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Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista / AM)
José Jefferson Carpinteiro Peres
07/04/2003
Casa Senado Federal
Tipo Discurso
Manifestação de discordância em relação à instituição de cotas raciais nas
universidades e no serviço público em geral.
CRITICA, CRIAÇÃO, COTA, ADMISSÃO, NEGRO, UNIVERSIDADE,
SERVIÇO PUBLICO, DEFESA, UTILIZAÇÃO, CRITERIOS, RENDA,
APREENSÃO, CONFLITO, MOTIVO, MISTURA, RAÇA,
POPULAÇÃO, BRASIL, REGISTRO, PROBLEMA, OCORRENCIA,
EXAME VESTIBULAR, UNIVERSIDADE ESTADUAL, (RJ).
REGISTRO, SOLICITAÇÃO, CONSULTORIA, SENADO, ESTUDO,
AVALIAÇÃO, EFEITO, SISTEMA, COTA, ENSINO SUPERIOR, PAIS
ESTRANGEIRO, (EUA), SUBSIDIOS, DEBATE.
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Publicação no DSF de 08/04/2003 - página 6402
O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,
começo com um registro que, no fundo, é uma profissão de fé. Desde a infância,
recebi a bênção de ser vacinado contra a doença do racismo, graças ao fato de
haver convivido com colegas e companheiros negros e mestiços, alguns dos quais
permanecem meus amigos até hoje.
Repilo, portanto, qualquer acusação de que minhas palavras estejam eivadas de
ânimo discriminatório, quando manifesto minha discordância em relação à
instituição de cotas raciais nas universidades e no serviço público em geral.
Admitindo, embora, que o regime de cotas possa ser defendido numa perspectiva
jurídica, no marco das chamadas políticas públicas de discriminação positiva conforme a célebre manifestação de Rui Barbosa, para quem a justiça consiste em
tratar desigualmente os desiguais -, estou convicto de que a questão traz à baila
dilemas éticos que não podem ser negligenciados sem sérios prejuízos para a
sociedade.
Quero dizer, Sr. Presidente, que as cotas raciais poderão gerar situações de
absoluta iniqüidade, muitas vezes beneficiando ricos em detrimento de pobres. Pois
iníquo é favorecer alguém em razão de sua cor, sem atentar para a sua renda. Ou
será que alguém entre nós, em sã consciência, teria coragem de ponderar
positivamente a prova do filho do Pelé e assim conceder-lhe vantagem competitiva
sobre o filho de uma faxineira branca?
E o que dizer, numa sociedade miscigenada como a nossa, dos conflitos de
interpretação advindos da proposta de alguns movimentos e organizações nãogovernamentais para que se deixe ao subjetivismo dos interessados a
responsabilidade pela definição da própria cor?
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas e outras contradições afloraram com
didática nitidez em recente exame vestibular promovido pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O episódio traz valiosas lições para todas as
autoridades públicas interessadas em combater as desigualdades sociais sem cair
nas falácias da demagogia iníqua e daninha.
Na visão de qualquer educador digno do título, o resultado daquele exame só pode
ser considerado um rematado desastre. Senão, vejamos.
Dos candidatos aprovados, menos de 37% obtiveram sua classificação
independentemente do sistema de cotas. Vale aqui lembrar que este foi aprovado
em finais de 2001, prevendo que metade das vagas da UERJ se destinariam aos
estudantes de escolas públicas fluminenses. Na última hora, porém, a Assembléia
Legislativa modificou a proposta para incluir uma cota de 40% de vagas para
candidatos pardos e negros. Para conciliar tais exigências, a universidade viu-se
obrigada a realizar dois vestibulares: o primeiro para candidatos egressos do ensino
público, e o segundo no tradicional sistema classificatório.
O problema, Sr. Presidente, é que imenso número de candidatos declarou-se negro
ou pardo a fim de tirar vantagem do critério da autodefinição, mesmo que esta
estivesse em flagrante conflito com a cor registrada nos documentos de identidade.
Não sei se os nobres pares atentaram para a seriedade do episódio: até agora, a
UERJ não foi capaz de dizer se a lei de cotas foi cumprida ou não, pois ninguém
sabe quantos fraudaram o sistema ou dele participaram em boa fé.
O concurso acabou gerando duas classes de estudantes cujas performances não
poderiam ser mais díspares. Tomemos como exemplo o curso de Odontologia. Ali, o
último aprovado com base nas cotas obteve pontuação cerca de 15 vezes menor
que o último classificado no esquema tradicional.
Não deve, pois, causar espanto que muitos reprovados tenham decidido recorrer à
Justiça para se proteger do que consideram violação dos seus direitos
constitucionais, de vez que a nossa Lei Maior, no seu artigo 206, inciso I, garante a
todos "igualdade de condições no acesso e na permanência na escola". É fácil
prever que os já obstruídos canais do Judiciário ficarão ainda mais atravancados,
sem que isso impeça os perpetradores de autodefinições falsas de freqüentarem as
aulas na UERJ.
No momento em que tramita na Câmara dos Deputados proposição já aprovada
nesta Casa, de teor muito semelhante à lei fluminense de cotas universitárias,
lanço um último alerta na esperança de impedir a generalização de tais absurdos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio sinceramente que as melhores políticas
de ação afirmativa são aquelas baseadas em providências emergenciais e de largo
prazo, com foco na renda como diferencial de oportunidades educacionais. No
primeiro caso, estariam as bolsas cursinho pré-vestibular, financiadas pelo poder
público, em benefício de estudantes comprovadamente pobres, negros ou não. No
segundo, figurariam medidas como o fortalecimento de programas de bolsa-escola
e a adoção de incentivos salariais para professores e diretores de escolas públicas
cujos alunos comprovassem bom desempenho em certames nacionais periódicos.
Afinal, é ali, nos níveis fundamental e médio, que as desigualdades se cristalizam, e
o vestibular funciona como mero e tardio reflexo de uma cruel estratificação entre
crianças e jovens das classes privilegiadas, de um lado, e os filhos da exclusão, de
outro. Diria mais: que essa cristalização perversa começa a operar bem antes até,
no nível da pré-escola, fora do alcance de meninos e meninas pobres, cujo direito
ao estudo é garantido apenas a partir dos sete anos de idade, quando os filhos das
classes médias e altas, a par de bem fornidas bibliotecas no lar ou nas casas de
parentes, há muito estão imersos no ambiente rico em estímulos intelectuais e
motores dos jardins de infância e das classes de alfabetização.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no intuito de embasar essas e outras
propostas capazes de transformar a escola pública, do atual foco reprodutor de
injustiça social, em alavanca de emancipação das maiorias racionais, acabo de
solicitar à Consultoria Legislativa desta Casa estudo que permita colocar em
perspectiva histórico-comparativa segura os resultados da legislação de cotas em
países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos, onde o sistema foi
implantado em 1964, conforme a Lei dos Direitos Civis, promulgada pelo então
presidente Lyndon Johnson. São análises que, a curto prazo, poderiam alimentar
ciclos de debates e audiências públicas em nossas Comissão de Educação e de
Assuntos Sociais, com vista a uma produção legislativa oportuna e sensata.
É sempre muito bom aprender com os acertos e, sobretudo, com os erros dos
outros, desde que estejamos dispostos a aplicar a essas experiências estrangeiras o
princípio da "redução sociológica" às condições nacionais, conforme ensinava o
saudoso e notável sociólogo negro Alberto Guerreiro Ramos. Caso contrário,
marcharemos rumo a um doloroso fiasco de política pública, se, por exemplo,
ignorarmos que as ações afirmativas norte-americanas têm por pressuposto
costumes refletidos em antiga decisão da Suprema Corte segundo a qual a
existência de um sessenta e quatro avos de ascendentes negros basta para definir
alguém como negro.
O transplante mecânico e acrítico dessas políticas para uma sociedade como a
nossa, habituada a funcionar segundo pressupostos quase sempre diametralmente
inversos, não deixará de produzir conseqüências paradoxais, por vezes bastante
indesejáveis.
Em suma, Sr. Presidente, cotas sociais, talvez; raciais, não! Estas me parecem um
equívoco perigoso, com o qual não posso concordar.
Se minha posição for incompreendida ou mal interpretada, paciência. Homem
público que se preza não assume posições calculando vantagens eleitoreiras ao
sabor das pesquisas de popularidade.
Muito obrigado.
Fontes:
Secretaria-Geral da Mesa - Subsecretaria de Taquigrafia
Secretaria de Informação e Documentação - Subsecretaria de Informações
Dúvidas, reclamações e informações: SSINF - Subsecretaria de Informações
(311-3325, 311-3572)
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