CAPÍTULO 8 - Cross Analysis dos Casos e Conclusões
Neste trabalho, apresentaram-se dois estudos de caso relativos a empresas
franqueadoras de origem nacional: o Lancaster College (um instituto de línguas com
escolas em várias pontos do país) e a Throttleman (uma rede de comércio de vestuário a
retalho com lojas em várias cidades portuguesas e em Madrid). As duas empresas
adoptaram uma estratégia de crescimento através de franchising, alguns anos após a sua
fundação. Mas, a implementação dessa estratégia não afastou totalmente as empresas do
crescimento através da Integração Vertical. Ambas as redes detêm, simultaneamente,
unidades próprias e franqueadas, cujo mix se tem vindo a modificar ao longo do tempo.
Os casos estudados são contrastantes quanto ao grau de complexidade das actividades
desenvolvidas pelas unidades locais e, consequentemente, pelos franqueados. Uma das
redes opera na área do ensino e a outra na área do comércio a retalho. Assim sendo, a
complexidade das actividades desenvolvidas a nível local é bastante diferente. Esta
questão poderá justificar outras diferenças entre as duas redes, em particular a forma
como o franqueador vê os franqueados.
Nos capítulos anteriores, cada um dos casos foi, inicialmente, apresentado sob a
forma de narrativa. Posteriormente, os casos foram analisados dentro do enquadramento
teórico desenvolvido no capítulo quatro. Tal como o referido anteriormente, adoptar
uma perspectiva de competências em redes de relacionamentos significa aceitar a
possibilidade de existir:
- heterogeneidade dos relacionamentos e dos actores, ou seja, franqueadores e
franqueados;
- heterogeneidade do conhecimento produtivo que se encontra dividido entre os
diferentes actores e necessita de coordenação;
- dependência do percurso de que resulta o presente e que condiciona o
desenvolvimento futuro da rede de franchising, dos relacionamentos e das
competências envolvidas.
Analisar o franchising seguindo esta abordagem, significa, também, adoptar uma
perspectiva dinâmica do relacionamento e do próprio sistema.
Neste capítulo, realiza-se uma análise comparativa dos dois casos, procurando
explorar a relevância das suas idiossincrasias face ao quadro teórico que suporta a
investigação. Finalmente, procura-se enquadrar as conclusões deste estudo no âmbito
nas questões de pesquisa levantadas no quarto capítulo.
214
8.1. Cross Analysis dos Casos
De acordo com Richardson (1972), a cooperação inter-organizacional acontece
como resultado da necessidade de coordenar actividades dissimilares mas muito
complementares. Nas duas redes analisadas neste trabalho, a divisão de actividades
entre o franqueador e os franqueados é semelhante. Por um lado, o franqueador é
responsável pelas actividades estratégicas, enquanto que, por outro lado, os franqueados
são responsáveis pelas actividades operacionais e de contacto directo com os clientes.
Assim sendo, as actividades desenvolvidas pelo franqueador e pelos franqueados
parecem ser muito complementares. No entanto, como o franqueador nas unidades
próprias desempenha as mesmas actividades que os franqueados, essas actividades não
são completamente dissimilares.
Ainda assim, os casos parecem demonstrar que estamos perante redes de
relacionamentos inter-organizacionais, através das quais as empresas participantes
cooperam, partilhando o acesso a competências e recursos (Hakansson e Snehota,
1995). Os franqueados acedem às competências dos franqueadores relativas à criação,
manutenção e desenvolvimento do conceito de negócio, enquanto os franqueadores
acedem às competências dos franqueados relativas à gestão corrente da unidade e ao
mercado local. No caso da Lancaster College, verificou-se também que os próprios
franqueados poderão aceder às competências dos outros franqueados e ‘parceiros’.
Nessa rede, verificou-se ainda, tal como Hakansson e Snehota (1995) argumentam, que
os relacionamentos existentes poderão alterar a percepção do exterior quanto à
identidade dos participantes na rede. E, mais ainda, constatou-se que, sendo os
principais relacionamentos de uma empresa interrelacionados, o que acontece num
destes relacionamentos pode afectar os restantes.
Os dois casos têm também semelhanças na importância atribuída pelos
franqueadores ao know-how dos franqueados relativo ao relacionamento com os
clientes. Estas competências poderão estar relacionadas com o conceito de ‘customerlinking’ introduzido por Day (1994). Estas são as competências que permitem “criar e
gerir relacionamentos próximos com os clientes”. No caso da Lancaster College, o
franqueador valoriza as competências relativas à captação de novos clientes e à
215
prestação de um serviço ‘humanizado’. A Throttleman valoriza as competências
relativas a um bom atendimento dos clientes que resulta na sua fidelização. Também em
ambas as redes, se verifica a participação dos franqueados no processo de
desenvolvimento do conceito, devido ao seu conhecimento idiossincrático sobre o
mercado local (tal como em Minkler, 1990). Assim, constatou-se que, apesar das
actividades desempenhadas pelo franqueador e pelos franqueados poderem não ser
totalmente dissimilares, a cooperação inter-organizacional poderá ser necessária dada a
heterogeneidade existente nas diferentes localizações onde as redes operam a nível
local.
Apesar destas semelhanças, as duas redes diferem no grau de complexidade das
actividades desenvolvidas pelas unidades locais e, consequentemente, pelos
franqueados. A Lancaster College é uma empresa que opera na área do ensino, enquanto
a Throttleman opera na área do comércio a retalho. Assim sendo, a complexidade das
actividades desenvolvidas a nível local é bastante diferente. Tratando-se duma rede de
retalho, as lojas da Throttleman vendem o produto da empresa. Este é elaborado por
empresas externas à rede de franchising1, de acordo com as especificações determinadas
pelo franqueador. É também a sede da Throttleman que promove a marca. Os
franqueados, tal como as unidades próprias, têm a ‘simples’ tarefa de vender o produto
fornecido pelo franqueador, utilizando o seu método. Já no caso da Lancaster College,
as unidades próprias, tal como as franqueadas, prestam um serviço, utilizando para isso
o método do franqueador. Ainda que a definição do ‘produto’ (definição dos cursos,
programas, calendários) seja feita centralmente, a sua realização fica a cargo das
unidades. Nesse sentido, o papel desempenhado pelas unidades é mais complexo do que
na Throttleman. Isto poderá explicar algumas diferenças encontradas nas duas redes, por
exemplo a forma como o franqueador vê os franqueados ou a razão por que o Lancaster
College se preocupa mais com a formação do que a Throttleman.
Em segundo lugar, é também diferente a atitude dos franqueadores em relação
aos franqueados. Na Lancaster College, o franqueador exerce uma liderança
participativa, envolvendo os franqueados na tomada de decisão. Como resultado, a
inovação tem origem tanto na sede como nas unidades. Pelo contrário, na Throttleman,
1
A perspectiva que foi adoptada neste trabalho quanto à delimitação da “rede de franchising” encontra-se
descrita na secção 5.1.2.
216
o franqueador promove a existência de um relacionamento do tipo top-down (e.g.
Elango e Fried, 1997). Verifica-se também que, nesta rede, a inovação não acontece ao
nível das unidades. Esta constatação poderá confirmar não só a importância da
diversidade no processo de inovação, como também o facto de o controlo da rede, por
parte de um actor, poder limitar as fontes de competências dinâmicas da rede
(Hakansson e Snehota, 1995).
O início dos relacionamentos em franchising parece ter também diferentes
justificações nestas redes. A questão coloca-se a dois níveis. Primeiro, a adopção de
uma estratégia de partilha ou, mais concretamente, de crescimento através da abertura
de unidades franqueadas, em oposição a uma estratégia de integração vertical. Segundo,
independentemente dos factores que fundamentaram a estratégia referida, as razões que
influenciam o franqueador na opção entre franquear ou integrar uma unidade particular.
As teorias tradicionais não consideram a possibilidade de, na mesma rede e
eventualmente no mesmo momento do tempo, existirem razões diferentes que
conduzem a diferentes opções quanto à propriedade das unidades. No entanto, tendo em
conta a heterogeneidade dos actores e do contexto em que cada unidade irá funcionar, é
possível que existam diferentes factores a influenciar esta decisão, na mesma rede e até
no mesmo momento. Isto significa que as razões que estão na origem da adopção de
uma estratégia de franchising poderão não justificar todos os franchises vendidos numa
rede. Os casos estudados parecem permitir analisar esta questão.
O primeiro franchise da LC parece demonstrar que, nesta rede, as competências
do franqueado poderão ter sido relevantes para que a empresa franqueadora tivesse
iniciado uma estratégia de crescimento através de franchising. Em particular, o caso do
franchise da escola da Póvoa demonstrou que a necessidade de aceder aos recursos e
competências do franqueado, bem como as vantagens decorrentes da sua combinação
com as competências do franqueador, poderão explicar o início deste relacionamento. É
possível que a empresa franqueadora tenha iniciado uma estratégia de franchising,
como forma de obter as competências que necessitava para expandir a sua actividade
externa (Hakansson e Snehota, 1995). Contudo na Throttleman, o início destes
relacionamentos parece resultar da falta de recursos financeiros e recursos humanos de
gestão (e.g. Oxenfeldt e Kelly, 1969) e não estar relacionada com a obtenção de
217
competências. Esta questão poderá não estar dissociada do diferente grau de
complexidade das actividades desenvolvidas a nível local.
Apesar da restrição de recursos, em particular financeiros, ter aparentemente um
papel relevante na decisão tomada pela Throttleman, este factor não parece ter
influenciado a decisão do Lancaster College2. Neste caso, aparentemente, a empresa não
estará muito condicionada pela falta de capital para crescer, pois pode expandir a
actividade através da realização dos cursos na ‘casa do cliente’, sem ter que investir de
imediato em novas instalações. Adicionalmente, as despesas de investimento numa
nova unidade não são muito significativas, pois a escola pode funcionar num edifício
alugado, sendo ‘apenas’ necessário realizar obras de adaptação ao formato. Estas
despesas de investimento podem ser financiadas pelos cashflows gerados pela
actividade ‘externa’. Por outro lado, na Throttleman, as despesas de investimento são
superiores, incluindo não só as despesas relativas às obras de adaptação ao formato, mas
também o pagamento de trespasses ou direitos de ingresso em centros comerciais e
ainda o investimento em fundo de maneio relativo aos stocks iniciais de existências.
Em ambos os casos, encontraram-se algumas evidências empíricas que parecem
suportar as críticas à Teoria da Agência. Primeiro, a distribuição geográfica das
unidades detidas verticalmente e das unidades franqueadas não se enquadra com o
previsto pela Teoria da Agência (como em Minkler, 1990). A análise realizada leva-nos
a concluir que existem unidades próprias localizadas próximo de unidades franqueadas
e que existem unidades franqueadas geograficamente mais próximas da sede do que
algumas unidades próprias. A Teoria de Agência do Franchising, contudo, baseia-se na
dificuldade da supervisão in loco das unidades como argumento decisivo na opção de
franquear. Nesta abordagem, as unidades mais difíceis de supervisionar in loco, dada a
sua distância em relação à sede, deveriam ser franqueadas, enquanto que as mais
próximas deveriam ser próprias. Segundo, constatou-se que, nas cadeias estudadas, os
franqueadores atribuíram mais do que uma unidade a um único franqueado. Mais ainda,
2
Note-se que esta observação está de acordo com o previsto pela Teoria dos Recursos do Franchising,
uma vez que o Lancaster College iniciou uma estratégia de franchising, catorze anos depois do início da
sua actividade, enquanto que a Throttleman implementou esta estratégia apenas dois anos após o início do
desenvolvimento da marca. De acordo com esta teoria, as empresas mais jovens recorrem ao franchising
como forma de contornar restrições de recursos, nomeadamente financeiros, que as impedem de crescer.
No entanto, a teoria prevê também que as empresas mais maduras, que não sofrem de restrições de
recursos, deverão optar por uma estratégia de crescimento através da Integração Vertical.
218
no caso da Throttleman, estas unidades localizavam-se em cidades distantes. Esta
situação não se enquadra também numa Perspectiva de Agência, pois, nessas unidades,
o franqueado não era o gestor de loja, o que aparentemente se traduz na introdução de
um nível adicional de agência (Kaufmann e Lafontaine, 1994). No fundo, o gestor
dessas unidades passou a ser um agente de um agente do franqueador.
Apesar de a Throttleman ter optado por seguir uma estratégia de franchising
como resultado dos constrangimentos de recursos que afectavam o seu crescimento, ao
nível da unidade, constatou-se que as competências dos franqueados poderão ter um
papel relevante. Na verdade, nesta rede, ainda que os franqueados sejam vistos como
actores passivos, o exemplo do franqueado X poderá demonstrar a importância das suas
competências na decisão do franqueador relativamente à forma como explorar uma
determinada unidade. Na verdade, é possível que as competências do franqueado
justifiquem também a razão por que o franqueador vendeu 6 unidades a um mesmo
franqueado. Conclui-se assim que, nesta rede, parecem coexistir factores explicativos
diferentes relativamente ao franchise das unidades. Apesar de a limitação de recursos
imposta ao crescimento poder ter influenciado a decisão estratégica de abrir unidades
franqueadas e ainda que os franqueados pareçam ser vistos como actores passivos, as
competências dos franqueados podem ter influenciado a decisão de franquear algumas
unidades específicas.
A análise dos casos parece também ter demonstrado a importância das
competências indirectas (Loasby, 2001) do franqueador. Em particular, identificaram-se
como competências possivelmente relevantes, as que dizem respeito à criação e
manutenção de um modelo de negócio atractivo e de reputação do mercado.
Actualmente, nenhuma das duas empresas franqueadoras publicita a venda do franchise,
no entanto, os candidatos a franqueados candidatam-se à sua aquisição, o que sugere
que a atractividade do modelo de negócio e a reputação do conceito poderão ser
importantes na captação de franqueados. As competências relativas à codificação e
transferência de conhecimento dentro da rede, bem como à replicação e à supervisão das
unidades poderão também ser relevantes. Nas duas redes, encontraram-se vários
procedimentos que poderão exemplificar as competências desenvolvidas pelas duas
empresas nesta área.
219
Entre estas, destacam-se as competências relativas à replicação. Já foi descrito
anteriormente que Winter e Szulanski (2001) introduziram o conceito de “Arrow Core”
como sendo o conhecimento relativo à selecção dos atributos a replicar e à criação
desses mesmos atributos. De acordo com os autores, este conhecimento é adquirido
através da aprendizagem da ‘organização central’ que detém as competências dinâmicas
necessárias para transferir esse conhecimento para as unidades. Tal como o
argumentado por Winter e Szulanski (2001), nos dois casos estudados, observou-se que
a replicação não é ‘completa’. Pelo contrário, apesar da importância que parece ser
atribuída à uniformização das unidades, existe alguma heterogeneidade entre as
unidades pertencentes a cada uma das duas redes. Esta pode ser o resultado da evolução
do próprio modelo de negócio e a adaptação lenta das unidades a esse mesmo modelo,
tal como o constatado na Throttleman relativamente à imagem das unidades. Mas pode
também resultar das idiossincrasias do contexto onde se insere a unidade, tal como
parece acontecer nas duas redes. Na Throttleman, por exemplo, apesar de todas as
unidades venderem apenas produtos da marca, nem todas as lojas vendem os mesmos
produtos. Algumas vendem apenas a linha funny, outras não vendem a linha de senhora.
Estas decisões são tomadas a nível central pelo franqueador, tendo em conta a dimensão
das unidades e a sua localização.
Também na Lancaster College não se verifica uma replicação ‘completa’ de
todos os elementos em todas as escolas. Pelo contrário, esta replicação é contingencial,
tendo em consideração as especificidades locais. Mas, nesta rede, “o conhecimento
relativo à selecção dos atributos a replicar” não parece ser apenas “adquirido através da
aprendizagem da ‘organização central’ que detém as competências dinâmicas
necessárias para transferir esse conhecimento para as unidades” (Winter e Szulanski,
2000, pág. 731). Mais do que isso, ele parece ser adquirido também através dos
relacionamentos que a empresa franqueadora estabelece com os seus franqueados. Tal
como foi referido na descrição e análise do caso da Lancaster College, os gestores locais
contribuem para a que a replicação das unidades não seja realizada de forma acrítica.
Nesta rede, os gestores locais participam no processo de desenvolvimento do conceito
franqueado. Os Directores Pedagógicos Locais podem avaliar a compatibilidade destas
alterações com o contexto em que a sua unidade se encontra inserida. Como resultado
220
dos argumentos apresentados pelos responsáveis locais, estas alterações poderão não ser
aplicadas em todas as unidades (ver Exemplo 2, secção 6.1.).
Constata-se também que as competências do franqueador relativas à gestão do
Paradoxo de Exploração parecem ser relevantes para a manutenção do relacionamento.
Ambas as empresas enfrentam este paradoxo e procuram resolvê-lo, mas de forma
diferente. A Lancaster College resolve os problemas associados a este paradoxo através
do envolvimento de todos os participantes na rede no processo de decisão. Como os
franqueados se sentem parte integrante do órgão decisor, aceitam mais facilmente a
implementação de inovações. Do lado da Throttleman, o franqueador procura resolver
este paradoxo demonstrando aos franqueados as vantagens financeiras decorrentes do
investimento. No entanto, por vezes, a empresa tem necessidade de exercer o seu poder
coercivo, associado à opção de não renovação do contrato, como forma de garantir que
as suas decisões são implementadas. Contudo, por vezes, isso não é suficiente. Nesses
casos, o franqueador recompra as unidades ao franqueado e investe ele próprio na sua
renovação. Esta última observação permite-nos retirar algumas conclusões adicionais.
Primeiro, neste caso, a recompra das unidades pode reflectir uma situação em
que os elevados custos de transacção dinâmicos associados a uma mudança sistémica
compelem a empresa a integrar-se verticalmente (Langlois e Robertson, 1995).
Segundo, esta situação poderá também reflectir o facto dos custos de transacção
dinâmicos serem específicos à contraparte (Mota e de Castro, 2004). Terceiro, é
possível que quanto mais desenvolvidas estiverem as competências indirectas do
franqueador menores sejam os custos de transacção dinâmicos que este enfrenta.
Finalmente, esta observação poderá demonstrar a importância das competências
indirectas do franqueador relativas à gestão do Paradoxo de Exploração para a
manutenção do relacionamento.
De acordo com o argumentado por Hakansson e Snehota (1995), verificou-se
que, nos casos estudados, as relações sociais entre os membros da organização
franqueadora e franqueada podem contribuir para o início e desenvolvimento do
relacionamento de franchising. Observou-se que, em ambas as redes, uma parte desses
relacionamentos se iniciou através dos contactos pessoais dos membros da Direcção da
empresa franqueadora. Constatou-se também que a relação de amizade – num dos casos
221
prévia ao início do relacionamento, no outro não - entre um responsável da empresa
franqueadora e o gestor de uma das empresas franqueadas parece ter influenciado o
facto de lhes ter sido permitida a exploração de mais do que uma unidade. O primeiro
franqueado do Lancaster College é proprietário de quatro escolas dessa rede. No caso da
Throttleman, a Hozar Portugal era proprietária de 6 lojas, antes de adquirir a empresa
franqueadora em 2000.
Estas decisões dos franqueadores parecem resultar da influência que esses
relacionamentos sociais tiveram nas percepções dos franqueadores relativamente aos
custos de transacção dinâmicos e aos benefícios da utilização das competências desses
franqueados na gestão dessas unidades. No fundo, os relacionamentos sociais entre os
gestores das duas empresas traduzem o vínculo existente entre dois actores sociais
(actor bonds). Esses vínculos permitem que as duas empresas se empenhem na relação e
confiem na contraparte, influenciando a forma como cada uma delas percepciona a
outra, alterando a sua forma de ver e interpretar as situações, permitindo-lhes conhecer
as ambições e percepções da outra parte e, dessa forma, aumentando a possibilidade de
utilizarem os recursos e competências uma da outra em situações futuras (Hakansson e
Snehota, 1995).
Como já referimos, a análise dos casos permitiu-nos confirmar a importância das
competências indirectas (Loasby, 1998) do franqueador, quer no início quer na
manutenção dos relacionamentos. Mas, estes casos evidenciam também a importância
dos relacionamentos extra-profissionais entre os membros das empresas envolvidas no
relacionamento, como um factor influenciador do início e desenvolvimento do
relacionamento (Hakansson e Snehota, 1995) de franchising. Adicionalmente, de
alguma forma, estes relacionamentos sociais parecem poder influenciar as competências
indirectas da empresa franqueadora. Tal como o caso do Lancaster College parece
sugerir, é possível que, nalgumas redes, estes franqueados (com quem existe uma maior
proximidade ou familiaridade) possam ser utilizados pelo franqueador para exemplificar
casos de sucesso a outros potenciais franqueados e, dessa forma, contribuir para a sua
captação. É ainda possível que estes sejam utilizados como template para a replicação
de conhecimento de natureza tácita não codificável.
222
Argumentamos, em capítulos anteriores, a necessidade de adoptar uma
perspectiva que tivesse em consideração as diferentes percepções da realidade dos
vários actores sociais envolvidos nos relacionamentos. O estudo destes casos permitenos tirar algumas conclusões relativamente à sua importância. Referimos já que a forma
diferente como os dois franqueadores vêem e tratam os franqueados pode resultar da
diferença da complexidade das actividades realizadas localmente. Contudo, é também
possível que esta divergência resulte de diferenças a nível das percepções dos
franqueadores relativamente ao relacionamento de franchising. Estas percepções
poderão ser o produto do seu trajecto idiossincrático, resultando portanto de
conhecimentos, experiências e intenções diferentes. Note-se que a Lancaster College que parece procurar obter competências através do franchising - procura franqueados
com iniciativa. Enquanto que a Throttleman – que parece ter iniciado o franchising para
contornar constrangimentos de recursos - pretende franqueados obedientes e passivos.
Mas, as percepções dos actores sociais poderão também influenciar a dinâmica
do sistema industrial. O caso do Lancaster College demonstra exactamente essa
influência. É possível que a evolução do mix de unidades próprias e franqueadas nesta
rede tenha sido influenciado pela modificação das percepções do franqueador quanto às
vantagens e custos associados a esta forma organizacional. Essa modificação parece ter
resultado das interacções com os franqueados da rede ao longo do tempo. Apesar de não
ser tão evidente, não é de excluir que, na Throttleman, a modificação das percepções da
empresa franqueadora também tenha influenciado a evolução do mix de unidades
próprias e franqueadas. Com a entrada da nova administração, em 2000, a empresa
regressa à integração vertical como estratégia preferencial. Esta situação pode reflectir
uma alteração na forma como os custos e benefícios do franchising são percepcionados
pela gestão da empresa.
Finalmente, a trajectória das empresas, ao longo do tempo, parece demonstrar a
existência de uma dependência do percurso que condiciona a sua actuação e que, ao
determinar as suas competências e os seus relacionamentos actuais, determina também a
dinâmica do mix de unidades próprias e franqueadas. Na Lancaster College, no II
período, a empresa inicia a abertura de unidades franqueadas, após o desenvolvimento,
durante o I período, das competências nucleares, de replicação e de gestão da rede
223
através da abertura de unidades próprias. Com o início dos relacionamentos em
franchising, a empresa aperfeiçoa as suas competências indirectas. No entanto, durante
este período, os franqueados adquirem também o know-how do franqueador
relativamente ao modelo de negócio, o que, na sua perspectiva, poderá ter tornado
desinteressante a manutenção do relacionamento. Tendo em conta a dificuldade de
assegurar o cumprimento dos contratos por via legal e a inexistência de mecanismos
alternativos, o franqueador não consegue controlar financeiramente essas unidades. No
seguimento desses problemas, na segunda parte do II período, a empresa inicia a
abertura de escolas em ‘parceria’, o que se traduz num regresso à integração vertical.
Para isso desenvolve as suas competências relativas à supervisão, nomeadamente
através da aquisição de um software de gestão. No caso particular desta rede, não é de
excluir a possibilidade de a modificação nas percepções do franqueador terem também
influenciado a evolução do mix de unidades próprias e franqueadas.
Também na Throttleman se verifica uma dependência de percurso que determina
a situação presente da rede e condiciona o seu futuro. Durante o I período, a empresa
franqueadora Brasopi desenvolveu as competências nucleares relativas à gestão do
modelo de negócio e, simultaneamente, as competências relativas à replicação das
unidades e gestão de rede. Durante este período, com o início dos relacionamentos em
franchising, a empresa desenvolveu também as suas competências indirectas. Ainda
durante este período, a empresa franqueadora Brasopi inicia o seu relacionamento com a
empresa franqueada Hozar Portugal. Com este relacionamento, a Hozar Portugal inicia
o processo de aquisição de competências relativas ao negócio da empresa franqueadora.
Entretanto, desenvolve paralelamente as competências relativas à criação e manutenção
de um conceito franqueado através de uma outra área de negócio, a rede Storia del
Caffe. No ano 2000, enquanto franqueada, a Hozar detinha quase 14 % das unidades da
rede da Throttleman. Assim, no II período, quando a gestão da Brasopi decidiu vender o
negócio, a empresa franqueada Hozar Portugal detinha (parte) do know-how necessário
para gerir a empresa franqueadora. Nessa altura, as suas competências relativas ao
negócio deveriam limitar-se a actividade no mercado nacional, onde as suas lojas
representavam 17% das unidades da rede. Apesar desse factor não ter sido referido pelo
novo franqueador, esta poderá também ter sido uma das razões que levou a empresa, já
como franqueadora a refocalizar o negócio no mercado nacional.
224
8.2. Conclusões
Este trabalho procura contribuir para uma melhor compreensão do franchising,
analisando-o sob o prisma da articulação das competências da empresa em redes de
relacionamentos inter - organizacionais. Por que se reconhece a grande heterogeneidade
do tema em análise, não propomos esta abordagem como uma alternativa às Teorias
vigentes, mas como uma perspectiva complementar. Os casos analisados neste trabalho
parecem ser um bom exemplo de como essas teorias tradicionais não são suficientes,
nem individualmente nem em conjunto, para analisar este fenómeno. Os casos
demonstram também como a perspectiva adoptada pode auxiliar as Teorias tradicionais
a explicar este tipo de relacionamentos inter-organizacionais.
Através da realização de dois estudos de caso, esta investigação procurou
averiguar de que forma a emergência dos relacionamentos de franchising e a existência
e a dinâmica da forma plural são influenciadas pelo facto de o conhecimento produtivo
se encontrar disperso por vários agentes, necessitar de coordenação e resultar do
‘percurso passado’. O papel dos franqueados foi também analisado no contexto das
competências dinâmicas do franqueador. Estas foram as questões de pesquisa
levantadas no Capítulo 4. Tal como se referiu, estas questões encontram-se muito
interrelacionadas, pelo que é, por vezes, difícil manter a sua divisão em compartimentos
estanques. Em seguida, procuram-se integrar as principais conclusões dos casos
estudados nas questões de pesquisa desta investigação.
8.2.1. A emergência dos relacionamentos de franchising a nível
do negócio
Argumentou-se no Capítulo 4 que, numa perspectiva de competências em redes
de relacionamentos, a emergência dos relacionamentos de franchising pode ser
influenciada por três factores não exclusivos. Primeiro, uma vez que as actividades do
franqueador e do franqueado poderão ser percepcionadas (Loasby, 2001) como sendo
225
parcialmente dissimilares mas muito complementares, poderá ser necessária a sua
coordenação através da cooperação inter-organizacional (Richardson, 1972).
Segundo, a opção pelo franchising poderá resultar de custos de transacção
dinâmicos inferiores resultantes da distribuição de competências na indústria (Langlois
e Robertson, 1993), mais concretamente da distribuição de conhecimento produtivo
entre franqueador, (potenciais) franqueados e terceiros – ou alternativamente em
benefícios esperados de tal forma elevados que justifiquem suportar custos de governo
superiores (Loasby, 1998).
Terceiro, quer o franchising, quer os custos de transacção dinâmicos
mencionados, poderão ser uma função das competências indirectas do franqueador
(Loasby, 1998), que lhe permitem aceder às competências dos franqueados. Estas
competências incluirão o seu know-how para captar bons franqueados, desenvolver um
conceito atractivo, codificar e difundir conhecimento, formar franqueados, replicar
rotinas e criar e manter uma boa reputação no mercado. Esta última competência será,
em parte, resultante do desempenho do conceito no mercado mas, também, dos
investimentos realizados, no passado, nos relacionamentos com os franqueados (como
em Mota e de Castro, 2004).
Finalmente, esta perspectiva não exclui totalmente a possibilidade de os factores
de agência e os constrangimentos de recursos (por exemplo financeiros) também
contribuírem para um melhor entendimento deste fenómeno.
Neste enquadramento, o início dos relacionamentos em franchising a nível do
negócio parece ter diferentes justificações nas duas redes analisadas. No primeiro caso,
a necessidade de aceder às competências (e.g. Hakansson e Snehota, 1995) dos
franqueados e as vantagens decorrentes da sua combinação com as competências do
franqueador poderão explicar o início de estratégia de crescimento através de
franchising. A segunda rede parece ter optado por seguir uma estratégia de franchising
como resultado dos constrangimentos de recursos, inicialmente financeiros e
posteriormente de gestão, que afectavam o seu crescimento (e.g. Caves e Murphy,
1975).
Procurou-se determinar se os ‘custos de transacção dinâmicos’ (Langlois e
Robertson, 1993) associados à obtenção das competências referidas poderiam ajudar a
226
estudar as razões por que essas competências não foram integradas na empresa. Porém,
apesar de, no primeiro caso, se terem encontrado algumas evidências que poderão
apontar nesse sentido, não foi possível determinar se esta é a opção que apresenta
menores custos de transacção dinâmicos.
Finalmente, a análise dos casos parece também ter demonstrado a importância
das competências indirectas (Loasby 1998) do franqueador. Em particular,
identificaram-se como competências possivelmente relevantes, as que dizem respeito
(1) à criação e manutenção de um modelo de negócio atractivo, (2) à criação e
manutenção de boa reputação do mercado, (3) à codificação e transferência de
conhecimento dentro da rede, (4) à replicação das unidades, (5) à supervisão das
unidades e (6) à gestão do paradoxo de exploração. Entre estas, destacamos as
competências relativas à replicação e à gestão do paradoxo de exploração.
Por um lado, nos dois casos estudados, observou-se que a replicação não é
‘completa’. Mais ainda, no primeiro caso, “o conhecimento relativo à selecção dos
atributos a replicar” (Winter e Szulanski, 2001, pp. 731) parece ser adquirido, pelo
menos em parte, através dos relacionamentos que a empresa franqueadora estabelece
com os seus franqueados. Por outro lado, verificou-se que as duas empresas enfrentam o
paradoxo de exploração, mas resolvem-no de forma diferente. Constatou-se também
que, no contexto do paradoxo de exploração, por vezes, a empresa franqueadora é
empurrada para a integração vertical, por não conseguir convencer os franqueados a
investirem na implementação de inovações. Esta observação permite-nos concluir que,
nessas circunstâncias, a empresa recompra as unidades anteriormente franqueadas
possivelmente devido aos elevados custos de transacção dinâmicos do franchising específicos a esse franqueado -
associados a uma mudança sistémica. Neste
enquadramento, é também possível que esses custos sejam influenciados pelas
competências indirectas da empresa franqueadora. É provável que quanto mais
desenvolvidas estiverem essas competências, menor o custo de transacção dinâmico do
franchising e menor a probabilidade de a empresa se integrar verticalmente,
recomprando as unidades franqueadas. Nesse contexto, as competências do franqueador
que lhe permitem gerir o paradoxo de exploração serão competências indirectas por
contribuírem para a manutenção do relacionamento de franchising.
227
Como já referimos, a análise dos casos confirmou a importância de várias
competências indirectas (Loasby, 1998) do franqueador, quer no início quer na
manutenção dos relacionamentos. Mas, estes casos evidenciaram também a importância
dos relacionamentos extra-profissionais entre os membros das empresas envolvidas no
relacionamento, como um factor influenciador do início e desenvolvimento do
relacionamento (Hakansson e Snehota, 1995) de franchising, possivelmente através do
seu efeito na percepção do franqueador em relação aos custos de transacção dinâmicos e
aos benefícios decorrentes da utilização das competências dessa empresa franqueada.
Adicionalmente, tal como sugeriu o caso da Lancaster College, estes relacionamentos
sociais poderão influenciar as competências indirectas da empresa franqueadora,
nomeadamente através do seu efeito na reputação do franqueador.
Em ambos os casos, encontraram-se também algumas evidências empíricas que
parecem suportar as críticas à Teoria da Agência. Primeiro, a distribuição geográfica das
unidades detidas verticalmente e das unidades franqueadas não se enquadra com o
previsto pela Teoria da Agência (e.g. Minkler, 1990). Segundo, constatou-se que os
franqueadores atribuíram várias unidades, localizadas em cidades diferentes, a um único
franqueado, o que introduz um nível adicional de agência (Lafontaine e Kaufmann,
1994). Nessas situações, é possível que não sejam factores de agência, mas as
competências desses franqueados a justificar os motivos dos franqueadores, tal como o
exemplificado nos casos estudados.
8.2.2. A explicação da forma plural
A questão da emergência dos relacionamentos de franchising coloca-se a dois
níveis. Primeiro, a adopção de uma estratégia de crescimento através da abertura de
unidades franqueadas em oposição a uma estratégia de integração vertical, analisada no
ponto anterior. Segundo, independentemente dos factores que fundamentaram essa
decisão, as razões que influenciam o franqueador na opção entre franquear ou integrar
uma unidade particular. A forma plural deverá estar relacionada com essas razões.
228
Numa perspectiva de competências em redes de relacionamentos, a forma plural
parece ser o resultado de vantagens, parcialmente específicas, percepcionadas na
combinação das competências dos franqueados e do franqueador3. Assim, a decisão
entre deter ou franquear uma determinada unidade parece depender das competências
necessárias para gerir essa unidade e das vantagens decorrentes da sua combinação com
as outras competências existentes na rede.
Os casos parecem confirmar esta hipótese. No ponto anterior, foi já referido que,
no primeiro caso analisado, as competências do franqueado e da sua combinação com as
competências do franqueador parecem importantes para o início dos relacionamentos.
Mas, mais interessante ainda, constatou-se que, apesar de a segunda rede ter optado por
seguir uma estratégia de franchising como resultado de constrangimentos de recursos,
em algumas situações, as competências do franqueado parecem influenciar a decisão
relativa ao tipo de propriedade da uma unidade, como foi exemplificado pelo caso do
Franqueado X. Assim, tendo em conta a heterogeneidade existente - em particular em
termos do contexto em que cada unidade irá funcionar - é possível que na mesma rede e
eventualmente no mesmo momento do tempo, existam razões diferentes que conduzem
a diferentes opções quanto à propriedade das unidades.
Finalmente, ao contrário do que seria previsto pelas Teorias Tradicionais do
Franchising, não se verificou que a forma plural fosse uma fase transitória até que a
empresa se integrasse completamente. Apesar de, recentemente, as duas redes terem
regressado a uma estratégia de integração vertical, em nenhum dos casos, o franqueador
pretende integrar todas as unidades e deixar de franquear. Também não se verificou que
a forma plural fosse o resultado da existência de um trade-off entre custos de agência
(Brickley e Dark, 1987).
3
Este argumento está muito próximo do proposto pelos autores que procuram as vantagens da forma
plural (e.g. Sorenson and Sørensen, 2001).
229
8.2.3. A evolução do mix de unidades franqueadas / unidades
integradas
No capítulo 4 deste trabalho, argumentou-se que, na perspectiva da articulação
de competências em redes de relacionamentos, a trajectória das empresas franqueadoras,
ao longo do tempo, deveria demonstrar a existência de uma dependência do percurso
que determina as suas competências, os seus relacionamentos actuais (e.g. Mota e de
Castro, 2004) e também a dinâmica do mix de unidades própria e franqueadas.
Nos dois casos analisados nesta investigação, a empresa franqueadora começa
por desenvolver as competências nucleares (Langlois e Robertson, 1993), relativas à
gestão do modelo de negócio e, quase simultaneamente, desenvolve também as
competências relativas à replicação das unidades e à gestão de rede, através da abertura
de unidades próprias. Tirando partido desse know-how, as duas empresas iniciam uma
estratégia de crescimento através de franchising, como se viu por razões diferentes.
Com o início desses relacionamentos, as empresas desenvolvem as competências
indirectas (Loasby, 1998) que lhes permitem aceder às competências dos franqueados.
A partir dessa fase, as trajectórias das duas empresas diferenciam-se.
No primeiro caso, com o desenvolvimento dos relacionamentos, os franqueados
adquirem o know-how do franqueador, o que torna o relacionamento desinteressante na
sua perspectiva (Hakansson e Snehota, 1995). Alguns destes franqueados deixam de
cumprir os pagamentos devidos. Face a um conjunto de outros factores exógenos, o
franqueador não consegue controlar financeiramente essas unidades. No seguimento
deste problema, o franqueador adopta uma nova estratégia preferencial, a ‘parceria’ e
desenvolve as competências relativas à supervisão e à selecção de franqueados.
No segundo caso, com o início do seu relacionamento com a empresa
franqueadora, uma das empresas franqueadas inicia o processo de aquisição de
competências relativas ao negócio. Simultaneamente, desenvolve as competências
relativas à criação e manutenção de um conceito franqueado através de uma outra área
de negócio. Assim, alguns anos mais tarde, quando a gestão da empresa franqueadora
decide vender o negócio, essa empresa franqueada detém uma parte do know-how
230
necessário para gerir a empresa franqueadora. Neste contexto, a empresa franqueada
adquire a franqueadora, assumindo a gestão da marca e da rede.
Conclui-se portanto que, nas duas redes estudadas, a dinâmica da forma plural
parece ser influenciada pelo desenvolvimento das competências do franqueador e dos
franqueados que resulta das suas interacções na rede (Mota e de Castro, 2004) e que
modifica as vantagens da combinação dessas competências. Adicionalmente, levantouse a possibilidade da evolução do mix de unidades próprias e franqueadas ser também
influenciada pela modificação das percepções (Loasby, 2001) dos franqueadores
relativas aos custos associados ao franchising. O caso do Lancaster College demonstra
de forma relativamente evidente essa influência. Nesta rede, a decisão tomada em 2000
de abrandar o crescimento através da abertura de unidades franqueadas, favorecendo
uma estratégia de integração vertical, parece ter sido influenciada pela modificação das
percepções do franqueador quanto às vantagens e custos associados ao franchising. Esta
modificação das percepções do franqueador parece ter resultado das suas interacções
com os franqueados da rede ao longo do tempo. Também no caso da Throttleman, é
possível que a modificação das percepções da empresa franqueadora, resultantes da
entrada de uma nova equipa de gestão em 2000, tenha influenciado a re-orientação
estratégica da organização na direcção da integração vertical.
Finalmente, a dinâmica da forma plural poderá também depender da facilidade
com que a empresa acede aos recursos de que necessita (e.g. Caves e Murphy, 1975),
mas evolução deste mix não parece resultar da maior facilidade de supervisão das
unidades, devido à sua maior concentração resultante do amadurecimento da rede
(Brickley e Dark, 1987).
8.2.4. O papel dos franqueados
A importância do papel dos franqueados no relacionamento de franchising foi
durante muito tempo ignorada pela literatura. Nos últimos anos, este papel tem vindo a
ser reconhecido por alguns autores. Love (1986) relata o papel dos franqueados da
McDonald´s no desenvolvimento de novos produtos que, posteriormente, se difundem
pela rede. Minkler (1990) considera-os detentores de informação superior sobre
231
variáveis de natureza local. Argote e Darr (2000) relatam o desenvolvimento do
processo produtivo em algumas unidades franqueadas. Sorenson e Sørensen (2001),
Cliquet e Ngoc (2003) e Croonen (2003) consideram que os franqueados poderão ter um
papel importante no processo de inovação do conceito franqueado. Langenhan (2003)
argumenta que os franqueados detêm conhecimento descentralizado importante para o
desenvolvimento da rede.
Na perspectiva da articulação de competências em redes de relacionamentos, a
diversidade dos franqueados e das unidades poderá constituir um ‘ingrediente’
potenciador da inovação numa rede de franchising. As diferentes localizações,
experiências e percursos passados dos vários franqueados, poderão torná-los numa fonte
de competências dinâmicas (e.g. Teece et al., 2000) da rede.
Os dois casos analisados diferem quanto à atitude dos franqueadores em relação
aos franqueados. Num dos casos, o franqueador exerce uma liderança participativa,
envolvendo os franqueados na tomada de decisão. No outro, o franqueador promove a
existência de um relacionamento do tipo top-down (e.g. Elango e Fried, 1997). Mas, os
dois casos são semelhantes na importância atribuída pelo franqueador às competências
de ‘customer-linking’ (Day, 1994) dos franqueados, isto é o know-how que lhes permite
criar e gerir relacionamentos próximos com os clientes. Num dos casos, o franqueador
valoriza as competências relativas à captação de novos clientes e à prestação de um
serviço ‘humanizado’, enquanto que no outro caso o franqueador valoriza as
competências relativas a um bom atendimento do cliente que resulta na sua fidelização.
Também em ambos os casos, o franqueado é envolvido no processo de inovação
promovido pela sede, devido ao seu conhecimento idiossincrático sobre o mercado local
(tal como em Minkler, 1990). No entanto, os casos diferem quanto à inovação realizada
a nível local. Na primeira rede, onde o franqueador dá alguma sensação de autonomia
aos gestores das unidades, por exemplo envolvendo-os no processo de tomada de
decisão, a inovação tem origem tanto na sede como nas unidades. Pelo contrário, na
segunda rede, onde o relacionamento entre o franqueador e o franqueado é do tipo topdown (e.g. Elango e Fried, 1997), a inovação não acontece ao nível das unidades. Esta
constatação poderá confirmar não só a importância da diversidade no processo de
inovação, como também o facto de o controlo da rede, por parte de um actor, poder ser
232
prejudicial por limitar as fontes de competências dinâmicas da rede (Hakansson e
Snehota, 1995). Por último, pode também demonstrar que a heterogeneidade local pode
justificar a necessidade de aceder às competências específicas dos franqueados.
Estes casos demonstram também que a heterogeneidade existente no franchising
se estende também à forma como o papel de conjunto dos franqueados é visto pelos
franqueadores. Constata-se pois que não só os franqueados, quando considerados
individualmente, não são sempre todos iguais dentro de uma mesma rede, mas, também
o papel de conjunto dos franqueados pode diferir de uma rede para outra. O franqueador
da segunda cadeia relata a heterogeneidade dos seus franqueados. Mais ainda liga essa
heterogeneidade às diferenças encontradas no desempenho das unidades. Mas, verificase também que os franqueadores podem ver os seus franqueados, enquanto conjunto, de
forma diferente, valorizando aspectos diferentes. No primeiro caso, o franqueador
valoriza a iniciativa, no segundo caso a obediência e passividade. Esta diferença parece
resultar da heterogeneidade existente entre franqueadores e do modelo de negócio. É
possível que a diferença no grau de autonomia deixada aos franqueados nas duas redes
estudadas, esteja relacionada com a complexidade da actividade realizada a nível local.
Mas, pode também decorrer das diferentes percepções dos franqueadores resultantes do
seu conhecimento, das suas experiências, dos seus relacionamentos e, no fundo, do seu
trajecto.
Finalmente, o caso da Lancaster College levantou a possibilidade de alguns
franqueados específicos desempenharem um papel importante, quer na captação de
novos franqueados, quer na transmissão de conhecimento tácito dentro da rede. No caso
estudado, o franqueado em causa parece reunir um conjunto de características (de onde
se destaca a importância da empatia e amizade mútua que une os principais gestores
destas duas organizações) que levaram o franqueador a classificá-lo como um modelo
de referência. Assim, é possível que, também noutras cadeias, se verifique que este tipo
de franqueados possa ser utilizado pelo franqueador para fortalecer a sua reputação
junto de potenciais franqueados. O facto de ter uma identidade diferente da do
franqueador poderá de alguma forma dar uma credibilidade superior às suas afirmações
quanto à rede e ao próprio franqueador. Adicionalmente, não é de excluir a
possibilidade de estes franqueados poderem ser também usados pelo franqueador como
um template para a replicação de conhecimento tácito dentro da rede.
233
8.3. Síntese
A análise dos casos permitiu-nos concluir que as actividades desenvolvidas pelo
franqueador e pelos franqueados parecem ser muito complementares mas não
completamente dissimilares (Richardson, 1972). No entanto, constatou-se que, ainda
assim, a cooperação inter-organizacional poderá ser necessária dada a heterogeneidade
existente nas diferentes localizações onde as redes operam (a nível local), por exigir
competências idiossincráticas.
Na verdade, os casos demonstraram que as cadeias estudadas podem ser vistas
como redes de relacionamentos inter-organizacionais, através das quais as empresas
participantes cooperam, partilhando o acesso a competências e recursos. Num dos
casos, verificou-se ainda, que os relacionamentos existentes na rede parecem alterar a
percepção do exterior quanto à identidade dos participantes. E, mais ainda, constatou-se
também que, sendo os principais relacionamentos de uma empresa interrelacionados, o
que acontece num destes relacionamentos pode afectar os restantes (Hakansson e
Snehota, 1995).
Os casos analisados parecem demonstrar que a emergência do franchising pode,
em algumas situações, resultar da necessidade de o franqueador utilizar determinadas
competências externas e das vantagens decorrentes da sua combinação com outras
existentes na rede. Neste contexto, parecem ter particular importância as competências
dos franqueados relativas à gestão dos relacionamento com os clientes. Por outro lado,
além das competências directas do franqueador relativas ao funcionamento do modelo
de negócio, as competências indirectas do franqueador parecem igualmente
determinantes para a emergência e manutenção dos relacionamentos de franchising.
Entre estas competências destacam-se as relativas à criação e manutenção de um
modelo de negócio atractivo e de boa reputação, à codificação e difusão de
conhecimento na rede e à supervisão das unidades. As competências de replicação
parecem ser igualmente preponderantes no início e manutenção do relacionamento.
Estas parecem resultar não só da aprendizagem realizada de forma isolada pelo
franqueador, mas podem também da sua interacção com os franqueados. Finalmente,
234
consideram-se ainda como competências indirectas do franqueador, as relativas à gestão
do Paradoxo de Exploração.
Como foi referido, a análise dos casos confirmou a importância de várias
competências indirectas do franqueador. Mas, os casos evidenciaram também a
importância das relações extra-profissionais entre os membros das empresas envolvidas
no relacionamento de franchising, como um factor influenciador do seu início e
desenvolvimento. Esta influência poderá resultar do efeito que estas relações sociais
podem ter na percepção do franqueador relativa aos custos e benefícios do franchising.
Adicionalmente, estes relacionamentos sociais poderão também influenciar as
competências indirectas da empresa franqueadora, através do seu efeito na reputação do
franqueador.
O estudo dos casos apresentados sugere que a forma plural poderá ser o
resultado das vantagens decorrentes da combinação das competências do franqueador e
dos franqueados. A análise desta questão levantou também a possibilidade de, na
mesma rede e no mesmo momento do tempo, coexistirem diferentes razões que
fundamentam a decisão relativa à forma de propriedade de uma determinada unidade.
Quanto à evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente
verificou-se que esta parece ser influenciada pelo desenvolvimento das competências do
franqueador e dos franqueados resultante das experiências que estes partilham na rede e
que modificam as vantagens decorrentes da sua combinação. Levantou-se também a
possibilidade de a modificação da percepção do franqueador, quanto às vantagens e
custos associados ao franchising, influenciarem a dinâmica da forma plural.
A análise do papel dos franqueados nos casos em estudo permitiu-nos também
concluir que o franqueador parece reconhecer a importância das competências de
customer-linking dos franqueados. Por outro lado, os franqueados parecem ter
conhecimento local idiossincrático que é utilizado pelo franqueador no processo de
inovação. Assim, é possível que os franqueados sejam uma fonte importante de
competências dinâmicas da rede. No entanto, não se exclui a possibilidade de ao querer
controlar a rede, o franqueador condicione a inovação originada a nível local.
O franchising pode também surgir como forma de ultrapassar as limitações de
recursos que impedem o crescimento rápido. No entanto, a forma plural não parece ser
235
uma fase transitória até que a empresa se integra completamente, ainda que a evolução
do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente possa também depender da
maior facilidade de acesso aos recursos financeiros por parte do franqueador. Ainda
que, inicialmente, o franqueador possa adoptar uma estratégia de franchising como
forma de contornar a escassez de recursos financeiros, a maior facilidade de acesso à
obtenção de capital decorrente da maturidade, parece não conduzir (necessariamente) à
integração vertical. Com o tempo, o franqueador poderá começar a valorizar os
benefícios gerados pelas unidades franqueadas. Pode ainda acontecer que, em algumas
unidades franqueadas, o franqueador possa ser confrontado com problemas associados à
privação de controlo hierárquico. Nesse caso, o franqueador desenvolve ou aperfeiçoa
mecanismos que reduzam a possibilidade dessas situações se repetirem.
Finalmente, os resultados não demonstraram que os relacionamentos de
franchising surgissem como forma de reduzir os custos da prevaricação dos agentes.
Pelo contrário, até parecem aumentá-los, dado o condicionalismo decorrente da relativa
inoperacionalidade da Justiça em Portugal. Os casos também não demonstraram que a
forma plural fosse um resultado da existência de um trade-off entre custos de agência,
onde a evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente depende da
maior facilidade de supervisão das unidades resultante do amadurecimento da rede.
Apesar disso, não se pretende excluir estas hipóteses e, consequentemente, a
possibilidade de a Teoria de Agência poder ajudar a explicar estes relacionamentos.
Tendo em conta a heterogeneidade já referida, é possível que esta perspectiva explique
o trajecto de outras redes ao longo do tempo.
No próximo capítulo analisamos a contribuição teórica deste estudo e sugerimos
linhas para investigação futura.
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CAPÍTULO 8 - Cross Analysis dos Casos e Conclusões