia sobre o
capital como juros, lucro líquido das sociedades, lucro de fábricas, entre outros.
(BALTHAZAR, 2005).
A par das Constituições de 34 e 37, foi a Constituição de 1946 inovou e passou
a relatar, com mais clareza, a política tributária, e conseqüentemente a competência
para a instituição de tributos pela União, Estados e Municípios. Com o golpe de
1964, a preocupação com a economia do país ficou evidente. Tendo por base o
anteprojeto de Lei do Código Tributário Nacional, encaminha-se uma reforma
tributária (1965), com o propósito de estancar lacunas, contribuir para o crescimento
e evitar as desigualdades econômicas regionais latentes que existiam na época. É
neste sentido a Emenda Constititucional nº 18/65. (BALTHAZAR, 2005).
45
Em 25 de outubro de 1966 tem-se a criação da Lei n. 5.172, denominada de
Código Tributário Nacional, a qual vem com o objetivo de favorecer para um
equilíbrio financeiro no País. Trouxe com mais transparência os contextos das
espécies tributárias, atribuindo assim, a importância dos tributos para o
desenvolvimento crescente da política econômica.
Com as reestruturações jurídicas, promulgando-se a Constituição Federal de
1967, a Emenda Constitucional n. 01, de 1969, e mesmo a Constituição Federal de
1988, evidenciam-se sucessivas alterações no Código Tributário Nacional,
especialmente tendo em vista as necessidades pertinentes às épocas. Neste
contexto, pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 representa um divisor
de águas no que se refere ao Direito Tributário Brasileiro, tendo por objetivo a
instituição de um sistema tributário eficiente, estabelecendo-se normas a serem
atendidas para a criação de tributos e alargando-se o rol de garantias asseguradas
aos contribuintes.
A Constituição Federal de 1988 reservou seu Título VI para a tributação e o
orçamento, sendo que o Capítulo I deste Título é voltado exatamente ao sistema
tributário nacional, especificando-se os princípios gerais da ordem tributária, as
limitações ao poder de tributar, os impostos de competência de cada um dos entes
federados e a repartição de receitas tributárias.
Tornou-se, assim, a principal fonte do Direito Tributário no ordenamento
brasileiro, tratando das prerrogativas da fazenda pública e das garantias dos
contribuintes.
Depreende-se que o Direito Tributário possui efetiva dignidade
constitucional devido ao significativo, peculiar e minucioso tratamento que
lhe conferido pelo constituinte, o que tem o condão de revelar sua
considerável importância no ordenamento jurídico, pela circunstancia
especial de, por um lado, representar fonte de receita para o Poder Público,
e de outro, acarretar ingerência no patrimônio dos particulares.
A Constituição contém conceitos e diretrizes e básicas que devem ser
rigorosamente obedecidas por todos os seus destinatários , e perseguidas
até suas últimas conseqüências, sendo inadmissível ao intérprete e
aplicador do Direito tomar como ponto de partida norma infraconstitucional
(a lei ou o regulamento), uma vez que esta deve sempre estar
fundamentada em norma de escalão superior (como se caracteriza a
Constituição) (MELO, 2004, p. 12).
46
A colocação da ordem tributária em âmbito constitucional evidencia sua
importância para o desenvolvimento dos objetivos e fundamentos da República
Federativa do Brasil. Em regra, não há como se visualizar a concretização de
qualquer dos fundamentos ou objetivos da República sem a utilização de políticas
tributárias eficientes, observando-se o direito tributário como um instrumento a ser
utilizado na consecução do bem comum. A grande questão, que ultrapassa a
discussão acadêmica, é viabilizar a utilização adequada do direito tributário,
especialmente tendo em vista a alta carga tributária31 e a insuficiência de políticas
públicas que atuem na concretização dos direitos constitucionalmente garantidos.
Amaral (2002, p. 21-22) chega a afirmar que o que se observa exemplifica uma
inversão de valores, privilegiando-se a desonestidade:
Nenhum país cresce sem uma arrecadação tributária confiável e tampouco
consegue aplacar graves desequilíbrios sociais, como é o caso brasileiro.
Entretanto, também não se modifica uma economia cujos fundamentos
estão corroídos por uma sistemática tributária maléfica e obtusa, que pune
o honesto e premia o sonegador. Aquele que consegue fugir da tributação
seja por meios lícitos (benefícios, por exemplo, da deletéria guerra fiscal
entre Estados e também entre Municípios) ou não (pela sonegação pura e
simples), impõe uma séria concorrência desleal para a economia
formalizada ou incapaz de usufruir das distorções impositivas pátrias.
De qualquer forma, não se pode desconsiderar que a atuação do Estado fazse primordial na consecução dos valores tributários, sendo que as distorções
observadas no governos não pode afetar o alcance da importância da matéria
tratada neste trabalho. Com efeito, se atuação governamental desprestigia a
honestidade e premia a utilização de meios como podem ser tidos como incorretos,
a necessidade de discussão do tema e mesmo a fortificação dos conceitos básicos
de direito tributário torna-se ainda mais latente.
A construção de um Estado Democrático de Direito, nos moldes do preâmbulo
da Constituição Federal de 1988, mostra-se possível na medida em que as
instituições jurídicas sejam fortes o suficiente para sustentar os princípios
31
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, no ano de 2006 a carga tributária atingiu
38,8% do Produto Interno Bruto (INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO,
2007).
47
fundamentais e os objetivos da República, o que não se mostra diverso em âmbito
tributário.
Ao se analisar o próprio conceito de tributo32 expresso no artigo 3o do Código
Tributário Nacional, tem-se que seu pagamento de tributo não é facultativo, mas sim
obrigatório, devendo ser realizado em pecúnia. Percebe-se, igualmente, que o seu
pagamento não se dá tendo em vista a existência de qualquer ilícito, sendo isto sim
a contribuição paga pelo indivíduo para que as necessidades sociais sejam
satisfeitas. E a satisfação das necessidades sociais é a contraprestação que o
Estado deve alcançar.
Com efeito, o que se está a dizer é que o fundamento para o poder impositivo
do Estado de exercer a tributação reside em prerrogativas constitucionais que
objetivam, em última análise, a realização dos próprios direitos fundamentais33. Isso
porque “a legitimidade do poder tributário se afirma pelo respeito aos direitos da
liberdade e pela atualização dos princípios constitucionais” (TORRES, 2005, p. 37).
É neste sentido que a utilização incorreta dos mecanismos de direito tributário
acaba por importar em uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais, tendo em
vista que a permissão para se atingir o direito de propriedade dos indivíduos e sua
própria liberdade se dá, exatamente, em nome da necessidade de preservação de
tais desideratos.34
Assim, e retomando a idéia inicial deste ponto do trabalho, o que se tem é que
o poder de tributar possui limitações não apenas formais, mas também (e
especialmente) limitações que se depreendem da própria estrutura do ordenamento
32
Para Cassone (2002, p. 27), tributo “[...] é certa quantia em dinheiro que os contribuintes (Pessoas
físicas ou jurídicas) são obrigadas a pagar ao estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
quando praticam certos fatos geradores previstos pelas leis tributárias. Representa ele o ponto central
do direito tributário [...]”.
33
a
a
Os direitos de 1 geração ou dimensão são os chamados direitos individuais sendo que os de 2
a
geração ou dimensão são os sociais. Já os direitos de 3 geração são os direitos dos povos ou da
solidariedade, como o direito à paz e a um meio ambiente saudável (DORNELLES, 1993).
34
“Na práxis da atualidade observa-se que o poder de tributar reveste-se da possibilidade de legislar
em matéria tributária conforme as competências constitucionalmente conferidas, as quais devem ser
obviamente exercidas em consonância com os valores retores do ordenamento jurídico, integrandose sistematicamente aos princípios constitucionais. Assim, considerando que os valores inafastáveis
do ordenamento jurídico são exatamente os direitos fundamentais, deve o poder de tributar com eles
se compatibilizar [...]” (TUPIASSU, 2006, p. 101).
48
jurídico. Ratificando este entendimento, Tupiassu (2006, p. 105-106) afirma
perceber-se que:
[...] o Poder de Tributar é limitado não apenas por um conteúdo formal, mas
também por critérios materiais, substanciais e finalísticos que obrigam sua
utilização de acordo com as políticas públicas, devendo estas levar em
conta todos os valores constitucionalmente assegurados, principalmente
aqueles que se revestem de caráter de direitos fundamentais, cuja eficácia
deve ser imediata.
A legitimidade da tributação, então deve ser vinculada à consecução dos
objetivos do Estado Social, atuando também de forma positiva na promoção
da justiça e dos direitos sociais, econômicos, culturais e difusos, sob pena
de obrar ao completo arrepio do disposto na Carta Constitucional.
Assim, as receitas arrecadas em tributos possuem o fim precípuo de viabilizar
a consecução do bem comum, sendo este o objetivo da vida em sociedade a ser
alcançado. E as impropriedades da prática tributária adotada por governos não
preocupados com a satisfação dos direitos fundamentais não possui o condão de
aniquilar os fundamentos de direito tributário.
O que se tem, efetivamente, é a necessidade de se analisar os instrumentos
de Direito Tributário que podem ser utilizados para a implementação de políticas
públicas eficientes, viabilizando-se os objetivos constitucionais. É neste sentido que
se fala em Estado fomentador de políticas públicas, incrementando-se a atuação da
sociedade civil na implementação de políticas que satisfaçam as necessidades
sociais. O manejo adequado da imunidade tributária oferecida à instituição que atua
em prol dos interesses sociais possibilita, desse modo, que os direitos fundamentais
sejam incrementados.
Torna-se necessário, pois, compreender-se a atuação da sociedade civil
organizada e aquilo que pode ser delineado sob a idéia de assistência social, para
que só então possa compreender-se a o mecanismo da imunidade tributária como
um instrumento que aprimore o verdadeiro sentido da arrecadação para o
desenvolvimento social. É preciso que compreenda a atuação da sociedade civil na
implementação de políticas públicas e os contornos constitucionais da assistência
social.
49
2 SOCIEDADE CIVIL E ASSISTÊNCIA SOCIAL
A organização da vida em sociedade e a própria ineficiência do Estado em
prover as necessidades sociais básicas fez com que a sociedade civil viesse a
organizar-se de modo a incrementar as atividades púbicas. O que se tem,
efetivamente, é que no âmbito social o Estado necessita do auxílio da própria
comunidade para que os desafios de desenvolvimento sustentável sejam
alcançados.
Ketll (1998, p. 115) afirma que
[...] as pressões pela redução do tamanho do Estado têm feito com que o
governo passe cada vez mais atividades ao setor privado a organizações
sem fins lucrativos, a concessionários (sobretudo os sistemas federais) e
aos cidadãos.
É neste contexto que a sociedade civil passa a organizar-se, incrementado
suas atividades para a atenção às necessidades vitais daqueles indivíduos que não
conseguem, por si só, garantir sua existência digna e que, tampouco, podem contar
com o auxílio estatal.
O objeto de análise no presente capítulo refere-se exatamente à atuação da
sociedade civil de forma suplementar ao Estado, especialmente no que tange à
assistência social e seus contornos constitucionais. Parte-se, assim, da análise do
público não-estatal e a satisfação dos direitos sociais.
2.1 O público não-estatal na concretização dos direitos sociais
A incapacidade do Estado, por si só, implementar políticas públicas35 faz surgir
uma nova ordem social com o objetivo de prover serviços sociais de qualidade aos
cidadãos. Com efeito, a sociedade civil se organiza com o propósito de amenizar as
deficiências sociais na qualidade de vida dos indivíduos.
35
Melo Neto (1999, p. 02) ressalta: “[...] a falência do Estado e o apogeu do liberalismo, com a
concepção do Estado Mínimo, paralisou o Primeiro Setor, que é o próprio Estado [...]”.
50
O chamado terceiro setor passa a atuar, assim, ao lado do Estado e do
mercado, sendo que Rocha (2003, p. 13) afirma que:
Os entes que integram o Terceiro setor são entes privados, não vinculados
à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública,
mas que não almejam, entretanto, entre seus objetivos sociais, o lucro e
que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público.
O terceiro setor surge com o propósito de resgatar o espírito de solidariedade,
cidadania, humanização, tendo por objetivo promover a igualdade e a própria
dignidade da pessoa humana. O que se objetiva é possibilitar um acesso mais
facilitado aos benefícios sociais, de modo que aqueles indivíduos que ficam à
margem da prestação dos serviços públicos recebam a devida atenção pública,
ainda que esta atenção não seja estatal.
A definição de terceiro setor surgiu já na primeira metade do século, nos
Estados Unidos. Ele seria uma mistura dos dois setores econômicos
clássicos da sociedade: o público, representado pelo Estado, e o privado,
representado pelo empresariado em geral. Segundo o Professor Luís Carlos
Merege, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro setor da Fundação
Getulio Vargas se São Paulo, a noção vem do comportamento filantrópico
que a maioria das empresas norte-americanas sempre manteve ao longo da
história (MELO NETO, 1999, p. 05).
O que se observa, neste segmento, é a transferência das atividades não
essenciais para a sociedade civil, tendo-se a atuação direta do Estado apenas
subsidiariamente. O princípio da subsidiariedade surge como uma alternativa às
idéias de intervenção máxima e mínima do Estado, de modo a não admitir sua
interferência injustificada e, de outro lado, assegurar sua ação indispensável.
Suas origens e conceito jurídico remontam a Aristóteles e ao pensamento
cristão, sendo que foi com a doutrina social da Igreja Católica que nasceu a
concepção que se tem atualmente do princípio da subsidiariedade. Este preceito já
estava previsto implicitamente na Encíclica Rerum Novarum, que data de 1891 e
eleva a dignidade da pessoa humana através de dois mecanismos: a proteção da
propriedade privada tendo em vista a ameaça do socialismo; e a defesa do
proletariado das ganâncias do liberalismo econômico (BARACHO, 1996).
51
No entanto, a clara definição do princípio da subsidiariedade vem expressa
somente na Encíclica Quadragésimo Anno, a qual baseia-se na estrutura
hierarquizada da sociedade36. Prevê o enunciado no 79 da Encíclica:
Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com
a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo
modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que
comunidades menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave
dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da
sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los e nem absorvelos.
A previsão do princípio da subsidiariedade não ficou expresso apenas na
referida Encíclica, sendo que em 1961 o princípio foi reproduzido literalmente na
Encíclica Mater et Magistra. Já em 1991, o Papa João Paulo II refere o princípio da
subsidiariedade como regente das relações dos Poderes Públicos com os demais
atores sociais, refutando a interferência e consagrando o apoio e a ajuda em caso
de necessidade para o fim de coordenar sua ação com os demais componentes
sociais, sempre objetivando a satisfação do bem comum. (ROCHA, 2003).
As especificações do princípio da subsidiariedade ultrapassaram os limites da
Igreja Católica, sendo estendidas a outras organizações. Nesse sentido, é
necessário que se compreenda sua atuação no que se refere à sociedade civil e ao
Estado, tendo em vista que o princípio da subsidiariedade pode ser visto como uma
garantia contra a arbitrariedade. Seu objetivo também é o de limitar a ação do Poder
Público, tendo-se em mente que a efetiva legitimação do poder encontra-se no povo.
O princípio da subsidiariedade atua, assim, como moderador da ação pública,
devendo ser analisado conforme as particularidades da situação que se mostra. É
nesse aspecto que se ressalta a necessidade de se justificar as decisões judiciais e
administrativas, primando-se pela coerência com a segurança e com a eficácia, de
modo a satisfazer as necessidades públicas. (BARACHO, 1996).
36
Ao tratar da atuação do princípio da subsidiariedade no que tange ao disposto na Encíclica
Quadragésimo Anno, Rocha (2003, p. 14) afirma: “Seu conteúdo precípuo está em que uma entidade
superior não deve realizar os interesses da coletividade inferior quando esta puder supri-los por si
mesma de maneira mais eficaz; ou, sob uma perspectiva positiva, em que somente cabe ao ente
maior atuar nas matérias que não possam ser assumidas, ou não o possam ser de maneira mais
adequada, pelos grupos sociais menores [...]”.
52
Baracho (1996, p. 86), ao discorrer sobre o princípio da subsidiariedade,
afirma:
A característica essencial do princípio é sua flexibilidade, pela qual em
qualquer circunstância ele implica efetivação do equilíbrio. Não será nunca
rígido, como, por exemplo, quando se trata de prescrição jurídica, no
domínio das competências reservadas. Para sua compreensão, em seu
sentido contrário, entende-se que não existem competências reservadas.
Sua formulação jurídica evita excessos das ingerências e as lacunas da
não-ingerência, abrindo a possibilidade de invocação da lei em caso de
conflito. A aplicação cotidiana demonstra o conhecimento exato de cada
situação. Nesse sentido, o princípio da subsidiariedade não pode ser
aplicado diretamente, mas serve como guia para apreciação dos agentes
políticos e sociais.
Como se observa dos ensinamentos acima, o princípio da subsidiariedade atua
como um guia do sistema posto, de modo a pautar a atuação do Administrador
Público. Na estruturação do Estado, igualmente, o princípio da subsidiariedade deve
se fazer presente, na medida que é atribuição do Poder Público agir com equilíbrio,
de modo a reconhecer suas limitações e fomentar a atividade do terceiro setor.
Em atenção à subsidiariedade, a atuação do Estado, de forma direta, deve se
dar naquelas situações em que a atividade exclusiva seja exclusiva. Ensina Bresser
Pereira (1998, p. 33-34) que:
Atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado. São as
atividades que garantem diretamente que as leis e as políticas públicas
sejam cumpridas e financiadas. Integram esse setor as forças armadas, a
polícia, a agência arrecadadora de impostos – as funções tradicionais do
Estado – e também as agências reguladoras, as agências de financiamento,
fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social. As
atividades exclusivas, portanto, não devem ser identificadas como o Estado
liberal clássico, para o qual bastam a polícia e as forças armadas.
[...]
Serviços não-exclusivos são todos aqueles que o Estado provê, mas que,
como não envolvem o exercício do poder extroverso do Estado, podem ser
também oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não-estatal (‘não
governamental’). Esse setor compreende os serviços de educação, saúde,
cultura e de pesquisa científica.
O terceiro setor, desse modo, refere-se àquelas entidades de direito privado
que atuam de acordo com o interesse público, sem o objetivo de lucro. Segundo
Boaventura de Souza Santos (1995), o terceiro setor é formado pelas organizações
sociais que não são estatais ou empresariais, e que mesmo sendo privadas não
53
objetivam lucro, atuando, isso sim, na consecução de objetivos sociais, públicos ou
coletivos.
Desse modo, as entidades que integram o terceiro setor são aquelas que
possuem finalidade não-lucrativa e objetivo de intervenção social em áreas
relevantes, como saúde, educação e cultura.
Com efeito, em toda a América Latina, notou-se uma expansão das teorias e
suas ações nos anos 70, mesmo os países estando sob domínio de regimes
autoritários. Na década de 80, com a democratização em evidência, o conceito se
expandiu, ocasionando um aparecimento maior de entidades sem fins lucrativos
(MELO NETO, 1999).37
O chamado terceiro setor liga-se, assim, à idéia de participação social e
importa na constatação de que o incremento de sua força relaciona-se a uma
sociedade mais bem estruturada, sendo que a própria forma de gerir a coisa pública
deve ser diferenciada. Isso porque na medida em que a sociedade civil se faz mais
presente, a idéia de democracia se solidifica, intensificando-se a relação entre os
vários atores sociais.
Embora a gestão da coisa pública apresente indubitáveis problemas na ordem
brasileira, não se pode negar que a atuação do terceiro setor aumentou nos últimos
anos. As necessidades socioeconômicas latentes, a crise do setor público e uma
participação encorpada das empresas buscando a cidadania empresarial são alguns
dos fatores que fizeram com que o terceiro setor tivesse um incremento, fazendo
com que a responsabilidade social e ética se tornasse ação preocupante das
empresas, refletindo no andamento dos seus negócios. (MELO NETO, 1999).
37
“Os processos de democratização vivenciados na América Latina nos anos 80 têm como idéias
nucleares a sociedade civil e a cidadania. Com esses conceitos, os movimentos sociais adoram um
horizonte universalista e passam a se considerar como partes de um conjunto maior, uma sociedade
legalmente constituída. O comportamento de acordo com as leis, bem como o interesse e o direito de
influir no estabelecimento das leis relacionam-se com a necessidade e o desejo de participação
política sempre crescentes. Em lugar da comunidade e de movimentos locais, a democratização
propicia e reforça a presença participativa dos indivíduos-cidadãos [...]” (MELO NETO, 1999, p. 15).
54
Nesta realidade de incremento da atuação em prol do social, também não se
pode desconsiderar que muitas empresas que agem com suposta responsabilidade
social estão, na verdade, realizando uma espécie de marketing social, não se
preocupando especialmente com os interesses sociais, mas sim com sua imagem
perante seu público-alvo. Este tipo de atuação não pode ser considerada social.
No entanto, as distorções de empresas que objetivam única e exclusivamente o
incremento de seus lucros não possuem o condão de descaracterizar a postura
comprometida de outras instituições, prevalecendo a força e importância do terceiro
setor.
As empresas que atuam no terceiro setor necessitam apresentar uma postura
ética e sensível socialmente, a fim de que estas empresas engajadas em projetos
sociais não levem em conta apenas suas necessidades. Como mostra Ferrel (2001,
p. 78):
A integridade e a observância de padrões éticos vão além do cumprimento
de leis e regulamentos. Bons cidadãos empresariais adotam valores e
princípios que não admitem que sejam postos em risco simplesmente para
cumprir metas internas da empresa.
Várias sociedades empresárias focam suas estratégias efetivando ações em
responsabilidade social, com o objetivo de tornarem-se empresas cidadãs e diminuir
efetivamente problemas decorrentes da desigualdade. Essa dinâmica do terceiro
setor, além de estruturar uma meta de erradicar problemas existentes na população
que seriam de ordem governamental e comum a todos os cidadãos, acaba por
realizar uma competitividade empresarial, agregando valor social aos seus negócios.
O grande crescimento desse tipo de prática social no Brasil se deu nos anos
90, principalmente na segunda metade da década, com o expressivo número de
empresas constituindo fundações e institutos para agir de forma clara e concisa nas
mais variadas deficiências que existem na sociedade de um modo geral. De lá pra
cá, com os resultados satisfatórios, o número de organizações engajadas e
solidárias com o propósito só cresceu. (MELO NETO, 1999).
55
Em verdade, o terceiro setor preenche lacunas esquecidas pelo Estado, sendo
que com captação de recursos, alianças e parcerias, as instituições se unem para
viabilizar ações promotoras da igualdade, objetivando oferecer eqüidade e dignidade
à sociedade, já que o Estado não desenvolve com eficiência suas atividades
obrigatórias.
Com o surgimento de Organizações Não-Governamentais (ONG’s)38 e as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s), a preocupação em
estabelecer melhorias para a sociedade não se restringe apenas às empresas
privadas.
Com efeito, o surgimento de movimentos sociais faz com que se tenha a
criação de Organizações Não-Governamentais, que atuam em uma área até então
reservada à Igreja. É na atuação de tais entidades, da própria Igreja, bem como a
mobilização dos cidadãos, entre outros fatores, que se caracteriza uma alteração na
ordem social.
Passou-se a perceber, assim, uma nova interface nas relações entre Estado,
mercado e sociedade civil, importando em alterações quanto ao modelo de gestão
utilizado, primando-se pela administração participativa com objetivo de solidariedade
social. Como mostra Tachizawa (2004, p. 24):
As ONG’s, historicamente, começaram a existir em anos de regime militar,
acompanhando um padrão característico da sociedade brasileira, onde o
período autoritário convive com a modernização do país e com o
surgimento de uma nova sociedade organizada, baseada em ideários de
autonomia e relação ao Estado, em que sociedade civil tende a confundirse, por si só, com oposição política.
As OSCIP’s39, do mesmo modo, são muito importantes como suplemento do
terceiro setor. Embora elas não idealizam o lucro como principal produto, são elas
que fomentam o desenvolvimento humano, através de métodos transparentes.
38
Melo Neto (1999, p. 16) afirma ainda que se deve “[...] destacar que na dinâmica interna do setor
terciário estão presentes as ONG’s – Organizações Não-Governamentais. São elas que,
freqüentemente, implementam os projetos juntamente com as populações que demandam do Estado,
bens e serviços, após organiza-las em movimentos sociais [...]”.
39
“As sociedades de interesse público devem estabelecer, nos respectivos estatutos, normas ou
disposições, entre outras, que observem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
56
Uma gama de entidades podem se qualificar como OSCIP’s. Como afirma
Rocha (2003, p 62):
Entre os entes autorizados a obter a qualificação de sociedades civis de
interesse publico estão aqueles que se dedicam à promoção da assistência
social; da cultura; prestam serviços gratuitos de educação e saúde e se
dedicam à defesa dos direitos estabelecidos, à construção de novos direitos
e à assessoria jurídica de interesse suplementar, à difusão de valores como
ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e de outros
valores universais.
A Lei n. 9.970/99, por sua vez, dispõe sobre as OSCIP’s em seu artigo 1o , §
1o, como:
o
Art. 1 Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias
atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.
o
§ 1 Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa
jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou
associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais
excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações,
participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício
de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do
respectivo objeto social.
Essa lei veio a regulamentar e passar mais credibilidade às organizações da
sociedade civil mediante a qualificação, no universo do terceiro setor. Atuando na
esfera pública e na melhora do bem comum, esses mecanismos legais, implicam em
uma maior transparência e ética de suas ações, permitindo, assim, um melhor
beneficio destas à sociedade.
Efetivamente, a grande maioria das direções de ONG’s e OSCIP’s é composta
por pessoas efetivamente comprometidas com os problemas sociais, culturais e
ambientais, fazendo isso sem vantagens financeiras ou salários.
publicidade, economicidade e eficiência. Para José Eduardo Sabo Paes, ‘por certo entendeu o
legislador que, pela importância e atuação destas organizações privadas na promoção e defesa do
interesse público, deveriam elas sujeitar-se aos princípios fundamentais da administração publica’
[...]” (ROCHA, 2003, p. 63).
57
As Organizações Não-Governamentais40 agem de modo a amenizar as
desigualdades eminentes em todo o Brasil. Voltadas às áreas de educação, saúde,
cultura, meio ambiente, apoio à criança e adolescentes entre outras, tais instituições
remontam à idéia de dignidade humana, dando conforto às mazelas esquecidas pelo
Estado.
Neste sentido, as Organizações Não-Governamentais, com todos os seus
ramos de atuação, são de suma importância ao desenvolvimento da nação. Além de
gerar condições mínimas de embasamento social elas contribuem para a população
arraigar-se aos princípios básicos de cidadania41.
O terceiro setor desenvolve estrutura importante para a consecução da
dignidade da pessoa humana e para a construção da cidadania. Assim, foi
exatamente a partir da Constituição Federal de 1988 que o assunto passa a ter
maior importância para a sociedade com a discussão e incremento da cidadania.
A atuação do terceiro setor interliga-se ao disposto no artigo 6o da Constituição
Federal, o qual é responsável pela enumeração dos direitos sociais:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
A sociedade civil, ao agir de modo a efetivar os direitos sociais, promove uma
verdadeira atividade pública, na medida em que propicia a concretização dos
objetivos constitucionais, agindo em respeito à eficácia imediata dos direitos
fundamentais e incrementando a própria noção de cidadania.
40
Tachizawa (2004, p. 21) mostra que “As organizações não governamentais sem fins lucrativos de
finalidade ambiental, social, cultural e afins, ou organizações que caracterizam o Terceiro setor,
segundo a Gazeta Mercantil (maio 2002), movimenta mais de US$ 1 trilhão em investimentos no
mundo, sendo cerca de US$ 10 bilhões deles no Brasil, o equivalente a 1,5% do PIB [...]”.
41
Tachizawa (2004, p. 29) destaca ainda: “[...] essa pluralidade indica tendências que se foram
afirmando sobretudo através da segunda metade dos anos 80, com o crescimento na sociedade
brasileira de novos movimentos sociais e sujeitos coletivos. As ONGs ao mesmo tempo refletem esse
processo e representam um papel, por meio de sua intervenção, na construção desses movimentos e
grupos sociais diversificados. Como se viu, essa intervenção que contempla a diversidade traz, ao
mesmo tempo, a marca dos valores universalizantes de cidadania [...]”.
58
Quanto à idéia de cidadania, mesmo não se tendo uma precisão conceitual,
observa-se uma ligação aos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade,
relacionando-se com os diretos fundamentais.
Efetivamente, a concepção do termo cidadania é vasta e se estende tanto na
área individual, quanto coletiva da sociedade. Sendo assim, é importante lembrar
que, o entendimento da terminação cidadania, consolida um processo político, social
e histórico em uma nação, construindo uma sociedade mais justa em todas as
definições, sejam elas individuais ou em conjunto.
Borja (2001, p. 365) afirma que a
cidadania adquiriu um novo conteúdo: o social. Ser cidadão hoje é ter direito
a receber educação e assistência, serviços sociais diversos, serviços
públicos subvencionados, salário regulamentar, proteção trabalhista, etc.
Em suma, podemos chamá-los como direitos humanos econômicos, sociais
e culturais.
O grande problema é que o Estado acaba criando políticas sociais sem um
aprofundamento de estudo, o que acaba acarretando a construção de uma
cidadania deficitária em termos de participação social de qualidade.
Os investimentos do Estado brasileiro em políticas sociais, como forma de
compensar a situação de sua população, não são satisfatórias. Ainda depara-se com
a intenção econômica muito mais latente do que com os resultados das ações em si
e sua real efetividade. Isso acaba não resolvendo a questão desde o seu princípio,
resultando mais em uma medida de reparação do que no reforço da dignidade e da
autonomia dos indivíduos.
O que se tem é a necessidade de construção de uma cidadania plena, na
qual a participação social se faz imprescindível. Milton Santos (1998) afirma que as
relações entre Estado e sociedade tornaram-se objetos de deformações, distorcendo
e desfigurando a vontade popular, fazendo-se necessária uma educação para a
democracia numa prática que ultrapasse a mera eleição dos governantes.
Como já dito, as questões que giram em torno do termo cidadania derivam de
fenômenos políticos, históricos e sociais. Sendo assim, um dos desafios dos
59
movimentos sociais é justamente reforçar as bases do ordenamento jurídico, com
atenção aos interesses sociais, facilitando a construção de um projeto democrático e
popular na sociedade brasileira, possibilitando mudanças condizentes com as
necessidades que são visíveis.
Ressalta-se, assim, a atuação do público não estatal, o que incrementa a
idéia de democracia participativa42, mas também pode representar um risco na
estruturação da vida em sociedade, tendo em vista que o Estado não pode esquecer
de suas atividades exclusivas e essenciais aos interesses sociais. Com efeito, a
estrutura da vida em comum é formada por várias interfaces, sendo que para o setor
social ser caracterizado por políticas eficientes, é necessário que se tenha um
desenvolvimento sustentável, com atenção à economia.
Por este motivo, as políticas voltadas ao social devem ser integradas às
políticas econômicas, a fim de que o resultado em relação à emancipação da
população que está sendo atendida por tais projetos sociais se dê de modo mais
igualitário. Isso porque não se pode desconsiderar a importância da economia no
trato das questões sociais. Se, de um lado, não é crível que se admita o
desenvolvimento econômico em detrimento da atenção às questões de interesse
coletivo, também não é possível se imaginar uma sociedade que satisfaça as
necessidades sociais e apresente uma economia enfraquecida. A equação parece
ser simples: se é da arrecadação de tributos que provém os recursos necessários
para os investimentos em área social, sendo que às instituições do terceiro setor é
oferecido um tratamento tributário diferenciado, como ainda será objeto de análise
neste trabalho, por certo que a geração de riquezas é ingrediente indispensável na
fórmula que permite um investimento maciço em âmbito social.
Todavia, mesmo em realidades de economia nem tão fortalecidas assim, como
é o caso do Brasil, também se observa um investimento crescente, por parte do
terceiro setor, para o atendimento às questões sociais. É o que mostra Melo Neto
(1999, p. 19):
42
VIEIRA (2001, p. 242) afirma que as “[...] associações da sociedade civil e os movimentos sociais
têm sido mais analisados do ponto de vista da construção da cidadania democrática e das novas
relações Estado-sociedade do que como instância de produção de bens e de serviços sociais. No
entanto, vem-se intensificando cada vez mais a transferência de bem e serviços, anteriormente a
cargo do Estado, para o setor público nãi-estatal [...]”.
60
A modalidade de ação em investimentos em projetos e programas sociais é
a que mais cresce em nosso país. Empresas nacionais e muitas
corporações multinacionais estão criando institutos sociais para gerir suas
próprias ações sociais. Outras financiam diretamente projetos da
comunidade, e algumas criam e desenvolvem seus próprios programas
sociais. Cresce também o volume investido em patrocínio de programas e
projetos sociais, sobretudo aqueles que contam com o apoio do governo e
de outras entidades.
O assunto desenvolvimento social, debatido e explorado com veemência na
atualidade, reforça a necessidade de investimento em capital humano e social no
país. Assim, o Estado tem de agir de forma a definir estratégias para erradicar os
problemas decorrentes da desigualdade social, combatendo a pobreza, e
incrementando políticas de crescimento sustentável, criando-se empregos e
promovendo o equilíbrio fiscal. Essas medidas, juntamente com políticas sociais,
investimento humano, qualificação e acompanhamento constantes, oportunizam a
parte mais necessitada a se desenvolverem de forma crescente, ressaltando a
importância do terceiro setor no desenvolvimento social.
Mas ao se considerar a complexidade das relações humanas tem-se que a
eficiência de qualquer medida de caráter público, seja estatal ou não, depende de
sua proximidade com a realidade social. É neste sentido que a gestão social se
reformula constantemente43.
Novos modelos, novas metas, novos problemas surgem e o modelo
burocrático da administração pública entra em conflito com essas novas
sistemáticas. É requerida da administração pública uma maior flexibilidade para que
as ações desenvolvidas sejam colocadas em prática mais rapidamente e tornar a
eficiência delas mais coesa. E esta exigência se mostra de difícil atenção.
43
Melo Neto (1999, p. 66) mostra que “[...] a relevância, a gravidade e a complexidade dos problemas
sociais estão provocando uma verdadeira revolução no processo de gerenciamento de planos,
programas e projetos sociais. Tais problemas exigem soluções rápidas, precisas e viáveis, como o
envolvimento da comunidade e a participação do governo e do setor privado [...]”.
61
Seria preciso, antes de qualquer coisa, renovar a institucionalidade do Estado
para que novas ações sociais e as já existentes tivessem um resultado mais efetivo
na sociedade, gerando um maior desenvolvimento sócio-econômico44.
Em um mundo no qual a globalização e a competitividade se firmam como
prerrogativas indispensáveis ao crescimento, a esfera privada se destaca, seja no
desenvolvimento econômico, seja na contra-prestação social45.
No Brasil, movimentos políticos, investimentos estatais, acadêmicos e na área
de pesquisas sociais46, estão contribuindo para quantificar e qualificar os serviços
prestados pelas entidades públicas gerando uma participação eloqüente na
solidariedade social.
A importância das pesquisas sociais é definida por Melo Neto (1999, p. 52):
É através de uma pesquisa que são definidas as justificativas de um plano,
programa ou projeto. A pesquisa é o ponto de partida para uma ação eficaz
de planejamento e busca de soluções. Sem ela, corremos o risco de perder
o foco da ação planejada – ações que se destinam a problemas não
prioritários ou que focalizam sintomas de um problema maior,
permanecendo suas verdadeiras causas como fatores geradores desses
problemas.
A pesquisa mostra-se indispensável na medida em que políticas eficientes só
se fazem possíveis se analisadas as causas e os resultados esperados,
caracterizando atividade anterior à implementação das medidas públicas. E a
implementação de políticas públicas pode se dar diretamente pelo Estado ou mesmo
pela sociedade civil organizada.
44
Rocha (2003, p. 81) ressalta a importância das organizações sociais para a reforma do estado,
afirmando que “[...] as organizações sociais estariam inseridas nessa proposta de Reforma do Estado
[...]”.
45
Lameira (2001, p. 19) afirma: “[...] ao longo dos últimos anos verificaram-se algumas alterações
significativas no ambiente econômico brasileiro, como a abertura do mercado de consumo, o controle
da inflação, o ingresso de capitais estrangeiros, a privatização de empresas estatais, entre outros
tantos eventos[...]”.
46
Melo Neto (1999, p. 52) ressalta também: “A pesquisa também contribui para a formulação correta
dos objetivos e metas, do público beneficiário, dos resultados a serem atingidos, dos pressupostos,
meios de verificação e indicadores e da definição da estratégia de institucionalização do plano,
programa ou projeto [...]”.
62
Seja como for, toda e qualquer medida que seja tomada sem que antes se
avalie propriamente o problema tende a se mostrar insuficiente. É necessário que a
postura pública seja pautada na satisfação das causas dos problemas sociais, não
sendo suficientes respostas paliativas e que façam com que os indivíduos
permaneçam dependestes da atuação pública.
É neste sentido que o público não-estatal tem o objetivo principal de produzir
bens e serviços sociais. Diferentemente do mercado, o terceiro setor atua
solidariamente, trabalhando no sentido de cooperação e comunicação.
Sendo assim, o setor público não-estatal, através de todas as entidades que o
compõem, oferece uma forte condição de democratização solidária no país, agindo
em prol da melhora do desempenho de cidadania na sociedade, incluindo aqueles
que permaneciam à margem da sociedade.
Os movimentos sociais decorrentes da organização da esfera pública não
estatal contribuem efetivamente para uma maior participação, incrementado a
democracia e politizando os cidadãos. O terceiro setor, neste sentido, atua em
suplementação à atividade estatal viabilizando as ações em assistência social.
O item seguinte trata exatamente dos contornos constitucionais da assistência
social no Brasil, analisando-se a passagem da assistência social enquanto
assistencialismo para a necessidade de implementação de uma política assistencial
eficiente.
2.2 Evolução histórica-constitucional da idéia de assistência social
A prestação de serviços assistenciais remonta ao direito romano, sendo
baseada em ideais de caridade a ajuda à população carente (BASTOS, 1998). No
Brasil, inicialmente, a assistência social era desenvolvida pela Igreja Católica e por
entidades a ela relacionadas, tendo em vista que o clientelismo criado pelo sistema
colonial impedia a formação espontânea de organizações formadas por membros
63
exclusivamente laicos. Nesse contexto, mesmo as entidades que possuíam entre
seus integrantes membros tidos como laicos tinham presente uma fundamentação
religiosa, o que demonstra a importância assumida pela Igreja Católica nessa fase
inicial. (COUTO, 2003).
Seguindo esta esteira, as demais religiões que foram surgindo aliaram-se a
esse sentimento caritativo, sendo que a assistência social era prestada de forma
filantrópica e sem qualquer auxílio estatal evidente. A definição de assistência social,
então, estava ligada ao conceito de filantropia e ao propósito de caridade, tendo-se
iniciativas voluntárias e isoladas, com ênfase à suplementação de condições aos
carentes, em geral a partir de uma aparência de cunho religioso47.
Efetivamente, tanto a Constituição Federal de 1824 como a de 1891 eram
omissas quanto à assistência social (CRETELLA JÚNIOR, 1993), ao passo que a
sociedade conservadora encarava a pobreza como um atributo daqueles não tinham
empenhado seus esforços para superá-la (COUTO, 2003).
A primeira inclusão expressa com relação à assistência social veio apenas na
Constituição Federal de 1934, em razão da política adotada no governo Vargas, que
não obstante utilizar a assistência social de uma forma populista, efetivamente foi
responsável pelo início de sua normatização. No entanto, a previsão constitucional
perdurou somente até a instituição do Estado Novo, sendo que a nova “Constituição”
promulgada por Vargas, em 10 de novembro de 1937, não trouxe em seu texto a
proteção à assistência social.
De qualquer forma, a maneira com que o Estado tratava a questão continuou a
ser a mesma, tendo em vista a total discricionariedade (para não dizer
arbitrariedade) atribuída ao governante, sendo a assistência social prestada de
acordo com intenções eleitorais. A Era Vargas foi marcada, desse modo, por uma
postura clientelista na área social, sendo que a assistência social pode ser apontada
como uma das “bandeiras” de seu governo. Na construção de sua imagem populista,
47
Voltolini (2003, p. 18) afirma: “Se, em termos históricos, tivemos a Igreja católica como o berço das
ações assistenciais e filantrópicas no país, no que se refere ao reconhecimento e legitimação da área
assistencial como campo de conhecimento e formação profissional, o berço foi, até recentemente,
monopólio exclusivo, do Serviço Social [...]”.
64
Vargas lançou mão de políticas que objetivavam oferecer “benefícios” à população
carente, de forma cativá-la e fazê-la dependente de tais benesses, personalizando o
poder instituído. (MENDES JR; MARANHÃO, 1981).
No entanto, não há como se negar que foi somente com a Revolução de 1930
que o Estado passou a regular a matéria relativa à assistência social, o que
demonstra a importância da época para a concretização das forças que vieram,
posteriormente, a lutar pela implementação de uma efetiva política pública de
assistência social. Por tal razão, todo aquele que se dispuser a entender a
sistemática da assistência social no Brasil terá, necessariamente, de analisar sua
origem no governo Vargas, a fim de compreender os contornos que veio a assumir
com a ordem constitucional ora vigente.
Nesse sentido, a política clientelista adotada na Era Vargas fez com que as
preocupações governamentais fossem voltadas à regulamentação da assistência
social e à criação de mecanismos de controle sobre esta. A primeira ação adotada
foi a criação do Título de Utilidade Pública Federal, objetivando a certificação das
entidades privadas que atuavam na área assistencial, de forma a conceder-lhes
certos benefícios.
Em 1938, o governo instituiu o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), a
fim de fiscalizar as entidades assistenciais e certificar sua idoneidade para o
recebimento de verbas estatais. Em tal momento, ficou nítido o objetivo de controlar
a atuação civil, sendo que as entidades eram submetidas a critérios discricionários
de avaliação pelo referido conselho, cujos membros eram indicados pelo Presidente
da República. (MESTRINER, 2001).
O que se percebe é que uma vez sendo o governo Vargas marcado por um
assistencialismo populista, sua caminhada na construção da imagem de “pais dos
pobres” poderia ser prejudicada por entidades privadas que focalizavam seus
esforços em auxiliar os mais necessitados a realmente sair de tal condição, ao
contrário de simplesmente atuar de forma paliativa, como era de sua praxe. Por tal
razão, muitas foram as entidades que encerraram suas atividades em tal época,
sufocadas pelo regime autoritário implementado. (MESTRINER, 2001).
65
Desse modo, analisando a realidade configurada na Era Vargas, pode-se
afirmar que em tal época não houve uma política pública desinteressada no âmbito
social, mas sim o oferecimento de uma falsa sensação de bem-estar à população,
sendo que mesmo os direitos trabalhistas reconhecidos não chegavam a afrontar a
elite dominante, servindo na verdade como uma forma de “neutralizar” os
descontentamentos da classe operária (SILVA, 2002). Na área da assistência social,
a realidade não era distinta, sendo que as atuações do governo eram, como já dito,
de cunho paliativo e visavam, em última análise, a permanência do indivíduo em sua
situação marginalizada, de forma a torná-lo dependente do sistema. O que houve,
inegavelmente, foi a implantação de uma política populista, sem qualquer atuação
social desinteressada ou impessoal.
O que se percebe é que não obstante a intensa intervenção estatal na área
social, o que o governo buscava não era o bem-estar social dos cidadãos, mas sim
um controle das entidades privadas e a utilização da assistência social como um
mecanismo eleitoreiro.
Já em 1946, a questão da assistência social voltou a ser tratada em âmbito
constitucional, sendo previsto no artigo 164 da Constituição Federal na forma de
assistência à maternidade, à infância e à adolescência. No entanto, durante o
governo de Eurico Gaspar Dutra e posterior retomada “democrática” de Vargas, bem
como nos governos que os sucederam, a assistência social continuou a ser tratada
da mesma forma clientelista, sem qualquer comprometimento público que não o de
fomentar e solidificar as bases do Estado populista (MESTRINER, 2001). Em
verdade, o Conselho Nacional de Serviço Social servia, antes de tudo, como um
meio de fiscalização e, por que não dizer, tolhimento da atividade assistencial
privada, não se prestando ao atendimento do interesse público, mas sim servindo
como um instrumento na consecução de objetivos eleitorais.
Essa situação de controle estatal veio a se agravar com o golpe militar de
1964, sendo que as entidades de assistência social mantiveram a mesma estrutura
relativa à década de trinta. Com efeito, a implementação do regime militar importou
em uma intervenção ainda maior do Estado, sendo que muitas entidades privadas
passaram a atuar protegidas pela Igreja, tendo em vista que o governo não
66
intervinha, relativamente, na sua estrutura. Nesse momento histórico, mais uma vez
se percebe a importância assumida pela Igreja na prestação de serviços
assistenciais, especialmente sua atuação decisiva no auxílio às Organizações NãoGovernamentais. (MESTRINER, 2001).
Nesse contexto, a Constituição Federal de 1967, trazia a questão originalmente
em seu artigo 167, § 4º. Já com a Emenda Constitucional nº 01 de 1969, a questão
passou a ser regulada no artigo 175, § 4º, sendo que Pontes de Miranda (1974, p.
332), ao comentar o dispositivo, afirma:
A regra jurídica do art. 175, § 4º, não é apenas programática. A expressão
‘instituirá’ mostra-o bem. Mas onde a sanção? À lei cabe criá-la. Criá-la-á?
A ênfase do legislador constituinte – assistência à maternidade, à infância e
à adolescência, excusez du peu! – sem a lei que, executada, crie os
serviços e os realize, os faça funcionar e obrigue o Poder Executivo a
mantê-los, cairá no vácuo.
Conforme se percebe, a regra constitucional não apresentou qualquer diferença
substancial, sendo que somente com as crescentes críticas surgidas no início da
década de oitenta, pelas chamadas Organizações Não Governamentais, iniciou-se
uma alteração na visão oferecida à assistência social (ARRETCHE, 2000), deixando
a mesma de se constituir uma benesse oferecida pelo governante. Desse modo,
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a assistência social se firmou
como uma política pública, tendo sido oferecida a seguinte redação ao seu artigo
203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela
necessitar,independentemente de contribuição à seguridade social, e tem
por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e
a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.
A primeira conclusão que se tira do dispositivo em comento, é que a
assistência social independe de prévia contribuição ao sistema, devendo ser
67
prestada a quem dela necessitar, indistintamente. Tal questão será melhor analisada
no tópico seguinte, quando tratar-se-á dos contornos do conceito jurídico de
instituição de assistência social, sendo que para evitar tautologia, remete-se para tal
tópico.
A outra consideração a ser feita é que houve um inegável alargamento do rol
de direitos inclusos na proteção constitucional, sendo que a norma contida no artigo
203 deve ser interpretada em consonância com o artigo 6º da Constituição Federal,
o qual afirma que serem “[...] direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição [...]“.
O artigo 6o da Constituição Federal48 demonstra que o Estado coloca como
prioridade a realização de ações efetivas na promoção do bem comum, ainda que
estas ações não sejam executadas por ele próprio, mas sim pelas instituições que
integram o público não-estatal.
48
Duras têm sido as críticas lançadas pela doutrina quanto ao largo rol de direitos enumerados no
artigo 203 sem que lhe fosse assegurada qualquer eficácia. Na visão de Bastos (1998), o legislador
constituinte teria ignorado a conjuntura econômica da época, a qual indicava a necessidade de
oferecimento de produtos competitivos e de qualidade, exigindo uma maior austeridade fiscal. Afira o
mesmo que “esses sintomas já eram perfeitamente sensíveis ao olhar atento de quem observasse o
mundo no ano da promulgação de nossa Carta Maior. O constituinte, contudo, fez ouvidos moucos a
essas vozes e preferiu enveredar pelo caminho de uma generosa política de amparo estatal aos
carentes. Atualmente, dez anos depois da vigência da Lei Maior, o País continua envolvido em sérios
problemas sociais, o que não surpreende, quando se sabe que esses problemas são antigos e não
são de resolução estritamente jurídica. Não basta a Lei Fundamental erigir direito em favor dos
necessitados se não houver uma correta alocação de recursos para atendê-los. Nosso Estado timbra
pela sua ineficiência burocrática e pela má qualidade de seus serviços públicos. A corrupção também
medra, a despeito da grande indignação do povo. Os tributos são mal arrecadados, embora com
alíquotas altas [...]” (BASTOS, 1998, p. 344). O constitucionalista prossegue afirmando a
ambivalência de alguns dispositivos constitucionais, firmando posicionamento de que o rol de ideais
firmados é de realização plena imprevisível, “[...] nada obstante a aparência e mesmo a pretensão de
estarem conferindo direitos subjetivos aos cidadãos [...]” (BASTOS, 1998, p. 344).
Efetivamente, a criação de um Estado Providência no que se refere à assistência social (CRETELLA
JÚNIOR, 1993), sem que a enumeração dos direitos viesse acompanhada de uma política fiscal que
permitisse sua implementação não satisfaz os anseios da população. No que se refere a direitos
subjetivos, sua maior problemática reside realmente no campo da eficácia, não bastando a mera
declaração de um direito. No entanto, mesmo se tendo em mente as falhas do legislador constituinte,
não se pode deixar de reconhecer que a Constituição Federal de 1988 representa um avanço no que
se refere à assistência social, ao contrário do que pretende dizer Bastos (1998). Isso porque os
problemas orçamentários não podem vir a justificar a ausência do reconhecimento de direitos que
devem ser assegurados a todos os cidadãos, como são os enumerados no artigo 203 da Constituição
Federal.
68
É bem verdade que a mera colocação em ordem constitucional não se faz
suficiente, sendo que o maior desafio, no que se refere a direitos de tal natureza, é a
sua efetivação (BOBBIO, 1998). E o grande número de demandas públicas coloca o
Estado em uma situação de eminente dificuldade na implementação dos direitos
sociais.
O legislador constituinte, exatamente por ter consciência das dificuldades na
implementação de políticas públicas eficientes na atenção às necessidades sociais,
ofereceu determinadas desonerações tributárias às entidades que atuam na
consecução de fins públicos. Por via de conseqüência, as imunidades tributárias de
que trata o presente trabalho são exemplos do reconhecimento de que o Estado, por
si só, não teria condições de implementar em todas as suas facetas uma política
pública capaz de efetivar os direitos relativos à assistência social, razão pela qual
tais desonerações deverão ser alcançadas àquelas instituições que estejam a atuar
ao lado do Estado, implementando uma política de assistência social.
Nesse sentido, para se compreender a idéia de assistência social, é
necessário que se lembre que a mesma é um dos pilares sustentadores da
seguridade social, na forma da redação oferecida ao caput do artigo 194 da
Constituição Federal49. A saúde, a assistência social e previdência, integram o
denominado tripé da seguridade social, sendo que Balera (2004) afirma que a fim de
alcançar a satisfação dos problemas sociais a seguridade tem à sua disposição duas
vias: a previdenciária, visualizada no seguro social, e a assistencial, composta pelo
sistema de saúde e pelo sistema de assistência social.
Assim, se a assistência social é parte integrante da seguridade social, tem-se
que a mesma tem por objetivo garantir o direito à cidadania e a eqüidade de acesso
aos serviços públicos indispensáveis à vida digna.
A Lei n. 8.112/99, que regulamenta seguridade social, traz seu conceito e
diretrizes, afirmando em seu artigo 1o a necessidade de ações integradas, dos
49
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência
e à assistência social”.
69
poderes públicos e da sociedade, objetivando-se assegurar o direito relativo à
saúde, à previdência e à assistência social. O mesmo dispositivo legal ainda
enumera os princípios e diretrizes a serem seguidos pela seguridade social, estando
entre eles a universalidade da cobertura e do atendimento e o caráter democrático e
descentralizado
da
gestão
administrativa,
garantido-se
a
participação
da
comunidade, especialmente de trabalhadores, empresários e aposentados.
Estes caracteres gerais são aplicados aos três setores da seguridade social,
sendo que a assistência social, vista individualmente, possui regramentos próprios a
serem observados, especialmente tendo em vista a necessidade de avaliação das
atividades desenvolvidas. Isso porque somente por intermédio de uma avaliação
eficiente é possível encontrar eventuais falhas e promover melhoras nas políticas
públicas. Pode-se afirmar, nesta linha de raciocínio, que a Lei n. 8742/93,
denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), traz a preocupação latente
com uma maior efetividade e transparência da assistência social, dispondo sobre
sua organização e no embate de projetos destinados ao enfrentamento da exclusão
social dos segmentos populacionais mais vulneráveis.
Já logo em seu artigo 1o, tem-se a preocupação com os mínimos sociais e com
a garantia de atendimento às necessidades básicas, colocando-os com uma questão
a ser tratada conjuntamente, integrando-se ações de iniciativa pública e da
sociedade. Tem-se, ainda, reafirmação da assistência social como política de
seguridade social não contributiva. O seu artigo 2o, de igual importância, traz os
objetivos da assistência social, como a proteção à família, e a promoção da
integração ao mercado de trabalho, tendo-se, a colocação de objetivos de
enfrentamento da pobreza e provimento de condições para a universalização dos
direitos sociais, entre outros.
Como se observa, o foco principal das ações assistenciais é direcionando às
camadas da população caracterizadas pela pobreza e exclusão social. O ponto
principal da efetividade da lei é a dignidade da pessoa humana, implementando-se
ações e serviços nas mais variadas frentes, como saúde, proteção à família e
incremento das possibilidade de trabalho. Estas ações e serviços devem ter
70
objetivos que desenvolvam o processo de proteção e alteração da qualidade de vida
de um grupo de indivíduos até então colocados à margem da atenção pública.
Sendo assim, o objetivo principal da lei orgânica da assistência social é o de
universalizar os direitos sociais, proporcionando uma melhor qualidade de vida, com
a garantia das condições mínimas de sobrevivência. Para tanto, os princípios
básicos da lei a serem atendido estão expressos em seu artigo 4o:
Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências
de rentabilidade econômica;
II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da
ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e
comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e
rurais;
V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos
critérios para sua concessão.
O que se tem, assim, é a colocação da assistência social como uma política de
inclusão social, não se admitindo que a mesma seja tratada de uma forma
clientelista e em atendimento a interesses eleitorais. O fundamento da assistência
social é, pois, incluir o indivíduo no processo produtivo, de modo a não torná-lo
dependente do sistema, mas sim, a médio e longo prazo, independe de atuação
pública para a realização de seus mínimos existenciais.
Os fundamentos da assistência social conferem, assim, um importante
indicativo para que se tenha uma inclusão social eficaz, garantindo-se a autonomia
dos indivíduos envolvidos. As políticas sociais, além da extensão ética e moral de
garantir ao cidadão o direito à vida, têm o efeito prático de contribuir para a
promoção do crescimento econômico, com distribuição adequada de renda.
Desse modo, a assistência social é dever do Estado e deve ser prestada de
forma integrada com a sociedade, caracterizando-se como uma política pública com
o objetivo de proporcionar satisfação de serviços básicos à população, garantido-se
a dignidade da pessoa humana. O que não se deve é relacionar o conceito de
71
assistência social com a definição de caridade, tendo em vista que a assistência
social não se caracteriza em favores, mas sim em efetiva política pública de inclusão
social.
O novo protótipo de assistência social pode ser encontrado em ações e
atividades voltadas ao crescimento humano e ao desenvolvimento social, gerando,
assim, condições mínimas de sobrevivência a todos que se encontram em situação
de exclusão. Tendo em vista tais preceitos acerca do verdadeiro sentido de
assistência social, o poder público, em conjunto com a sociedade, tem a obrigação
de efetivar ou fomentar a implementação de políticas publicas que promovam a
eqüidade e a própria cidadania. E o fomento do Estado se dá através do incremento
das atividades exercidas pelo terceiro setor, como já tratado.
Efetivamente, o terceiro setor, ao conviver com o primeiro setor (Estado) e com
o segundo setor (mercado), dedica-se a amenizar problemas de caráter público. Na
realidade brasileira, são marcos do desenvolvimento da assistência social pela
sociedade civil organizada as tentativas de reforma do Estado, sendo que Rocha
(2003, p. 81), afirma:
Com efeito, não há como negar que a criação da organização social foi um
dos frutos produzidos pela Reforma do Estado, iniciada pelo Governo Collor
e levada adiante no governo Fernando Henrique, marcada por fortes traços
do neoliberalismo e que recorre à desestatização, à privatização e à
desregulamentação para reduzir sensivelmente a participação do Estado na
atividade econômica e, sobretudo, na prestação de serviços públicos.
No entanto, permanecem as distorções quanto ao exercício efetivo de políticas
pública, bem como quanto ao próprio conceito de instituição de assistência social. É
por esta razão que se faz necessária a compreensão da real extensão do termo
instituição de assistência social, a fim de que as desonerações fiscais (em especial a
imunidade tributária) sejam conferidas somente para aquelas instituições que
satisfaçam a vontade constitucional.
72
2.3 Delimitação do conceito jurídico de instituição de assistência social e
interpretação constitucional das imunidades tributárias
Como já visto no tópico anterior, com a promulgação da Constituição Federal
de 1988 a assistência social passou a ser vista como uma política pública,
constituindo-se em verdadeiro direito subjetivo do cidadão. É nesse sentido que a
prestação da assistência social deve se dar a quem dela necessitar, sem que seja
lançada qualquer exigência para sua fruição por parte do indivíduo.
A distinção entre a assistência social e previdência social reside exatamente no
fato de que esta somente é prestada à população mediante a prévia contribuição ao
sistema, funcionando o governo como uma espécie de gestor (ainda que também
financiador) dos valores arrecadados e dispendidos com os beneficiários. Já a
prestação da assistência social, como visto, independe de prévia contribuição à
seguridade social, visto constituir-se em direito a ser assegurado pelo Estado,
devendo o mesmo agir diretamente na promoção da assistência social ou viabilizar
que pessoas jurídicas de direito privado o façam.
Na idéia de atuação subsidiária do Estado, surgem instituições que atuam em
segmentos de educação, saúde, amparo a idosos e crianças, entre outros. A
questão que se faz objeto de análise é se o simples fato de uma entidade ter como
objeto social a promoção de um direito social a faz, por si só, uma instituição de
assistência social que satisfaz os requisitos constitucionais para a fruição da
imunidade tributária.
Neste ponto, é necessário que se advirta que as normas de imunidade
tributária relativas às instituições de assistência social, assim como sua
regulamentação infraconstitucional, serão objeto de análise no capítulo seguinte,
servindo o estudo realizado neste ponto para a compreensão de um conceito básico
para se analisar a imunidade tributária das instituições de assistência social: a
extensão do termo ‘instituição de assistência social’.
73
Para tanto, tem-se como base de estudo a doutrina de Leopoldo Braga (1969),
expressa em sua obra “Do conceito jurídico de instituições de educação e de
assistência social”, na qual o autor traz requisitos específicos para a conceituação
do termo instituição, a fim de delimitar em quais situações persistiria a imunidade.
Sua visão sobre o assunto influenciou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(FERREIRA, 2001), e ainda que sua doutrina não seja referida expressamente em
todos os julgados, percebe-se que o referido Tribunal Superior permanece a
fundamentar suas decisões quanto à referida matéria com base em tais lições. Tal
fato demonstra que não obstante a data de sua publicação, por seus fundamentos e
pela linha lógica de raciocínio expressada, a mesma continua atual e digna de
reconhecimento.
O fundamento dos requisitos trazidos pelo doutrinador se assenta no fato de
que os termos técnicos – no caso, o de instituição – utilizados pelo legislador não
podem ser desconsiderados, sob pena de desvirtuamento da regra jurídica (BRAGA,
1969). Desse modo, ao analisar a imunidade tributária concedida às instituições de
assistência social à época, o doutrinador refere que o primeiro requisito a ser
analisado seria exatamente o contido na norma constitucional, sendo que qualquer
discussão sobre a regulamentação infraconstitucional somente pode ser realizada
em momento posterior.
Assim,
[...] a primeira e indeclinável condição para que se reconheça a um ente
jurídico de caráter educacional ou assistencial o direito ao gôzo do aludido
benefício constitucional, vale dizer, o privilégio da imunidade tributária
em conformidade à norma de exceção contida na letra e no espírito dos
textos em exame, é a de que se trate de uma verdadeira e propriamente
dita “instituição” (inconfundível, em sua acepção específica de direito
administrativo, com a de “emprêsa”, de fins lucrativos, com a de
“sociedade fechada” e com a simples “corporação” ou “associação” de
indivíduos visando a consecução de fins de interêsse particular próprio,
comum ou recíproco), isto é, que se trate de uma entidade – pública ou
privada – instituída ou constituída com fim público educacional ou
assistencial exclusivo (e, senão, ao menos, principal), de vocação
altruísta e eminentemente desinteressada, visando, em suma, ao bem
público, à utilidade coletiva, à satisfação de necessidade ou necessidades
de interêsse geral da comunhão dos indivíduos ou ao menos de
determinadas classes sociais (BRAGA, 1969, p. 09).
74
Nesse ponto, já se percebe a primeira questão a ser destacada: se tanto
empresas como instituições de assistência social podem atuar representantes do
terceiro setor, as empresas não podem ser consideradas instituições imunes para
este fim constitucional.
A lógica de raciocínio é bastante clara, tendo em vista que as ações sociais
desenvolvidas por algumas empresas não constituem seu objeto social, sendo isto
sim um desdobramento de sua atuação. Assim, ao constituir-se uma empresa, temse o desenvolvimento de uma atividade econômica, com a produção e circulação de
bens e de serviços50, sendo que a atuação em âmbito social não é seu objeto-fim.
As empresas que atuam como terceiro setor o fazem tendo em vista a consciência
de sua função social, e mesmo por decorrência as exigências do mercado de que se
tenha uma atuação empresarial com responsabilidade social.
Desse modo, somente se tem uma verdadeira instituição de assistência social
quando a mesma é instituída com o fim público exclusivo de atuar na efetivação da
assistência social. Sua postura é eminentemente de auxiliar na construção do bem
comum, e não apenas reflexamente agir de modo a contribuir para a realização de
tal desiderato.
Na seqüência, Braga (1969) Braga ratifica a idéia de atuação em prol de um
fim público, afirmando que tais entidades são criadas com o desígnio de agir em
colaboração com o Estado, a fim de que suas deficiências sejam suprimidas.
Repudia, ainda, qualquer ação paternalista na realização de obras de educação e de
assistência social. Refere, ainda, o doutrinador que o legislador constituinte preferiu
o uso do termo ‘instituições’ tendo em vista que as associações podem agir apenas
em favor dos seus associados, o que acaba por descaracterizar a necessidade de
um fim público específico (BRAGA, 1969).
50
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se
considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística,
ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir
elemento de empresa”.
75
Analisando-se sua doutrina em consonância com o Código Civil percebe-se
que o traço que distingue as associações e fundações das sociedades é que esta
possui finalidade de lucro, ao passo que aquelas não. No entanto, tal não caracteriza
que uma associação tenha sua postura voltada para o social. Com efeito, uma
associação pode agir sem qualquer interesse público sobressalente, como também
pode implementar uma política pública de assistência social. A fundação, de outro
lado, por força do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil, deve ter por objeto
social a cultura, a religião, a moral ou a assistência social.
Percebe-se, assim, que o ponto a ser analisado diz respeito às atividades que
realmente são desenvolvidas, tendo-se como requisito primeiro para a concessão da
imunidade tributária para as instituições de assistência social. E esta finalidade
pública relaciona-se, mesmo não sendo esta sua única característica, com a
ausência de intuito lucrativo.
Mas apenas tal ponto não seria suficiente para a perfeita caracterização da
instituição que alcança os objetivos constitucionais, sendo que o autor,
sinteticamente, três requisitos que devem ser analisados para a conceituação de
uma instituição de assistência social, quais sejam: a) o fim público institucional,
exclusivo, ou, ao menos, principal; b) a gratuidade e ausência de intuito lucrativo; e,
c) a generalidade na prestação dos serviços ou na distribuição de utilidades e
benefícios (BRAGA, 1969).
Em obra destinada à análise da imunidade tributária das entidades de
previdência fechada, Ferreira (2001, p. 51-100) tece inúmeras críticas à doutrina de
Braga, afirmando que o termo instituição não foi utilizado pelo legislador constituinte
com o rigor técnico que este pretendia parecer. Afirma, ainda, que essa falta de rigor
teria se agravado com a ordem constitucional de 1988, razão pela qual os requisitos
apontados não mais poderiam ser utilizados para a solução dos casos trazidos à
análise do Judiciário. Conclui o autor, portanto, que as entidades de previdência
fechada seriam imunes a impostos, na forma do artigo 150, VI, “c” da Carta Maior
(FERREIRA, 2001).
76
No entanto, a conclusão apontada por Ferreira (2001, p. 151) não possui
guarida
nas
decisões
proferidas
pelo
Supremo
Tribunal
Federal,
sendo
entendimento pacífico que as entidades de previdência fechada não possuem a
pretendida imunidade tributária. Tal se dá tendo em vista a ausência de
universalidade e generalidade na prestação de seus serviços, como se observa da
decisão paradigmática proferida pelo Tribunal Pleno:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDÊNCIA
PRIVADA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA. 1. Entidade
fechada de previdência privada. Concessão de benefícios Aos filiados
mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imunidade tributária.
Inexistência, dada a ausência das características de universalidade e
generalidade na prestação, próprias dos órgãos de assistência social.
2. As instituições de assistência social, que trazem íncito em suas
finalidades a observância ao princípio da universalidade, da
generalidade e concede benefícios a toda a coletividade,
independentemente de contraprestação, não se confundem e não
podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada
que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma
categoria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu
estatuto social dependente do recolhimento das contribuições avençadas,
conditio sine qua non para a respectiva integração ao sistema. Recurso
Extraordinário conhecido e provido.” (Recurso Extraordinário nº 2027006,Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Maurício
Corrêa, publicado em 01-03-2002)
Como se depreende da leitura da decisão em questão, os requisitos apontados
por Braga (1969) continuam a irradiar o entendimento do Supremo Tribunal Federal,
ainda que não centrado especificamente na discussão sobre o termo instituição,
como originalmente ocorria. E é a ausência de satisfação a estes requisitos que fez
com que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse a pretendida imunidade
tributária às entidades de previdência privada.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 730, na qual
reconhece que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta
Maior somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada na
hipótese de não haver contribuição dos beneficiários. Mais uma vez, se vislumbra
um dos requisitos apontados pelo doutrinador, qual seja, a gratuidade na prestação
dos serviços.
No que se refere à exigência de gratuidade das instituições de assistência
social, no entanto, desde muito o Supremo Tribunal Federal possui entendimento
77
firmado de que os serviços não precisam ser prestados de forma totalmente gratuita,
valendo-se muito mais do comprometimento social da instituição, que não é afastado
pela cobrança dos serviços daqueles que possuem condições financeiras para tanto.
Mesmo Braga (1969, p. 94) afirma que o conceito de gratuidade não é absoluto e
“há de ser entendido em termos”, prevendo inclusive a cobrança pelos serviços
prestados “a pessoas economicamente abonadas a fim de poderem manter os
gratuitos ministrados aos menos favorecidos da fortuna” (1969, p. 95).
Nesse sentido, no que se refere à Súmula 730 editada pelo Supremo Tribunal
Federal, a previsão da gratuidade total se dá tendo em vista haver entidades de
previdência complementar fechada que são custeadas integralmente pelos
empregadores, ou seja, a mantenedora arca com todos os ônus. Nestes casos, haja
vistas a total ausência de contribuição do beneficiado, efetivamente não haveria
razão para o não reconhecimento da imunidade tributária, sendo este o motivo da
manutenção do benefício, mas somente nestes termos.
O reconhecimento de que as entidades de previdência privada não são, em
regra, imunes ocorreu tendo em vista exatamente não poderem as mesmas serem
consideradas instituições que atuem de forma a proteger o interesse público, de
forma gratuita (ainda que parcialmente) e colocando seus serviços à disposição da
generalidade das pessoas. Assim, a vontade constitucional que identifica uma
instituição de assistência social assistência relaciona-se ao seu fim público, mesmo
sendo uma pessoa jurídica de direito privado. A questão centra-se na efetiva
implementação de uma política pública.
De qualquer modo, o que se tem é que toda a discussão que envolveu as
entidades de previdência privada deve servir como base para se compreender a
questão das instituições de assistência social e sua imunidade tributária. Nesse
aspecto, a prevalência dos requisitos apontados por Braga (1969) no que se refere
às entidades de previdência privada pode ser apontada como mais um argumento
no sentido de sua perfeita possibilidade de utilização mesmo sob a égide da
Constituição Federal de 1988.
78
Em que pese a força das críticas trazidas por Ferreira (2001), os requisitos
apresentados por Braga parecem se coadunar com o âmago constitucional ora
vigente. Isso porque mesmo que na hipótese de não se considerar viável centrar a
análise do tema no que se refere à extensão do termo instituição, haja vistas que
inegavelmente o legislador constituinte não empregou o termo com o rigor científico
que se fazia necessário, a imunidade somente poderá ser alcançada a uma
instituição que esteja realmente prestando assistência social51, ou seja, a uma
instituição que atue em prol de um fim público, colocando seus serviços à disposição
da generalidade dos indivíduos e, conforme critérios de razoabilidade, de forma
gratuita, sem qualquer objetivo de lucro.
Nesse sentido, as ponderações trazidas por Ferreira (2001), ainda que
metodologicamente corretas, sucumbem frente a princípios maiores que devem
pautar o ordenamento, como a necessidade de uma interpretação sistemática das
normas constitucionais, e de uma interpretação teleológica das imunidades
tributárias. Por conseqüência, pretender que os objetivos constitucionais sejam
deturpados por questões de mera nomenclatura seria efetivamente empregar um
rigor excessivo, que acabaria por importar em descrédito e inefetividade do sistema.
O maior exemplo que se pode oferecer é a própria regra expressa no § 7º do
artigo 195 da Constituição Federal, a qual, como será devidamente analisada, utiliza
o termo isenção quando na verdade está a constituir verdadeira imunidade tributária.
Nesse caso, a nomenclatura utilizada pelo legislador constituinte não impediu a
doutrina e a jurisprudência de afirmar que se estava diante de uma regra de
imunidade e que, portanto, se submetia às mesmas exigências da imunidade
prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior.
Pelos mesmos motivos, e em nome da eficácia do sistema constitucional, o §
7º do artigo 195 da Constituição Federal deve ser compreendido pelo operador
jurídico como se nele constasse o termo instituições beneficentes de assistência
51
o
O artigo 3 da lei orgânica da assistência afirma que “Consideram-se entidades e organizações de
assistência social aquelas que prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos
beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos”.
79
social, e não entidades beneficentes de assistência social. Até porque a intenção do
legislador constituinte de desonerar apenas aqueles entes que atuam realmente na
consecução de interesses públicos é ainda mais nítida neste dispositivo, tendo em
vista a inclusão do termo beneficentes. Desse modo, tanto a parte final da alínea “c”
do inciso VI do artigo 150, como o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal,
possuem a exigência constitucional de se tratarem de instituições de assistência
social, sendo perfeitamente aplicável a doutrina de Braga (1969).
Em verdade, sempre que se estiver diante de uma regra que por sua própria
finalidade e razão de ser exige que a pessoa jurídica possua finalidade pública
específica, com prestação de seus serviços à generalidade das pessoas e de forma
gratuita (ainda que não totalmente), tal pessoa jurídica deverá ser encarada como
uma instituição. Desse modo, para que a imunidade tributária possa ser alcançada
somente àqueles que efetivamente a façam jus, é imprescindível que se contemple o
caráter assistencial, sob pena de desatender-se o objetivo constitucional.
O que se tem é que a desoneração indistinta não era o objetivo do legislador
constituinte. Seu intuito foi, sim, o de reconhecer que existem instituições que
prestam relevantes serviços sociais e, portanto, merecem uma tributação
privilegiada. Nesse sentido, vale-se novamente dos ensinamentos de Braga (1969,
p. 105):
A razão político-social de conferir-se à instituição de educação e
assistência social a prerrogativa excepcionalíssima, o privilégio da
imunidade tributária outorgado pela Constituição, está em que ela – a
‘instituição’ – se propõe, por bem dizer, substituir parcialmente o Estado
ou auxiliá-lo e secundá-lo, por vocação altruística ingênita, na tarefa,
inerente a seus fins, de assistência, amparo e socorros públicos.
Percebe-se, pois, que a imunidade conferida pelo constituinte diz respeito aos
entes que atuam em suplementação à atividade estatal. A análise deverá ser
sempre casuística e deverá ter em mente a real finalidade da entidade que pretende
ser considerada imune, a fim de se confirmar seu comprometimento com um
interesse público sobressalente, a caracterizando como uma instituição.
80
O fim pelo qual são alcançadas as imunidades diz respeito ao fato de estarem
tais instituições atuando diretamente na área social, ou seja, preservando elas
próprias, ao lado do Estado, o interesse público. E, se as circunstâncias fáticas
deixam claro que tais instituições não estão atuando “ao lado do Estado”, não se
visualiza qualquer razão evidente para se reconhecer a imunidade.
Seu enquadramento como instituições de assistência social dependerá, pois,
do comprometimento por elas assumido na implantação de políticas públicas, sendo
que essa discussão deve ser transposta para uma análise casuística, interpretandose a Constituição tendo em vista o objetivo da norma imunizante. Por conseguinte, a
assistência social deve ser realizada na forma de uma política pública, com a
prestação dos serviços a quem deles necessitar. Sua atuação deve, pois, ser
suplementar à do Estado.
O primeiro requisito é, pois, constitucional e diz respeito às características que
possibilitam a configuração de uma instituição de assistência social. Junto à
Constituição Federal também se tem a vedação à finalidade lucrativa, como já
referido.
Nesse aspecto, é preciso que se esclareça desde já que a proibição ao objetivo
de lucro não importa em uma vedação da entidade cobrar, de quem possui
condições para tanto, pelos serviços que presta. Isso porque, inegavelmente, as
instituições de assistência social não são mais custeadas por grandes doações de
particulares ou mesmo de entes públicos, sendo que o exercício de suas atividades
depende, em grande parte, exatamente do valor arrecadado daqueles que usufruem
os serviços.
O que não se pode admitir é que a atuação da entidade não esteja de acordo
com o interesse público, em razão de que a imunidade apenas lhe é alcançada
tendo em vista sua atuação como um “braço” do Estado. A gratuidade deve sim
estar presente, mas conforme parâmetros de razoabilidade, tendo em vista a
necessidade da instituição garantir a manutenção de suas atividades.
81
Assim, em que pese o reconhecimento de que as exigências não podem ser
colocadas em mera lei ordinária, como será devidamente analisado, o que afasta a
aplicação dos requisitos previstos na Lei n. 9.732/98 e, é bom que se lembre,
também os contidos na redação original do artigo 55 da Lei Orgânica da Assistência
Social (Lei n. 8.212/93), a prestação da gratuidade é um dos elementos que traduz o
comprometimento social da instituição, sendo necessário um equilíbrio entre os
valores que seriam gastos com a tributação e os que são implementados
diretamente no atendimento de forma gratuita.
É imprescindível, pois, que haja no mínimo um equilíbrio entre o valor não
recolhido aos cofres públicos em decorrência da desoneração tributária e o valor
dispendido em serviços prestados de forma gratuita, devendo as atividades ser
pautadas em prol do interesse público.
Nesse sentido, em uma interpretação sistemática da Constituição Federal,
levando-se em conta os princípios por ela adotados, como por exemplo o da
impessoalidade nos atos da Administração Pública, percebe-se que a assistência
social não mais pode ser encarada como um favor concedido pelo Estado ou pelo
governante, mas sim como um direito subjetivo intimamente relacionado ao disposto
no artigo 6º da Carta Maior.
As normas de imunidade devem, pois, ser interpretadas de forma teleológica,
de acordo com o fim a que foram instituídas, qual seja, desonerar aquelas
instituições que atuam como um braço do Estado, na consecução de um interesse
público sobressalente.
No que se refere à interpretação das imunidades tributárias, observa-se a
seguinte lição de Costa (2001, p. 117):
As normas imunizantes têm seus objetivos facilmente identificáveis pelo
intérprete, porquanto estampados na Constituição, quase sempre de modo
explícito.
A partir da identificação do objetivo (ou objetivos) da norma imunizante,
deve o intérprete realizar a interpretação mediante a qual o mesmo será
atingido em sua plenitude, sem restrições ou alargamentos do espectro
eficacial da norma, não autorizados pela própria Lei Maior.
82
Em outras palavras, a interpretação há que ser teleológica e sistemática –
vale dizer, consentânea com os princípios constitucionais envolvidos e o
contexto a que se refere.
Assim, o aplicador do direito deverá buscar sempre o objetivo da imunidade
conferida, tendo em vista a bipolaridade que é relativa às relações jurídicas entre o
Poder Público e o contribuinte. Tem-se, desse modo, que sempre que a imunidade
for
alcançada
indistintamente
o
sistema
constitucional
não
estará
sendo
efetivamente respeitado. É por esta razão que se fez necessária a abordagem sobre
a extensão do termo ‘instituição de assistência social’, permitindo-se a perfeita
aplicação da imunidade tributária conferida a estas instituições.
Do mesmo modo, faz-se necessária a compreensão de termos próprios de
direito tributário, como é o caso da própria imunidade tributária e sua
regulamentação infraconstitucional. Passa-se, pois, à análise da imunidade tributária
das instituições sociais e sua importância na idéia de Estado fomentador de políticas
públicas.
83
3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Compreendidas as questões que se relacionam à atuação do público não
estatal e de sua importância na idéia de Estado fomentador de políticas, passa-se a
analisar a norma de imunidade propriamente dita. Com efeito, se o objetivo do
presente trabalho é compreender a imunidade tributária das instituições de
assistência social é necessário que as atenções sejam voltadas para a imunidade
tributária,
depreendendo-se
sua
natureza
jurídica,
a
regulamentação
infraconstitucional e a sua própria atuação enquanto política pública.
Inicia-se, assim, com a abordagem relativa à natureza da imunidade tributária,
ressaltando-se as discussões existentes na doutrina pátria.
3.1 Natureza jurídica das imunidades tributárias e sua atuação como
instrumento do Estado fomentador
A inintributabilidade é hoje considerada uma verdadeira garantia constitucional,
servindo com um dos tantos suportes que podem ser interligados ao Estado
Democrático de Direito. Entretanto, não obstante a inegável importância assumida
pela imunidade tributária para o bom andamento do Estado, a doutrina pátria ainda
não conseguiu chegar a um consenso quanto à exata definição e natureza jurídica
do termo, sendo bastante apurada a discussão que perdura. Neste ponto, é bom que
se diga, não possui o objetivo de exaurir a matéria, mas apenas o de fornecer os
conceitos básicos que se fazem necessários para a perfeita compreensão do tema
proposto, de forma a se instigar uma análise crítica-reflexiva quanto ao assunto.
Parte-se, pois, da noção básica de que as imunidades tributárias52 podem ser
consideradas normas constitucionais balizadoras, cujo atendimento se torna
imprescindível para o perfeito andamento do Estado. As regras de imunidade serão
52
Torres (2005, p. 44-45) conceitua a imunidade tributária como “[...] uma relação jurídica que
instrumentaliza os direitos fundamentais, ou uma qualidade da pessoa que lhe embasa o direito
público subjetivo à não-incidência tributária ou a uma exteriorização dos direitos da liberdade que
provoca a incompetência tributária do ente público”.
84
sempre decorrência do exposto da Constituição Federal, o que por si só já
demonstra a sua relevância e seu grau de destaque junto ao ordenamento posto.
É exatamente por decorrer de normas constitucionais que a imunidade se
distingue da isenção, visto vir esta prevista em lei e ser passível de revogação a
qualquer tempo, desde que ausente o interesse público que a originou e ressalvados
os direitos adquiridos. Com efeito, cabe aos Poderes Legislativos da União, dos
Estados e dos Municípios, por intermédio de lei complementar ou de lei ordinária,
especificar as hipóteses em que o Poder Público concederá o benefício da isenção,
sempre dentro de seu âmbito de competência.
Para Amaro (2003, p. 273),
a imunidade e a isenção distinguem-se em função do plano em que atuam.
A primeira opera no plano da definição da competência, e a segunda atua
no plano da definição da incidência. Ou seja, a imunidade é técnica
utilizada pelo constituinte no momento em que define o campo sobre o qual
outorga competência. (...) Já a isenção se coloca no plano de definição da
incidência do tributo, a ser implementada pela lei (geralmente ordinária)
por meio da qual se exercite a competência tributária.
Pelo que se percebe, embora tanto a imunidade quanto a isenção sejam
consideradas formas de desoneração tributária, ambas não se confundem,
possuindo a imunidade características próprias.
Da mesma forma, a imunidade igualmente não se equipara à hipótese de não
incidência, já que esta se dá quando não há a ocorrência do fato gerador. Em
verdade, para que haja a incidência tributária, é necessário que se visualize a
ocorrência de todos os elementos previstos em lei, com a subsunção,
conseqüentemente, de tais fatos à norma que prevê a tributação, sendo que
somente em tal hipótese se pode falar em fato gerador e, por conseguinte, em
incidência. Em sentido inverso, pode-se afirmar que a não incidência abrange
aqueles fatos não alcançados nas definições da hipótese de incidência.
Compreende-se, assim, que tanto a isenção quanto a não incidência são
figuras totalmente diversas da imunidade tributária. Isso porque enquanto a isenção
impede a incidência do tributo por determinação de lei específica, a não incidência
85
implica na não ocorrência do mesmo, já que ausentes os requisitos legais para a
tributação. A imunidade, ao contrário, impede o surgimento do dever de pagar
determinadas espécies de tributos tendo em vista regra constitucional que afasta o
poder de tributar do Estado.
Mas a própria conceituação do termo imunidade tributária causa grandes
discussões, passando-se a analisar a conceituação do termo imunidade tributária.
Inicia-se pela tese defendida por Falcão (1961, p. 370) de que a imunidade nada
mais é que uma espécie de não-incidência constitucionalmente qualificada:
O que há na imunidade, como se está a ver, é uma forma qualificada ou
especial de não incidência, por supressão, na Constituição, da
competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram
certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstos pelo estatuto
supremo.
Quanto a esse entendimento particularizado do autor, várias são as críticas
apontadas, especialmente tendo em vista que a não-incidência significa ausência de
fato tributável, simplesmente, e não uma delimitação de competência ou a instituição
de uma competência negativa. Nesse sentido, Costa (2001, p. 41) esclarece que
“[...] a não-incidência corresponde à inocorrência do impacto da norma jurídica sobre
determinado fato[...]”, chegando a afirmar que a mesma se constituiria “[...]
irrelevante para a Ciência Jurídica, posto que não se configura como fato jurídico
[...]”. Segundo a doutrinadora, o maior erro daqueles que defendem que a imunidade
e a isenção estariam inclusas em tal categoria seria basear a teoria em explicações
sobre a fenomenologia da incidência tributária.
De outro lado, Baleeiro (2003, p. 113), o autor clássico das imunidades,
defende que a imunidade tributária nada mais é do que uma limitação constitucional
ao poder de tributar, visto que extrai da competência do poder público seu poder
imanente de tributação. Em suas palavras, as imunidades
não se confundem com isenções, derivadas da lei ordinária ou da
complementar (CF, art. 19, § 2º) que, decretando o tributo, exclui
expressamente certos casos, pessoas ou bens, por motivos de política
fiscal. A violação do dispositivo onde se contém a isenção importa em
ilegalidade e não em inconstitucionalidade (CTN, arts. 175 a 179).
86
Não obstante ser necessário se reconhecer que Baleeiro (2003, p. 113)
desenvolveu papel primordial na colocação em voga dos temas relativos ao Direito
Tributário, a insuficiência da definição por ele oferecida à imunidade tributária salta
aos olhos quando se depara com o fato de que a Constituição estabelece várias
limitações ao poder de tributar do Estado, em especial as garantias oferecidas aos
contribuintes. É bom que se diga, nesse aspecto, que é o próprio autor que afirma
que enquanto toda imunidade pode ser considerada uma limitação ao poder de
tributar, a recíproca não é verdadeira (BALLEIRO apud COSTA, 2001), haja vistas
existir junto ao ordenamento outras limitações de tal espécie, como é o caso dos
princípios constitucionais-tributários.
Com efeito, a Constituição Federal traz em seu corpo uma série de princípios53
tributários a serem observados pelo Poder Executivo, pelo Poder Judiciário e pelo
Poder Legislativo. Tratam-se de postulados constitucionais genéricos que informam
a atuação do Estado, e cuja atenção faz-se imperiosa para a manutenção do Estado
Democrático de Direito (CARVALHO, 2005).
Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 148) afirma que os princípios são:
[...] linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores
normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de
fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma
reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem
sob o seu raio de influência e manifestam a força de sua presença.
Como se vê, no sistema jurídico moderno os princípios assumem papel de
destaque, superando a condição de meros mecanismos a serem utilizados para
suprir as lacunas do Direito. Em verdade, servem como requisitos primordiais a
serem observados em todos níveis da organização social.
A proibição do confisco e a necessidade de que se atente ao princípio da
capacidade contributiva dos indivíduos, são dentre tantos outros, exemplos do que
se pode denominar de limitações constitucionais ao poder de tributar, e essas
53
Os princípios são espécies de normas jurídicas, do mesmo modo que o são as regras, possuindo
força normativa e, assim sendo, devem ser aplicados seja qual for a ordem de discussão, haja vistas
que irradiam seus efeitos sobre o ordenamento posto.
87
normas, no entanto, em nada se confundem com a imunidade tributária. Desse
modo, ao redigir as Notas que atualizam a obra de Baleeiro (2003), Derzi (2003, p.
114) afirma:
Aliomar Baleeiro, o autor clássico das imunidades, define-as, por seus
efeitos, como limitações constitucionais ao poder de tributar. Não obstante,
são limitações constitucionais ao poder de tributar, ainda, o princípio da
legalidade, a da anterioridade, da igualdade, da vedação do confisco, etc.
Também a Constituição Federal intitula a Seção II do Capítulo VI de “Das
Limitações ao Poder de Tributar” e, dentro dela, inclui, de modo não
exaustivo, as imunidades propriamente ditas e os demais princípios e
normas reguladoras dos direitos e garantias dos contribuintes, como
legalidade, irretroatividade, anterioridade, vedação do confisco e outros.
Não bastasse tal, ao se analisar o critério cronológico, a definição oferecida
também não subsistiria. Isso porque as regras de imunidade tributária, assim como
as demais regras de competência, vêm expressas no texto constitucional, ou seja,
ao mesmo tempo em que a competência é delimitada. Assim, não se pode
considerar a mesma uma limitação à competência tributária.
Ramos Filho (1999, p. 50), ao tecer suas críticas quanto à definição da
imunidade tributária como limitação constitucional da competência tributária, afirma
que:
A norma constitucional da imunidade não atua, portanto, em um momento
posterior à outorga de competência tributária, mas simultaneamente a
este, colaborando na definição das faixas de competências tributárias
entregues às entidades políticas. Não se trata de uma limitação ou
supressão da competência tributária ou do poder de tributar, pela razão de
que, nas situações imunes não existe (nem preexiste) poder de tributar ou
competência impositiva.
Pelo que se compreende, crescentes têm sido as complementações oferecidas
à clássica definição de Baleeiro (2003, p. 113), o que demonstra a insubsistência da
mesma. Isso porque a imunidade não vem para limitar a competência tributária (visto
que essa já nasce delimitada), mas sim para instituir uma regra de estrutura
direcionada
especialmente
ao
legislador,
estabelecendo
uma
espécie
de
competência negativa.
A conclusão de que a imunidade é uma regra de estrutura se dá pelo fato de
que a mesma possui um dever-ser neutro, não se preocupando em prescrever
88
condutas humanas, mas sim em fixar competência tributária. É o que se extrai da
lição de Ferreira Sobrinho (1996, p. 78), o qual afirma que “a regra imunizante é uma
regra de estrutura porque se presta à fixação da competência tributária e à
regulação da edição de outras regras jurídicas. Não freqüenta, portanto, o plano da
conduta”.
E, uma vez se tratando a imunidade de uma regra de estrutura cuja definição
deve ser buscada junto à Constituição, e se tendo em mente as especificações que
a caracterizam e que excluem as definições da mesma como regra de nãoincidência constitucionalmente qualificada ou apenas como limitação à competência
tributária, tem-se que a mesma efetivamente se trata de regra de competência
negativa. Adota-se, pois, a conhecida definição de Carvalho (2005, p. 121), na qual
o mesmo afirma que a imunidade é
[...] a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas,
contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo
expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional
interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações
específicas e suficientemente caracterizadas.
Assim, a imunidade efetivamente se caracteriza como uma regra de
competência negativa contida no texto da Constituição Federal, que deve pautar a
atuação dos poderes instituídos. Com efeito, ao exercer seu poder de tributar, o
Estado deverá atentar às garantias fundamentais dos contribuintes, reconhecendo
seu direito subjetivo à não tributação, desde que satisfeitos os requisitos
constitucionais e, conforme o caso, também os expressos na legislação
infraconstitucional.
Ter-se a imunidade tributária como uma regra de competência negativa traça
seu contorno como instrumento a ser utilizado pelo Estado para a fomentar a
atuação da sociedade civil. É neste sentido que se tem que o Estado fiscal,
caracterizado pelo custeio de suas atividades não tendo em vista seu próprio
patrimônio, mas sim a intervenção do poder público no patrimônio dos particulares,
coloca a imunidade tributária como um desiderato da democracia, sendo isto sim um
instrumento de proteção da liberdade e da igualdade (TORRES, 2005).
89
Nesse sentido, a liberdade e suas implicações faz com que seja necessária a
análise da imunidade tributária tendo em vista seus reflexos no ordenamento.
Explica-se: se toda vez que se pensar em liberdade é necessário que se
compreenda
que
este
direito
fundamental
traz
consigo
questões
que
o
complementam, como é a idéia da própria concretização da justiça, também é
necessário que se entenda que o direito fundamental da liberdade tem uma
coimplicação no que se refere ao poder público. Este é o contraponto da imunidade
tributária.
Assim, se a liberdade dos indivíduos e o direito à sua propriedade privada
sucumbem frente ao poder impositivo do Estado no que se refere aos tributos, é o
poder impositivo que deixa de existir quando se está diante de uma imunidade
tributária. E para chegar-se a esta conclusão, basta que se compreenda os motivos
que
colocam
determinada
pessoa
ou
situação
na
condição
de
imunes
tributariamente.
É neste sentido que se tem que a liberdade fundamenta as garantias
constitucionais oferecidas aos contribuintes, permite a tributação e ainda serve de
base para que se possa falar em imunidade tributária. (TORRES, 2005).
Consagrar a liberdade é compreender que a liberdade do indivíduo limita-se na
liberdade do outro, como expresso no artigo 4o da Declaração dos Direitos do
Homem, de 1789. A grande questão é como tratar o poder de tributar em
consonância com os direitos fundamentais dos contribuintes.
Ao tratar do assunto, Torres (2005, p. 77) afirma que imunidades como a do
mínimo existencial e a relativa à vedação ao confisco “[...] forram-se contra o
excesso ou a desproporção da incidência, mas não aparecem enquanto a tributação
se faz nos limites da razoabilidade e da capacidade contributiva [...]”. Percebe-se,
assim, que mesmo sendo a liberdade um direito absoluto, tal não significa que este
seja um direito ilimitado.
O que se tem é que a própria interpretação das imunidades deve ser realizada
de acordo com a liberdade, sendo que acaso o intérprete possua alguma dúvida
90
quanto ao real significado do texto constitucional, deve o mesmo interpretar a
imunidade tributária de forma que se garanta a liberdade (TORRES, 2005). E a
preponderância da liberdade pode ser entendida em consonância com o objetivo de
justiça social.
A realização da justiça social interliga-se com a dimensão teleológica que deve
ser alcançada à interpretação da imunidade tributária, sendo que o rigor oferecido às
finanças públicas é mediado pelas garantias constitucionais. É neste sentido que
Torres (2005, p. 109) especifica os critérios a serem observados na interpretação
das imunidades fiscais:
[...] a) adota o pluralismo metodológico, com o equilíbrio entre os métodos
literal, histórico, lógico e sistemático, todos eles iluminados pela dimensão
teleológica; b) modera os resultados da interpretação, admitindo assim a
interpretação extensiva que a restritiva, tanto a objetiva quanto a subjetiva,
todas em equilíbrio e a depender do texto a ser interpretado; c) apóia-se no
pluralismo teórico, com o princípio respectivo da não-identificação com
ideologias triviais; d) recusa, da mesma forma que a interpretação das
isenções, a analogia, que implica a extensão da imunidade a direitos nãofundamentais; e) busca o pluralismo de valores, com o equilíbrio entre
liberdade, justiça e segurança jurídica.
Em sua obra, Torres (2005) coloca a imunidade tributária como um direito
anterior à ordem constitucional, derivando de direitos fundamentais que independem
do reconhecimento legal. Por esta razão é que se especifica a interpretação
teleológica, compreendendo-se os motivos que levaram ao reconhecimento da
situação de imune. Em outras palavras, o que se tem é que a interpretação
teleológica permite que se busque os reais motivos da imunidade tributária,
possibilitando a concretização dos objetivos constitucionais e, de outro lado,
respeitando o mínimo existencial.
O mínimo existencial, neste sentido, relaciona-se à questão da pobreza54 e tem
uma elevada importância na história da fiscalidade moderna. Com efeito, no Estado
fiscal de Direito, a questão da pobreza é tratada com respeito à imunidade do
54
Torres (2005, p. 174) afirma: “O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria
questão da pobreza. Aqui também há que se distinguir entre a pobreza absoluta, que deve ser
obrigatoriamente combatida pelo Estado, e a pobreza relativa, ligada a causas de produção
econ6omica ou de redistribuição de bens, que será minorada de acordo com as possibilidades sociais
e orçamentárias [...]”.
91
mínimo existencial e com a prestação da assistência social, sendo que a própria
tributação se dá com respeito à capacidade contributiva (TORRES, 2005).
Desse modo, o mínimo existencial trata-se de direito subjetivo protegido
negativamente e positivamente, relacionando-se com a estruturação de um processo
democrático. Neste sentido, tem-se que:
O mínimo existencial, assim pelo seu aspecto negativo, como pela
necessidade da proteção positiva, carece, para se concretizar, do processo
democrático, do due process of law, da separação e interdependência dos
poderes e do federalismo: o trabalho da legislação, da administração e,
sobretudo, da jurisprudência contribui para a efetividade das condições
mínimas da vida humana digna.
A imunidade tributária das instituições de assistência social ganha força, nesse
contexto, tendo em vista que estas instituições atuam de modo a efetivar as
necessidades vitais básicas, suplementando a atividade estatal. Assim, se o mínimo
existencial, por si só, já deve ser considerado imune, então aquelas instituições que
agem de modo a concretiza-lo tendo em vista a população carente devem receber o
abrigo da norma constitucional de competência tributária negativa.
Efetivamente, o que se tem é que a imunidade se relaciona a pessoas, já que
invariavelmente é a elas que beneficia, “[...] quer por sua natureza jurídica, quer pela
relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações [...]” (CARRAZA,
1997, p. 399). A conclusão a que se chega é que a imunidade tributária somente é
alcançada às instituições de educação e de assistência social devido à
particularidade do serviço que é por elas prestados, relacionando-se, pois, com suas
características
pessoais
e
com
sua
natureza
jurídica.
Não
fossem
tais
particularidades, por certo que a imunidade tributária não lhes seria alcançada.
Percebe-se, assim, que ao conferir a referida imunidade às instituições de
assistência social, está o Estado a fomentar a implementação de políticas públicas
pela própria sociedade civil. Tratam-se, pois, de políticas tributárias que visam a
inclusão social, através do reconhecimento estatal quanto à atuação do terceiro
setor.
92
É exatamente pela natureza do serviço prestado pelas entidades assistenciais,
pois, que o legislador constituinte as elevou à situação de imunes. É nesse aspecto
que se tem que a imunidade tributária, como norma constitucional, deve ser
analisada com vistas à sua concretização, de modo que se tenha a précompreensão do seu sentido, primando-se o texto constitucional em face do
problema (CANOTILHO, 1998).
J. J. Gomes Canotilho (1998, p. 1088-1089), ao discorrer sobre a importância
da concretização das normas constitucionais, assim coloca:
Num ordenamento jurídico dotado de uma constituição escrita, considerada
como ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade, pressupõemse como ponto de partidas normativos da tarefa de concretização-aplicação
das normas constitucionais (constitucional construction na terminologia
americana): (1) a consideração de norma como elemento primário do
processo interpretativo; (2) a mediação (captação, obtenção) do conteúdo
(significado, sentido, intenção) semântico do texto constitucional como
tarefa primeira da hermenêutica jurídico-constitucional; independentemente
do sentido que se der ao elemento literal (= gramatical, filológico), o
processo concretizador da norma da constituição começa com a atribuição
de um significado aos enunciados lingüísticos do texto constitucional.
Pelo que se percebe, a concretização dos dispositivos constitucionais
pressupõe a compreensão de seu alcance, ou seja, do alcance dos termos
empregados. Assim, para que haja a devida concretização das imunidades
tributárias das instituições de assistência social, é imprescindível que se utilize a
compreensão já realizada neste trabalho no que se refere às organizações que
podem ser consideradas como de assistência social, para só então garantir-se às
mesmas a tributação privilegiada.
É nesse sentido que a compreensão dos contornos constitucionais da
assistência social faz-se importante, de modo a compreender-se que a imunidade
tributária somente pode ser alcançada àquelas instituições que estejam a
implementar uma efetiva política pública, concretizando os direitos sociais e, em
última análise, os direitos individuais. A primeira compreensão é, pois, constitucional,
sendo que a análise quanto à satisfação dos requisitos infraconstitucionais somente
deve ser realizada quando a instituição contempla a vontade constitucional, agindo
como um verdadeiro braço do Estado.
93
Este é o tema central das imunidades tributárias oferecidas às instituições de
assistência social, sendo que sua concretização somente se faz possível em um
ambiente de comprometimento social. A vontade constitucional é o verdadeiro
contorno da imunidade tributária, sendo que a discussão não pode ficar restrita à
satisfação ou não dos requisitos infraconstitucionais, a exemplo do que se tem visto
na atividade jurisdicional.
No entanto, se a discussão não pode ficar restrita à regulamentação
infraconstitucional das imunidades tributárias das instituições de assistência social,
esse é um ponto que também não pode ser esquecido. Mostra-se, assim, relevante,
a abordagem tendo em vista, especialmente, as inúmeras discussões existentes
quanto ao veículo normativo adequado para a realização da referida especificação
infraconstitucional.
3.2 Imunidades tributárias condicionadas e regulamentação infraconstitucional
Dentre as várias classificações que podem ser atribuídas à imunidade
tributária, uma merece especial atenção: a imunidade condicionada e a imunidade
incondicionada. Na imunidade incondicionada, a imediata fruição da desoneração
prevista em ordem constitucional não precisa atender a qualquer outra previsão
legislativa, visto que a própria Carta Maior já traz em si todos os requisitos que se
fazem necessários. Já na imunidade condicionada, além do respeito à norma
constitucional, se faz igualmente necessária a atenção aos requisitos expressos em
legislação infraconstitucional, sendo que uma vez editada a lei complementar a
fruição dessa imunidade fica ‘condicionada’ ao atendimento de tais previsões.
Ao se analisar o texto constitucional brasileiro, tem-se como exemplos de
imunidades incondicionadas as previsões contidas nas alíneas “a” (imunidade
recíproca), “b” (imunidade dos templos) e “d” (imunidade dos livros, jornais,
periódicos e do papel destinado à sua impressão) do inciso VI do artigo 150, haja
vistas que em tais hipóteses o legislador constituinte não fez qualquer menção
quanto a requisitos infraconstitucionais. Tratam-se, pois, de regras de eficácia plena
94
e de aplicação imediata, que proíbem o Poder Público de instituir impostos em tais
situações.
Desse modo, no que tange à imunidade recíproca, à imunidade dos templos e
à imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão, os
requisitos para o seu reconhecimento são tão somente os previstos na Constituição
Federal, sem a necessidade de que sejam atendidas quaisquer outras previsões
para que as regras constitucionais venham a produzir integralmente seus efeitos.
No entanto, o sistema constitucional pátrio apresenta também normas de
imunidade que fazem referência a requisitos expressos em lei. É a situação, por
exemplo, da imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição
Federal55.
Nesse caso, o legislador constituinte se preocupou, como não poderia deixar
de ser, em trazer a específica previsão de quais as entidades são abrangidas pela
imunidade
(partidos
políticos
e
suas
fundações,
entidades
sindicais
dos
trabalhadores, e instituições de educação e de assistência social), bem como o
alcance da imunidade (impostos relativos ao patrimônio, à renda ou aos serviços).
Ou seja, a norma constitucional traz suficientemente clara as hipóteses em que se
configura a competência negativa dos entes políticos, sendo que à norma
infraconstitucional recaiu apenas a obrigação de regulamentar os aspetos formais.
Frise-se, por oportuno, que a regra do artigo 150, inciso VI, alínea ”c” da
Constituição Federal tem aplicação apenas com relação a impostos, não estando aí
incluída as demais espécies de tributos. Como se sabe, impostos são espécies de
tributos, assim como também o são as taxas, as contribuições de melhoria, os
empréstimos compulsórios e as demais contribuições.
55
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI – instituir impostos sobre:
[...]
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei.
95
No que se refere a impostos, esses são apenas aqueles previstos na
Constituição Federal, ressalvando-se a competência residual e extraordinária da
União. Ao delimitar a competência tributária dos entes federados, a Constituição
Federal traz quais impostos competem a cada um dos entes federados. Tem-se,
desse modo, como impostos da União, o imposto sobre a renda a proventos de
qualquer natureza, o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, o
imposto sobre a exportação de produtos, o imposto sobre produtos industrializados,
o imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou
valores mobiliários, o imposto sobre a propriedade territorial e o imposto sobre
grandes fortunas56. Como impostos do Estado, tem-se o imposto sobre a circulação
de mercadorias e serviços, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores
e o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou
direitos. Como impostos dos Municípios, tem-se o imposto sobre serviços de
qualquer natureza, o imposto sobre a transmissão onerosa de bens imóveis e o
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.
Assim, a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alcança a todos esses
impostos, tendo-se regra de competência negativa que impede sua instituição em
face das entidades ali mencionadas, incluindo-se em tal ponto as instituições de
assistência social.
Especialmente no que concerne às instituições de assistência social, tem-se
ainda a desoneração prevista no § 7º do artigo 195 da Carta Maior:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de
forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes
dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
[...]
§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades
beneficentes de assistência
estabelecidas na lei.
56
social
que
atendam
as
exigências
No que se refere ao imposto sobre grandes fortunas, a União ainda não exerceu sua competência
tributária, não havendo lei complementar que especifique o termo ‘grande fortuna’. Permanece,
assim, a competência tributária de facultatividade do exercício, não se percebendo vontade política
de instituir o referido imposto.
96
Não obstante o legislador constituinte ter utilizado o termo isenção, visualiza-se
no presente caso uma regra de imunidade tributária. Isso porque o preceito
constitucional instituiu verdadeira competência negativa, que veda ao poder público
a possibilidade de cobrar contribuições para a seguridade social de tais instituições.
A regra em apreço em nada se relaciona, pois, com a isenção tributária, que é
concedida através de lei específica e atua após a ocorrência do fato gerador, não
sendo prevista em âmbito constitucional.
Ao discorrer sobre a regra prevista no § 7º do artigo 195 da Constituição
Federal, Carraza (1999, p. 23) afirma:
Melhor explicitando, a Constituição, nesta passagem, usa a expressão ‘são
isentas’, quando, em boa técnica, deveria usar a expressão ‘são imunes’, já
que, segundo a unanimidade da doutrina, a imunidade advém da
Constituição, ao passo que a isenção deflui da lei.
Do mesmo modo, Navarro Coelho (1999, p. 147-148) coloca de uma forma
bastante precisa que por se tratar de norma constitucional, não há que se falar em
isenção, como se vê de suas palavras:
O art. 195, § 7º, da Superlei, numa péssima redação dispõe que são isentas
de contribuições para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social. Trata-se, em verdade, de uma imunidade, pois toda
restrição ou constrição ou vedação ao poder de tributar de pessoas políticas
com habitat constitucional traduz imunidade, nunca isenção, sempre
veiculável por lei infraconstitucional.
Desse modo, percebe-se que por estar a norma insculpida na Constituição
Federal, a hipótese em tela se configura em uma regra de imunidade, equiparável à
disposta do artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Maior.
Verificadas quais as regras de imunidade que prevêem a edição de lei
infraconstitucional no que se refere às instituições de assistência social, é
necessário que se compreenda qual a lei infraconstitucional passível de trazer os
requisitos legais para a fruição da imunidade57. Tem-se, assim, que a norma de
57
Ao analisar esta questão, Costa (2001, p. 133-134) afirma que é mais correto se falar em
imunidades condicionáveis, e não condicionadas, como se vê das seguintes palavras: “Preferimos o
termo ‘condicionável’ ao vocábulo ‘condicionada’, comumente utilizado pela doutrina, porque, como
afirmamos anteriormente, a imunidade tributária não se abriga em normas constitucionais de eficácia
97
imunidade tributária relativa às instituições de assistência social necessita de
regulamentação infraconstitucional, tratando-se de verdadeira imunidade tributária
condicionada. E é preciso que se compreenda qual o veículo legal que está
autorizado a realizar esta regulamentação.
No entanto, antes de se iniciar a análise específica de qual seria a espécie
normativa a ser utilizada para a regulamentação das imunidades previstas na alínea
“c” do inciso VI do artigo 150 e no § 7º do artigo 195, ambos da Constituição Federal,
é preciso que se teçam alguns comentários quanto às discussões que perduram
acerca da existência ou não de hierarquia entre as leis ordinárias e as leis
complementares. Isso porque o tema em questão tem se mostrado bastante
polêmico, visualizando-se divergências até mesmo entre os Tribunais Superiores,
especialmente tendo em vista as inúmeras lides tributárias que, de uma forma ou de
outra, acabam por abordar essa problemática.
Nesse sentido, a doutrina de Borges (1975) é utilizada como paradigma para
análise deste ponto58, sendo que o mesmo afirma que as leis complementares têm a
função de integrar a eficácia das normas constitucionais relativas à estrutura do
Estado e à relação existente entre os Poderes, sendo passível de edição apenas
limitada, que demandam, necessariamente, a intervenção do legislador infraconstitucional. Assim,
parece-nos incorreto falar-se em imunidade incondicionada, já que, cuidando-se de uma norma de
eficácia contida, o condicionamento para a fruição do benefício poderá ou não ser estatuído pelo
legislador complementar. Em decorrência desse raciocínio, a eventual hipótese de omissão legislativa
não implicará a inviabilização da fruição da exoneração fiscal”. Nesta linha de raciocínio, o cerne da
questão estaria centrado na classificação das normas constitucionais quanto à sua aplicação, sendo
que Silva (2000) traz que as mesmas podem ser classificadas da seguinte forma na forma de normas
de eficácia plena e aplicabilidade imediata, normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas
passíveis de restrições, e normas de eficácia limitada ou reduzida. Normas de eficácia plena seriam
aquelas que receberam do legislador constituinte toda a normatividade que se faz necessária para
sua incidência imediata, sendo que as de eficácia contida, de outro lado, não obstante também
possuírem a normatividade almejada, trazem a previsão de meios normativos que permitem a
imposição de limitações à sua aplicabilidade e eficácia. Não se confundem, pois, as normas de
eficácia contida com as de eficácia limitada, haja vistas que estas últimas não possuem por si só
carga normativa, sendo tarefa do legislador infraconstitucional completar a regulamentação da
matéria e atribuir-lhes a pretendida eficácia. É nesta linha de raciocínio a afirmação de que as normas
constitucionais de imunidade que prevêem a edição de lei infraconstitucional são de eficácia contida,
haja vistas que “a norma imunizante estampa a situação que alcança de modo preciso” (COSTA,
2001, p. 95).
58
Quanto à importância da contribuição de Borges (1975), Netto (1995, p. 09) esclarece: “Grande
parcela da doutrina brasileira defendeu a superioridade hierárquica da lei complementar sobre a lei
ordinária. Entre os que assim pensaram estão autores de grande prestígio nacional, como os Profs.
Geraldo Ataliba, Pinto Ferreira, e José Afonso da Silva, dentre outros. Foi quando surgiu a excelente
obra Lei Complementar Tributária, de José Souto Maior Borges, trabalho de grande qualidade
científica que visou impugnar a tese de que a lei formalmente complementar é superior
hierarquicamente”.
98
pela União. O fundamento da lei complementar em âmbito constitucional se daria
sob dois aspectos: do ponto de vista formal, tendo em vista a forma e o
procedimento de votação da lei complementar; e, sob o âmbito material, por
decorrência da necessidade de seu conteúdo se adequar com o que dispõe a
Constituição
Federal,
sendo
possível
versar
somente
sobre
as
matérias
expressamente nela previstas.
Em conseqüência, Borges (1975) aponta duas espécies de lei complementar:
uma primeira, que fundamentaria a validade das outras espécies normativas e,
portanto, seria superior a essas; e, uma segunda, de atuação direta e sem qualquer
objetivo de fundamentar outras normas, sendo que nesta última espécie não se
visualizaria qualquer hierarquia, mas sim apenas um âmbito de atuação
particularizado.
De outro lado, sinteticamente, pode-se dizer que os argumentos lançados por
aqueles que entendiam que a lei ordinária ocupava escala inferior na ordem
legislativa são basicamente dois: a topologia dos incisos do artigo 59 da Carta Maior
e o quorum necessário para a aprovação de cada uma das espécies.
Ao trazer as disposições gerais sobre o processo legislativo, a Constituição
Federal em seu artigo 59 enumera quais são as espécies normativas que o
integram, a saber: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis
delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e, resoluções. Desse modo,
em um primeiro momento, os mais desavisados poderiam ser induzidos à conclusão
de que a ordem estabelecida pelo constituinte para trazer as espécies normativas
implicaria em uma distinção hierárquica, haja vistas que dentre as espécies
normativas as Emendas Constitucionais, sem qualquer dúvida, apresentam-se
hierarquicamente superior às demais. Por conseguinte, uma vez estando as leis
complementares previstas no inciso II, e vindo a previsão com relação às leis
ordinárias somente no inciso seguinte, aquelas poderiam ser entendidas como
hierarquicamente superior a estas.
No entanto, o raciocínio desenvolvido acima acabou por ser tolhido pela
doutrina moderna, sendo que Bastos (1999, p. 13) afirma:
99
A só circunstância da lei complementar ser mencionada antes da ordinária,
no art. 59, inc. II do Texto Supremo, nada significa em termos de
posicionamento hierárquico. Se o raciocínio fosse bom, então pelo mesmo
motivo, também a lei ordinária estaria acima da lei delegada, das medidas
provisórias e assim por diante. Ademais as leis complementares não
apresentam uma fisionomia unitária que possibilite de pronto uma definição
de superioridade em relação às demais leis. Na verdade, a lei ordinária e a
complementar não se subordinam reciprocamente (o que se verifica, por
exemplo, entre a lei e o regulamento), porquanto versam matérias distintas
e buscam seus fundamentos de validade diretamente na Constituição.
Percebe-se, pois, que a simples topologia de um artigo não pode ser indicada
como causa determinante para que sejam traçados graus de hierarquia quando a
própria lei não o faz, especialmente quando não se tem qualquer outro aspecto no
dispositivo que venha a corroborar a tese defendida. Ao contrário, o que se tem é
que se fosse valer tal lógica, poder-se-ia dizer que uma lei ordinária seria
hierarquicamente superior a uma lei delegada pelo simples fato daquela vir prevista
anteriormente junto ao artigo 59 da Constituição Federal – o que não seria
efetivamente acertado, visto que o que se tem entre ambas é apenas uma
diferenciação quanto à sua competência e âmbito de atuação.
Assim, não resta qualquer dúvida que, quanto ao primeiro argumento lançado,
não se visualiza qualquer fundamentação jurídica que faça prevalecer a pretendida
diferenciação hierárquica.
Já quanto ao aspecto do quorum para aprovação, tem-se especificado no
artigo 69 da Carta Maior que as leis complementares necessitam de maioria
absoluta para serem aprovadas. As leis ordinárias, ao contrário, se satisfazem com a
mera maioria simples.
No entanto, a especificidade do quorum para aprovação também não é
elemento suficiente para caracterizar a posição hierárquica superior da lei
complementar. O quorum para aprovação é apenas um critério formal a ser
observado tendo em vista a natureza das matérias que são abordadas pela lei
complementar, que torna sua aprovação e eventuais alterações mais difíceis pelo
Congresso Nacional. Essa preocupação do legislador constituinte se dá exatamente
devido aos conteúdos constantes em tais leis, e não por sua hierarquia.
100
Mais uma vez, vale-se da lição de Bastos (1999, p. 14):
À derradeira, a exigência de quorum especial de votação para as leis
complementares traduz, se quisermos, apenas a preocupação do
constituinte em dificultar um pouco a mudança de certas matérias, por ele
havidas como relevantes.
Resta salutar, pois, que o que se tem é tão somente uma diferenciação quanto
à competência de tais espécies normativas, sendo que sempre que o legislador
constituinte entendeu que determinada matéria somente poderia ser disciplinada por
lei complementar, tratou ele de especificar tal requisito junto à Carta Maior. Ou seja,
a necessidade de utilização de lei complementar será sempre decorrência do
disposto na Constituição Federal, não havendo qualquer razão, no entanto, para se
falar em hierarquia.
Nesse sentido, Arruda Alvim (1994, p.67) traça a precisa diferença quanto à
hierarquia material e formal existente entre as leis, concluindo pela inexistência de
hierarquia material entre a lei complementar e a lei ordinária:
Diz-se haver hierarquia material, quando a lei superior condiciona os
possíveis conteúdos de significação da lei inferior; há hierarquia formal,
quando a lei superior dita os pressupostos de forma da lei inferior.
Entre a lei complementar e lei ordinária, entendemos inexistir hierarquia
material. Para nós, nem mesmo entre as leis complementares que
disciplinam conflitos de competência e as leis ordinárias, há hierarquia
material, uma vez que tais leis complementares limitam-se a explicar o que
está disposto na Constituição Federal, ou seja, tais leis complementares
não inovam materialmente, mas, apenas, aclaram o comando
constitucional.
Observa-se, desse modo, que não perdura a existência de hierarquia entre as
leis ordinárias e as leis complementares, havendo apenas uma diferenciação quanto
ao âmbito de atuação de tais leis.
Nesse aspecto, questão bastante interessante para se entender as posições
tomadas pelas leis complementares e ordinárias é a relativa à Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), instituída pela Lei Complementar n.
70/91. Nesse caso, o legislador entendeu por bem utilizar uma lei complementar
101
quando poderia ter lançado mão de mera lei ordinária, o que acarretou uma grande
discussão quanto à possibilidade da lei complementar instituidora vir a ser alterada
por lei ordinária.
Foi o que ocorreu com a edição da Lei Ordinária n. 9430/96, que revogou a
isenção quanto à COFINS originalmente concedida aos profissionais liberais. Os
contribuintes, em verdade, defendiam a existência de hierarquia entre as leis
ordinárias e complementares, o que impediria o Poder Público de alterar uma lei
complementar através de uma lei ordinária, ainda que a contribuição não
necessitasse de lei complementar para ser instituída. A tese defendida pelos
contribuintes logrou êxito junto ao Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula
276, a afirmou o direito à isenção e, por conseqüência, reconheceu a hierarquia
superior da lei complementar.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, de outro lado, desde muito se tem o
entendimento de que não há a hierarquia pretendida, sendo tal visualizado ainda no
julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 01, de 01 de dezembro
de 1993, na qual se discutiu a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei
Complementar nº 70/91. Nessa oportunidade, o Ministro Moreira Alves, a quem
incumbiu o encargo de Relator do processo, ao afirmar que a COFINS poderia ter
sido instituída por lei ordinária, assim referiu:
A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a
Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de
contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4º do artigo 195
da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos
concernentes à contribuição social por ela instituída – que são o objeto
dessa ação – é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de
matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar.
A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº
1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema –, se firmou no
sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja
disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura
a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha
sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna
exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm
como dispositivos de lei ordinária.
Não obstante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o
Superior Tribunal de Justiça tem insistido no reconhecimento de hierarquia entre as
102
leis ordinárias e complementares, o que fez com que a União Federal viesse a
impetrar junto ao Supremo Tribunal Federal a Reclamação distribuída sob o nº 2620,
haja vistas tratar-se de matéria constitucional que somente poderia ser analisada
pela Corte competente. Nestes moldes, a medida acauteladora restou deferida, com
a suspensão da eficácia da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.
O que se percebe é que a jurisprudência pátria, ressalvado o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, tem caminhado no sentido de reconhecer o largamente
afirmado pela doutrina de que não há hierarquia entre as leis ordinárias e as
complementares. Nesse sentido, observa-se a reiterada jurisprudência do Tribunal
Regional Federal da Quarta Região:
TRIBUTÁRIO. COFINS. REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO OUTORGADA ÀS
SOCIEDADES CIVIS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS.
LEI 9.430/96. – É constitucional a revogação pelo artigo 56 da Lei 9.430/96
da isenção da Contribuição para a Seguridade Social – COFINS, outorgada
pela Lei Complementar 70/91 às sociedades civis prestadoras de serviços
profissionais de profissão regulamentada. As contribuições sociais para a
seguridade social que incidem sobre o faturamento (COFINS), o lucro e
folha de salários prescindem de lei complementar para sua instituição. A lei
ordinária pode revogar isenção concedida por lei complementar, pois a
isenção não é matéria privativa de lei complementar, não havendo que se
falar em desrespeito ao princípio das hierarquia das leis. (Apelação em
Mandado de Segurança nº 2002.71.000518968, Segunda Turma do
Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Relator Juiz João Surreaux
Chagas, publicado no Diário de Justiça da União em 12/05/2004)
Diante de todas as explicações feitas, corroboradas pelo entendimento do
Tribunal Regional Federal, percebe-se nitidamente que a lei complementar deverá
ser utilizada sempre que a Constituição Federal assim determinar, sem que se faça
necessária qualquer ilação quanto à sua posição hierárquica. O que se tem é uma
diferenciação quanto às matérias que são concernentes a cada uma das espécies,
sendo que o respeito a essa distinção é imprescindível para o bom andamento do
Estado.
No que se refere à regulamentação das imunidades tributárias, tal panorama
não é distinto. Toda a discussão que paira em torno de quais seriam os requisitos
infraconstitucionais válidos para o gozo da referida desoneração, está intimamente
relacionada com as hipóteses em que o legislador constituinte estabeleceu como
somente sendo reguláveis através de lei complementar. Isso porque, como já dito, a
103
lei complementar deve ser utilizada sempre que a Constituição Federal assim
determinar, haja vistas a nítida distinção das matérias atribuídas à sua regulação. E
o legislador, pelos motivos já especificados, não precisa ser expresso no próprio
dispositivo constitucional que prevê a edição de lei infraconstitucional que esta
deverá ser a de espécie complementar, sendo suficiente a previsão genérica
relacionada à natureza da matéria, como se tem no parágrafo único do artigo 59 e
no artigo 146, ambos da Carta Maior.
Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 59 da Carta Maior afirma que cabe à
lei complementar dispor sobre elaboração, redação, alteração e consolidação de
leis. Desse modo, a complementação das regras relativas ao processo legislativo
constante na Constituição Federal não poderá ser realizada por qualquer outra
espécie normativa que não a lei complementar, independente de ser ou não o
constituinte expresso quanto a tal aspecto na norma constitucional específica.
Ao lado do expresso em tal dispositivo, tem-se o artigo 146 da Constituição
Federal, que se mostra de extrema importância para a análise da problemática
proposta no presente trabalho, razão pela qual o mesmo é transcrito na íntegra:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, base de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas.
Como se percebe da leitura do artigo em comento, a redação oferecida ao
inciso II implica em dizer que todos os casos que sejam referentes a limitações
constitucionais ao poder de tributar, a regulamentação deverá ser feita através de lei
complementar. E, como já dito, ainda que se considere insuficiente a definição
oferecida por Baleeiro (2003, p. 113), a imunidade é uma das espécies de limitação
constitucional ao poder de tributar, sendo que a regra do artigo 150, inciso VI, “c”
está inserta no Capítulo destinado a tal categoria junto à Constituição Federal. Do
104
mesmo modo, uma vez não havendo dúvidas que a regra disposta no artigo 195, §
7º da Carta Maior trata-se de verdadeira imunidade, essa também deverá ser
considerada para efeitos de aplicação do inciso II do artigo 146 uma limitação
constitucional ao poder de tributar, regulamentável apenas por intermédio de lei
complementar.
Nesse sentido, visualiza-se o ensinamento de Gonçalves (2002, p. 395):
De fato, quando o inciso II do ar. 146 da CF se refere ‘às limitações
constitucionais ao poder de tributar’, está tratando de toda regra
constitucional passível de impedir o legislador infraconstitucional de instituir
tributo sobre uma determinada situação fática, qualquer que seja a natureza
da restrição e independentemente da forma e do momento aos quais será
aplicada.
Tanto é uma ‘limitação constitucional ao poder de tributar’ que as
imunidades de impostos, a que se referem o inciso IV do art. 150 da
Constituição Federal, estão dispostas na Seção II, Capítulo I, do Título VI da
Constituição Federal, que trata ‘Das limitações do poder de tributar’,
devendo a mesma natureza ser admitida para a imunidade do § 7º do art.
195 da CF/88 por ser instituto afim e equivalente.
Tem-se, pois, que a regulação de tais imunidades deverá ser efetivamente
realizada por lei complementar, não se admitindo que o legislador infraconstitucional
utilize a lei ordinária para o estabelecimento de requisitos.
Nesse ponto, não é demais lembrar que essas espécies de imunidade podem
ser consideradas condicionáveis, se percebidas como regras de eficácia contida, o
que permitiria, em tese, sua fruição ainda que não houvesse a lei regulamentadora,
como já referido (COSTA, 2001). Ocorre que na ordem constitucional de 1988 não
se chegou a visualizar este problema, tendo em vista que com sua entrada em vigor,
o Código Tributário Nacional (Lei Ordinária n 5.172, de 25 de outubro de 1966)
restou recepcionado como lei complementar.
Desse modo, uma vez sendo o Código Tributário Nacional considerado lei
complementar,
e
trazendo
ele
regras
para
regulamentar
as
limitações
constitucionais ao poder de tributar, sua aplicação mostra-se perfeitamente possível.
Por tal razão, ao lado das exigências constitucionais, os requisitos a serem
atendidos são os expressos nos incisos do artigo 14 do referido diploma:
105
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à
observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas,
a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de
seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros
revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Efetivamente, sempre que se tratar de uma instituição de assistência social que
não possua finalidade lucrativa e preencha os requisitos expressos no artigo 14 do
Código Tributário Nacional, é inafastável o reconhecimento de sua imunidade
tributária, tanto a relativa aos impostos (artigo 150, VI, “c”) quanto a referente às
contribuições para a seguridade social (artigo 195, § 7º). Desse modo, a exigência
por parte do Fisco de atendimento a qualquer outro requisito que não os expressos
nas normas constitucionais e no Código Tributário Nacional não se coaduna com o
sistema constitucional vigente, razão pela qual as tantas exigências trazidas em lei
ordinária, e até mesmo através de decretos, não merecem aplicação para o
reconhecimento da imunidade.
O que se tem, é a necessidade de atenção aos exatos termos da Constituição
Federal, tanto no que concerne ao instrumento legislativo a ser utilizado
infraconstitucionalmente, quanto no que se refere às exigências trazidas na própria
norma constitucional.
Vale ressaltar que a vedação de que a instituição assistencial possua fins
lucrativos não a impede de apresentar superávit em sua contabilidade, visto que
esse será decorrência da boa administração dos valores recebidos. Com efeito, e
nesse ponto já se passa a analisar mais especificamente os requisitos
infraconstitucionais previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, o que é
vedado é a distribuição de lucros, a qualquer título, entre dirigentes ou associados,
sendo que os resultados financeiros deverão ser empregados na própria instituição.
Nesse sentido, Costa (2001, p. 181) esclarece que não é o lucro propriamente
dito que caracteriza uma instituição sem fins lucrativos, mas sim o objetivo da
instituição, que não pode se confundir com o de uma empresa:
106
Portanto, não é a ausência de lucro que caracteriza uma entidade sem fins
lucrativos, posto que o lucro é relevante e mesmo necessário para que a
mesma possa continuar desenvolvendo suas atividades. O que está vedado
é a utilização da entidade como instrumento de auferimento de lucro por
seus dirigentes, já que esse intento é buscado por outro tipo de entidade –
qual seja, a empresa.
A qualificação de uma entidade como sendo ‘sem fins lucrativos’ exige o
atendimento de dois únicos pressupostos: a não-distribuição dos lucros
auferidos (ou superávits) e a não-reversão do patrimônio da mesma às
pessoas que a criaram, com a aplicação dos resultados econômicos
positivos obtidos na própria entidade.
O que é vedado, como se vê, é que a entidade possua como finalidade a
obtenção de lucro ou que proceda a distribuição a qualquer título de tais valores, não
havendo qualquer impedimento quanto à existência de superávit contábil.
Quanto à questão do superávit, Barreto (2001, p. 73) é taxativo ao afirmar sua
possibilidade e, até mesmo, sua necessidade no que se refere às instituições
imunes:
O superávit não é vedado para as entidades imunes, mas é até desejado. O
que se veda a tais entidades é a distribuição de rendas, a qualquer título.
Ressalta-se que a apuração de superávit ou déficit, em qualquer pessoa
jurídica, está sujeita a variações. Isto poderá ocorrer, por exemplo, no
encerramento do balanço. Ao término do ano fiscal, poderá o resultado
indicar superávit da instituição. No entanto, tal resultado poderá ser
modificado poucos dias depois, com as despesas incorridas pela instituição,
passando-se assim a verificar-se déficit.
É inequívoco, por exemplo, que a aplicação do superávit não deva ocorrer
somente no ativo imobilizado da instituição. É evidente que nas instituições
de ensino e nas assistenciais, que se dedicam ao atendimento médico da
população carente, a utilização do superávit verificado em treinamento de
professores, pesquisas de novas técnicas cirúrgicas – sobre ser de
fundamental relevo para a população atendida – representa a afirmação
plena dos desígnios constitucionais.
De outro lado, é preciso que se diga que a vedação à distribuição de renda não
importa em proibição às instituições de remunerar seus dirigentes. Isso porque não é
admissível pretender-se que alguém trabalhe sem qualquer remuneração,
especialmente quando a entidade possui uma grande estrutura administrativa.
Efetivamente, a remuneração vem a viabilizar a necessária profissionalização dos
serviços prestados, atuando em prol da própria instituição, não se visualizando
qualquer vedação junto ao Código Tributário Nacional no que se refere a tal aspecto,
como se vê das seguintes palavras de Martins (2004, p. 01-02):
107
Não cuida, o CTN, de condicionar a imunidade ao pagamento de
remuneração aos diretores que exerçam funções executivas e/ou
administrativas na entidade, sendo certo que a jurisprudência dos Tribunais
Judiciais tem hospedado a tese de que tal hipótese não é possível de
configurar ‘distribuição de lucros’, por tratar-se de remuneração por trabalho
profissional prestado.
O que a entidade imune não pode fazer é distribuir resultados, mas, à
evidência, deve remunerar o trabalho profissional, visto que a Constituição
proíbe o trabalho escravo.
Assim, a remuneração pelos serviços prestados à instituição por dirigente ou
funcionário em nada afasta o seu direito ao reconhecimento da imunidade. No
mesmo sentido, ao lado da vedação à distribuição de lucros, tem-se ainda previsto
no inciso II do artigo 14 do Código Tributário Nacional que os recursos deverão ser
aplicados integralmente no país, na manutenção dos objetivos da instituição. E, a fim
assegurar a exatidão de sua contabilidade, na forma do inciso III do mesmo
dispositivo, a instituição deverá escrituração de suas receitas e despesas em livros
revestidos da devida formalidade.
Tem-se, pois, que os requisitos para o gozo das imunidades tributárias de que
trata o presente trabalho podem ser considerados sob o ângulo constitucional (tratarse de instituição de assistência social sem fins lucrativos) ou infraconstitucional
(artigo 14 do Código Tributário Nacional), sendo que a questão sempre deverá ser
analisada de uma forma sistemática.
Em âmbito infraconstitucional, frise-se mais uma vez, não prosperam os
requisitos postos em mera lei ordinária, haja vistas o disposto no artigo 146, inciso II,
da Carta Maior, razão pela qual a Lei n. 8.212/91 e a Lei n. 9.732/98 não merecem
aplicação neste ponto. Nesse sentido, vale ressaltar que a Lei n. 9.732/98, que
alterou alguns dos requisitos originalmente previstos no artigo 55 da Lei n. 8.212/91
(incluindo a previsão de que os serviços deveriam ser prestados, exclusivamente, de
forma gratuita), teve seus efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal Federal nos
autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.028-5, impetrada pela
Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços.
108
A liminar foi inicialmente deferida pelo Ministro Marco Aurélio e referendada,
posteriormente, pelo Plenário, sendo que a tese de que somente através de lei
complementar poderia ser regulamentada a imunidade do § 7º do artigo 195 da
Constituição Federal mereceu especial destaque, tendo se alertado, no entanto,
para o fato de que o artigo 55 da Lei n. 8.212/91 não restou subsidiariamente
atacado, o que impediria a concessão da liminar. Isso porque, em tal hipótese,
voltaria a vigorar a redação primitiva da referida lei, igualmente ordinária. Desse
modo, preferiu o Supremo Tribunal Federal suspender os efeitos da Lei n. 9.732/98
tendo em vista sua inconstitucionalidade material, visto que a inclusão da gratuidade
absoluta como um requisito para o gozo da imunidade se teria desvirtuado o próprio
conceito de entidade beneficente de assistência social, acabando por limitar a
extensão da imunidade.
Desse modo, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, acabaram por
ser “revalidadas” para o chamado terceiro setor, no que se refere às contribuições
previdenciárias, as determinações da Lei Orgânica da Assistência Social, excluindose apenas as alterações introduzidas pela Lei n. 9.732/98.
No entanto, como já foi objeto de análise, a instituição de requisitos para o
gozo das imunidades tributárias em mera lei ordinária não se coaduna com o
sistema constitucional vigente, haja vistas que pelo disposto no artigo 146, inciso II
da Constituição Federal, somente por intermédio de lei complementar pode ocorrer a
regulamentação. O que se percebe, efetivamente, é que todos os requisitos trazidos
tanto pela Lei n. 9.732/98, quanto pela Lei n. 8.212/91, não possuem (ou não
deveriam possuir!) qualquer aplicação no que se refere às imunidades tributárias dos
artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195 § 7º da Constituição Federal, tendo em vista
que se tratam de leis ordinárias cujo âmbito de atuação não alcança a possibilidade
de regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Perduram, pois, tão somente os requisitos previstos no artigo 14 do Código
Tributário Nacional em sede de discussão infraconstitucional, sendo que o conceito
de instituição de assistência social deverá ser tomado com base em uma
interpretação da Carta Maior que permita a concretização de seus fundamentos
jurídicos.
109
Assim, o que se tem é que a imunidade tributária deve ser compreendida
conforme os fins a que se destina, sendo que mesmo na análise das questões de
ordem mais técnica, como é o caso da regulamentação infraconstitucional, os
contornos da assistência social não podem ser esquecidos. Parte-se, assim, da idéia
de satisfação das necessidades sociais a partir do fomento da sociedade civil.
110
CONCLUSÃO
Compreendendo-se a estrutura que envolve a imunidade tributária, percebe-se
desde logo que a mesma ocupa papel de destaque na ordem jurídica. Seus
contornos constitucionais fazem que a mesma seja a expressão de um fundamento
da vida em sociedade, agindo como um instrumento para a consecução de uma
finalidade pública.
É nesse sentido, que a imunidade dos templos indica a liberdade de culto,
proporcionando-se a visualização de um efetivo Estado laico. Do mesmo modo, a
possibilidade de instituição de impostos dos entes federados uns sobre os outros
dificultaria sobremaneira o desenvolvimento dos objetivos sociais.
Assim, enquanto a imunidade dos livros relaciona-se à difusão da cultura, a
imunidade prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal
também possui uma razão de ser. Isso porque as entidades ali mencionadas
mostram-se essenciais na idéia de um Estado Democrático de Direito. Os partidos
políticos, desse modo, permitem o pluralismo político, sendo que o fortalecimento
das entidades sindicais dos trabalhadores acaba por importar no fortalecimento do
valor social do trabalho. E no que se refere às instituições de educação e de
assistência social, sem finalidade lucrativa, tal não se mostra diferente.
O que tais instituições objetivam é a própria realização dos direitos sociais,
sendo este o cerne da questão. Desse modo, não é o fato de uma entidade estar
agindo na área de educação que a faz imune, mas sim a sua atuação de forma
suplementar ao Estado.
No que se refere às instituições de assistência social, nos mesmos moldes, o
que as coloca em posição constitucional de destaque no que se refere à imunidade
tributária é o seu comprometimento com uma finalidade pública sobressalente. Por
esta razão, tanto a imunidade prevista no artigo, 150, inciso VI, alínea “c” e a inscrita
no artigo 195, § 7º, ambos da Constituição Federal, justificam-se na medida em que
111
uma política pública de assistência social é implementada por estas pessoas
jurídicas de direito privado.
A constatação a que se chega é que a fomentação da sociedade civil pelo
Estado é realizada a partir da concessão de desonerações, estimulando-se a
atuação do terceiro setor. É neste sentido que a imunidade tributária ultrapassa a
simples idéia de benefício, sendo isso sim uma expressão da organização do
Estado.
O fomento à atuação da sociedade civil se dá tendo em vista que a atuação do
Estado, diretamente, deve ficar restrita àquelas atividades que devem ser
desenvolvidas exclusivamente por ele. E, no que se refere à implementação de
políticas públicas que promovam a efetiva assistência social, a sociedade civil pode
agir em suplementação à atividade estatal, permitindo que as políticas públicas
alcancem um número mais substancial de indivíduos.
É assim que uma das formas de estimular e reconhecer a inegável importância
assumida pela sociedade civil na implementação de políticas públicas que
promovem uma inclusão social reside na estruturação constitucional de regras de
competência negativa em matéria tributária. A imunidade tributária é tida, sob essa
ótica, como um mecanismo estatal para viabilizar a atuação comprometida e eficaz
da sociedade civil.
Desse modo, é possível se afirmar que a imunidade tributária pode ser
visualizada como um instrumento a fomentar políticas públicas, em especial no que
tange às instituições de assistência social, objeto do presente trabalho. Isso porque
o Estado passa a perceber que a estipulação de parcerias mostra-se imprescindível
em uma realidade de escassez de recursos humanos e financeiros. Além do mais, a
atuação da sociedade demonstra o incremento da democracia, na medida em que
se foge da simples idéia de delegação para a de participação.
Estes argumentos ganham ainda mais força quando se nota que o trato de
políticas públicas pela sociedade civil organizada permite que se tenha uma
atividade eficiente, implementando-se formas de se gerir com agilidade e
112
comprometimento social. A instituição que age dessa forma estará a viabilizar a
consecução dos direitos sociais, sendo que mesmo constituída sob a forma de uma
pessoa jurídica de direito privado terá uma finalidade pública sobressalente,
justificando a imunidade tributária recebida.
O público não-estatal, nesse contexto, mostra-se como uma alternativa
eficiente para a concretização dos objetivos constitucionais, viabilizando a
estruturação de uma sociedade livre, justa e solidária. No entanto, essa não é uma
máxima absoluta, tendo em vista que o comprometimento social de algumas
entidades pode mostrar-se falho e, por conseqüência, a atividade a ser desenvolvida
mostra-se ineficaz.
Com isso, a constatação que se tem é que do mesmo modo que não se pode
afirmar que o Estado máximo mostra-se sempre um Estado forte, também não é
possível a assertiva que a sociedade civil organizada é sempre mais eficiente que o
Estado na implementação de políticas públicas. Isso porque a prática de não
comprometimento social de algumas instituições ou mesmo a inaptidão ao
implementar atos de gestão eficientes pode vir a comprometer a implementação dos
direitos sociais e de políticas públicas que promovam a inclusão social.
No mesmo sentido, mesmo com a operacionalização burocrática da máquina
estatal, é possível (mesmo que de maneira bastante dificultada) que o Poder Público
promova, por si só, a inclusão social. Nesse caso, o Estado estará a atuar de forma
eficiente, agindo em respeito aos direitos constitucionais.
Seja como for, a participação da sociedade civil é um indicativo do
desenvolvimento social, sedimentando-se uma democracia plena. Assim, ao passo
que não se pode afirmar que qualquer atuação da sociedade civil mostra-se mais
adequada que a atuação estatal, ou tampouco o contrário, é necessário que se
tenha em mente ser função do Estado viabilizar e mesmo fomentar as iniciativas que
se mostram comprometidas com a realização da assistência social.
O fomento se dá, assim, através do reconhecimento da imunidade tributária de
tais instituições, afastando-se a instituição de impostos e contribuições sociais sobre
113
as mesmas, suas atividades e rendas. A concretização das referidas imunidades
tributárias perpassa a compreensão de que tais instituições agem, enquanto público
não-estatal, como um verdadeiro braço do Estado.
As instituições comprometidas com a realização dos objetivos sociais e com a
consecução do bem comum nada mais são do que pessoas jurídicas de direito
privado que atuam de forma ímpar, fazendo com que as mesmas recebam um
tratamento tributário diferenciado.
A razão para a o reconhecimento da imunidade centra-se em uma perspectiva
bastante simples: se o poder de tributar do Estado lhe é garantido tendo em vista
que o mesmo necessita de recursos públicos para a realização dos objetivos
constitucionais, sendo esta a justificativa para a sua interferência na propriedade
particular dos contribuintes, quando é a própria sociedade que realiza os objetivos
públicos essa interferência tributária em seu patrimônio particular não se justifica.
Essa dinâmica indica que a imunidade somente subsiste, verdadeiramente, quando
a instituição de assistência social age com comprometimento social e aplicando, ela
própria, os recursos que repassaria ao Estado para a realização dos objetivos
sociais.
Sendo assim, o Estado assume função primordial na efetivação de políticas
públicas, seja implementado-as, seja viabilizando-as. Sua atividade dever ser,
assim, subsidiária, reconhecendo e valorizando a atividade do terceiro setor,
resguardando-se a atuação direta estatal apenas nas hipóteses que se mostrem
necessárias.
O grande desafio é ter-se um Estado eficiente, implementando ou fomentando
a inclusão social, com o devido respeito aos direitos constitucionalmente garantidos.
O manejo cauteloso da imunidade tributária, neste sentido, pode se apontado como
uma alternativa viável e eficiente na fomentação de políticas publicas.
Para isso, é preciso que se compreenda que as imunidades tributárias
previstas nos artigos 150, inciso VI, alínea “c”, e 195, § 7º, ambos da Constituição
Federal, somente podem ser alcançadas àquelas instituições que estejam a
114
implementar políticas públicas de assistência social. Compreender-se o contrário
disso é permitir a institucionalização do emprego irresponsável de verbas públicas,
tendo em vista que o valor relativo aos impostos e às contribuições sociais que não
será alcançado ao Estado acabará sendo utilizado de forma não comprometida com
os fundamentos que autorizam a imunidade tributária.
Desse modo, ao se analisar as regras de imunidade tributária de forma
teleológica, tendo em vista os objetivos pelos quais foram instituídas, bem como o
atual contexto constitucional assumido pela assistência social no Brasil, tem-se que
somente aquelas instituições que estejam a implementar uma política pública de
assistência social podem ser consideradas imunes tributariamente.
Percebe-se que a conceituação do termo ‘instituições de assistência social’
traduz-se tarefa árdua, sendo que ainda que o legislador constituinte não tenha
utilizado o termo com o rigor técnico necessário, ao aplicador do direito cabe a tarefa
de analisar a questão com a devida cautela. Independente da terminologia utilizada,
sempre que se estiver diante de uma instituição sem fins lucrativos, que atua em prol
do interesse público, colocando seus serviços à disposição da generalidade da
população e, ainda que parcialmente, de forma gratuita, está-se diante de verdadeira
‘instituição’, devendo ser encarada como tal para fins tributários.
Tem-se, pois, ser dever do Judiciário garantir que a imunidade tributária seja
alcançada a todas aquelas instituições que atuam no âmbito da assistência social,
desde que também atendidos os requisitos infraconstitucionais. De outro lado, é
também tarefa dos aplicadores do direito não permitir o alcance da imunidade
tributária a uma entidade que não esteja atuando em suplementação à atividade do
Estado, ou seja, que não se constitua uma instituição de assistência social. E tal
consideração somente se faz possível mediante a análise das particularidades que
envolvem o caso concreto.
No entanto, o que se percebe é que em muitos casos os Tribunais não têm se
detido às situações fáticas que envolvem a caracterização de uma instituição de
assistência social, limitando-se a analisar caracteres formais. Tal prática acaba por
deturpar o instituto, permitindo a descaracterização da vontade constitucional. Como
115
exemplo a solidificar a importância da idéia de instituições de assistência social temse caso das entidades de previdência privada fechadas, com relação às quais se
firmou e consolidou o entendimento da necessidade de se visualizar universalidade
e gratuidade nos serviços prestados. No entanto, esta importante preocupação não
acaba sendo percebida, por exemplo, no caso das entidades de saúde e outras que
atuam formalmente na realização de um direito social.
É nesse sentido que se tem que a mera especificação no objeto social de um
direito social não torna a pessoa jurídica de direito privado uma instituição de
assistência social. Torna-se necessário o emprego de forças para a concretização
deste direito social, sedo que os aspectos reais de uma instituição devem
ultrapassar os meros indicativos formais de sua atividade.
Não se pode ignorar a dificuldade a ser enfrentada pelo Estado na fiscalização
das atividades do público não-estatal. Mas estas dificuldades não podem servir
como argumento para o atrofiamento do sistema tributário nacional, sendo que a
eficiência somente se faz possível quando o Direito acompanha os fenômenos
sociais.
Assim, se os requisitos infraconstitucionais somente podem ser previstos em
lei complementar, afastam-se as exigências institucionalizadas em lei ordinária, mas
não se afasta a necessidade de interpretação teleológica das imunidades tributárias.
O que se pretendeu ressaltar com o presente trabalho foi exatamente a necessidade
de se atentar para a extensão das imunidades tributárias previstas nos artigos 150,
V, “c” e 195, § 7º da Constituição Federal, de modo a não se exigir requisitos que
não se coadunem com o âmago constitucional, ou, de outro lado, se alcançar a
imunidade tributária de forma indistinta e desconectada com o interesse público.
Nesse aspecto, a caracterização de uma instituição de assistência social se dá
tendo em o seu comprometimento social, como já dito. Os parâmetros para tal
análise são visualizados na própria Constituição Federal, na medida que a mesma
oferece ao Estado o poder indelegável de tributar e, de outro lado, institui
determinadas regras de competência negativa, de modo a garantir a imunidade
116
tributária da instituição que está a implementar uma política pública de assistência
social.
De resto, e como já observado, não se observa qualquer dúvida a respeito de
ser tarefa da lei complementar estabelecer os requisitos para o gozo da imunidade
tributária, haja vistas o disposto no inciso II do artigo 146 da Constituição Federal.
Assim, uma vez tendo sido o Código Tributário Nacional recepcionado como lei
complementar, os requisitos infraconstitucionais são os expressos no artigo 14 do
referido diploma, e não quaisquer outros previstos na Lei Orgânica da Assistência
Social.
O trato adequado das imunidades tributárias oferecidas às instituições de
assistência social faz com o Estado fomente a cidadania plena, ultrapassando-se o
formalismo e viabilizando-se a construção de alicerces suficientemente fortes para a
construção de uma vida social adequada e atenta às necessidades daqueles que
ainda não se mostram incluídos. O Estado e a sociedade não podem pautar sua
atuação de acordo com suas antíteses, devendo isso sim primar por uma integração
saudável em prol da consecução do bem comum.
117
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