VI Simpósio Ítalo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental
I- 029 - DIAGNÓSTICO E CONTROLE DO MEXILHÃO-DOURADO,
Limnoperna fortunei, EM SISTEMAS DE TRATAMENTO DE
ÁGUA EM PORTO ALEGRE (RS/BRASIL)
Evandro Ricardo da Costa Colares(1)
Biólogo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (RS). Especialização em Engenharia
Ambiental de Obras Civis e Saneamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Técnico-Científico do Departamento Municipal de Água e Esgotos – DMAE (RS).
Márcio Suminsky
Biólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestre em Ecologia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Técnico-Científico do Departamento Municipal de Água e Esgotos – DMAE
(RS).
Maria Mercedes de Almeida Bendati
Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Especialização em Biogeografia e
Análise Ambiental pela Universität des Saarlandes (Alemanha). Mestre em Ecologia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Diretora da Divisão de Pesquisa do Departamento Municipal de Água e
Esgotos – DMAE (RS).
Endereço(1): Rua Barão do Cerro Largo, 600 – Menino Deus – Porto Alegre - RS - CEP: 90850-110 - Brasil - Tel:
(51) 3289-9831 - e-mail: [email protected]
RESUMO
O mexilhão-dourado, Limnoperna fortunei, é um molusco bivalve nativo da Ásia que é encontrado no Lago
Guaíba (Porto Alegre, RS, Brasil) desde 1999. Provavelmente o organismo foi introduzido no lago pela
descarga de água de lastro de um navio mercante. Esses bivalves apresentam maturação sexual rápida, alta
capacidade reprodutiva e elevada adaptação aos diferentes ambientes aquáticos (mixohalinos ou de água
doce), características próprias das espécies invasoras. O mexilhão-dourado é uma espécie epibissal, um
"macrofouler" que pode aderir a quase todo tipo de substrato natural ou artificial, incluindo tubulações,
válvulas, telas, engrenagens, gradeamentos, superfícies de concreto etc.. Este é um dos motivos de
preocupação para as estações de tratamento de água, as quais se tornam vulneráveis às infestações,
especialmente nas captações de água bruta, tubulações e estações de bombeamento de água bruta. Desde o ano
de 2000, o mexilhão-dourado foi detectado em seis sistemas de água bruta do Departamento Municipal de
Água e Esgotos de Porto Alegre (DMAE). O mexilhão já causou problemas operacionais significativos em
pelo menos três sistemas de água bruta. Um programa de monitoramento está em execução na busca de
informações sobre a ocorrência do mexilhão-dourado, sua abundância nos sistemas de água e sobre a
efetividade dos programas de controle do molusco.
PALAVRAS-CHAVE: Limnoperna fortunei, mexilhão-dourado, Lago Guaíba, tratamento de água,
macrofouling.
INTRODUÇÃO
Limnoperna fortunei (DUNKER, 1857), o mexilhão-dourado, é um molusco da ordem dos bivalves, família
Mytilidae, originário do sudeste asiático (China, Coréia e outros) (8). Na América do Sul, as primeiras coletas
de L. fortunei foram feitas em 1991, no estuário do Rio da Prata, Argentina (9) e sugere-se que sua introdução
no continente tenha ocorrido por meio da água de lastro de navios mercantes procedentes da Ásia, a qual foi
descarregada nas operações portuárias das embarcações, liberando assim os organismos no novo ambiente (3).
Em 1996, o mexilhão foi encontrado no Rio Paraná, Argentina, demonstrando assim uma capacidade
impressionante de dispersão da espécie numa velocidade aproximada de 240 km por ano (5).
Uma situação muito similar ocorre na América do Norte, nos Estados Unidos e no Canadá, desde 1988, com a
espécie Dreissena polymorpha – o mexilhão-zebra, que possui morfologia funcional semelhante à L. fortunei
(1).
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Em 1999 a presença de L. fortunei foi registrada na Praia de Itapuã e no Porto das Pombas, Lago Guaíba (RS,
Brasil) constituindo-se a primeira ocorrência desta espécie invasora neste País (6).
Ainda no Lago Guaíba, a partir do final do ano de 1999, o mexilhão-dourado passou a ser encontrado
progressivamente em estruturas dos sistemas de tratamento de água mantidos pelo Departamento Municipal de
Água e Esgotos (DMAE), em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul (Brasil).
Os problemas causados pela espécie são genericamente chamados de “macrofouling” ou “biofouling”, quer
seja: redução do diâmetro e obstrução de tubulações, redução da velocidade de fluxo da água, aumento do
processo de corrosão de tubulações, gosto e odor na água, entre outros. Esses problemas tornam muito clara a
importância do estudo do mexilhão-dourado para os serviços de abastecimento público de água potável.
Outros setores da sociedade, tais como o industrial, de geração de energia e de navegação também são
afetados pela presença do molusco em suas atividades.
Sobre a biologia do molusco, L. fortunei pertence à mesma família dos conhecidos mexilhões marinhos, que
possuem uma glândula no pé, cuja secreção endurece e forma numerosos filamentos córneos, constituindo o
bisso, capaz de lhes proporcionar fixação em praticamente qualquer tipo de substrato. Entre os moluscos
nativos da região, nenhum apresenta o hábito epifaunal com bisso, sendo todos organismos bentônicos.
O mexilhão-dourado possui estágios larvais livres natantes, ao fim dos quais os indivíduos aderem-se
precocemente a um substrato firme para o seu desenvolvimento, característica que é típica de espécies
invasoras e que parece conferir-lhes vantagem em relação à estratégia das espécies nativas de moluscos
ocorrentes no Lago Guaíba. Estudos sobre o ciclo de vida do mexilhão-dourado indicam que o organismo
possui uma longevidade de 36 meses, podendo atingir até 30mm de comprimento da concha ao final desse
período (2).
DARRIGRAN ET AL. verificaram no Rio da Prata (Argentina), que com 5 a 6 mm de comprimento de concha, os
mexilhões já podem apresentar maturidade sexual, conforme as condições sazonais. A população de moluscos
parece apresentar um processo de reprodução contínua, com picos de atividade de maturação sexual
relacionados com as mudanças de temperatura (4).
Diante da situação apresentada, este trabalho tem como objetivo descrever a recente experiência do DMAE
com a presença de L. fortunei em suas instalações de tratamento de água, especialmente o diagnóstico da
situação dos sistemas afetados pelo mexilhão e o programa de monitoramento implementado.
MATERIAIS E MÉTODOS
O primeiro passo para estudar o impacto causado pela ocorrência do mexilhão-dourado nos sistemas de
tratamento de água do DMAE foi a elaboração e implementação de um projeto de identificação e
monitoramento da presença das formas adultas e jovens de L. fortunei nas captações de água bruta, estações
de bombeamento de água bruta (EBABs) e estações de tratamento de água (ETAs).
A etapa inicial desse projeto consistiu de um diagnóstico de todos os sistemas de água passíveis de infestação
pelo mexilhão, tendo sido realizado o resgate e o registro das ocorrências verificadas desde o primeiro
momento quando o molusco foi detectado. Este processo foi realizado por meio de entrevistas com as equipes
técnicas, de operação e manutenção das estações do sistema de abastecimento de água e também através de
vistorias nessas estações. As vistorias foram realizadas nos momentos de paradas para a manutenção das
estações e contaram com o apoio de equipes de mergulhadores para a coleta de organismos e avaliação da
situação de poços, grades e tubulações.
O programa de monitoramento prevê o acompanhamento dos estágios larvais. Para isso, foram feitas coletas
de amostras nos sistemas de captação de água bruta utilizando rede de plâncton de 64 µm com o objetivo de
testar a eficiência da técnica.
RESULTADOS
O DMAE possui sete sistemas de tratamento de água que fazem sua captação diretamente do manancial do
Lago Guaíba, com as seguintes capacidades nominais de recalque de água bruta: ETA Lami (20L/s), ETA
Belém Novo (700L/s), ETA Tristeza (450L/s), ETA José Loureiro da Silva (3.200L/s), ETA Moinhos de
Vento (1.850L/s), ETA São João (4.000L/s) e ETA Francisco Lemos Pinto (33L/s). As estações Moinhos de
Vento e São João apresentam o mesmo ponto de captação de água bruta no lago (Figura 1).
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A constatação básica do diagnóstico é de que todos os sistemas de tratamento de água do DMAE, abastecidos
pelo manancial do Lago Guaíba, encontram-se afetados por L. fortunei, em diferentes graus de infestação.
Concluiu-se também que todos os equipamentos e instalações por onde se dá a circulação de água bruta, sejam
nas captações, estações de bombeamento ou adutoras, são suscetíveis ao fenômeno de “macrofouling”. Foram
efetivamente verificados problemas como perda de carga na estação de tratamento, em função do bloqueio dos
gradeamentos, redução do diâmetro das adutoras de água bruta, acúmulo de valvas vazias e moluscos mortos
nas câmaras de entrada, de bombas e de chegada das estações, além de problemas de gosto e odor na água
tratada. SANTOS ET AL. descrevem que L. fortunei alcançou uma densidade de 27.275 indivíduos por m2 no
Lago Guaíba, num período de 1 ano e 5 meses (10). Esses dados podem ilustrar o grau a que podem chegar os
problemas operacionais causados por este organismo.
Nas instalações das ETAs, entretanto, não foi verificado o “biofouling” e/ou desenvolvimento de L. fortunei.
O processo de floculação através do sulfato de alumínio pode funcionar como uma barreira para o
desenvolvimento do molusco, o que garantiria um certo nível de proteção para as estruturas que sucedem o
início do tratamento. Ainda está em discussão se o sulfato de alumínio age exclusivamente como barreira
física através da floculação de larvas vivas e/ou mortas ou também provoca toxicidade química no organismo
(1).
A utilização de produtos químicos no controle dos mexilhões parece ser uma alternativa vantajosa, pois
oferece proteção para todo o sistema de tratamento, incluindo estruturas de difícil acesso e inspeção. Deve
haver, no entanto, um rigoroso controle quanto às concentrações desses elementos no interior de ETAs e nas
descargas de lodo para o meio ambiente, uma vez que podem alcançar níveis em desacordo com as normas de
saúde pública e de proteção aos mananciais. BOELMAN ET AL. sugerem que, entre todos os produtos químicos
testados por diversos investigadores para o controle de D. polymorpha, o uso do cloro e seus derivados possui
aceitação quase universal (1). A aplicação contínua de cloro em concentração de 0,5mg/L foi testada por
MORTON em sistemas de água bruta de Hong Kong (China), relatando-se eficiência na prevenção de
infestação do mexilhão-dourado. Conforme esse autor, a alimentação e a respiração dos moluscos parecem ser
interrompidas em resposta ao produto químico lançado na água (7).
Devido ao fato da nova Portaria do Ministério da Saúde, 1469/00, que define parâmetros de controle e
vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, ser bastante rigorosa
quanto aos índices aceitáveis de compostos derivados da reação do cloro com substâncias orgânicas (os
trihalometanos – THMs), a utilização desse produto como agente controlador de “fouling” de L. fortunei nas
instalações que precedem as ETAs deve ser avaliada com cuidado. Em especial para o DMAE, um fator
adicional que dificulta o uso do cloro é a ausência de instalações e equipamentos adequados para sua
aplicação junto às captações de água bruta do DMAE.
Como estratégia para controlar o mexilhão-dourado nas captações, estações de bombeamento e adutoras, o
Departamento tem realizado a adição de solução de sulfato de cobre (CuSO4.5H20) por períodos não inferiores
a duas semanas, em concentrações que variam entre 0,5 e 2 mg/L na água bruta. Os sistemas compostos pelas
ETAs Lami, Belém Novo, Tristeza e José Loureiro da Silva receberam aplicações do sulfato de cobre em suas
tubulações adutoras de água bruta por terem sofrido problemas operacionais ocasionados pelo
“macrofouling”.
Outras formas empregadas para tentar remover as colônias dos moluscos foram a raspagem de grades e a
lavagem de paredes de concreto com jatos de alta pressão. Os resultados obtidos com essas técnicas de
remoção física foram muito limitados, pois os grupamentos de organismos encontravam-se firmemente
aderidos ao substrato.
Larvas do molusco foram encontradas em amostras de água bruta de três das quatro estações onde foram
realizadas coletas, em junho de 2001. Nessas coletas, a densidade máxima foi de 5 larvas por 100L de amostra
de água bruta. O objetivo dessa atividade foi testar um procedimento para a coleta das formas jovens do
mexilhão, uma vez que a quantificação das mesmas e a determinação dos períodos de maior atividade
reprodutiva do organismo são primordiais para a orientação das atividades de controle de “biofouling”.
A partir deste diagnóstico o DMAE dará continuidade ao projeto, buscando informações e implementando
atividades adicionais para o monitoramento de L. fortunei nas suas instalações. Serão realizados testes com
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materiais "anti-fouling" e com produtos químicos na tentativa de estabelecer métodos eficientes e
economicamente viáveis de controle do organismo.
CONCLUSÕES
O diagnóstico realizado evidenciou o impacto da presença da espécie Limnoperna fortunei em todos os
sistemas de tratamento de água do DMAE que captam no Lago Guaíba, o que resultou na implementação de
uma série de medidas operacionais para controle do organismo. A partir da avaliação desses resultados, o
DMAE está planejando a sua estratégia para o gerenciamento dos seus sistemas afetados pelo molusco.
Conforme destacado por vários autores (1)(5)(7), o controle desse organismo envolve diversas ações
preventivas e corretivas, que devem ser desencadeadas de forma integrada para garantir a operacionalidade
dos sistemas envolvidos, incluindo também a apropriação dos custos relacionados a essas atividades.
Esse fenômeno recente de invasão de uma espécie exótica nos ambientes aquáticos do Rio Grande do Sul e
também em outros estados brasileiros, ressaltam a importância das ações de gestão ambiental nos mananciais,
com efetivo controle e fiscalização pelas diversas esferas do poder público envolvido, a fim de permitir o uso
múltiplo dos recursos hídricos e a preservação das comunidades naturais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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