Vertigem
As Vidas de Sara
POÇO
FOSSO
• As Vidas de Sara -• Esta parashá é Seminal.... representa o trecho
onde o protótipo desta primeira família tem que
fazer conexões entre passado/presente e o
futuro
• Nela se entrelaçam a MORTE e VIDA o
• FOSSO e POÇO
• Rashi (comentarista mais importante do texto bíblico, sec. XI) faz
um sumário de uma complexa tradição do
Midrash (coletânea de comentários rabínicos) na qual Sara
morre logo após o episódio do [quase] sacrifício
de Isaque por Abraão seu marido, a pedido de
Deus. (vide citação de Rashi a seguir)
As Vidas de Sara
TEXTO DA TORÁ – Gen. 23:1-2
‫ ַחיֵּי שָׂ ָׂרה‬,‫שְ נֵּי‬--‫ ֵּמָאה שָׂ נָׂה ו ְעֶ שְ ִּרים שָׂ נָׂה ו ְשֶ ַבע שָׂ נִּים‬,‫וַיִּהְ יּו ַחיֵּי שָׂ ָׂרה‬
,‫ ַאב ְָׂרהָׂ ם‬,‫בְאֶ ֶרץ ְכנ ַָׂען; וַיָׂב ֹא‬--‫ַאר ַבע ִּהוא חֶ בְרֹון‬
ְ ‫ ב ְִּק ְריַת‬,‫וַתָׂ מָׂ ת שָׂ ָׂרה‬
‫ ו ְ ִּל ְבּכתָׂ ּה‬,‫ִּלסְ ּפד לְשָׂ ָׂרה‬
1
2
Ora, os anos da vida de Sara foram cento e vinte e sete.
2E morreu Sara em Quiriat-Arba, que é Hebrom, na terra de
Canaã; e veio Abraão lamentá-la e chorar por ela:
Rashi
‫ונסמכה מיתת שרה לעקידת יצחק לפי שע"י בשורת העקידה שנזדמן‬
‫בנה לשחיטה וכמעט שלא נשחט פרחה נשמתה ממנה ומתה‬
Rashi: A morte de Sara é narrada logo após a Akedá* (sacrifício de
Isaque), como resultado das repercussões do “sacrifício”. Porque
seu filho esteve a ponto de ser abatido -- e por pouco não foi
morto – partiu a alma dela e morreu!
Vamos olhar alguns dos textos nos
quais se baseou Rashi para fazer esta
afirmação sobre a morte de Sara.
Três são as versões que apontam para
esta possível síncope-desistência por
Sara de sua própria vida.
FONTES DE RASHI
MIDRASH (1) - Pirkei de Rabi Eliezer
Quando Abraão veio do Monte Moriá, Samael [Satã]
estava furioso porque Abraão não se entregou à
luxúria de abortar o sacrifício. O que ele fez então?
Ele foi e contou a Sara: “Você sabe o que tem
acontecido pelo mundo a fora Sara?”
Ela disse “não!”. Ele disse:
“Seu velho marido tomou o menino e o sacrificou
como um holocausto enquanto a criança chorava e
implorava.”
Ela começou imediatamente a chorar e a gemer. Ela
chorou três soluços, correspondendo às três notas da
Tekiá do Shofar e carpiu (yealot) três vezes, como os
sons do Shofar. Ela então entregou seu espírito e
morreu. Quando Abraão veio ela já estava morta!
• 1ª. Versão -- Midrash Pirke de Rabi Eliezer
• Satã mente fazendo Sara partilhar do horror de um velho pai que
parece demente e senil tentando tirar a vida de uma criança inocente
aos prantos.
• Há indicações de que o sacrifício é consumado. Satã omite que a
criança está sã e salva neste momento. A morte de Sara que parece
resultar de um ataque fatal do coração ou um derrame, determina que
a causa da morte esteja neste susto.
• E o susto é apresentado por um choro asfixiante divididos em três
gemidos que são comparados as três notas da Tekiah (toques do
shofar).
• Esta conexão surrealista entre Shofar (que salva Isaque e que
condena Sara) parece deixar sim uma vítima deste “quase” sacrifício.
Enquanto o Shofar é símbolo da substituição de Isaque como sacrifício
pelo carneiro com seus chifres emaranhados num arbusto,
representando a possibilidade de redenção (ser inscrito no livro da
Vida, como no Iom Kipur), para Sara seu som é fatal. Em sua mente
Isaque não é salvo e o som do shofar fica associado ao desespero.
• Essa forma de carpir-se Yelala é um gemido destinado a despertar o
ser humano de seu pesadelo.
Yelala – pranto/carpir-se
Anti-serpente
TEKIAH – CHAMADO À AÇÃO !
MIDRASH (2) – Tan’huma
Quando Abraão estendeu sua mão para tomar a faca,
uma voz dos céus chamou-o dizendo: “Não estendas
tua mão ao moço e não lhe faças nada”. Se não fosse
por isso ele já estaria morto nesse momento.
Satã procurou a Sara disfarçado de Isaque. Quando ela
o viu, disse: “Meu filho, o que é que teu pai fez
contigo?”. Ele respondeu:
“Meu pai me tomou e fez subir e descer montes até
que no topo de uma montanha erigiu um altar e
preparou a madeira e me amarrou por sobre o altar e
tomou uma faca para me imolar.
Não fosse por D’us lhe ter dito, “Não estendas tua
mão e não lhe faças nada”, eu estaria morto.
Satã nem conseguiu terminar sua história e a alma de
Sara já havia partido.
• 2ª. Versão - Midrash Tanhuma
• Nesta versão aparece uma angústia mais sutil no
personagem de Sara. Isso porque, por mais terrível que
seja a possibilidade de Abraão estar sacrificando seu
filho, é óbvio que ele está bem, fisicamente íntegro. Mas
ló hispik (mal terminou de falar) significa que Sara não
consegue suportar a realidade porque antes que possa
encontrar uma forma de reconciliar-se com a vida, Satã
é bem sucedido em destruir-lhe sua visão do marido e
de sua missão de vida.
• Parece que o final da história se torna irrelevante. Se
Isaque está vivo é um mero detalhe que não evita seu
terror. Ilulei (não fosse) pela intervenção de Deus no
último momento, Isaque estaria morto.
• Sara morre neste transe voyeurístico em que a imagem
desta cena do sacrifício o coloca numa dimensão de não
ter sido consumado, mas ao mesmo tempo, não ter sido
verdadeiramente abortado. Em sua mente a
possibilidade do sacrifício carrega o mesmo o horror de
se tivesse sido cumprido.
ILULEI -- não fosse por...
LÓ HISPIK – nem conseguiu terminou...
MIDRASH (3) – Vaykra Rabba 20:2
Abraão não teve júbilos em Meu mundo e tu tens
pretensões de regozijo?
Ele teve um filho na idade de 100 anos. E ao final D’us
disse a ele, “Pega teu filho...” E Abraão pegou a
Isaque, seu filho, e o levou para cima e para baixo por
montes até o topo da montanha e erigiu um altar e
arrumou madeiras e pegou a faca para imolar a seu
filho. E não fosse pelo anjo que o chamou dos céus
ele já estaria morto.
Saiba que foi assim, pois Isaque retornou a sua mãe e
ela lhe disse:
“Onde estiveste meu filho?”
Ele respondeu: “Meu pai me tomou e me levou para
cima e para baixo dos montes...”
Ela respondeu: “Que horror descaiu sobre o filho da
mulher embriagada! Não fosse pelo anjo, você já
teria sido sacrificado!”
Ele disse: “Sim”.
Nesse momento ela gemeu por seis vezes,
correspondendo às seis notas da Tekiah. Mal
terminou de fazer isso e estava morta. Como esta
escrito:
“Abraão veio se consolar por Sara e chorou por ela”.
• Versão 3 -- Midrash Rabá
• Nesta versão Sara não morre por desinformação, ao
contrário, justamente por entrar em contato com uma
verdade terrível. Na anterior ela morre de angústia
apesar da sobrevivência de Isaque. Mas nessa versão
sequer existe a figura demoníaca de Satã, nem sequer
disfarçada. Tudo é verdade, não há manipulação.
• A compaixão divina salvando seu filho parece não dizer
muito à Sara. É uma luz muito tíbia diante da escuridão
que revela a seu redor. A gentileza divina não impede
que Sara se defronte com sua “insustentável leveza de
ser”. A redenção de Isaque não modifica o horror daquilo
que muito bem poderia ter acontecido. Diferente de
Abraão, Sara se defronta com a angústia de um Isaque
“já sacrificado”. Seu êxtase (literalmente estar fora de si
mesma) à expõe ao abismo do absurdo e do
irreconciliável.
‫וכמעט שלא נשחט‬
por pouco não foi abatido
• Segundo Rashi, Sara morre por não suportar
perceber que apenas um fio de cabelo separa a
vida da morte (não fosse... quase...). Para o
Maharal*, “Essa é a reação humana de pânico ao
perceber o quão pouco separa uma pessoa de um
possível destino”.
• A palavra por ele usada behala (pânico) pode ser
traduzida como “vertigem” idéia central na filosofia
existencialista. Essa é a ansiedade básica de se
perceber como “não sendo capaz de preservar o
seu ser” ou que revela “a não necessidade da
minha presença, da minha existência”. A vertigem
é a condição de radical e constante dúvida sobre a
continuidade de nossa existência.
• Sara morre por conta de uma dúvida radical.
Safek – dúvida-- advém da palavra safeka que
significa “força” ou “possibilidade”. Sara talvez
não tenha tido força ou suporte para resistir a
esta vertigem e talvez por isso lo hispika
[SaPeK], não finaliza um processo de sua
dúvida.
A descontinuidade para ela está em sua morte.
Mas a parashá prossegue com a vida e sua
necessidade de continuidade. As vidas de Sara
está neste emaranhado entre morte e a vida da
nova geração. É neste trecho da Torá que
Isaque encontrará Rebeca junto ao poço, a
fonte de água pura. O mesmo buraco que
acolhe a morte é a abertura por onde se chega
às fontes de águas vivas.
• Nossa busca é perceber em nós lugares e
momentos de vertigem em nossas próprias
vidas e como lidamos com eles então e agora.
• Apresentaremos características que na Torá
expõem as qualidades e dificuldades de Sara
que justifiquem a sua impotência diante da
vertigem.
• Mais do que um lugar de queda e desequilíbrio
irremediável, a dúvida pode ser uma força nova.
• Nosso fim de semana centrado em alegria e
celebração tem como pretensão chegar à
superfície da vida em canto, dança e festa e às
profundezas do ser e seus temores e dúvidas.
• Arejando-os em shabat e comunidade,
esperamos renovar esforços nos embates com
nossas vertigens.
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