PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM DIREITO – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
LINHA DE PESQUISA POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL
Daiana Malheiros de Moura
A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ESTADO FISCAL:
FUNÇÃO SOCIAL DOS TRIBUTOS
Santa Cruz do Sul, maio de 2011
Daiana Malheiros de Moura
A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ESTADO FISCAL:
FUNÇÃO SOCIAL DOS TRIBUTOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Direito – Mestrado e Doutorado
– Área de concentração em Políticas Públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues
Santa Cruz do Sul, RS, janeiro de 2011.
Daiana Malheiros de Moura
A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ESTADO FISCAL:
FUNÇÃO SOCIAL DOS TRIBUTOS
Esta Dissertação foi submetida ao Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado, na Área de Concentração
em Direitos Sociais e Políticas Públicas, da Universidade de
Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues
Professor Orientador
Prof. Dr. Clovis Gorczevski
Prof. Dr. César Augusto Módena
Para minha família, em especial, para
meu filho amado Lucas.
AGRADECIMENTOS
Certo que o desenvolvimento desse trabalho só foi possível graças à ajuda de
muitas pessoas, as quais não posso deixar de agradecer.
Primeiramente, agradeço a minha mãe, Marina, que foi vó e mãe do meu
pequeno Lucas, possibilitando, assim, que eu me dedica-se à elaboração desse
estudo, com certeza sem o seu apoio não teria conseguido.
Agradeço ao meu pai, Irineu, que contribuiu de várias formas para que essa
realização fosse possível. Obrigada pela compreensão e pelo incentivo, sem os
quais jamais poderia ter obtido êxito nessa caminhada.
Ao meu esposo Marcelo pelo companheirismo e por todo o apoio, bem como
por compreender e entender as horas que tive de abdicar de sua companhia para
me dedicar à elaboração do meu trabalho.
A todos os funcionários do Mestrado em Direito da Universidade de Santa Cruz
do Sul que não mediram esforços para tornar essa caminhada mais fácil, meu muito
obrigada.
Agradeço a Coordenação do Mestrado e professores do Mestrado, os quais
contribuíram para que eu crescesse intelectualmente, seja pela suas lições de vida,
pelo conhecimento transmitido e pela dedicação.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues, por todo o
apoio e incentivo que recebi durante a elaboração do presente trabalho.
Aos amigos, pelo carinho e pela confiança.
Aos colegas do Mestrado, agradeço os bons momentos vividos juntos, o
coleguismo, a parceria e a oportunidade de crescimento pessoal e profissional. A
todos, meu sincero respeito e admiração.
Em todas as coisas, e especialmente nas mais
difíceis, não se pode pretender que alguém, ao
mesmo tempo, semeie e recolha, dada a
necessidade de um estágio de preparação, a
fim de que os frutos almejados possam
amadurecer gradativamente. (Bacon)
RESUMO
A presente Dissertação tem como objetivo fazer uma abordagem da função social do
tributo, isto é, o tributo como instrumento de políticas públicas para a efetivação dos
direitos fundamentais pelo Estado Contemporâneo. A função social do Estado
consiste na busca do bem comum, que é representado pela soma dos direitos
fundamentais, os quais se refletem na dignidade da pessoa humana. Pretende o
presente estudo pensar nos tributos como mecanismos que possibilitem que ele
atenda a sua função através da implementação de políticas públicas capazes de
permitir aos cidadãos o alcance aos direitos fundamentais. Para tanto, num primeiro
momento aborda-se a função social do Estado Contemporâneo, delimitando essa
função e demonstrando seu conteúdo, posteriormente aborda-se as funções dos
tributos, dando ênfase a função extrafiscal, demonstrando exemplos dessa função
nos tributos, e por fim uma abordagem dos tributos como instrumentos de políticas
públicas enquanto mecanismos capazes de garantir a efetivação dos direitos
fundamentais. O trabalho foi desenvolvido em três capítulos e o método de
abordagem foi o dedutivo, através de pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Função social, Políticas públicas, Tributos.
ABSTRACT
The present dissertation has the purpose of doing an approach of the social function
of the taxes, that is, the tax as an instrument of public policies to the effectiveness of
the fundamental rights by the contemporary State. The social function of the State
consists in the search for the common wellness, which is represented by the amount
of fundamental rights, among them we emphasize the dignity of the human being.
The presente study aims to think on the taxes as mechanisms that can make
possible the accomplishment of its function through the implementation of public
policies, which enable the citizens to reach their fundamental rights. Thus, a first time
it is approached the social function of the State Contemporary, delimiting this function
and demonstrating its content, subsequent approaches to the role of taxes,
emphasizing the role extrafiscal, showing examples of this function in taxes, and
finally an approach to taxes as instruments of public policies and mechanisms
capable of ensuring the effectiveness of fundamental rights. The work was carried
out in three chapters and the method of approach was the deductive, through
literature search.
Key-words: Social function, Public policies, Taxes.
LISTA DE ABREVIATURAS
Art
Artigo
CF
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CIDE
Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico
COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CPMF
Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e
de Créditos de Natureza Financeira
CSLL
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CTN
Código Tributário Nacional
FGTS
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
ICMS
Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicações
IE
Imposto de Exportação
II
Imposto de Importação
IOF
Imposto sobre Operações Financeiras
IPI
Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU
Imposto Predial e Territorial Urbano
IPVA
Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor
IR
Imposto sobre a Renda
ISS
Imposto Municipal sobre Serviços
ITBI
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis
ITCD
Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou
Direitos
ITR
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural
PIS
Programa de Integração Social
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1 FUNÇÃO SOCIAL DO ESTADO CONTEMPORÂNEO..........................................13
1.1 Conceito e função social do Estado Contemporâneo..........................................13
1.2 Conteúdo do Bem Comum...................................................................................22
1.2.1 Conceito de dignidade da pessoa humana.......................................................27
1.2.2 O Princípio da dignidade da pessoa humana como valor unificador dos Direitos
e Garantias Fundamentais na Constituição Federal de 1988....................................31
1.2.3 O bem comum como a função social do Estado Contemporâneo representado
pela soma dos direitos fundamentais.........................................................................41
2 FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO............................................................................43
2.1 Tributos e suas funções.......................................................................................43
2.1.1 Função fiscal.....................................................................................................51
2.1.2 Função Extrafiscal.............................................................................................53
2.1.3 Função social dos tributos.................................................................................66
3 TRIBUTOS COMO INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS........................71
3.1 Política Pública.....................................................................................................71
3.1.1 Conceito, características e tipos de Políticas Públicas.....................................72
3.2 Tributos como instrumentos de políticas públicas................................................85
3.3 A efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado Fiscal através dos tributos
enquanto instrumentos de políticas públicas.............................................................91
CONCLUSÃO.............................................................................................................94
REFERÊNCIAS..........................................................................................................97
10
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como objetivo demonstrar a função social dos
tributos, isto é, os tributos enquanto instrumentos de políticas públicas capazes de
garantir a efetivação dos direitos fundamentais.
O Estado Contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das
prestações, tem como função garantir aos seus cidadãos o bem comum, que
consiste na efetivação dos direitos fundamentais, porém tal papel não vem sendo
desempenhado de forma satisfatória, uma vez que constantemente o Estado, que
deveria garantir a efetivação de tais direitos, os tem violado.
Dentre os direitos fundamentais que o Estado tem o dever de garantir,
destacamos o direito a dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio
maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio
garante a pessoa o direito a uma vida digna que só se reflete diante de condições
mínimas de subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais
como o direito à vida, a saúde, a educação, a moradia, dentre outros
imprescindíveis.
O Estado tem o dever de garantir ao indivíduo o acesso aos direitos que lhe
são concedidos, para tanto necessita de uma estrutura que lhe permita agir em
defesa dos direitos dos seus cidadãos, conseqüentemente, para manter essa
estrutura necessita de recursos financeiros e esses são obtidos pela imposição de
tributos, assim manifesta-se o Estado Fiscal.
É por meio da imposição de tributos que o Estado obtém recursos para atingir
seus fins, a isso se denomina função fiscal dos tributos, entretanto a função fiscal
não é a única função que pode ser exercida pelos tributos, não se limitam a
amealhar recursos para o Estado, possuem uma função que vai além dos objetivos
meramente arrecadatórios, a essa função dos tributos se denomina função
extrafiscal, que consiste em o Estado fazer uso dos tributos para estimular ou inibir
determinadas condutas, por meio de intervenção no domínio econômico e social.
11
A função extrafiscal dos tributos pode ocorrer através do aumento, diminuição
ou progressividade de alíquotas, da concessão de isenção, incentivos e benefícios
fiscais, bem como vários são os tributos usados com essa finalidade, dentre eles
destacamos os impostos, nos quais a maior incidência do uso extrafiscal, uma vez
que são tributos não vinculados, o que facilita o uso extrafiscal.
Nesse contexto se busca a extrafiscalidade como mecanismo capaz de
implementar políticas públicas tributárias que visem à efetivação dos direitos
fundamentais.
As políticas públicas são mecanismos de ação do governo e é por meio delas
que ele atende as demandas da sociedade. Assim, os tributos “surgem” como
instrumentos de políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais, ou
seja, como meio de efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado.
Dessa forma, no primeiro capítulo o presente estudo trata sobre o que consiste
a função social do Estado Contemporâneo, partindo-se de uma conceituação de
Estado Contemporâneo na visão de Cezar Luiz Pasold, para posteriormente abordar
o bem comum que consiste na sua função, e consequentemente qual o conteúdo do
bem comum, o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos
fundamentais, uma vez que o princípio da dignidade da pessoa humana consiste na
soma dos direitos fundamentais, para tanto se faz referência às quatro gerações de
direitos fundamentais.
No segundo capítulo, se faz uma abordagem dos tributos e suas espécies,
sendo que tal abordagem é sucinta, para posteriormente abordar-se as funções dos
tributos, a fiscal, extrafiscal e social, com maior ênfase na função extrafiscal,
conceituando-a e exemplificando de que forma ela ocorre no sistema tributário
brasileiro.
Por fim, no terceiro e último capítulo, aborda-se as políticas públicas,
estabelecendo um conceito de políticas públicas, classificando-as em três tipos:
redistributivas, distributivas e regulatórias, bem como estabelecendo a necessidade
da participação da sociedade, através da gestão pública compartilhada como um
12
dos meios de buscar políticas públicas efetivas, uma vez que permitem que a
sociedade participe do processo de escolha, execução e avaliação das políticas
públicas, deixando de ter um papel inerte, garantindo dessa forma que as políticas
públicas desenvolvidas atendam as demandas dessa Sociedade.
Definida as políticas públicas, passa-se ao estudo dos tributos como
instrumento de políticas públicas, trazendo exemplos de tributos nos quais a função
extrafiscal está presente, como o Imposto Predial e Territorial Urbano, o Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural, o Imposto sobre Produtos Industrializados,
entre outros. Destacando que tais tributos não servem só como meio de
arrecadação, mas também como instrumentos de políticas públicas que visem à
efetivação dos direitos fundamentais.
Para tal estudo, utilizou-se o método dedutivo, por importar na análise do geral
para o particular, partindo-se de certas premissas, como que a função social do
Estado Contemporâneo é o bem comum, que o bem comum é representado pela
soma dos direitos fundamentais, que os tributos têm função fiscal e extrafiscal, para
depois se deduzir que essa função extrafiscal permite que o Estado desenvolva
políticas públicas com o objetivo de garantir os direitos fundamentais aos cidadãos.
Sendo a técnica utilizada a pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, publicações
eletrônicas, leis etc.
13
1 FUNÇÃO SOCIAL DO ESTADO CONTEMPORÂNEO
Pretende este capítulo tratar da função social do Estado Contemporâneo, para
tanto, primeiramente presta-se a conceituá-lo, com base na posição defendida por
Pasold, sendo que sua teoria servirá como embasamento para desenvoltura desse
capítulo, para após se definir em que consiste a função social, e nos subtítulos
seguintes tratar especificamente do conteúdo dessa função e onde está
estabelecida no ordenamento jurídico.
1.1 Conceito e função social do Estado Contemporâneo
Num primeiro momento cumpre destacar quando surgiu esta forma de Estado 1,
ou seja, qual momento histórico contribuiu para que surgisse, para logo após
estabelecer um conceito e por último constituir uma definição da sua função, fazendo
referência ao seu conteúdo.
Segundo Pasold o Estado Contemporâneo surgiu a partir da Constituição
Mexicana de 1917, pelo fato de que foi a primeira Constituição a expressar os
elementos que caracterizam o surgimento de tal Estado, os quais, nas palavras do
autor são:
1) mantém consagrados os Direitos Individuais;
2) insere como Direitos Fundamentais também os Direitos Sociais e/ou os
Direitos Coletivos; e
3) para assegurar a efetiva realização desses direitos estabelece e
2
disciplina a intervenção do Estado nos domínios econômico e social.
1
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 118. O termo Estado é usado no sentido que conceitua Dallari: “como a ordem jurídica soberana
que tem por fim o bem comum de um povo situado num determinado território”.
2
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 57.
14
A partir da inserção desses elementos no texto constitucional, representados
pelos artigos 25 e 26 da referida Constituição, para Pasold, resta caracterizado o
Estado Contemporâneo, uma vez que se evidencia o reconhecimento dos direitos
sociais como direitos fundamentais, bem como se estabelece a possibilidade de
intervenção do Estado no domínio econômico e social, com uma conseqüente
disciplina dessa intervenção com o intuito de assegurar que os direitos reconhecidos
pelo texto constitucional possam ser efetivados. Assim, o Estado Contemporâneo é
marcado por uma maior intervenção do Estado na Sociedade. Seguem os artigos:
ART. 25. – Corresponde ao Estado o compromisso com o desenvolvimento
nacional para garantir que este seja integral, que fortaleça a soberania da
Nação e sue regime democrático e que, mediante o fomento do
crescimento econômico e o emprego de uma mais justa distribuição de
ingresso e da riqueza, permita o pleno exercício da Liberdade e da
dignidade dos indivíduos, grupos e classes sociais, cuja segurança protege
esta Constituição
O Estado planejará, conduzirá, coordenará e orientará a atividade
econômica nacional, e levará a cabo a regulação e fomento das atividades
que demandem o interesse geral no marco de Liberdades que outorga esta
Constituição.
Ao
desenvolvimento
econômico
nacional
concorrerão,
com
responsabilidade social, o setor público e o setor privado, sem menosprezo
de outras formas de atividade econômica que contribuam ao
desenvolvimento da Nação.
ART. 26. – O Estado organizará um sistema de planejamento democrático
do desenvolvimento nacional que imprima solidez, dinamismo,
permanência e equidade ao crescimento da economia para a
3
independência e a democratização política, social e cultural da Nação.
Tais artigos, segundo Pasold, refletem o surgimento dessa forma de Estado,
lecionando que “é o Estado Contemporâneo compondo-se em suas características
fundamentais”.4
Entende o autor ser possível dividir alguns aspectos relevantes sobre este
Estado em duas dimensões, quais sejam a descritiva e prescritiva, do ponto de vista
descritivo apresenta como características a conformação jurídica; a sua submissão a
sociedade expressa nos discursos Constitucionais; o seu compromisso em atender
3
MÉXICO. Constitucion Política de los Estados Unidos Mexicanos. 75. ed. México: Editora Porrua,
1984.
4
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 59.
15
os anseios da sociedade; a estrutura tentacular e a primazia absoluta do econômico
sobre as questões sociais e ecológicas. Já quanto à dimensão prescritiva as
características são: as conformações jurídicas devem representar a realidade; a
realização dos princípios que sustentam a sua submissão à sociedade; o
reconhecimento constitucional e infra-constitucional de forma prática dos seus
compromissos para com a sociedade; a submissão de todo o conjunto tentacular as
demandas da sociedade e por fim a submissão do econômico à força do social.5
Após a Constituição Mexicana segue-se o surgimento de outras constituições
com esses elementos que caracterizam o Estado Contemporâneo, dentre elas a
Constituição alemã de 19196 e a brasileira de 19347.
Quanto à evolução do Estado Pasold, leciona que a sua participação evoluiu de
uma mera tolerância, ou seja, de uma posição de inércia, até uma participação
efetiva, representada por uma maior atuação na sociedade, que veio a se consolidar
com a conformação da figura do Estado Contemporâneo:
A participação maior do Estado na vida da Sociedade, historicamente,
evoluiu de uma fase de tolerância crescente até a de exigência da
participação, de modo que, hoje são poucos os que admitem um
comportamento omissivo do Estado frente ao encaminhamento e à solução
dos grandes problemas sociais.
Em minha opinião, no século XXI que se inicia, a necessária relação entre
Estado e Sociedade é, sem dúvida, a de um instrumento que deve ser
8
utilizado para servir a sua mantenedora, ou seja, a própria Sociedade.
5
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 61-62.
6
Cf. BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
40. A indicação de Estado Contemporâneo é feita por Berti ao definir quatro fases distintas do
processo de evolução do Estado enquanto forma de organização do poder político até sua atual
configuração: Estado Antigo na Grécia e em Roma; o Estado Medieval; o Estado Moderno; e o
Estado Pós-moderno ou Contemporâneo. O Estado Contemporâneo surgiu a partir da Constituição de
Weimar (1919), com o fim do Império alemão, quando surge a segunda categoria de direitos, os
direitos sociais e de representação, fase em que aparece o direito de exigir a garantia dos direitos.
7
Com a Constituição de 1934, a questão social passou a assumir grande destaque no país: direitos
democráticos foram conquistados, a participação popular no processo político aumentou, foi instituída
a Justiça Eleitoral (art. 82 e seguintes) e o voto secreto (art. 52, 1º), abrindo os horizontes do
constitucionalismo brasileiro para os direitos econômicos, sociais e culturais (art. 115 e seguintes, art.
148 e seguintes).
8
PASOLD, op. cit., p. 43-44.
16
Desse modo, pode-se definir como uma das características do Estado
Contemporâneo uma maior participação, ou seja, atuação na Sociedade, o Estado
da situação de expectador passou a condição de agente, que deve agir no intuito de
concretizar os direitos contidos na sua Carta Constitucional.
Pasold define o Estado Contemporâneo como:
[..] espectro de variações dos diversos Estados que se apresentam na
contemporaneidade, os quais, independentemente da motivação ideológica
de suas Constituições, têm alguns denotativos essenciais que lhe são
9
comuns e, principalmente, possuem uma função que lhes é essencial.
Segundo o conceito do autor essa forma de Estado se caracteriza por possuir
denotativos
essenciais
e
principalmente
uma
função
essencial,
que
é
eminentemente social. A sua principal característica é agir no intuito de fornecer e
garantir aos indivíduos acesso aos direitos fundamentais, assim se reflete no Estado
das prestações, incumbe a ele garantir e preservar os direitos de seus cidadãos 10,
bem como agir em favor de toda a Sociedade na busca do bem comum, entendido
aqui conforme leciona Rodrigues “a soma dos direitos fundamentais presentes na
CF/88” 11.
Nesse sentido, Moura leciona que a função precípua do Estado é zelar pelo
bem estar social, que consiste tanto em fornecer aos seus cidadãos a prestação de
9
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 35.
10
Cf. LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 19. Para efeito deste estudo cidadão deve ser entendido como
ser que vive nos limites territoriais da cidade/Estado e, dentro dele, tem direitos e obrigações.
Importante referir à definição de cidadania elaborada por José Casalta Nabais: “A cidadania pode ser
definida como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros ativos e passivos de um Estadonação, são titulares ou destinatários de um determinado número de direitos e deveres universais e,
por conseguinte, detentores de um específico nível de igualdade. Uma noção de cidadania, em que,
como é fácil de ver, encontramos três elementos constitutivos, a saber: 1) a titularidade de um
determinado número de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) a pertença a uma
determinada comunidade política (normalmente o Estado), em geral vinculada a idéia de
nacionalidade; e 3) a possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da
participação”. Em GRECO, M. A.; GODOI, M. S. (Coordenadores). Solidariedade Social e tributação.
São Paulo: Dialética, 2005, p. 119.
11
RODRIGUES, Hugo Thamir, Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso
brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 890.
17
serviços que visam atender aos direitos fundamentais, como zelar pela segurança
nacional do território. Essa função social do Estado Contemporâneo contribui para a
redistribuição de renda através da implantação e o funcionamento de serviços
públicos que visam atender as necessidades da Sociedade, os quais são
desenvolvidos mediante organizações complexas que confiam a eficiência de tais
serviços à responsabilidade coletiva, visando a confiança no bem público, na
propriedade de todos e de ninguém.12
Segundo Pasold o Estado Contemporâneo tem como principal característica o
compromisso com o bem comum e a interferência na vida da Sociedade, ou seja,
tem que agir em cumprimento dos direitos fundamentais e para tanto se possibilita
que tenha uma atuação mais presente, intervenha objetivando propiciar a todos o
alcance aos elementos necessários a uma vida digna.13
Por este Estado deve se entender a existência de uma prevalência do social,
onde se busca atender aos interesses do coletivo, privilegiando-se os direitos
fundamentais expressos no texto constitucional, refletindo-se a sua função social.
Assim, conceituado o Estado Contemporâneo é importante que se esclareça
em que consiste essa função social.
Primeiramente é importante que se defina o que se entende pelo termo função
na expressão função social, segundo Pasold o termo função deve ser compreendido
com uma “ação” e um “dever de agir”, nas palavras do autor:
Para a minha concepção de FUNÇÃO SOCIAL aplicada ao Estado
Contemporâneo, parto de um significado para a palavra função
comprometido com dois elementos semânticos distintos entre si mas
mutuamente complementares, quais sejam, a AÇÃO e o DEVER DE AGIR,
14
este último resultante da natureza do agente.
12
MOURA, Carmem de Carvalho e Souza. O Estado contemporâneo. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=54>. Acesso em: 12 de abril de 2006.
13
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 22.
14
Ibidem, p. 92.
18
Os termos “ação” e “dever de agir” revelam a obrigação do Estado para com a
Sociedade, sendo que este assume direções fundamentais e deverá executar as
atividades necessárias para atingir os objetivos que devem refletir os anseios da
Sociedade que representa. Assim, refere o autor que “a causa da função social é,
pois a necessária interação continuada entre Sociedade e Estado”.15
Também, segundo o autor o “dever agir” é elemento indispensável à
compreensão de Estado Contemporâneo, se coloca como implícito a sua função
social, assim, esse dever de agir deve ser compreendido como um compromisso que
o Estado tem para com a Sociedade que o mantém, que deve se refletir numa
atitude e não só num discurso por parte do Estado e dos detentores do Poder
Governamental.16
Definido o que se entende pelo termo função se passa a determinar o que se
compreende pela função social, ou seja, ao se defender que o Estado tem uma
função social é importante que a mesma seja identificada, bem como estabelecer de
que forma ela deve ser desenvolvida.
Para Pasold o Estado Contemporâneo deve ter e exercer uma função social:
[...] – a qual implica em ações que – por dever para com a Sociedade – o
Estado tem a obrigação de executar, respeitando, valorizando e
envolvendo o seu SUJEITO, atendendo o seu OBJETO e realizando os
seus OBJETIVOS, sempre com a prevalência do social e privilegiando os
17
Valores fundamentais do Ser Humano.
O conteúdo dos termos objeto, sujeito e objetivo dependerá da realidade social
de cada Estado, uma vez que as realidades sociais é que vão definir o que cada
Sociedade necessita, bem como de que forma o Estado vai atender essas
necessidades, por óbvio que estes termos estarão sempre sujeitos a variações, as
15
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 92.
16
Ibidem, p. 101.
17
Ibidem, p. 92-93.
19
quais sofrerão influência direta da realidade enfrentada pela sociedade em dado
momento histórico.18
Ainda, refere o autor que para que se possa compreender melhor essa relação
quatro pontos importantes devem ser destacados, são eles:
a) a Função Social – em abstrato – para o Estado Contemporâneo,
conforme exposto, diz respeito a uma fórmula doutrinária que conecta
a condição instrumental do Estado com o compromisso com o Bem
Comum ou Interesse Coletivo, e principalmente, com a dignidade do
Ser Humano;
b) em concreto, a Função Social haverá de consolidar-se conforme cada
Sociedade e seu Estado, de acordo com a realidade, e através de
ações que cumpram a sua destinação;
c) a Função Social do Estado Contemporâneo não é concebida com uma
dádiva dele mesmo; antes, constitui-se numa dinâmica que supões e
requer a cooperação social, a mobilização solidária dos componentes
da Sociedade considerada, sustentando, verificando e participando do
dever de agir e do agir do próprio Estado;
d) a Função Social pressupõe uma conveniente administração da
oposição entre a “atividade livre” e a “atividade regulada” na Sociedade
19
e, entre a “atividade Autoritária e a”atividade social” no Estado.
Desse modo, a função social do Estado Contemporâneo consiste em uma
busca pela realização do bem comum da Sociedade, que será concretizado através
de ações que serão executadas de acordo com a realidade de cada Sociedade,
respeitando as necessidades dos indivíduos que a compõe, os quais deverão
contribuir para tanto atuando como fiscalizadores da ação e do dever de agir do
Estado.
Nesse sentido Dallari leciona que a Sociedade humana tem como finalidade o
bem comum de todos os seus indivíduos, isso significa dizer que ela busca permitir
que cada cidadão busque a consecução de seus fins particulares. Uma Sociedade
que atende apenas os fins de parte de seus integrantes é mal organizada, visto que
está afastada da sua finalidade, ou seja, daquilo que justifica a sua existência.20
18
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 93.
19
20
Ibidem, p. 93.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 24.
20
Rodrigues, ao tratar especificamente da função social do Município, que pode
perfeitamente ser inserida nesse contexto, uma vez que o mesmo faz parte do
Estado na acepção usada para fins desse estudo, leciona que:
Entende-se, respeitados os pressupostos acima, bem como a idéia de que
o conjunto de munícipes não pode ser visto com uma massa amorfa e sem
individualidades, mas, sim, aceitando-se a posição de Pasold de que o
homem deve ser individualmente considerado enquanto ente inserido em
uma sociedade, bem como a idéia, retirada também do mesmo autor, de
que se deve objetivar a eliminação da injustiça econômica e a falta de
participação social, que a Função Social do Município busca seu melhor
21
sentido na expressão Bem Comum.
Para Pasold o Estado tem um compromisso intrínseco com o bem comum,
consistindo em fundamento da existência do mesmo, não sendo sua criação
justificável senão para busca do bem comum. Assim, deve haver por parte da
criatura um compromisso com a sua criadora, a Sociedade, sob pena de se perder a
razão pela qual o Estado foi criado, isso se configura na sua dedicação à
consecução do bem comum.22
Em outra passagem da obra refere o autor que diante dessa perspectiva o
Estado deve ser entendido como um conjunto de ações legítimas efetivamente
comprometidas com uma função social, a qual deve ser entendida como ações que
praticadas por dever para com a Sociedade o Estado executa, as quais valorizam e
envolvem o sujeito e correspondem ao seu objeto, cumprindo assim, o seu objetivo,
qual seja, o bem comum.23
Menciona Pasold que para que a função social possa existir devem estar
presentes dois requisitos básicos, são eles:
21
RODRIGUES, Hugo Thamir. O Município (ente federado) e sua Função Social. In: LEAL, R. G.;
REIS, J. R. dos (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 4. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 1036-1037.
22
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora co-edição Editora Diploma Legal, 2003, p. 47.
23
Ibidem, p. 111.
21
1° - prioridade para a realização de valores fundamentais do Homem (com
a coerente atuação em favor do Meio Ambiente, Saúde, Educação,
Liberdade, Igualdade);
2° - ambiente político-jurídico de constante Legitimidade, portanto, com
prática permanente das medidas clássicas de Legitimidade dos detentores
de Poder governamental e das ações estatais (isto é, eleições diretas,
24
secretas, universais e periódicas, plebiscitos e referendos).
Presentes estes dois requisitos é possível falar em uma função social do
Estado, a qual só é admitida com a conjunção desses dois requisitos, ou seja,
Estado e Sociedade trabalhando juntos, na busca do bem comum.
A Constituição Federal em seu art. 3º25 determina que a função social do
Estado Contemporâneo é a busca do bem comum, segundo leciona Bulos, a
enumeração contida nesse artigo não é taxativa, mas sim exemplificativa, uma vez
que não exaure os objetivos a que se destina a República Federativa do Brasil.26
Rodrigues ao traçar considerações sobre o Estado Contemporâneo brasileiro
leciona que o mesmo está atrelado aos princípios fundamentais estabelecidos pela
CF/88 em seu título I. Desse modo, afirma Rodrigues que as ações do Estado
devem ser norteadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ter
como objetivos a busca da construção de uma sociedade justa, livre e solidária e a
promoção do bem-estar social, além de agir pautado pelos Direitos e Garantias
Fundamentais.27
24
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3.ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora co-edição Editora Diploma Legal, 2003, p. 111.
25
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
26
27
BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição Federal Anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, passim.
RODRIGUES, Hugo Thamir. Harmonização solidária das políticas tributárias municipais: um
princípio constitucional geral, implícito, delimitador das ações tendentes ao cumprimento da função
social dos municípios. Dissertação (Curso de Pós-Graduação em Direito Programa de Doutorado –
Área de Concentração em Direito, Política e Sociedade/Centro de Ciências Jurídicas) – Universidade
de Santa Catarina, Florianópolis/SC, 2003.
22
Determinado que a função do Estado, como já dito, é a busca do bem comum,
é imperioso que se defina o que se entende por bem comum, que se verifique qual o
seu conteúdo, tal aspecto será analisado no próximo subtítulo.
1.2 Conteúdo do bem comum
A primeira idéia sobre o bem comum foi desenvolvida por Aristóteles, afirmava
que todo organismo vivo tende para o bem, nas palavras do autor: “Toda arte e toda
indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem; por isto foi
dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as pessoas visam”28.
Esse bem, no entanto, não é um bem em particular, mas o ligado aos outros,
um bem maior, qual seja, um bem que seja “comum”, vejamos:
Se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que
desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e
senão escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o
processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria
vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos
29
bens.
Bittar e Almeida ao traçar comentários acerca da teoria Aristotélica, lecionam
que “o Bem que a todos alcança afeta o bem de cada indivíduo, assim como o bem
de cada indivíduo acaba convertendo-se no Bem de toda a comunidade quando
comungado socialmente”30.
Para fins desse estudo entende-se como conteúdo do bem comum a soma dos
direitos fundamentais inseridos no texto Constitucional, nesse sentido Rodrigues
afirma que:
28
ARISTÓTELES. Ética e Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001, p. 17.
29
30
Ibidem, p. 17.
BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A de. Curso de Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005,
p. 96.
23
Tem-se, então, que, necessariamente, os Direitos Fundamentais são parte
componente do conteúdo do Bem Comum, bem como que este deve ser
balizado pelos Princípios Constitucionais, pode-se afirmar que o conteúdo
atual do Bem Comum está consagrado pelo princípio da dignidade da
31
pessoa humana, [...].
Entendido que o conteúdo do bem comum são os direitos fundamentais,
conseqüentemente a função do Estado Contemporâneo consiste em assegurar
esses direitos aos indivíduos, ou seja, garantir que seus cidadãos tenham acesso a
eles, dentre esses direitos destacamos a dignidade da pessoa humana, que consiste
no princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal
princípio garante a pessoa o direito a uma vida digna que só se reflete diante de
condições mínimas de subsistência, ou seja, através da concretização de direitos
fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros
imprescindíveis.
Dallari ao se referir ao conceito de bem comum menciona a definição dada pelo
Papa João XXIII: “O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida
social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade
humana”.32 Nessa idéia de integral desenvolvimento da personalidade estão
inseridos os valores materiais e espirituais necessários a expansão da personalidade
do homem.
Para Pasold o bem comum não reflete a soma dos bens individuais ou dos
desejos isolados, mas sim a efetivação dos interesses coletivos, deve refletir os
anseios de uma determinada Sociedade em um dado momento e em um dado
território, ou seja, o conteúdo do bem comum deve ser contextualizado e limitado,
vejamos:
31
RODRIGUES, Hugo Thamir. O Município (ente federado) e sua Função Social. In: LEAL, R. G.;
REIS, J. R. dos (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 4. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 1038.
32
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 24.
24
Em síntese, a noção de Bem Comum, apreciada sob a ótica da
estimulação, estrutura e conteúdo é circunstanciada à Sociedade,
considerada no tempo e no espaço e deve atender, de maneira dinâmica, à
Legitimidade, ocupando-se permanentemente com o efetivo atendimento
aos anseios sociais.
É esta noção de Bem Comum que deve determinar as ações do Estado,
fixado na sua condição instrumental, balizando as suas interferências na
33
vida da Sociedade.
Essa idéia em nada contraria as definições trazidas até então, apenas as
complementa, ao se definir como conteúdo do bem comum a soma dos direitos
fundamentais, nada impede que haja uma delimitação de acordo com o contexto em
que vive a Sociedade, uma vez que não se deve entender esses direitos de forma
isolada, mas sim no sentido de que o Estado tem como função garantir a toda a
sociedade os direitos fundamentais, que são representados pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, que consiste num princípio maior, o qual engloba os
demais direitos fundamentais, pois só se pode pensar numa vida digna se direitos
como saúde, educação e moradia, dentre outros, forem garantidos.
Em outra passagem de sua obra Pasold menciona que o Estado
Contemporâneo tem um compromisso com o bem comum, o qual compreende “além
da satisfação das necessidades materiais, a dimensão do respeito aos Valores
Fundamentais da Pessoa Humana, que devem sustentar o Interesse Comum”34.
O Estado tem o dever de garantir ao indivíduo o acesso aos direitos que lhe
são concedidos, para tanto necessita de uma estrutura que lhe permita agir em
defesa dos direitos dos seus cidadãos, conseqüentemente, para manter essa
estrutura necessita de recursos financeiros e esses são obtidos pela imposição de
tributos, assim manifesta-se o Estado Fiscal.
Segundo Martins o Estado, com fundamento em sua soberania, exige que seus
cidadãos transfiram parte de seus rendimentos para que possa custear as despesas
com a realização da sua finalidade, uma vez que tem custos para manutenção de
33
PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC
Editora co-edição Editora Diploma Legal, 2003, p. 54.
34
Ibidem, p. 86.
25
seus fins, que consistem, entre outros, na manutenção de repartições públicas, no
pagamento de seus funcionários, limpeza das ruas, segurança pública etc. Assim, é
através do tributo que obtém receita para custear os seus gastos. “O poder de
tributar do Estado consiste justamente em uma parcela de soberania estatal, de
poder exigir tributo dentro do seu território.”35
Os tributos se constituem na forma que o Estado tem de arrecadar receitas que
lhe possibilite formar a estrutura capaz de garantir aos seus cidadãos o direito de
viver com dignidade, ou seja, que possibilite que tenham acesso aos direitos
fundamentais e conseqüentemente realizar a sua função social.
Desse modo, o sustento da atividade estatal se dá mediante a arrecadação de
tributos, o Estado Contemporâneo é marcado pela característica de Estado fiscal,
significando “uma separação fundamental entre estado e economia e a conseqüente
sustentação financeira daquele através da sua participação nas receitas da
economia produtiva pela via do imposto”36.
Para Gouvêa “[...] a tributação tem dupla finalidade: a) auferir recursos para que
o Estado subsista; e b) garantir a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos,
os verdadeiros fins do Estado.”37
Em outra passagem o autor leciona que:
Dessa forma, consideramos que o Estado pode se colocar em situação de
superioridade em relação ao indivíduo, fazendo incidir tributos sobre ele,
por razões que constituem o próprio fundamento da tributação: a) a
necessidade de receitas para subsistência do Estado e b) a consecução
dos fins estatais, que se confundem com a efetividade dos direitos fundamentais, com a implementação da forma federalista de Estado e com a
38
realização dos direitos dos cidadãos.
35
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2002, p. 34.
36
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998,
p. 196.
37
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade do Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 38.
38
Ibidem, p. 40.
26
Nesse sentido Machado leciona que a tributação é o instrumento que a
economia capitalista tem se valido para sobreviver. Através dela o Estado obtém os
recursos necessários para consecução do seu fim social. Diante da possibilidade de
cobrar tributo o Estado não necessita estatizar a economia, assim, o tributo se reflete
como talvez a única arma contra essa estatização.39
É através da imposição de tributos que o Estado obtém recursos para realizar a
sua função social, por este motivo o exercício da tributação é fundamental aos
interesses do Estado, vejamos o que leciona Coêlho:
O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor
constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos
interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à
realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo
como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é
40
pródigo.
O autor refere outra característica dos tributos, ou seja, que estes não se
resumem só a necessidade de arrecadar, os tributos também se prestam a servir de
instrumento ao Estado para que possa intervir nas esferas econômicas e sociais,
objetivando a promoção do social, ou seja, atuam como instrumento extrafiscal.
Nesse sentido Gouvêa leciona que pela fiscalidade o Estado faz uso da
tributação para suprir-se de recursos necessários para financiar suas finalidades
estabelecidas constitucionalmente e, pela extrafiscalidade ao tributar afasta, se
necessário, o caráter arrecadatório, porém o objetivo é o mesmo, as mesmas
finalidades constitucionais.41
39
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de DireitoTributário. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998,
p. 26.
40
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2003, p. 37.
41
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade do Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 39.
27
O Estado faz uso da tributação para obter recursos necessários à consecução
do seu fim, que, como já mencionado, é o bem comum, representado pela soma dos
direitos fundamentais, compreendidos pelo princípio da dignidade da pessoa
humana.
Desse modo, é importante para fins desse estudo que se analise então tal
princípio, bem como os direitos fundamentais que representam o conteúdo do
princípio maior da dignidade da pessoa humana.
1.2.1 Conceito de dignidade da pessoa humana
A função do Estado Contemporâneo consiste em garantir aos seus cidadãos o
bem comum, que se reflete em assegurar os direitos fundamentais, que se
constituem em um único princípio, a dignidade da pessoa humana, princípio maior
do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio garante a
pessoa o direito a uma vida digna que só é possível diante de condições mínimas de
subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais como o direito
à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis.
O princípio da dignidade da pessoa humana consiste em um dos fundamentos
do Estado Democrático de Direito, está previsto no artigo 1° do texto constitucional,
o qual prescreve:
Art. 1° A República Federativa do Brasil , formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, consitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
[...]
Desse modo, referido princípio é extremamente importante, pois consiste num
dos fundamentos do nosso Estado que norteia todo o arcabouço constitucional e
infra-constitucional, constituindo-se em um valor unificador dos Direitos e Garantias
28
Fundamentais corporificados na Carta Magna, bem como determinante da imposição
de limites positivo e negativo da atuação do Estado.
Segundo Sarlet isso revela que o Estado existe em função do ser humano, e
não o contrário, nas palavras do autor:
Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a
dignidade da pessoa humana como uma dos fundamentos do nosso
Estado democrático (e social) de Direito (art. 1°, inc. III, da CF), o nosso
Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na
Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do
sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do
próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em
função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui
42
a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.
Leciona Novelino:
A dignidade da pessoa humana não é um direito concedido pelo
ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos,
independentemente de sua origem, raça, sexo, cor ou quaisquer outros
requisitos. A consagração no plano normativo constitucional significa tãosomente o dever de promoção e proteção pelo Estado, bem como de
43
respeito por parte deste e dos demais indvíduos.
Portanto, o ser humano não é o meio da atividade estatal, mas sim a sua
finalidade, o Estado só tem razão de ser se agir objetivando atender aos interesses
da Sociedade que o compõe.
Ao longo da história foram se desenvolvendo correntes de concepções da
dignidade da pessoa humana, segundo Reale, constatamos, historicamente, a
existência
de,
basicamente,
três
concepções,
são
elas:
individualismo,
transpersonalismo e personalismo.44
Segundo o autor caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que
cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os
42
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 66.
43
NOVELINO, Marcelo. O conteúdo jurídico da dignidade a pessoa humana. Disponível em:
<http://www.editorametodo.com.br/marcelonovelino/>. Acesso em: 03 de abril de 2010.
44
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 277.
29
interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. Estes serão,
antes de tudo, direitos inatos e anteriores ao Estado, e impostos como limites à
atividade estatal, que deve, pois, se abster, o quanto possível, de se intrometer na
vida social. Assim, são direitos contra o Estado.
O transpersonalismo é o oposto, pois busca a realização do bem coletivo, ou
seja, é realizando o bem coletivo, o bem do todo, que se salvaguardam os
interesses individuais, se não houver harmonia espontânea entre o bem do
indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Assim,
a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo.
Quanto ao personalismo rejeita quer a concepção individualista como a
transpersonalista, nega as duas outras correntes, ou seja, nega seja a existência da
harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, resultando, como vimos, numa
preponderância do indivíduo sobre a sociedade, seja a subordinação daquele aos
interesses da coletividade.
Marcante nesta teoria, em que se busca, principalmente, a compatibilização, a
interrelação entre os valores individuais e valores coletivos, o homem é uma forma
do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo. Em conseqüência, não há que
se falar, aprioristicamente, num predomínio do indivíduo ou no predomínio do todo.
A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias.
Para fins deste estudo se adota a teoria do individualismo, nesse sentido,
defende-se que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio correspondente, de
que aqui se trata, é absoluto, e há de prevalecer, sempre, sobre qualquer outro
valor.
Quanto ao conceito de dignidade da pessoa humana não há uma delimitação
precisa na definição do que seja, mas acredita-se que compreende todos os direitos
referentes às condições básicas de vida para o homem e sua família (moradia,
alimentação, educação, saúde etc), ou seja, tudo aquilo que o homem necessita
para uma vida digna.
30
Na lição de Sarlet temos por dignidade da pessoa humana uma qualidade
intrínseca e distintiva de cada indivíduo, o que lhe garante respeito e consideração
por parte do Estado e da Sociedade, bem como que seus direitos fundamentais
sejam reconhecidos, impedindo assim que seja alvo de qualquer ato degradante e
desumano, que firam as suas condições mínimas de uma vida saudável, “além de
propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”45.
Nesse sentido Silva refere que:
Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.
“Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de
dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que
tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma
qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da
dignidade humana a defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendoa nos casos de direitos sociais, ou invoca-la para construir ‘teoria do núcleo
da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trata de garantir as
bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de
ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social
visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o
desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania
(art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores
46
do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.
Assim, a dignidade da pessoa humana é o elemento aglutinador dos Direitos e
Garantias Fundamentais, servindo como princípio básico a toda interpretação de
qualquer norma constitucional.
45
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
46
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005, p. 105.
31
1.2.2 O princípio da dignidade da pessoa humana como valor unificador dos
Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição Federal de 1988
Como já mencionado a dignidade da pessoa humana se constitui em um
princípio maior do Estado Democrático de Direito que engloba todos os demais
direitos fundamentais, não se pode pensar em dignidade sem que os demais direitos
estejam presentes e vice-versa.
Para Moraes:
[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente,
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as
pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à
honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da
consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da
47
República Federativa do Brasil.
Nesse mesmo sentido leciona Novelino:
Há uma relação de dependência mútua entre a dignidade e dos direito
fundamentais. Ao mesmo tempo que os direitos fundamentais surgiram
como exigência da dignidade de proporcionar um pleno desenvolvimento
da pessoa humana, é certo que somente através da existência desses
direitos a dignidade poderá ser respeitada, protegida e promovida. Por
essa razão, a exigência de cumprimento e promoção dos direitos
fundamentais, encontra-se estreitamente vinculada ao respeito à dignidade
da pessoa humana.
A dignidade deve ser vista aqui como a qualidade de se ter respeitado os
direitos fundamentais, esta diretamente ligada ao reconhecimento dos direitos
inerentes à pessoa humana, sem os quais não é possível a subsistência, nesse
sentido Bonavides leciona:
47
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a
5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas,
1998, p. 60.
32
A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e a dignidade
humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem
óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal
48
da pessoa humana.
Também, quanto a essa relação da dignidade da pessoa humana com os
direitos fundamentais Sarlet defende que tal relação não ocorre em caráter
subsidiário, uma vez que uma agressão a direito fundamental pode ao mesmo tempo
atingir a dignidade da pessoa humana, nesse sentido tal princípio deve servir como
elemento de fundamentação dos demais direitos fundamentais, nas palavras do
autor:
Nesta linha de raciocínio, sustenta-se que o princípio da dignidade da
pessoa humana, em relação aos direitos fundamentais, pode assumir, mas
apenas em certo sentido, a feição de lex generalis, já que, sendo suficiente
certo recurso a determinado direito fundamental (por sua vez impregnado
de dignidade), inexiste, em princípio, razão para invocar-se
autonomamente a dignidade da pessoa humana, que, no entanto, não
pode ser considerada como sendo de aplicação meramente subsidiária, até
mesmo pelo fato de que uma agressão a determinado direito fundamental
simultaneamente poderá constituir ofensa ao seu conteúdo em dignidade.
A relação entre a dignidade da pessoa humana e as demais normas de
direitos fundamentais não pode, portanto, ser corretamente qualificada
como sendo, num sentido técnico-jurídico, de cunho subsidiário, mas sim,
caracterizada por uma substancial fundamentabilidade que a dignidade
49
assume em face dos demais direitos fundamentais.
Entendida a dignidade da pessoa humana como princípio maior do Estado
Democrático de Direito que engloba todos os direitos fundamentais, é importante
que se faça uma análise dos direitos fundamentais, uma vez que constituem
conteúdo da dignidade da pessoa humana e conseqüentemente do bem comum que
constitui a função social do Estado.
O princípio da dignidade da pessoa humana possui uma dupla função, uma vez
que atua como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, bem como
48
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
516.
49
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 103.
33
confere uma unidade de valor e interpretação a todos os demais direitos
fundamentais, na lição de Sarlet:
Consoante já anunciado, dentre as funções exercidas pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, destaca-se, pela sua magnitude, o fato de
ser, simultaneamente, elemento que confere unidade de sentido e
legitimidade a uma determinada ordem constitucional, constituindo-se, de
acordo com a significativa fórmula de Haverkete, no “ponto de Arquimedes
de estado constitucional”. Como bem lembrou Jorge Miranda,
representando
expressiva
parcela
da
doutrina
constitucional
contemporânea, a Constituição, a despeito de seu caráter compromissário,
confere uma unidade de sentido, valor e de concordância prática ao
sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa na dignidade
da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e
fim da sociedade e do Estado, razão pela qual se chegou a afirmar que o
princípio da dignidade da pessoa humana atua como o “alfa e omega” do
sistema das liberdades constitucionais e, portanto, dos direitos
50
fundamentais.
No que se refere à conceituação, são várias as definições de direitos
fundamentais apresentadas pelos estudiosos, vejamos algumas.
Segundo Jiménez os direitos humanos são faculdades ou prerrogativas da
pessoa ou grupo social que regulam a dignidade e existência da pessoa, que se
encontram emaranhadas dentro do contexto do Estado de Direito, permitindo a seus
titulares exigir da autoridade respectiva a satisfação das necessidades básicas nelas
incluídas.51
Alexy define os direitos fundamentais como “aquelas posições jurídicas que, do
ponto do direito constitucional, são tão relevantes que seu reconhecimento ou nãoreconhecimento não pode ser deixado à disposição do legislador ordinário” 52.
Para Canotilho, os direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídicoinstitucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente, sendo, portanto,
direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.53
50
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 79.
51
52
JIMÉNEZ, Eduardo Pablo. Los derechos humanos de la tercera generación. Ed. Ediar, 1997, p. 62.
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 1997, p. 407.
34
Moraes leciona que os direitos fundamentais, os quais o autor chama de
direitos humanos fundamentais, se constituem no meio de imposição de limites ao
poder Estatal, uma vez que este ao agir tem que respeitar os direitos fundamentais,
leciona:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que
tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua
proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de
condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade
54
humana.
Já para Silva os direitos fundamentais “são aqueles que reconhecem
autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos
diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado”55.
Carl Schmitt citado por Bonavides refere que existem dois critérios formais para
caracterização dos direitos fundamentais, bem como um do ponto de vista material,
pelo primeiro, se entende que podem ser designados por direitos fundamentais
todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento
constitucional, já pelo segundo, os direitos fundamentais são aqueles direitos que
receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança ou
são imutáveis (unabaenderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert),
são direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição, este é tão
formal quanto o primeiro. Já do ponto de vista material, os direitos fundamentais,
“segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie
de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem
seus direitos fundamentais específicos”56.
53
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 359.
54
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a
5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas,
1998, p. 39.
55
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005.
56
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
515.
35
Ainda que haja diversas conceituações do que se entende por direitos
fundamentais, não resta dúvida quanto a um aspecto, para ser considerado direito
fundamental deve haver a previsão do mesmo no texto constitucional e tal direito é
essencial ao desenvolvimento do indivíduo. Silva leciona que:
Direitos Fundamentais do Homem constitui a expressão mais adequada a
este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resultam a
concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas
prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo
Fundamentais acha-se a indicação de que trata de situações jurídicas sem
as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e , às vezes, nem
mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por
igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e
57
materialmente efetivados.
Assim, a expressão direitos humanos aplica-se àqueles direitos inerentes à
própria existência do ser humano, que são anteriores ao Estado e por isso inclusive
por ele devem ser reconhecidos e respeitados, restando positivados na esfera
constitucional de cada Estado Nacional, quando então ganham a roupagem de
direitos fundamentais.
Após uma breve noção do que se entende por direitos fundamentais, o próximo
tema abordado trata das gerações de direitos fundamentais, que se originam da
evolução histórica desses direitos, ou seja, como resultado de conquistas históricas
da humanidade frente à opressão, desigualdade e injustiça de toda sorte.
A abordagem das gerações de direitos tem como base à classificação de
Bonavides que estabelece a existência de quatro categorias de gerações de direitos.
Salienta-se que alguns autores são contrários ao uso do termo gerações sob o
argumento de que esta expressão dá a idéia de que uma geração substitui a outra e
na verdade o que ocorre é que os direitos com o passar do tempo vão se
acumulando, dentre eles Ingo Wolfgang Sarlet. Porém, Bonavides reconhece que o
termo dimensão substitui com vantagem lógica o vocábulo “geração”, caso este seja
usado no sentido de significar sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade
57
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005, p. 178.
36
dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade, pois os direitos da
primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da
terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade,
“permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o
direito à democracia”58.
Os direitos fundamentais de primeira geração surgem nas primeiras
constituições, objetivando a proteção do indivíduo frente ao Estado, determinando a
não intervenção deste, tem por titular o indivíduo, são os chamados direitos de
liberdade.
Segundo Bonavides:
Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o
indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou
atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o
59
Estado.
São os direitos de oposição perante o Estado, traduzindo-se como faculdades
ou atributos da pessoa, tem como traço mais característico a subjetividade, enfim
são os direitos de resistência ou oposição perante o Estado.
Nesse sentido Bucci leciona:
Como se sabe, os chamados direitos humanos de primeira geração, os
direitos individuais, consistem em direitos de liberdade, isto é, direitos cujo
exercício pelo cidadão requer que o Estado e os concidadãos se
abstenham de turbar. Em outras palavras, o direito de expressão, de
associação, de manifestação do pensamento, o direito ao devido processo,
todos eles se realizariam pelo exercício da liberdade, requerendo, se assim
se poder falar, garantias negativas, ou seja, a segurança de que nenhuma
60
instituição ou indivíduo irá perturbar seu gozo.
58
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
178.
59
60
Ibidem, p. 517.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
37
São os direitos de liberdade, os primeiros a constarem da norma constitucional,
são eles os direitos civis e políticos. Importante referir que nessa fase a figura do
indivíduo preponderava.
Segundo Bonavides “são por igual direitos que valorizam primeiro o homemsingular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista
que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual”.61
No que se refere aos direitos de segunda geração exigem do Estado um
comportamento ativo na realização da justiça social, são direitos econômicos, sociais
e culturais, que outorgam ao indivíduo direitos e prestações sociais estatais.
Nas palavras de Bonavides:
Os direitos de segunda geração merecem um exame mais amplo.
Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira
geração dominaram o século passado. São direitos sociais, culturais e
econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social,
depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste
62
século.
Segundo Bucci são os direitos cuja principal função é assegurar que todos
tenham condições de concretizar os direitos de primeira geração, ou seja, os direitos
sociais, ditos de segunda geração, foram formulados para garantir o exercício em
sua plenitude dos direitos de primeira geração.63
É representada pelo reconhecimento dos direitos sociais, são conhecidos como
os direitos da igualdade, a figura do indivíduo deixa de ser o centro, há uma maior
61
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
518.
62
63
Ibidem, p. 518.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
38
preocupação com o social, percebeu-se que tão importante quanto salvaguardar o
indivíduo era proteger a instituição, descobria-se assim um novo conteúdo aos
direitos fundamentais: as garantias institucionais.
Essas garantias revalorizam os direitos de liberdade, que até então eram
concebidos da relação de oposição do indivíduo ao Estado, passando dessa
concepção de subjetividade para uma de objetividade, no que concerne aos
princípios e valores da ordem jurídica existente, sendo que essa foi sua maior
importância.
Os direitos de terceira geração englobam os direitos de fraternidade ou
solidariedade, se distinguem dos demais porque não se referem à proteção do
indivíduo mas sim de grupos humanos, como povos, a família, a nação etc.
Leciona Bonavides:
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de
terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto
direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de
um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro
por distinção o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua
64
afirmação com valor supremo em termos de existencialidade concreta.
Tais direitos emergiram da reflexão sobre temas como a paz, o meio-ambiente,
à comunicação e o patrimônio comum da humanidade, sendo que estes são tidos
como os direitos da terceira geração.
Segundo Bucci, assim como os de segunda geração, surgiram com o objetivo
de garantir os direitos individuais:
Da mesma forma os direitos de terceira geração, tais como o direito ao
meio-ambiente equilibrado, à biodiversidade e o direito ao
desenvolvimento, foram concebidos para garantia mais extensa dos
direitos individuais, também em relação aos cidadãos ainda não nascidos,
64
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
523.
39
envolvendo cada indivíduo na perspectiva temporal da humanidade, por
65
isso intitulados ‘direitos transgeracionais’.
São direitos que exigem uma ação do Estado e estão ligados ao princípio da
fraternidade, congregam setores da sociedade, uma vez que são direitos de grupos,
que protegem uma gama de pessoas.
Os direitos de quarta geração se referem aos direitos à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo, bem como aos direitos que surgiram contra as
novas tecnologias como manipulação genética, mudança de sexo, etc.
Nas palavras de Bonavides:
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da
sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade,
para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de
66
convivência.
Os direitos de quarta geração reafirmam a idéia de objetividade dos direitos
das duas gerações anteriores, como também absorvem a subjetividade dos direitos
individuais da primeira geração. Dessa afirmação tem-se que os direitos da
segunda, terceira e quarta gerações não se interpretam, mas sim, concretizam.
Desse modo, afirma Bonavides “os direitos da quarta geração compendiam o
futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com
eles será legítima e possível a globalização política”67.
Segundo Bucci, na medida em que as gerações de direitos vão surgindo novos
direitos vão sendo agregados ao conteúdo jurídico da dignidade humana, pois
65
BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
66
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.
525.
67
Ibidem, p. 526.
40
novos direitos vão sendo reconhecidos e agregados ao rol dos direitos
fundamentais.68
Não obstante a classificação que se adote o que deve se ter em mente é que
os direitos fundamentais constituem todos aqueles necessários a uma vida digna
por parte dos cidadãos, entendida essa como composta por tudo que é necessário a
subsistência humana.
Os direitos e garantias fundamentais são meros instrumentos de realização da
pessoa humana, que devem ser colocados em prática e isso é possível através da
criação de políticas públicas as quais possibilitam a plena realização do homem, é o
fim a ser atingido.
Nesse sentido Dallari refere que:
Em conclusão, pode-se afirmar que a proclamação dos Direitos do
Homem, com a amplitude que teve, objetivando a certeza e a segurança
dos direitos, sem deixar de exigir que todos os homens tenham a
possibilidade de aquisição e gozo dos direitos fundamentais representou
um progresso. Mas sua efetiva aplicação ainda não foi conseguida, apesar
do geral reconhecimento de que só o respeito a todas as suas normas
69
poderá conduzir a um mundo de paz e justiça social.
Após uma breve noção do que se entende por direitos fundamentais, o próximo
tema abordado trata especificamente da função social do Estado Contemporâneo,
que é a obtenção do bem comum, que é representado pela soma dos direitos
fundamentais.
68
BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
69
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 213.
41
1.2.3 O bem comum como a função social do Estado Contemporâneo
representado pela soma dos direitos fundamentais
De tudo que foi exposto pode-se concluir que a função social do Estado
Contemporâneo consiste em uma busca pela realização do bem comum da
Sociedade, que será concretizado através de ações que serão executadas de
acordo com a realidade de cada Sociedade, respeitando as necessidades dos
indivíduos que a compõe, os quais deverão contribuir para tanto atuando como
fiscalizadores da ação e do dever de agir do Estado.
O bem comum é representado pela soma dos direitos fundamentais
constitucionais, e estes se caracterizam por serem os direitos que reconhecem
autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos
diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado, se
constituem no meio de imposição de limites ao poder Estatal, uma vez que este ao
agir tem que respeitar os direitos fundamentais.
Como leciona Silva no termo fundamentais tem-se a indicação de que trata de
situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, são
imprescindíveis a sua sobrevivência; fundamentais do homem no sentido de que
todos os direitos devem ser de igual forma reconhecidos, e materialmente
efetivados.
Compreendido o conteúdo do bem comum como os direitos fundamentais,
conseqüentemente a função do Estado Contemporâneo consiste em assegurar
esses direitos aos indivíduos, ou seja, garantir que seus cidadãos tenham acesso a
eles, dentre esses direitos merece destaque o princípio da dignidade da pessoa
humana, que conforme já exposto, consiste no princípio maior do Estado
Democrático de Direito.
A dignidade deve ser vista aqui como a qualidade de se ter respeitado os
direitos fundamentais, uma vida digna só é possível diante de condições mínimas de
subsistência, ou seja, através da concretização de direitos fundamentais como o
direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis.
42
Determinado que a função social do Estado Contemporâneo é o bem comum e
este é representando pela soma dos direitos fundamentais, os quais por seu turno,
são aglutinados pela dignidade da pessoa humana, incumbe ao Estado agir
objetivando a busca do bem comum, a concretização dos direitos dos seus
cidadãos.
Para agir garantindo esses direitos aos seus cidadãos o Estado necessita de
recursos financeiros que o mantenham e permitam que monte estruturas capazes de
garantir a concretização dos direitos, esses recursos são obtidos por meio da
tributação, pela imposição de tributos, isso representa a função fiscal dos tributos.
A concretização de direitos pelo Estado não ocorre só pela obtenção de
recursos, mas também por meio de ações de intervenção no domínio econômico que
visem de certa forma permitir a uma parte da coletividade o acesso aos direitos
fundamentais, isso é a função extrafiscal dos tributos, ao desenvolver essa função
os tributos deixam de ter caráter apenas arrecadatório e passam a ter uma função
social.
Desse modo, no próximo capítulo trata-se da função social dos tributos,
iniciando-se pela abordagem dos tributos em espécie e posteriormente pelas suas
funções fiscal, extrafiscal e social.
43
2 FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO
Nesse capítulo se aborda a questão principal deste estudo, a função social do
tributo, para tanto primeiramente se fará uma breve abordagem dos tributos e suas
espécies, para depois tratarmos das suas funções, fiscal e extrafiscal e por fim a sua
função social.
2.1 Tributo e suas funções
Os tributos são prestações obrigatórias compulsórias exigidas pelo Estado em
função da sua soberania, tem como objetivo obter recursos para o funcionamento do
Estado, é o mecanismo que o Estado detém para obter suporte financeiro
necessário ao seu fim, que é o bem comum. Apesar de trazer a idéia de coerção na
sua essência os tributos não têm caráter sancionatório, isto é, não podem ser vistos
como uma sanção imposta em decorrência da prática de um ilícito.
Quanto ao conceito de tributo vamos corroborar algumas conceituações
doutrinárias e sua definição legal em nosso direito positivo.
Segundo Difini:
Tributos são prestações obrigatórias, em espécie, exigidas pelo Estado, em
função do seu poder de império, sem caráter sancionatório. Normalmente
visam à finalidade fiscal: obter recursos necessários para o regular
funcionamento do Estado. Modernamente, porém, a isso se agrega
finalidade extrafiscal: estimular (ou desestimular) certas atividades, como
70
forma de intervenção do Poder Público no domínio econômico.
Ataliba define tributo “como a obrigação jurídica pecuniária ex lege, que não se
constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é, em princípio, uma pessoa
pública, e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei”.71
70
71
DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p.
31.
44
Amaro conceitua-o como “prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito,
instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse
público”.72
Machado, por seu turno, ao tratar da conceituação de tributo afirma que
obstante não ser função da lei conceituar, no caso dos tributos, o legislador,
afastando as divergências da doutrina, conceituou tributo no art. 3º do Código
Tributário Nacional, desse modo, segundo o autor, “agora se mostra de nenhuma
utilidade, no plano do direito positivo vigente, o exame dos diversos conceitos de
tributo formulados pelos juristas e pelos financistas”.73
Portanto, o conceito legal de tributo está disposto no CTN, em seu art. 3º, o
qual prescreve: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei
e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Quanto às espécies de tributos o CTN em seu at. 5º prescreve: “os tributos são
impostos, taxas e contribuições de melhoria”.
Do mesmo modo, dispõe a Constituição Federal, em seu art. 145, caput74, os
tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria, ainda, no artigo portanto a
classificação legal de tributos em face do nosso direito positivo se faz em três
espécies.
De acordo com Sabbag na doutrina hoje prepondera à aceitação de cinco
espécies do gênero tributo no atual sistema tributário constitucional brasileiro,
72
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 25.
73
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008, p. 54 e 55.
74
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
45
adotando-se, assim, a Teoria Pentapartida, as espécies são: impostos, taxas,
contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições.75
Como o presente estudo não tem como finalidade específica o tratamento de
cada espécie, será feita apenas uma sucinta análise de cada uma, limitando-se a
explanar algumas noções.
Os impostos são tidos como tributos não vinculados, o que significa dizer que
sua imposição independe de qualquer prestação estatal específica em favor do
contribuinte, uma vez que na hipótese de incidência dos impostos não está
especificada nenhuma ação estatal.76
O CTN, em seu art. 16 define imposto: “é o tributo cuja obrigação tem por fato
gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa
ao contribuinte”.
Por certo que ao se afirmar que não há uma prestação específica não importa
dizer que o Estado não está obrigado a usar o dinheiro em benefício do contribuinte,
o que há é que o serviço estatal prestado não será individualmente para a pessoa
que o paga, mas sim será realizado através da prestação de serviços públicos
indivisíveis, como segurança, manutenção das forças armadas, do aparelho estatal
etc.77
Ainda, segundo Difini os impostos são classificados como: a) reais e pessoais,
sendo reais aqueles que incidem sobre um objeto material, uma coisa, os pessoais
aqueles em que a tributação incide devido a certas características da pessoa do
sujeito passivo; b) diretos e indiretos, onde diretos são tidos como os impostos
suportados em definitivo pelo contribuinte, sem possibilidade de transferir a terceiro
o respectivo ônus econômico, e os indiretos são aqueles cujo o ônus econômico é
ou pode ser transferido pelo contribuinte a terceiro, que poderá repassá-lo a outro,
75
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 89.
76
DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25.
77
Ibidem, p. 26.
46
até o consumidor final; e c) fixos, proporcionais, progressivos e regressivos, os fixos
são aqueles onde o quantum é estabelecido em valores fixos e determinados, os
proporcionais são aqueles em que o valor a pagar é obtido pela aplicação de
alíquota em percentual constante sobre a base de cálculo, nos impostos
progressivos a alíquota cresce à medida que aumenta a respectiva base de cálculo,
já os regressivos a alíquota decresceria à medida que aumentasse a base de
cálculo.78
No que se refere às taxas, estas diferentemente dos impostos, são tributos
vinculados, assim, pressupõem uma atividade estatal específica prestada aquele
contribuinte que a paga.
Sabbag, leciona que:
A taxa é tributo imediatamente vinculado à ação estatal, atrelando-se à
atividade pública, e não à ação do particular. É gravame com hipótese de
incidência plasmada em atividade da Administração Pública – uma ação
79
referida direta e imediatamente ao contribuinte.
Tanto a CF/88, em seu art. 145, II80, como o CTN, em seu art. 7781, ao se
referir as taxas estabelecem os requisitos para sua exigência, podendo ser exigidas
por qualquer das pessoas jurídicas de direito público desde que presentes tais
requisitos.
Dos textos mencionados é possível se extrair que existem dois tipos de taxas:
de serviço, que se caracteriza por ter como fato gerador a utilização, efetiva ou
potencial, de serviço público específico e divisível82, prestado ao contribuinte ou
78
DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27 a 31.
79
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 93.
80
Art. 145, II. – ver nota de rodapé da p. 45.
81
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no
âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de
polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao
contribuinte ou posto à sua disposição.
82
O art. 79 do CTN refere: [...] II - específicos, quando possam ser destacados em unidades
autônomas de intervenção, de utilidade ou necessidade públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis
de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.
47
posto à sua disposição, isto é, a contraprestação estatal é um serviço público; e pelo
exercício do poder de polícia83 além da prestação de serviços públicos as taxas
podem ter como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, onde poder de
polícia é o poder que tem a Administração Pública de limitar direitos individuais em
função do interesse coletivo na manutenção da segurança, ordem, higiene e
sossego públicos.
A contribuição de melhoria é definida por Machado como:
[...] a espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do
contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa
distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o
valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que
84
destas decorra valorização de imóveis.
Tem como princípio norteador o da “proporcionalidade ao benefício especial
recebido” em conseqüência da obra pública realizada, assim, o proprietário
favorecido pela obra deve indenizar o Estado por essa vantagem econômica
recebida.85
A contribuição de melhoria está disciplinada detalhadamente no CTN nos seus
arts. 8186 e 8287, sendo que o primeiro dispõe que o tributo pode ser cobrado
83
O art. 78 do CTN define o conceito de poder de polícia: considera-se poder de polícia atividade da
administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática
de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à
ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à
propriedade e os direitos individuais ou coletivos.
84
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008, p. 435 e 436.
85
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 103.
86
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelo
Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras
públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como
limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
87
Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:
I – publicação prévia dos seguintes elementos:
a) memorial descritivo do projeto;
b) orçamento do custo da obra;
c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
d) delimitação da zona beneficiada;
48
indistintamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios para fazer face ao
custo de obras públicas das quais decorram valorização imobiliária, tendo como
limite total a despesa realizada e como individual o acréscimo de valor que a obra
resultar para cada imóvel beneficiado, já o segundo fixa os requisitos a ser
necessariamente observados pela lei ordinária que instituir a contribuição de
melhoria.
O quarto tipo de tributo são os empréstimos compulsórios que tem previsão
legal no art. 14888 da Carta Constitucional, segundo Sabbag, é uma espécie
autônoma de tributo que se diferencia dos demais devido a exigência de previsão
legal da sua restituibilidade.89
Tal tributo tem como pressuposto, isto é, hipóteses condicionantes, nos termos
do art. 148 da CF, despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública,
guerra externa ou sua iminência ou investimento público de caráter urgente e de
relevante interesse nacional.
Por calamidade pública entende-se como sérias catástrofes da natureza, como
terremotos, maremotos, incêndios, enchentes catastróficas etc., a guerra externa
refere-se apenas aos conflitos externos, cuja deflagração tenha sido praticada pela
nação estrangeira, já o investimento público de caráter urgente e de relevante
interesse nacional, traduzem-se em antecipação de receita, isto é, arrecada-se
aquilo que seria arrecadado em mais tempo em um período menor para ser
e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma
das áreas diferenciadas nela contidas;
II – fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação, pelos interessados, de qualquer
dos elementos referidos no inciso anterior;
III – regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se
refere o inciso anterior, sem prejuízo de sua apreciação judicial.
88
Art. 148 A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou
sua iminência;
II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado
o disposto no art. 150, III, b.
89
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 110.
49
devolvido depois, devendo o investimento reverter em benefício de todo o território
nacional.90
E por último, temos as contribuições que tem supedâneo constitucional no art.
14991 e § 1º da CF/88, estas também são chamadas de contribuições parafiscais,
contribuições sociais ou contribuições especiais.
De acordo com Sabbag:
As contribuições são tributos destinados ao financiamento de gastos
específicos, sobrevindo no contexto de intervenção do estado no campo
social e econômico, sempre no cumprimento dos ditames da política do
92
governo.
A CF em seu art. 149 descrimina as seguintes contribuições: contribuições
sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de
interesse das categorias profissionais ou econômicas.
As contribuições denominadas sociais são todas aquelas destinadas ao
custeio de seguridade social (contribuições previdenciárias), ou as que forem
destinadas a custear projetos sociais, como os de saúde, assistência social,
educação, habitação etc.
Quanto às contribuições de intervenção no domínio econômico ou CIDEs, como
o próprio nome diz, são aquelas em que o Estado intervém na economia nacional
com o fim de ora promover um controle fiscalizatório com o intuito de regular o fluxo
de produção, ora fomentar determinada atividade, visando uma distribuição de
90
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 111 e
112.
91
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio
econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua
atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo
do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus
servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja
alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
92
SABBAG, op. Cit., p. 117.
50
renda, isso evidencia o caráter extrafiscal das contribuições interventistas, uma vez
que funcionam como nítidos instrumentos de planejamento, buscando corrigir certos
segmentos onde há abusos ou distorções, e não somente como meio de
arrecadação de recursos para os cofres públicos.93
Machado ao tratar das CIDEs leciona:
Esta espécie de contribuições sociais caracteriza-se por ser instrumento de
intervenção no domínio econômico. É certo que todo e qualquer tributo
interfere no domínio econômico. Mesmo o tributo considerado neutro, vale
dizer, com função predominantemente fiscal, posto que a simples
transposição de recursos financeiros do denominado setor privado para o
setor público, que realiza, configura intervenção no domínio econômico.
Por isto se há de entender que a intervenção no domínio econômico que
caracteriza essa espécie de contribuições sociais é apenas aquela que se
produz com o objetivo específico perseguido pelo órgão estatal competente
94
para esse fim, nos termos da lei.
Ainda refere o autor que a finalidade de intervenção no domínio econômico
caracteriza a essa contribuição como tributo de função nitidamente extrafiscal, a
finalidade deve manifestar-se de duas maneiras: na função da própria contribuição,
como um instrumento de intervenção estatal no domínio econômico, e ainda, na
destinação dos recursos arrecadados com a intervenção, devendo os mesmos
serem aplicados no financiamento da intervenção que justificou a sua instituição.95
Quanto às contribuições de interesse de categorias profissionais ou
econômicas são as contribuições carreadas aos respectivos sindicatos (contribuição
sindical) e aos conselhos e ordens de fiscalização do exercício profissional, são
destinadas a propiciar a organização dessas categorias, fornecendo recursos
financeiros para sua manutenção.
Ainda, o art. 149-A da CF/88 prevê a possibilidade de os Municípios e o Distrito
Federal instituírem a contribuição para custear os serviços de iluminação pública
93
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 121 e
122.
94
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008, p. 411.
95
Ibidem, p. 412.
51
(CIP), que foi fruto da Emenda Constitucional (EC) n. 39, de 19/12/02, espécie de
tributo que incidirá sobre a prestação do serviço de iluminação pública, efetuada
pelo Município, no âmbito do seu território.
A EC n. 39 originou-se da pressão que os Deputados Federais e Senadores
sofriam, em seus respectivos Estados, dos Prefeitos, os quais instituíam a taxa de
iluminação pública, mas o Poder Judiciário sempre a declarava inconstitucional e,
então, tinham que embutir essa taxa na alíquota de outros tributos.
Portanto, hoje, os Municípios da federação encontram base e fundamentação
jurídica para a instituição da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação
Pública (CIP), no artigo 149-A da Constituição Federal, para desespero dos
contribuintes, ainda mais porque o dispositivo constitucional deixou, a cargo dos
Municípios, a instituição da CIP, através de Lei Complementar Municipal.
Tratado de forma bastante breve os tipos de tributos, uma vez que este estudo
não tem o fim de abordá-los de forma exaustiva, passa-se a abordar as funções dos
tributos, tema que tem suma relevância ao que se presta a discorrer.
Os tributos possuem função fiscal e extrafiscal, a primeira se refere à idéia de
arrecadação, ou seja, transferir o dinheiro do setor privado para os cofres públicos.
O Estado quer apenas obter recursos financeiros. Já a segunda tem como objetivo o
desenvolvimento social através da intervenção nos domínios econômico e social, o
legislador fiscal, poderá estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com
os interesses da sociedade, por meio de uma tributação regressiva ou progressiva,
ou quanto à concessão de incentivos fiscais, passa-se a uma abordagem mais
detalhada de cada uma.
2.1.1 Função fiscal
Como já mencionado a função fiscal do tributo consiste na finalidade de
amealhar recursos para o Estado fazer frente as suas despesas.
52
De acordo com Schoueri o Estado Contemporâneo tem como característica ser
a
sua
fonte
de
financiamento
de
origem
predominantemente
tributária,
especialmente decorrente de impostos, tanto que menciona a expressão “Estado do
Imposto”.96
Para manter-se o Estado necessita de receita e essa é obtida através da
imposição de tributos, toda a estruturação do Estado tem um custo, bem como para
atingir o seu fim, que é o bem comum, o Estado necessita de recursos para atender
as demandas da sociedade, são os tributos que fornecem esses recursos.
Rodrigues leciona:
Quanto à fiscal, resta latente a idéia de arrecadação, buscando-se junto ao
contribuinte os recursos necessários para o sustento da máquina estatal.
Aqui, qualquer que seja a espécie tributária , a idéia é de amealhar junto ao
bolso privado as somas que permitam às diversas esferas federativas
(caso do Brasil) a manutenção de suas engrenagens executivas,
97
legislativas e judiciárias.
Machado afirma que quanto ao seu objetivo o tributo pode ser “fiscal quando
seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros, para o Estado.” 98
Gouvêa ao tratar da fiscalidade leciona:
Sabemos que o Direito Tributário tem a finalidade de arrecadar recursos
para suprir as necessidades dos cofres públicos e que esta atividade
decorre da supremacia do interesse público sobre o interesse do particular.
No Estado Democrático de Direito, que obedece a regime constitucional,
que valoriza a livre iniciativa e o direito de propriedade, que adota o
capitalismo como sistema econômico, cujas regras impedem, ou limitam
severamente a atividade econômica estatal, seja como proprietário dos
meios de produção, seja como agente econômico, é axiomático adotar-se a
96
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 01.
97
RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso
brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902.
98
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008, p. 67.
53
tributação como forma de obtenção de recursos para financiar a
99
concretização dos fins estatais.
Assim, a função fiscal dos tributos consiste em servirem estes como meio de
arrecadação de receitas para custear a manutenção do Estado, bem como para que
possa atender as demandas da sociedade.
Entretanto a função fiscal não é a única função que pode ser exercida pelos
tributos, não se limitam a amealhar recursos para o Estado, possuem uma função
que vai além dos objetivos meramente arrecadatórios, a essa função dos tributos se
denomina função extrafiscal, que consiste em o Estado fazer uso dos tributos para
estimular ou inibir determinadas condutas, por meio de intervenção no domínio
econômico e social.
2.1.2 Função extrafiscal
Leciona Berti que a tarefa de identificar a origem histórica da extrafiscalidade
não é simples, pois se escreveu pouco sobre isso. No entanto, existem registros de
fatos históricos marcantes em que governos fizeram uso de tributos para viabilizar
objetivos distintos da simples arrecadação para o Estado, como, por exemplo, os
incentivos estabelecidos na Europa pós-guerra, para a reconstrução dos países
mediante o uso extrafiscal de impostos variados, o mesmo ocorreu na Alemanha
após a primeira Guerra Mundial.100
Em períodos mais distantes há notícias de incentivos fiscais estabelecidos
pelas Coroas de Portugal e da Espanha, para o fim de financiamento de viagens em
busca do desbravamento de novas terras, o que se verificou também com ingleses e
holandeses.101
99
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006,
p. 40.
100
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
37.
101
Ibidem, p. 37-38.
54
O estudo da extrafiscalidade revela sua presença em épocas diversas da
civilização, com sua utilização de maneira variada por sociedades, com o propósito
de atingir interesses diversos da mera arrecadação, dirigidos à correção de
situações sociais e econômicas anômalas.
A função extrafiscal dos tributos ganhou maior destaque a partir do momento
em que o Estado passou a assumir maiores atribuições por força das carências e
necessidades da sociedade, o que ocorreu com o advento do Estado Social. Para
atender as demandas da sociedade faz uso de instrumentos políticos, econômicos e
legais, nesse contexto o uso extrafiscal dos tributos ganha destaque e resulta em
reflexões, tanto dogmáticas como pragmáticas.102
Segundo Berti o tema da extrafiscalidade tem grande relevância na atualidade
à luz de todas as discussões sobre o direito tributário, em especial no contexto
moderno em que as demandas sociais são crescentes, e as crises econômicas
crônicas e a dinâmica sócio-política apresenta complexidade importante.103
A extrafiscalidade é corolário do Estado Social e sua missão é criar condições
para que o Poder Público tenha facilitada sua tarefa de preservar certos direitos que
são de suma importância ao interesse público, que sempre deve preponderar sobre
o interesse privado, na lição de Berti:
[...] a extrafiscalidade é corolário do Estado Social e tem por missão criar
condições para que o Poder Público tenha facilitada a sua tarefa de
preservar alguns valores que são muito caros à sociedade, cuja realização
é de fundamental importância, sobretudo com forma de satisfazer ao
interesse público que sempre deve preponderar sobre o interesse privado.
Tal escopo é o fim do Estado e também o meio para o desenvolvimento
efetivo de um Estado de Direito que realize a justiça fiscal. Evidentemente,
há parâmetros para a realização destes fins, todos muito bem definidos na
Constituição, geralmente sob a forma de enunciados conhecidos como
“Princípios Constitucionais Tributários” ou “Limitações Constitucionais ao
Poder de Tributar”. Desta forma, é possível afirmar que a extrafiscalidade
foi objetivada pelo legislador constituinte, tanto que o mesmo previu regras
102
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
34.
103
Ibidem, p. 11.
55
específicas para estimular seu uso, contudo sempre guardados o respeito e
104
a adequação ao Sistema Tributário como um todo.
Segundo Gouvêa “a extrafiscalidade impõe a tributação para que o Estado
obtenha efeitos não arrecadatórios, mas econômicos, políticos e sociais, na busca
dos fins que lhe são impostos pela Constituição.”105
Baleeiro ao tratar da extrafiscalidade disserta:
Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja,
prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados ao seu
custeio, mas antes visa ordenar a propriedade de acordo com a sua função
social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a
moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o
ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao
legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular
comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da coletividade,
por meio de uma tributação progressiva ou regressiva ou da concessão de
106
benefícios e incentivos fiscais.
O uso extrafiscal do tributo tem como princípio inspirador a supremacia do
interesse público sobre o particular, isto é, o Estado usa o tributo com a finalidade de
prestigiar determinadas situações tidas como social, política ou economicamente
valiosas, com o objetivo de atingir fins distintos do arrecadatório, desse modo,
privilegia determinadas situações em detrimento de outras, tendo como fundamento
o princípio mencionado, os interesses particulares cedem espaço ao interesse da
coletividade, permitindo que a segurança da sociedade seja resguardada.107
Nesse sentido Gouvêa leciona que o Estado com fundamento no princípio da
supremacia do interesse público sobre o do particular pode exigir o sacrifício de
recursos dos indivíduos, visando à realização das suas metas constitucionais.108
104
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 36
- 37.
105
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 46.
106
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atualizada por Misabel
Abreu Machado Derzi. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 576.
107
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 35.
108
Ibidem, p. 36.
56
Ao definir a extrafiscalidade o autor disserta:
A extrafiscalidade é o princípio ontológico da tributação e epistemológico
do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do
Estado e a impele, com vistas à realização dos fins estatais e dos valores
constitucionais, conforme as políticas públicas constitucionalmente
estabelecidas. Ainda, a atividade estatal é delimitada pelos princípios que
109
revelam as garantias fundamentais do contribuinte.
Falcão leciona que “[...] a extrafiscalidade é atividade financeira que o Estado
exercita sem o fim precípuo de obter recursos para o seu erário, para o fisco, mas
sim com vistas a ordenar ou re-ordenar a economia e as relações sociais. [...]”110.
Rodrigues ao tratar do aspecto extrafiscal dos tributos leciona que seu objetivo
é à busca do desenvolvimento social a partir, fundamentalmente da intervenção nos
domínios econômicos e sociais, o qual pode ser efetivado através do fomento à
produção, que pode gerar como conseqüência o aumento dos postos de emprego,
ou de reconhecimento de parcelas da sua população que, em razão de seu alto grau
de pobreza, devem ficar protegidas (via isenções) da incidência de determinados
tributos.111
Nesse contexto Yamashita afirma que as normas extrafiscais podem ser “[...] i)
desestimulantes a um comportamento socialmente indesejável, mediante oneração
tributária; ou ii) estimulantes a um comportamento socialmente desejável mediante
desoneração tributária [...]”112.
109
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 80.
110
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e Mudança Social. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.
196.
111
RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso
brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902.
112
YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em Direito Tributário. In: GRECCO, Marco
Aurélio; GODOI, Marciano Seabra (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética,
2005, p. 62.
57
A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que têm por finalidade
principal ou dominante a obtenção de determinados resultados econômicos ou
sociais, por meio do instrumento tributário.
Para Nabais:
A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que, embora
formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou
dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou
sociais através da utilização do instrumento fiscal e não a obtenção de
receitas. Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma
tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou
uma não tributação ou uma tributação menor à requerida pelo critério da
capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa
ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de
actuar directamente sobre os comportamentos econômicos e sociais ou
fomentando-os, ou seja, de normas que contêm medidas de política
113
económica e social.
Em outra passagem disserta que a extrafiscalidade se expande por dois
grandes domínios, sendo que cada um traduz uma técnica de intervenção ou
conformação social, são eles: a dos impostos extrafiscais, que são orientados para
desestimular a prática de determinados comportamentos e a dos benefícios fiscais
dirigidos ao fomento, incentivo ou estímulo de determinados comportamentos.114
Segundo Nunes a extrafiscalidade pode ser vista como uma forma de revolução
social por meio do Direito, “[...] porque a intenção é obrigar ao pagamento de tributos
para mudar o modo-de-ser da sociedade [...]”115.
Assim, a função extrafiscal dos tributos tem como finalidade interferir na
economia, ou seja, nas relações de produção e de circulação de riquezas, visando à
consecução dos fins estatais, que se confundem com a efetividade dos direitos
fundamentais.
113
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina,
1998, p. 629.
114
Ibidem, p. 630.
115
NUNES, Cleucio Santos. Direito tributário e meio ambiente. São Paulo: Dialética, 2005, p. 105.
58
Segundo leciona Gouvêa a diversidade de tributos existentes em nosso sistema
tributário, permite que haja uma universalidade de fontes de receitas tributárias e do
mesmo modo, uma universalidade de efeitos não arrecadatórios, decorrentes dos
tributos.116
Isso implica dizer que a extrafiscalidade pode se manifestar de várias formas, o
autor aborda a extrafiscalidade num primeiro momento segundo o nosso sistema
tributário, fazendo referência à existência de dois elementos que diferenciam as
figuras tributárias, são eles o fato gerador e a destinação dos recursos arrecadados,
afirma que esses dois elementos estão sempre presentes em todas as exações
tributárias.117
Diante desses dois elementos o autor aborda a extrafiscalidade em cada um
deles, com subsídio nos impostos e nas contribuições (sociais e interventivas), por
entender que ambas tem maior relevância tanto na área jurídica como econômica.
Em relação ao fato gerador a extrafiscalidade se revela na situação onde há
indução de comportamentos pela maior ou menor incidência tributária sobre as
atividades humanas que o legislador elege como fatos geradores de tributos. O CTN
elenca as seguintes categorias de fatos geradores: patrimônio, renda, produção e
circulação e comércio exterior.118
No que se refere à renda, segundo Gouvêa, a sua tributação permite efeitos
extrafiscais, é o fato gerador de dois tributos, o Imposto sobre a Renda (IR) (CF/88,
art. 153, II)119 e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) (CF/88, art. 195,
116
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 135.
117
Ibidem, p. 141.
118
Ibidem, p. 144.
119
Art. 153. Compete a União instituir impostos sobre:
[...]
III – renda e proventos de qualquer natureza;
[...] .
59
I)120, no caso do IR a extrafiscalidade se infere ao fato de o imposto poder incidir de
forma progressiva, onerando quem aufere maior renda, já quanto a CSLL a
extrafiscalidade está presente na seletividade, que permite que as contribuições
onerem de forma diversa os contribuintes em virtude da atividade econômica
desempenhada e a intensidade de mão-de-obra que empregam.121
Quanto ao patrimônio, são tributos sobre o patrimônio o Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (ITR), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o
Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), o Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD) e o
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
No que se refere ao ITR e ao IPTU a extrafiscalidade se revela na
progressividade das alíquotas, visando o cumprimento da função social da
propriedade, a propriedade improdutiva será mais onerada, de forma a inibir tal
atuação.
No IPVA é possível efeitos extrafiscais mediante a manipulação de suas
alíquotas e com o uso de mecanismos para onerar ou desonerar, com vistas a
favorecer ou desfavorecer a propriedade de veículos, fazendo um juízo de
seletividade, e ainda com alíquotas progressivas, incidindo mais duramente em
veículos mais caros, que em veículos mais baratos.122
O ITBI e o ITCD também ensejam algum efeito extrafiscal através da
progressividade de alíquotas e da seletividade, porém de forma bastante tímida,
segundo Gouvêa.123
120
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
[...]
121
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 148-151.
122
Ibidem, p. 153.
123
Ibidem, p. 154.
60
Em relação à produção, circulação e consumo, esse é o fato gerador que mais
implica em receitas para os cofres públicos, Gouvêa leciona:
Por tributação sobre o consumo compreende-se aquela que incide em
alguma etapa do processo produtivo, mas que é totalmente repassado via
preços ao consumidor final. Por tributação sobre a circulação e a produção,
aquela que não é juridicamente repassado para consumidor final. Aquele
124
vai onerar apenas o consumo, este vai onerar o processo produtivo.
No caso desses tributos os efeitos extrafiscais são obtidos através da
incidência de alíquotas diferentes para produtos concorrentes, alíquota zero ou
alguma forma de exoneração que atinja apenas parte desses produtos. São tributos
que incidem sobre o consumo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o
Imposto Municipal sobre Serviços (ISS), a Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (COFINS), o Programa de Integração Social (PIS), as
Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE combustível e CIDE
royalites.125
Quanto à produção – operações financeiras têm elevada carga extrafiscal, os
exemplos de tributos que tem esse fato gerador são o Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) e a já extinta Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou
Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF).
No IOF o caráter extrafiscal esta na possibilidade de flexibilização da
manipulação da alíquota, concedida pela CF/88 e pelo CTN que possibilitam o
afastamento dos princípios da anterioridade e a mitigação do princípio da
legalidade.126
124
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 155.
125
Ibidem, p. 161.
126
Ibidem, p. 168.
61
E por último os tributos que têm como fato gerador o comércio exterior, são o
Imposto de Importação (II) e o Imposto de Exportação (IE), que se apresentam como
eficazes instrumentos de política econômica, sua função extrafiscal se revela na
proteção e regulação do mercado interno, em face da concorrência internacional.127
Abordada de forma sucinta a questão da extrafiscalidade no fato gerador,
passamos agora a uma breve análise da extrafiscalidade na destinação do produto
arrecadado, “[...] a ligação entre o fim constitucionalmente valorado que ganha
prestígio na norma tributária e a arrecadação dela decorrente. [...]” 128.
Gouvêa leciona:
De fato, a extrafiscalidade nos tributos tem dois vieses: um pertinente à
arrecadação, que reside no fato gerador, outro pertinente à destinação do
tributo arrecadado, que corresponde ao aspecto finalístico do tributo,
voltado à realização dos fins do Estado e dos direitos fundamentais do
129
cidadão.
Os efeitos extrafiscais nesses casos ficam limitados aos contribuintes possíveis
do tributo, isso em relação ao fato gerador e no que diz respeito à finalidade das
contribuições, também há delimitação subjetiva quanto aos destinatários da norma,
que deve coincidir com o grupo de contribuintes ou com o grupo a ele relacionado.130
Como exemplo de contribuições que exercem uma função extrafiscal temos o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), as Contribuições para a
Seguridade Social, as Contribuições para o PIS/PASEP, a CIDE combustíveis e a
CIDE royalites.
Desse modo, conforme leciona Gouvêa o nosso sistema tributário é baseado
em dois elementos que permitem verificar variações nos efeitos extrafiscais dos
tributos, são o fato gerador e a destinação específica do produto arrecadado. Assim:
127
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 170.
128
Ibidem, p. 173
129
Ibidem, p. 176.
130
Ibidem, p. 182.
62
Cada modalidade de fato gerador guarda potencialidade extrafiscal distinta.
O efeito extrafiscal segundo o fato gerador relaciona-se, em regra, com a
indução ou repressão de comportamentos, visando à consecução indireta
dos fins do Estado. Nas contribuições, a extrafiscalidade decorre tanto do
fato gerador, que nem sempre é rigidamente definido pela Constituição,
havendo, assim, alguma liberdade legislativa quanto a destinação do
131
produto arrecadado.
Ainda, Gouvêa aborda a extrafiscalidade em relação aos institutos do Direito
Tributário como as isenções, as imunidades, as reduções de alíquotas e de base de
cálculo, os créditos presumidos, as restituições de tributos, as facilidades no
cumprimento deveres formais (acessórios), as restituições de tributo, algumas
compensações, fenômenos denominados de benefícios, alívios ou prêmios fiscais.132
Nesse contexto o legislador extrafiscal seleciona um meio, que é o instituto
tributário, para atingir um fim valorizado pela CF/88, isso ocorre principalmente nos
impostos, já que no caso das contribuições o finalismo imposto a estas
predeterminado pelo legislador diminui a margem de manobra de que dispõe o
legislador ordinário.133
Dentre os institutos citados, daremos maior atenção à isenção, que é tida como
dispensa de pagamento do tributo devido, e a imunidade, que consiste na limitação
ao poder de tributar, em geral, exercem a função extrafiscal quando atuam
estimulando comportamentos mediante a redução da carga tributária.134
Segundo Coêlho, a isenção, tal qual a imunidade, é “simples previsão
legislativa de intributabilidade”, é regra que atua juntamente com as previsões
impositivas, no aspecto material da norma tributária, definindo sua dimensão. Assim,
propõe o autor que a hipótese da norma tributária seja composta por “fatos
tributáveis” (segundo a regra impositiva), subtraídos os fatos isentos e imunes,
sendo que distingue a isenção da imunidade, por aquela atuar no campo da hipótese
da norma tributária, enquanto que esta atua na conseqüência da norma. Ainda,
131
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 189-190.
132
Ibidem, p. 191.
133
Ibidem, p. 192.
134
Ibidem, p. 211-214.
63
Coêlho refere que a distinção essencial entre a imunidade e a isenção é o status
constitucional da imunidade, inexistente na isenção.135
Cassone define a isenção como a dispensa do tributo devido, ou que
normalmente deveria ser pago, dispensa esta que se dá através de lei ordinária,
dentro do campo de incidência do imposto. Nas palavras do autor, é: "[...] a dispensa
legal do pagamento do tributo, via de regra concedida face relevante interesse social
ou econômico regional, setorial ou nacional [...]”136.
Com relação ao fundamento ontológico, isenções e imunidades também
apresentam aspectos em comum. Podem existir, segundo Gouvêa:
[...] (1) como instrumento em favor da capacidade contributiva, para
adequar a previsão genérica e abstrata da norma impositiva, ou (2) como
instrumento de política pública, independente da capacidade econômica
dos contribuintes. No primeiro caso, tem-se a imunidade recíproca e aquela
que beneficia particulares que exercem munus público, como a dirigida a
instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos e a
isenção da primeira faixa de renda do IRPF (Imposto de Renda Pessoa
Física), que protege o chamado mínimo existencial. No segundo grupo,
encontra-se a imunidade dos livros, revistas e periódicos, que, não
obstante possam representar mercado promissor, constituem-se veículos
de cultura que o Estado pretende preservar, assim como isenções a
137
determinados produtos, cujo mercado incipiente o Estado quer estimular.
Segundo Gouvêa as isenções podem ser classificadas em condicionais e
incondicionais, temporárias e por prazo indeterminado, gerais e individuais, regionais
ou irrestritas. A isenção incondicional é aquela que independe da comprovação do
preenchimento de qualquer requisito pelo contribuinte, a ser avaliada pelo fisco. É o
caso da isenção da primeira faixa de renda do imposto de renda da pessoa física. A
isenção condicional é que depende do preenchimento de algum requisito pelo
contribuinte, seja a realização de uma conduta, seja uma situação jurídica, seja uma
situação fática. Fundamentalmente, as isenções incondicionadas serão gerais,
alcançando todos os contribuintes ou fatos, conforme seja o benefício subjetivo ou
135
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 153.
136
137
CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. Atlas: São Paulo, 1990, pág. 70.
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 211-212.
64
objetivo, já as isenções condicionais serão individuais e dependerão da análise de
cada caso pela Administração Tributária.138
Ainda, a isenção pode ser temporária, com prazo preestabelecido, mas pode
ser fixada por tempo indeterminado, facultando-se sua revogação por lei posterior ou
sua extinção por ato administrativo, se o beneficiário deixou de cumprir os requisitos
para sua concessão.139
O CTN, em seu art. 176, parágrafo único, dispõe que “a isenção pode ser
restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de
condições a ela peculiares”. Em regra, restringe-se aos impostos, conforme
disposição do art. 177 do mesmo diploma legal.140
As imunidades aplicam-se, em regra, aos impostos. Algumas são gerais, sem a
imposição de condições. Por exemplo, as dos partidos políticos, que têm efeito
extrafiscal ligado à organização política nacional. Outras, como as das instituições
de educação sem fins lucrativos, que prestigiam a finalidade extrafiscal de incentivo
à educação, são reconhecidas apenas àqueles que comprovem o preenchimento
dos requisitos legais (art. 14 do CTN).
Peres define imunidades como:
[...] a competência tributária em sentido negativo, prevista no texto
constitucional, como direito e garantia fundamentais de certas pessoas em
razão de sua situação material ligada a uma atividade essencial e relevante
interesse social voltada à prestação de serviços públicos, merecendo a não
imponibilidade tributária e afastando a competência do poder de tributar do
141
Estado, nos termos capitaneados pela Carta Política.
138
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 212.
139
Ibidem, p. 212
140
Ibidem, p. 212.
141
PERES, João Bosco. Competência Tributária Negativa - As imunidades Tributárias. Disponível em:
<http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=110016>.
Acesso em 03: de janeiro de 2008.
65
No mesmo sentido Sabbag disserta:
As imunidades representam uma delimitação negativa da competência
tributária. Se esta atrela-se ao mister legiferante da instituição de tributos,
pode-se dizer que a regra imunitória se traduz em elemento de
“incompetência tributária”. De fato, há determinados campos
competenciais, nos quais não poderá haver a tributação: são áreas de
142
incompetência tributária, delimitadoras de zonas de intributabilidade.
Podemos concluir que de uma forma geral a justificativa doutrinária para a
existência das normas imunizantes e isencionais está ligada a conceitos de natureza
política e social de determinada sociedade em dado período histórico, com a
finalidade de garantir as liberdades individuais, via exoneração de tributos, para não
embaraçar a existência de direitos socialmente relevantes.
Assim, as normas de impedimento da competência tributária voltam-se para a
liberdade de expressão, o acesso à cultura e à liberdade religiosa. Além disso,
voltam-se às atividades desempenhadas pelas instituições de educação e
assistência social sem lucratividade, às entidades sindicais de trabalhadores,
partidos políticos e suas fundações.
As imunidades e isenções são meios de realização de extrafiscalidade no
âmbito infraconstitucional. Nesse sentido o magistério de Geraldo Ataliba assenta
que a extrafiscalidade:
[...] consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de
finalidades não-arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras
de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros
143
valores constitucionalmente consagrados.
Então, pode-se afirmar que os princípios mais valorosos inseridos na
Constituição, tais como a segurança jurídica, a justiça e o bem comum, relacionados
142
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 49.
143
ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade in: Revista de Direito Público n. 93, p. 223.
66
aos direitos fundamentais, estão presentes essencialmente na imunidade e isenção
tributária, cuja natureza é extrafiscal.
A função extrafiscal é desenvolvida pelo Estado através da implementação de
políticas públicas, que se constituem no mecanismo de ação do Estado, é por meio
delas que o Estado age com o intuito de atender as demandas da sociedade.
A utilização da extrafiscalidade (isenção ou imunidade) na implementação de
políticas públicas tem por finalidade estimular ações afirmativas, indutoras ou
coibidoras
de
comportamentos,
tendo em
vista
a
realização
de
valores
constitucionalmente consagrados, como o direito à educação, sobretudo no que diz
respeito à sua forma de acesso.
Assim, pode-se dizer que as políticas públicas representam os instrumentos de
ação dos governos, é através delas que o Estado Contemporâneo busca o
implemento dos direitos fundamentais positivos, ou seja, aqueles que exigem uma
prestação positiva do Poder Público, sua maior área de concretização em relação
aos tributos se refere a sua função extrafiscal, que como mencionado tem como
finalidade a intervenção no domínio econômico e social, dessa forma se presta como
meio de implementação de políticas públicas, vários são os exemplos da
extrafiscalidade dos tributos na esfera constitucional.
Entendida a função extrafiscal, bem como seu uso na implementação de
políticas públicas, passamos agora a tratar da função social dos tributos, que vai ao
encontro de tudo que já foi explanado até o presente momento.
2.1.3 Função social dos tributos
A função social dos tributos consiste em afirmar que o tributo não possui só
uma finalidade, que é a arrecadatória, mas também tem por finalidade proporcionar
ao Estado o alcance das suas metas, ou seja, realização dos seus fins, isso
representa a sua função social.
67
Segundo Ribeiro e Gesteiro para fins da compreensão do termo função social
do tributo:
[...] deve-se primeiramente, considerar que, do preâmbulo da Constituição
Federal, constam, como destinação do Estado Democrático, por meio dela
constituído, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos.
Já o artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III, dispõe que a
dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, enquanto o artigo 170 a coloca como fundamento da
ordem econômica brasileira.
O 3º da Constituição Federal dispõe que os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil consistem na construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
e promover o bem de todos .
Dessa forma, os tributos, que são a fonte de recursos do Estado, devem
lhe proporcionar o alcance das metas previstas no preâmbulo da
Constituição Federal, observando os fundamentos da República Federativa
do Brasil e seus objetivos, nunca se limitando à simples arrecadação de
valores, ou seja, os tributos devem cumprir com sua função arrecadatória e
144
com sua função social simultaneamente.
Isso implica dizer que o produto da arrecadação do tributo deve ser usado para
garantir aos cidadãos os direitos assegurados pela Constituição, devem ter como
destinação assegurar os direitos fundamentais, possibilitando assim, que o Estado
cumpra com a sua função social, com o fim a que se destina, que é a garantia do
bem comum.
Desse modo, podemos afirmar que a função social do tributo constitui na
satisfação das necessidades sociais essenciais da população, destacando-se a
alimentação, saúde, vestuário, moradia, educação, acesso ao trabalho, livre
iniciativa, livre concorrência, bem como na distribuição do patrimônio e das rendas.
144
RIBEIRO, M. F. e GESTEIRO, N. P. A busca da cidadania fiscal no desenvolvimento econômico:
função
social
do
tributo.
Disponível
em:
<http://www.hechosdelajusticia.org/N007/funcion%20social%20tributo.htm>. Acesso em: 25 de abril
de 2006.
68
O tributo deve ter como finalidade proporcionar políticas de investimentos e de
incentivos, objetivando obter o maior benefício social possível, por meio da mais
justa alocação dos recursos públicos.
É com a socialização dos tributos, ou seja, o tributo desempenhando a sua
função social através da sua aplicação como instrumento social é que será possível
desenvolver uma política social justa e distributiva, que alcance as aspirações dos
cidadãos e como forma de se alcançar às finalidades a que o Estado se prestou a
desenvolver através de sua Carta Constitucional, ou seja, o bem comum.
Durante muito tempo a tributação foi vista somente como um instrumento de
receita do Estado, aos poucos se descobriu essa outra faceta não menos importante
na
tributação.
Atualmente,
com
a
predominância
do
modelo
do
Estado
Contemporâneo, não se pode abrir mão do uso dos tributos como eficazes
instrumentos de políticas públicas e de atuação estatal, nas mais diversas áreas,
sobretudo na social e na econômica.
Nesse sentido Ribeiro e Gesteiro lecionam que o tributo é uma ferramenta
indispensável ao Estado Contemporâneo, vejamos nas suas palavras:
O tributo como instrumento de política econômica conjuntural e estrutural
tornou-se uma ferramenta indispensável no Estado contemporâneo. Em
realidade, no estabelecimento das políticas de estabilização
macroeconômica, de crescimento, de pleno emprego, de estabilidades de
preços e de equilíbrio exterior, o tributo surge como um dos mecanismos
indispensáveis para a atuação do Estado. Essa perspectiva permite um
quadro interno estável a partir do qual a inserção internacional ocorrerá em
145
bases sólidas.
Atualmente muito se tem debatido sobre a questão da função social dos
tributos, tanto que o Governo Federal e vários governos estaduais146 têm lançado
145
RIBEIRO, M. F. e GESTEIRO, N. P. A busca da cidadania fiscal no desenvolvimento econômico:
função
social
do
tributo.
Disponível
em:
<http://www.hechosdelajusticia.org/N007/funcion%20social%20tributo.htm>. Acesso em: 25 de abril
de 2006.
146
Como exemplos temos o programa lançado pelo governo federal denominado Programa Nacional
de Educação Fiscal (PNEF), realizado em parceria com o Ministério da Fazenda e Ministério da
69
projetos de educação fiscal que visam esclarecer a população que o pagamento de
tributos é a maneira que o Estado tem de obter recursos para garantir direitos como
saúde, educação, moradia, entre outros.
Nesse sentido Ribeiro e Gesteiro dissertam:
Além da fundamental importância dos ditames das políticas tributária e
social, deve ser destacado que o sistema tributário justo é aquele que
contempla a sua implementação com base nos princípios constitucionais
tributários.
Nessa linha de informação, as Fazendas Públicas desenvolvem Programas
de Educação Fiscal visando, acima de tudo, sensibilizar o cidadão para a
função social do tributo, possibilitando conhecimentos sobre Administração
Pública, incentivando o acompanhamento pela sociedade da aplicação dos
recursos públicos. Assim, o governo busca, em suas campanhas, fazer
com que a sociedade seja mais participativa e que possa opinar e fiscalizar
a ação pública. Embora com o intuito de esclarecer à população sobre a
finalidade social do tributo, tais programas, constituem-se de tímidas e
147
incipientes medidas de aproximação entre o fisco e o contribuinte.
Desse modo, é através da política tributária, que como visto pode ter caráter
fiscal ou extrafiscal, onde a fiscal consiste na atividade de tributação desenvolvida
com a finalidade de arrecadar, ou seja, transferir o dinheiro do setor privado para os
cofres públicos e a extrafiscal o legislador fiscal, poderá estimular ou desestimular
comportamentos, de acordo com os interesses da sociedade, por meio de uma
tributação regressiva ou progressiva, ou quanto à concessão de incentivos fiscais,
que o Estado obtém recursos financeiros com o intuito de se manter e atingir sua
função social.
Educação, e coordenado pela Escola de Administração Fazendária – ESAF, que tem como objetivo
despertar na população a consciência do que é cidadania e, assim, transmitir-lhe conhecimentos para
torná-la apta a fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos. Além da conscientização, a
Educação Fiscal pretende, ainda, harmonizar a relação Estado/Cidadão, combatendo a sonegação e
sensibilizando a população quanto à função sócio-econômica dos tributos (Disponível em:
http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EducacaoFiscal/PrimeiroSeminario/15PlanejEstrategicodoP
NEFePlanejdaSRF.pdf.; o programa lançado pela Secretaria de Estado e Fazenda do Rio de Janeiro
chamado educação fiscal no Rio de Janeiro, composto de quatro cadernos didáticos (Disponível em:
http://www.educacaofiscal.rj.gov.br/cadernos.shtml) e o Programa Consciência Fiscal lançado pela
Secretaria
da
Fazenda
do
Estado
do
Mato
Grosso
(Disponível
em:
conscienciafiscal.mt.gov.br/html/noticia.php?codigoNoticia=69 - 26k).
147
RIBEIRO, M. F. e GESTEIRO, N. P. A busca da cidadania fiscal no desenvolvimento econômico:
função
social
do
tributo.
Disponível
em:
<http://www.hechosdelajusticia.org/N007/funcion%20social%20tributo.htm>. Acesso em: 25 de abril
de 2006.
70
Cabe ao Estado garantir o acesso aos direitos assegurados pela CF/88, porém,
nem sempre tal objetivo é atingido, uma vez que, não obstante obter recursos pela
imposição de tributos, esses não são suficientes ou então não são distribuídos da
melhor maneira, o que faz com que muitos dos direitos que deveriam ser garantidos
fiquem a mercê das ações do Estado.
Isso leva a pensar na implementação de políticas públicas que permitam uma
maior efetivação dos direitos dos cidadãos, assim os tributos “surgem” como
instrumentos de políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais, ou
seja, como meio de efetivação da função social do Estado.
Nesse sentido Rodrigues disserta:
A utilização de políticas tributárias, de forma instrumental, tanto em seu
aspecto fiscal quanto extrafiscal, visando o cumprimento das funções do
Estado, e principalmente de sua função social, qual seja à busca do bem
comum, entendido este como de conteúdo dinâmico, entende-se ser da
maior relevância prática, mostrando-se como indispensável à
148
administração pública, em qualquer das esferas da Federação brasileira.
Assim, o Estado através de políticas tributárias garante aos cidadãos acesso
aos direitos fundamentais, são os tributos como instrumentos de políticas públicas,
tema abordado no próximo capítulo.
148
RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso
brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 891.
71
3 TRIBUTOS COMO INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Nesse capítulo se aborda a questão principal deste estudo, de que forma os
tributos podem servir como instrumentos de políticas públicas possibilitando a
efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado, para tanto primeiramente se
estabelece o conceito de política pública, bem como suas características e os seus
tipos, para posteriormente tratar-se especificamente dos meios que o Estado dispõe
para usar os tributos como instrumentos de políticas públicas, e por último da
efetivação dos direitos fundamentais através das políticas públicas.
3.1 Política Pública
Antes de adentrarmos ao estudo da política pública, mais precisamente na
definição de política pública, há uma questão que deve ser analisada previamente: a
política não é uma norma nem um ato jurídico; contudo, tanto as normas, como os
atos jurídicos são componentes da mesma, uma vez que pode ser entendida como
"um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo
determinado.”149
Segundo Bucci “[...] políticas públicas são programas de ação governamental
visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para
a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.”150
Para a autora as políticas públicas constituem uma temática oriunda da ciência
política, o estudo das políticas públicas está relacionado com a preocupação do
Estado em concretizar ações que contemplem os direitos humanos, em particular os
direitos sociais.
149
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas.
Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.
150
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 240.
72
3.1.1 Conceito, características e tipos de políticas públicas
Primeiramente, cumpre conceituar o que convencionalmente denominou-se
política pública. Segundo Bobbio a palavra política151 encontra-se associada a tudo o
que se relaciona à cidade, civil, sociável ou social.
Segundo Bucci o adjetivo “pública”, justaposto ao substantivo “política”, sinaliza
tanto os destinatários como também os autores da política. Para a autora, podemos
afirmar que uma política será pública quando efetivamente contemplar interesses
públicos, ou seja, interesses voltados à coletividade. Ainda, leciona que uma política
pública também deve ser expressão de um processo público, no sentido da
possibilidade de participação de todos os interessados, diretos e indiretos,
permitindo manifestação clara e transparente dos interesses respectivos.152
Desse modo, é possível afirmar que a política pública tem como pressuposto a
participação dos cidadãos na tomada de decisões acerca de projetos e atividades
que irão influenciar diretamente as suas vidas.
Nesse sentido leciona Derani:
São políticas públicas porque são manifestações das relações sociais
refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais
diversos, para produzir efeitos modificadores na vida social. São políticas
públicas porque empreendidas pelos agentes públicos competentes,
destinadas a alterar as relações sociais estabelecidas. Evidentemente,
tratando-se de ações promovidas pelo agente público, destinadas à
sociedade, as finalidades destas políticas serão sempre – para serem aceitas
153
pelo direito – em função do interesse coletivo.
151
“Derivado do adjetivo de pólis (politikós), significa tudo aquilo que se refere à cidade, e, portanto,
ao cidadão, civil, público e também sociável e social, o termo ‘política’ foi transmitido por influência de
grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve ser considerada o primeiro tratado sobre a
natureza, as funções, as divisões do Estado, e sobre as várias formas de governo,
predominantemente no significado de arte ou ciência do governo, isto é, de reflexão, não importa se
com intenções meramente descritivas ou também prescritivas (mas os dois aspectos são de difícil
distinção), sobre as coisas da cidade”. BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. A filosofia política
e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 159.
152
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 269.
153
DERANI, Cristiane. Privatização e serviços públicos: as ações do Estado na produção econômica.
São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 239.
73
Para
Bontempo
as
políticas
públicas
estão
diretamente
ligadas
à
implementação dos direitos sociais, enfatizando que o Estado deve ter uma postura
ativa para garantir a constitucionalização de tais direitos sociais, com a finalidade de
promover condições para que eles possam ser efetivamente usufruídos, e, segundo
a autora, estas condições, que devem ser produzidas pelo Estado, nada mais são do
que as chamadas “políticas públicas”.154
Importante referir que a visão de política pública está ligada à concepção de
Estado que se adota, ou seja, o ideário do modelo de Estado é que irá determinar a
política pública a ser adotada.
Nesse sentido Bucci disserta:
Uma primeira dificuldade em se trabalhar com a noção de política pública
em direito diz respeito à relação entre o direito e o modelo de Estado. Pois,
se se concebe a política pública como criação do Estado de bem-estar,
expressa sempre como forma de intervenção do Estado, e se adota como
premissa a exaustão do Estado de bem-estar – o que é uma constatação
não apenas de autores neoliberais – seria, discutível definir o Estado
contemporâneo como “fundamentalmente, Estado implementador de
políticas públicas”. Teria sentido falar em Estado implementador de
155
políticas públicas no caso da era do Estado de bem-estar?
No mesmo sentido é a lição de Azevedo, ao afirmar que as políticas públicas,
do mesmo modo que qualquer ação humana, são definidas, implementadas,
reformuladas ou desativadas com base na memória da sociedade ou do Estado.
Afirma que tais políticas são formuladas a partir das representações sociais que
cada sociedade desenvolve a respeito de si própria, assim, são ações que guardam
intrínseca vinculação com o universo cultural e simbólico, que é próprio de uma
determinada realidade social.156
154
BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais. Eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de
1988. Curitiba: Juruá. 2005, p. 210.
155
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 244-245.
156
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. Polêmicas do nosso tempo.
Campinas, SP: Autores Associados, 2001. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder
de tributar. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 08-09.
74
Cada vez mais os estudiosos do direito tem se interessado por essa questão,
segundo Bucci:
Definir como campo de estudo jurídico o das políticas públicas é um
movimento que faz parte da onda, relativamente recente, de
interdisciplinariedade no direito. Alguns institutos e categorias tradicionais
do direito hoje rarefeitos buscam novo sentido ou nova força
restabelecendo contato com outras áreas do conhecimento, das quais
vinha se apartando desde a caminhada positivista que se iniciou no século
XIX. Ter-se firmado como campo autônomo, dotado de “objetividade” e
“cientificidade” — desafios do positivismo jurídico — é hoje um objetivo até
157
certo ponto superado.
No Brasil é recente a preocupação com implantação de políticas públicas, um
produto do processo do estabelecimento de uma nova organização política do
Estado, fundamentada na descentralização, passando o Município a ser reconhecido
pela Constituição de 1988 ao lado da União, como um dos membros da Federação,
como os Estados e Distrito Federal.
As políticas públicas têm, em cada Estado, o respaldo legal da Constituição
Federal, da Constituição Estadual e Lei Orgânica do Município. Podem ser definidas
como o conjunto de programas de ação governamental voltados à concretização de
direitos
sociais.
Caracterizam-se
como
um
instrumento
de
planejamento,
racionalização e participação popular.
Ainda, segundo Bucci:
A necessidade do estudo das políticas públicas vai se mostrando à medida
que se buscam formas de concretização dos direitos humanos, em
particular os direitos sociais. Como se sabe, os chamados direitos
humanos de primeira geração, os direitos individuais, consistem em direitos
de liberdade, isto é, direitos cujo exercício pelo cidadão requer que o
Estado e os concidadãos se abstenham de turbar. Em outras palavras, o
direito de expressão, de associação, de manifestação do pensamento, o
direito ao devido processo, todos eles se realizariam pelo exercício da
liberdade, requerendo, se assim se pode falar, garantias negativas, ou seja,
a segurança de que nenhuma instituição ou indivíduo irá perturbar o seu
158
gozo.
157
BUCCI, Maria Pula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
158
Ibidem.
75
Feitas estas observações, quanto ao conceito de políticas públicas a autora
refere uma definição provisória de políticas públicas como sendo “programas de
ação governamental voltados à concretização de direitos”. Tais direitos abrangem os
direitos fundamentais, inclusive os estabelecidos em pactos internacionais, depois
ratificados e internados nas ordens jurídicas nacionais, assim, tal entendimento vem
sendo ampliado, a ponto de abranger hoje o direito síntese do desenvolvimento.
Para
essa
definição,
mesmo
as
políticas
públicas
relacionadas
apenas
medianamente com a concretização de direitos, tais como a política industrial, a
política energética etc., também carregam um componente finalístico, que é
assegurar a plenitude do gozo da esfera de liberdade a todos e a cada um dos
integrantes do povo.159
Políticas públicas é o conjunto de ações políticas voltadas ao atendimento de
demandas sociais, são sempre uma resposta as demandas apresentadas por atores
políticos e sociais, como instituições, organizações, grupo de interesses ou
lideranças.
Azevedo leciona que “política pública é tudo o que um governo faz e deixa de
fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”160.
Também Heringer leciona que política pública “se refere a princípios de ação de
determinado governo, orientado para atingir fins e população específicos, ou seja, é
um meio para se atingir determinada meta econômica ou social” 161.
159
BUCCI, Maria Pula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
160
AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de
implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de
Janeiro: Fase, 2003, p. 38.
161
HERINGER, Rosana Rodrigues. Estratégias de descentralização e políticas públicas. In: MUNIZ,
J.N; GOMES, E. C. (ed.) Participação Social e gestão pública: as armadilhas da política de
descentralização. Belo Horizonte, 2002, p. 85.
76
Boneti ao estabelecer uma definição de políticas públicas leciona:
[...] é possível compreender como políticas públicas as ações que nascem
do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma decisão
de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer
investimentos ou para uma mera regulação administrativa. Entende-se por
políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se
estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas
pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais
organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de
ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou
o redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do
162
Estado na realidade social e/ou de investimentos”.
As políticas públicas acabam por apresentar-se como uma forma de Estado
socialmente forte, na medida em que sua preocupação reside na efetivação de
direitos sociais que até o momento apenas estão formalmente previstos,
promovendo uma nítida substituição do governo das leis pelo governo das políticas
públicas, nas palavras de Bucci:
As políticas públicas são instrumentos de ação dos governos – o
government by policies que desenvolve e aprimora o government by law. A
função de governar – o uso do poder coativo do Estado a serviço da
coesão social – é o núcleo da idéia de política pública, redirecionando o
eixo de organização do governo da lei para as políticas. As políticas são
uma evolução em relação à idéia de lei em sentido formal, assim como esta
foi uma evolução em relação ao government by men, anterior ao
constitucionalismo. E é por isso que se entende que o aspecto funcional
inovador de qualquer modelo de estruturação do poder político caberá
163
justamente às políticas públicas.
Assim, se as políticas públicas têm por fim orientar a atuação governamental
para um objetivo constitucionalmente previsto, devem estar dirigidas ao cumprimento
das tarefas correspondentes à concretização de direitos sociais, como é o caso dos
direitos à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia.
162
163
BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006, p. 74.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 252.
77
Nesse sentido leciona Schmidt:
[...] configuram decisões de caráter geral que apontam os rumos e linhas
estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da
descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis
ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos
formadores de opiniões as intenções do governo no planejamento de
164
programas, projetos e atividades.
As políticas públicas deverão buscar sempre a implementação dos direitos
sociais, de sorte que a própria oportunidade e conveniência deverá ser perquirida
tomando-se como referencial a ordem social. E na medida em que se compreende o
papel imprescindível de tais políticas na vida social e na promoção dos interesses e
anseios públicos, percebe-se a importância da participação do cidadão na tomada
de decisões que lhe irão afetar diretamente.
Bucci refere que uma política pública somente terá êxito se garantido um
processo democrático de participação popular:
[...] o processo administrativo de formulação e execução das políticas
públicas é também processo político, cuja legitimidade e cuja “qualidade
decisória”, no sentido da clareza das prioridades e dos meios para realizálas, estão na razão direta do amadurecimento da participação democrática
dos cidadãos. O sucesso da política pública, qualquer seja ela, está
relacionado com essa qualidade do processo administrativo que precede a
sua realização e que a implementa. As informações sobre a realidade a
transformar, a capacitação técnica e a vinculação profissional dos
servidores públicos, a disciplina dos serviços públicos, enfim, a solução dos
problemas inseridos no processo administrativo, com o sentido lato
emprestado à expressão pelo direito americano, determinarão, no plano
concreto, os resultados da política pública como instrumento de
165
desenvolvimento.
Em outra passagem Bucci refere que:
As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de
interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma
164
SCHMIDT, João Pedro. Para entender as Políticas Públicas: aspectos conceituais e
metodológicos. In: REIS, J. R., LEAL, R. G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 8, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2313.
165
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 269.
78
coletividade de interesses. Segundo uma definição estipulativa: toda
política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e
participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da
ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios
alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua
166
realização.
A Sociedade deve ter uma atuação participativa nesse processo de
implementação de políticas públicas, no sentido de fiscalizar as políticas existentes e
cobrar a elaboração de outras consubstanciando assim, segundo Leal, o que se
chama de gestão pública compartida, onde a Sociedade deixa de ter um papel inerte
e passa a fazer parte da tomada de decisões, nas palavras do autor:
Tal perspectiva condiciona a legitimidade da Administração Pública no
Estado Democrático de Direito, à existência de um processo democrático
de comunicação política, que institui um espaço permanente de construção
de entendimentos racionais, sobre o que se pretende em termos de
sociedade e governo, a partir da organização de mecanismos e
instrumentos de cogestão que garantam a visibilidade, compreensão e
debate das questões comunitárias relevantes (inclusive na definição de
quais sejam), para em seguida, se passar ao nível dos seus
dimensionamentos em políticas públicas efetivadoras das demandas que
elas representam. Ao depois, de maneira não menos importante, mister é
que o processo democrático de co-gestão se estenda ao plano da
executoriedade e avaliação daquelas políticas públicas definidas, eis que
momento particular de esvaziamento do que até então se estabeleceu
como tal (por expedientes de cooptação ideológica ou desvio de finalidade
167
político).
A construção dessa gestão pública compartida, segundo Leal, pressupõe três
bases epistemológicas, são elas: um novo conceito de sociedade, tido aqui como um
conjunto de pessoas espacial e temporalmente identificadas como conformadoras de
uma comunidade política, de início, agregada em um território de circunscrição
nacional-estatal, constituída de múltiplas e polissêmicas culturas e práticas de vida
coletiva, norteadas, porém, pelo mesmo plexo axiológico de prerrogativas e deveres
individuais e coletivos (dentre os quais, os Direitos Humanos e Fundamentais).
166
BUCCI, Maria Pula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos
direito
humanos.
Disponível
em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de
2006.
167
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 40.
79
Bem como, uma nova conceitualização de Estado, onde este não se atém a
uma ação política e a democracia representativa cede espaço a uma democracia
participativa, que consiste numa participação efetiva do cidadão na gestão pública,
determinando as políticas a serem adotadas por meio de um diálogo, onde se
objetiva atender as reais necessidades dos indivíduos e a terceira base consiste em
um diálogo entre todos os atores sociais afetados pela administração, “resgatando o
seu lugar histórico neste âmbito, i. é, os mais legítimos fundadores do Estado, do
Mercado e da Administração Pública”168.
É com base nessa gestão pública compartilhada que o Estado conseguirá
atender as demandas de forma mais satisfatória desenvolvendo políticas públicas
que possibilitem a inclusão social, uma vez que participarão do processo de
determinação dessas políticas, bem como de sua execução e avaliação. Segundo
Leal:
Tal participação não é formal ou circunstancial, mas fundacional, eis que na
ação de gestar a cidade, o cidadão a constitui enquanto lugar de
civilização, comunhão e existência digna; é nesta cidade que o homem se
torna ser no mundo, porque co-responsável pela sua criação e
desenvolvimento, e tudo que diz respeito à cidade diz respeito a ele,
169
simbólica, formal e materialmente.
Nesse mesmo sentido Heringer refere que em recentes estudos sobre a
questão da gestão pública destacaram pontos que devem ser observados, pois
apontam novas alternativas de concepção de prática de política, são eles:
1. É preciso fortalecer as formas democráticas de relacionamento entre
Estado e Sociedade, aumentando o grau de responsabilização e de
participação do sistema. O conceito e divisão do “público” como um setor
reservado e excludente da sociedade civil é hoje uma visão estreita da
administração pública.
2. Além da democratização, é necessária a criação de um corpo técnico e
político com nova mentalidade, sintonizado com essas novas tendências da
administração pública, em outras palavras, uma reforma gerencial com a
profissionalização da burocracia, e com funcionários públicos qualificados e
permanentemente treinados e imunes das interferências políticas.
168
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 51.
169
Ibidem, p. 56.
80
3. É preciso criar reais condições de sustentação financeira para os
municípios, uma vez que o processo de descentralização tem se
caracterizado pelo acirramento da competição por recursos, entre os níveis
de governo, com evidentes prejuízos para os municípios.
4. A “nova política pública” deve incorporar elementos que passam a se
tornar obrigatórios de acordo com as tendências mais recentes: a questão
ética; a questão da autosustentabilidade com preservação ambiental;
princípios de mais justiça social; e incorporação de segmentos sociais
170
geralmente excluídos, como as mulheres e idosos.
Em síntese leciona a autora que se “busca um acordo básico que um ‘bom
governo’ se refere a colocar em prática um estilo de governar no qual a separação
rígida entre setor público e o setor privado deixa de existir, predominando um
espírito de colaboração mútuo”171.
O fortalecimento da cidadania participativa se dá com a conquista de canais de
comunicação, que veiculam o poder democrático do centro para a periferia. Deste
modo, o papel da Constituição é o de assegurar a existência desses canais ou
procedimentos de ação comunicativa dos cidadãos, para que os mesmos criem seu
próprio direito, uma vez que a lei não pode ser vista como a vontade direta do povo.
O que se busca é um novo modelo experimental de Estado e Sociedade Civil,
onde a função do Estado é tanto garantir a igualdade de oportunidades aos
diferentes projetos de institucionalidade democrática, como também garantir padrões
mínimos de inclusão que tornem possível, à cidadania ativa, criar, monitorar,
acompanhar e avaliar o desempenho dos projetos de governo e proteção da
comunidade. Esses padrões mínimos de inclusão são indispensáveis para
transformar a instabilidade institucional em campo de deliberação democrática.
Nesse sentido Carvalho leciona:
Há consciência de que não bastam políticas. As premissas e as estratégias
que embasam seu desenho são fundamentais:
O direito social como fundamento da política social. Não há mais espaço
para se conduzir à política de forma clientelística, paternalista ou tutelar. O
reconhecimento da cidadania implica a adoção de programas e estratégias
170
HERINGER, Rosana Rodrigues. Estratégias de descentralização e políticas públicas. In: MUNIZ,
J.N; GOMES, E. C. (ed.) Participação Social e gestão pública: as armadilhas da política de
descentralização. Belo Horizonte, 2002, p. 90-91.
171
Ibidem, p. 91.
81
voltadas ao fortalecimento emancipatório (empowerment) e automização
dos grupos e populações-alvo das ações públicas.
Uma pedagogia emancipatória põe acento nas fortalezas dos cidadãos
usuários dos programas e, não mais tão-somente, nas suas
vulnerabilidades. Potencializa talentos, desenvolve autonomia e fortalece
172
vínculos relacionais capazes de assegurar inclusão social.
Deve se buscar essencialmente um maior entendimento, no sentido de
comunicação, entre o Estado, a Administração Pública e Sociedade, para que assim,
se possa pensar numa implementação maior de políticas públicas efetivas, que
realmente garantam aos cidadãos a efetivação dos seus direitos fundamentais.
Certamente, na medida em que este processo democrático for sendo
construído, com a participação do cidadão efetivamente se solidificando, possível
será a identificação e a escolha de políticas públicas mais eficientes e, por isso, mais
acertadas. Isto porque, entre outros fatores, o cidadão consciente da sua
fundamental presença no meio social, saberá também dizer o que lhe parece
necessário para que seus direitos sejam concretizados.
Segundo Azevedo as políticas públicas têm duas características gerais, são
elas: a busca do consenso em torno do que se pretende fazer ou deixar de fazer,
sendo que, quanto maior for o consenso, mais facilmente as políticas propostas
serão implementadas e a definição de normas e o processamento de conflitos, essa
definição de normas pode ser tanto para a ação como para a resolução dos conflitos
entre os indivíduos e agentes sociais. 173
Tais características se aplicam a todas políticas públicas, que são classificadas
em três tipos, segundo Azevedo, são elas: redistributivas, distributivas e
regulatórias.174
172
CARVALHO, Maria do Carmo B. de. Gestão social: alguns apontamentos para o debate. In: RICO,
E.M; RAICHELIS, R. (org.) Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: EDUC; IEE, 1999, p.
27.
173
AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de
implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de
Janeiro: Fase, 2003, p. 38
174
Ibidem, p. 38.
82
As políticas públicas redistributivas, como o próprio nome já diz, têm como
objetivo redistribuir renda na forma de recursos e/ou de financiamento de
equipamentos e serviços públicos.
Quanto ao financiamento os responsáveis por essa modalidade de política são
os estratos sociais de alta renda, sendo que os beneficiados são os de baixa renda,
ou seja, se retira dos mais ricos para dar aos mais pobres.
Um exemplo de política pública redistributiva é a isenção ou diminuição do
IPTU para camadas sociais mais pobres, e o conseqüente aumento do imposto para
as classes mais ricas. Assim, segundo Azevedo:
Com os recursos da cobrança do IPTU, o município passa a financiar
políticas urbanas e sociais com o imposto pago pelos estratos de média e
alta renda, promovendo uma redistribuição de renda por meio da maior
tributação dos mais ricos e da redução dos encargos dos mais pobres, sem
175
diminuir a arrecadação geral.
O problema enfrentado por esse tipo de política é a resistência das classes de
alta renda, nas palavras de Azevedo:
Uma dificuldade na implementação de políticas redistributivas provém do
fato de os setores sociais penalizados pelo financiamento de tais políticas
tenderem a se organizar com mais força do que a numerosa parcela social
176
que vai ser beneficiada.
A solução para este problema, propõe o autor, é a implementação de políticas
mais brandas, onde a redistribuição as classes mais pobres não se de na forma de
recursos financeiros, mas sim como serviços e equipamentos fornecidos pelo setor
público, ou seja, os recursos orçamentários são compostos majoritariamente pelos
estratos de média e alta renda, porém estes são repassados aos estratos mais
175
AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de
implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de
Janeiro: Fase, 2003, p. 39.
176
Ibidem, p. 39.
83
pobres por meio de programas sociais, visto que esse tipo de política redistributiva
mais branda (mediante a realocação de verbas orçamentárias) “tem a vantagem de
apresentar menor resistência dos estratos de média e alta renda da sociedade, uma
vez que os recursos desses programas são provenientes do orçamento público já
existente”177.
As políticas distributivas segundo Azevedo são as políticas que possuem
objetivos pontuais ou setoriais ligados à oferta de equipamentos ou serviços
públicos. São financiadas pela sociedade como um todo através do orçamento
público e os beneficiários são pequenos grupos ou indivíduos de diferentes estratos
de baixa renda.178
Apresenta como característica não ser universal, uma vez que atende
demandas pontuais de grupos sociais específicos. Como exemplo temos a
pavimentação e a iluminação de ruas. Porém, diferentemente das políticas
redistributivas são de fácil implementação porque raramente há oposição ao
atendimento dessas demandas, isso se deve ao fato de serem as mesmas
fragmentadas, pontuais e muitas vezes individuais.
É o tipo predominante no Brasil, porém em muitos casos ela acaba tendo
conotação clientelista, isso se deve ao fato, segundo Azevedo, de que grande parte
das políticas desenvolvidas pelo Poder Legislativo tem caráter distributivo, isso se
deve a duas razões principais: a primeira é que a população pobre em razão das
carências sociais existentes apresenta demandas pontuais e individuais, a segunda
é que a implantação dessas políticas reproduz o poder dos parlamentares, que
fazem uso das mesmas para trocar por votos nas eleições.179
Exemplos desse tipo de política são as políticas de pavimentação e iluminação
de ruas, de auxílio a deficientes físicos e de auxílio a vítimas de interpéries.
177
AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de
implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de
Janeiro: Fase, 2003, p. 39.
178
Ibidem, p. 39.
179
Ibidem, p. 40.
84
Quanto as políticas regulatórias como o próprio nome já diz, tais políticas têm
como objetivo regular determinado setor, isto é, criar normas com o objetivo de fazer
funcionar serviços e implementar equipamentos urbanos. Assim, segundo Azevedo,
“a política regulatória se refere à legislação e é um instrumento que permite regular
(normatizar) a aplicação de políticas redistributivas e distributivas, como por exemplo
a Lei do Uso do Solo e o Plano Diretor”. Tem efeito a longo prazo e não traz
benefício imediato, uma vez que precisa ser implementada.180
A característica das políticas regulatórias é que atingem as pessoas enquanto
indivíduos e não como membros de um grande grupo social, isto é, afetam de
maneira diferenciada pessoas pertencentes a um mesmo segmento social, isso
dificulta a defesa dessas políticas, pois impossibilita a formação de alianças
duradouras e bem definidas para defendê-las.
Segundo Azevedo, ainda que distribuam benefícios para a maioria da
população, tais políticas também ocasionam perdas e limitações para certos
indivíduos ou pequenos grupos, o que pode inviabilizar a implementação da política
em questão, vejamos:
Embora distribuam benefícios difusos para a maioria da população-alvo, as
políticas regulatórias acabam por redundar em perdas e limitações para
indivíduos ou pequenos grupos. Isso incentiva a reação pontual dos que se
sentem prejudicados. Quando estes pequenos grupos possuem grande
“poder de fogo” quase sempre representado pela disponibilidade de
recursos econômicos e/ou pela capacidade de articulação política, podem
ameaçar a viabilidade da política em questão. Em geral, os cidadãos só
percebem a existência das políticas regulatórias quando se sentem
181
prejudicados.
Como exemplo desse tipo de política temos a lei do plano diretor, a lei de uso
do solo etc.
180
AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de
implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de
Janeiro: Fase, 2003, p. 40.
181
Ibidem, p. 41.
85
De todo o exposto podemos concluir que as políticas públicas constituem um
campo de estudo descoberto recentemente pelo Direito, especialmente no que diz
respeito às especializações, e isso se deve ao fato de que cada vez mais se tem
buscado em todos os campos da sociedade uma maior participação desta no
processo de Administração Pública.
Após essa breve análise das políticas públicas em geral, agora se passa ao
estudo das políticas públicas tributárias, suas características, bem como as formas
possíveis de sua implementação.
3.2 Tributos como instrumentos de políticas públicas
Conforme exposto no capítulo anterior a denominada tributação extrafiscal é
aquela orientada para fins outros que não a captação de recursos para o erário.
Dessa forma, inserem-se como objetivos da extrafiscalidade: a redistribuição da
renda e da terra, a defesa da economia nacional, a orientação dos investimentos
para setores produtivos ou mais adequados ao interesse público, a promoção do
desenvolvimento
regional
ou
setorial
e,
sobretudo,
como
mecanismo
de
implementação de políticas públicas.
Dentro dessa perspectiva, observa-se que a implementação de políticas
públicas por intermédio do tributo, subretudo em face da sua finalidade extrafiscal,
tem a propriedade de corrigir externalidades, positivas e negativas.
Nesse sentido, a tributação, como mecanismo de implementação de políticas
públicas, pode ter como propósito, por exemplo, incentivar a geração de empregos,
ser utilizada como instrumento para viabilizar o ingresso de estudantes carentes ao
ensino superior, incentivar o uso da propriedade com a finalidade de atingir sua
função social, garantir o direito ao meio ambiente, conseqüentemente a uma vida
digna.
De acordo com tais entendimentos, pode-se inferir que a extrafiscalidade
constitui-se na aplicação de um modelo jurídico-tributário para a consecução de
86
objetivos que preponderam sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos
financeiros para o Estado. O valor finalístico da extrafiscalidade que o legislador
incute na lei tributária, portanto, deve atender às necessidades na condução da
economia ou correção de situações sociais indesejadas ou mesmo possibilidade de
fomento a certas atividades ou ramo de atividades de acordo com os preceitos
constitucionais.
Conforme abordado no capítulo anterior os tributos podem atingir a função
extrafiscal de diversas formas, seja em relação ao fato gerador, situação na qual a
extrafiscalidade se revela na indução de comportamentos pela maior ou menor
incidência tributária sobre as atividades humanas que o legislador elege como fatos
geradores de tributos, sendo considerados fatos geradores de acordo com o CTN o
patrimônio, a renda, a produção e a circulação e comércio exterior, seja na
destinação do produto arrecadado, nesse caso referindo-se mais especificamente as
contribuições.
Ainda, abordamos os institutos da isenção e imunidade, concluindo que podem
ser usados com a finalidade extrafiscal, por meio da concessão de isenções e
imunidades que visem fim diverso do arrecadatório, consistentes na intervenção no
domínio econômico e social, visando permitir ao Estado atingir a sua função social.
Diante dessas considerações nesse subtítulo faremos menção a tributos que
são usados com fim a função extrafiscal, ou seja, exemplos práticos de políticas
públicas tributárias com fim a extrafiscalidade. Nesse sentido, primeiramente
destacamos o art. 150, § 1º182 da Constituição, que excepciona as regras de
182
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído
ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou, observado o disposto na alínea b;
[...]
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e
154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e
V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
87
anterioridade do exercício e de anterioridade nonagesimal aos impostos de
importação, de exportação e operações financeiras; o art. 153, VI e seu § 4º, I 183,
que prevê o Imposto Territorial Rural e determina que será progressivo e terá a
fixação de alíquotas de forma a desestimular a manutenção de propriedades
improdutivas; e o art. 182, § 4º184 que estabelece o Imposto Predial e Territorial
Urbano, com vistas a constranger o proprietário do imóvel a fazer cumprir sua função
social.
Quanto ao IPTU, Rodrigues, menciona como exemplo a possibilidade de se
conceder isenção em relação a esse imposto com base em fatores pessoais, no que
diz respeito a pessoas de baixa renda ou ainda de idade avançada, vejamos:
Exemplificativamente cita-se a possibilidade de os Municípios isentarem de
IPTU (com embasamento dado pela Súmula 539 do STF), por fatores
pessoais, determinados grupos de pessoas, como ocorre em Guaporé/RS,
o qual isenta, de acordo com seu Código Tributário, quem: a) tenha mais
de 60 (sessenta) anos de idade; b) seja proprietário de um único imóvel
urbano ou rural e o utilize exclusivamente para sua residência e de seus
familiares; c) comprove, na data do requerimento do benefício, a título de
salários federais, renda familiar ou equivalentes, importância não superior a
02 (dois) salários mínimos federais mensais e não tenha qualquer outra
renda. d) o tamanho da casa não poderá ser superior a 70 m² e do terreno
185
em 312 m².
183
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
VI - propriedade territorial rural;
[...]
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de
propriedades improdutivas;
184
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
[...]
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano
diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
185
RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso
brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902-903.
88
Nesse mesmo sentido temos também como exemplo o caso do Município de
Rio Pardo que determina a isenção nos casos em que o imóvel seja único ou
unificado com área edificada não superior a 70 m² (setenta metros quadrados) e
área total do terreno não superior a 1.000 m² (um mil metros quadrados)
pertencentes a proprietário que o utilize para moradia sua e de sua família cuja
renda familiar não seja superior a 02 (dois) salários mínimos estabelecido pelo
Governo Federal, no mês anterior ao do lançamento do tributo.186
Berti, ao mencionar exemplos do uso extrafiscal de impostos leciona:
Como ilustração deste uso extrafiscal dos impostos, observe-se o que
ocorre com aqueles que gravam a propriedade, vale dizer, os impostos que
tributam única e exclusivamente a propriedade, tais como o Imposto sobre
a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (ITR) os quais podem sofrer uma
progressividade no tempo, tendo aumentadas suas alíquotas ano após ano
a fim de estimular o proprietário do bem objeto da tributação a dar um uso
social ao imóvel ou aliená-lo para que outrem o faça, sob pena de sofrer
repercussão do aumento da tributação. Também o Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF) possui uma função extrafiscal sobretudo
porque através do aumento de suas alíquotas é possível desestimular
investimentos no mercado financeiro canalizando assim os recursos
disponíveis para que sejam investidos diretamente na produção; referido
imposto tributa também operações de câmbio, pelo que pode ser usado de
modo a desestimular a procura por moeda estrangeira na medida em que
torne mais onerosa sua aquisição em razão de tributação mais elevada. A
extrafiscalidade pode dar-se ainda em relação a impostos aduaneiros, tudo
conforme as regras estabelecidas no art. 153, § 1º e no art. 150, § 1º,
187
ambos da Constituição de 1988, [...].
Segundo Berti o uso extrafiscal do IPTU não decorre somente de objetivos de
natureza social, como já mencionado, consistente na função social do imóvel
expressa por sua utilização correta e legítima, este também pode se orientar por fins
econômicos.188
Assim, mediante o uso extrafiscal do IPTU é possível, de acordo com Berti, a
Administração pública local promover: o desenvolvimento e ocupação de bairros
186
RIO PARDO, Lei Complementar nº 1.302 promulgada em 30 de dezembro de 2003. Rio Pardo:
[s.n.], 2003
187
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
36.
188
Ibidem, p. 112.
89
mais distantes e até então pouco habitados; desocupação de determinada área da
cidade congestionada; a preservação e recuperação de prédios antigos; o aumento
do número de vagas de postos de trabalho no âmbito municipal; o uso racional do
solo e subsolo etc.189
Rodrigues refere outros casos em que a extrafiscalidade desempenha um papel
social, o seu uso em campanhas públicas pela redução da poluição ambiental, como
exemplo o autor cita o princípio do poluidor-pagador, ou do “imposto verde”, bem
como para programas públicos de redução de acidentes, que tem como exemplo o
desconto fornecido no Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) aos
motoristas que não possuem multa no seu veículo.190
O IPI também possui caráter extrafiscal, nas palavras de Berti:
Neste sentido, será possível ao Estado através da alteração para mais ou
para menos das alíquotas do IPI alcançar objetivos importantes, distintos
daqueles relativos tão-somente á arrecadação de receita tributária ou, ao
menos, instrumentalizar e auxiliar a realização de tais objetivos, como
verdadeiras metas da Administração Pública, cujo objetivo final sempre é,
ou ao menos deveria ser, a realização do bem público mediante um
conjunto de medidas contidas em políticas mais amplas que tenham como
191
destinatário final o cidadão e a pessoa humana.
Como exemplo o autor menciona a possibilidade de preservar empregos com a
redução da alíquota do IPI incidente sobre os produtos da indústria automobilística,
quando esta ameaça promover demissões em massa, ainda, fomentar o
desenvolvimento de uma determinada região com a concessão de isenções para
eventuais indústrias que venham se instalar nessa região, também como forma de
estímulo a indústria nacional, aumentando-se as alíquotas dos produtos importados,
estimulando, assim, o consumo de produtos nacionais.192
189
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
112.
190
RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso
brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 903.
191
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
57-58.
192
Ibidem, p. 60.
90
No que se refere ao IOF, Berti, ao tratar da extrafiscalidade inerente a esse
imposto, leciona:
[...] o governo dispõe de alguns instrumentos importantes para fomentar
políticas desenvolvimentistas que venham a combater tal estado de coisas,
procurando retomar os investimentos diretos em detrimento do mercado
financeiro, cujo capital é flutuante e de trânsito imediato e imediatista. Um
destes instrumentos é justamente o uso extrafiscal do IOF, sobretudo
porque, ao elevar consideravelmente as alíquotas deste imposto sobre as
operações financeiras ofertadas pelos bancos e demais instituições ao
mercado, obviamente em consonância com outras medidas que
constituiriam um verdadeiro “plano de ações governamentais”, seria
possível tornar menos atrativo aos empresários e grandes agentes da
economia, o investimento no mercado financeiro, canalizando recursos, os
quais em princípio seriam levados aos bancos e demais instituições
financeiras, para o investimento direto na aquisição de máquinas e
equipamentos para as indústrias, no desenvolvimento de novas
tecnologias, no aumento da produtividade, na contratação de mais mão-deobra e na qualificação daquela já existente, enfim injetando dinheiro
193
diretamente nas empresas e não nas aplicações financeiras.
Como demonstrado em alguns exemplos os tributos podem ser usados como
instrumentos de políticas públicas contribuindo, assim, para a efetivação dos direitos
fundamentais pelo Estado, possibilitando que este alcance a sua função social.
Nessa concepção os tributos desempenham o seu papel social, não se limitando
apenas ao fim arrecadatório, mas também na promoção de programas de políticas
públicas que objetivem permitir aos cidadãos uma vida mais digna alcançando aos
mesmos a possibilidade de ter os seus direitos fundamentais concretizados.
Assim, as políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos e
programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por
meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado,
sobretudo na implementação dos objetivos do Estado e dos direitos fundamentais
dispostos na Constituição.
193
76.
BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.
91
3.3 A efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado Fiscal através dos
tributos enquanto instrumentos de políticas públicas
Das considerações tecidas até aqui é possível tirar algumas conclusões:
1ª) a função social do Estado Contemporâneo consiste na busca do bem
comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais, entendido que o
conteúdo do bem comum são os direitos fundamentais, conseqüentemente a função
do Estado Contemporâneo consiste em assegurar esses direitos aos indivíduos, ou
seja, garantir que seus cidadãos tenham acesso a eles, dentre esses direitos
destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio
maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio
garante a pessoa o direito a uma vida digna que só se reflete diante de condições
mínimas de subsistência, ou seja, através da concretização de direitos fundamentais
como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis.
2ª) o Estado para garantir aos cidadãos os direitos fundamentais necessita de
recursos e estes são obtidos por imposição da tributação, é o Estado Fiscal;
Leciona Schoueri que o Estado Contemporâneo tem como característica ser a
sua fonte de financiamento de origem predominantemente tributária, especialmente
decorrente de impostos, tanto que menciona a expressão “Estado do Imposto”.194
3ª) Ao exercer a tributação o Estado a faz pela imposição de tributos, os quais
não tem só a finalidade arrecadatória, mas também a finalidade extrafiscal, que
implica dizer que os tributos são mecanismos de intervenção no domínio econômico
e social com vistas a atingir os objetivos constitucionais aos quais o Estado se
propõe, dentre eles destacamos o bem comum;
Nesse sentido Meirelles leciona que a extrafiscalidade, portanto, fica adstrita ao
interesse público que, “são as aspirações ou vantagens licitamente almejadas por
194
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 01.
92
toda a comunidade administrativa, ou parte expressiva de seus membros”.195 A
finalidade da extrafiscalidade da lei tributária, aplicada em vários campos de atuação
do homem, repousa no bem comum revestido de utilidade coletiva.
Enfim, os efeitos extrafiscais da norma tributária utilizam-se do instrumento
financeiro para a provocação de certos resultados econômico-sociais, como reprimir
inflação e o desemprego, restaurar a prosperidade, proteger a indústria nacional,
promover o desenvolvimento econômico ou o nivelamento das fortunas ou a
correção da iniquidade na distribuição da renda nacional, entre outros objetivos.
4ª) Essa função extrafiscal é exercida por meio de políticas públicas, que
consistem no mecanismo de ação do governo para atender as demandas da
sociedade, as quais devem ter na sua escolha e implementação uma participação da
sociedade garantindo, assim, o atendimento dos reais anseios da sociedade.
Se as políticas públicas constituem o mecanismo de ação do Estado e é por
meio delas que ele atende as demandas da sociedade, que consistem nos direitos
fundamentais, ao fazermos uso dos tributos de forma extrafiscal, ou seja, como
mecanismo de intervenção no domínio econômico e social, visando à efetivação
desses direitos, é possível afirmar que os tributos são instrumentos de políticas
públicas, pois o Estado estabelece formas de ações (políticas públicas) por meio de
incentivos, isenções, imunidades ou benefícios fiscais, as quais incidem sobre os
tributos de modo geral, sendo mais presentes no caso dos impostos.
Conforme os exemplos mencionados no subtítulo anterior são diversos os
casos em que os tributos podem servir como instrumentos de políticas públicas, em
todos eles os tributos são os meios que o Estado se utiliza para atingir um fim
distinto da arrecadação de recursos, tem como objetivo a garantia aos cidadãos dos
direitos fundamentais.
Ao determinar a isenção do IPTU a pessoas de baixa renda está se
possibilitando que estas pessoas tenham acesso ao direito à moradia, uma vez que
195
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1997,
pág. 80.
93
caso fossem obrigadas a pagar o imposto, certamente não teriam condições de fazêlo e correriam o risco de perder sua moradia, o mesmo ocorre com a progressividade
das alíquotas estabelecida com o intuito constranger o proprietário do imóvel a fazer
cumprir sua função social, caso semelhante ao do ITR que é progressivo e tem a
fixação de alíquotas de forma a desestimular a manutenção de propriedades
improdutivas;
Ainda, a extrafiscalidade desempenha um papel social, com o seu uso em
campanhas públicas pela redução da poluição ambiental - o princípio do poluidorpagador - ou do “imposto verde”, que visam garantir a sociedade o direito a um meio
ambiente limpo, bem como para programas públicos de redução de acidentes, que
tem como exemplo o desconto fornecido no IPVA aos motoristas que não possuem
multa no seu veículo, protegendo, assim, o direito a vida.
Nota-se que, mediante a redução da alíquota do IPI é possível preservar
empregos das indústrias que ameaçam fazer demissões em massa, garantindo
assim, o direito ao pleno emprego, bem com a concessão de isenções a indústrias
que se estabelecem em regiões menos favorecidas, garantindo assim, a abertura de
postos de empregos nessa região.
Como demonstrado diversos são os exemplos em que os tributos podem servir
como instrumentos de políticas públicas visando à concretização dos direitos
fundamentais.
Diante de todo o exposto pode-se afirmar que os tributos constituem-se em um
importante mecanismo de ação do governo no intuito de atender as demandas da
Sociedade, o desenvolvimento de políticas públicas por meio dos tributos mostra-se
como um mecanismo eficaz de que o Estado dispõe para obter a consecução do seu
fim, que é a busca do bem comum.
94
CONCLUSÃO
Tendo em vista os aspectos observados, somos levados a crer que o tema das
políticas públicas tributárias tem despertado muito a atenção dos estudiosos do
direito, que se mostram preocupados não só com o estudo das leis, bem como dos
direitos concedidos aos cidadãos, mas também com a forma que esses direitos
serão assegurados pelo Estado, a nosso ver isso se deve ao fato de que diante do
mau desempenho do Estado de sua função social, com uma conseqüentemente
violação constante aos direitos fundamentais, cumpre aos estudiosos do direito, bem
como aos demais estudiosos das ciências humanas, buscar soluções para essa
questão.
Esse foi o motivo da escolha desse tema para desenvolver a pesquisa, com o
objetivo de despertar o interesse de mais estudiosos, com o intuito de que se pense
cada vez mais nos tributos como mecanismos de desenvolvimento do social e não
só como forma de arrecadação, possibilitando assim, ao Estado desenvolver a sua
função social, que consiste na busca do bem comum, uma vez que esta não tem
sido desempenhada de forma satisfatória.
Buscou-se no decorrer da pesquisa demonstrar esta “outra faceta” dos tributos,
que devem além de servir como forma de arrecadação para o Estado, servir como
mecanismo de desenvolvimento do social, buscando sempre atingir ao fim social do
Estado.
Dessa forma, num primeiro momento vimos que a característica principal do
Estado Contemporâneo é a preocupação com o social, é o Estado das prestações,
deve garantir e preservar os direitos de seus cidadãos, sua função social consiste
em garantir o bem comum, representado pela soma dos direitos fundamentais.
Assim, o direito a uma vida digna só é possibilitado aos cidadãos através da
garantia de acesso aos direitos fundamentais, que representam os direitos
imprescindíveis à subsistência humana, dentre eles o direito a vida, a liberdade, a
saúde.
95
Direitos esses que como vimos foram sendo reconhecidos através do tempo,
sendo classificados como gerações de direitos, que são quatro e refletem a maneira
com que esses direitos vêm sendo reconhecidos ao longo do tempo.
O Estado para garantir esses direitos, bem como manter-se necessita de
recursos financeiros e esses com vimos são obtidos através da imposição de
tributos, é o estado Fiscal que se manifesta.
Os tributos são as prestações pecuniárias pagas pelos cidadãos, como vimos
são classificados em cinco tipos, os impostos, as taxas, as contribuições de
melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições, possuem além da função
arrecadatória a função extrafiscal, que consiste no uso dos tributos como
mecanismos de intervenção no meio econômico e social, através do estimulo ou
desestímulo a certas ações, ou ainda, por meio de aumento ou diminuição de
alíquotas, ou pela sua progressividade obedecendo certos fatores, pela concessão
de isenções, benefícios ou incentivos, sempre objetivando fins sociais.
Como sabemos cabe ao Estado garantir e possibilitar o acesso aos direitos
fundamentais consubstanciados na nossa Carta Magna, nesse contexto, os tributos
como instrumentos de políticas públicas desempenham um papel fundamental, pois
possibilitam que os cidadãos tenham uma maior efetivação dos seus direitos
fundamentais.
Cada vez mais devem ser desenvolvidas políticas públicas nesse sentido, não
podemos ficar limitados às poucas políticas existentes, cada vez mais se deve
buscar meios que permitam uma maior efetivação dos direitos fundamentais.
Desse
modo,
as
políticas
públicas
devem
consistir
em
uma
ação
governamental que vise efetivamente atender as demandas da sociedade, sob pena
de se tornar inócua, por não estar ligada a consecução dos fins do Estado.
Para que isso seja possível é necessário que haja uma participação da
Sociedade no processo de escolha, implementação e fiscalização dessas políticas,
tal idéia tem sido defendida arduamente pelos estudiosos do direito, que vêem na
96
gestão pública compartida uma forma de possibilitar que o Estado desenvolva
políticas que atendam aos reais anseios da Sociedade, assim, devem trabalhar
juntos na busca do bem comum.
Dessa forma o Estado estará desempenhando a sua função social, pois sua
atuação atenderá as demandas da Sociedade, a sua atuação deve ter sempre como
objetivo principal o interesse coletivo, a garantia e a efetivação dos direitos
fundamentais sem os quais o ser humano não tem condições de viver uma vida
digna e é através da implementação de políticas públicas efetivas, ou seja, que
atendam as demandas sociais, que o Estado estará desempenhando a sua função
social.
97
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