XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
CONCEPÇÕES DE FUTUROS PROFESSORES DE MATEMÁTICA SOBRE
ENSINAR E APRENDER COM TECNOLOGIAS: PRIMEIRAS
APROXIMAÇÕES
Monica Fürkotte
Rosemara Perpetua Lopes
Resumo
Apresentamos resultados preliminares de uma pesquisa de doutorado em andamento,
que tem por objetivo geral investigar a formação para o uso das Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação (TDIC) nos cursos de licenciatura em Matemática de uma
universidade estadual paulista. Para realizá-la, adotamos como instrumentos
metodológicos questionário e entrevista semiestruturada, elegendo como sujeitos
estudantes do último ano, professores que tenham ministrado disciplinas envolvidas na
formação para o uso das TDIC a esses estudantes e coordenadores de dois cursos de
licenciatura em Matemática de institutos distintos da universidade. Neste trabalho
focalizamos um dos objetivos específicos da pesquisa, qual seja, identificar as
concepções sobre ensino e aprendizagem com TDIC dos estudantes de licenciatura
pesquisados. Para tanto, analisamos parte dos dados coletados pela aplicação do
questionário, ocorrida no segundo semestre de 2011. Os dados analisados correspondem
às respostas de uma pergunta aberta, que propõe ao sujeito esboçar um plano de aula a
partir de elementos estruturais fornecidos pelo pesquisador. Em seguida, os dados
analisados são relacionados aos dados de outras quatro perguntas fechadas de
alternativas dicotômicas com justificativa, que questionam sobre a intenção de usar ou
não tecnologias na aula, a segurança do futuro professor para ensinar Matemática
usando o computador, softwares que conhece para ensinar Matemática na escola básica
e sua compreensão sobre o uso pedagógico das tecnologias. Ressalvados a nossa visão
parcial sobre os dados e o caráter preliminar da pesquisa, o exposto sugere que,
subjacente ao plano de aula esboçado pelos sujeitos pesquisados, não há uma concepção
de ensino e aprendizagem com TDIC propriamente dita, mas uma tentativa de estruturála a partir de uma concepção de ensino e aprendizagem em que os alunos executam
atividades propostas pelo professor, sem a possibilidade de expor hipóteses a partir das
quais construiriam conhecimentos.
Palavras-chave: formação inicial de professores; licenciatura em Matemática;
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC).
1 Introdução
Apresentamos neste trabalho resultados parciais de uma pesquisa de doutorado,
cujo objetivo geral é investigar a formação para o uso das Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação (TDIC) nos cursos de licenciatura em Matemática de uma
universidade estadual paulista. Tal pesquisa dá continuidade a uma investigação
desenvolvida no mestrado, na qual buscamos evidenciar se a formação do professor que
atuará na Educação Básica contempla conhecimentos sobre TDIC e sob qual paradigma
pedagógico os mesmos se articulam.
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Na pesquisa de mestrado, inicialmente analisamos as grades curriculares dos
cursos de formação de professores das três universidades estaduais paulistas. Em
seguida, restringimos o campo investigativo aos cursos da área de Exatas de uma das
universidades, pelos critérios: modalidade do curso (priorizamos Licenciatura), tipo de
formação (professor da Educação Básica) e ocorrência de TDIC em disciplinas
obrigatórias. Analisando os projetos pedagógicos desses cursos, constatamos a presença
da formação para o uso das TDIC em dois cursos de licenciatura em Matemática de
institutos distintos da universidade focalizada. Partindo deste resultado, atualmente
investigamos a referida formação no plano real.
Para tanto, adotamos como instrumentos metodológicos questionário e
entrevista, tendo como sujeitos estudantes do último ano, professores e coordenadores
de curso. Até o momento, obtivemos como resultados a análise dos dados de uma
aplicação piloto realizada no segundo semestre de 2010 e uma segunda aplicação do
questionário, revisto e reformulado, realizada com três grupos de alunos, no segundo
semestre de 2011. Parte dos dados coletados nessa segunda aplicação é o que nos
propomos a analisar neste trabalho, tendo em vista um dos objetivos específicos da
pesquisa.
A esta introdução, seguem-se referencial teórico, no qual se encontram alguns
pressupostos que fundamentam a pesquisa, metodologia, com a explanação dos meios
pelos quais é realizada a investigação, assim como da coleta dos dados aqui analisados,
resultados parciais, contendo a análise dos dados, e considerações finais sobre o
exposto.
2 Referencial teórico
As TDIC têm como instrumentos principais computador e Internet (MARINHO;
LOBATO, 2008) e estão presentes nas Salas Ambiente de Informática (SAI) das escolas
públicas, o que nos levou a investigar a formação para o uso das mesmas em cursos de
licenciatura.
Partimos do pressuposto de que a sociedade contemporânea, dita tecnológica,
digital ou midiática, permeada por tecnologias digitais que redimensionam espaços e
tempos criando novos hábitos e necessidades, geram demandas sobre a Educação,
influenciando o trabalho do professor deste início de século.
O professor da “Idade Mídia”, assim chamada por Marinho e Lobato (2008), não
pode mais ignorar a familiaridade de seus alunos com as tecnologias, bem como as
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implicações desta familiaridade sobre o seu trabalho de sala de aula, pois como salienta
Tardif (2002, p. 268), “embora seja possível manter os alunos fisicamente presos numa
sala de aula, não se pode forçá-los a aprender”.
No contexto das tecnologias, a literatura educacional discute a formação inicial
do professor sob enfoques variados, tais como abordagens pedagógicas de uso do
computador (PAPERT, 1994; VALENTE, 1993, 1999) e currículo (FÜRKOTTER;
MORELATTI, 2008). A partir destes e de outros estudos (PÉREZ GÓMEZ, 1997;
BROUSSEAU, 1996), construímos nossa visão sobre a formação de professores de
Matemática para uso das TDIC, pressupondo que esta deva superar o paradigma da
racionalidade técnica, que atribui à prática um caráter instrumental, e ocorrer na e pela
prática, em situações nas quais o futuro professor aprenda Matemática e aprenda a
ensinar Matemática usando tecnologias, tendo em vista seu contexto de atuação e as
dificuldades nele presentes, buscando superar um ensino mecânico, pautado somente na
aprendizagem de algoritmos.
Ao focalizar concepções sobre ensinar e aprender Matemática com TDIC,
fundamentamo-nos no pressuposto de García (1997, p. 65), para quem “o que o
professor pensa sobre o ensino influencia a sua maneira de ensinar, pelo que se torna
necessário conhecer as concepções dos professores sobre o ensino”.
Partilhando com Sacristán (1983, p. 23) o entendimento de que a “realidade
detectada” não é senão a porção da realidade que o método que empregamos nos
permite enxergar, não temos a pretensão de “dar conta da estória toda” (KILPATRICK,
1998), mas almejamos contribuir para a formação do professor da Educação Básica, no
que tange à construção de saberes relacionados às tecnologias.
Estudos da Educação Matemática apontam que o professor em exercício,
inclusive o iniciante, tem dificuldades para usar as tecnologias na escola, quando ousa
fazê-lo (CARNEIRO; PASSOS, 2010). Partindo dos mesmos e concebendo a formação
inicial como aquela que fundamenta o exercício da atividade educativa em instituições
de ensino (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011), entendemos que já nesta etapa as
referidas dificuldades poderiam estar contempladas, constituindo a formação para uso
das TDIC que investigamos, de maneira que o futuro professor delas tivesse
conhecimento e as pudesse antecipar ao planejar uma aula com tecnologias.
3 Metodologia
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Desenvolvemos uma pesquisa que tem por objetivo geral investigar a formação
para o uso das TDIC nos dois cursos de licenciatura de uma universidade estadual
paulista, em cujos projetos pedagógicos essa formação está prevista. Os objetivos
específicos consistem em: analisar como ocorre a articulação entre disciplinas
obrigatórias e optativas presentes nos projetos pedagógicos dos cursos, destinadas a
formar para o uso das TDIC; identificar as concepções sobre ensino e aprendizagem
com TDIC de estudantes dos cursos de licenciatura em Matemática; investigar o que os
estudantes de licenciatura entendem por uso pedagógico das TDIC na Educação Básica;
evidenciar qual a concepção dos professores formadores e dos coordenadores de curso
sobre ensinar com TDIC no Ensino Superior; investigar se e quais situações práticas de
aprendizagem com TDIC estiveram presentes na formação dos licenciandos. Neste
trabalho, focalizamos somente o objetivo específico relativo às concepções sobre ensino
e aprendizagem com TDIC de estudantes dos cursos de licenciatura em Matemática.
Adotamos como instrumentos metodológicos questionário e entrevista. O
questionário tem sua elaboração fundamentada em Barros e Lehfeld (2000) e Cervo
(1996). É composto por perguntas dicotômicas com justificativa e perguntas abertas,
sendo aplicado aos alunos do último ano dos dois cursos investigados, oferecidos, estes,
por institutos distintos da universidade focalizada. A entrevista semiestruturada conta
com o respaldo de Lüdke e André (1986), devendo ser realizada com professores que
ministraram disciplinas envolvidas na formação para o uso das TDIC aos alunos que
responderam ao questionário e coordenadores de curso.
Na análise, os cursos são identificados como Curso de Matemática 1 (CM1) e
Curso de Matemática 2 (CM2), o primeiro com duas turmas, uma do período diurno,
outra do noturno, o segundo com uma única turma. Analisamos dados coletados junto
aos alunos de uma das turmas do CM1, à qual chamamos Turma 1 do CM1 (T1CM1).
Os alunos que responderam o questionário são reconhecidos pelos termos Aluno 1 (A1),
Aluno 2 (A2), Aluno 3 (A3) e assim sucessivamente até Aluno 8 (A8). As demais
turmas são nomeadas como Turma 2 do CM1 (T2CM1) e Turma do CM2 (TCM2).
Analisamos dados correspondentes às respostas de uma pergunta aberta do
questionário, aplicado no segundo semestre de 2011, na qual é proposto aos estudantes
planejar uma aula com tecnologias para Ensino Fundamental ou Ensino Médio, devendo
o plano contemplar: conteúdo matemático, objetivo(s), como começaria, como
desenvolveria, como concluiria, como avaliaria e seu papel no desenvolvimento da aula.
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As respostas são analisadas sob o enfoque das concepções sobre ensino e
aprendizagem com TDIC, a partir dos pressupostos de: Mizukami (1986) sobre
abordagens de ensino; Bairral (2010), quanto à função da visualização de conceitos das
tecnologias; Fagundes (2008) e sua premissa sobre uso da tecnologia para a
aprendizagem, em atividades interativas e colaborativas; Brown (2003), que caracteriza
concepções como estrutura organizada, a partir da qual o professor vê, interpreta e age
no ambiente de ensino; Papert (1994) e Valente (1993, 1999) que conceituam
abordagens pedagógicas de uso do computador; Brousseau (1996), com relação à
sequência didática da aula; Shulman (1986) e Simião e Reali (2002) sobre a base de
conhecimentos necessária ao professor para usar tecnologias como computador e
softwares educacionais.
Os dados analisados são relacionados aos dados de outras quatro perguntas
fechadas de alternativas dicotômicas com justificativa. A primeira questiona se o aluno
pretende usar tecnologias em suas aulas quando for professor; se sim, com que
frequência, de que modo, com que finalidade e quais dificuldades imagina encontrar. A
segunda investiga se ele se sente seguro para ensinar Matemática usando o computador.
A terceira é relativa aos softwares que conhece para ensinar Matemática na escola
básica, bem como o que deve ser avaliado em um software pelo professor que o
pretende utilizar no Ensino Fundamental ou Médio. A quarta indaga se o professor faz
uso pedagógico das tecnologias, ao utilizá-las para o planejamento de suas aulas.
4 Resultados
A pergunta sobre o plano de aula não foi respondida por A1 e A2. Dos que a
responderam, quatro optaram pelo Ensino Fundamental (A3, A4, A5 e A8) e dois pelo
Ensino Médio (A6 e A7). Ao estruturar sua aula, apenas um dos respondentes (A4) fez
referência ao local no qual a desenvolveria. Questionados sobre a frequência de uso das
tecnologias em suas futuras aulas, os estudantes responderam com os termos “mínima”
(A3), “não sempre” (A4), “quando necessário” (A5 e A8), “sempre que possível” (A6),
“semanalmente ou quinzenalmente, se possível” (A7), que indicam imprecisão (A5, A6,
A7 e A8) ou restrição (A3 e A4). Metade dos estudantes se sente segura para ensinar
Matemática usando o computador (A2, A3, A4 e A8), metade não (A1, A5, A6 e A7),
por falta de prática (A1), experiência (A5 e A7), preparo (A6) e referências (A7).
Iniciamos a análise com a resposta de A3. O objetivo de sua aula é ensinar
Geometria utilizando computador. Começaria apresentando o software e os objetivos
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pretendidos, em seguida, explicaria o que desenvolveria, os recursos do software e a
atividade. Concluiria perguntando aos alunos a opinião deles sobre a aula. Assim
estruturado, seu plano de aula não fornece indícios da sequência didática que
desenvolveria, nem sobre o que, especificamente, abordaria de Geometria.
Em resposta a outra pergunta do questionário, A3 indica Winplot, Excel e
iGeom como softwares que conhece para ensinar Matemática na escola básica, o que
sugere indagar que conhecimentos teria este futuro professor sobre tais softwares, uma
vez que sequer mencionou um deles em seu plano de aula. O iGeom é um programa de
Geometria Dinâmica que permite fazer construções geométricas, o que poderia
contribuir na aprendizagem de conceitos geométricos, dependendo da abordagem
segundo a qual fosse utilizado. Entretanto, a resposta deste estudante não revela o tipo
de uso que faria, tampouco inclui o iGeom em sua aula.
Questionado sobre o seu papel como professor no desenvolvimento de uma aula
com tecnologia, A3 respondeu que esse papel consistiria em ir “monitorando e
auxiliando o uso de computadores”. Sua resposta sugere considerar que qualquer pessoa
com conhecimento em Informática poderia desempenhar esse papel na SAI, mas
somente o professor poderia orientar os alunos durante a realização de uma tarefa que
ele tivesse proposto com a finalidade de aprendizagem de conceitos matemáticos
específicos, usando o computador. Corrobora essa interpretação o constatado por
Simião e Reali (2002) em investigação realizada junto a estudantes de um curso de
Licenciatura em Matemática. De acordo com os autores, o uso do computador e de
softwares em contextos educacionais envolve conhecimento do conteúdo específico
(Matemática), conhecimento pedagógico do conteúdo (recursos e modos de ensino) e
conhecimento sobre os alunos (como aprendem, em quais situações etc.).
Enquanto em uma resposta A3 aponta o computador como tecnologia a ser
usada em sua aula, em outra, indica o vídeo como a tecnologia que pretende usar
quando for professor, com a finalidade de despertar a curiosidade e o interesse dos
alunos sobre alguns assuntos, caso em que, segundo Valente (1993), o computador não
é incorporado à prática pedagógica.
A4, por sua vez, pretende “ensinar e demonstrar pontos notáveis no triângulo” a
alunos do Ensino Fundamental, usando um software não identificado. A exemplo de
A3, não define o software em seu plano de aula, contudo, em resposta a outra pergunta
do questionário, cita GeoGebra, Winplot, Excel, iGeom e Calculator como aqueles que
conhece para ensinar Matemática na escola básica. Este contraponto permite questionar
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que conhecimento teria sobre tais softwares, uma vez que não os integrou ao seu plano
de aula.
Diferentes softwares permitem o desenvolvimento de situações de aprendizagem
distintas em uma aula (VALENTE, 1999). A4, assim como A3, parece desconhecer
isso, apesar de responder que “o professor deve avaliar se o software vai servir para
aprendizagem ou apenas para diversão”, quando indagado sobre o que um professor de
Matemática deve avaliar em um software que pretende usar no Ensino Fundamental ou
Médio.
Na SAI, A4 inicialmente pediria aos alunos para desenharem figuras usando o
software, depois os ajudaria a desenhar triângulos, anotando com eles o que aprenderam
e o que foi relevante. Em seu plano de aula, este futuro professor não informa se estaria
introduzindo o assunto ou dando continuidade, se os alunos conheciam o software ou
teriam um primeiro contato com o mesmo, e se a atividade seria desenvolvida em grupo
ou individualmente, sendo esta uma questão que se coloca ao professor que se dispõe a
usar tecnologias como o computador na escola, segundo Carneiro e Passos (2010).
Com relação ao desenvolvimento de sua aula, supõe-se que A4 pediria aos
alunos para desenhar figuras quaisquer e que esses soubessem usar o software. Quanto a
desenhar triângulos, dependendo do software utilizado, os alunos poderiam construi-los
sem necessariamente conhecer sua definição e suas propriedades. Depois de desenhar
triângulos, professor e alunos anotariam o que foi aprendido. Neste caso, o roteiro da
aula não seria “teoria seguida de aplicação da teoria”, o que não significa que o
computador seria usado pelos alunos para a construção do conhecimento matemático,
uma vez que este (pontos notáveis no triângulo) não está presente no desenvolvimento
das atividades.
Ao se referir aos alunos, A4 escreve que “os ajudaria a desenhar triângulos”,
sem deixar claro em que consistiria tal “ajuda”. Dado seu objetivo de “ensinar e
demonstrar pontos notáveis no triângulo” (grifo nosso), poderia consistir no seguinte: o
professor desenha e os alunos reproduzem. Com relação a esse objetivo, cabe assinalar
que a relação entre desenhar triângulos e ensinar pontos notáveis no triângulo não se
mostra claramente explicitada.
A5 pretende ensinar simetria, translação e rotação, em uma aula na qual
primeiramente explicaria transformações geométricas. Depois, usando um programa de
computador, pediria aos alunos para construir figuras, discutindo com os mesmos suas
particularidades. Em seu plano, não informa qual software empregaria, apesar de, em
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resposta a outra pergunta, mencionar o software TESS como aquele que conhece para
ensinar Matemática na escola básica.
Na aula com tecnologia, o estudante parece atribuir ao programa de computador
a função de recurso que permitire tornar mais claro um conceito explicado
anteriormente. Como o software Tess possibilita a criação de ilustrações utilizando
rotação, reflexão e translação, poderia ser utilizado após uma explicação sobre
transformações geométricas. Contudo, esta inferência é refutada quando, em resposta a
outra pergunta, A5 escreve que a finalidade do uso da tecnologia em uma aula é colocar
os alunos em contato com programas computacionais, para “verem o quanto são úteis e
facilitadores além de sairem da rotina do giz e lousa que são acostumados atualmente”.
Da forma como foi estruturada, a aula desse futuro professor contempla teoria
antes e aplicação da teoria depois, num movimento distinto daquele que pressupõe
Valente (1993), ao propor o uso do computador como ferramenta para a construção do
conhecimento, o que pode ser visto como indício de uma abordagem pedagógica
pautada no paradigma da racionalidade técnica (PÉREZ GÓMEZ, 1997).
A6 pretende ensinar a construir gráficos de funções elementares usando o
Winplot. Em sua aula, inicialmente “recordaria” funções, o que permite supor que esse
conteúdo tenha sido abordado anteriormente, de maneira que os alunos disponham de
conhecimento prévio sobre o assunto. Em seguida, mostraria aos alunos como construir
gráficos a partir de funções elementares, usando o software e manualmente. No referido
contexto, mais do que ações, os verbos recordar, mostrar e ensinar parecem indicar o
papel do professor e dos alunos em uma aula na qual a tecnologia usada para aprender
Matemática segue um movimento que vai da teoria à aplicação desta, a exemplo do
verificado com A5.
A aula esboçada por A7 tem como objetivo mostrar funções trigonométricas aos
alunos, usando uma tecnologia não especificada pelo estudante, embora este, ao
responder outra pergunta do questionário, indique GeoGebra, Excel, iGeom e Cabri
Géomètre como softwares que conhece para ensinar Matemática na escola básica. Sua
proposta é apresentar aos alunos um ciclo trigonométrico anteriormente construído e
“deixar que eles visualizem o seno, cosseno, etc. variando de acordo com o ângulo” e
encerrar com “uma atividade”. Resumindo, sua aula consiste em apresentar um ciclo
trigonométrico pronto, para que os alunos percebam que o seno, o cosseno etc. variam
de acordo com o ângulo, e em seguida propor uma atividade não especificada, sem
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qualquer menção à tecnologia. Assim estruturado, o plano de aula de A7 vai da teoria à
aplicação da mesma, assim como os de A5 e A6.
A aula de A8 tem como objetivo “explorar as diversas formas geométricas e suas
respectivas áreas” usando o GeoGebra, software que cita juntamente com Excel, Power
Point e Winplot, quando questionado em outra pergunta. Sua aula consistiria em
mostrar “a malha quadriculada no GeoGebra, montando figuras, explorando o que
ocorre com a ‘quantidade de quadradinhos’ dentro da figura quando aumenta ou diminui
o lado”. Em seguida, “tentaria deduzir as fórmulas de área” e concluirira
“formalizando” essas fórmulas. Como “atividade de fechamento” proporia problemas
utilizando os conceitos trabalhados.
Assim configurada, a aula de A8 parece indicar uma tentativa de romper com o
paradigma que prevê teoria antes e aplicação depois. Contudo, não fica claro se quem
montaria as figuras explorando a malha quadriculada no GeoGebra seria o professor ou
os alunos. Sendo o professor, ele explicaria a teoria a partir de uma situação concreta e
passaria à aplicação desta na referida “atividade de fechamento”, mantendo os alunos na
condição de ouvintes, assim como ocorre na sequência “teoria-aplicação da teoria”,
apesar de a teoria ser explicada tendo o GeoGebra e suas ferramentas como recurso.
Neste caso, ao assumir a função antes atribuída ao retroprojetor, vídeo etc., a tecnologia
seria subutilizada (VALENTE, 1993).
Dos oito estudantes que responderam ao questionário, A8 foi o único a discordar
de que, ao utilizar tecnologias para o planejamento de suas aulas, o professor faz uso
pedagógico das mesmas, porque, segundo suas palavras, “o professor pode usar estes
recursos como ‘bengala’ e ter uma aula ruim”. Em contrapartida, quando questionado
sobre a finalidade de uso da tecnologia em suas futuras aulas, responde que seria
“agilizar, sintetizar e (talvez) distribuir o material aos alunos”, algo distante daquela
que, segundo Valente (1993, p. 26), seria a “razão mais nobre e irrefutável do uso do
computador na educação”: desenvolver o raciocínio ou possibilitar situações de
resolução de problemas.
5 Considerações finais
Neste trabalho propusemo-nos a buscar indícios das concepções de ensino e
aprendizagem com tecnologia (TDIC) em respostas dadas por estudantes do último ano
de um curso de licenciatura em Matemática de uma universidade estadual paulista. A
análise é parte de uma pesquisa de doutorado em andamento. Os dados analisados
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correspondem às respostas dadas a uma pergunta aberta de um questionário aplicado em
2011, havendo cruzamento com os dados de outras quatro perguntas fechadas, sendo
este um dos instrumentos da pesquisa, juntamente com entrevistas semiestruturadas.
Aos estudantes de licenciatura em Matemática do último ano de curso foi
proposto planejar uma aula com tecnologia. Em resposta, houve quem sequer incluísse
tecnologia na “aula com tecnologia” que planejou (A7). A maioria dos sujeitos não
especificou que tecnologia pretende usar, sendo este um dado que requer atenção, do
ponto de vista de Valente (1999), porque, no caso dos softwares, a situação de
aprendizagem proposta pelo professor está diretamente relacionada às potencialidades e
limites do mesmo. Os softwares citados pelos estudantes de licenciatura como aqueles
que conhecem para ensinar Matemática aos alunos da escola básica ou não estão
presentes na aula que planejam (A3, A4, A5 e A7) ou estão inseridos em contextos nos
quais sua função não é claramente explicitada (A6, A8).
A análise permite considerar que propiciar a visualização do conteúdo
matemático aos alunos e usar o recurso tecnológico no momento final da aula, após
haver “explicado” ou “recordado” o conteúdo (A6 e A5, respectivamente) são indícios
de uma prática assentada no paradigma da racionalidade técnica (PÉREZ GÓMEZ,
1997). Em seu conjunto e no contexto em que se apresentam, os verbos de ação
presentes nos enunciados das respostas, no que tange aos objetivos e desenvolvimento
da aula dos sujeitos pesquisados, tais como mostrar, demonstrar, formalizar e deduzir,
parecem confirmar essa interpretação.
Constatamos assim que nenhuma das aulas com tecnologia apresentadas pelos
futuros professores de Matemática pesquisados inclui de fato a tecnologia, tampouco se
mostra orientada por uma abordagem pedagógica que atribua ao aluno o papel de sujeito
ativo, construtor do próprio conhecimento. A integração da tecnologia à aula, quando
ocorre, veicula indícios da racionalidade técnica, paradigma que pressupõe o
instrucionismo como abordagem pedagógica, sugerindo atenção às práticas de ensino e
aprendizagem com TDIC que as concepções assentadas nessa abordagem permitirão aos
futuros professores de Matemática desenvolver.
O exposto sugere que, subjacente ao plano de aula dos sujeitos pesquisados não
há uma concepção de ensino e aprendizagem com TDIC, no sentido atribuído por
Brown (2003) à concepção, mas uma tentativa de estruturá-la a partir de uma concepção
de ensino e aprendizagem em que os alunos executam atividades propostas pelo
professor, sem a possibilidade de expor hipóteses a partir das quais construiriam
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conhecimentos (PAPERT, 1994). Concepção segundo a qual o professor usa a
tecnologia para expor o conteúdo, ainda que essa tecnologia seja o GeoGebra, software
de modelagem que permite propor situações de aprendizagem a partir das quais os
alunos explicitem suas hipóteses e construam conhecimento (VALENTE, 1993).
Retomando o objetivo almejado neste trabalho, a análise apresentada sinaliza no
sentido de que não há concepções de ensino e aprendizagem com TDIC propriamente,
se atribuirmos à preposição “com” o sentido de integração das tecnologias ao processo
de ensinar e aprender Matemática. Sendo iniciais, tais resultados poderão ou não ser
confirmados na continuidade da pesquisa.
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Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001301
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