O FUTURO DA
DEMOCRACIA
Uma Defesa das Regras do Jogo
Um resumo da obra de Norberto
Bobbio
Por Rosângela Tatsch
“Se me perguntassem se a
democracia tem um porvir e
qual é ele, admitindo que
exista, responderia
tranqüilamente que não sei...”
Bobbio
Uma definição mínima...
de democracia
 Conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomar as
decisões coletivas e com quais procedimentos;
 É prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos
interessados; (não votam os indivíduos que não atingiram uma certa
idade).
 A regra fundamental da democracia é a regra da maioria, a base da
qual são consideradas decisões coletivas;
 Com maior razão ainda é válida uma decisão adotada por
unanimidade (esta possível apenas num grupo restrito);
 É indispensável que aqueles que são chamados a eleger os que
deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e em
condições de poder escolher entre uma e outra;
 Para isso, é necessário que lhes sejam garantidos os direitos de
liberdade, opinião, expressão, reunião, associação, etc., por serem estes o
pressuposto necessário para o correto funcionamento dos próprios
mecanismos que caracterizam um regime democrático;
Estado Liberal e Estado Democrático são
interdependentes no sentido de que:
 São necessárias certas liberdades para o exercício da
democracia;
Da mesma forma que:
 É necessário o poder democrático para garantir a
existência das liberdades fundamentais;
“ O que foi concebido como nobre e
elevado tornou-se matéria bruta”...
Devemos analisar o contraste entre
os “ideais democráticos” e a
“democracia real”.
A democracia nasceu de uma concepção
individualista da sociedade, onde qualquer forma de
sociedade é um produto artificial da vontade dos
indivíduos.
Para o formação dessa concepção foram feitas
as seguintes considerações:
 Contratualismo – antes da sociedade civil existe o
estado de natureza, no qual indivíduos livres e iguais
entram em acordo entre si para dar vida a um poder
comum capaz de garantir-lhes a vida, a liberdade e a
propriedade;
 O bem comum na soma dos bens individuais;
Num estado sem corpos intermediários, ou seja
sem a existência de sociedades particulares entre o
povo e seus representantes;
Aconteceu o oposto...
Existência de:
• Grupos e grandes organizações;
• Associações das mais diversas naturezas;
• Sindicatos das mais diversas profissões;
• Partidos de várias ideologias;
 E cada vez menos a atuação dos indivíduos;
 Os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da
vida política numa sociedade democrática;
“A sociedade real é pluralista...”
A democracia deveria ser caracterizada pela representação
política, na qual o representante busca os interesses da nação;
 Ao contrário da representação dos interesses, onde o
representante busca os interesses particulares do representado;
 Constituição de 1791 – Responsável pela proibição de mandatos
imperativos;
“... O deputado, uma vez eleito, torna-se o representante da nação e
deixa de ser o representante dos eleitores...”
A transgressão dessa norma constitucional deve-se:
 a uma sociedade composta de grupos autônomos que lutam pela
sua supremacia, para fazer valer os próprios interesses contra
outros grupos;
Ao fato de que cada grupo tende a identificar o interesse nacional
com os seus próprios interesses.
No que se refere as “Transformações”da
Democracia:
O Sistema Neocorporativo
(estabelecido na maior parte dos estados
democráticos europeus), caracterizado
por uma
relação de acordo entre grandes
grupos
de interesses contrapostos e o
parlamento, mediado pelo governo
(representante dos interesses
nacionais), é visto como a solução dos
conflitos sociais.
De acordo com o
pensamento democrático,
seria imprescindível a
eliminação da tradicional
distinção entre governados e
governantes.
Porém, a democracia
representativa, baseada na
computadocracia, é
considerada incapaz de
eliminar as oligarquias do
poder.
“ a característica de um
governo democrático não é a
ausência de elites, mas a
presença de muitas elites em
concorrência entre si para a
conquista do voto
popular...”
Joseph Schumpeter
A democracia nasceu com
a perspectiva de eliminar
para sempre das
sociedades humanas o
poder invisível e de dar
vida a um governo cujas
ações deveriam ser
desenvolvidas
publicamente.
 E não fazer com que as grandes decisões políticas
sejam tomadas nos gabinetes secretos, longe dos
olhares indiscretos do público.
 Daí a importância da exigência de publicidade dos
atos de governo, não apenas para o cidadão conhecer
os atos de quem detêm o poder, e sim, controla – los.
 Quando se quer
saber se houve um
desenvolvimento
da democracia
num dado país, o
certo é procurar
perceber se
aumentou:
Não o número dos que têm o direito de participar
nas decisões que lhes dizem respeito;
Mas sim, os espaços nos quais podem exercer esse
direito;
John Stuart Mill divide os cidadãos em:
ativos e passivos e esclarece que:
 Os governantes preferem os
segundos;
 Mas a democracia necessita dos
primeiros;
A democracia é efetuada:
 pelo eleitor que espera extrair benefícios do
sistema político;
 pelo eleitor empenhado na articulação das
demandas e na formação das decisões;
A apatia política chega
a atingir metade dos que
têm direito ao voto.
 Diminui o voto de
opinião;
ਰਰਰਰ
 Aumenta o voto de permuta
(apoio político em troca de
favores pessoais);
 “as opiniões, os sentimentos, as idéias
comuns são cada vez mais substituídas
pelos interesses particulares”;
Alexis de Tocqueville
As promessas não foram cumpridas por
causa de obstáculos que não estavam
previstos...
 Aumento do governo dos técnicos –
com a transição da economia familiar para a
economia de mercado, aumentaram os problemas
políticos que requerem competências técnicas;
 Democracia – todos podem decidir a respeito de
tudo;
 Tecnocracia – convocados para decidir apenas
aqueles poucos que detêm conhecimentos
específicos;
 Crescimento do aparato burocrático;
Estado democrático e Estado
burocrático estão muito ligados:

•
Quando só os proprietários votavam:
poder público dava proteção à propriedade;
 Quando o voto foi estendido aos analfabetos e nãoproprietários:
• É inevitável que o governo lhes proporcione escola
gratuita, proteção contra o desemprego, seguros
sociais contra doença, velhice, maternidade, etc.
Baixo rendimento do sistema
burocrático;
 O Estado liberal juntamente com o Estado
democrático contribuíram para a
emancipação da sociedade civil (liberdades
civis = via entre cidadãos e governantes),
levando ao governo muitas demandas;
 O que gera as chamadas “sobrecarga”,
sendo a imissão das demandas em ritmo
muito acelerado e a emissão, ao contrário,
muito lento;
Apesar disto...
Não imaginem para a
democracia um futuro
catastrófico...
Pois...
 Nos últimos 40 anos aumentou
progressivamente o espaço dos regimes
democráticos;
 Após a 2ª GM a democracia não voltou a ser
abatida nos lugares em que foi restaurada e, em
outros países foram derrubados governos
autoritários;
 As promessas não cumpridas e os obstáculos
não previstos não foram suficientes para
“transformar” os regimes democráticos em
regimes autocráticos;
O conteúdo mínimo do Estado Democrático não
encolheu...
 garantia dos principais direitos de liberdade;
 existência de vários partidos em concorrência entre
si;
 eleições periódicas a sufrágio universal;
 decisões coletivas tomadas com base no princípio da
maioria;
Existem democracias mais sólidas e menos sólidas, e de diversos graus de
aproximação com o modelo ideal.
Democracia direta e
Democracia Direta
E
Democracia
Representativa
Jean Jacques Rousseau – Pai da
Democracia Moderna
“A soberania não pode
ser representada”
“ O povo acredita ser livre, mas só o é
durante as eleições, depois volta a ser
escravo”...
“ Uma verdadeira democracia jamais existiu, nem
existirá” – pois requer condições difíceis de
serem reunidas:
 Um estado muito pequeno “no qual ao povo
seja fácil reunir-se e cada cidadão possa
facilmente conhecer todos os demais”;
 “Uma grande simplicidade de costumes que
impeça a multiplicação dos problemas e as
discussões espinhosas”;
 “Uma grande igualdade de condições e
fortunas”;
 “Pouco ou nada de luxo”;
Democracia Representativa – as deliberações são
tomadas não diretamente por aqueles que dela
fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta
finalidade.
Por representante entende-se uma pessoa que:
 Na medida em que goza da confiança do
corpo eleitoral, uma vez eleito não é mais
responsável perante os próprios eleitores e
seu mandato, portanto, não é revogável.
 Não é responsável diretamente perante
os seus eleitores, porque é convocado a
tutelar os interesses gerais da sociedade
civil e não aos interesses particulares desta
ou daquela categoria;
 Nas eleições políticas (sistema representativo)
o apoio ao partido prevalece sobre o apoio à
categoria;
Uma conseqüência do sistema:
 Os representantes por não representarem categorias,
e sim interesses gerais, acabam por construir uma
categoria à parte, os políticos de profissão – “Não
vivem apenas para a política, mas vivem da
política”.Max Weber
- Uma das chagas do nosso parlamentarismo é a
proliferação das “pequenas leis” que são o efeito da
predominância de interesses particulares;
Democracia Direta – o indivíduo participa nas
deliberações que lhe dizem respeito sem que entre
deliberantes e deliberações exista intermediário.
Os significados históricos de democracia
representativa e democracia direta são tantos que é
difícil dizer onde termina uma e onde começa outra
Um sistema democrático caracterizado pela
existência de representantes substituíveis é:
 Democracia representativa – prevê representantes
 Democracia direta – admite que estes
representantes sejam substituíveis;
Isto implica que:
Democracia Representativa e
Democracia Direta não são
sistemas alternativos (no sentido
de que onde existe uma não pode
existir a outra), mas podem
integrar-se reciprocamente.
Ambas são necessárias, porém, não
suficientes:
Democracia direta – dois institutos
-Assembléia dos cidadãos – (a democracia que
Rousseau tinha em mente)
• Possível apenas numa pequena comunidade
como o modelo de Atenas nos séculos IV e V;
- Referendum – Único instituto de democracia
direta, trata-se de um caso extraordinário
para circunstâncias extraordinárias;
“Ninguém pode imaginar um estado capaz de ser governado através do contínuo
apelo ao povo...” (Ex. na Itália seria necessário no mínimo 1 convocação por dia).
O desenvolvimento da democracia não
pode ser interpretado como a afirmação de
um novo tipo de democracia, mas deve ser
entendido como a ocupação, pelas formas
ainda tradicionais de democracia
(representativa) de novos espaços.
Hoje dominados por organizações de tipo
hierárquico ou burocrático.
Os dois grandes blocos de poder
descendente e hierárquico – a grande
empresa e a administração pública –
não foram ainda sequer tocadas pelo
processo de democratização.
 Enquanto estes dois blocos resistirem
A transformação democrática da sociedade não é
possível...
Se o avanço da democracia for, de agora em diante medido pela
conquista dos espaços ocupados por centros de poder não democrático,
ainda assim, a democracia integral está distante e é incerta...
Apatia Política...
“ Ao ativismo dos líderes históricos ou não
históricos pode corresponder o conformismo das
massas...”
“Consideremos todo aquele que não participa da vida
do cidadão, não como um que se ocupa apenas dos
próprios negócios, mas como um indivíduo inútil...”
Periéles
“Tão logo alguém diga dos negócios do estado:
que me importam eles?, pode-se estar seguro de
que o estado está perdido...”
Rousseau
A sociedade é pluralista
(outros centros de poder além do estado) – para
Rousseau, a ruína da democracia.
Democracia – considera o poder autocrático
(poder que parte do alto) e sustenta que o remédio
contra este tipo de poder é o poder que vem de
baixo.
Pluralismo – considera o poder monocrático
(concentrado numa única mão) e sustenta que o
remédio para este tipo de poder é o poder
distribuído.
O pluralismo nos permite
apreender uma característica
fundamental da democracia:
A liberdade do dissenso e a
existência do direito à
oposição.
Se a democracia tem por base o consenso da maioria ,
logicamente que há uma minoria de dissentâneos.
A prova de fogo de um regime democrático está na
resposta à pergunta: O que fazer com os dissentâneos?
 Num regime fundado sobre o consenso, o dissenso é
inevitável;
 Só onde o dissenso é livre para se manifestar, o consenso é
real;
 Só onde o consenso é real, é possível proclamar-se o sistema
democrático;
 A única possibilidade que temos de verificar se o consenso é
real é verificando o seu contrário;
Tudo está, portanto, em conexão...
... A liberdade de dissentir tem a necessidade de uma
sociedade pluralista...
... Uma sociedade pluralista consente uma maior
distribuição do poder...
... Uma maior distribuição do poder abre as portas
para a democratização da sociedade civil, e...
... A democratização da sociedade civil alarga e
integra a democracia política...
Os Vínculos
da Democracia
Quando se põe o problema do
“novo modo de fazer política”
não se deve dirigir a atenção
apenas para os novos sujeitos e
para os novos instrumentos de
intervenção, mas principalmente
para as Regras do Jogo...
A importância das regras do jogo:
 O que distingue um sistema democrático dos
sistemas não democráticos é um conjunto de regras do
jogo. Não apenas o fato de possuir essas regras, mas
por estas terem amadurecido ao longo de séculos de
provação e encontram-se, hoje, constitucionalizadas
quase por toda parte.
 A principal regra da democracia é a regra da
maioria.
Sobre a reforma ou substituição das “reformas da
democracia”:
 Quais são as regras boas para se conservar e quais as
regras ruins a serem eliminadas?
 Será possível, num sistema democrático, distinguir
com segurança as regras a serem mantidas e as serem
descartadas?
 Conservaremos o sufrágio universal mas não a
liberdade de opinião?
 A liberdade de opinião mas não a pluralidade dos
partidos?
Um bom democrata deve concordar que até mesmo
as regras do jogo podem ser modificadas...
(em todas as constituições democráticas estão
previstos procedimentos para a revisão das próprias
normas constitucionais).
No Jogo Político Democrático - (sistema cujo
consenso é verificado periodicamente através de
eleições por sufrágio universal):
 Atores principais - os partidos;
 Modo de de fazer política – as eleições;
1968 – Não apenas inventou um
novo modo de fazer política com
novos atores, assembléia,
manifestações, agitações de rua,
ocupação de locais públicos...
... Mas também não aceitou algumas
das regras fundamentais do sistema
democrático (parlamentozinhos)
substituindo-os pelo principio da
democracia direta e revogação de
mandato.
Porém...
A ruptura de 68 produziu apenas uma série de
revoluções e não uma transformação do sistema;
-Uma das razões...
• fragilidade das propostas alternativas no que se refere
às regras do jogo...
A transformação não ocorreu... Mas
o sistema democrático resistiu...
Os seus principais atores (partidos tradicionais)
sobreviveram;
Apesar das lamúrias e protestos, os “ritos” eleitorais
continuaram e se multiplicaram, em decorrência da
duração cada vez mais breve das legislaturas;
A abstenção do voto aumentou, porém os nossos
partidos estão preocupados, não com o abstencionismo
que os deixaria mais livres (menos gente vota, menos
pressão recebem), mas com o fato de que as abstenções
podem criar vantagens para o partido adversário;
Os que desejaram fazer política por fora do
sistema dos partidos e dos partidos do sistema,
tiveram que dar vida a um partido novo (que
apesar da novidade é um partido como todos os
outros);
O sindicato propõe um modo de fazer política
mediante a agregação de interesses parciais –
daí o peso político dos grupos que podem
paralisar uma atividade de importância
nacional;
Os movimentos, sejam eles sociais ou de opinião, são
reconhecidos num sistema democrático com base nos
princípios fundamentais da Liberdade de
Associação e Liberdade de Opinião...
Precondições para o funcionamento das Regras do Jogo...
Particularmente daquela que diz que nenhuma decisão
coletiva pode ser tomada e implementada sem o
consenso através de periódicas eleições por sufrágio
universal;
Liberdade de Associação e Liberdade de Opinião –
Colocam os atores do sistema
em condições de exprimir as
próprias demandas e de tomar
as decisões após uma livre
discussão...
Porém...
Estas liberdades, como qualquer outra, são admitidas
de forma limitada...
O deslocamento dos limites
determina o grau de
democraticidade de um sistema.
Onde os limites aumentam, o
sistema democrático é alterado;
Onde essas duas liberdades são
suprimidas a democracia deixa de
existir;
Se para males extremos
são necessários remédios
extremos(como o
terrorismo)... As pessoas
estão forçadas a um
estado de impotência por
aceitarem as regras do
jogo...
Do sentimento de impotência nasceu o chamado
“refluxo”
Fenomenologia do refluxo
Separação da Política - “Nem tudo é
política”
(diz respeito aos limites da atividade política)
-A experiência histórica demonstra que a política é apenas uma
das atividades fundamentais do homem;
- Somos herdeiros de uma história onde o estado não é tudo e
ao lado de um estado há um não-estado (sociedade política
contraposta à religiosa);
- A politização integral da própria vida é aquilo que
Dahrendorf chamou de “CIDADÃO TOTAL” – a polis é tudo
e o indivíduo nada;
Renúncia à Política – “ A política não é
(diz
respeito aos limites dos sujeitos chamados a participar da
de todos”
política)
-A
- política é feita para poucos (realidade histórica até
mesmo das sociedades ditas democráticas);
- A maior parte das pessoas estão livres de ocupar-se dos
negócios públicos – os admitidos ao empenho são poucos
- Típico desprezo da plebe, onde:
• a contraposição não é mais entre sábios e ignorantes...
Mas entre competentes e incompetentes (conhecimento
científico)
Recusa à Política
-“Sábio é aquele que cuida do seu próprio
particular e quem se ocupa da política é
alguém que dela tira proveito”;
- “Há quem não consegue ver na política mais
que o ‘vulto demoníaco do poder’ , onde os
ideais são apenas um meio de enganar as
massas , traídas assim que o poder é
conquistado”
Pode-se imaginar...
“A política é tudo mas não é de todos” –
Estado Total
“A política não é tudo mas é de todos” –
Estado Democrático
“A política é tudo e é de todos” –
Pode-se perceber...
Idealizada por Rousseau
“ A política não é tudo e não é de todos”
– Estados Oligárquicos do passado, e do
presente sob a camuflagem dos estados
Apesar disso...
Sair fora das regras do jogo não seria
uma atitude sensata...
Pois uma vez rompida a principal
destas regras, a das eleições periódicas,
não se sabe onde tudo terminará...
A
Democracia
eo
Poder
Invisível
Democracia – Governo do Poder Público
em Público
 Público – pertencente ao Estado (contraposto
a “privado”);
 Público – Visível, evidente (contraposto a
“secreto”);
- Princípio democrático – “Todas as decisões e
atos dos governantes devem ser conhecidas pelo
povo”
Mesmo quando o ideal da democracia direta
foi substituído pela democracia
representativa:
“ o caráter público do poder, entendido como não secreto, como
aberto ao ‘público’, permaneceu como um dos critérios
fundamentais para distinguir o estado constitucional do estado
absoluto, assinalando assim o (re) nascimento do Poder
‘Público’ em ‘Público’ .” Madison
Com o tema da representação da democracia desenvolveu-se o
princípio segundo o qual “o poder é tanto mais visível quanto
mais próximo está”
As comunicações de massa encurtaram as distâncias
entre governados e governantes, porém, mesmo com a
publicação das atas parlamentares, das leis e outras
providências no Diário Oficial, o caráter público do
parlamento nacional continua sendo indireto.
-O caráter público do governo de um município é mais
direto, exatamente porque é maior a visibilidade dos
administradores e das suas deliberações;
- Essa publicidade é uma categoria tipicamente
iluminista, no que se refere ao contraste entre poder
visível e poder invisível;
Não existe nada de secreto no Governo Democrático?
-“Todas as operações dos governantes devem ser
conhecidas pelo povo soberano, exceto algumas medidas
de segurança pública, que ele deve conhecer apenas
quando cessar o perigo” Michele Natale (catecismo
republicano)
 O caráter público é a regra, o segredo a exceção, este
justificável se limitado no tempo; (ditadura romana)
“ Todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja
máxima(sentença) não é suscetível de se tornar pública, são injustas”
Kant
 Uma máxima, não suscetível de se tornar
pública, é uma máxima que, caso fosse tornada
pública, suscitaria tamanha reação no público que
tornaria impossível a sua realização.
 Escândalo Público – Momento em que se torna
público um ato até então mantido em segredo, pois
caso se tornasse público não poderia ser
concretizado.
 O critério da publicidade é distinguir o justo do
injusto, o lícito do ilícito.
Autocracia e “arcana imperii”
 A relação política (governante/governado) pode ser
representada como uma relação de troca – o governante oferece
proteção em troca de obediência; “Quem protege precisa ter mil
olhos, quem obedece não precisa ver coisa alguma”
 Arcana – fenômeno do poder oculto e que oculta – Se
esconde escondendo – 1º segredo de estado;
- 2º mentira lícita e útil (lícita porque útil)
(princípio de Platão)
 O segredo de estado não é a exceção, mas a regra. As
decisões políticas são tomadas pelo conselho secreto (3 ou 4
escolhidos entre os mais sábios e experientes) ;
 Onde existe o poder secreto, existe também o anti-
poder secreto (sob forma de conspirações, conjuras,
golpes de estado, ou ainda revoltas e rebeliões)
“(...) conjuras (...) muito mais por elas príncipes perderam a vida
e o estado, que por guerras abertas”. Maquiavel
 Fonte inspiradora do poder invisível: “Quem vê não
é visto, quem não vê é visto”.
 Quem vigia o vigilante? (escritores políticos puseram
como questão última de toda teoria do estado) ;
Ideal Democrático e Realidade
- Lembrando das promessas não cumpridas da democracia,
terá ela cumprido a promessa de combater o poder invisível?
 Se o poder invisível se combate com outro poder,
igualmente invisível... Fenômeno da espionagem e dos
serviços secretos.
 Até o estado mais democrático tutela uma esfera privada
dos cidadãos (delito de violação de correspondências, defesa
da privacidade) , exigência de que as discussões secretas do
parlamento, atas dos processos penais, dentre outras esferas,
não sejam abertas ao público ;
Autocracia – o segredo de estado é uma regra;
Democracia – o segredo de estado é uma exceção regulada
por lei;
“ O terrorismo é um caso exemplar de poder oculto que
atravessa toda a história”
-Com a computadocracia surgiu a idéia de que a democracia
direta seria possível pelo uso dos computadores...
E porque não o próprio uso dos computadores poderia
tornar possível um amplo conhecimento dos cidadãos por
parte de quem detém o poder?...
LIBERALISMO
VELHO
E
NOVO
Reacendeu-se nos últimos anos o interesse pelo
pensamento liberal (reedição de um clássico de John
Stuart Mill)
Mill expressa a idéia de:
- Antepor limites ao poder (mesmo o da maioria);
- O elogio da diversidade;
- A condenação do conformismo;
- A prioridade que se deve dar à liberdade de opinião;
- Princípio de Justiça (“Não prejudicar os outros”);
LIBERALISMO
Complexo de idéias que dizem
respeito à condução e a
regulamentação da vida prática, e
em particular da vida associada. Já
que a afirmação da liberdade de um
se resolve sempre na limitação da
liberdade do outro;
LIBERALISMO
 Como teoria econômica – fautor da economia de
mercado;
 Como teoria política – fautor do Estado mínimo (
subtrair-lhe o domínio da esfera econômica, fazer da
intervenção do poder político na economia, não a regra,
mas a exceção)
Processo de formação do Estado Liberal
 Emancipação do poder político do poder religioso (Estado
Laico) – o Estado deixa de ser o braço secular da Igreja;
 Emancipação do poder econômico do poder político – tornase o braço secular da burguesia mercantil e empresarial;
Com o renascimento do interesse pelo pensamento
liberal:
- reivindicação das vantagens da economia de mercada
contra o estado intervencionista;
-reivindicação dos direitos do homem contra toda nova
forma de despotismo;
Contra o socialismo nas suas 2 únicas versões:
- Social-democracia (produziu o estado de bem-estar)
- Comunismo (só admite a propriedade estatal dos meios
de produção e das mercadorias produzidas)
O movimento operário nasceu sob uma concepção progressiva e
determinista.
- Progressiva – o curso histórico desenvolver-se-ia numa
direção onde cada fase representa um avanço no caminho que
vai da barbárie à civilização;
- Determinista – cada fase está inscrita num projeto e deve
necessariamente acontecer; Porém...
- Onde o socialismo se realizou, é difícil interpreta-lo como uma
fase progressiva da história;
- Onde se realizou pela metade, o fez a curto prazo e tende a
regredir;
-A antítese do Estado Liberal é o Estado Paternalista
(domínio sob seus súditos);
- Estado paternalista de hoje – A Democracia
- O desenvolvimento do Estado Assistencial está ligado ao
desenvolvimento da analogia entre MERCADO e
DEMOCRACIA ;
“ o político pode ser comparado a um empresário cujo
rendimento é o poder, o poder se mede por votos, cujos
votos dependem da sua capacidade de satisfazer interesses
de eleitores e cuja capacidade de responder às solicitações
depende dos recursos públicos que pode dispor” Max Weber
- Política Keynesiana – salvar o capitalismo sem sair da
democracia;
- Prática Lenista – abater o capitalismo sacrificando a democracia;
- Fascismo – abater a democracia para salvar o capitalismo;
- Neoliberais – salvar a democracia sem sair do capitalismo;
- A exigência expressa pelo neoliberalismo é a de reduzir a tensão
entre mercado e democracia;
- Ingovernabilidade da democracia está não só nos governados,
responsáveis pela sobrecarga das demandas, mas nos governantes
que não podem deixar de satisfazer o maior nº possível para fazer
prosperar a sua empresa (os partidos) ;
Contrato e
Contratualismo
No debate atual
A passagem da sociedade de status à sociedade de contractus ( Henry) realizou-se nos
anos em que o crescimento da sociedade mercantil fazia prever uma expansão da
sociedade civil e um enfraquecimento (desaparecimento) de estado (que se engrandeceu) ;
Atualmente fala-se em ...
... Intercâmbio político em analogia com um fenômeno típico da relação privada –
mercado político ;
... Voto de permuta em oposição ao voto de opinião ;
... Das relações de troca contrapostas às relações de dominação ;
... De conflitos que se resolvem através de acordos e convenções que se concluem num
pacto social referendado pelas forças sociais (sindicatos) ;
... Num pacto político referendado pelas forças políticas (partidos) ;
... Num pacto nacional referendado pela reforma constitucional ;
Enfim...
Fala-se de um novo contratualismo ...
A CRISE DO ESTADO SOBERANO
•A teoria do Estado Moderno está centrada na figura da lei
como principal fonte de padronização das relações de
convivência.
Trata-se, porém, de uma “figuração” ...
• A realidade da vida política se desenvolve através de
conflitos, cuja resolução acontece mediante acordos
momentâneos e as constituições (tratados mais duradouros) ;
• Uma das características da doutrina do estado que
prevaleceu é o direito público (e a impossibilidade de
compreender as relações de direito público através do recurso às
tradicionais categorias ao direito privado) ;
O “ particularismo” como figura histórica
 Sobretudo após a 1ª GM se começou a perceber o contraste entre
o Estado como poder centrado e a realidade de uma sociedade
dilacerada, dividida (assentamento normal das modernas
democracias, destinada a durar) que não podia se sujeitar a
doutrina dominante que contrapôs o direito público ao privado e
suspeitou do pluralismo em uma fase de crescimento dos cidadãos
ativos, formação de sindicatos e surgimento de partidos de massa e,
conseqüentemente dos conflitos.
Porém, os interesses individuais de grupo (particularismo)
prevaleceu sobre os interesses gerais, o privado sobre o público,
fazendo com que não exista mais a doutrina do estado como um
todo, apenas um conjunto de partes uma ao lado da outra ;
O Grande Mercado
 Onde os partidos são muitos a lógica que preside as
suas relações é a lógica do acordo e não do domínio ;
 Formação de : dos acordos – código civil
das leis – constituição
 Portanto, deve-se entender a rede de acordos da qual
nascem as exclusões e as coalizões para se entender como
se move e se transforma uma constituição ;
 A diferença dos acordos privados e internacionais dos
políticos é que os políticos são informais (não regulados
por lei)
- O caso mais interessante de contraste entre constituição formal e
real é a pratica inoperante do mandato imperativo (investido de um
poder público, deve ser exercido no interesse público) ;
- Hoje, porém, cada membro do parlamento representa, antes de tudo,
o próprio partido (dificultando a realização do ideal da unidade
estatal acima das partes) ;
- Isso se deve ao fato das sociedades parciais não só não terem
desaparecido, mas aumentado como efeito do desenvolvimento da
democracia (nascimento de partidos de massa) em conseqüência da
formação de grandes organizações para defesa de interesses
econômicos das sociedades industriais com forte concentração de
poder econômico. É onde desenvolvem-se contínuas negociações que
constituem a verdadeira trama das relações de poder na sociedade, na
qual o governo, o “soberano” nem sempre é o mais forte ;
O Pequeno Mercado
 Entre partidos – grande mercado
 Entre partidos e eleitores – pequeno mercado
Os cidadãos, enquanto eleitores de uma função pública,
tornam-se clientes – transformando uma relação pública
em privada ; (Isso só é possível através da transformação
do mandato livre em vinculado) ;
Daí :
 Corrupção do princípio individualista (democracia
moderna) cuja regra é a da maioria, fundada sobre o
princípio de que cada cabeça é um voto ;
 A democracia representativa nasceu do pressuposto de que
os indivíduos, uma vez investidos da função pública de
escolher seus representantes, escolheriam “os melhores” (voto
de opinião) ; (e não quem garantisse os seus interesses – voto
de permuta) ;
 A força de um partido é medida pelo nº de votos ;
 Quanto maior o nº de votos no pequeno mercado (partido
e eleitores) , maior a força contratual do partido no grande
mercado (relação dos partidos entre si) ;
 No grande mercado, não conta apenas o nº de votos de um
partido, mas também a sua colocação no sistema de alianças ;
Mercado Político e Democracia
O mercado
político, no
sentido da relação
de troca entre
governantes e
governados é uma
característica da
democracia ( não
da de Rousseau de
controladores não
de controladores
controlados);
-Na democracia a massa dos cidadãos intervém
ativamente no processo de legitimação do sistema :
§ usando o direito de voto para apoiar os partidos
constitucionais ;
§ ou não usando – apatia política (quem cala consente)
§ intervém na repartição do poder de governar entre as
forças políticas distribuindo os votos de que dispõe ;
§ o consenso através do voto é uma prestação ;
§ a contraprestação do eleito é uma vantagem (sob forma
de bens ou serviços) ou isenção de uma desvantagem ;
-Acordos do Mercado Político – assemelham-se aos contratos
bilaterais – as 2 partes têm (cada uma) uma figura distinta
(representante/ representada) , as 2 partes têm objetivos diversos,
mas um interesse comum, a troca.
- As prestações são claras (proteção em troca de consenso).
- Acordos do Grande Mercado – assemelham-se aos contratos
plurilaterais, todas as partes têm uma figura comum (de sócios)
as várias partes têm interesses diversos, mas um objetivo comum,
aquele pelo qual é constituída a sociedade.
- Neste acordo (do qual nascem as coalizões de governo) o
objetivo comum de formar um governo e governar é vário e
complexo. (por isso são submetidos à freqüentes revisões e atos de
rescisão)
Renascimento do Contratualismo
-Renovado interesse pelas doutrinas contratualistas
do passado ( neocontratualismo) ;
- O contrato social pretendia justificar a existência
do estado e encontrar um fundamento para o poder
político ;
- Mas, qual a justificação desse poder? (a grande
pergunta dos filósofos políticos) ;
- Contratualismo – uma das possíveis respostas ;
Interpretação marxiana:
§ Se o contratualismo nasce com o crescimento do mundo
burguês, a concepção individualista da sociedade (base da
democracia moderna) é mais proletária que burguesa, já que a
burguesia iria se manter à um sufrágio limitado aos
proprietários...
... e a extensão do sufrágio aos que nada tem ocorreu com o
impulso propiciado pelo movimento operário...
... E o sufrágio universal é a condição necessária para a
existência de um regime democrático onde a fonte de poder
são os indivíduos com a aplicação da regra da maioria para
tomada das decisões coletivas ;
# O neocontratualismo – proposta de um novo pacto social,
global e não parcial, uma verdadeira “Nova Aliança” - nasce
da crescente ingovernabilidade das sociedades complexas ;
# A maior dificuldade que o neocontratualismo enfrenta hoje é
o fato de os indivíduos (titulares do direito de determinar as
cláusulas do novo pacto), não se contentam mais em pedir, em
troca da sua obediência, apenas a proteção das liberdades
fundamentais ...
... Mas passam a pedir que venha inserida no pacto alguma
cláusula que assegure uma equânime distribuição da riqueza,
para com isso atenuar (se não eliminar) as desigualdades ;
Governo dos
Homens ou
Governo das
Leis?
Essa questão diz respeito não a forma de governo, mas ao
modo de governar, à distinção entre o bom e o mau governo.
“ Bom governo é aquele em que os governantes são bons
porque governam respeitando as leis ou aquele em que existem
boas leis porque os governantes são sábios?”
“ É mais útil ser governado pelo melhor dos homens, ou
pelas leis melhores?”
Para os defensores do poder régio as leis apenas podem
fornecer prescrições gerais e não provêm aos casos que
pouco a pouco se apresentam. “(...) seria ingênuo
regular-se conforme normas escritas (...)”
“ Todavia, aos governantes é necessário também a lei que fornece
prescrições universais, pois melhor é o elemento que não pode estar
submetido à paixões...” Aristóteles
-O filósofo faz uma crítica aos fautores do poder régio, que propõem
estabelecer a natureza da “ciência `régia” – forma de saber científico que
permite, a quem a possua, o exercício de um bom governo.
“Mas o melhor de tudo, parece, não é que as leis contem, mas que conte,
bem mais, o homem que tem entendimento, o homem régio!”
Platão
Sócrates pergunta: “Por qual razão?”
Platão responde: “Porque a lei jamais poderá prescrever com precisão o
que é melhor e mais justo para todos (...)” e sustenta que a lei é
“semelhante a um homem prepotente e ignorante que não deixa a
ninguém a oportunidade de realizar algo sem uma sua prescrição.”
# Os defensores da superioridade do governo dos homens vêem na
generalidade da lei um elemento negativo, pois assim não pode
compreender todos os casos possíveis e acaba por exigir a
intervenção do sábio governante para que seja dado a cada um o
que lhe é devido;
# Aristóteles defende a lei por ser “sem paixões”, ou seja, onde o
governante respeita a lei não pode fazer valer as próprias
preferências e impede-o de exercer o poder em defesa de interesses
privados;
- primado da lei – protege o cidadão do arbítrio do mau
governante;
- primado do homem – protege o cidadão da aplicação
indiscriminada da regra geral;
Todo o pensamento político do medievo está
dominado pela idéia de que, bom governante é
aquele que governa observando as leis, como as
proclamadas por Deus, as inscritas na ordem
natural das coisas, ou ainda, as estabelecidas
como fundamento da constituição do estado;
 Henri Bracton enuncia uma máxima
destinada a se tornar o princípio do estado de
direito: “não é o rei que faz a lei, mas a lei que
faz o rei.”
Doutrina do “Estado de Direito” – originária na Inglaterra e
hoje universal (no sentido de que não é mais contestada, tanto
que quando não reconhecida invoca-se o “estado de exceção”) tem
como princípio inspirador a subordinação de todo poder ao
direito, através do processo de legalização de toda ação de
governo que tem sido chamado de “constitucionalismo.”
Duas manifestações revelam a universalidade da submissão do
poder político ao direito:
- A interpretação Werbiana do estado moderno como estado
racional e legal, cuja legitimidade repousa no exercício do poder
em conformidade com as leis;
- A teoria Kelseniana do ordenamento jurídico como cadeia de
normas que criam poderes e poderes que criam normas;
Por “governo da lei” entende-se 2 coisas diversas (coligadas)
O governo sub lege, também considerado per leges, isto é,
mediante leis (através da emanação de normas gerais e
abstratas)
§ Uma coisa é o governante exercer o poder segundo leis
preestabelecidas, outra coisa é exerce-lo mediante leis (não
ordens individuais e concretas);
§ Num estado de direito o juiz, quando emite uma sentença que
é uma ordem individual e concreta, exerce o poder sub lege .
§ O legislador constituinte, exerce o poder per lege no momento
em que emana uma constituição escrita;
# Os valores fundamentais (a igualdade, a segurança e a
liberdade) estão garantidos pelas características essenciais da
lei entendida como norma geral e abstrata, mais que pelo
exercício legal do poder;
# Exatamente por sua generalidade, uma lei
(independentemente do seu conteúdo), não consente nem o
privilégio nem a discriminação;
# A existência de leis igualitárias e desigualitárias é um
outro problema que diz respeito não a forma da lei, mas ao
conteúdo;
# Mais problemática é o nexo entre a lei e o valor da
liberdade;
§ O famoso dito aceroniano diz que “ devemos ser servos da lei para
sermos livres...”
“ Se é sempre livre quando se está submetido às leis, mas não quando se
deve obedecer a um homem, porque neste segundo caso devo obedecer a
vontade de outrem, e quando obedeço as leis obtempero apenas à
vontade pública, que é tanto minha como de qualquer outro.”
Rousseau
(deve-se considerar que por “lei” Rousseau entende unicamente a norma
emanada da vontade geral)
- É preciso considerar como leis verdadeiras e próprias apenas aquelas
normas de conduta que intervenham para limitar o comportamento dos
indivíduos unicamente com o objetivo de permitir a cada um o desfrute
de uma esfera própria de liberdade, protegida da eventual interferência
de outros;
# Para Hegel o direito abstrato (que se ocupam os
juristas) é composto apenas de proibições. Esta velha
doutrina, que podemos chamar de “doutrina dos
limitesda função do direito”, foi retomada por um dos
maiores defensores do estado liberal, Friedrich von
Hayek, que entende por normas jurídicas apenas aquelas
que oferecem as condições ou os meios com os quais o
indivíduo pode perseguir livremente os próprios fins sem
ser impedido a não ser pelo igual direito dos outros. As
leis assim definidas são para Hayek imperativos
negativos ou proibições.
Enquanto o nexo entre lei e segurança e entre lei
e igualdade é é direito, para justificar o nexo
entre lei e liberdade é preciso manipular o conceito
mesmo de lei:
§ a demonstração do nexo entre lei e liberdade
positiva exige o apelo à doutrina democrática do
estado.
§ a do nexo entre lei e liberdade negativa pode ser
fundada apenas sobre os pressupostos da doutrina
liberal.
Ao lado do primado do governo das leis, ocorre a idéia do
primado do governo dos homens.
-Não se deve confundir a doutrina do primado do governo dos
homens com o elogio da monarquia como forma de governo;
- A máxima de Ulpiano enunciada ao principado romano diz que
“o soberano está livre das leis positivas que ele mesmo produz (...)
mas não das leis divinas e naturais, que obrigam inclusive o
monarca que antes de ser rei é um homem como todos os outros.”
- A excelência da monarquia não está em ser o governo do homem
contraposto ao governo das leis, mas, ao contrário, na
necessidade que tem o monarca de respeitar as leis universalmente
humanas.
Enquanto se identificar o governo dos homens com o governo
tirânico não existe razão nenhuma para se abandonar a antiga
doutrina do primado do governo das leis;
 Desde a celebre descrição platônica do advento do tirano
como decorrência da dissolução da polis provocada pela
democracia “licenciosa” (desregrada/corrupta) a tirania como
forma de governo corrupta foi associada bem mais à
democracia que à monarquia;
 Após a Revolução Francesa e o domínio napoleônico
ganhou destaque entre os escritores políticos conservadores ao
lado das tradicionais formas de governo ( com uma conotação
geralmente negativa) o “cesarismo” que Marx chamou de
“bonapartismo”;
# Por todos os escritores que o fazem forma autônoma
de governo o “cesarismo” é definido como “tirania
popular”;
- Para Tocqueville, uma nova espécie de opressão
ameaça os povos democráticos e diz que o fato de “a
coisa ser nova”, não é tão nova ao ponto de não poder
ser descrita como uma forma de despotismo;
- Perto do fim do século,a análise histórica e doutrinal
do cesarismo foi dedicado amplo espaço em dois dos
maiores tratados de política, o de Freitschke e o de
Roscher;
§ Freitschke – antifrancês, considera que Napoleão
satisfaz o desejo dos franceses de serem escravos e
chama o regime nascido da revolução de “despotismo
democrático”.
§ O Roscher – diz que “é sempre melhor um leão que dez
lobos ou cem chacais” e afirma que o “tirano nasce do
governo do povo e governa com o favor daqueles que por
ele são tratados como escravos”.
- O coligamento entre governo popular e governo
tirânico é um tema claro à todos os escritores
antidemocráticos liderados por Platão;
- O governo dos homens se apresenta nas concepções
paternalistas ou patriarcalistas do poder, onde o estado
é considerado como uma família e o poder do soberano é
assimilado ao do pai ou patriarca, um grupo
monocrático no qual o sumo poder está concentrado nas
mãos de um único e os súditos são “incapazes”
(temporariamente – filhos ou perenemente – escravos).
- Tal como o pai, o rei é elevado à exercer o poder não à
base de normas preestabelecidas e mediante normas
gerais e abstratas, mas à base da sabedoria e mediante a
disposições dadas de vez em vez, segundo as
necessidades^, das quais apenas ele é o intérprete;
- Enquanto sociedade de desiguais – a mulher com respeito
ao marido, os filhos com respeito ao pai, os escravos com
respeito ao patrão - o estado quando concebido como uma
família não se submete à força igualizadora da lei, apóiam-se
mais sobre a justiça caso por caso que sobre a justiça legal;
- Quando Leibniz enumera os deveres do soberano (para
distinguir o bom do mau governo) retoma os deveres do bom
pai – Esses deveres dizem respeito à boa educação,
adestramento para a moderação, a prudência, bem como o
exercício de todas as virtudes do corpo e da alma, dentre os
quais o dever de fazer com que os súditos “amem e honrem os
seus governantes” ( “honrar pai e mãe” ) .
-A crítica definitiva da concepção paternalista do poder provêm de
Kant (autor de uma das mais completas teorias do estado de
direito) :
Um governo fundado sobre o princípio da benevolência para com o
povo, tal como o governo de um pai (paternalista) (...), é o pior
despotismo que se possa imaginar”. Kant
 Ponto débil da tese favorável ao governo das leis: “De onde
derivam as leis?”
 As leis têm origem divina ou se perde na escuridão dos tempos ?
 (...) de tanto em tanto , os deuses inspiram homens
extraordinários que, estabelecendo novas leis, dão uma ordem justa
e duradoura às cidades: - Minosse em Creta, Licurgo em Esparta,
Sólon em Atenas.”
# Deste modo,não é a boa lei que faz o bom governante, mas o
sábio legislador que realiza o bom governo ao introduzir boas
leis ;
# O grande legislador é exaltado por Rousseau no Contrato
Social: “ Seriam precisos deuses para dar leis aos homens”
# Referente ao Homem Régio de Platão: “Se é verdade que um
grande príncipe é uma pessoa rara, quanto mais não o será um
bom legislador?”
# Análoga à figura do grande legislador é a do fundador de
estados: “(...) de um povo disperso fez uma cidade” Teseu
(análoga porque também pertence ao tema misterioso das
origens).;
# Se em seu desenvolvimento histórico a cidade pode ser conhecida
através de suas leis, de sua constituição, voltando-se às origens,
não se encontram leis, mas homens;
# Na idade moderna o mais elevado reconhecimento do primado do
governo dos homens sobre o governo das leis encontra-se no
“Príncipe” de Maquiavel
-“Nenhuma coisa dá tanta honra à um governante novo como as
novas leis e os novos regulamentos por ele elaborados”
Maquiavel
# Seguindo Maquiavel, Hegel diz que o fundador de estados “tem
o direito à seu lado”, ou seja, o direito que todos os seus sucessores
não têm, de exercer a força acima e por fora das leis para alcançar
seu fim, um direito que, pode-se afirmar “absoluto”.
“ Tanto o grande legislador, o sábio, quanto o fundador de
estados, o herói, são personagens excepcionais que surgem em
situações incomuns (...)”
-Daí que a pergunta “ Governo dos Homens ou Governo das
Leis” é mal posta, pois um não exclui o outro;
- Historicamente, o governo do homem faz seu aparecimento
quando o governo das leis ou ainda não surgiu, ou mostra sua
inadequação diante do surgimento de uma situação de crise
revolucionária, em suma, está estreitamente ligado ao estado de
exceção;
- Daí nasce a instituição do ditador (primeiros séculos da república
romana). Em torno disso giram as mais interessantes reflexões sobre o
governo dos homens.
# O ditador romano é exemplo da atribuição a uma única pessoa
dos “ plenos poderes”, inclusive o de suspender (mesmo que
temporariamente) a validade das leis, numa situação de gravidade
para a sobrevivência mesma do estado.
# A ditadura romana é apresentada como exemplo de soberania
política pelos maiores escritores da idade moderna, de Maquiavel a
Rousseau, isto por reconhecer a utilidade do governo do homem
apenas em caso de perigo público e apenas enquanto durar o perigo.
“O dever do ditador é exatamente o de restabelecer o estado normal
e, com isso, a soberania das leis”.
# A ditadura quando tende a perpetuar-se transformando o poder
constitucional do ditador em poder pessoal, a justificação do
prolongamento indefinido dos plenos poderes está fundada sobre a
gravidade e a imprevisível duração da crise.
-Carl Schmitt faz uma distinção entre Ditadura Comissária e
Ditadura Soberana – que reflete a diferença entre os plenos
poderes como instituição prevista pela constituição e os plenos
poderes assumidos por fora da constituição, porém com um ponto
em comum, a do poder temporário.
§ Marxismo – “ a ditadura da burguesia é a realidade a ser
combatida, a ditadura do proletariado o ideal a ser perseguido”
-Max Weber inclui o Poder Carismático – uma espécie de síntese
histórica de todas as formas de poder do homem;
- O oposto do Poder Carismático é o Poder Legal;
- Para Weber o governo do chefe carismático e o das leis não são
bons, nem maus, nem podem substituir-se um ao outro, são
manifestações diversas em circunstâncias históricas diversas;
Weber sempre afirmou que “o dever de um
cientista não é dar juízo, mas compreender.”
Porém sempre teve suas preferências e nos
últimos anos de sua vida cultivou o ideal de
uma forma de governo misto que combinasse a
legitimidade democrática com a presença
ativa de um chefe, o que ele chamou de
“democracia plebiscitária” para contrapor a
democracia parlamenta acéfala (s/ chefe);
Bobbio conclui dizendo: “a minha preferência vai para o
governo das leis, não para o governo dos homens. O governo
das leis celebra hoje o próprio triunfo na democracia...
E o que é a democracia se não um conjunto de regras para a
solução dos conflitos sem derrame de sangue?
Em que consiste o bom governo democrático, se não no rigoroso
respeito a essas regras?
Posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo
das leis por excelência...
No momento mesmo em que um regime democrático perde de
vista esse seu princípio inspirador degenera em seu contrário,
numa das tantas formas de governo autocrático.”
Bibliografia:
Bobbio, Norberto, 1909
O Futuro da Democracia
Uma Defesa das Regras do Jogo
5ª edição, São Paulo
Editora Paz e Terra, 1992
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O Futuro da Democracia