A EQUAÇÃO DO MOVIMENTO EM OCEANOGRAFIA
Escrever a equação do movimento corresponde a escrever a 2ª Lei de Newton (F = ma)
numa forma que possa ser aplicada à oceanografia.
Esta Lei diz-nos que como resultado de várias forças a actuar num corpo de massa m,
este corpo adquire uma aceleração, ou seja uma variação na sua velocidade, que é
proporcional à resultante das forças actuantes. A cte de proporcionalidade é a massa do
corpo.
A aceleração tem a direcção da resultante das forças actuantes.
Se F resultante = 0, logo a = 0 e não vai haver modificação do movimento, ou seja, o
movimento persiste tal como está mas não deixa de haver movimento.
Também se observarmos que a = 0, podemos concluir que F resultante = 0.
A conclusão de que não há forças a actuar é impossível à superfície da Terra, onde pelo
menos a força gravítica está a actuar.
Assim, se tivermos um movimento com v = cte, temos que concluir que é a resultante de
forças que é nula. Lembra que v = cte (a = 0) implica que o movimento seja rectilíneo ( se
não há aceleração normal a actuar – aceleração centrífuga).
Em oceanografia é conveniente escrever a equação F = ma na forma: a = F / m, e
escrevela em termos da unidade de movimento.
Descriminando algumas forças que são já conhecidas, a 2ª Lei para o oceano será:
Aceleração = f. qravidade + f. pressão + f. Coriolis + outras forças
unidade de massa
ou, na forma analítica:
dv = g – 1 ∇P – 2 Ω ^ v + F
dt
ρ
Escrevendo esta equação nas suas 3 componentes, x, y e z, com x positivo para Este, y
para Norte e z para cima e a origem das coordenadas na superfície do mar:
du =
dt
dv =
dt
dw =
dt
-g
- 1 ∂P + 2 Ω senφ v – 2 Ω cosφ w
ρ ∂x
- 1 ∂P - 2 Ω senφ u
ρ ∂y
- 1 ∂P + 2 Ω cosφ u
ρ ∂z
+ Fx
+ Fy
+ Fz
tudo isto por unidade de massa.
Veremos em breve como chegamos a estas equações.
Estas equações, na forma vectorial, ou nas suas componentes, são chamadas as equações
do movimento em Oceanografia. Estão escritas para um referencial não inercial, fixo à
Terra.
Nestas equações, u, v e w são as componentes da velocidade da água e elas descrevem o
movimento do oceano e são elas que interessam ao oceanografo físico. E em conjunto
com a pressão P, constituem, em princípio, as 4 incógnitas na equação do movimento.
Como dispomos da equação da continuidade, temos 4 equações para 4 incógnitas. Todas
as outras grandezas são conhecidas (em princípio).
φ - latitude; Ω - velocidade angular da Terra, etc...
as outras forças (Fx, Fy e Fz) representam as forças de atrito e forças de maré.
Podemos também considerar a salinidade S, e a temperatura T e consequentemente ρ,
como incógnitas (apesar de poderem ser observadas) e aí temos que introduzir mais
equações no sistema: são as equações Termodinâmicas.
Obter soluções, resolver, as equações do movimento, corresponde e encontrar valores de
u, v e w em função de quantidades conhecidas.
O facto de assumirmos a equação da continuidade para um fluído incompressível (div v =
0) elimina de imediato os efeitos acústicos da solução destas equações, uma vez que as
ondas acústicas baseiam-se no facto do meio ser compressível (compressão e expansões
do meio são a forma destas ondas se propagarem).
As equações do movimento têm que satisfazer determinadas condições para se verificam
(ou que supomos verificar-se), como por exemplo, a componente u ter que ser zero junto
a uma costa Norte – Sul, ou a componente tangencial da velocidade também tem que ser
nula ao longo de uma fronteira, etc...
As expressões da equação do movimento tornam-se complicadas quando começamos a
introduzir expressões para as forças de fricção, incluídas no termo F. Ainda mais difícil
se torna encontrar soluções para elas quando são incluídas aparecem combinadas entre si
(por exemplo u ∂v / ∂x ou v ∂u / ∂y), e muitas vezes estas equações não têm solução.
Ou melhor, têm solução, mas não uma receita geral para a encontrar.
Muitas vezes recorre-se a ctes empíricas, aproximações ou resolvem-se por métodos
numéricos.
Æ Termos da Equação do Movimento:
O Gradiente de Pressão – 1 ∇P
ρ
imaginemos um volume rectangular de fluído cujos lados são dx, dy e dz relativamente a
um sistema de referência fixo à Terra. A força que se exerce neste volume ao longo da
direcção x, devido à pressão hidroestática é:
z
∆z
P
P + dP
y
∆y
∆x
x
P dy dz î na face esquerda
- (P + dp) dy dz î na face direita
A força de pressão resultante será: - dP dy dz î ou : - dP dx dy dz î.
dx
(dx dy dz) representa a unidade de volume, logo a força por unidade de volume será:
- dP î
dx
e por unidade de massa será:
- 1 dP î
ρ dx
Para as outras direcções:
- 1 dP ^j
e
- 1 dP ^k
ρ dy
ρ dz
Logo, a força de pressão por unidade de massa será:
- 1 (∂P î + ∂P ^j + ∂P ^k) = - 1 ∇P ( - 1 grad P)
ρ ∂x
∂y
∂z
ρ
ρ
O sinal negativo (-) significa que se a pressão P, aumenta para a direita, a força da
pressão actua para a esquerda, etc...
Æ O Termo de Coriolis:
Este termo aparece porque a Terra, e consequentemente um sistema de eixos fixos à
Terra, não é um referencial inercial. Ora, as observações que nós fazemos são
relativamente à Terra, em rotação.
A 1ª e a 2ª Leis de Newton são válidas quando a aceleração é medida relativamente a um
referencial inercial. Se fizéssemos observações relativamente a um sistema de inércia
(sem aceleração ... fixo no espaço ... sem rotação ... etc) a equação do movimento seria
apenas:
dv = - 1 grad P + g fixo + F
dt
ρ
Temos por isso de realizar a transformação do sistema de eixos inercial fixo no espaço,
onde é válido o F = ma no nosso sistema de eixos, não inercial, em cte rotação com a
Terra (para uma dedução ver Knauss).
Então temos que:
Relativamente a um referencial de inércia (R), com a origem no centro do Planeta, a
equação do movimento será:
dv = - 1 grad P + g fixo + F
dt
ρ
R
relativamente a um referencial não inercial, a rodar com a Terra (R’), para um observador
neste referencial vão aparecer dois termos e a equação do movimento será:
dv + 2 Ω ^ v + Ω ^ (Ω ^ r) = g fixo – 1 ∇P + F
dt
ρ
R’
dv = g fixo – 1 ∇P - 2 Ω ^ v - Ω ^ (Ω ^ r) + F
dt
ρ
R’
ou:
- 2 Ω ^ v termo de Coriolis
- Ω ^ (Ω ^ r) termo da aceleração centrípeta
e é esta a aceleração que nós vemos quando fazemos observações à superfície da Terra.
Todas estas equações estão por unidade de massa.
Chamamos forças aparentes ao termo de Coriolis e ao termo centrifugo. Assim salvamos
Newton ao fazer aparecer forças aparentes, pois se assim não fosse a equação de Newton
F = ma não se verificava neste referencial.
Æ Gravitação e o Termo Centrípeto: a aceleração da gravidade g:
Gravitação é o nome dado à força de atracção entre massas, expressa pela Lei de
Atracção Universal – Newton:
Fg = G M1 M2
r2
onde M1 e M2 são massas e r a distância entre os seus centros. G é cte da gravitação
universal.
A gravitação está representada pelo termo gf na equação do movimento.
Contudo, quando medindo a aceleração da gravidade a que estão sujeitos os corpos à
superfície da Terra, estamos também a incluir o Termo Centripeto (- Ω ^ (Ω ^ r)), pois é
difícil medi-los separadamente.
É pois desejável combinar os 2 termos:
g = gf - Ω ^ (Ω ^ r)
a que chamamos aceleração gravítica, o familiar g =9,8m/s2.
O valor da aceleração centrípeta representa no máximo 0,3% da aceleração da gravidade.
À superfície da Terra, g depende apenas da posição geográfica:
-
é máxima nos polos, onde a aceleração centrípeta é nula e o raio terrestre é
menor;
é mínima no equador, onde a aceleração centrípeta é máxima e o raio terrestre é
maior.
Contudo, a variação de g entre o polo e o equador é apenas cerca de 5% e por isso
consideramos g = cte = 9,8 m/s2.
É a direcção de g que define o eixo dos z’s.
Ω
Ω ^ ( Ω ^r)
gf
g = gf - Ω ^ (Ω ^ r)
- Ω ^ ( Ω ^r)
φ
Æ Análise do Termo de Coriolis:
Podemos escrever o Termo de Coriolis nas suas componentes:
Ω = Ω cos φ ^j + Ω sen φ ^k
v = u î + v ^j + w ^k
-2Ω^v=
2
î
0
u
^j
Ω cosφ
v
^k
Ω senφ
w
=
= - 2 (w Ω cosφ - v Ω senφ) î – 2 u Ω senφ ^j + 2 u Ω senφ ^k
São estes os termos que constam da equação de movimento que já escrevemos.
Em geral o termo que contém w é desprezado porque este é muito pequeno (–2wΩcosφ)
Também a componente em z da aceleração de Coriolis costuma ser desprezada
(2uΩcosφ), porque é muito pequena quando comparada com os outros termos (não
esquecer que é na componente z que está g e em que o gradiente de pressão é muito
grande quando comparado com o gradiente de pressão segundo x e y). Também os
percursos de uma partícula de água ao longo da componente z são muito pequenas
quando comparadas com os percursos ao longo de x e de y. Logo, a aceleração de
Coriolis segundo z não tem efeito significativo.
Assim, apenas 2 termos de Coriolis são importantes, actuando segundo x e y.
A combinação destes termos constituem aceleração horizontal de Coriolis:
Ou, vectorialmente:
Ac = – 2 Ω v senφ î – 2 Ω u senφ ^j
Ac = f vH ^ k
Com vH = u î + v ^j e f = 2 Ω senφ, chamado parâmetro de Coriolis.
Notemos que ao fazer o produto externo de vH com k estamos a provocar uma rotação de
90º em vH, para a direita no hemisfério Norte e para a esquerda no hemisfério Sul.
Ordens de grandeza:
Para uma corrente de 1 m/s (3,6 Km/h) que é um valor típico para as correntes oceânicas:
- no polo (φ = 90º) → Ac = 1,5x10-4 m/s;
- a φ = 45º → Ac = 1x10-4 m/s;
- e no equador (φ = 0º) → Ac = 0.
Como se vê estas acelerações são pequenas o que confirma a validade de as desprezarmos
na componente vertical da equação do movimento.
Uma aceleração destas faz um corpo demorar 228 horas para variar a velocidade de 1m/s
a 10m/s (30km/h)
Æ Nota acerca do sistema de coordenadas utilizado:
Até aqui temos escrito os nossos vectores num sistema de eixos ortogonal e cartesiano
com eixos rectos e perpendiculares entre si (z → para cima, y → para leste e x → para
norte).
Mas se considerarmos o nosso sistema de eixos fixo no planeta Terra, como um todo, um
sistema com os eixos rectos não é apropriado. Temos que usar um sistema de
coordenadas esféricos (aproximação do planeta a uma esfera).
No entanto, se a região que estamos a considerar não for grande, ou seja, para fenómenos
de escala relativamente pequeno (até ≈ 100km), podemos utilizar um plano tangente ao
geóide sem estar a cometer grandes erros. A estes plano chama-se f-plane e podemos não
considerar a variação latitudional do parâmetro f, atribuindo-lhe um valor cte igual ao
centro da região considerada (aproximação f-plane).
Para regiões grandes, onde φ (latitude) varia algumas dezenas de graus, a aproximação a
um plano tangente chama-se β-plane. Aqui, se usarmos a aproximação a um sistema de
eixos perpendicular tomemos a variação de f com a latitude como f = (f0 + βy) onde f0 é o
valor de f na latitude central da região e β = ∂f, a variação de f com a latitude.
∂y
Æ Filtragem das Equações do Movimento:
as equações do movimento que escrevemos, ainda não incluem os termos de atrito, que
conjuntamente com os termos advectivos constituem os termos não lineares (porque as
velocidades aparecem ao quadrado ou como produtos das velocidades por derivadas de
velocidades).
Com a introdução destes termos, as equações do movimento tornam-se muito complexos,
quase impossíveis de resolver (a análise os termos não lineares será feito mais tarde).
Contudo, a partir de uma análise grosseira da importância de cada termo da equação, é
possível negligenciar inicialmente alguns dos termos, mantendo ainda assim a equação
com os termos suficientes para descrever alguns movimentos do oceano, ainda que de
forma aproximada. Mais tarde, podemos sempre re-introduzir alguns dos termos, para
obter descrições mais exactas, ou para situações mais específicas em que alguns dos
termos negligenciados adquirem importância relevante.
O que vamos fazer é utilizar o banco de dados da oceanografia descritiva para estimar o
valor dos vários termos e assim decidir quais são os mais importantes em situações
particulares.
Para já, vamos considerar o oceano interior, afastado das regiões de fortes correntes e
afastado da superfície onde os efeitos do atrito são importantes. Considerando estas
regiões mais tarde.
A escala horizontal da distância no oceano (típica das circulações à larga escala):
1000Km = 106m (largura do oceano Pacífico = 12000Km; do Atlântico = 6000Km).
Assim, L ≈106m
As velocidades horizontais típicas:
10 cm/s = 0,1 m/s.
Assim,
U ≈ 10-1 m/s.
A escala vertical do oceano é dada pela sua profundidade média que é na ordem de 10 3
m (4000m).
Assim,
H ≈ 103 m.
Tínhamos já obtido através da equação da continuidade, um valor típico para a
velocidade vertical no oceano:
∂w – (∂u + ∂v) → em termos de magnitude : W = U
∂z ∂x ∂y
H L
Logo,
W = U . H ≈ 10 –1 . 10 3 ≈ 10 –4 m/s
L
10 6
Assim,
W ≈ 10 –4 m/s
Uma escala razoável para o tempo será de 10 dias (≈10 6s), um tempo razoável para
estabelecer regimes ou registar variações consistentes dos parâmetros físicos da água do
oceano. Variações de menos escala temporal são a diluição de movimentos turbulentos.
Assim,
T ≈ 10 6s.
A escala do parâmetro de Coriolis pode ser dada pelo seu valor à latitude φ = 45º:
2 Ω sen 45º = 2 x 7,3x10-5 x 0,71 ≈ 10 –4 s-1
f ≈ 10 –4 s-1
Assim,
A escala da variação vertical da pressão obtém-se a partir da equação de equilíbrio
hidrostático, com:
1 ≈ 10-3 m3/kg e ∆P ≈ 104 kPa = 107 Pa para Z = -103 m
ρ
Assim,
∆Pv ≈ 107 Pa (escala vertical)
A escala da variação horizontal da pressão pode ser tratada como 104 Pa, se
considerarmos que é a variação espacial da pressão atmosférica a causa das variações
horizontais da pressão em profundidade. Ou seja, se assumirmos que as variações de
pressão na superfície se propagam em profundidade.
Sabendo que 1 atm ≈ 105 Pa ≈ 100 mbares numa escala horizontal de ≈ 1000 km.
Variações de pressão atmosférica de ≈ 104 Pa (100mbars).
∆PH ≈ 104 Pa (escala horizontal)
Assim,
Por fim, a escala da aceleração da gravidade: g ≈ 10 m/s2
Temos então para a equação horizontal do movimento:
- 1 ∂P + 2 Ω senφ v – 2 Ω cosφ w
ρ ∂x
- 1 ∂P - 2 Ω senφ u
ρ ∂y
∆PH
fU
fW
ρL
10-5
10-5
10-8
du =
dt
dv =
dt
U
T
10-7
+ Fx
+ Fy
???
10-8
E para a equação vertical do movimento:
dw =
dt
W
T
10-10
-g
10
- 1 ∂P + 2 Ω cosφ u
ρ ∂z
∆Pv
fU
ρH
10
10-5
+ Fz
???
10-11
Comentários :
-
confirmámos que os termos de Coriolis (– 2 Ω cosφ w) e (2 Ω cosφ u), são
realmente desprezáveis;
-
-
na equação vertical todos os termos são muito mais pequenos que a aceleração da
gravidade e o termo do gradiente de pressão, que representam a equação de
equilíbrio hidrostático. Verificámos que ela é correcta com uma precisão de 1
para 1 milhão! Verifiquemos que ela ainda é válida para as correntes mais rápidas
do planeta, tal como a corrente do golfo, com uma velocidade de 3 m/s e uma
largura de ≈ 100km.
Das equações horizontais verificamos que, com uma precisão de 1% os termos de
Coriolis e de gradiente de pressão se equilibram: é a aproximação geostrófica.
Assim temos que com uma precisão de 1% para o oceano interior (90% do oceano
mundial) são válidas as equações:
f u = - 1 ∂P
ρ ∂y
- f v = - 1 ∂P
ρ ∂x
g = - 1 ∂P
ρ ∂z
Estas equações descrevem as relações:
1 . entre a distribuição horizontal da pressão e a velocidade horizontal no oceano;
2 . e entre a distribuição da pressão como função da profundidade e da distribuição de
unidades, que por sua vez é uma função da distribuição da salinidade, temperatura e
pressão.
Então, em princípio, se observarmos a distribuição da salinidade e da temperatura em
função da profundidade, podemos calcular a pressão P, a partir de Z (pela equação do
equilíbrio hidrostático) e substituir nas equações em x e y para calcular u e v
(oceanografia observacional).
Alternativamente podemos expressar as distribuições da temperatura e da salinidade
matematicamente como funções de x, y e z, introduzindo a equação de estado:
ρ = ρ (T, S, P)
a partir de estudos laboratoriais das propriedades da água do mar e equações de
conservação da energia interna de sal, e resolver as equações simultaneamente.
Aparentemente, a região interior do oceano pode ser descrita por um conjunto de
equações simples e que podem ser resolvidas, porque os efeitos não lineares foram
desprezados.
Contudo, este conjunto de equações não nos dá uma descrição completa, porque, esta
depende também das camadas superficiais onde o vento actua e do que se passa nas
fronteiras laterais, onde a dinâmica pode ser mais complicada (por exemplo a corrente do
Golfo).
No entanto, mesmo ignorando essas regiões, este conjunto de equações é muito útil para
descrever, ainda que de forma aproximada, o movimento do oceano.
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