GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP Desafios do financiamento de
longo prazo no Brasil1
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1. A autora agradece os comentários da equipe do Grupo de
Economia / Fundap.
Maria Cristina Penido de Freitas
Doutora em Economia, consultora da Fundap
Introdução
Os nós do financiamento de longo prazo no Brasil são sobejamente conhecidos. A poupança
financeira doméstica é relativamente pequena e de curtíssimo prazo. Os recursos do BNDES e os
depósitos de poupança são insuficientes para atender às necessidades de financiamento de longo
prazo (infraestrutura, indústria, pesquisa e inovação, e habitação). O risco elevado dos projetos de
investimento de longo prazo afasta os investidores e bancos privados, que encontram melhor opção
nos títulos públicos, ativos com rentabilidade e liquidez elevadas. Em razão da existência de títulos de
dívida pública indexados à taxa básica de juros, a grande maioria dos agentes econômicos apresenta
um viés de curto prazo em suas decisões de alocação da riqueza financeira, priorizando aplicações
com remuneração referenciada à taxa de juros do mercado interbancário (CDI-over), o que dificulta o
surgimento de um mercado de financiamento voluntário de longo prazo.
Tanto o mercado privado de crédito bancário como o mercado de capitais são fontes exíguas de
recursos para o financiamento de projetos de longa maturação e/ou retorno incerto. De um lado, por
não terem captação doméstica de longo prazo, os bancos só concedem financiamento de longo prazo
como repassadores do BNDES2 e/ou com funding externo. De outro lado, como o mercado doméstico
de títulos privados é pouco desenvolvido e sem liquidez – o que significa que o investidor é obrigado
a carregar o título até o vencimento –, os bancos e as empresas enfrentam dificuldades para captar
recursos mediante emissão de títulos de dívida direta de prazos de vencimentos mais longos, com
nível de remuneração compatível ao retorno dos seus negócios3.
No atual contexto institucional, sem o suporte do crédito bancário direcionado e/ou de endividamento externo, a concretização de projetos de investimento de longo prazo resta impraticável. Isso
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2. Atualmente, 90% da carteira
de crédito com vencimento superior a cinco anos têm lastro em
linhas oriundas de bancos públicos. Desse total, o BNDES responde por 62% (BRASIL, 2010).
Devido às condições de prazo,
custo e garantias mais favoráveis,
os empréstimos do BNDES são a
fonte de recursos preferida pelas
empresas no financiamento de
mais longo prazo vis-à-vis a demais fontes onerosas, como mostram Almeida e outros (2009).
3. Além de pouco expressiva (em
torno de 2,5% do PIB), a captação
de recursos no mercado primário
de privados de renda fixa é realizada por meio da emissão de títulos de curto e médio prazos, indexados a juros de curtíssimo prazo.
15
GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP 4. A base legal do pacote são a
Medida Provisória (MP) n. 517 e
o Decreto n. 7.412, que foram
publicados no Diário Oficial no
dia 31 de dezembro de 2010.
5. O governo estima que para
crescer acima de 5% ao ano a
economia brasileira precisa de
investimentos da ordem de R$
1.324 bilhões no período 20112013. Mapeamento realizado
por pesquisadores do BNDES
para o período 2011-2014 indica
intenções de investimento, de
origens pública e privada, da ordem de R$ 613 bilhões em oito
setores industriais, petróleo e
gás, extrativa mineral, siderurgia,
química, papel e celulose, veículos, eletroeletrônica e têxtil/confecções e de R$ 380 bilhões nos
setores de infraestrutura (energia elétrica, telecomunicações,
saneamento e rodovias, ferrovias
e portos). Para maiores detalhes,
ver Puga e Borça (2011a e b).
6. Em declaração à imprensa no
dia do lançamento do pacote, o
presidente do BNDES, Luciano
Coutinho, afirmou que o objetivo
do governo é “elevar a taxa de
investimentos dos atuais 19%
do Produto Interno Bruto (PIB)
para 23% do PIB. Dos investimentos adicionais de até R$
650 bilhões, cerca de R$ 300
bilhões deverão vir do lucro das
empresas e os restantes R$ 350
bilhões terão que ser viabilizados pelo mercado de capitais”.
7. Cabe ressaltar que, para a
formatação desse pacote de
estímulo, as autoridades governamentais ouviram diversas entidades representativas do setor
empresarial privado, bem como
entidades representativas do sistema financeiro. Em outubro de
2010, por exemplo, importantes
entidades privadas – como a CNI,
Febraban, Fiesp, Iedi, Instituto
Talento, Secovi – encaminharam
ao governo um documento com
propostas e recomendações para
ampliar o financiamento privado
ao investimento em bases voluntárias. Ver: Frischtak (2010).
8. A duration é média ponderada
do tempo em que se espera receber os juros mais o principal em
uma aplicação financeira de renda fixa. Na Resolução n. 3947, de
27 de janeiro de 2011, o CMN definiu a fórmula de cálculo do prazo
médio ponderado dos títulos de
renda fixa vinculados aos projetos
de investimento de longo prazo.
9. Segundo Travaglini e Mandl
(2011), no texto final da MP. 517,
que está para ser votada pelo
Congresso, a desoneração do IR
foi estendida aos títulos privados
de longo prazo destinados a projetos de inovação e pesquisa.
16
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porque, como mostrou Keynes, financiamento do crescimento econômico pressupõe a existência de
um sistema bancário organizado e mercados financeiros profundos e bem integrados, pois a viabilização das decisões empresariais de investimento depende, em um primeiro momento, da criação de
crédito por parte de um banco (finance) em resposta a uma demanda por liquidez. A utilização desse
poder de compra novo dará origem, em um momento posterior, ao crescimento da renda e à criação
da riqueza (ou poupança) financeira (funding), a qual será utilizada para validar as dívidas vincendas
e alongar os prazos dos passivos dos devedores.
A partir do diagnóstico de que os bancos públicos não podem continuar como promotores
quase que exclusivos do funding de longo prazo da economia brasileira, o governo federal lançou
no dia 15 de dezembro de 2010 um pacote de estímulo à construção de um mercado privado de
financiamento de longo prazo4. Espera-se que o mercado privado seja capaz de suprir parte dos recursos necessários ao financiamento dos vultosos investimentos identificados como indispensáveis
para manter a economia brasileira em trajetória sustentada de crescimento5, constituindo-se, assim,
em relevante fonte de funding complementar ao crédito bancário direcionado. A expectativa do governo é que as emissões primárias de papéis cheguem a R$ 60 bilhões ou R$ 70 bilhões por ano nos
próximos 3 a 4 anos6.
O propósito deste breve artigo é analisar as iniciativas recentes em prol da constituição de um
mercado privado de financiamento de longo prazo. Além dessa introdução, o artigo está organizado
em três seções. Na primeira, sumarizam-se os objetivos do pacote de estímulo e suas principais medidas. Na segunda, examinam-se os impactos das medidas no desempenho recente do mercado de títulos privados de renda fixa. Na terceira e última, à guisa de conclusão, discutem-se as perspectivas e
os desafios para o desenvolvimento do mercado doméstico privado de financiamento de longo prazo.
Pacote de estímulos ao financiamento de longo prazo
Com o intuito de viabilizar a construção de um mercado privado de financiamento de longo
prazo, as medidas de estímulo adotadas pelo governo federal no final de 2010 procuraram ampliar
a atratividade do mercado primário de títulos privados de longo prazo, em termos de rentabilidade
esperada e de segurança nas negociações, e promover o desenvolvimento do mercado secundário
para a negociação desses títulos, contribuindo, assim, para ampliar a liquidez dos papéis7. Além de
desonerações tributárias, com custo fiscal estimado em R$ 972 milhões nos dois primeiros anos após
sua adoção, foram introduzidas importantes alterações institucionais.
Para incentivar o financiamento de longo prazo no mercado primário privado foi concedida desoneração do IR incidente sobre rendimentos de títulos privados de longo prazo emitidos por empresas não financeiras, vinculados a projetos de investimento, com prazo médio ponderado (duration8)
de no mínimo 4 anos (prazo total aproximado de 6 anos) e adquiridos por investidores não residentes9. A MP 517 veda a recompra do papel pelo emissor nos dois primeiros anos após a sua emissão,
fixa em 180 dias o prazo mínimo de intervalo para pagamento periódico de rendimento (“cupom de
remuneração”) e estabelece que a emissão dos títulos se dê por meio de oferta pública, em condições
estipuladas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Especificamente para os projetos de investimento em infraestrutura, foi definida a isenção e/
ou redução do imposto de renda incidente sobre rendimento das debêntures emitidas por sociedades
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GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP de propósito específico, com duration de no mínimo 4 anos (prazo total aproximado de 6 anos). Investidores estrangeiros e pessoas físicas residentes no Brasil foram tornados isentos, enquanto para as
pessoas jurídicas residentes no Brasil houve redução da alíquota de 34% para 15%. Esse benefício
será concedido apenas às emissões relacionadas a projetos de infraestrutura aprovados pelo governo
federal e que obedeçam as condições estipuladas pela CVM.
Para estimular a emissão de títulos de dívida pelas empresas não financeiras foram propostas
modificações na Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404, de 1976). Dentre as mudanças, a mais
importante foi, sem dúvida, a revogação do artigo 60 que definia o limite de emissão de títulos de renda fixa, o qual passará a ser determinado pela assembléia de acionistas e não mais pelo capital social
da empresa10. Além disso, foi atribuída ao conselho de administração das empresas de capital aberto
mais flexibilidade nas decisões relativas à emissão de valores mobiliários, inclusive das debêntures
conversíveis em ações.
O pacote contemplou igualmente a ampliação do funding de longo prazo para as instituições
financeiras, com a regulamentação da oferta pública das letras financeiras, títulos de longo prazo emitidos pelos bancos que até então só podiam ser vendidos de forma privada, o que reduzia substancialmente o universo de investidores11. Por meio da Instrução n. 488, de 16 de dezembro de 2010, a CVM
definiu as exigências para registro, prospecto, road-show, bookbuilding, limite anual de emissão, etc.
Por sua vez, naquela mesma data, o CMN concedeu ao BNDES autorização para emitir letras
financeiras (Resolução n. 3.933), fixando como limite para esse lançamento por parte do BNDES o
montante equivalente ao seu patrimônio de referência, ou seja, o total de capital em ações e lucros
retidos (denominado capital de nível 1). Desse modo, o banco poderá emitir até R$ 40 bilhões em
novos títulos de dívida como forma de ampliar a captação de recursos para concessão de empréstimos ao setor produtivo, reduzindo a necessidade de empréstimos da União para essa instituição
de fomento.
Para estimular a securitização do crédito imobiliário, ou seja, a venda de títulos vinculados a
contratos imobiliários no mercado, alterou-se a regra estipulada para o direcionamento dos depósitos de poupança. Por meio da Resolução n. 3932 do, o CMN autorizou as instituições financeiras
integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) a computar os créditos securitizados no cálculo dos 65% dos recursos captados em depósito de poupança que, no mínimo, devem
ser obrigatoriamente direcionados para o financiamento imobiliário. A nova regulamentação permite
que o banco, ao vender o crédito imobiliário, não tenha de retirar, de uma só vez, o valor do cálculo
do direcionamento. A retirada será gradual, com redução de 1/36 por mês. Com essa nova regra de
enquadramento, as instituições financeiras do SBPE poderão levantar recursos para a concessão
de novos créditos por meio da securitização dos créditos imobiliários em carteira sem descumprir
a exigibilidade dos depósitos de poupança, incentivando igualmente a emissão de Certificados de
Recebíveis Imobiliários (CRI).
Outra importante medida de natureza institucional foi a criação de um fundo de liquidez para
os títulos privados. Esse fundo atuará como market maker mediante colocação diária de propostas
de compra e venda de modo a dar liquidez ao mercado secundário. O fundo será criado a partir de
direcionamento de 3,0 pontos percentuais dos compulsórios sobre os depósitos a prazo, o que garantirá um aporte de cerca de R$ 2,2 bilhões. Ademais, esse fundo poderá receber aportes de outros
agentes, como o BNDES.
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10. O artigo 60 da Lei das SA
estabelecia que o valor total das
emissões não ultrapassasse o
capital social e que o limite poderia ser excedido até alcançar 80%
dos bens gravados, no caso das
debêntures com garantia real, e
70% do valor contábil do ativo
diminuído das dívidas garantidas
por direitos reais, no caso das debêntures flutuantes. Cabe ressaltar que as alterações propostas
na Lei das SA dependem da votação da MP 517 pelo Congresso.
11. Criadas em dezembro de
2009 pela MP 472, as letras financeiras (LF) foram regulamentadas pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN) , que definiu as
condições para a emissão pelos
bancos, Caixa Econômica Federal, financeiras e sociedades de
crédito imobiliário desses títulos
de renda fixa. De acordo com a
Resolução n. 3.836, de 25 de
fevereiro de 2010, as LF podem
ser emitidas com valor nominal
unitário mínimo de R$ 300 mil e
prazo mínimo de 24 meses, sem
possibilidade de resgate antes
do vencimento. No que se refere à remuneração, esses títulos
podem ser emitidos com taxa de
juros prefixada, combinada ou
não com taxas flutuantes ou índice de preços. Porém, é vedada
a emissão com cláusula de variação cambial. As emissões de
letras financeiras tiveram início
em abril de 2010. No final daquele mês, o estoque registrado
na Cetip era de R$ 2,2 bilhões.
Desse total de letras emitidas,
97% eram remuneradas pela
taxa DI enquanto os restantes
3% eram pós-fixadas em IPCA
(Anbima, 2010).
17
GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP 12. Por um provável erro de redação, o Decreto n. 7.424, de
30 de dezembro de 2010 conferiu isenção de IOF, no resgate e/
ou revenda em até 30 dias, de
todos os títulos privados de renda fixa, inclusive os Certificados
de Depósito Bancário (CDB),
que embora tenham liquidez
diária são depósito a prazo.
Contudo, quatro meses depois,
por meio do Decreto n. 7.487,
de 23 de maio de 2011, o governo explicitou que a desoneração
do IOF incide sobre aplicações
de curto prazo (até 30 dias) em
debêntures, letras financeiras e
certificados de recebíveis imobiliários (CRI). Para as aplicações
em certificados de direitos creditórios do agronegócio (CDCA),
letras do crédito do agronegócio
(LCA) e certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), a alíquota do IOF era e permanecerá
zero. Já o resgate e a revenda de
CDB e de outros títulos privados
de renda fixa com menos de 30
dias estão sujeitos à incidência
regressiva da alíquota de 1%.
13. No âmbito do BNDES PSI, o
programa de sustentação ao investimento lançado em 2009 e
cuja vigência foi prorrogada até
o final de 2011, o apoio a bens
de capital para médias, pequenas e microempresas (MPME),
que era de 100% do investimento, agora será limitado a 90%.
Para grandes empresas, o limite
passou de 80% para 70%. Essa
redução foi aplicada igualmente
aos subprogramas de inovação
e exportação.
14. Em 2010, o banco captou
R$ 2 bilhões por meio da oferta
pública de três séries de debêntures simples do BNDESPAR.
15. Segundo o BNDES (2011),
até o primeiro trimestre de
2011 já foram realizados 33
negócios com volume financeiro
de R$ 217,5 milhões.
18
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Para atrair investidores e estimular o mercado secundário de títulos privados de renda fixa, o
governo alterou a tributação do mercado de capitais (Decreto n. 7.412, de 30 de dezembro de 2010).
Além de eliminar a cobrança de IOF nas operações de compra e venda de títulos privados com prazo
de até 30 dias12, o decreto modificou a tributação sobre rendimentos periódicos (“cupom de remuneração”) pagos aos investidores, estabelecendo que a negociação de títulos fora da data de pagamento
do cupom não gerará tributação adicional.
Igualmente, foi concedida, a partir de janeiro de 2011, desoneração do IOF incidente sobre a
entrada de recursos estrangeiros em fundos de private equity, tais como os fundos de investimento
em participação (FIP) e fundos mútuos de investimentos em empresas emergentes (FMIEE). A alíquota sobre essas operações de câmbio foi reduzida de 6% para 2%.
Um conjunto de iniciativas do BNDES também integrou o pacote de medidas de estímulo ao
financiamento privado de longo prazo. Além da revisão de suas políticas operacionais, com redução
de 10% em sua participação máxima no financiamento de projetos de investimentos de longo prazo13,
o banco procurou reforçar seu papel no estímulo ao financiamento privado voluntário de longo prazo
no mercado de capitais.
Para influenciar positivamente o desenvolvimento do mercado de dívida corporativa por meio
de sua ação como investidor, o BNDES aperfeiçoou as condições para aquisição de debêntures em
ofertas públicas e lançou um novo programa de aquisição de debêntures em oferta pública, com recursos da ordem de R$ 10 bilhões. Nesse novo programa – que veta remuneração do título expressa
em porcentagem do CDI, exige transparência na precificação e na distribuição e presença de formadores de mercado –, o banco só adquirirá títulos com vencimento mínimo de dois anos, sendo proibido
o resgate antecipado para títulos com prazo inferior a seis anos. Além desses requisitos obrigatórios,
o BNDES definiu critérios adicionais, como o esforço na distribuição de varejo e a utilização dos recursos pelo emissor para investimento em ativos fixos ou reestruturação societária (BNDES, 2011).
Com o intuito de contribuir para o desenvolvimento e a padronização do mercado primário
de debêntures, o banco continuará utilizando características e mecanismos inovadores nas ofertas
públicas de debêntures pela BNDESPAR. Em 2010, por exemplo, para incentivar alternativas de
indexadores mais adequados ao financiamento do longo prazo, em substituição ao DI-over, o banco
efetuou emissão de debêntures simples com séries em taxas prefixadas, referenciadas ao IPCA e
indexadas a uma taxa flutuante trimestral. Além do esforço de pulverização junto a investidores do
varejo, as ofertas públicas de debêntures do BNDESPAR contaram com formadores de mercado, que
oferecem cotações diárias de compra e venda em ambiente eletrônico, de modo a ampliar a liquidez
dos papéis14.
Com o objetivo de ampliar a liquidez do mercado secundário de títulos privados de longo prazo,
o BNDES decidiu atuar diretamente nesse mercado via plataforma eletrônica. A mesa de renda fixa
do banco passou a realizar ofertas em leilão eletrônico com solicitação de cotação aberta a todos os
participantes do mercado. Ao mesmo tempo, o banco intensificou as operações de negociação das
debêntures adquiridas no âmbito do programa de aquisição no mercado secundário15.
Para contribuir para a atuação das instituições financeiras como market maker, o banco estuda
alugar parte de sua expressiva carteira de debêntures. Desse modo, esses formadores de mercado
não precisarão manter entesourado um volume grande desses papéis, para poder oferecê-los no
mercado secundário.
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GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP Impactos das medidas no mercado de títulos privados de renda fixa16
O anúncio do lançamento do pacote de estímulo ao financiamento voluntário de longo prazo,
em meados de dezembro, criou expectativas otimistas em relação ao desempenho do mercado de capitais em 2011, em particular no segmento de renda fixa. Na avaliação dos analistas do setor privado,
as medidas favoreceriam tanto o aumento das emissões – em razão das perspectivas positivas das
empresas, decorrentes do mercado interno aquecido, do aumento do poder de consumo das classes
C e D, dos investimentos previstos para a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada e para a exploração de petróleo da camada pré-sal –, como a demanda dos investidores estrangeiros, atraídos
pela maior rentabilidade dos papéis, resultante da desoneração tributária em um momento de taxas
de juros extremamente baixas e liquidez abundante no mercado financeiro internacional.
Ainda é cedo para avaliar se tais expectativas otimistas se confirmarão. Contudo, dados divulgados pela Associação Brasileira de Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima), órgão de autorregulação do mercado de capitais, mostram que algumas das medidas de estímulo ao financiamento
de longo prazo já começaram a ter efeito no segmento de renda fixa do mercado de capital. No período
compreendido entre dezembro de 2010 e abril de 2011, houve considerável crescimento na emissão de
letras financeiras pelas instituições bancárias, bem como a ampliação na oferta de CRI e de debêntures
(ver Tabela 1). Entretanto, o estoque total de títulos privados sofreu contração de 2% nesse período.
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16. Ultrapassa os propósitos
deste texto a caracterização
dos instrumentos utilizados no
mercado de títulos privados de
renda fixa, bem como de sua
evolução institucional e desempenho. Para os interessados em
aprofundar o conhecimento sobre o tema, sugere-se a leitura,
dentre outros, de Leal e Silva
(2008), Freitas (2009) e Paula
et al. (2009).
Tabela 1. Estoque de títulos privados de renda fixa (Em R$ bilhões)
Tipo de título
Dez.-09
Titulos bancários1
CDB
Letras financeiras
DPGE
Títulos corporativos
2
Debêntures
Títulos de cessão de crédito3
CRI
Dez.-10
Abr.-11
Variação
abr.11/dez.10
848
908
785
-14%
830
854
686
-20%
0
31
73
135%
14
19
22
16%
297
349
359
3%
283
338
348
3%
84
122
137
12%
11
19
23
21%
1.230
1.379
1.281
-7%
Títulos públicos federais
1.388
1.640
1.676
2%
Estoque Total de Renda Fixa
2.618
3.019
2.957
-2%
Total Privado
Para comparação
Notas: (1) CDB, DPGE, RDB, letra de câmbio, letra financeira.
(2) Debêntures e notas promissórias.
(3) Títulos de cessão de crédito ou securitização do segmento agrícola (CDCA, CRA e LCA), do
segmento comercial (CCB e CCCB), do segmento exportador (CCE, ExportNotes e NCE) e do
segmento imobiliário (CCI, CRI, LH, LCI).
Fonte: Boletim Anbima, vários números.
A regulamentação da oferta pública de distribuição pela CVM em 16 de dezembro17 fez crescer a emissão de letras financeiras (LF) de forma expressiva nos últimos quatro meses (136%). O
crescimento foi ainda mais forte na modalidade subordinada, que é emitida com prazo mínimo de
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17. A CVM também autorizou que
ofertas públicas de letras financeiras sejam feitas automaticamente, desde que os emissores
tenham registrado previamente
junto à CVM um Programa de Distribuição Contínua (PDC). Esse
programa permite que sejam realizadas diversas distribuições públicas de um mesmo tipo de letra
financeira, possibilitando aos
emissores aumentar o volume
de títulos emitidos, dependendo
das condições de mercado.
19
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5 anos, cujo estoque subiu de R$ 5 bilhões no final de dezembro de 2010 para R$ 15,8 bilhões
no final de abril do corrente, o que corresponde a uma variação da ordem de 215% (Gráfico 1). Já
a emissão de letra financeira simples, título que tem prazo mínimo de vencimento de 24 meses,
cresceu 120%, com estoque atingindo R$ 57 bilhões em fins de abril (R$ 26 bilhões no final de
dezembro de 2010).
Gráfico 1. Evolução do estoque de letras financeiras
80
72,8
70
60
57,0
R$ bilhões
50
40
30,9
30
20
15,8
10
1,0
0
mar-10
abr-10
mai-10
jun-10
L.F. (prazo mínimo de 2 anos)
jul-10
ago-10
set-10
out-10
nov-10
dez-10
L.F. Subordinada (prazo mínimo de 5 anos)
jan-11
fev-11
mar-11
abr-11
Total
Fonte: Cetip.
18. Sobre as medidas macroprudenciais no mercado de crédito,
ver o Boletim de Economia n. 3.
19. Como já mencionado, por
meio do Decreto n. 7.487, de
23 de maio de 2011, o governo
reintroduziu a cobrança regressiva da alíquota de 1% de IOF no
resgate e a revenda de CDB com
menos de 30 dias.
20
Embora importante, especialmente em função do pequeno período decorrido desde a sua criação, o estoque de LF ainda é bastante pequeno se comparado ao CDB, principal instrumento de captação bancária no mercado de títulos de renda fixa (Tabela 1). Todavia, como esses títulos contribuem
para o melhor gerenciamento de ativo e passivo das instituições financeiras, sua importância deverá
aumentar progressivamente, contribuindo para o alongamento do crédito bancário.
Em relação ao CDB, observa-se redução significativa do estoque na comparação com dados
de dezembro de 2010, o que pode ser reflexo de dois movimentos distintos. De um lado, do menor
desinteresse dos bancos em ampliar a captação no mercado doméstico ante a liquidez internacional
abundante e taxas internacionais de juros extremamente baixas. Além da possibilidade de ganho com
arbitragem, o funding externo tem permitido às instituições bancárias escapar das restrições da regulamentação macroprudencial adotadas recentemente pelo Banco Central18. De outro lado, a queda
do estoque de CDB pode representar a troca de posição dos investidores, em um contexto de maior
aversão ao risco em relação às obrigações de bancos de menor porte – na esteira do caso do banco
PanAmericano –, estimulada pela desoneração do IOF no resgate e/ou revenda em até 30 dias de
títulos privados de renda fixa19.
A oferta pública de distribuição de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) também cresceu de forma expressiva, impulsionada pelo forte crescimento do financiamento habitacional. Até o
final de abril, foram captados R$ 4,5 bilhões por meio desse título de securitização, específico do
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segmento imobiliário, o que representa um aumento de 265% na comparação com igual período de
2010. Esse volume de recursos supera em 45% o total captado em todo o ano de 2009 (Tabela 2).
Tabela 2. Volume captado no mercado privado de títulos corporativos de renda fixa
(Em R$ milhões)
Meses
Debêntures
Dez.-09
7.732
Jan.-10
Fev.-10
Notas
Promissórias
CRI
Quotas de
FIDCs
50
Outros*
2.983
189
168
1.665
510
253
0
82
315
370
178
0
54
Mar.-10
5.718
4.015
576
325
12
Abr.-10
8.095
943
236
0
10
Maio-10
1.704
1.780
597
394
60
Jun.-10
3.430
1.246
854
103
3.756
Jul.-10
4.370
895
75
225
407
Ago.-10
3.899
1.070
2.021
0
1.414
Set.-10
2.933
3.849
497
0
288
Out.-10
6.925
219
1.156
0
1.005
Nov.-10
2.741
465
320
2
436
Dez.-10
10.169
3.876
854
700
828
Jan.-11
2.290
1.002
1.096
0
182
Fev.-11
1.762
2.304
2.664
41
227
Mar.-11
4.289
2.350
758
4
10.855
Abr.-11
954
800
22
3.698
173
2009
27.234
22.143
3.135
142
945
2010
51.964
19.238
7.619
1.749
8.351
9.295
6.456
4.540
3.743
11.437
Acumulado:
2011 (jan.-abr.)
Nota: (*) Quotas de FIPs/ FIC-FIP, Quotas de FII.
Fonte: CVM.
Os títulos de cessão de crédito ou securitização também estão se constituindo em fontes importantes de captação de recursos para as instituições financeiras. Além dos FDICS relacionados a
modalidades de empréstimos para pessoas físicas (consignado e aquisição de veículos), os bancos
têm lançado, igualmente, fundos lastreados em suas carteiras de crédito corporativo e/ou títulos de
renda fixa emitidas pelas empresas não financeiras20.
A emissão de debêntures, principal título corporativo de renda fixa de prazo mais longo (cinco
anos em média), ainda não apresentou um incremento importante após a adoção das medidas de
estímulo fiscal para as ofertas de títulos relacionadas a projetos de investimento. Embora o estoque
de debêntures tenha crescido 3% entre dezembro e abril, o volume captado no acumulado do ano
(janeiro a abril) caiu 41% em relação a igual período de 2010 (Tabelas 1 e 2). É bastante provável que
a elevação da meta da taxa Selic em 1,25 p.p. no período, ao encarecer o custo de captação, tenha
desestimulado novas emissões das empresas.
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20. Esse é o caso, por exemplo,
do fundo Crédito Corporativo do
Brasil lançado pelo Santander
em conjunto com o banco de
investimento Crédit Suisse em
setembro de 2009, tendo como
colateral diversos instrumentos
de dívida registrados na Cetip.
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Também é possível que os grandes emissores de debêntures, empresas dos setores de energia
elétrica, construção civil, transporte e logística, e telecomunicações tenham optado por emitir títulos
de renda fixa (bônus e notes) no mercado internacional, aproveitando as condições financeiras mais
favoráveis de custo e prazo. De acordo com a Anbima (2011c), no primeiro trimestre de 2011, as empresas captaram US$ 7,6 bilhões por meio da emissão de títulos de dívida no exterior, volume duas
vezes superior ao registrado no primeiro trimestre de 2010.
Nos dados sobre o volume de captação no mercado primário de títulos de renda fixa, chama a
atenção, igualmente, o vertiginoso aumento na captação de Outros (quotas de FIP/FIC-FIP, quotas de
FII) em março de 2011, o que levou o acumulado nos quatro primeiros meses do ano a atingir US$
11,4 bilhões, superando em 37% o montante captado em todo o ano de 2010. Apenas no mês de
março, foram captados R$ 7,5 bilhões via quotas de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e R$ 3,3
bilhões via quotas de Fundo de Investimento de Participação (FIP) em ofertas com esforço restrito de
colocação, modalidade de oferta regulamentada pela Instrução CVM 476. Como a cobrança de IOF sobre as operações de câmbio para aquisição de quotas desses fundos por investidores não residentes
foi reduzida de 6% para 2%, os agentes econômicos começaram a utilizar esses fundos para burlar as
restrições impostas à entrada de investimento estrangeiro de portfólio com o intuito de conter a apreciação do real. Para corrigir essa distorção, a CVM estabeleceu, em 11 de maio por meio da Instrução
n. 496, limites mínimos de 90% para as aplicações desses fundos em seus “Ativos Alvo”, de modo a
preservar a característica de investimento de longo prazo desses instrumentos.
No que se refere à remuneração dos títulos privados de renda fixa, a alteração da política operacional do BNDES – no sentido de priorizar a aquisição de debêntures com remuneração vinculada a
indexadores mais adequados ao financiamento do longo prazo, com veto ao CDI-over – ainda não se
traduziu em uma modificação significativa da composição do mercado privado de renda fixa. Em abril
de 2011, no estoque total de títulos privados, predominavam papéis com remuneração vinculada à
taxa DI (89,5%). Apenas 2,4% dos títulos eram prefixados (Gráfico 2).
Gráfico 2. Estoque de títulos privados por tipo de indexador. (Posição em abril de 2011)
1,7%
2,4% 1,6%
4,4%
89,5%
DI
Indice de preço
Selic
TR
Prefixado
Outros
Fonte: Boletim Anbima, n.18
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BOLETIM DE ECONOMIA [ 4 ] / maio de 2011
GRUPO DE ECONOMIA / FUNDAP Os incentivos tributários concedidos para a negociação dos títulos privados de renda fixa de
longo prazo e as ações do BNDES como agente indutor do desenvolvimento do mercado secundário
ainda não se traduziram na ampliação do volume de negócios realizados na Cetip, mercado de balcão organizado, onde são registrados e negociados os títulos de renda fixa (Tabela 3). Ao contrário,
na comparação dos dados de abril de 2011 com os do mesmo mês no ano anterior, o giro dos ativos
privados de renda fixa no mercado secundário, medido em termos da proporção entre o volume negociado e o estoque de títulos, declinou para 1,0% (1,5% em abril de 2010)21.
Tabela 3. Giro dos títulos privados de renda fixa no mercado secundário
Giro
(Volume negociado1/estoque)
Tipo de Título
Abr.-11
Abr.-10
Abr.-11
0,6%
0,8%
28,2%
53,5%
CDB
0,7%
0,8%
29,1%
46,8%
LF
0,0%
1,0%
0,0%
6,2%
3,9%
1,1%
61,9%
31,5%
4,1%
1,1%
61,9%
31,5%
2,2%
1,3%
9,9%
15,0%
Títulos Corporativos
Debêntures
Títulos de Cessão de Crédito
CRI
0,9%
1,0%
0,5%
1,9%
LCA
8,7%
4,8%
4,5%
5,4%
1,5%
1,0%
100,0%
100,0%
Total Títulos Privados
21. Cabe mencionar, a título
de comparação, que o giro das
ações negociadas na Bovespa
era de 66,4% em dezembro de
2010.
Participação no giro
Abr.-10
Títulos Bancários
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Nota: (1) Os dados de volume negociado referem-se às operações definitivas.
Fonte: Boletim Anbima, números 6 e 18.
No início de abril, a Anbima propôs a criação do Novo Mercado de Renda Fixa (NMR), com
padronização, pulverização e redução do valor unitário dos papéis. O NMR será um ambiente institucional autorregulado, de adesão voluntária, caracterizado por regras específicas destinadas a garantir
a qualidade da governança das emissões e as características essenciais das transações realizadas.
Com o objetivo de promover a distribuição pulverizada de debêntures e demais instrumentos de renda fixa para facilitar a revenda no mercado secundário, fixou-se em no máximo de 20% a oferta por
investidor.
Para fazer parte desse novo mercado, os títulos emitidos deverão, dentre outros critérios, ter:
baixo valor unitário de forma a facilitar a aquisição por pessoas físicas, remuneração com base em
taxa prefixada, índice de preço ou taxa de juros flutuante de seis meses (Libor brasileira), condições
de prazo, duration e recompra que os caracterizem como ativos de longo prazo; avaliação de risco,
com atualização anual, e negociação em mercado organizado de balcão e/ou bolsa de valores. Além
disso, precisarão contar com formador de mercado e research em seu primeiro ano de emissão (ANBIMA, 2011a).
Integra ainda a proposta da Anbima a criação dos dois fundos de liquidez, privados e voluntários: o Fundo de Apoio à Liquidez (FAL) e o Fundo Garantidor de Liquidez (FGL). O primeiro teria a
função de garantir a liquidez na fase inicial de transição do ambiente atual para o NMRF. Já o segundo
seria um fundo com o objetivo de criar um descasamento maior entre ativos e passivos dos papéis,
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estimulando a atratividade desses títulos. A formatação e a governança desses fundos serão discutidas com o BNDES no caso do FAL e com o BCB e a CMN no caso do FGL.
Desafios e perspectivas
O pacote de estímulo ao financiamento de longo prazo foi bem recebido pelas entidades representativas do setor produtivo e do sistema financeiro. As medidas foram avaliadas como mudanças
institucionais importantes para a criação de um ambiente propício para os investimentos em projetos
de longo prazo.
De fato, a desoneração dos instrumentos de renda fixa associados a projetos de investimento
de longo prazo na indústria e nos setores de infraestrutura é correta e efetivamente constitui um avanço importante para a ampliação do financiamento privado de longo prazo. Igualmente, a constituição
do fundo de liquidez – a partir do direcionamento de 3,0 p.p. dos compulsórios sobre os depósitos a
prazo –, que atuará como market maker, e o reforço da atuação da mesa de renda fixa do BNDESPAR
são iniciativas muito positivas que com certeza estimularão o desenvolvimento do mercado secundário de títulos de dívida privada, contribuindo para diminuir o custo de transação e ampliar a transparência, liquidez, volume e prazo das emissões.
De igual modo, se for implementada, a proposta da Anbima de criação do NMR e dos dois
fundos, privados e voluntários, de liquidez, auxiliará na construção do mercado privado de renda fixa,
constituído de um segmento primário robusto e de um segmento secundário líquido e dinâmico.
Todavia, o aprofundamento desejado do mercado privado de financiamento de longo não será
concretizado sem uma profunda alteração da cultura rentista arraigada nos estratos de renda mais
alta da sociedade brasileira, que não abre mão da indexação financeira, introduzida no período de alta
inflação. Além disso, o peso dos títulos públicos pós-fixados e os juros básicos elevados – mantidos,
não obstante a relativa estabilidade dos preços da inflação, em níveis extremamente altos para os
padrões internacionais – contribuem para o viés “curto prazista” dos investidores financeiros.
O financiamento privado voluntário de longo prazo exige que se alongue o prazo das aplicações
financeiras. Para isso, é fundamental, em primeiro lugar, que seja concluída a separação da política
monetária e da gestão da dívida pública, de modo a evitar que a política de juros continue a contaminar todo o estoque da dívida mobiliária federal, com prejuízo para a gestão fiscal. Em segundo lugar,
que se avance na coordenação das políticas macroeconômicas de modo a viabilizar a redução da taxa
básica de juros. Em terceiro lugar, que as aplicações financeiras sejam tributadas em função do prazo,
com fixação de alíquotas mais elevadas de IR para aplicações de prazo mais curto. Em quarto lugar,
que seja ampliado o prazo mínimo de aplicação dos depósitos a prazo e das cadernetas de poupança.
Sem esses aperfeiçoamentos, dificilmente a economia brasileira poderá contar com um mercado de capitais desenvolvido e amplo, que possa atuar, de forma complementar ao mercado de crédito
bancário, na oferta voluntária de recursos de longo prazo para o financiamento dos investimentos
produtivos e de infraestrutura. Entretanto, é preciso ter claro que para o financiamento de certas atividades econômicas sempre será necessário contar com funding especial ou esquemas institucionais
de garantias, em geral fornecidos e/ou mobilizados pelo setor público.
Esse é o caso, por exemplo, dos investimentos em infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovação, dentre outros. Tais atividades apresentam certas características – em ter-
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mos de risco, de retorno e de prazo de maturação – que tornam o elevado grau de incerteza inerente
ao investimento, dificultando o financiamento de seus investimentos, seja no mercado de capitais,
seja no mercado de crédito. Por essa razão, a existência de subsistemas especiais de crédito para o
financiamento desses setores e atividades prioritárias é uma característica compartilhada pelos sistemas financeiros de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
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