METODOLOGIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
ASPECTOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS E UMA
POSSÍVEL APROXIMAÇÃO ÀS FONTES
Ana Palmira B. Casimiro (UESB)*
Lívia Diana Rocha Magalhães (UESB)**
Aspectos teóricos
A despeito do avanço do conhecimento científico e da crescente convergência de
métodos usados nas ciências exatas para se explicar fenômenos acontecidos nas ciências
sociais1, observamos que o materialismo histórico e dialético continua sendo um
método importante para se explicar os fenômenos sociais, mesmo quando, às vezes, ele
aparece de maneira indireta.
Quem bem o diz é Boaventura de Sousa Santos no texto Tudo que é Sólido
Desmancha no Ar: O Marxismo Também? (p. 23-49), da coletânea de textos do autor,
publicada sob o título: Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.
Nas palavras do autor (SANTOS, 1999, p. 28),
[...] Se para alguns autores, a obra de Marx, sujeita muitas vezes a exercícios
de exegese escolástica, era o ponto de partida e o ponto de chegada da análise
(Poulantzas e Wright, por exemplo), para outros, era apenas o ponto de
partida (Bourdieu, Habermas, Gouldner, Giddens) e para outros ainda não era
sequer o ponto de partida, embora a sua investigação só fosse inteligível
contra um pano de fundo em que abundava o marxismo, como é o caso mais
notável, de Foucault.
*
Professora do Programa de Mestrado e Doutorado Memória, Linguagem e Sociedade da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB; Doutorado em Educação pela UFBA; Pós-doutorado em
Educação pela UNICAMP; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Fundamentos da Educação do Museu
Pedagógico da UESB. E-mail: [email protected]
**
Professora e vice-coordenadora do Programa Mestrado e Doutorado em Memória, Linguagem e
Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB; Doutorado em Educação pela
UNICAMP; Pós-doutorado em Educação pela UERJ; Coordenadora Geral do Museu Pedagógico da
UESB. E-mail: lrmagalhã[email protected]
1
Como evidenciam Alan Sokal e Jean Bricmont (1997), cf. Referências.
1
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
O que há de mais peculiar no materialismo histórico e dialético é que tal
método parte da ideia de seres humanos que vivem em sociedade e não separa a
sociedade da natureza. Pelo contrário, os seres humanos são como parte do mundo
natural, que é a base real de todas as suas atividades. “A produção e a reprodução da
vida material, pelo trabalho e pela procriação, são, assim, uma relação ao mesmo tempo
natural e social, diz-nos Marx nos Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844”
(BOTTOMORE, 1988, p. 342).
São pressupostos da existência da sociedade, para Marx (1981): o homem
(concreto); homens diante de um substrato (a natureza); homens em relação com a
natureza; homens em relação com outros homens (produção social); e homens
produzindo (consciência, representações, mentalidade, arte, religião).
Para Marx (1981), são componentes essenciais da sociedade: Uma economia
(produção/circulação/consumo); uma cultura (modo de vida, objetos culturais); e uma
organização (família, tribo, horda, Estado). Com isso, ele sugere encontrar
características comuns a todas as sociedades numa perspectiva antropológica. Além
disso, para Marx, a sociedade historicamente existente situada e localizada, caracterizase por possuir um modo de produção/reprodução da existência e uma formação social
específica.
Em síntese: a) a ênfase na significação da natureza para o homem; b) a negação
da autonomia das ideias na vida social; c) a concepção da centralidade da práxis
humana na produção e a reprodução da vida social e, em consequência disso, d) a ênfase
na significação do trabalho enquanto transformação da natureza e mediação das relações
sociais, na história humana (BOTTOMORE, 1988, p. 255).
Cabe lembrar que Marx (1981) usou a palavra sociedade, em três sentidos:
Primeiramente, no sentido de sociedade humana, ou ‘humanidade socializada’ enquanto
tal. Em segundo lugar, se referindo a tipos historicamente existentes de sociedade (por
exemplo, a sociedade feudal ou a sociedade capitalista); E, finalmente, no sentido de
qualquer sociedade particular (por exemplo, a Roma antiga ou a França moderna).
Entretanto, é preciso ressaltar que a compreensão da realidade, a partir da
concepção materialista, histórica e dialética não impede que vejamos os fatores
superestruturais. Luckács (1979) observou a colocação de um problema, paradoxal e de
grande importância, na compreensão da obra marxiana que se divide em: a) enunciados
2
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
diretos sobre certo tipo de ser, ou seja, afirmações ontológicas e, b) nenhum tratamento
autônomo de problemas antológicos.
Essas tendências encontram sua primeira expressão adequada nos Manuscritos
Econômico-Filosóficos, cuja originalidade inovadora reside, não em último lugar, no
fato de que, pela primeira vez na história da filosofia, as categorias econômicas
aparecem como categorias da produção e reprodução da vida humana tornando, assim,
possível uma descrição ontológica do ser social sobre bases materialistas (LUCKÁCS,
1979, p. 15).
Tudo isso ajuda a compreender as expressões: ‘condições de existência’ e
‘produção de consciência’, mormente a educação, no sentido dado por Marx. Por outro
lado, a maneira como ele analisou o ‘trabalho’, abre múltiplas possibilidades para o
entendimento de seu método, pois, aquele não exclui um fator teleológico  o homem
que projeta antes de fazer. É novamente Luckács quem evidencia o valor da categoria
trabalho, tal como aparece na obra madura de Marx, contendo, porém, o cerne das suas
ideias originais, ou seja, trabalho humano mediando natureza e sociedade.
Conforme Luckács, através do trabalho, tem lugar uma dupla transformação.
Por um lado, o próprio homem que trabalha é transformado pelo seu trabalho; ele atua
sobre a natureza exterior e modifica, ao mesmo tempo, a sua própria natureza. Para este
autor, o homem que trabalha utiliza as propriedades mecânicas, físicas e químicas das
coisas, a fim de fazê-las atuar como meios para poder exercer seu poder sobre as coisas,
“[...] de acordo com a sua finalidade [...] e tão-somente através de um conhecimento
correto, através do trabalho, é que podem ser postos em movimento, podem ser
convertidos em coisas úteis” (LUCKÁCS, 1979, p. 15). Essa conversão em coisas úteis,
porém, é um processo teleológico: “[...] no fim do processo de trabalho, emerge um
resultado que já estava presente desde o início da ideia” (LUCKÁCS, 1979, p. 16). Por
outro lado, a educação prepara o homem para a vida, para o trabalho e o ser humano se
educa e se humaniza pelo trabalho.
Antes disso, Engels (MARX e ENGELS, In: Obras Escolhidas, s/d, p. 284), em
carta a Bloch, explicou a tese marxista destacando o papel da superestrutura na
concepção materialista da história:
A situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da
superestrutura que se levanta sobre ela  as formas políticas da luta
de classes e seus resultados, as constituições que, uma vez vencida
3
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
uma batalha, a classe triunfante redige etc., as formas jurídicas,
filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as
leva a converter-se num sistema de dogmas  também exercem sua
influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos
determinam sua forma, como fator predominante (MARX e ENGELS,
In: Obras Escolhidas, s/d, p. 284).
Para Engels, trata-se de um jogo de ações e reações entre todos os fatores infra
e superestruturais, mas, acaba sempre por impor-se, como fator de maior importância, o
movimento econômico. Isto quer dizer que as premissas e as condições econômicas são
as que decidem, em última instância. No entanto, as condições políticas, ideológicas,
mormente a educação, também desempenham seu papel, embora não decisivo (MARX
e ENGELS, In: Obras Escolhidas, s/d, p. 285).
Sem dúvida, nas sociedades atuais, principalmente a partir do aceleramento das
relações capitalistas, é necessária uma atenção redobrada para se compreender como se
movimentam as relações sociais, dados os inúmeros fatores que complicam tais
relações, camuflando a realidade concreta.
Aspectos empíricos: aproximação às fontes
Estudar o fenômeno educativo numa perspectiva histórico-dialética nos parece
cada vez mais eminente, se considerarmos que a nossa sociedade tem alcançado os mais
altos níveis de contradições e acirramentos sociais e, ao mesmo tempo, a mais alta
expressividade da atividade humana (práxis), que objetiva o sujeito e subjetiva o objeto,
dentro de uma realidade concreta de objetivação da vida material e social.
Hoje, particularmente, pensar a sociedade do ponto de vista da produção
material é falar da alta capacidade de atuação humana sobre a natureza e sobre o outro,
expressa nas altas conexões e diálogos entre distâncias. Mas, também, é falar de uma
sociedade em um processo contínuo de degradação, na qual há a emergência de relações
e práticas sociais construídas, que continuam atuando negativamente sobre grupos,
coletividades e sobre as instituições (preconceitos de sexo, idade, gênero, etnia, classe
etc.), apesar das exigências e reações do presente histórico. E, ao mesmo tempo,
naturalizando o inaceitável, a miséria, a trapaça, a violência, o uso e o abuso do poder,
os individualismos e a fusão de mecanismos educacionais que oferecem a escolarização
4
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
sem a formação básica, científica, que deveria tomar como base a correlação entre
saberes, conhecimento etc.
Portanto, é impossível pensar a educação fora da relação dialética parte, todo,
e das relações concretas e contradições, dentro do estágio alcançado por essa sociedade.
A educação deve ser pensada, sob a ótica da divisão social do trabalho, em permanente
transformação, e de relações cada vez mais sutis de exploração da força do trabalho, da
extração da mais-valia e dos reflexos negativos que operam sobre essa realidade.
Destarte, devemos considerar o método histórico e dialético como o mais
adequado para dar conta e explicar a multiplicidade dos fenômenos da educação. Na
elaboração do trabalho científico, nos parece que é imprescindível a visão dialética da
realidade, como capaz de abranger e incorporar as várias instâncias da realidade. Nesta
visão, acreditamos ser possível empreender uma escolha teórica a partir de uma base
metodológica dialética, compreendida em toda a sua abrangência.
Devemos perceber, ademais, a importância da relação parte e todo que permeia o
saber científico, o que permite uma leitura plural dos significados e das correlações
entre as várias instâncias do conhecimento que formam as ciências humanas e sociais
em sua vasta abrangência.
Além de se deter nos aspectos materiais, sociais e ideológicos que cercam os
fenômenos da educação, o método dialético pressupõe uma contínua circulação do
teórico para o empírico e vice-versa. O objeto deve ser compreendido e esclarecido em
sua estrutura significativa imanente, e explicado, a partir da inserção de sua estrutura em
outra, imediatamente englobante (GOLDMANN, 1974, p. 107).
Das Fontes: uma abordagem inicial
Agora já podemos ressaltar que pensar em fontes para a pesquisa científica, sem
dúvida, nos obriga a pensar em método científico e em escolha de teorias que devemos
adotar para a sua leitura ─ sobre a noção de passado, de presente e de sociedade que
adotaremos.
Mas, antes de prosseguir, cabe observarmos que as contribuições de outras
correntes historiográficas, muitas vezes sintetizadas em “nova história”, principalmente
no que diz respeito às “fontes”, se tornam fundamentais para nós da educação, uma vez
5
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
que possibilitam o encontro de variadas fontes de informações, as quais revelam nosso
objeto de estudo. De igual modo, as teorias da memória coletiva e social têm nos
permitido ampliar e analisar como uma sociedade interpreta e se apropria da educação,
da escola, em seu passado e no presente, dentro de realidades concretas e
representacionais.
No entanto, consideramos que ainda é a abordagem materialista, histórica e
dialética aquela que nos oferece as condições para retrucar os pressupostos históricos
positivistas de que existe uma razão universal, perdurável que leva a sociedade a se
desenvolver e com a noção de que o passado de uma sociedade só pode ser lido por suas
fontes oficiais. E perceber, também, que a parte social (em suas interações e
ambiguidades), não é suficiente para explicar a realidade. Ou seja, que o mundo do
pensamento pode produzir uma realidade aparente, à margem de suas contradições,
camuflando os seus jogos de interesses econômicos e políticos, produzindo
componentes cognitivos ideológicos, que tendem a oferecer-nos uma visão deformada
da mesma (KOSIK, 1976).
A fonte, como o próprio nome indica, é aquele lugar onde você deve beber
água pura, de nascente. Na metáfora da pesquisa, é a mesma coisa: a fonte é onde você
vai buscar a informação pura, no seu nascedouro. A aproximação correta às fontes
primárias de informação é um dos indícios de que a pesquisa transita por um caminho
seguro. As fontes secundárias são como afluentes, que também podem trazer
informações fidedignas.
Assim como a fonte (ou o rio) que são como acidentes geográficos e
necessitam serem preservados, as fontes documentais também secam ou ficam poluídas
(quando são contaminadas e ou destruídas). Portanto, devemos preservá-las. Segundo
Richardson (1985, p. 207), “fonte primária é aquela que deve ter uma relação física
direta com os fatos analisados, existindo um relato ou registro da experiência
vivenciada”. Uma pessoa que observa um acontecimento é considerada uma fonte
primária; uma fotografia ou gravação direta desse acontecimento também. Sem dúvida,
o próprio documento, seja ele eivado de ideologia ou não, é uma fonte essencial.
Os historiadores costumam classificar as fontes em primárias e secundárias e
subclassificar as fontes primárias em manuscritas e impressas. Dentro desta
classificação básica, podemos dividi-las, ainda, em fontes orais, fílmicas, plásticas e
6
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
imagéticas. Para as fontes orais, utilizamos, geralmente, os recursos da entrevista e do
questionário, ou a gravação em algum sistema de áudio/visual (gravador,
rádio, filme, etc.). Fontes plásticas são os próprios monumentos, ou objetos
significativos (igreja, ferramenta, instrumento, escola, régua, palmatória, jardim,
uniformes etc.) e fontes imagéticas são imagens por qualquer via de reprodução (retrato,
pintura, desenho, escultura, gravura, mapa).
A organização das fontes imagéticas para a pesquisa em educação: algumas
indicações
Na organização empírica do objeto, em primeiro lugar, devemos realizar a
coleta das imagens, por exemplo, que digam respeito à Educação, à História da
Educação (Geral e no Brasil), ou a outras áreas humanas, para complementarmos o
texto escrito; Em segundo lugar, devemos confeccionar uma ficha técnica, informativa
para cada imagem coletada e, finalmente, devemos agrupar/selecionar/colecionar as
imagens obtidas – visando facilitar a utilização das mesmas (imagem).
O que chamaríamos de imagens? Reproduções em fotografias digitais,
digitalizadas e/ou escaneadas, para complementar (funcionando como documento ou
fonte histórica) e suplementar (funcionando como exemplo visual) o texto escrito. No
nosso entendimento, seriam imagens adequadas, na pesquisa histórica e educacional,
por exemplo: documentos manuscritos, fotos, pinturas, desenhos, gravuras etc. E mais:
esculturas, construções ou artefatos públicos pertinentes ao tema, como: prédios
escolares, plantas, mapas, fachadas, mobiliários, uniformes escolares, comemorações e
desfiles cívicos/religiosos, cenas de educação, fotos de personagens significativas da
educação. E, ainda, fotos indicando contrastes de classe, como, por exemplo: escolas
urbanas e escolas rurais, públicas ou privadas, prédios escolares da região sul do país
versus escolas nordestinas, escola com maioria de crianças brancas, destaque e lugar
especial para crianças brancas nos desfiles, lugar etc. No caso da análise de imagens
fílmicas, deveríamos observar as mesmas categorias empíricas das imagens fixas.
Por fim, como agrupar/selecionar/colecionar as imagens coletadas, visando
facilitar a apreensão pela equipe técnica de pesquisa? Poderíamos organizar as fichas,
arquivos ou bancos de dados, com as imagens agrupadas em ordem cronológica,
7
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
compatível com a ordem cronológica e espacial do texto escrito. Dentro de cada época e
períodos, agruparíamos, ainda, por área temática ou categorias, tipo: educação religiosa
e leiga; escola pública e privada; categoria infantil, jovem e adulto; escola normal,
educação superior, ensino técnico-profissionalizante, norte-nordeste, sul-sudeste, Brasil
ou exterior (somente como exemplos).
Quando, como e porque pesquisar e buscar fontes documentais em arquivos
Pesquisa e busca de fontes em arquivos devem ser feitas quando a pesquisa
demandar este tipo de recurso. Se optarmos por fazer um estudo teórico sobre um
determinado autor que vai subsidiar uma pesquisa anterior, talvez precisemos somente
de fontes secundárias. Se você pretende fazer uma monografia sobre ‘o trabalho na
Grécia Antiga’, com certeza, você vai utilizar somente textos clássicos, vai utilizar
fontes secundárias (outros autores da época, ou posteriores), mas não vai ter condição, é
claro, de fazer pesquisa arqueológica.
Em alguns casos, a fonte é o próprio ícone analisado. Assim, um prédio escolar,
uma igreja, uma creche, funcionam tanto como informação indicativa, como simbólica e
ou icônica. Na maior parte das vezes, as fontes estão nos arquivos e bibliotecas onde
podemos trabalhar com fontes primárias e secundárias, impressas e manuscritas (leitura
paleográfica). Ou, ainda, estão nos museus sob a forma de fontes fílmicas, imagéticas,
fotográficas, audiovisuais, etc.
Definido um projeto, é necessário contextualizar um objeto. Daí surge a
pergunta: quais devem ser as minhas fontes? Ou: como delimitar minhas fontes?
Primeiro, devemos delimitar de acordo com o objeto (recorte) e, a depender do recorte,
devemos contextualizá-lo em um determinado período histórico.
Uma boa medida para localizar as fontes existentes sobre um determinado
assunto é recorrer a livros que evidenciem a forma como se organiza a sociedade em
estudo, por meio de livros de história econômica e administrativa.2 Estes livros vão
orientar:
2
A exemplo dos livros de Vianna (1951), Lobo (1968) e Avellar (1970), dentre outros publicados mais
recentemente. Cf. Referências.
8
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
 quanto à organização econômica daquele contexto (impostos, salários, preços,
relações de trabalho, heranças, partilhas de bens, escravos, documentos de terras
etc.); quanto à organização social (classes, grupos sociais, associações de classe,
modos de vida, etc.);
 quanto à produção de ideias (educação, meios de comunicação, formas de lazer,
formas de cultura, produção intelectual, etc.);
 quanto à organização política (forma de governo, organização dos poderes
políticos, do estado, leis, jurisprudência, representações políticas, cargos etc.);
 quanto à organização geográfica (divisão territorial e administrativa do território,
estados, cidades, vilas, distritos, sistema viário, distribuição de terras etc.).
Mas, seja qual for o tema, precisa-se de uma delimitação histórica e geográfica
(que chamamos de marco). Isto porque: 1) qualquer fenômeno (problema) surge no
tempo histórico e aparece como fenômeno, quando passa a ser problema coletivo e não
o acontecimento isolado, referente a uma ou a poucas pessoas; 2) a partir do
entendimento de que existe um problema social, começa uma demanda social pela sua
resolução (movimentos sociais, reivindicações, lutas); 3) até que aconteçam conquistas
sociais que levam este problema a ser considerado matéria de lei; 4) depois, acontecem
novas lutas para que a lei seja cumprida; finalmente, o problema passa a ser a questão:
de que forma a lei está sendo cumprida? Foi assim que aconteceu nos principais
movimentos sociais como, a título de exemplo, na luta das mulheres, dos negros, dos
portadores de necessidades especiais etc.
Devemos lembrar que, em qualquer tipo de pesquisa, alguns aspectos precisam
ser considerados, como primordiais: comprovação da veracidade (autenticidade) do
documento; possibilidade de desaparecimento, ocultação e ou destruição do documento;
acessibilidade ao local e ao documento; estado de conservação, possibilidade de leitura
paleográfica etc.
Onde pesquisar e buscar fontes documentais
Afirmamos que a busca de informações para o estudo da Educação por meio
das fontes escritas, orais e imagéticas é de fundamental importância, particularmente
9
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
para o entendimento de determinadas políticas, no presente. Fontes que, inclusive,
podem estar guardadas, ocultadas ou proibidas, silenciando determinadas informações e
dificultando a expressão de realidades vividas por alunos, professores, pais e demais
profissionais da educação, como também de outras instâncias educativas, isto é, da
educação em sua ampla abrangência objetual.
Supomos que as fontes educacionais brasileiras estejam guardadas no Ministério
da Educação, registradas nos dados do IBGE, empilhadas nas secretarias estaduais e
municipais de educação. Entretanto, lembramos que podem estar, também, nas próprias
escolas, nas fotos representativas de desfiles cívicos, de eventos festivos de cada escola
e dos calendários litúrgicos, dentre outras possibilidades. Se não estiverem localizadas
nestes lugares apropriados, surge a pergunta sobre onde poderão estar ou porque não
foram guardadas.
Além disso, também podem estar guardadas em outros tipos de arquivos, tais
como: Públicos (federais, estaduais, municipais de empresas públicas, IBGE, IGHBs,
IPHAN); Privados e Associativos (fundações, entidades filantrópicas, escolas
particulares, museus, conservatórios, academias musicais e literárias, etc.); Religiosos
(cúria metropolitana, arquidioceses, dioceses, bispados, paróquias, províncias,
custódias, guardianatos, conventos, seminários, mosteiros, casas religiosas, colégios,
irmandades, ordens terceiras e confrarias). Os arquivos se dividem, basicamente, em
duas categorias: Correntes (em uso); Não correntes (arquivo morto).
Não podemos deixar de referenciar a importância dos registros de memória, que
podem se constituir como um importante acervo para abordar o tempo presente (ou mais
recente). Mas, de igual modo, como todas as fontes, precisam passar pelo crivo teóricometodológico e serem cotejadas com outras fontes documentais.
Enfim, a educação escolar e a não escolar, em suas especificidades e
interconexões dialéticas, devem recorrer às mais diversas fontes de informação, visando
superar as grandes lacunas sobre os seus muitos temas e problemas.
Considerações finais
Pesquisar a educação brasileira é enfrentar objetos cada vez mais controversos,
que encarnam uma tensão continua entre aspectos proeminentes de um passado que se
10
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
recusa em passar e de um presente que, muitas vezes, aparenta uma realidade
transformada, em favor da nossa sociedade. Por exemplo, é o que acontece quando o
Ministério da Educação e as políticas educacionais e sociais dos governos indicam
experiências exitosas por meio de dados ou de situações que demonstram nosso alcance
educacional e científico. Ou quando autoridades oficiais apresentam os desvios como
problemas circunstanciais, que são transferidos para os sujeitos, para as instituições
escolares, e para as estruturas educacionais de certas regiões e localidades do país.
Nessa perspectiva, acreditamos ser fundamental reaver a história estrutural em
sua abordagem materialista, histórica e dialética, utilizando todas as suas categorias
teóricas
(aparência-essência,
parte-totalidade,
passado-presente-futuro,
singular-
universal)3 e todos os seus recursos empíricos, como um método imprescindível que nos
possibilitará decodificar o objeto, ampliar a escala de análise da realidade e expor os
resultados à luz de teorias adjacentes.
Referências bibliográficas
MARX, Karl. E ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. V.3. São Paulo: Alfa-Omega,
LTDA. [s.d.].
AVELLAR, Hélio de Alcântara. História Administrativa e Econômica do Brasil. Rio
de Janeiro: MEC/FENAME, 1970.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Editado por Tom
Bottomore. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História. Rio
de Janeiro: Campus, 1997.
GOLDMANN, Lucien. Ciências Humanas e filosofia. Que é a Sociologia? São Paulo:
Difel, 1974.
3
Cf. Kosik, 1976.
11
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
GRECO, Alessandro. Homens de Ciência. São Paulo: Conrad editora do Brasil, 2001.
KOSIK, Karel. A Dialética do Concreto. Trad. de Célia Neves e Alderico Toríbio. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LOBO, Haddock. História Econômica e Administrativa do Brasil São Paulo: Atlas,
1968.
LUKÁCS, György.
Ontologia do Ser Social: os
Princípios Ontológicos
Fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 1º capítulo, seguido das teses
sobre Feuerbach. Trad. de Álvaro Pina. Lisboa: Avante, 1981. (Biblioteca do
Marxismo-Leninismo/16).
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas,
1985.
SANTOS, Boaventura de Souza. Tudo que é Sólido se desfaz no Ar: o Marxismo
Também? In: Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 1995.
SOCAL, Alan e BRICMONT, Jean. Imposturas Intelectuais. Rio de Janeiro: Record,
1997.
VIANNA, Hélio. História Administrativa e Econômica do Brasil. São Paulo:
Nacional, 1951.
12
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 3, número
9, março de 2013. www.faceq.edu.br/regs
Download

metodologia da pesquisa em educação: aspectos teóricos