A função Zeta de Riemann
Juliana Coelho Chaves
2002
O objetivo deste trabalho é definir e estudar a função Zeta de um corpo de funções algébricas com
corpo de constantes finito. Veremos sua equação funcional, apresentaremos a hipótese de Riemann
e obteremos como corolário uma cota superior para o número de divisores primos de grau 1.
1
Introdução histórica e motivação
A hipótese de Riemann é considerado um dos mais importantes problemas em aberto hoje na
matemática pura. O problema consiste em estudar os zeros da função Zeta definida por
ζ(s) :=
∞
X
n−s
n=1
onde s ∈ C com Re(s) > 1. Em 1859 Riemann mostrou que ζ(s) tem uma continuação analı́tica a
todo o plano complexo com apenas um polo simples em s = 1, com resı́duo 1, e também obteve a
equação funcional de ζ, relacionando ζ(s) e ζ(1 − s). A função Zeta tem zeros chamados triviais
em s = −2, −4, −6 . . . e a hipótese de Riemann é que todos os zeros não-triviais de ζ(s) têm parte
real igual a 1/2.
A conexão entre a função Zeta e números primos apareceu pela primeira vez na literatura pela
reformulação de ζ(s) em produto de Euler
ζ(s) =
Y
(1 − p−s )−1 ,
p
com Re(s) > 1, obtida por Euler em 1748. Num primeiro momento, a hipótese de Riemann parece
ser apenas uma propriedade interessante de uma função interessante. Entretanto, a validade da
hipótese de Riemann implica que o desvio da aproximação
Z x
dt
Li(x) =
,
0 log t
1
obtida por Gauss em 1849, do número π(x) de primos até um limite x é da ordem de
√
x log x.
A hipótese de Riemann se tornou um problema central da matemática pura não apenas por
suas conseqüências na distribuição dos números primos. Uma das razões é que a função ζ(s)
não é um objeto isolado, mas é na verdade o protótipo de uma classe de funções chamadas Lfunções associadas com objetos algébricos (representações automórficas) e aritméticos (variedades
aritiméticas). Espera-se que essas L-funções tenham propriedades semelhantes às da função ζ(s),
isto é, que satisfaçam uma equação funcional e uma hipótese de Riemann. As propriedades mais
importantes do objeto algébrico ou aritmético que dá origem à L-função devem ser expressas em
termos das localizações de seus zeros e polos, e valores em pontos especiais.
Vale dizer que nem um único exemplo de validade (ou falha) da hipótese de Riemann para
uma L-função foi obtido até hoje, e a hipótese de Riemann para ζ(s) não parece ser mais fácil
que para uma L-função. Existem entretanto muitas evidências numéricas da validade da hipótese
de Riemann para ζ(s). A melhor evidência, entretanto vem do desenvolvimento de uma teoria de
Zeta-função no contexto de corpos de funções algébricas com corpo de constantes finito, ou melhor,
variedades algébricas sobre corpos finitos.
Neste caso a hipótese de Riemann sobre a Zeta-função foi demonstrada no em 1934 por Hasse,
num caso particular, e depois por Weil no caso geral no inı́cio da década de 40. Weil formulou
ainda uma série de conjecturas sobre a função Zeta relacionando suas propriedades com a estrutura
topológica da variedade algébrica equivalente.
No que segue veremos a definição da Zeta-função em um corpo de funções em uma variável e
algumas propriedades. Não apresentaremos a demonstração da hipótese de Riemann, mas enunciaremos o resultado e obteremos uma importante conseqüência.
2
A função Zeta de um corpo de funções
Durante o resto da exposição, K é um corpo de funções algébricas em uma variável de gênero g
tendo como corpo de constantes o corpo finito Fq .
O objetivo do estudo de uma Zeta-função no corpo de funções K|Fq é tentar obter estimativas
do número de divisores positivos de grau menor ou igual a um limite n. No final da exposição
obteremos uma cota superior para o número de divisores primos de grau 1, ou seja, do número de
pontos racionais de K|Fq .
Lema 2.1 Para cada n ≥ 0 existe apenas um número finito de divisores positivos de grau n.
2
Demonstração. Um divisor positivo é soma finita de divisores primos, logo é suficiente provar
que para cada n ≥ 0 existe apenas um número finito de divisores no conjunto S dos divisores
primos de grau menor ou igual a n.
Tomamos um elemento x ∈ K \ Fq e consideramos o conjunto S0 dos divisores primos de
Fq (x)|Fq de grau menor ou igual a n. Claramente a restrição de P a Fq (x) está em S0 para
qualquer P ∈ S e cada P0 ∈ S0 tem apenas um número finito de extensões em F . Logo temos
apenas que mostrar que S0 é finito. Como os divisores primos P de Fq (x)|Fq (com excessão do
divisor infinito) correspondem aos polinômios mônicos irredutı́veis p(x) ∈ Fq [x] de mesmo grau de
P , a finitude de S0 segue.
2
Denotaremos por Div(K) o grupo aditivo de divisores do corpo K|Fq , e por Princ(F ) o subgrupo
de Div(F ) consistindo dos divisores principais. O grupo quociente Cl(K) := Div(K)/Princ(K) é
chamado o grupo das classes de divisores de K|Fq .
Dois divisores A e B são ditos linearmente equivalentes se estão na mesma classe de Cl(K),
neste caso escrevemos A ∼ B. Denotamos a classe de A em Cl(K) por [A]. Notamos que divisores
equivalentes têm o mesmo grau e seus espaços L(A) têm a mesma dimensão e logo deg[A] e `[A]
estão bem definidos para [A] ∈ Cl(K).
O conjunto
Div0 (K) := {A ∈ Div(K)|degA = 0}
é um subgrupo de Div(F ) chamado o grupo de divisores de grau zero, e
Cl0 (K) := {[A] ∈ Cl(K)|deg[A] = 0}
é o grupo de classes de divisores de grau zero.
Proposição 2.2 Cl0 (K) é um grupo finito cuja ordem h := hK é chamada o número de classe de
K|Fq .
Demonstração. Segue do Lema 2.1, e do fato de que para cada classe [A] ∈ Cl0 (K), existe um
divisor A ∈ [A] tal que A é positivo.
2
Observamos que o número de classes de divisores de grau dado n é o mesmo para todo n. De
fato, se [A1 ], [A2 ], . . . são classes distintas de grau n, então as classes [A1 − A1 ], [A2 − A1 ], . . . são
distintas de grau 0; e se [B1 ], [B2 ], . . . são classes distintas de grau 0, então [B1 + A1 ], [B2 + A2 ], . . .
são classes distintas de grau n. Logo o número de classe h é o número de classes em Cl(K) de grau
dado n, para qualquer n.
Definimos o inteiro
ρ := min{deg A|A ∈ Div(K) e deg A > 0}.
3
A imagem da aplicação grau deg : Cl(K) → Z é o subgrupo de Z gerado por ρ e o grau de qualquer
divisor de K|Fq é um múltiplo de ρ. Dessa forma, a cada η ∈ Z, correspondem exatamente h
classes de grau ηρ.
Notamos que, como a classe canônica contém divisores positivos e tem grau 2g − 2, ρ deve
dividir 2g − 2, onde g é o gênero do corpo K|Fq . Veremos mais adiante (Corolário 4.1) que ρ = 1
para qualquer corpo K|Fq .
No restante desta seção, queremos estudar os números
An := {A ∈ Div(K)|A ≥ 0 e deg A = n}.
Observamos que A0 = 1 e A1 é o número de divisores primos de grau 1.
Lema 2.3
1. An = 0 se ρ 6 |n;
2. Para uma classe de divisores [A] ∈ Cl(K), temos
|{B ∈ [A]|B ≥ 0}| =
q `[A] − 1
;
q−1
3. Para qualquer inteiro n > 2g − 2 tal que ρ|n temos
An = h
q n+1−g − 1
.
q−1
Demonstração. O ı́tem (1) é claro. Para mostrar o ı́tem (2) notamos que as condições B ∈ [A] e
B ≥ 0 são equivalentes à condição B = div(x) + A para algum x ∈ K com div(x) ≥ −A, ou seja,
x ∈ L(A) \ {0}. Existem exatamente q `[A] − 1 elementos x ∈ L(A) \ {0}, e dois deles dão origem ao
mesmo divisor se e somente se eles diferem por um fator constante α ∈ Fq \ {0}, mostrando (2).
Para o ı́tem (3), lembramos que existem exatamente h classes de grau n e que, pelo Teorema
de Riemann-Roch, se n > 2g − 2 então l[A] = n + 1 − g para cada classe [A]. Logo, pelo ı́tem (2),
o resultado segue.
2
Definimos a função Zeta de K|Fq por
(1)
Z(t) := ZK (t) :=
∞
X
An tn ∈ C[[t]].
n=0
Estamos tomando t como uma variável complexa e Z(t) é uma série de potências sobre o corpo
dos números complexos. Veremos a seguir que a série Z(t) é convergente numa vizinhança de 0.
Proposição 2.4 A série Z(t) é convergente para |t| < q −1 . Mais ainda, para |t| < q −1 vale
4
1. se K|Fq tem gênero g = 0, então
Z(t) =
1
q−1
µ
q
1
−
1 − (qt)ρ
1 − tρ
¶
;
2. se g ≥ 1 então Z(t) = F (t) + G(t) com
F (t) =
h
G(t) =
q−1
1
q−1
X
q `[A] tdeg[A] ,
0≤deg[A]≤2g−2
µ
q 1−g (qt)2g−2+ρ
1
1
−
1 − (qt)ρ
1 − tρ
¶
.
Demonstração. Primeiro supomos g = 0. Mostraremos que um corpo de funções de gênero 0
tem número de classe h = 1, ou seja, que todo divisor A de grau 0 é principal. Isto segue como
corolário do Teorema de Riemann-Roch, pois como 0 > 2g − 2 = −2, `A = deg A + 1 − g = 1
e portanto existe um elemento x 6= 0 com div(x) ≥ −A. Ambos os divisores têm grau 0 e logo
A = −div(x) = div(x−1 ), ou seja, A é principal.
Agora aplicamos o Lema 2.3 e obtemos
∞
∞
∞
X
X
X
1
An t n =
Aρn tρn =
(q ρn+1 − 1)tρn
q
−
1
n=0
n=0
n=0
Ã
!
∞
∞
X
X
1
q
=
(qt)ρn −
tρn
q−1
n=0
n=0
µ
¶
1
q
1
=
−
,
q − 1 1 − (qt)ρ
1 − tρ
para |qt| < 1.
Para g ≥ 1 as contas são semelhantes.
∞
X
X
An t n =
|{B ∈ [A] : B ≥ 0}|tdeg[A] =
n=0
deg[A]≥0
1
=
q−1
X
deg[A]≥0
X
0≤deg[A]≤2g−2
1
q `[A] tdeg[A] +
q−1
X
q `[A] − 1 deg[A]
t
q−1
q deg[A]+1−g tdeg[A] −
deg[A]>2g−2
1
q−1
X
tdeg[A]
deg[A]≥0
= F (t) + G(t),
com
F (t) =
1
q−1
X
q `[A] tdeg[A]
0≤deg[A]≤2g−2
e
(q − 1)G(t) =
∞
X
n=(2g−2)/ρ)+1
hq nρ+1−g tnρ −
∞
X
n=0
htnρ = hq 1−g (qt)2g−2+ρ
1
1
−h
.
ρ
1 − (qt)
1 − tρ
Vemos que em ambos os casos a série Z(t) é soma finita de funções racionais em t, logo a
convergência de Z(t) para |t| < q −1 é imediata,
2
Como a função racional 1/(1 − tρ ) tem um polo simples em t = 1, temos o corolário abaixo.
5
Corolário 2.5 Z(t) pode ser estendida a uma função racional em C que tem um polo simples em
t = 1.
3
Extensões de corpos de constantes
Nesta seção estudaremos brevemente extensões do corpo de constantes de um corpo de funções,
onde o corpo de constantes k não é necessariamente finito. No final da seção voltaremos ao caso
em que k é um corpo finito, e obteremos resultados sobre a função Zeta numa extensão finita de
K|Fq .
Seja K|k um corpo de constantes com k perfeito. Seja k 0 ⊇ k uma extensão algébrica. O
compositum K 0 := Kk 0 é um corpo de funções sobre k 0 . Não está claro em princı́pio que k 0 é o
corpo de constantes de K 0 |k 0 , isto é, que k 0 é algebricamente fechado em K 0 .
Lema 3.1 Se α é algébrico sobre k, então [K(α) : K] = [k(α) : k].
Demonstração. Como a desigualdade [K(α) : K] ≤ [k(α) : k] é trivial, resta apenas mostrar que
o polinômio mı́nimo f ∈ k[T ] de α sobre k permanece irredutı́vel em K[T ]. Supomos então que
f se fatora em f = g · h com g, h ∈ K[T ] mônicos de grau ≥ 1. Toda raiz de g e h num corpo
algebricamente fechado Θ ⊇ k 0 é também uma raiz de f , e portanto é algébrica sobre k. Logo
os coeficientes de g e h são algébricos sobre k, pois são combinações polinomiais das raı́zes. Por
outro lado, esses coeficientes estão em K e, como k é algebricamente fechado em K, concluı́mos
que g, h ∈ k[T ], contradizendo a irreducibilidade de f em k.
2
Corolário 3.2 k 0 é algebricamente fechado sobre K 0 .
Demonstração. Seja γ ∈ K 0 algébrico sobre k 0 . Então γ é algébrico sobre k e existe um número
finito de elementos α1 , . . . , αr ∈ k 0 tais que γ ∈ K(α1 , . . . , αr ). A extensão k(α1 , . . . , αr )|k é finita
e separável, logo k(α1 , . . . , αr ) = k(α) para algum α ∈ k 0 , pois k é perfeito.
Como γ é algébrico sobre k, podemos encontrar β ∈ K 0 com k(α, γ) = k(β). Segue então que
K(β) = K(α, γ) = K(α), pois γ ∈ K(α1 , . . . , αr ) = K(α), e obtemos do Lema 3.1,
[k(β) : k] = [K(β) : K] = [K(α) : K] = [k(α) : k].
Logo k(α) = k(β) e portanto γ ∈ k(α) ⊆ k 0 .
2
A conorma do divisor primo P de K|k com respeito à extensão K 0 |k 0 é o divisor definido por
X
ConK 0 |K (P ) :=
P 0 |P
6
e(P 0 |P )P 0 ,
onde a soma percorre os divisores primos P 0 de K 0 |k 0 acima de P , e e(P 0 |P ) é o ı́ndice de ramificação
de P 0 sobre P . (Observamos que a definição se estende a um homomorfismo de Div(K) em Div(K 0 )
P
P
fazendo ConK 0 |K ( nP P ) :=
nP ConK 0 |K (P )).
A seguir enunciamos um teorema que será utilizado nesta seção e cuja demonstração pode ser
encontrada em [S] (página 103), ou nas notas do seminário do João Pedro (página 14).
1. K 0 |K é não-ramificada, isto é, e(P 0 |P ) = 1 para todo divisor primo P de K|k
Teorema 3.3
e todo divisor primo P 0 de K 0 |k 0 com P 0 |P ;
2. K 0 |k 0 tem o mesmo gênero de K|k;
3. Para cada divisor A ∈ Div(K), temos deg ConK 0 |K (A) = deg A;
4. O corpo residual kP0 0 de qualquer divisor primo P 0 de K 0 |k 0 é o compositum kP k 0 , onde P é
a restrição de P 0 a K e kP é o corpo residual de P ;
Voltando à situação onde k é o corpo finito Fq e K é um corpo de funções em uma variável
sobre Fq , fixamos um fecho algébrico Fq de Fq e consideramos a extensão K = KFq de K|Fq .
Para cada r ≥ 1 existe exatamente uma extensão Fqr |Fq de grau r com Fqr ⊂ Fq , e definimos
Kr := KFqr ⊂ K.
Queremos estudar a função Zeta definida sobre Kr |Fqr , denotada Zr (t), e obter uma relação
entre Zr (t) e Z(t), a função Zeta em K|Fq . Antes, entretanto precisamos de uma reformulação e
de alguns resultados sobre a extensão Kr |K.
Proposição 3.4 (Produto de Euler) Para |t| < q −1 , a função Zeta pode ser representada como
um produto absolutamente convergente
(2)
Z(t) =
Y
(1 − tdeg P )−1 ,
P
onde P percorre os divisores primos de K|Fq . Em particular, Z(t) 6= 0 para |t| < q −1 .
Demonstração. O lado direito de (2) converge absolutamente para |t| < q −1 , uma vez que
P
P∞
deg P
≤ n=0 An |t|n < ∞, pela Proposição 2.4. Cada fator de (2) pode ser escrito como
P |t|
série geométrica, e então obtemos
Y
P
(1 − tdeg P )−1 =
∞
YX
P n=0
X
tdeg nP =
A∈Div(K);A≥0
tdeg A =
∞
X
An tn = Z(t).
n=0
2
7
Lema 3.5
1. Kr |K é uma extensão cı́clica de grau r, ou seja, Kr |K é Galoisiana com grupo
de Galois cı́clico de ordem r. O grupo de Galois Gal(Kr |K) é gerado pelo automorfismo de
Frobenius σ que age em Fqr por σα = αq ;
2. Fqr é algebricamente fechado em Kr
3. Kr |Fqr tem o mesmo gênero de K|Fq ;
4. Seja P um divisor primo de grau m de K|Fq . Então a conorma ConKr |K (P ) = P1 + . . . + Pd ,
onde d := mdc(m, r) e P1 , . . . , Pd são divisors primos de Kr |Fqr dois-a-dois distintos com
deg Pi = m/d para todo i.
Demonstração. Sabemos que Fqr |Fq é uma extensão cı́clica de grau r, e que seu grupo de Galois
é gerado pelo automorfismo de Frobenius α 7→ αq . Como [Kr : K] = [Fqr : Fq ], pelo Lema 3.1, o
ı́tem (1) está provado. O ı́tem (2) segue imediatamente do Corolário 3.2, e o ı́tem (3), do Teorema
3.3.
Vamos agora provar o ı́tem (4). Pelo Teorema 3.3, já temos que P é não-ramificado em Kr |K.
Consideramos um P 0 acima de P . O corpo residual de P 0 é o compositum de Fqr com o corpo
residual kP de P , pelo Teorema 3.3. Seja l := mmc(m, r). Como kP = Fqm (pois [kP : Fq ] = m),
este compositum é Fqm Fqr = Fql . Portanto deg P 0 = [Fql : Fqr ] = m/d. Como deg ConKr |K (P ) =
deg P = m, pelo Teorema 3.3, concluı́mos que ConKr |K (P ) = P1 + . . . + Pd com divisores primos
Pi de grau m/d.
2
Na próxima proposição encontaremos uma relação entre Z(t) e Zr (t); antes entretanto precisamos da seguinte identidade polinomial. Sejam m, r ≥ 1 inteiros e d := mdc(m, r), então
Y
(X r/d − 1)d =
(X − ζ m ),
ζ r =1
onde ζ percorre as raı́zes r-ésimas da unidade em C. De fato, ambos os lados têm o mesmo grau
e cada (r/d)-raiz da unidade é uma raiz de multiplicidade d de cada lado. Portanto os polinômios
são iguais, uma vez que estas são todas as raı́zes do lado esquerdo. Substituindo X = t−m e
multiplicando por tmr obtemos
(3)
(1 − tmr/d )d =
Y
(1 − (ζt)m ).
ζ r =1
Proposição 3.6 Para todo t ∈ C temos
Zr (tr ) =
Y
ζ r =1
8
Z(ζt).
Demonstração. É suficiente provar a igualdade para |t| < q −1 . Pela representação em produto
de Euler (Proposição 3.4), temos
Zr (T r ) =
YY
0
(1 − tr deg P )−1 .
P P 0 |P
Para um P fixo, escrevemos m := deg P e D := mdc(r, m); pelo Lema 3.5 e por (3),
Y
0
(1 − tr deg P ) = (1 − trm/d )d =
Y
(1 − (ζt)m ) =
ζ r =1
P 0 |P
Obtemos então que
Zr (tr ) =
Y Y
Y
(1 − (ζt)deg P ).
ζ r =1
(1 − (ζt)deg P )−1 =
ζ r =1 P
Y
Z(ζt).
ζ r =1
2
4
Equação funcional de Z(t) e o L-polinômio L(t)
Nesta seção demonstraremos a equação funcional da função Zeta e definiremos o L-polinômio
de K|Fq . Utilizando a equação funcional de Z(t), obteremos uma equação funcional para o Lpolinômio, o que nos permitirá estudar suas raı́zes. Como o L-polinômio contém as informações
sobre os números An , o o seu estudo será interessante para o problema de contar divisores positivos
de um dado grau.
Veremos agora como corolário da Proposição 3.6 que o corpo de funções K|Fq possui um divisor
de grau 1, isto é, que ρ = 1.
Proposição 4.1 ρ = 1.
Demonstração. Para ζ ρ = 1 temos
Z(ζt) =
Y
(1 − (ζt)deg P )−1 =
P
Y
(1 − tdeg P )−1 = Z(t),
P
uma vez que ρ divide deg P para qualquer divisor primo P . Logo Zρ (tρ ) = Z(t)ρ , pela Proposição
3.6. A função racional Zρ (tρ ) tem um polo simples em t = 1, pelo Corolário 2.5, e Z(t)ρ tem um
polo de ordem ρ em t = 1. Logo ρ = 1.
Corolário 4.2
2
1. Se o corpo K|Fq tem gênero g = 0, então é racional e sua Zeta-função é
Z(t) =
1
;
(1 − t)(1 − qt)
9
2. Se o corpo K|Fq tem gênero g ≥ 1, então sua Zeta-função pode ser escrita na forma Z(t) =
F (t) + G(t) com
F (t) =
1
q−1
h
G(t) =
q−1
X
q `[A] tdeg[A] ,
0≤deg[A]≤2g−2
µ
q g t2g−1
1
1
−
1 − qt 1 − t
¶
.
Demonstração. Substituindo ρ = 1 na Proposição 2.4, obtemos as fórmulas anunciadas; basta
agora notarmos que um corpo de funções de gênero 0 é racional se e somente se tem um divisor de
grau 1.
2
Proposição 4.3 (Equação funcional da função Zeta)
Z(t) = q g−1 t2g−2 Z(
1
).
qt
Demonstração. Se g = 0, o resultado segue do Corolário 4.2, ı́tem 1. Para g ≥ 1, escrevemos
Z(t) = G(t) + F (t) como no Corolário 4.2, ı́tem 2. Seja C um divisor canônico de K|Fq , então
X
X
(q − 1)F (t) =
q `[A] tdeg[A] =
q deg[A]+1−g+`[C−A] tdeg[A]
0≤deg[A]≤2g−2
= q g−1 t2g−2
X
0≤deg[A]≤2g−2
q deg[A]−(2g−2)+`[C−A] tdeg[A]−(2g−2)
0≤deg[A]≤2g−2
= q g−1 t2g−2
X
µ
q `[C−A]
0≤deg[A]≤2g−2
1
qt
¶deg[C−A]
= q g−1 t2g−2 (q − 1)F (
1
),
qt
pois deg[C] = 2g − 2 e, se [A] percorre as classes de divisores com 0 ≤ deg[A] ≤ 2g − 2, então o
mesmo acontece com [C − A].
Para a função G(t), temos
Ã
!
1
h g−1 2g−2 g 1 2g−1 1
1
g−1 2g−2
q ( )
q
t
G( ) =
q
t
1 −
1
qt
q−1
qt
1 − q qt
1 − qt
Ã
!
h
1 1
q g t2g−1
= G(t).
=
−
1
1
q−1 t 1− t
qt(1 − qt
)
Somando F (t) e G(t), obtemos a equação funcional para Z(t).
2
Definimos o L-polinômio do corpos de funções K|Fq por
L(t) := LK (t) := (1 − t)(1 − qt)Z(t).
Pelo Corolário 4.2, vemos que L(t) é um polinômio de grau ≤ 2g. Observamos ainda que L(t)
contém toda a informação sobre os números An (n ≥ 0), pois
(4)
L(t) = (1 − t)(1 − qt)
∞
X
n=0
10
An tn .
Teorema 4.4 O L-polinômio L(t) de K|Fq tem coeficientes inteiros, grau 2g e satisfaz a equação
funcional L(t) = q g t2g L(1/qt). Além disso, L(1) = h o número de classe de K|Fq e, escrevendo
L(t) = a0 + a1 t + . . . + a2g t2g , temos
1. a0 = 1 e a2g = q g ,
2. a2g−i = q g−i ai para 0 ≤ i ≤ g,
3. a1 = N − (q + 1), onde N é o número de divisores primos de grau 1;
Demonstração. O teorema é trivial para g = 0; assumimos portanto que g ≥ 1. Como An ∈ Z,
vemos facilmente que L(t) ∈ Z[t]. A equação funcional de L(t) segue diretamente da equação
funcional de Z(t). Com F (t) e G(t) como no Corolário 4.2, temos
L(t) = (1 − t)(1 − qt)F (t) +
h
(q g t2g−1 (1 − t) − (1 − qt)),
q−1
e portanto L(1) = h.
Agora escrevemos L(t) = a0 + a1 t + . . . + a2g t2g . A equação funcional de L(t) implica que
L(t) = q g t2g L(
1
a2g
) = g + a2g−1 q g−1 t + . . . + q g a0 t2g ,
qt
q
e logo a2g−i = q g−i ai para 0 ≤ i ≤ g. Comparando os coeficientes de (4), vemos que a0 = A0 e
a1 = A1 − (q + 1)A0 . Como A0 = 1 e A1 = N , obtemos a0 = 1 e a1 = N − (q + 1). Finalmente,
a2g = q g a0 = q g e portanto a2g 6= 0 e L(t) tem grau 2g.
2
Seja L(t) o L-polinômio do corpo K|Fq e Lr (t) o L-polinômio do corpo Kr |Fqr . O teorema
seguinte relaciona os recı́procos as raı́zes de L(t) e Lr (t). Mais especificamente, se 1/α é raı́z de
L(t), então 1/αr é raı́z de Lr (t).
Proposição 4.5 L(t) se fatora em C[t] na forma
L(t) =
2g
Y
(1 − αi t);
i=1
e os números complexos α1 , . . . , α2g são inteiros algébricos que podem ser arrumados de forma que
αi αg+i = q para i = 1, . . . , g. Mais ainda, temos que
Lr (t) =
2g
Y
(1 − αir t).
i=0
Demonstração. Consideramos o polinômio L⊥ (t) := t2g L(1/t) = a0 t2g + a1 t2g−1 + . . . + a2g . Pelo
Teorema 4.4,
L⊥(t) = t2g + a1 t2g−1 . . . + q g
11
e portanto L⊥ é um polinômio mônico com coeficientes em Z, de forma que suas raı́zes α1 , . . . , α2g ∈
Q2g
C são inteiros algébricos, e L⊥ (t) = i=0 (t − αi ). Portanto,
2g
Y
1
L(t) = t L ( ) =
(1 − αi t).
t
i=0
2g
⊥
Notamos que as raı́zes αi de L⊥ são o inverso das raı́zes de L(t), uma vez que L(αi−1 ) = 0.
A equação funcional de L(t), implica que L⊥ (α) = 0 se e somente se L⊥ (q/α) = 0, e portanto
podemos rearrumar os αi ’s de modo que αi αg+i = q, para i = 1, . . . , g.
Usando agora a relação obtida na Proposição 3.6, obtemos
Lr (T r ) = (1 − tr )(1 − q r tr )Zr (tr ) = (1 − tr )(1 − q r tr )
= (1 − tr )(1 − q r tr )
=
5
2g
Y
Y
i=1
ζ r =1
Y
Z(ζt)
ζ r =1
Y
L(ζt)
=
L(ζt)
(1 − ζt)(1 − qζt)
r
ζ r =1
2g
Y
(1 − αi ζt) =
Y
ζ =1
(1 − αir tr ).
2
i=1
A cota de Hasse-Weil
O Teorema 4.4 mostra que o número
N (K) := N := |{P é divisor primo de K|Fq : deg P = 1}|
pode ser facilmente calculado se o L-polinômio de K|Fq é conhecido. Nessa seção enunciaremos o
famoso teorema de Hasse-Weil, demonstrado no caso particular onde g = 1 em 1934 por Hasse e
finalmente no inı́cio dos anos 40 por Weil no caso geral, como foi dito na seção 1, e usaremos esse
teorema para dar uma cota superior para o número N .
Mais geralmente consideramos para r ≥ 1 o número
Nr := N (Kr ) = |{P é divisor primo de Kr |Fqr : deg P = 1}|.
Notamos que N1 = N .
Proposição 5.1 Para cada r ≥ 1,
Nr = q r + 1 −
2g
X
αir ,
i=1
onde α1, . . . , α2g ∈ C são os recı́procos das raı́zes de L(t). Em particular
N =q+1−
2g
X
i=1
12
αi .
Demonstração. Pelo Teorema 4.4, Nr − (q r + 1) é o coeficiente de t no L-polinômio Lr (t). Por
Q2g
P2g
2
outro lado, como pela Proposição 4.5 Lr (t) = i=1 (1 − αir t), este coeficiente é − i=1 αir .
O teorema abaixo é uma conseqüência da desigualdade de Castelnuovo e não será demonstrado
aqui, podendo ser encontrado em [S] (página 169) e [E] (página 305).
Teorema 5.2 (Hasse-Weil) Os recı́procos das raı́zes de L(t), α1 , . . . , α2g , satisfazem
|αi | = q 1/2 .
O Teorema de Hasse-Weil é a hipótese de Riemann para corpos de funções algébricas. Para
entender o porquê, vamos reescrever a função Zeta Z(t) de forma análoga à ζ-função clássica de
Riemann apresentada na seção 1. Por problemas de notação denotaremos aqui a ζ-função clássica
por ζ 0 , isto é
ζ 0 (s) =
(5)
∞
X
n−s .
n=1
Definimos a norma absoluta de um divisor A ∈ Div(K) por N (A) := q deg A . Então a função
ζ(s) := Z(q −s )
pode ser escrita como
ζ(s) =
∞
X
n=0
X
An q −ns =
N (A)−s ,
A∈Div(K);A≥0
análoga a (5).
Vimos na seção 1 que a hipótese de Riemann clássica é que os zeros não-triviais de ζ 0 (s) estão na
reta Re(s) = 1/2. O Teorema de Hasse-Weil 5.2 nos diz que, se ζ(s) = 0, ou seja, se Z(q −s ) = 0,
então |q −s | = q −1/2 . Como |q −s | = q −Re(s) , temos que ζ(s) = 0 implica que Re(s) = 1/2,
mostrando que o Teorema 5.2 é a hipótese de Riemann no caso de corpos de funções sobre um
corpo finito.
Como havı́amos dito, usaremos agora o Teorema 5.2 e a Proposição 5.1 para obter uma cota
superior para o número N .
Corolário 5.3 (Cota de Hasse-Weil) O número N de divisores primos de grau 1 pode ser estimado
por
|N − (q + 1)| ≤ 2gq 1/2 .
Demonstração. Substituı́mos |αi | = q 1/2 em N − (q + 1) = −
P2g
i=1
αi .
2
Dessa forma obtemos, como prometido na seção 1, uma cota superior para o número de pontos
racionais de K|Fq .
13
Referências
[B] E. BOMBIERI; Problems of the milenium: The Riemann hypothesis.
[E] M. EICHLER; Algebraic numbers and functions.
[H] R. HARTSHORNE; Algebraic Geometry.
[S] H. STICHTENOTH; Algebraic function fields and codes.
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A função Zeta de Riemann