GOVERNANÇA: LEGISLAÇÃO E PRÁTICAS.
A GESTÃO DOS INVESTIMENTOS DOS FUNDOS DE PENSÃO.
Flavio Martins Rodrigues 1
Matheus Corredato Rossi 2
Andréa Neubarth Correa 3
Publicado originalmente no livro “Fundos de Pensão: Gestão de Investimentos”.
São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2008. p. 79-95 .
SUMÁRIO: 1. Instrumentos jurídicos para a garantia de um superior nível de
governança; 1.1. Conceito de governança: a “contratação” como instrumento
de governança interna e externa; 1.2. A estrutura de governança nas Leis
Complementares 108 e 109/2001; 1.3. Os direitos – rights - de
acompanhamento da gestão da entidade; 1.4. A independência patrimonial
dos planos de benefícios como mecanismo de governança corporativa; 2. As
normas voltadas para os investimentos; 2.1. A governança e a normatização
com vista ao necessário equilíbrio financeiro e atuarial; 2.2. A governança no
processo de investimentos: novas determinações do CMN e o
posicionamento da SPC; 2.3. A posição da SPC nos investimentos
terceirizados; 3. Conclusão.
1
Advogado, Mestre em Direito, sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados,
especialista e responsável pela área de Previdência Complementar.
2
Advogado associado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, ex-Consultor Jurídico
Adjunto da PREVI-BB e Mestre em Direito pela PUC/SP.
3
Advogada associada do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, Mestre em Administração
Pública pela FGV/RJ, Pós–Graduação em Previdência Complementar pela UERJ/COPPE/RJ e ex-AuditoraFiscal da Previdência Social.
1
1. INSTRUMENTOS JURÍDICOS PARA A GARANTIA DE UM SUPERIOR NÍVEL DE
GOVERNANÇA
O crescimento do porte das corporações – sejam públicas ou privadas, sejam voltadas para
a produção ou para a prestação de serviços, com ou sem finalidades mercantis – e o incremento da
complexidade do processo produtivo têm demandado reflexões sobre os processos de gestão. Cada vez
mais, percebe-se que o ponto não é uma busca maniqueísta entre “acertar sempre” ou “errar sempre”, vez
que os macro-processos sempre gerarão acertos e erros. O ponto central é como estabelecer mecanismos
capazes de gerar maiores possibilidades de acertos e menores possibilidades de erros.
Essa discussão se iniciou com base em práticas corporativas de natureza administrativa,
tendo transbordado para as matrizes legais. Foi razoavelmente fácil fazer com que o administrador
percebesse o compromisso de buscar meios capazes de mitigar riscos. Contudo, o nível de normatização ou
regulação (conforme o caso) ainda coloca-se como um desafio. Em outras palavras, qual deve ser o padrão
ideal da intervenção normativa no campo da administração corporativa? O excesso de normas engessa a
gestão, determinando-lhe custos elevados e, até mesmo, uma certa acomodação gerencial. Por outro lado, a
falta de normas gera a ausência de um padrão mínimo de conduta obrigatória, capaz de determinar um
vácuo onde “tudo pode acontecer”.
Há um exemplo que merece ser referido, porque muito expressivo em nosso âmbito. O
Reino Unido, em 1991, viu desaparecer o mago da mídia, Robert Maxwell. Ele sumiu misteriosamente em
seu luxuoso iate, o Lady Ghislane. O corpo do empresário foi encontrado no Atlântico, próximo às Ilhas
Canárias, sem que saiba se ele se matou ou se foi assassinado. Mr. Maxwell controlava uma corporação que
possuía um número grande de revistas, jornais e redes de TV ingleses e que contava com um importante
fundo de pensão. Sabia-se das dificuldades financeiras enfrentadas por seu conglomerado, contudo, somente
após a sua morte, foram verificadas operações fraudulentas com o fundo de pensão, determinando a
liquidação dos planos de benefícios com pesadas perdas para os trabalhadores e aposentados.
2
Esse fato com grande repercussão na mídia – os trabalhadores atingidos eram sobretudo
pessoas do segmento de comunicações e as condições de falecimento de Robert Maxwell estimularam
notícias escandalosas – desencadeou uma onda de normas de parte das autoridades reguladoras das
operações dos fundos de pensão ingleses. Foram então fixados padrões e limites severos sobre as operações
dessas entidades, sobretudo em comparação aos padrões próprios do common law (no qual há poucas regras
escritas). Alguns anos depois, as autoridades monetárias desse país resolveram pesquisar as razões da
diminuição da rentabilidade dos investimentos dos fundos de pensão em comparação a outros padrões de
mercado. O resultado apontou que o excesso de normas inibia a ação dos gestores das entidades de
previdência. De fato, o remédio teve uma dose excessiva, colocando em risco o paciente. O resultado dessa
pesquisa determinou a revisão das normas inglesas a partir do final dos anos 90, desregulando-se a atuação
dos administradores de fundos de pensão.
Entre nós, atualmente, tema semelhante vem mobilizando os administradores, reguladores
e fiscalizadores das entidades fechadas de previdência complementar (“EFPC ou “Fundos de Pensão”),
notadamente no que diz respeito aos investimentos dos ativos garantidores dos planos de benefícios
administrados por essas pessoas jurídicas. Devem-se adicionar dois elementos circunstanciais importantes.
De um lado, há um ambiente macroeconômico que vem trazendo a diminuição das taxas reais de juros
básicos da economia, determinando ao gestor de EFPC a busca por ativos com riscos privados.4 E, de outro
lado, há um emaranhado de regras relacionadas com os investimentos dos Fundos de Pensão e um crescente
incremento de processos de fiscalização e punitivos por parte da Secretaria de Previdência Complementar
(“SPC”). Por conseguinte, a análise da matéria jurídica torna-se um elemento central para os Fundos de
Pensão brasileiros.
4
Referimo-nos ao ambiente econômico de redução das taxas de juros que faz com as EFPC busquem novas alternativas de
investimentos em substituição à gestão passiva baseada em títulos públicos de longo prazo, cuja elevada rentabilidade assegurava
tranqüilamente o cumprimento das metas atuariais. Esse cenário acabou sendo fortalecido após a decisão das agências de
classificação de riscos - Standard & Poor’s e Fitch Ratings - em considerar o Brasil como um país seguro (Investment Grade). A
expectativa dos analistas econômicos e financeiros é de uma melhora significativa para todas as áreas de negócios dentro do País.
3
Ainda que relevante o desafio, a nosso ver, a mediação entre os extremos entre
“normatizar pouco” ou “normatizar muito” está na busca por padrão legal de governança corporativa no
âmbito das EFPC brasileiras. Faz-se necessário um standart que seja capaz de mitigar os riscos de
investimento (sobretudo na compra de riscos privados) e que seja capaz de demonstrar para aos órgãos de
fiscalização a realização de um processo técnico e transparente de tomada de decisão e acompanhamento
dos investimentos.
De certa forma, o rumo está dado, tendo-se como marco mais relevante para o regime de
previdência complementar fechada a edição, pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar
(“CGPC”), de ato consubstanciado na Resolução CGPC nº 13, de 1º de outubro de 2004, que destaca os
princípios regedores a serem adotados compulsoriamente pelas EFPC. Mais recentemente, o Conselho
Monetário Nacional (“CMN”), através da Resolução CMN 3.456, de 1º de junho de 2007, determinou
também regras voltadas para um processo mais apurado de governança das EFPC. Contudo, antes de nos
determos nos aspectos mais específicos das normas próprias das entidades brasileiras, procurar-se-á trazer
os elementos antecedentes que colocaram os Fundos de Pensão no atual patamar de obrigatoriedade de
desempenho de uma administração responsável.
1.1. Conceito de governança: a “contratação” como instrumento de governança interna e externa
Os regimes previdenciários estruturados com base no custeio por repartição simples,
fragilizados pela impossibilidade de o Estado promover o bem estar social nos níveis requeridos pela
sociedade, provocaram, nas últimas décadas, o surgimento e a ampliação surpreendente dos regimes de
previdência complementar, capitalizados.
O pagamento dos benefícios como atividade-fim dos Fundos de Pensão somente se realiza
em função dos instrumentos de financiamento que exigem sua presença no mercado financeiro e como
investidor na atividade produtiva. Em conseqüência, as EFPC têm enfrentado o desafio de investir os
4
recursos capitalizados de seus participantes em mercados cada dia mais sofisticados e globalizado e, ainda,
produzir, permanentemente, resultados que possam garantir os benefícios contratados.
Poder-se-ia trazer um número considerável de conceitos de governança, porém,
desprezando um modelo de conceituação teórica, nesse artigo, governança será entendida como o
“somatório de processos, órgãos e instituições pelos quais são tomadas decisões”.5
Embora não seja privativo desse segmento, observa-se que o ambiente onde o conceito de
governança primeiramente se destacou foi no mercado de capitais. Nesse ambiente, a melhoria do processo
de tomada de decisão possui papel fundamental, concorrendo para o crescimento das empresas, em razão da
regulação dos interesses dos proprietários, dos administradores da companhia, dos investidores e dos demais
agentes que com ela se relacionam. Observou-se que a adoção de boas práticas de governança corporativa
agregava valor às companhias, situação requerida pelos investidores com uma atuação cada dia mais próativa. Em empresas com controle cada vez mais pulverizado, observar padrões de relacionamento voltado à
consecução de resultados socialmente valorizados fez surgir uma nova estrutura empresarial, condição
fundamental para o sucesso desses empreendimentos.
Essas relações complexas foram percebidas pelos teóricos que sistematizaram seus
conceitos na Teoria da Agência. Jensen e Meckling6 desenvolveram tal teoria com vistas a dar tratamento
aos inevitáveis conflitos de interesses entre acionistas, administradores, e a própria administração, nos
principais níveis de gestão. A idéia era um contrato onde uma ou mais pessoas (o principal) engaja outra
pessoa (o agente) para desempenhar alguma tarefa em seu favor, envolvendo a delegação de autoridade para
tomada de decisão pelo agente. Com essa construção teórica, pretendia-se dar uma resposta com vistas ao
alinhamento de interesses, além de parametrizar a criação de estruturas que permitiriam acompanhar os
5
Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Governan%C3%A7a_corporativa
6
JENSEN, Michael C. e MECKLING, William H. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership
structure. v. 3. Journal of Financial Economics, 1976. p.305-360.
5
resultados, avaliar o desempenho e remunerar o investimento de acordo com a realização desses resultados
face aos objetivos perseguidos.
A adoção das práticas de governança corporativa, embora centrada numa questão de
atitude dos agentes econômicos (auto-regulação privada), funda-se, portanto, na idéia de uma tomada de
decisões isenta de abusos, observando o devido respeito aos interesses de todos os envolvidos e às
disposições legais, dentro de um ambiente corporativo novo. Muito embora haja relativo dissenso quanto a
um quadro preciso dos princípios, há convergência dos estudiosos para a inclusão de um núcleo formado
pelos seguintes elementos centrais: participação, transparência, responsabilidade, consensualidade,
inclusividade e eficiência.
Assim, haveria um pacto entre aqueles que controlam as companhias, os acionistas (aí
incluídos os minoritários), os administradores, os empregados da companhia, os demais parceiros e os
agentes externos, visando assegurar a maximização dos resultados e a valorização da empresa.
Nesse ambiente, evidenciou-se o nexo de causalidade entre as boas práticas de governança
e o desenvolvimento do mercado de capitais. Isto fez com que esse movimento irradiasse para fora das
companhias, contagiando outros setores da sociedade. Especialmente os Fundos de Pensão, que
tradicionalmente atuam como investidores institucionais qualificados, puderam observar a evolução por que
passaram as empresas quando, em razão da democratização do capital e da necessidade de regular os
interesses envolvidos, adotaram certas práticas de gestão com tratamento justo a todos os acionistas demais
envolvidos (sociedade civil, governos, etc.). Tais práticas revelaram-se profícuas para todos e agregaram
maior valor para as empresas que praticaram os referidos princípios.7
7
Em relação a esse novo ambiente auto-regulatório que orienta em boa medida as diretrizes de rentabilidade e liquidez dos
investimentos dos Fundos de Pensão, pudemos observar: “Atualmente, acompanhamos uma crescente inserção dos Fundos de
Pensão brasileiros nessa nova ordem auto-regulatória dos investimentos, os quais sem descuidar dos seus objetivos gerenciais,
passaram a priorizar em seus investimentos questões relacionadas à transparência, desenvolvimento social e meio-ambiente em
estágios jamais vistos anteriormente no meio corporativo, além de apoiar entidades disseminadoras de tais fatores como, por
exemplo, o Carbon Disclosure Project. Na realidade, a preocupação dos Fundos de Pensão brasileiros é compartilhada por
todos os investidores institucionais, dada a capacidade de interferirem na gestão das companhias e nas políticas públicas da
6
1.2. A estrutura de governança nas Leis Complementares 108 e 109/2001
Iremos tratar de forma breve esses diplomas normativos, dado que, passados mais de sete
anos da edição das Leis Complementares 108 e 109, de 29 de maio de 2001 (“LC 108/2001” e “LC
109/2001”), está consolidada a estrutura de governança determinada para as EFPC, especialmente a inserção
dos participantes e assistidos nos colegiados e instâncias de decisão.
O §6° do art. 202 da Constituição Federal, determinava que a lei complementar especial
voltada para os Fundos de Pensão com “patrocinadores públicos” deveria estabelecer os “requisitos para a
designação dos membros das diretorias (...) e a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de
decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação”. Essa regra acabou prevalecendo
para todas as entidades em arranjos diferenciados para as entidades com patrocinadores privados e para
aquelas com patrocinadores vinculados à administração pública. Enquanto nessas há paridade dos membros
dos conselhos,8 naquelas, a inserção deve representar, pelo menos, um terço desses órgãos colegiados,9
ainda que se encontre percentual superior em algumas entidades vinculadas ao setor privado.
A LC 109/2001, por sua vez, como lei geral, estabelece a estrutura mínima composta de
conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva. Os membros desses órgãos colegiados devem
atender a requisitos mínimos, e especialmente possuir “comprovada experiência no exercício de atividades
nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria” (LC 109/2001, art.
35, §3º).
economia, impulsionando ou retraindo atividades econômicas específicas tendo presentes os referidos fatores de investimentos.”
RODRIGUES, Flavio Martins e ROSSI, Matheus Corredato. Auto-Regulação privada combina eficiência com responsabilidade.
Disponível em: http://www.bovespa.com.br/ Investidor/Juridico/080605NotA.asp. Consultado em: 15/09/2008.
8
Conforme previsto no art. 11 e 15 da LC 108/2001.
9
Conforme previsto no art. 35 da LC 109/2001.
7
Tais exigências ampliam a possibilidade de o administrador, no exercício de suas funções,
estar em conformidade com padrões conhecidos como o paradigma do especialista prudente (o standart
norte-americano do prudent expert).10
Essas duas diretrizes mencionadas permitem sinalizar para a consecução de ideais de
transparência e participação na gestão e pretendem uma melhor qualificação técnica para a administração
das entidades fechadas, vinculando-se, neste ponto, com o princípio da eficiência. Além disso, um maior
controle de parte dos interessados diretos e uma melhor capacitação dos dirigentes diminuem os riscos
próprios dos arranjos previdenciários, sobretudo quando custeados de forma capitalizada.
A estrutura executiva superior dos Fundos de Pensão está concentrada na diretoriaexecutiva, com um número de diretores determinado por seus estatutos, sendo que para as EFPC com
patrocinadores vinculados à administração pública este número está limitado a seis diretores.11 A par da
estrutura executiva, poderão coexistir outras estruturas inferiores, como gerências e comitês, que terão suas
competências estabelecidas por atos da própria entidade (estatuto ou regras internas), com segregação de
atividades em unidades administrativas.
1.3. Os direitos – rights – de acompanhamento da gestão da entidade
Parece necessário, para que se verifique o cenário onde frutificaram essas iniciativas de
aprimoramento da governança, que se faça uma breve digressão sobre a natureza fiduciária dos Fundos de
Pensão e, conseqüentemente, dos compromissos que possuem os seus gestores. Os recursos coletados dos
patrocinadores e dos participantes devem ser investidos como forma de atingir o nível de capitalização
necessário para satisfazer os compromissos de cada plano de benefícios. Esses gestores exercem, por
10
Sobre o standart da atuação dos gestores de Fundos de Pensão, ver o nosso artigo: RODRIGUES, Flavio Martins. A
Responsabilidade Civil dos Gestores de Fundos de Pensão. in Fundos de Pensão: Temas Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar,
2003. Ainda: MARTINS, Sabrina de Lima. A responsabilidade civil dos gestores e técnicos dos fundos de pensão. in “Revista de
Previdência da UERJ/CEPED”. n. 7. Rio de Janeiro: Gramma, 2008. p. 23/88.
11
Conforme previsto no art. 39 da LC 108/2001.
8
conseguinte, um munus fiduciário, pois administram patrimônio que não lhes pertence e do qual dependem
os trabalhadores e suas famílias. Da mesma forma, contam os patrocinadores tais valores para a realização
de parte relevante de sua política de recursos humanos, qual seja a retenção de mão de obra e o
desligamento de seus colaboradores de mais idade.
Assim, na busca de aperfeiçoamento do processo de decisão desses gestores fiduciários,
inserem-se as regras de participação e de transparência, sobretudo com a democratização de informações
relevantes a respeito da condução dos investimentos e da avaliação do passivo.12 Trata-se aqui do direito de
acompanhamento de seus planos de benefícios previdenciários complementares, materializado no §1º do art.
202 da Constituição Federal, que garante aos participantes o “pleno acesso às informações relativas à
gestão de seus respectivos planos” (grifamos). Veja-se que a norma constitucional não cuida de estabelecer
o acesso a resultados (conhecimento num posterior momento), mas sim de ter acesso à “gestão”, por
conseguinte, conhecer a administração de seus interesses quase que em tempo real.
1.4. A independência patrimonial dos planos de benefícios como mecanismo de governança
corporativa
A segregação dos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas,
introduzida pela LC 109/2001 foi condição necessária para o surgimento do atual nível de sofisticação dos
mecanismos de gestão dos investimentos das EFPC. Tal segregação, que se traduz em identidade do plano
com patrimônio independente, foi estudada pelos juristas MAURÍCIO CORRÊA SETTE TORRES e IVAN
JORGE BECHARA FILHO, tendo repercussão na segregação de riscos e na proteção dos interesses dos
participantes, como bem explanado pelos autores:13
12
Embora a avaliação do passivo atuarial seja condição indissociável do processo de gerenciamento responsável dos Fundos de
Pensão, em razão do objeto desse artigo focamos na gestão dos investimentos.
13
TORRES, Maurício Corrêa Sette e BECHARA FILHO, Ivan Jorge. Independência Patrimonial dos Planos de Previdência
Complementar, in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 5. Rio de Janeiro: Gramma, 2008. p. 19.
9
A independência patrimonial entre os planos de benefícios surgiu, assim, como mecanismo de
segregação de riscos e proteção patrimonial a cada grupo de participantes. Na medida em que, por
exemplo, duas empresas, sem qualquer relação de grupo, podem instituir para seus empregados,
junto a um mesmo fundo de pensão, planos de benefícios independentes sob o ponto de vista
patrimonial, fica evidente a maior segurança do empreendimento de uma sem compartilhar os
riscos da outra. Os recursos vertidos por uma, na qualidade de patrocinadora, ao plano de
benefícios instituído para seus empregados, não serão utilizados para cobrir ou fazer frente a
eventuais insuficiências que se verificarem no plano instituído para os empregados da outra
empresa.
Essa segregação envolve, em certas circunstâncias, maiores custos. Contudo, há práticas
de governança que são da essência do sistema, como se dá no caso dessa segmentação. Aqui tem-se um bom
paradigma de positivo padrão de gestão imposto pela norma, no caso pelo contido no art. 34, I, b da LC
109/2001.
2. AS NORMAS VOLTADAS PARA OS INVESTIMENTOS DAS EFPC
Como se disse, o desafio atual da governança dos Fundos de Pensão brasileiros encontrase centrado no novo momento para os investimentos dessas entidades. Nossa prática no contencioso
administrativo junto à SPC aponta que existe um foco grande do órgão fiscalizador para os investimentos,
sendo que cerca de 90% das autuações que defendemos estão vinculadas aos investimentos realizados por
essas entidades.
Os investimentos das EFPC realizam-se nos vários mercados de investimentos que são, em
geral, também ambientes altamente regulamentados, sobretudo em relação às operações financeiras e às
operações no mercado de capitais. Também nesse âmbito, coloca-se a discussão entre o nível ideal de
regulamentação. Recentemente, a crise norte-americana, iniciada a partir da crise dos denominados
“créditos subprime” (ativos derivados do mercado de hipotecas), recolocou o tema no centro da discussão.
Teriam as regras sobre esse segmento de investimento sido insuficientes? É a indagação que tem
determinado intensos debates.
10
2.1. A governança e a normatização com vista ao necessário equilíbrio financeiro e atuarial
Os Fundos de Pensão detêm a poupança previdenciária de milhões de trabalhadores, de
ex-trabalhadores e de suas famílias. Os gestores, por sua vez, vão a mercado investir tais valores obviamente
sem perder a dimensão original, qual seja o resultado do esforço de milhões de pequenos poupadores. Devese entender o esforço de incremento da governança dessas entidades com base em seus elementos centrais.
Em outras palavras, não faz sentido alocação de esforço nas estruturas internas decisórias, perdendo-se o
foco no objetivo a ser alcançado.
Dentre os elementos centrais, deve-se destacar o tema introduzido no ordenamento
jurídico constitucional por força da Emenda 20/1998, consistente na necessidade de manutenção do
equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de benefícios (consubstanciado na expressão “reservas que
garantam o benefício contratado” contida no art. 202, caput da Constituição Federal). Tais reservas
garantidoras são constituídas em conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e
fiscalizador (CGPC e SPC) e investidas consoante diretrizes estabelecidas pelo CMN (LC 109/2001, art. 9º).
O princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, determinado constitucionalmente e
consolidado nas normas específicas desse segmento, é, portanto, linha condutora do gerenciamento das
reservas garantidoras vis à vis ao passivo previdenciário. Veja-se que não se trata de inovação de nossa
legislação, mas consenso consolidado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) como se pode extrair do documento denominado “Quinze Princípios para Regulação
dos Sistemas de Previdência Privada Fechada”. Confira-se:
Princípio n° 11: Investimentos dos fundos de pensão devem ser adequadamente regulados. Isto
inclui a necessidade de aplicação de um método de compatibilização entre ativo e passivo dos
fundos, tanto no aspecto institucional quanto no funcional, e a consideração da relevância dos
14
princípios relacionados à diversificação, dispersão, maturidade e equilíbrio financeiro”.
14
Publicado originalmente em língua inglesa e disponibilizado em língua portuguesa pela Secretaria de Previdência
Complementar em: http://www.previdenciasocial.gov.br/docs/pdf/spc_estudo1.PDF (consultado em 09/09/2008).
11
Com vista a esse equilíbrio, a lógica atuarial e mesmo as regras que incidem sobre as
EFPC exigem que esses recursos não fiquem parados em caixa, mas que sejam investidos em operações
rentáveis, pois o retorno real é essencial para o saldamento das obrigações contratadas.
Por conseguinte, os investimentos devem obter, pelo menos, rentabilidade capaz de
cumprir com as metas atuariais de retorno sobre as reservas dos planos no caso de planos na modalidade de
benefício definido, sendo que, nos planos de contribuição definida, o retorno sobre os ativos deve seguir
padrões gerais de mercado. Ou seja, em qualquer caso espera-se por retornos reais.15
Disso decorre, invariavelmente, a exposição dos Fundos de Pensão a riscos negociais nos
mercados de investimentos e, ainda, a riscos jurídicos decorrentes dessa atuação com possibilidade de
reflexos indesejáveis para os planos de previdência complementar.
Pode parecer paradoxal dizer que planos de previdência estão sujeitos a riscos, já que são
criados exatamente para assegurar o cidadão trabalhador em face das situações de risco social (notadamente,
a invalidez, a morte e a velhice). É, contudo, inerente a qualquer atividade econômica alguma esfera de
risco, mesmo que mínimo. Assim, dentre os elementos destinados a buscar a manutenção do equilíbrio
financeiro e atuarial dos planos de previdência está justamente a mitigação dos riscos envolvidos.16
Podemos observar então, em relação à gestão dos ativos, a presença de variadas espécies
de riscos, os quais devem ser evitados tanto quanto o possível. Neste sentido, o art. 9º, §1º da LC nº
109/2001 determina “a aplicação dos recursos correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos de
15
Contrariamente a essa diretriz, até passado bem recente, as autoridades monetárias brasileiras obrigavam a que as entidades de
previdência realizassem investimentos compulsórios, muitos dos quais de baixo retorno. Foi para evitar esse tipo de imposição
danosa que o §2º do art. 9º da LC 109/2001, determinou que “é vedado o estabelecimento de aplicações compulsórias ou limites
mínimos de aplicação”. Com isso, os gestores de planos previdenciários podem avaliar as condições de cada investimento sob a
ótica do interesse dos participantes e assistidos.
16
Sobre esse tema, devem-se apontar as lições precisas trazidas em artigo denominado “Gerenciamento de riscos em fundos de
pensão no Brasil: diretrizes políticas e estratégias” de Eliane Aleixo Lustosa e André Gustavo Morandi (in “Gestão de Riscos no
Brasil”. org. Antonio M. Duarte Jr. e Gyorgy Varga. Rio de Janeiro: Financial Consultoria, 2003).
12
que trata o caput [reservas técnicas, provisões e fundos] será feita conforme diretrizes estabelecidas pelo
Conselho Monetário Nacional”. São as chamadas regras prudenciais de investimentos, que fixam limites
máximos de investimentos e induzem padrões de diversificação.
Veja-se que o dispositivo legal refere-se a “diretrizes”, denotando-se um conjunto de
instruções genéricas. Porém, o que se tem visto por parte do órgão de política monetária nacional é a edição
de regulamentos normativos com um elevado grau de detalhamento e direcionamento da atividade de
investimentos, muitas vezes criando-se uma esfera excessiva, porquanto detalhista, de regras limitadoras.
Ainda que essa técnica legiferante não seja a mais adequada, sob o ponto de vista da
eficiência dos órgãos da administração, certamente esse nível de detalhamento denota uma preocupação
estatal no estabelecimento das melhores condições possíveis de segurança para os investimentos. Com esse
nível de regramento pretende-se diminuir a possibilidade de ocorrer fatos negativos com as reservas das
entidades fechadas, evitando perdas aos ativos garantidores dos planos capitalizados, desequilibrando-os
financeiramente.
2.2. A governança no processo de investimentos: novas determinações do CMN e o posicionamento da
SPC
De forma geral, a normatização incidente sobre as aplicações dos recursos garantidores, é
editada pelo CMN através do exercício da chamada “capacidade normativa de conjuntura”. Essa feliz
expressão é usada e definida por Exmo. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau, como
sendo a possibilidade do Poder Executivo de criar normas, seja pela administração centralizada, seja por
alguns de seus entes autônomos, de modo a conferir resposta à necessidade de produção imediata de normas
jurídicas, em razão das flutuações da conjuntura econômica.17
17
Confira-se na obra: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. et alli.
13
De fato, a rapidez e criatividade do mercado financeiro e de capitais não possibilita o
timing próprio dos processos legislativos e, por conseguinte, a esfera normatizadora para esse tema – o
CMN – tem apontado, ao longo dos anos, um alargamento das possibilidades de investimentos e mutações
constantes nos limites mínimos e máximos para alocação dos recursos nos diversos segmentos de aplicação.
Recentemente, o CMN, percebendo a mudança do cenário macroeconômico, editou a
Resolução CMN 3.456/2007 pela qual admitiu-se a assunção pelas EFPC de “riscos privados” em maior
escala. Aponta-se aqui o incremento de novas modalidades de aplicação (Fundos Previdenciários, Fundos
Multimercados de maior risco, Letras de Crédito Imobiliário e obrigações de organismos multilaterais) e a
ampliação de limites de outras modalidades já permitidas, as quais passaram a ter uma maior procura pelos
investidores de uma forma geral (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios e Cédulas de Crédito
Bancário).
Com o foco na melhoria na qualidade das decisões internas de investimentos das EFPC, o
CMN alocou expressamente na esfera interna da entidade o controle e a avaliação dos riscos dos
investimentos, alguns inclusive de forma inovadora (dentre eles o risco legal), determinando a necessidade
de “identificar, avaliar, controlar e monitorar os riscos sistêmico, de crédito, de mercado, de liquidez,
operacional e legal e a segregação de funções do gestor e do agente custodiante, bem como observar o
potencial conflito de interesses e a concentração operacional em contrapartes do mesmo conglomerado
econômico-financeiro, com o objetivo de manter equilibrados os aspectos prudenciais e a gestão de custos”
(art. 61 do Regulamento Anexo à Resolução CMN 3.456/2007) (grifo nosso).
A atual Resolução foi mais além e estabeleceu que “as análises (...) e os documentos que
as fundamentaram deverão permanecer na entidade fechada de previdência complementar à disposição do
conselho fiscal e da Secretaria de Previdência Complementar” (art. 61, §2º). Ou seja, o processo de
governança para as decisões de investimento precisa possuir análises prévias documentadas, que conterão os
estudos técnicos realizados, devendo esse material permanecer arquivado na entidade, notadamente as
14
análises jurídicas que possam conferir a necessária segurança jurídica aos interesses dos participantes e
assistidos.
O “controle de riscos” passou a ser expressamente um especial encargo do “administrador
estatutário tecnicamente qualificado, responsável (...) pela gestão (...) dos recursos garantidores” (art. 56,
caput), ficando sujeito às sanções civil, penal e administrativa (advertência, multa, suspensão e inabilitação,
previstas no Decreto 4.942/2003). Por sua vez, os demais membros serão igualmente responsáveis pela
utilização de critérios inconsistentes de avaliação de risco (art. 56, §2º).18
Evidentemente que a Resolução CMN 3.456/2007 não teve (e nem poderia ter) a pretensão
de alterar o padrão de conduta legal a ser seguido pelos gestores das EFPC, desvinculado, pois, do êxito de
cada negócio. Investimentos podem ir bem ou não em razão fatores exógenos não previsíveis. O dado novo
está no foco no processo decisório e, portanto, na determinação normativa pela melhora da governança da
EFPC.
Para os efeitos legais, os gestores dos Fundos de Pensão estão sujeitos a uma obrigação de
meio em que – diferentemente da obrigação de resultado – um determinado profissional assume uma
obrigação para a qual dedicará atenção, cuidado, diligência e todos os conhecimentos técnicos exigidos
18
Sobre o processo de controle de riscos, confira-se: “É fundamental que todo o trabalho desenvolvido na administração de risco
seja voltado à sistematização. Isto é, cada unidade com poder de decisão sobre captação ou alocação de recursos deve ter a sua
função integrada a uma metodologia institucionalizada de procedimentos de administração de risco. O estabelecimento de
alçadas de decisão em termos de composição de Ativos/Passivos e exposição ao risco de mercado captado pelo VaR é um grande
desafio. Espera-se que todo esse trabalho propicie o florescimento de uma cultura interna de administração de risco. Que cada
tomador de decisão tenha uma perspectiva mais técnica do que vem a ser o verdadeiro “bom senso”, mensurável, quantificável
em termos de risco. Paradoxalmente, não se pode confiar nas ferramentas que dispomos para predizer ou prognosticar o futuro
do mercado financeiro como adequadas à obtenção de ganho fácil, como outrora sonharam nossos ancestrais e como ainda
sonhamos nós. Ela se tornaram úteis principalmente para tentar evitar grandes perdas, por meio da administração do Risco.”
(LOVISOTTO, Fernando; MELO, Gustavo; OLIVEIRA, Ronaldo de; SUAIDE, José Ansberto de, Uma Análise dos Riscos nos
Investimentos das Entidades de Previdência, in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 2. Rio de Janeiro: Gramma, 2008.
p. 67/68).
15
pelas circunstâncias de cada caso e com os recursos que dispõe, mas sem se comprometer com a obtenção
de um fim específico.
Assim, a partir da verificação da forma de atuação do gestor (por exemplo, os cuidados
observados no processo decisório e os parâmetros de riscos aferidos) será possível determinar o acerto ou
não de sua conduta, notadamente para efeito de apuração de sua responsabilidade no âmbito administrativo,
civil e penal.
O limite entre o cuidado excessivo e a necessidade de um nível mínimo de governança
interna fez com que o experiente gestor e qualificado advogado JARBAS ANTONIO DE BIAGI fizesse a
seguinte reflexão:
Esse é, digamos assim, o fio da navalha em que se encontram os administradores das EFPC e
particularmente os gestores dos investimentos dessas entidades, quando o excessivo cuidado e a
excessiva prudência podem ser considerados omissão ou negligência e quando a habilidade e os
19
critérios adotados podem ser considerados imperícia ou imprudência.
As mudanças econômicas e na regulamentação, de fato, têm provocado o aumento do
monitoramento e a fiscalização por parte dos órgãos de controle, notadamente da SPC. Ressalte-se que a
Secretaria possui atualmente a possibilidade de ter acesso a banco de dados capazes de apresentar
informações de investimento em tempo real, sem a necessidade de solicitação de dados para as EFPC. É a
denominada fiscalização indireta. É também foco da SPC a gestão das reservas garantidoras tanto de forma
direta (através de carteira própria) como de forma indireta (carteira administrada ou fundo de
investimentos).
19
DE BIAGI, Jarbas Antonio. Investimentos: dilemas e responsabilidades dos gestores. in “Revista de Previdência da
UERJ/CEPED”. n. 6. Rio de Janeiro: Gramma, 2008. p. 148. Além de conceitos doutrinários, o autor aborda também os reflexos
relativos à responsabilidade civil e administrativa que cercam tão nobre atividade, pautada que deve ser pelo padrão da pessoa
prudente de modo que as aplicações sejam assumidas com cuidado, habilidade, prudência e critério.
16
Veja-se que não se trata de uma situação circunstancial, mas da consolidação da mudança
do foco da atividade da SPC, a partir da supervisão baseada em riscos, conforme observaram o Exmo. Sr.
Secretário de Previdência Complementar, RICARDO PENA PINHEIRO, e o Diretor do Departamento de
Monitoramento e Controle - DEMOC, CARLOS EDUARDO RODRIGUES DA CUNHA GOMES em
artigo lapidar:20
O trabalho de supervisão e controle dos dados de investimentos realizados pelos planos de
benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) evoluiu
muito nos últimos anos dentro do órgão de fiscalização, dada a adoção de metodologias cujas
premissas se baseiam no recebimento, armazenamento e tratamento da informação a partir de
bases eletrônicas de dados advindas dos sistemas de registro e liquidação financeira dos títulos e
valores mobiliários em funcionamento no País e também a partir, de dados enviados diretamente
pelas entidades fiscalizadas.
(...)
A fiscalização indireta tem como atividades: a organização e a manutenção de bases de dados com
informações de cadastro, posições e operações com instrumentos financeiros realizadas pelas
entidades fechadas de previdência complementar; elaboração de estudos e análises que subsidiem
o trabalho da fiscalização direta e da supervisão realizada pelos demais departamentos da SPC;
produção de relatórios com operações que apresentem indícios de irregularidades;
desenvolvimento de indicadores e modelos que permitam o acompanhamento da liquidez e dos
riscos das carteiras de investimentos das entidades, principalmente das carteiras de renda fixa e
renda variável; verificação e consolidação dos dados enviados pelas EFPC à SPC; e produção de
relatórios gerenciais.
Note-se que a tendência da fiscalização é cada vez mais exigir como parâmetro de uma
gestão prudente e técnica do Fundo de Pensão uma atuação pronta, idônea, jurídica e calcada em
mecanismos eficazes de acompanhamento dos ativos integrantes das carteiras dos planos de benefícios.
2.3. A posição da SPC nos investimentos terceirizados
20
Artigo publicado no Caderno Técnico do 27º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, ABRAPP/ICSS/Sindapp, nov/2006,
Curitiba-PR. O artigo aborda o desenvolvimento dos sistemas de acompanhamento das aplicações dos recursos garantidores dos
planos de benefícios operados pelos fundos de pensão, em ativos financeiros e modalidades disponíveis no mercado financeiro e
capitais brasileiro, originado do trabalho da Secretaria de Previdência Complementar. Dentre as normas emanadas do CGPC
relacionados ao monitoramento dos investimentos, destacam os autores a edição da Resolução CGPC 13, de 1º de outubro de
2004, a qual marca a mudança importante no foco da atividade da SPC de supervisão baseada em riscos.
17
Trazemos aqui a recente manifestação da SPC que se posicionou pela responsabilidade
dos gestores internos das EFPC, ainda que toda ou parte da carteira de investimentos esteja externalizada. A
tese central deste novo posicionamento foca-se no fato de que a terceirização não afasta a obrigação dos
gestores dos Fundos de Pensão, mandatados para esse fim, em acompanhar, monitorar, fiscalizar, gerir a
atuação dos terceirizados e tomar as providências cabíveis caso ocorra uma operação inadequada realizada
pelo gestor externo (neste último caso, o que temos chamado de cláusulas contratuais que contemplem uma
“política de conseqüências”).
Tais condutas têm sido qualificadas pela SPC como omissão por parte desses gestores, os
chamados atos comissivos por omissão, consistentes na violação de um dever jurídico de agir. Assim, tanto
a deficiência no acompanhamento como a não adoção de medidas a posteriori que possam repor eventuais
prejuízos são passíveis de punição.21
O referido entendimento vem apoiado na manifestação exarada pelo Departamento de
Legislação e Normas – DELEG da SPC, através da Nota Técnica nº 100/2007/SPC/DELEG, de 17/12/2007,
a qual deixa claro o seguinte:
(...) o dirigente da entidade fechada de previdência complementar que terceirizou a aplicação de
seus recursos no mercado financeiro não pode ser responsabilizado por ‘aplicar em desacordo com
as diretrizes do CMN’, já que quem aplica, no caso, não é ele. (...)
Além disso, penalizar o dirigente da entidade previdenciária por uma conduta praticada por um
terceiro equivaleria a imputar-lhe responsabilidade objetiva, esta não admitida pela Lei
Complementar nº 109/01. (...)
21
Sobre a relevância jurídica dos atos omissivos, confira-se: “A omissão, todavia, como pura atitude negativa, a rigor não pode
gerar, física ou materialmente, o dano sofrido pelo lesado, porquanto do nada nada provém. Mas tem-se entendido que a
omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato
para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente,
criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de
Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 24).
18
Isto não significa, porém, que os dirigentes das entidades fechadas de previdência complementar
não possam ser punidos em virtude de práticas irregulares que venham a ser perpetradas pelos
administradores de fundos de investimento. (...)
Deverá ser verificado, em cada caso concreto, se o dirigente da entidade atuou com diligência no
acompanhamento da gestão do fundo de investimento, se adotou medidas para evitar a prática de
irregularidades pelo administrador do fundo de investimento (especialmente através da inserção de
cláusulas restritivas no contrato celebrado), bem como se tomou as providências pertinentes
quando a prática vedada chegou ao seu conhecimento.
Observe-se que especial atenção tem sido dada pela fiscalização nos atos de contratação de
um gestor profissional. Aspectos contratuais de maior relevância, tais como a necessidade de cientificação
do contratado sobre a necessidade de observância das diretrizes de investimentos das EFPC fixadas pelo
CMN, o nível de risco aceitável e um necessário fluxo de informação para o Fundo de Pensão, etc.,
certamente não passarão despercebidas e podem ser determinantes no resultado da fiscalização, ao apurar a
responsabilidade do gestor do Fundo de Pensão.
Na difícil tarefa de acompanhar os atos do gestor terceirizado, faz-se necessária a
identificação pelas EFPC, através de seus controles internos, de situações que estejam em desacordo com a
regra prudencial de investimentos, preferencialmente antes de iniciado um procedimento de fiscalização.
Nesse sentido, devem os gestores internos utilizar todos os instrumentos jurídicos para determinar,
primeiramente, os cuidados especiais na contratação e, no caso de alguma irregularidade no curso da
prestação dos serviços, determinar não só a regularização de uma situação anormal constatada, como o
ressarcimento de eventuais prejuízos causados ao Fundo de Pensão.
Ao assim proceder, certamente a fiscalização perceberá que os gestores diligentemente
adotaram as providências necessárias, exatamente como recomendadas pela Nota Técnica DELEG, numa
atitude que revela a sua preocupação em não confrontar qualquer norma que possa trazer insegurança aos
seus planos de benefícios e aos participantes e assistidos.
Como se disse, é recomendável ainda uma “política de conseqüências”, capaz de
determinar o estabelecimento de regras e penalidades a serem impostas aos contratados na hipótese de
19
descumprimento das normas prudenciais de investimentos e outros limitadores fixados pela EFPC, podendo
ser uma advertência, multa e/ou assinatura de termo de ajustamento de conduta visando evitar a reincidência
da irregularidade.
Nestes casos, a “política de conseqüências” juridicamente construída pela entidade, além
de representar uma ferramenta de mitigação de riscos para os ativos garantidores investidos, demonstra a
atuação diligente dos gestores nas atividades de monitoramente, fiscalização e acompanhamento dos atos
praticados pelos seus terceirizados, tal como vem sendo exigido pela SPC.
Por conseguinte, vale lembrar que essa prática pode viabilizar inclusive à EFPC a
utilização da via correcional prevista no art. 22, § 2º do Decreto 4.942/2003,22 mediante o pleito junto ao
órgão fiscalizador de concessão de prazo para eventual correção da irregularidade praticada pelo gestor
contratado, uma vez demonstrada a existência de mecanismos capazes de assegurar o status quo ante,
evitando-se com isso a autuação desnecessária.
3. CONCLUSÃO
O desafio da governança das EFPC – através de padrões estabelecidos internamente pela
própria EFPC ou determinados pelas normatização aplicável – funda-se hoje na busca de um standart ideal
de processo decisório. O ponto não é “acertar” ou “errar”, mas como estabelecer meios capazes de buscar o
“acerto” e evitar o “erro”.
No âmbito subjetivo, já se coloca um novo parâmetro capaz de ser aplicado ao gestor
fiduciário, como é o caso do gestor de EFPC. Dentre nós, sempre foi praxe socorrer-se do paradigma
oriundo do direito romano do bonus pater familiae (o bom pai de família) ou do “homem ativo e probo”
22
É o texto do Decreto 4.942/2003:
“Art. 22. (...)
§2º Desde que não tenha havido prejuízo à entidade, ao plano de benefícios por ela administrado ou ao participante e não se
verifique circunstância agravante prevista no inciso II do art. 23, se o infrator corrigir a irregularidade cometida no prazo fixado
pela Secretaria de Previdência Complementar, não será lavrado o auto de infração.”
20
(que cuida dos negócios alheios como se fossem os seus próprios). Esse standard que vinha sendo seguido
pelo administrador de interesses de terceiros evoluiu para padrões conhecidos como o paradigma do
especialista prudente (o standart norte-americano do prudent expert), alguém que, além de ativo e probo,
domine a técnica da função que exerce.
Na gestão de investimentos dos Fundos de Pensão, onde os resultados (positivos ou
negativos) mostram-se mais concretos, verifica-se uma maior liberdade para a tomada de riscos
(notadamente de riscos privados). Contudo, adicionalmente à referida posição subjetiva de atuação, exige-se
da EFPC um consistente processo de investimento, por conseguinte, um melhor padrão de governança na
entidade nessa área. A qualidade do processo de investimento como um todo, o acompanhamento das
aplicações realizadas (inclusive junto ao gestor terceirizado) e uma política de conseqüências em caso de
descumprimento de padrões pré-estabelecidos já deixaram de ser um objetivo interno a ser perseguido,
transformando-se num impositivo legal.
Trata-se de um caminho sem volta, no qual a melhoria contínua dos processos internos
com vistas a uma melhor estrutura de governança dos Fundos de Pensão dar-se-á por força de circunstâncias
internas (demandas dos participantes, assistidos e patrocinadores), externas (notadamente por conta do novo
ambiente econômico brasileiro) e de determinações normativas (por imposições gerais ou específicas
decorrentes das regras que lhes são aplicáveis).
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