BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR
VIDEOCONFERÊNCIA NO ÂMBITO DA LEI 11.900/2009
Caroline Gilmara Bordin1
Débora Cristina Freytag Scheinkmann2
SUMÁRIO
Introdução. 1 O interrogatório como direito do acusado. 1.1 Natureza jurídica do
interrogatório. 2 A videoconferência no âmbito da Lei 11.900 de 08 de janeiro de
2009. 3 Entendimento jurisprudencial acerca da videoconferência. 4 Da
constitucionalidade do interrogatório por videoconferência 4.1 Do princípio da
celeridade. 4.2 Das vantagens tecnológicas. 4.3 Da economia de recursos públicos.
5 Da inconstitucionalidade do interrogatório por videoconferência. 5.1 Dos princípios
do contraditório e da ampla defesa. 5.2 Do princípio da publicidade. 5.3 Do direito à
presença física do juiz. Considerações finais. Referência das fontes citadas.
RESUMO
O presente trabalho, utilizando-se do método indutivo de pesquisa, tem como
objetivo a abordagem da (in) constitucionalidade do interrogatório por meio de
videoconferência, originado pela Lei 11.900 de 8 de janeiro de 2009. O interrogatório
é o ato judicial pelo qual o juiz ouve o réu sobre a imputação que lhe é dirigida. A
videoconferência se trata de um recurso tecnológico que, por meio de transmissão
simultânea de áudio e imagem, possibilita a comunicação, em tempo real, entre
pessoas que se encontrem em diferentes locais. Assim, pretende-se demonstrar as
hipóteses de emprego da videoconferência, elencadas no art. 185, §1º do Código de
Processo Penal. A seguir, a presente pesquisa demonstrará se a videoconferência
afronta ou não os princípios constitucionais, no âmbito do processo criminal.
Abordar-se-á a possível constitucionalidade da videoconferência, com amparo no
princípio da celeridade, nas vantagens tecnológicas e na economia de recursos
públicos. Em contrapartida, será analisada a possível inconstitucionalidade da
videoconferência, por afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, do
princípio da publicidade e do direito à presença física do juiz.
Palavras-chave: Videoconferência. Lei 11.900/2009. Interrogatório online.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, é manifesto que o processo penal caminha rumo à
modernização de sua legislação. Na ânsia em se dar efetividade e rapidez aos
1
Acadêmica de Graduação do 9º período do Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI. E-mail: [email protected].
2
Professora Especialista em Direito Penal e Processual Penal do Curso de Direito, do Campus de Itajaí, da
Universidade do Vale do Itajaí, e advogada. E-mail: [email protected].
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BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
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julgamentos criminais, veio à tona a utilização de tecnologias que visem à
concretização da agilidade na prestação jurisdicional, tais como o processo
eletrônico e o sistema de videoconferência.
Ante a demora dos julgamentos pelo Poder Judiciário, o sistema de
videoconferência, consolidado na legislação brasileira através da Lei n. 11.900, de 8
de janeiro de 2009, constitui medida que propicia maior celeridade e economia dos
atos processuais.
Porém, ainda preponderam divergências doutrinárias a respeito, causando
insegurança na aplicação desse instituto em face dos princípios constitucionais.
Ocorre que, enquanto alguns aguardavam pela edição de uma lei federal
que pudesse tutelar o determinado instituto, outros, em contrapartida, rejeitaram as
inovações
trazidas
pela
Lei
11.900/09,
com
o
argumento
da
possível
do
seguinte
inconstitucionalidade da lei.
Assim,
o
interesse
pela
pesquisa
se
deu
a
partir
questionamento: no caso de réu preso, o interrogatório por sistema de
videoconferência, nas hipóteses dispostas no §2º do art. 185 do Código de Processo
Penal, trata-se ou não de instituto contrário aos princípios constitucionais?
Assim, a partir deste questionamento tem o presente trabalho como objetivo
a abordagem da (in) constitucionalidade da videoconferência no âmbito da Lei
11.900/2009 e sua aplicação na fase de interrogatório, utilizando-se o método
indutivo de pesquisa.
Para tanto, abordar-se-á acerca do interrogatório, caracterizando-o como um
direito intrínseco ao acusado no procedimento penal e posições doutrinárias acerca
de sua natureza jurídica.
Será estudado também o instituto da videoconferência e suas hipóteses de
utilização, abrangidas no Código de Processo Penal. Ainda, será analisada a
evolução jurisprudencial acerca do tema.
Finalmente, será dado enfoque ao aspecto central da pesquisa: a
constitucionalidade ou não da utilização do interrogatório por sistema de
videoconferência, abrangendo argumentos favoráveis e contrários à aplicação deste
instituto, todos com amparo na Constituição Federal de 1988.
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BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
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1 O INTERROGATÓRIO COMO DIREITO DO ACUSADO
A palavra interrogatório significa, no conceito de Plácido e Silva3, “a soma de
perguntas ou indagações feitas pelo juiz no curso de um processo”
O interrogatório é o ato judicial pelo qual o juiz ouve o réu sobre a imputação
que lhe é dirigida. Trata-se de ato privativo de juiz e personalíssimo do réu,
possibilitando a este o exercício de sua defesa.4
No mesmo entendimento, Avena5 o conceitua como “o ato por meio do qual
procede o magistrado à oitiva do réu. Corolário da ampla defesa e do contraditório,
sua oportunidade está prevista em todos os procedimentos criminais”.
Urge salientar que o interrogatório traduz momento essencial para a busca
da verdade dos fatos pelo magistrado, tanto é que, estando o réu presente, a
inexistência do interrogatório caracteriza nulidade absoluta do processo (art. 564, III,
“e”6, Código de Processo Penal7).
Com o advento da Lei 11.719, de 20 de junho de 20088, importantes
modificações ocorreram em relação aos procedimentos do processo penal,
sobretudo ao interrogatório, que se tornou o último ato da audiência de instrução, e
não mais o primeiro, conforme outrora. Assim, tal mudança trouxe benefícios ao
interrogado, que poderá optar pela melhor defesa que lhe convenha.
1.1 Natureza jurídica do interrogatório
3
PLACIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico. 28.ed. de acordo com a nova reforma ortográfica da
língua portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 767.
4
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18 ed. São Paulo, Saraiva, 2011, p. 397.
5
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 554.
6
Art. 564, III, “e”, in verbis: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: III - por falta das fórmulas ou dos termos
seguintes: e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos
concedidos à acusação e à defesa”.
7
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.
8
BRASIL. Lei 11.719, de 20 de junho de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de
1941 – Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos
procedimentos.
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por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
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Quanto à natureza jurídica do interrogatório, Tourinho Filho9 afirma que o
interrogatório deve ser considerado meio de defesa, podendo “constituir fonte de
prova, mas não meio de prova”.
Nucci10 defende que se trata de meio de defesa, sendo que poderia ser
considerado como meio de prova se não tivesse a previsão constitucional que
permite ao acusado o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF11). Se, porventura, o réu
não silenciar, então, nesse caso, o interrogatório terá caráter misto (meio de prova e
meio de defesa), mas sempre predominando como meio de defesa.
Importa mencionar o Pacto de São José da Costa Rica, em vigor com o
Decreto n. 678, de 06.11.1992, que dispõe em seu art. 8º, n. 2, que durante o
processo toda pessoa acusada terá direito de não ser obrigado a depor contra si
mesmo (g).12
Pacelli13 reforça que o direito ao silêncio não se trata de um suposto direito à
mentira, e sim a proteção contra intimidações já historicamente relatadas.
Primeiramente, nas jurisdições eclesiásticas; após, nos Estados absolutistas e, até
mesmo na modernidade, pelas autoridades responsáveis pelas investigações
criminais.
O Superior Tribunal de Justiça14 manifestou, igualmente, sua posição sobre
o assunto, sendo aceito o interrogatório como meio de prova e de defesa (RESp
60.067-7/SP).
Por fim, Lopes Jr.15 alega que “é estéril aprofundar a discussão sobre a
‘natureza jurídica’ do interrogatório, pois as alternativas ‘meio de prova’ e ‘meio de
defesa’ não são excludentes, senão que coexistem de forma inevitável”.
9
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 13 ed. ver. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 589.
10
NUCCI, Guilherme. Reformas do Processo Penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2009, p. 126.
11
Art. 5º, LXIII, CF, in verbis: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
12
Art. 8º, n. 2, in verbis: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a
confessar-se culpada”.
13
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 341.
14
BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial – RESp 60.067/SP, rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro, j. 05/02/2996.
15
LOPES JR., AURY. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris 2011, p. 616.
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Assim, pode-se dizer que não existe uma unanimidade de posições
doutrinárias e jurisprudenciais em relação à natureza jurídica do interrogatório,
sendo que este poderá ser caracterizado como meio de prova ou meio de defesa.
2 A VIDEOCONFERÊNCIA NO ÂMBITO DA LEI 11.900, DE 8 DE JANEIRO DE
2009
Fiorenze16 define a videoconferência nos seguintes dizeres:
Foi criada para facilitar a comunicação entre as pessoas, viabilizando
uma interação rápida, fácil e dinâmica, pois tem por objetivo colocar
em contato, através de um sistema de vídeo e áudio, duas ou mais
pessoas separadas geograficamente.
A videoconferência, portanto, trata-se de um recurso tecnológico que, por
meio de transmissão simultânea de áudio e imagem, possibilita a comunicação, em
tempo real, entre pessoas que se encontrem em diferentes locais.
Inclusive, cita-se que o Estado de São Paulo foi o pioneiro na utilização da
videoconferência nos processos criminais. No dia 27 de agosto de 1996, na cidade
de Campinas, o Juiz Dr. Edison Aparecido Brandão realizou o primeiro interrogatório
online do País. No mesmo ano, o então juiz de direito da capital paulista, Dr. Luiz
Flávio Gomes, realizou seis interrogatórios pelo mesmo método. 17
Em consonância, nota-se que a videoconferência não é mais novidade no
âmbito mundial. Alguns países como Estados Unidos, Itália, dentre outros, já utilizam
a videoconferência desde a década de 90.18
Nesse esteio, Bezerra19 salienta que “no Direito de nações estrangeiras, a
utilização da videoconferência é aplaudida, vez que facilita a repressão aos crimes
transnacionais”.
A Lei n. 11.900, de 8 de janeiro de 200920, trouxe grandes inovações em
sede de processo criminal no Brasil, ao prever a possibilidade da realização do
16
FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008, p. 52.
17
FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro. p. 116.
18
GOMES, Luiz Flávio. A videoconferência e a Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009. In: Revista Jurídica
Consulex. [s.l.]: Consulex, ano XIII, n. 292, mar. 2009, p. 30.
19
BEZERRA, Bruno Gurgel. A aceitação do interrogatório por videoconferência no Brasil.
Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080909173614380>. Acesso em 21 de
setembro de 2012.
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interrogatório do réu que se encontrar preso bem como o acompanhamento pelo
acusado de todos os atos processuais por meio do sistema de videoconferência.
Dispõe o parágrafo primeiro do art. 185, caput, do Código de Processo
Penal, com as modificações trazidas pela Lei 11.900/09, que “o interrogatório do réu
preso será realizado em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido”.
Como alternativa, valendo-se o juiz da regra do §7º do art. 185, do CPP21, o
interrogatório pode acontecer no edifício no Fórum, na Sala de Audiências, mesmo
nos casos em que o réu se encontra preso.
Por outro lado, sempre como exceção, o magistrado poderá determinar a
realização do interrogatório por meio da videoconferência ou outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, de acordo com as
hipóteses do parágrafo segundo do CPP.
A primeira hipótese do emprego do método da videoconferência no
interrogatório do preso (art. 185, §2º, inciso I) objetiva prevenir riscos à segurança
pública quando existir fundada suspeita de que o preso faça parte de organização
criminosa ou, ainda, houver risco de fuga durante o deslocamento.
Fatos recentes comprovam o poder de organização de grupos conhecidos
em penitenciárias (ataques sistemáticos e coordenados a delegacias etc.), sendo
que “ignorar isso é acreditar na absoluta desconexão entre o mundo normativo (das
garantias) e o mundo real”.22
O inciso segundo, por sua vez, visa assegurar a participação do réu aos atos
do processo, sem prejuízo da sua defesa, quando haja relevante dificuldade para
seu comparecimento em juízo, por circunstâncias de cunho pessoal e, sobretudo,
em caso de enfermidades.
Quanto ao inciso terceiro, em consonância com o art. 217 do CPP23, visa
impedir a influência e, até mesmo, a possível ameaça à testemunha ou vítima,
20
BRASIL. Lei 11.900 de 8 de janeiro de 2009. Altera dispositivos do Decreto-Lei 3.689/1941 – Código de
Processo Penal, para prever a possibilidade de interrogatório e outros atos processuais por sistema de
videoconferência, e dá outras providências.
21
Art. 185, §7º, CPP, in verbis: “Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o
interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1º e 2º deste artigo”.
22
FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal – 3 ed. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 357.
23
Art. 217, CPP, in verbis: “Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temos ou sério
constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a
inquirição por videoconferência [...]”.
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sendo aplicado apenas no caso de impossibilidade do depoimento destas por
videoconferência.
Por fim, o inciso quarto trata da hipótese de “gravíssima questão de ordem
pública”. Pacelli24 critica este inciso, por ser um conceito genérico, sendo que traduz
uma abertura da expressão “ordem pública” para fins de aferição da situação de
cautela.
Para Feitosa25, ordem pública “é o estado de paz e de ausência de crimes
na sociedade”. Conceito esse que abriria um leque de situações as quais poderiam
ser enquadradas no referido inciso.
Acerca do procedimento geral da videoconferência, convém tecer breves
considerações a seu respeito. Primeiramente, o parágrafo terceiro do art. 185 dispõe
que, decidindo o juiz pela adoção da videoconferência, as partes serão intimadas
com 10 dias de antecedência.
Ademais, antes do interrogatório, o preso poderá acompanhar todos os
demais atos processuais pelo mesmo sistema online, conforme parágrafo quarto.
Em relação ao parágrafo quinto, a legislação garante ao réu, a saber: a)
garantia de dois defensores para acompanhar o ato, um que se encontra no presídio
e outro que estará presente na sala de audiência do Fórum; b) entrevista com seu
defensor, prévia e reservada; c) e o acesso a canais telefônicos reservados para a
comunicação entre os dois defensores que irão acompanhar o ato.
No que tange ao parágrafo sexto, determina que a sala reservada no
estabelecimento prisional para a realização dos atos pelo sistema online seja
fiscalizada por corregedores, pelo juiz de cada causa, pelo Ministério Público e,
ainda, pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O legislador previu, no parágrafo sétimo, como exceção, a requisição de
apresentação do réu preso ao juízo, porém tal modalidade é, atualmente, a mais
utilizada nos procedimentos criminais.
Por fim, o parágrafo oitavo previu a possibilidade da videoconferência no
âmbito extrajudicial, como a inquirição de testemunhas, o interrogatório policial,
entre outros.
24
FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal. p. 353.
25
FEITOSA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis – 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009,
p. 852.
400
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3 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA VIDEOCONFERÊNCIA
A videoconferência, no seu aspecto geral, antes mesmo de ser inserida na
legislação brasileira, já era considerada alvo de polêmicas e discussões.
Em meados dos anos 90, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do
Recurso Ordinário em Habeas Corpus – RHC n. 4.788/SP, já havia definido que “a
telepresença é equiparada à presença física”.26
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal27 já havia se manifestado sobre o
tema, antes da vigência da Lei 11.900/09, arguindo que “enquanto modalidade de
ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o
interrogatório penal realizado mediante videoconferência”.
No mesmo esteio, o mesmo tribunal, através do Habeas Corpus n. 90.90028,
reconheceu a inconstitucionalidade de leis estaduais que previam o interrogatório
online nos processos criminais, tais como as Leis 7.177/2002, do Estado da Paraíba;
11.819/2005, de São Paulo; e 4.554/2005, do Rio de Janeiro, de forma que se trata
de competência privativa da União legislar sobre direito processual (art. 22, I, CF)29.
Após a publicação da Lei 11.900/2009, os tribunais têm se manifestado
favoravelmente à aplicação da videoconferência. Em consonância, dispõe o Tribunal
de Justiça de São Paulo30:
A preliminar suscitada, em que pese o entendimento esposado pela
combativa Defesa, não merece ser acolhida, porquanto a Lei nº
11.900/2009 alterou a redação dos artigos 185 e 220 do CPP,
dispondo expressamente acerca da possibilidade da realização de
interrogatório e outros atos processuais por meio do sistema de
videoconferência.
Portanto, apesar de ainda escassas as decisões posteriores ao advento da
Lei 11.900/2009, é tendência dos tribunais mostrar-se adeptos ao uso de tal
tecnologia, como cumprimento à referida lei.
26
FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro, p. 257.
27
BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 88914, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j.
14.08.07, publicado no DJ de 05.10.07.
28
BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 90.900, Brasília/DF. j. 19 de dezembro de 2008.
29
Art. 22, I, CF, in verbis: “Compete privativamente à União legislar sobre: I – [...] direito processual”.
30
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0063040-25.2010. Rel. Des. Borges Pereira. 16ª Câmara
Criminal. j. 14.08.12.
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4 DA CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR
VIDEOCONFERÊNCIA
Os benefícios advindos do uso do sistema de videoconferência nos
processos judiciais são diversos, desde a agilidade e praticidade do meio, bem como
a inovação tecnológica e conformação à realidade da sociedade atual, que se utiliza
dos meios tecnológicos para os mais variados fins.
Acerca da constitucionalidade do uso da videoconferência no seu aspecto
geral, Pacelli e Fischer31 alegam que “no plano abstrato, não vemos qualquer
inconstitucionalidade
na
medida,
sobretudo
e
porque
assentada
na
excepcionalidade”.
Assim, pretende demonstrar o presente título os proveitos advindos pelo uso
do sistema de videoconferência, em conformidade com princípios e garantias
fundamentais contempladas na Constituição Federal.
4.1 Do princípio da celeridade
Uma das diversas vantagens do interrogatório por meio da videoconferência
é a prerrogativa da razoável duração do processo, de acordo a garantia da
celeridade, consolidando-se esta como princípio constitucional (inciso LXXVIII, art.
5º)32, por meio da Emenda n. 45/2004.
Acerca do princípio da celeridade, Rangel33 afirma que “é a garantia do
exercício da cidadania na medida em que se permite que todos possam ter acesso à
justiça, sem que isso signifique demora na prestação jurisdicional. Prestação
jurisdicional tardia, não é justiça”.
Pinto34 defende a ideia de obter maior rapidez nos processos mediante o
uso da videoconferência, dispondo que propicia celeridade tanto em favor da
sociedade como em prol do próprio réu.
31
FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 351.
32
Art. 5º, LXXVIII, CF, in verbis: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
33
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 45.
34
PINTO, Ronaldo Batista. Interrogatório on-line ou virtual: constitucionalidade do ato e vantagens em sua
aplicação. Leituras complementares de processo penal, Salvador, p. 213-224, 2008, p. 216.
402
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por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
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Assim, nota-se que a celeridade vem ao encontro do sistema de
videoconferência, para tornar o andamento da instrução criminal efetivamente mais
breve e eficaz.
4.2 Das vantagens tecnológicas
Barros35 discorre sobre a importância de a Justiça integrar-se no contexto de
cada período em que a sociedade vive, sobretudo na hodierna sociedade da
informação, assim dispondo:
Houve tempo, não muito distante, em que a caligrafia dos servidores
da justiça e a sentença manuscrita pelo juiz foram substituídas pela
introdução da máquina de escrever. Temia-se a adulteração do texto
original, ante a possibilidade de inserir, modificar ou excluir palavras.
[...]
Mas todas as rejeições sucumbiram, e cada uma dessas medidas
progressistas firmou-se no tempo. Repete-se, então, algo que já
conhecemos, pois, hoje, estamos diante de uma nova celeuma,
justamente porque a Justiça procura ganhar terreno e integrar-se no
mundo informatizado.
Em consonância, Damásio36 sustenta que “num sistema judiciário moroso e
excessivamente coarctado por usos e costumes imprescindíveis em outros tempos,
mas perfeitamente supérfluos nas condições de vida atuais, há que modernizar”.
Fiorenze37 reforça que “o Direito não pode permanecer estático frente ao
desenvolvimento tecnológico, e sua modernização é imprescindível para que se
alcance segurança jurídica nas relações mantidas na sociedade informatizada”.
Assim, constitui importante episódio a inserção da videoconferência nos
procedimentos judiciários, ainda que seja exceção à regra, como meio de
adequação à realidade da sociedade atual e integração ao desenvolvimento da
tecnologia.
4.3 Da economia de recursos públicos
O uso do sistema de videoconferência nos processos criminais tende a gerar
uma redução de dispêndios para o Poder Judiciário, visto que, nos procedimentos
35
BARROS, Marco Antônio de. Teleaudiência, interrogatório on-line, videoconferência e o princípio da
liberdade da prova. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, v. 818, p. 425-434, dez. 2003, p. 425-426.
36
JESUS, Damásio Evangelista de. Videoconferência no judiciário criminal. In: Revista Jurídica Consulex.
Ano XIII, n. 292, março de 2009, p. 29.
37
FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro, p. 71.
403
BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
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comuns, usualmente é necessária a mobilização de todo o aparato administrativo
para a escolta de presos, com a manutenção e utilização de veículos, pessoas e
equipamentos, demandando tempo e implicando em maiores gastos.
De fato, o jornal O Estado de São Paulo38 publicou, no dia 8 de janeiro de
2009, notícia intitulada “Lula sanciona lei de interrogatórios por videoconferência”,
que assim transmitia:
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo estima que, com a
realização de videoconferência, mais 700 policiais poderão ser
liberados do trabalho de segurança e escolta de presos durante o
transporte para interrogatórios, e passarão a atuar nas ruas da
cidade. Além disso, o governo do Estado acredita que com este novo
instrumento economizará cerca de R$ 6 milhões por ano.
[...]
Quando o projeto foi aprovado, os parlamentares comemoraram
justificando que ele permitirá uma enorme economia de recursos.
Lembravam, por exemplo, a mirabolante e onerosa mobilização que
foi necessária para o deslocamento do traficante Fernandinho BeiraMar do Presídio de Catanduvas (PR) e de Campo Grande (MS) para
o Rio, para prestar um simples depoimento.
Damásio39 encontra-se dentre
os
defensores
do
interrogatório
por
videoconferência, afirmando ser “o único meio de termos aquela justiça ágil,
vigilante, eficaz e confiável com a qual todos sonhamos, bem diferente de uma velha
deusa cega e inoperante”.
Dessa forma, a videoconferência representa notável avanço no que tange à
modernização e agilidade da prática na Justiça Criminal, evitando-se gastos e riscos
desnecessários.
5
DA
INCONSTITUCIONALIDADE
VIDEOCONFERÊNCIA
DO
INTERROGATÓRIO
POR
A aplicação da videoconferência no processo penal brasileiro, por outro
enfoque, poderia ensejar a violação de princípios constitucionais, tais como o
contraditório e a ampla defesa, a publicidade, além do direito de estar na presença
do juiz.
38
MONTEIRO, Tânia. Lula sanciona lei de interrogatórios por videoconferência. Disponível
em:<http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,lula-sanciona-lei-de-interrogatorios-orvideoconferencia,
304545,0.htm>. Acessado em 21 de setembro de 2012.
39
JESUS, Damásio Evangelista de. Videoconferência no judiciário criminal, p. 29.
404
BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
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Urge mencionar que os princípios constitucionais são aqueles eleitos para
figurar na Lei Fundamental de um povo, de modo que servem de norte para toda a
legislação infraconstitucional.40 E o Estado, no exercício de suas competências,
deve operar no sentido de promover e respeitar esses princípios, como meio de
concretização dos direitos fundamentais.
O ministro Cezar Peluso41 relatou, em julgado do Supremo Tribunal Federal,
que “a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio
fundamento do processo penal” e torna a atividade judiciária “mecânica e
insensível”.
Lopes Jr.42, em consonância, afirma que “o interrogatório online, além de
matar o mínimo de humanidade que o processo deve guardar, também viola direitos
e garantias fundamentais”.
Apesar dos benefícios no uso do sistema de videoconferência, convém citar
que o Estado não pode limitar os direitos fundamentais de quaisquer pessoas em
virtude de sua ineficiência no que tange à segurança pública.
Assim, Nucci afirma que o interrogatório é de tal importância que não deve
ser banalizado e relegado, sempre, ao “singelo contato dos maquinários da
tecnologia”.43
Portanto, interessa ao presente título a demonstração da videoconferência
como um procedimento que afronta diretamente a Constituição Federal e os
princípios basilares de processo penal.
5.1 Dos princípios do contraditório e da ampla defesa
A Constituição de 1988, em seu art. 5º, inciso LV44, assegura aos litigantes e
aos acusados em geral “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes”.
40
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal - 6ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, p. 64.
41
Supremo Tribunal Federal, HC n. 88.914/SP, Segunda Turma, julgamento em 14/08/2007
42
LOPES JR. AURY. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, p. 629.
43
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 422.
44
Art. 5º, LV, CF, in verbis: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
405
BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Moraes45 esclarece que, por ampla defesa “entende-se o asseguramento
que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os
elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se”.
Mirabete46 define esse princípio como “um dos mais importantes no
processo acusatório, onde o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num
processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes”.
A ampla defesa se divide em duas espécies, sendo estas: a) a defesa
técnica, desenvolvido por profissional devidamente inscrito na Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB); e, b) a autodefesa, que consiste na defesa
desenvolvida pelo próprio réu, por ocasião do interrogatório.
D’Urso e Costa47 alegam que a Lei n. 11.900/2009 “representa uma séria
ameaça ao princípio constitucional da ampla defesa no País”.
Outrossim, André Marques de Oliveira Costa48 se posiciona contrário à
adoção desse método, sustentando que “o sistema de videoconferência viola
princípios constitucionais como o devido processo legal e o contraditório e a ampla
defesa, por impedir o acesso físico do investigado, réu ou condenado ao seu
advogado e ao juiz”.
Assim, é cediço o amparo nos princípios do contraditório e da ampla defesa
para que a verdade real, nos procedimentos criminais, seja encontrada, através de
uma defesa resguardada de qualquer desvio de realidade.
5.2 Do princípio da publicidade
O art. 5º, LX49, da Constituição Federal prevê o princípio da publicidade dos
atos processuais, limitando sua incidência apenas “quando a defesa da intimidade
ou o interesse social o exigirem”. Da mesma forma, o inciso IX do art. 9350 da
Constituição dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
45
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 124.
46
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 24.
47
D’URSO, Luiz Flávio Borges; COSTA, Marcos da. Videoconferência limites ao direito de defesa. Revista
Jurídica Consulex. [s.l.]: Consulex, ano XIII, n. 292, mar. 2009, p. 33.
48
COSTA, André Marques de Oliveira. Controvérsias jurídicas sobre o uso da videoconferência. Revista
Jurídica Consulex. [s.l.]: Consulex, ano XIII, n. 292, mar. 2009, p. 35.
49
Art. 5º, LX, CF, in verbis: “LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa
da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
50
Art. 93, IX, CF, in verbis: “IX – todos os julgamentos do Poder Público serão públicos, e fundamentadas todas
as decisões [...]”.
406
BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
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públicos. O Código de Processo Penal, igualmente, assegura a publicidade dos atos
processuais, em seu art. 792, caput51.
Nucci52 defende que não há como aceitar o “chamado interrogatório on line”,
visto que uma tela de televisão ou computador jamais irá suprir o contato do
magistrado com o réu, até mesmo para constatar sua integridade física e mental.
Tourinho Filho53 defende que o interrogatório por videoconferência vem de
encontro ao princípio da publicidade, conforme explana:
O interrogatório on line (por videoconferência), a nosso juízo, viola o
princípio da publicidade, princípio básico do processo e, além disso,
estando o Juiz à distância, não pode perceber se o interrogando está
ou não sofrendo qualquer tipo de pressão.
Dessa maneira, denota-se que constitui afronta ao princípio da publicidade a
utilização do sistema de videoconferência nos processos criminais.
5.3 Do direito à presença física do juiz
Com efeito, o interrogatório é oportunidade única concedida ao réu de estar
na presença do juiz, para que este possa conhecer mais de sua personalidade, pela
percepção de seu comportamento e estado de ânimo.
Tal situação tem amparo no Código de Processo Penal, em seu art. 185,
caput, em cujos termos “o acusado que comparecer perante à autoridade judiciária,
no curso de processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu
defensor, constituído ou nomeado”.
O Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, ratificado no Brasil pelo
Decreto nº 592, em 06 de julho de 1992, prevê no art. 9º, número 3, que qualquer
pessoa presa deve ser conduzida imediatamente à presença do juiz.
Tornaghi54 defende esse direito, assim dispondo:
O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num
contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua
personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua
confissão, do estado d’alma em que se encontra, da malícia ou da
51
Art. 792, CPP, in verbis: “As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos [...]”.
52
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado, 8ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, p. 406.
53
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, p. 595.
54
TORNAGHI, Hélio. Compêndio de processo penal. Tomo III. Rio de Janeiro: José Konfino, 1967, p. 359.
407
BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
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negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua
elevação e nobreza.
Pletsch55 assevera que no interrogatório por videoconferência, a tecnologia
acaba sendo utilizada para enfraquecer as garantias fundamentais. Assim, não
basta ao réu ser julgado por juiz natural, é preciso que ele conheça seu julgador e
tenha o direito de se expressar pessoalmente.
Por fim, Lopes Jr.56 dispõe no sentido de que “a distância da virtualidade
contribui para uma absurda desumanização do processo penal”.
Dessa forma, nota-se que não é pacífico na doutrina a adoção do instituto da
videoconferência em âmbito de interrogatório judicial, mesmo após a publicação da
Lei 11.900/2009, que regula o referido instituto, sendo que ainda existem posições
divergentes acerca do tema, com fundamento na sua constitucionalidade ou
inconstitucionalidade, conforme demonstrado no decorrer do presente trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objetivo a demonstração das diferentes
posições
acerca
da
constitucionalidade
ou
não
do
interrogatório
por
videoconferência.
Considera-se que as inovações, lentamente, já estão presentes no contexto
do Poder Judiciário, seja por meio da consulta via online dos precedentes judiciais,
além do protocolo eletrônico de petições, seja por meio do desenvolvimento da
videoconferência.
Porém, é preciso ter cautela na adoção de novos procedimentos que visem
ao desenvolvimento tecnológico, sobretudo nos processos penais, para que não
ocorram ilícitos que atinjam o cerne do processo.
Mais que isso, o processo penal deve ser construído sob os rigores da Lei e
do Direito, de maneira que a certeza judicial seja o resultado de uma atividade
55
PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da prova no jogo Processual Penal: o atuar dos sujeitos e a
construção da sentença. São Paulo: IBCCRIM, 2007, 151p. ISBN 978-85-99216-10-1 (Monografias ; 41), p.
64.
56
LOPES JR. AURY. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, p. 628.
408
BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório
por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em:
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probatória licitamente desenvolvida, com a adequada proteção aos direitos
individuais. 57
Diante do tema estudado, opina-se que o interrogatório realizado por meio
da videoconferência não afronta os princípios constitucionais assegurados ao preso,
se utilizado em situações peculiares, devidamente fundamentadas.
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57
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009,
p. 04.
409
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(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR