Contribuições do NURTEG – Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de
Gestão – para os estudos sobre Gerentes e Gerência
Autoria: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
A idéia de criação do Núcleo de Pesquisa em Relações de Trabalho e Tecnologias de
Gestão (NURTEG) começou em 1974 quando se buscava um desempenho mais eficaz dos
gerentes e, consequentemente, de seus projetos de capacitação e desenvolvimento de acordo
com as necessidades do modelo econômico da época, com a dissertação de mestrado da
Professora Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo. E os estudos continuaram se
desenvolvendo, com pesquisas que buscavam a identificação, explicação e elucidação da
prática social de organizações brasileiras referente aos meios e procedimentos de tratamento
de conflitos, desenvolvida na década de 80.
Em 1991, surge o NURTEG no âmbito do Centro de Pós-graduação e Pesquisas em
Administração da UFMG como um espaço multidisciplinar de análise e construção de
propostas para problemas das organizações e da sociedade.
A criação do NURTEG favoreceu a formação de novos pesquisadores, com a
orientação de mais de 40 alunos em iniciação científica, 31 alunos de mestrado, seis de
doutorado e sete de aperfeiçoamento já concluídas, além da orientação de três alunos de
doutorado e três de iniciação científica em andamento.
A partir de então foram desenvolvidas diversas pesquisas na área de relações de poder
e de trabalho, liderança e novas tecnologias gerenciais e sobre os gerentes. A partir de 2000,
um novo enfoque é incorporado aos estudos sobre os gerentes realizados no núcleo, com a
introdução de questões de gênero, subjetividade e identidade. A realização destes projetos de
pesquisa possibilitou uma formação mais adequada de administradores face a uma nova
realidade das empresas privadas e instituições públicas, além de contribuir para a formação de
professores e pesquisadores altamente qualificados na área, profissionais capazes de uma
melhor compreensão de problemas, e com o desenvolvimento de respostas às múltiplas
demandas da sociedade neste campo do conhecimento e da prática social.
A partir de novembro de 2003, a sede o Núcleo passou a ser na Faculdade Novos
Horizontes, mantendo-se relação com a Escola de Enfermagem e o Departamento de Ciências
Administrativas, ambas da Univesidade Federal de Minas Gerais, com o Departamento de
Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras e com o Departamento de
Ciências Administrativas da Universidade Federal de Juíz de Fora.
A proposta para essa sessão coletiva prioriza o trabalho gerencial que caracteriza-se
pela sua ambiguidade, pela capacidade de atuação nos procesos de mediação de contradições,
e ainda, por alimentar a dinâmica organizacional e garantir o seu sucesso, pois ele se situa no
elo dos processos sociais, tecnológicos, culturais, políticos, econômicos e ideológicos, ligando
estratégias, cotidiano e operações.
Estudos sobre gerentes são múltiplos, variados, percorrendo momentos de formulações
clássicas da função gerencial propostas (BARNARD, 1938; FAYOL, 1949; MINTZBERG,
1973) até os dias atuais com visões diferentes da atuação e do “modo de ser” desse agente
social: alocador de recursos (BOWER, 1970), inovadores (KANTER, 1983; BURGELMAN,
1983), improvisadores (DÉRY, 1997; HATCH, 1999), participantes do enredo estratégico
organizacional (WESTLEY, 1990), implementadores de mudanças (McCONALOGUE,
1991), e mesmo desenvolvedores de novos produtos (NONAKA e TAKEUCHI, 1995),
mediadores (PAGÉS et al, 1987) atores e autores em diferentes perspectivas (REED, 1989) ou
constituindo, pela sua atuação, um grupo social (BOLTANSKI, 1982) ou já formando uma
categoria profissional (MELO, 2000) segundo padroes da sociologia das profissões.
1
A década de 1990 foi marcada por uma ompetição intensificada, desregulamentação
de mercados, desenolvimento acelerado das tecnologias de informação, movimento contínuo
de reestruturação visando tanto objetivos de eficácia e lucratividade como de flexibilidade,
produzindo movimento duplo de racionalização e flexibilização das práticas de gestãoe a
organização do trabalho em variados níveis (ROULEAU, 2000).
No contexto dos estudos gerenciais as questoes de gênero ganham destaque pela sua
complexidade e pouco consenso quanto às características e a atuação da mulher-gerente.
Bourdieu (1996) demonstra que a dominação está instituída nas coisas e nas estruturas do
pensamento mas acredita que a possibilidade de transformação está na subjetividade de cada
um, na capacidade de ação interativa de cada ator social, na sua participação ativa na
construção social da realidade (Bourdieu, 1999) mesmo que relativamente limitada por fatores
estruturais (MISOCZKY, 2001). mas como bem coloca Sainsaulieu (1997:251) “uma nova
forma de aprendizagem cultural” vai surgindo dessa nova dinâmica dos gêneros nas relações
de rabalho.
No campo do trabalho do gerente destacam-se questões reltivas ao mal-estar gerencial
gerado pela intensificação do trabalho, pela destruição das redes sociais, pelo processo de
comunicação ambíguou, pois nas práticas de reestruturações organizacionais cabe aos
gerentes traduzir, esclarecer e interpretar as mensagens dúbias vividas do topo da hierarquia,
devendo ainda, criar pontes entre hábitos culturais de ontem com as novas maneiras de dizer e
fzer as cosas (DAVEL e MELO, 2005).
Neste contexto de reflexao teórica, situam os trabalhos sobre gerentes produzidos e em
desenvovimento no NURTEG. Na apresentação dessa sessão coletiva, considerou-se as
seguintes pesquisas:
•
“GERÊNCIA NO SETOR INDUSTRIAL”, na qual se confirma que a mudança
percebida pelos gerentes do setor industrial se direciona para uma maior autonomia
dos/das gerentes com conseqüente fim da figura autoritária, superior e masculinizante
do profissional. Esse passa a ser uma pessoa mais “acessível” aos seus subordinados e
dar mais atenção à sua equipe de trabalho, mas nesse setor ainda predomina a cultura
patriarcal, configurando a indústria como um “gueto masculino”. As mudanças
percebidas ainda não eliminaram a discriminação das mulheres, principalmente, em
relação ao aspecto financeiro. O preconceito ainda existente contra a mulher mesmo
que elas já tenham conquistado parte da confiança de chefes, subordinados e colegas.
Pesquisadora:
Marlene
Catarina
de
Oliveira
Lopes
Melo
([email protected])
•
“O gerente na empresa de pequeno porte”, ressalta-se o papel do gerente nas duas
vias, ou seja, ele é tanto um fator de sucesso quanto de fracasso. Diante dos dilemas e
desafios que enfrenta e da falta de real preparo para a função, o gerente se vê numa
situação em que dele é cobrada uma atuação eficaz de curto prazo sem a real
possibilidade de garanti-la. Assim, o gerente adota um modo de ação pautado na
abordagem “apagar incêndios”, faltando-lhe clareza sobre os espaços organizacionais.
Tal falta de clareza torna-se mais grave à medida que a abordagem imediatista
obscurece ou camufla a relação sistêmica entre os diversos espaços de ação gerencial.
No entanto, a organização – a empresa de pequeno porte neste caso específico –
também possui sua parcela de responsabilidade em garantir a sua sobrevivência a
longo prazo, possibilitando um ambiente propício à aprendizagem organizacional e
gerencial. Pesquisadores: Angelo Brigato Esther ([email protected]) e
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected]).
•
“GERENTES E GERENCIA NO SETOR HOTELEIRO”, na qual foram
ressaltados depoimentos relacionados à autonomia, à liberdade, ao acesso à direção, ao
status, ao prestígio, enfim ao poder, sendo que este último denota relações ambíguas e
2
•
•
•
•
controversas tanto no caso dos gerentes como no dos proprietários. Dessa maneira, nas
Considerações Finais, indicou-se os principais achados e propôs-se a realização de
outras pesquisas contemplando pontos como dificuldades, contradições, identidade,
subjetividade etc. dos gerentes, porém articulando-as com os aspectos positivos
(mesmo que transitórios) dessa função tanto nas relações que se travam no ambiente
interno como no externo às organizações. Pesquisadores: Kely Cesar Martins de
Paiva ([email protected]) , Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
([email protected]), Angelo Brigato Esther ([email protected]).
“GERÊNCIA E GERENTES NO SETOR DE SERVIÇOS: UMA PESQUISA
EM PROCESSO DE FINALIZAÇÃO”, a qual encontra-se em fase de tabulação
temática a partir de uma planilha de análise do discurso dos entrevistados que
privilegia os seguintes temas: Carreira gerencial; Requisitos para ingressar na carreira
gerencial; Estratégias para o desenvolvimento da carreira gerencial; Conciliação das
atividades pessoais e profissionais; A cultura da empresa; Socialização; Identidade;
Percepção da prática gerencial; Qualidade de Vida no Trabalho; Estresse; A família e
o gerente; Projetos de vida; Negações, Ambigüidades e contradições da função
gerencial. Pesquisadores: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
Gizelle
de
Souza
Mageste
([email protected]),
([email protected]), Euler Lopes Mendes ([email protected]).
“GERÊNCIA FEMININA”, o artigo apresenta diversos aspectos ilustrados mediante
pesquisas realizadas anteriormente com mulheres ocupando posições gerenciais.
Também, aponta a criação de redes de contato sobre gênero, bem como de
organizações e associações, como estratégias de mobilização importante, pois além de
dar suporte ao desenvolvimento profissional das gerentes, também fornecem maior
visibilidade para a questão do gênero e para a atuação das gerentes na hierarquia
organizacional. Salienta-se a importância de uma particularidade da profissão do
administrador revelada por Betiol (1998) que pode ser extrapolada para a função do
gerente: a dificuldade de se construir uma identidade ligada à profissão, justamente
por suas inúmeras possibilidades. Pesquisadoras: Marlene Catarina de Oliveira
Lopes Melo ([email protected]) e Mônica Carvalho Alves Cappelle
([email protected]).
“GERÊNCIA FEMININA NO SETOR BANCÁRIO”, destaca que mulheres
gerentes encontram também condições adversas para desempenharem com sucesso a
sua função. De fato, a mulher gerente possui demandas simultâneas que vão além da
análise das várias jornadas. Além disso, deve ser observado que o próprio cargo
gerencial vem sofrendo os efeitos das múltiplas reestruturações organizacionais e
produtivas: redução significativa dos níveis hierárquicos e conseqüente redução dos
cargos gerenciais, acréscimo contínuo de demandas funcionais, pressões sobre metas,
exigências maiores de qualificação e adoção de equipes de trabalho semi- autônomas,
recriando uma outra nova estrutura de poder nas relações sociais dentro das
organizações. Pesquisadores: Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
([email protected]).
“A GERÊNCIA FEMININA EM HOSPITAIS”, a qual encontra-se em fase de
implementação, aborda a questão do gênero em instituições de saúde familiares.
Tendo em vista a complexidade e as particularidades que marcam o setor Saúde no
Brasil, a pesquisa apresenta possibilidade de relacionamento entre diferentes fatores
do mundo das organizações com o exercício da gerência. Nessa perspectiva, indagase: Como tem ocorrido a participação de mulheres gerentes em hospitais e quais são as
principais características da gerência feminina nesse tipo de organização? Como vem
se dando as experiências relacionais de poder e de gênero nesse contexto?
3
Pesquisadoras:
Marlene
Catarina
de
Oliveira
Lopes
Melo
([email protected]), Marília Alves, Maria José Menezes Brito
([email protected]), Mônica Carvalho Alves Cappelle ([email protected]), Gizelle de
Souza
Mageste
([email protected]),
Euler
Lopes
Mendes
([email protected]).
Profa. Dra. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo – Coordenadora (Faculdade Novos
Horizontes/NURTEG); Profa. Dra. Maria José Menezes Brito (UFMG / NURTEG); Profa.
Dra. Marília Alves (UFMG); Profa. Mônica Carvalho Alves Cappelle
(UFMG/UFLA/NURTEG); Profa. Kely Cesar Martins de Paiva (UFMG/Faculdade Novos
Horizontes/NURTEG); Prof. Angelo Brigatho Ester (UFMG/UFJF/NURTEG); Gizelle de
Souza Mageste (UFMG / NURTEG); Euler Lopes Mendes (Faculdade Novos
Horizontes/NURTEG)
REFERÊNCIAS:
BARNARD, C. I. The functions of the executive. Cambridge: Harvard University Press,
1938.
BOLTANSKI, L. Les cadres – la formation d’um groupe social. Paris: Minuit, 1982.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
BOURDIEU, P. Novas reflexões sobre a dominação masculina. In: LOPES, M.J.; MEYER,
D. E. WALDOW, V. R. (Orgs.). Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
BOWER, J. Managing the resourse allocation process. Boston: Harvard University Press,
1970.
BURGELMAN, R.A. Corporate entreperneurship and strategic management: insigths from a
process study. Management Science, v. 29, 1983.
DAVEL, E.; MELO, M.C.O.L. (Orgs.) Gerência em ação: singularidades e dilemas do
trabalho gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
DÉRY, R. Homo administrativus at son double: du bricolage à l'indiscipline. Gestion, v.
22, n. 2, p. 27-33, 1997
FAYOL, G.H. General and industrial management. London: Pitman, 1949.
HATCH,M.J. Exploring the empty spaces of rganizing: how improvisational jazz helps
redescribe organizational strutcture. Organizational Studies, v. 20, n.1, p. 75-100, 1999.
KANTER, R. The change masters. New York: Simon e Shuster, 1983.
McCONALOGUE, T. The functions, roles and development of middle managers in
companies pursuing second order changes. 1991. Thesis (PhD) – West Yorkshire, 1991.
MELO, M.C.O.L. Carreira gerencial: os dramas e as tramas de gerentes em organizações
brasileiras. Orgnizações e Sociedade, v.17, n. 7, p. 117-128, 2000.
MINTZBERG, H. The nature of mamagerial work. London: Harper Collins, 1973.
MISOCZKY, M.C.A. Campo de poder e ação em Bourdieu: implicações de seu uso em
estudos organizacionais. In: ENANPAD, 25, 2001, Campinas. Anais... Campinas: Anpad,
2001. Cd.
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The Knowledge-creating company. Oxford: Oxford
University Press, 1995.
PAGÈS, Max et. al. O poder das organizações: a dominação das multinacionais sobre os
indivíduos. São Paulo: Atlas, 1987.
REED, M. The sociology of management. Hertfordshire: Harvester Weastsheaf, 1989
ROULEAU, L. Les restructurations d'enterprise: quelques points de repère. Management
Internacional, v. 5, n. 1, p. 45-52, 2000.
SAINSAULIEU, R. Sociologia da empresa: organização, cultura e desenvolvimento. Lisboa:
Instituto Piaget, 1997.
4
WESTLEY, F.R. Middle managers and strategy: microdynamics of inclusion. Strategc
Management Journal, v. 11, p. 337-351,1990.
GERÊNCIA NO SETOR INDUSTRIAL
Resumo
O presente artigo trata dos impactos da função gerencial na saúde dos/das gerentes no
setor industrial da região metropolitana de Belo Horizonte. Utilizando-se um enfoque de
gênero, foram analisadas as dificuldades vivenciadas pelos/as gerentes, após o ingresso na
carreira gerencial, e constatadas as influências destas na saúde desse grupo profissional.
Foram realizadas 39 entrevistas, sendo 19 delas com gerentes do sexo masculino e 20 com
profissionais do sexo feminino, empregados em 13 empresas do setor industrial. O estudo
parte do pressuposto de que as mulheres são mais afetadas no exercício da gestão pelo fato de
o setor industrial ser tradicionalmente considerado como um “gueto masculino”. Isso é
agravado pela excessiva carga de responsabilidades que são atribuídas à mulher que tem a
“obrigação social” de realizar as tarefas domésticas, cuidar dos filhos e ainda ter que mostrar
maior competência como profissionais. O artigo confirmou que a mudança percebida pelos
gerentes do setor industrial se direciona para uma maior autonomia dos/das gerentes com
conseqüente fim da figura autoritária, superior e masculinizante do profissional. As mudanças
percebidas ainda não eliminaram a discriminação das mulheres, principalmente, em relação ao
aspecto salarial. O desequilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional é visto como um
fator de pressão, o qual leva à insatisfação e ao estresse. A realidade do trabalho gerencial no
setor industrial está vinculada a um condicionamento econômico, associado ao
condicionamento social além das cobranças e as oportunidades ainda serem diferentes de
acordo com o gênero.
Palavras-Chave
Saúde, gerente, gênero
Introdução
O desenvolvimento do setor industrial no Brasil, sempre esteve intimamente ligado às
interferências internacionais. Até o início dos anos 90, a industrialização brasileira estava
voltada para o processo de substituição de importações embora esse incentivo não tenha sido
suficiente para propiciar uma sólida industrialização do país na época. Com o Governo Collor
em 1989, o país adotou um novo posicionamento econômico, que correspondia a abertura
comercial e, naturalmente a reestruturação produtiva.
Atualmente, o desafio da indústria brasileira é superar suas limitações estruturais e tecnológicas
para alcançar um parque industrial competitivo, se comparado com os padrões internacionais de
custos e qualidade. (COUTINHO & FERRAZ, 1994)
Assim, é notório que o setor industrial brasileiro está mudando – o que caracteriza uma
adaptação necessária para o alcance da eficiência e competitividade. Com isso, tanto a
sociedade em geral quanto os trabalhadores em particular estão sendo forçados a
acompanharem essas mudanças criando novos padrões de comportamento perante o mercado.
Tais modificações “incluem a adoção de novos métodos gerenciais, a redução de mix de
produção, a crescente substituição de insumos domésticos por importados, a demissão de
empregados, a terceirização de algumas atividades e funções...” (MARKWALD, 2002).
Essas mudanças ocorridas no mundo do trabalho – e o setor industrial brasileiro não foge à
regra – implicam em conseqüências sobre os homens e as mulheres. Nesse sentido, a questão
da mulher gerente tem se colocado como um dos principais aspectos de continuidade aos
5
estudos sobre a temática gerencial. Muito embora as sociedades ocidentais estejam
progressivamente incrementando e operacionalizando o discurso igualitário entre homens e
mulheres em áreas como cultura, educação e legislação, as mudanças são escassas quando se
analisa a divisão hierárquica do trabalho.
No entanto no Brasil, os dados da RAIS1 (1986, 1991, 1996, 2001), revelam um cenário
interessante, denotando um crescente aumento da participação da mulher em níveis gerenciais
em empresas brasileiras. O Quadro 1, referente ao setor industrial brasileiro, exemplifica essa
situação.
Quadro 1 – Participação Percentual por sexo no Nível Gerencial no Setor Industrial
ALTA GERÊNCIA
HOMENS
MULHERES
GERÊNCIA
INTERMEDIÁRIA
HOMENS
MULHERES
GERÊNCIA DE
LINHA
HOMENS
MULHERES
Total
HOMENS
MULHERES
1986
1991
1996
2001
%
3,14
0,22
2,6
0,3
2,3
0,28
2,1
0,3
-33,12
38,25
38,72
4,5
38,39
6,39
38,97
8,68
36,9
10,4
-4,69
130,91
50,86
2,56
48,01
4,31
43,27
6,5
41,6
8,7
-18,21
240,18
92,72
7,28
89
11
84,54
15,46
80,6
19,4
-13,07
166,52
Fonte: RAIS (1986, 1991, 1996, 2001)
Nota: % - Variação percentual no período de 1986 a 2001.
Ressalte-se a elevação do percentual feminino encontrado nos cargos gerenciais (alta
gerência: 38,25 %; gerência intermediária: 130,91 %; gerência de linha: 240,18 %) contrasta
com a diminuição das postos de trabalhos ocupados por homens (alta gerência: -33,12 %;
gerência intermediária: 4,69 %; gerência de linha: 18,21 %), resultando um aumento geral na
ocupação feminina de 166,52 % e uma queda na masculina de 13,07 %. No entanto, deve-se
ressaltar que do total dos postos de trabalho no nível gerencial na indústria brasileira, 80,60 %
eram ocupados por homens, restando às mulheres apenas 19,40 % deles.
Apesar de as estatísticas ainda não serem muito favoráveis à situação da mulher no mundo
do trabalho, percebe-se que há sinais de mudanças, revelando melhorias nessa realidade. Em
uma reportagem sobre o mundo do trabalho feminino, COHEN (2001) revela que as mulheres
estão conquistando espaço no mundo inteiro, em praticamente todas as atividades,
destacando, no caso do Brasil, a entrada de 20 milhões de mulheres na População
Economicamente Ativa nas últimas duas décadas. Aponta ainda para uma quase unanimidade
entre estudiosos e consultores, ao afirmarem que o mundo corporativo tende a caminhar para
valores considerados femininos, corroborando com as estatísticas sobre o avanço profissional
da mulher no âmbito mundial. No Brasil, um bom exemplo para ilustrar essas conquistas pode
ser verificado a partir dos percentuais sobre donos de empresas no país. Segundo a Pesquisa
1
A RAIS – Relação Anual de Informações Sociais - é um registro administrativo do MTE - Ministério do
Trabalho e Emprego, o qual tem por objetivos prestar subsídio ao controle relativo ao FGTS e à Previdência
Social, viabilizar o pagamento do abono salarial, compor o cadastro nacional de informações sociais, auxiliar
na definição das políticas de formação de mão-de-obra, gerar estatísticas e controlar a mão de obra estrangeira
no país. A manutenção dessa base de dados é financiada pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.
6
Nacional por Amostragem de Domicílios, (PNAD)2, realizada pelo IBGE – Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, em 1991 as mulheres representavam 17,00% dos
empregadores brasileiros, sendo que em 1998 esse percentual elevou-se para 22,40% (IBGEPNAD,1998). Segundo o DIEESE (DIEESE, 2001)3, um quinto das mulheres estão ocupadas
em atividades agrícolas, 13,5%, no comércio de mercadorias, 29,4% na prestação de serviços
e 17,4% nas atividades sociais. Apenas 9% das mulheres ocupadas estão alocadas na
indústria. Dos homens, 27% encontram-se neste setor.
Em relação à carreira executiva, alguns dados não deixam dúvidas sobre o incremento da
inserção das mulheres em níveis hierárquicos superiores, sendo que além disso elas possuem
um nível educacional superior ao dos homens. Este aspecto é reforçado pela presença
marcante das mulheres nas universidades, assumindo diversos papéis nas áreas
administrativas, no corpo docente e, também, no discente4 - o que implica mudanças
(elevação) nos níveis de escolaridade. Os dados apontados no Boletim DIEESE (2001)
confirmam essa realidade. No ano de 1999, 35% das mulheres tinham mais de 8 anos de
estudo, grau atingido por apenas 32% dos homens. Os dados da RAIS para o setor industrial,
entre 1986 e 2001, são curiosos a este respeito (Ver Quadro 2).
Quadro 2 - Percentual de Profissionais com Nível de Escolaridade acima de 2o Grau
Completo, no Nível Gerencial, no Setor Industrial
PROFISSIO
1986
1991
1996
2001
%
HOMENS
MULHERE
47,84
57,04
47
57,61
51,03
53,69
60,81
64,09
39,83
23,59
NAIS
S
Fonte: RAIS (1986, 1991, 1996, 2001)
Nota: % - variação percentual no período de 1986 a 2001.
Pode-se perceber a qualificação superior do contingente feminino no decorrer do período.
Entretanto, cabe ressaltar que o nível de escolaridade dos homens cresceu mais (39,83%) que
o das mulheres (23,59%) durante esses anos, fato que deve levar em consideração a diferença
do número absoluto de ocupantes dos cargos em questão.
Apesar de a situação descrita sinalizar para a ocorrência de avanços nos níveis de
qualificação das mulheres, é importante ressaltar a persistência de desigualdades de gênero
quando se trata da remuneração. Melhor dizendo, no cenário atual, as mulheres continuam
recebendo salários inferiores aos dos homens, apesar de apresentarem níveis de escolaridade
superiores (IPEA, 20005; Grupo Catho, 20006; Boletim DIEESE, 2001; Exame, 2001). No
Quadro 3, pode-se visualizar a divergência salarial em níveis gerenciais semelhantes no setor
industrial brasileiro.
2
3
4
www.ibge.gov.br
www.dieese.org.br
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o INEP, as mulheres tiveram destaque no
percentual de graduandos presentes ao ENC/2001, o chamado Provão. Na Universidade Federal de Minas
Gerais, as mulheres corresponderam a 63,00% do total de alunos presentes ao ENC.
5
6
www.ipea.gov.br
www.catho.com.br
7
Quadro 3 – Média Salarial por Nível Gerencial no Setor Industrial (em salários mínimos)
198
6
ALTA GERÊNCIA
HOMENS
199
1
18,5
8
MULHERES
31,1
6
5,51
MULHERES
36,6
17,6
11,4
6
24,8
15,0
5,3
115,
02
24,9
2
15,1
9
7,37
%
39,9
5
9
3
200
1
5
8
GERÊNCIA INTERMEDIÁRIA
HOMENS
199
6
352,
27
11,9
4,51
8
7,73
6,54
23,4
7
GERÊNCIA DE LINHA
HOMENS
MULHERES
7,28
2,39
8,76
4,77
9,21
6,41
7,82
4,27
7,46
78,7
7
SALÁRIO MÉDIO
HOMENS
11,9
7
MULHERES
15,6
2
5,19
16,1
12,9
7,77
7,68
5,73
10,4
8
7,19
Fonte: RAIS (1986, 1991, 1996, 2001)
Nota: % - aumento percentual no período de 1986 a 2001.
Percebe-se, entre os anos de 1986 e 2001, o aumento dos salários médios pagos às
mulheres que ocupam cargos gerenciais na indústria (10,40% de aumento salarial médio) é
superior aos aumentos daqueles pagos aos homens (7,77% de aumento salarial médio), o que
reflete uma melhoria quanto à equidade remuneratória. Convém ressaltar que, apesar da
tendência verificada, a disparidade salarial é notável. No ano de 2001 (RAIS, 2001), na alta
gerência a diferença percentual entre as médias salariais atingem 60,31%. Na gerência
intermediária o percentual é de 83,18% e na gerência de linha representa 83,13%. De uma
maneira geral, o salário médio dos homens no setor industrial é 125,13% maior que o das
mulheres (RAIS, 2001). Porém, a variação positiva em termos médios é modesta (7,77% no
caso dos homens e 10,40% no das mulheres), visto que ela leva em consideração o total de
ocupantes dos cargos – freqüência preponderantemente marcada pela presença masculina,
como visto no Quadro 1.
Nos últimos anos, a mulher tem se sobressaído em grande parte das profissões que tem
ocupado. Por outro lado, aquelas que possuem maior qualificação encabeçam os números que
registram a ocorrência de estresse no trabalho. Segundo dados do Grupo Catho (2001),
53,00% das mulheres executivas admitem que sofrem estresse com muita freqüência.
A dupla jornada de trabalho e a maternidade são apontadas como fatores agravantes do
estresse feminino. As dificuldades apresentadas pelas mulheres na conciliação de suas tarefas
domésticas e profissionais geram, segundo Alves (1997), situações de descontinuidade na sua
vida economicamente ativa. Ao exercer suas atividades em tempo parcial o trabalho feminino
como subsidiário ao masculino e, conseqüentemente, em salários rebaixados em relação aos
dos homens.
Apesar das condições adversas e das inúmeras desigualdades apresentadas anteriormente, é
indiscutível o aumento do contingente de trabalhadoras brasileiras nas últimas décadas. No
entanto, é de fundamental importância buscar respostas a respeito dos fatores que têm
contribuído para a elevação tão expressiva das estatísticas sobre o ingresso de mulheres no
mundo do trabalho. Segundo publicação da revista Exame (2001), parte desse aumento devese às mudanças ocorridas no conceito de trabalho, que passou a incluir atividades de auto8
consumo e produção familiar. Ingressar no mercado de trabalho, atualmente, representa para a
mulher, além do desejo de realização pessoal e independência financeira, a necessidade de
contribuir para a manutenção do padrão de vida da família. Um dos indícios do “fator
necessidade” está explícito no considerável aumento do percentual de esposas que trabalham
fora. Em quase uma década, afirma Bruschini (1994), esse percentual subiu de 32,90% em
1995, para 49,70%, em 1993.
Seja pelo desejo de realização e independência, ou pela necessidade, o fato é que as
mulheres estão ocupando uma fatia cada vez maior do mercado de trabalho, ao mesmo tempo
em que vêm assumindo um diferente posicionamento perante a sociedade e a família. Dados
do IBGE (1999), que indicam a pessoa de referência no domicílio familiar, também refletem o
novo papel que as mulheres vêm desempenhando. Em 1981, o índice de mulheres chefes de
família era de 16,90%. Em 1995, esse percentual elevou-se para 22,90%. Em 1998 elas
constituíam 25,90% dos chefes, atingindo 26,00% em 1999.
No entanto, a apresentação numérica dessa mudança no mundo do trabalho e, também, na
sociedade não revela os impactos da vida social, cultural e psíquica dos indivíduos. E essa
situação parece tornar-se mais complexa quando se trata do cargo gerencial. Nossas pesquisas
mostram que, em relação ao cargo gerencial, não se pode fazer uma análise generalizada.
Existem particularidades na relação mulher versus cargo gerencial segundo o tipo de
organização e o setor produtivo (MELO, 2002).
Também um estudo com executivos em vários tipos de organizações, Belle (1994)
verificou que alguns deles eram mais favoráveis ao trabalho feminino do que outros. Assim,
para analisar a gerência feminina, deve-se atentar para os novos olhares que fujam à
simplicidade e a generalidade de análises.
Questões mais complexas apontam a necessidade de se sair da macro-estatística ou dos casos
pontuais (mesmo que significativos), para a produção de um conhecimento sobre as realidades
vivenciadas pelas mulheres como profissionais. O objetivo desse artigo, focado no setor
industrial, consiste em identificar como homens e mulheres percebem seu trabalho e inferir
acerca das conseqüências do mesmo sobre sua saúde.
2. Referências conceituais
As abordagens que se sucederam tentando avançar ou mesmo superar as idéias clássicas
sobre a função gerencial, deram vazão a um grande número de publicações, nas quais as
qualidades e atributos necessários ao gerente davam a impressão de tratar-se de um verdadeiro
“super-herói”, conhecedor e capaz de tudo no universo organizacional (LEITE, 1991).
Dentre as instâncias do modelo de relações de trabalho7 (MELO, 1991), o gerente assume a
função da gestão da força de trabalho, sendo responsável pelo “pôr a trabalhar” ou pela
disponibilização do potencial humano da organização, favorecendo a obtenção do trabalho em
quantidade e qualidades necessários e, ainda, pela manutenção da cooperação e garantia da
reprodução das relações sociais (assumindo aspectos importantes na regulação dos conflitos
(MELO, 1999)
Havendo mudanças nos padrões de acumulação ou mais especificamente nas correlações de
forças, alteram-se os padrões de gerenciamento e, portanto os atributos desejáveis. As mudanças
7
Conceituamos relações de trabalho como as relações entre os empregados e empregador decorrente das
relações de poder e que se estabelecem na e para a realização do processo de trabalho. As relações de trabalho
incluem então, a organização do processo de trabalho, a gerência da força de trabalho, as condições de trabalho e
o processo de regulação dos conflitos inerentes à estrutura social de produção. Estas variáveis constituem o
campo de análise das relações de trabalho, sendo imbricados e inter-relacionados, mas configurando-se em
momentos precisos e privilegiados da relação de poder entre os grupos de interesse dentro de uma organização.
9
nas empresas impõem necessariamente mudanças nos quadros gerenciais, em sua postura,
qualificações, bem como nas suas funções.
Se essa situação se relaciona com o objetivo de resultados para as organizações ela também
produz consequências que podem aumentar a tensão e a pressão sobre as pessoas que ocupam
tal posição nas organizações.
Nesse “jogo”, a ambivalência da função gerencial vem à tona. As constatações de
Boltanski (1982), ao estudar a prática profissional de executivos franceses, ainda parecem
válidas. Os gerentes não sabem exatamente até que ponto podem chegar, o que se espera deles
e a margem de “jogo” aceitável a seu nível hierárquico.
Em cada aporte teórico (SIMON, 1979; LIKERT, 1979; KATZ, 1986; MINTZBERG, 1986;
MOTTA, 1995; etc.), a figura do gerente ainda permanece como sujeita às práticas
organizacionais. Como conseqüência desse fato, o gerente e seu campo de atuação constituemse num objeto de pesquisa e numa fonte de controvérsias. Tarondeau et al (1994:09) resume
bem a questão ao analisar a gerência para o século XXI:
“as empresas com melhores desempenhos serão aquelas que exigirão mais de seus recursos
humanos, mas também aquelas que os empregarão menos. As organizações que prefiguram o
século XXI caracterizam-se pela capacidade de mobilização da inteligência disponível, pela
difusão das responsabilidades e do [...] estresse”. (TARONDEAU et al., 1994:09)
Quanto à carreira, percebe-se que, além dos obstáculos estruturais à mobilidade, o gerente
convive mal com duas realidades organizacionais. Primeiramente, na concepção clássica, a
carreira sustentada na idéia piramidal é seletiva, com poucas ofertas reais de vagas. A carreira
tem apoio no espaço do imaginário e do ilusório, funcionando como motor propulsor, como se
fosse possível a todos “fazer carreira”, mas onde as exceções confirmam a regra. Na prática, o
profissional transforma os obstáculos estruturais em dificuldades vivenciadas na empresa, seja
no nível individual ou de relacionamento hierárquico, protegendo o mito da carreira para toda
a categoria (MELO, 1996).
Por outro lado, a transição para o cargo gerencial provoca sintomas físicos ou psicológicos
nos profissionais. De acordo com Hill (1993), os gerentes inicialmente aceitam as tensões
acreditando serem inerentes à mudança e aos novos desafios a serem enfrentados. No entanto, o
estresse, as ansiedades e as frustrações se transformam em um sentimento de incapacidade de
resposta às novas demandas inibindo a adaptação ao cargo e causando uma sub-realização. Os
gerentes sentem-se humilhados diante dessa nova realidade em que é necessário estar
diariamente lidando com a possibilidade de fracasso. Além das perdas de um sentido de
domínio e controle, as gratificações instantâneas, o reconhecimento e a autonomia são
abdicados (HILL, 1993).
Num momento inicial, a questão de saúde fica circunscrita às manifestações físicas, tanto
em nível da organização como dos gerentes, mostrando uma análise restrita ao desgastar-se no
trabalho. Daniellou (1988) afirma que as manifestações sobre a saúde física de indivíduos que
trabalham sobre pressão, seguem o seguinte ciclo:
•
a curto prazo: crise de nervos, fadiga;
•
a médio prazo: certas doenças profissionais;
•
a longo prazo: os efeitos do trabalho podem provocar uma mortalidade precoce, seja
por causas diretamente identificáveis nos chamados riscos do trabalho, seja pelo
enfraquecimento progressivo do sistema imunológico do indivíduo.
Para Dejours (1988), as manifestações de sofrimento no trabalho tendem se manifestar sob
a forma de desânimo, de falta de vontade, desinteresse, algumas reclamações referentes às
condições de trabalho (que podem ser consideradas boas ou até excelentes), mas, no entanto,
assiste-se a uma entrada progressiva no estado de abandono, de isolamento, acentuando a
perda de identidade.
10
Segundo Hill (1993), os gerentes estarão expostos a basicamente quatro tipos de situações
que levarão a possíveis ansiedades: tensão da função, a negatividade, o isolamento e o ônus
da responsabilidade da liderança. No que diz respeito à tensão da função, concebe-se o cargo
gerencial como permeado por ambigüidades, conflitos, sobrecarga de trabalho e o tempo
como algo não planejado e não controlado, resultando em prejuízos no convívio com a família
e nas atividades de lazer. Além disso, os gerentes têm que enfrentar o que a autora definiu
como “negatividade”: constantemente o seu trabalho é testado e questionado por aqueles que
estão à sua volta, cujos problemas aumentam a cada dia. A sensação de isolamento do grupo
também resulta em dificuldades no exercício da função, como no caso de ter que tomar
decisões impopulares com os subordinados. Ao se tornarem “líderes”, os profissionais
deveriam ser capazes de gerenciar suas emoções, pois o cargo exige maturidade,
profissionalismo e uma impressão de serenidade, não havendo espaço para se somatisar os
imprevistos da gestão. (HILL, 1993)
As questões relacionadas ao gênero vêm ganhando espaço no mundo científico ao longo
dos últimos anos. Os movimentos feministas, acompanhados da inserção de mulheres no
desenvolvimento de pesquisas, dentre outros fatores, criaram condições para que essas
colocações fossem analisadas a partir de novos enfoques e novas perspectivas.
A relação de gênero ainda tem sido considerada como uma relação de desigualdade social e
pessoal baseada na diferença entre os sexos e legitimada em nome de um determinismo
biológico da superioridade de um dos sexos, o masculino, e de uma determinada forma de viver
a sexualidade, a heterossexual (SUNG e SILVA, 1995). A cultura patriarcal, predominante na
sociedade, também se mostra transposta para o mundo do trabalho no qual percebe-se o
estereótipo do grande industrial, ou empreendedor, no comando das organizações, ou também
dos executivos de ternos elegantes à frente de centenas de empregos (SUNG e SILVA, op cit).
Por outro lado, em conferência intitulada: “Transição de Gênero: a condição feminina na
sociedade atual”, proferida no Rio de Janeiro, em 1993, Giffin faz algumas considerações
importantes sobre o desenvolvimento dos estudos referentes à temática do gênero, chamando a
atenção para o ressurgimento, há aproximadamente 30 anos, do movimento de mulheres no
sentido de contestar velhos estereótipos sobre elas próprias, o que resultou na elaboração de um
novo conceito de gênero e, ao mesmo tempo aboliu a definição biológica e, portanto imutável,
da situação da mulher. Esse fato cristalizou, portanto, cientificamente, a idéia de que o “ser
mulher” não é dado pela biologia, mas por um fenômeno construído socialmente. Essa situação
é explicitada pelas condições de vida e de inserção social vivenciadas pelas mulheres em
diferentes países do planeta.
Também em relação ao enfoque dos estudos sobre gênero, Calàs e Smircich (1999)
evidenciam e discutem amplamente a questão da mulher no mundo do trabalho. Dentro dessa
temática, as autoras fazem uma revisão bastante aprofundada das seguintes abordagens
feministas: liberal, radical, psicanalítica, marxista, socialista, pós-estruturalista e terceiro –
mundista / (pós) colonialista, destacando suas contribuições para os estudos organizacionais e
apresentando algumas distinções conceituais sobre gênero, destacando-as como ponto central
entre as teorias feministas. Nesse sentido, afirmam que as primeiras teorias liberais voltavam
seu foco de análise para as desigualdades entre os “sexos” (entre duas categorias de pessoas:
masculino e feminino), tomando como referência as categorias biológicas. Posteriormente,
coube à teorização fazer a distinção entre "sexo" biologicamente definido e “gênero”
socialmente construído, "um produto da socialização e vivência." (CALÀS e SMIRCICH,
1999:276). Mais tarde, segundo as autoras, o feminismo socialista passa a considerar o gênero
como um processo marcado pelas relações de poder e próprio de condições histórico-materiais
enquanto as abordagens pós-estruturalistas e as terceiro-mundistas / (pós) colonialistas
“...problematizam a própria noção de ‘experiência’ questionando a estabilidade de ‘sexo’ e
‘gênero’ como categorias analíticas, e lembrando que a subjetividade é construída lingüística,
11
histórica e politicamente, sendo, portanto, flexível e múltipla. Assim, gênero é um termo em
construção, que ao mesmo tempo reflete e constitui uma variedade de teorizações feministas.”
(SCOOT apud CALÁS e SMIRCICH, 1999:277).
Vale ressaltar que a inserção de mulheres nas pesquisas sobre os antecedentes da condição
feminina na literatura científica revelou que eram, em geral, os homens que realizavam
estudos e registros sobre o mundo, havendo, portanto, uma ausência de dados e análises sobre
as atividades femininas na ótica de mulheres. Tal situação, encontrava-se ligada às regras do
método científico, que insistia no caráter neutro da ciência, reforçando o fato de que ser
homem ou mulher não acarretaria nenhum tipo de impacto na realização de pesquisas ou,
sequer, nos seus resultados. Além do mais, não era da competência da mulher, realizar esse
tipo de tarefa intelectual. Assim, o ingresso de pesquisadoras no campo de estudos sobre
gênero teve como resultado a fusão do sujeito e do objeto da ciência e, porque não dizer, a
reformulação do próprio paradigma científico e a contestação dos velhos estereótipos sobre a
mulher (GIFFIN, 1993).
As colocações até aqui apresentadas não deixam dúvidas quanto aos impactos resultantes
do desenvolvimento de estudos sobre gênero. Contudo, é oportuno salientar a relevância dos
movimentos feministas nos avanços dessa temática. Referindo-se aos estudos sobre gênero e
trabalho na sociedade latino-americana, Bruschini (1994) considera que, apesar de a temática
do trabalho feminino ter sido a “porta de entrada” dos estudos sobre a mulher na academia
brasileira, foi a emergência do feminismo como movimento social que propiciou a
legitimação da condição feminina como objeto de estudo. A abordagem e o enfoque acerca do
trabalho feminino, com o decorrer do tempo, foram sofrendo alterações, tendo o primeiro foco
de estudos se voltado exclusivamente para a ótica da produção e, em seguida, para a análise
da condição da mulher a partir de seu papel como parte da força de trabalho. Contudo, as
pesquisas acerca do trabalho feminino ganharam uma nova direção ao focalizarem o espaço
produtivo e a família e, conforme afirma a autora, "qualquer análise do trabalho feminino
fará bem ao estar atenta à articulação entre produção e reprodução, assim como às relações
sociais entre os gêneros” (BRUSCHINI, 1994:1).
Uma outra abordagem que merece consideração diz respeito à teoria da identidade social,
enfocada por Ely (1994), por meio da qual é postulada, como um de seus axiomas básicos, a
necessidade humana de manutenção de elevado grau de auto-estima. As pessoas formam a sua
identidade pessoal mediante um processo de autocategorização, pelo qual classificam a si e
aos outros em categorias sociais, utilizando características como idade, raça e gênero.
A capacidade explicativa da teoria da identidade social é complementada pela perspectiva
da manutenção do poder nos grupos e nas organizações. A presença de pequeno número de
mulheres nos altos escalões organizacionais, ou mesmo a crescente discussão do fenômeno do
teto de vidro8, pode significar uma lembrança desconfortável para a maioria masculina quanto
à pressão para a divisão dos recursos de poder e dos privilégios com o grupo de mulheres
previamente excluído dessa posição de destaque (LAWS, 1975 apud FAIRHURST &
SNAVELY, 1983).
Esse fato pode ser explicado pela representação dos homens que detêm o poder nas
organizações, compreendidos como um grupo psicológico que age com o intuito de
diferenciar-se dos demais, e assim, de manter sua auto-estima. A teoria do poder
complementa essa abordagem ao afirmar que as decisões tomadas por esse grupo tenderão,
8
O conceito do teto de vidro (glass ceiling phenomenon) foi introduzido na década de 80, referindo-se a uma
barreira que dificulta a ascensão das mulheres a níveis mais elevados na hierarquia.
12
sempre que possível, a seguir a lógica do interesse próprio, criando e alterando estruturas que
sustente sua necessidade de diferenciação como grupo (STEIL, 1997).
Também convém destacar as contribuições dos estudos de gênero para o reconhecimento e
aceitação das diferenças que marcam homens e mulheres, tendo ocorrido, segundo Peters
(1998:16), uma evolução do “feminismo da igualdade” para o “feminismo da diferença”, ou
seja, a geração anterior de mulheres feministas enfatizou, na busca de igualdade, as
semelhanças entre homens e mulheres, enquanto, atualmente, as mulheres parecem estar mais
confiantes, destacando e valorizando suas singularidades.
Referindo-se aos indicadores da condição feminina na sociedade atual, Giffin (1993) afirma
que a situação da mulher vem sendo avaliada em termos de nível de instrução, situação no
mercado de trabalho, renda e participação política. Tais indicadores, conforme observa a autora,
são bastante reveladores dos valores da nossa sociedade, já que, estando relacionados à esfera
pública - território tradicionalmente masculino - demonstram que a situação da mulher ainda é
inferior à dos homens. Para exemplificar, reporta-se a dados da PEA (População Economicamente
Ativa) que expressam a desigualdade social, a discriminação sexual na esfera do trabalho9 e a
desigualdade de classes entre as próprias mulheres (relacionadas ao grau de instrução e à PEA).
Apesar de as colocações apresentadas sinalizarem para a existência de desigualdade entre
homens e mulheres nas diferentes esferas, há uma tendência para a ocorrência de transformações
da condição feminina ou do que Giffin (1993) denomina “transição de gênero”, relacionada com o
desenvolvimento da sociedade industrial.
“A transição de gênero é caracterizada pelo fato de que, se anteriormente o papel da mulher na
reprodução biológica foi necessário para garantir a produção, agora o papel da mulher na esfera
da produção (no trabalho fora do lar) é cada vez mais necessário para garantir a reprodução (ter
filhos).” GIFFIN (1993:8)
A autora conclui afirmando que, apesar de estarmos no limiar do fim da era da “mulher
doméstica”, ainda estamos numa situação de desigualdade com os homens do mundo público,
do trabalho e da política e, mais ainda, no âmbito familiar, onde a maior parte das obrigações
continuam sendo da alçada feminina. Apesar de o casamento não ser mais “para sempre”, a
família continua sendo a base organizativa da vida fora do trabalho e as mulheres continuam
sendo mães. Para Bruschini (1994), a definição social dos papéis masculinos e femininos,
acima mencionada, apresenta diferentes conseqüências sobre um e outro sexo e sobre sua
participação no mercado de trabalho.
Dados apresentados por Cappellin (1996) sobre o mercado de trabalho brasileiro reforçam
os indicativos de desigualdades anteriormente mencionados. Sobre o assunto, a autora
acrescenta que as avaliações sobre a configuração do mercado de trabalho têm sinalizado para
a ocorrência de uma lenta e limitada transformação na estrutura de desigualdade entre homens
e mulheres, além do que, as discriminações nas formas de inserção e segregação profissional
têm se renovado, transformando-se e modificando suas faces. A autora refere-se ao mercado
de trabalho como sendo
“uma instância específica que tem como referência os lentos e complexos acordos entre os
compradores de trabalho e os vendedores de capacidade de trabalho. Isto é, a oferta de empregos
e a demanda de trabalho se confrontam na medida em que os agentes socialmente posicionados
têm objetivos e interesses diferentes, porém compatíveis.”(CAPPELLIN, 1996:15)
9
A discriminação sexual na esfera do trabalho pode ser expressa, entre outros, por meio de indicadores de
ocupação de cargos de chefia por mulheres, grande ocorrência de assédio sexual, pela desvalorização de áreas
profissionais em relação aos homens, etc.
13
Considerando os empresários e trabalhadores como os interlocutores do mercado de
trabalho, destaca que o mesmo pode ser observado com base nas demandas das mulheres
trabalhadoras, já que elas imprimem exigências, necessidades, interesses e expectativas
diversas, consideradas condicionantes de sua disponibilidade de ingressar e permanecer no
referido mercado. Nesse sentido, olhar o mercado de trabalho na ótica das mulheres, implica
destacar diversas outras atividades, uma vez que, além de fazer parte dos espaços produtivos
públicos, à mulher compete outras atribuições impostas pela sociedade, ou seja, a realização de
serviços e práticas voltadas para a manutenção da família. Essa situação deixa clara a condição
diferenciada da mulher em relação ao homem no mercado de trabalho e expressa a presença de
singularidades que marcam sua adequação à organização produtiva e ao mercado de emprego
(CAPPELLIN, 1996).
Para Segnini (1995), "o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho e
sua precária condição inscrevem-se no contexto do processo de reestruturação do
capitalismo, processo esse que revela novas formas de racionalização do trabalho". Referese ainda à precarização no trabalho como um processo social que, apesar de atingir homens e
mulheres, afeta mais significativamente as últimas, uma vez que foram elas as pioneiras em
ocupações precárias no contexto da reestruturação produtiva. Dessa forma, acredita-se que o
estágio de reestruturação produtiva enfrentado pela organização, ou mesmo pelo setor em que
a mão de obra feminina se insere vem influenciar, ou quem sabe até determinar a qualidade do
trabalho desempenhado e vivido por essas mulheres.
Em setores produtivos mais tradicionais, como a indústria, as relações de trabalho e a inserção
da mão de obra feminina enfrentam, em grande parte, barreiras relacionadas à hierarquia
masculina predominante e as regras e normas de conduta institucionalizados na época em que a
participação feminina no trabalho ainda era incipiente. Já em outros setores que têm sofrido maior
influência da reestruturação capitalista, surgem para as mulheres novas barreiras, mais
relacionadas ao próprio mercado e suas leis de concorrência, auto-desenvolvimento e mudanças
constantes. Cabe ressaltar que, além de barreiras, as características da inserção da mulher também
assumem formatos singulares em decorrência do estágio de reestruturação produtiva que permeia
cada setor.
“Reafirmando a marginalização das mulheres no mercado de trabalho, (ALVES, 1997) afirma que
o ‘status’ de inferioridade da mulher em todos os níveis da sociedade é mantido e aprofundado
pelas classes dominantes através da educação familiar, da escola, dos meios de comunicação de
massa, das religiões, da legislação, dentre outros. Os preconceitos assimilados pela mulher
contribuem para impedi-la de assumir postos de decisão em todas as instâncias, inclusive no
trabalho. Assim, as desvantagens sociais de que gozam as trabalhadoras no capitalismo,
permitem ao mercado de trabalho ‘arrancar’ delas o máximo de mais valia absoluta, através da
intensificação do trabalho, da extensão da jornada além do previsto na legislação e da oferta de
salários mais baixos do que os masculinos”. (SEGNINI, 1995:22)
A colocação da autora instiga a reflexão sobre a inserção da mulher em cargos de gerência,
uma vez que, nessa posição, a mulher vivencia situações singulares e maior carga de pressão
decorrente do próprio cargo. Os fatores de pressão variam, desde a competitividade do
mercado de trabalho e a imposição de maior qualificação por parte da organização, incluindo
a sobrecarga funcional resultante da reestruturação produtiva, até as dificuldades de
conciliação entre a vida profissional e privada, entre o ser profissional, mãe, mulher. Outras
formas de pressão, muitas vezes “veladas”, também são suficientemente fortes para agravar as
condições de vida e de trabalho da mulher gerente, podendo desencadear processos danosos à
sua saúde, conforme se investigou junto a um grupo de mulheres e homens gerentes.
3. Metodologia
14
O estudo teve como objetivo analisar os impactos das relações do/da gerente com a
organização, com a carreira, com família, e consigo mesmo, sobre sua saúde, física e mental.
Secundariamente, ele visou a ampliação da compreensão das relações de trabalho, procurando
destacar iniciativas institucionalizadas ou não, que possam retratar a tônica das novas
tendências no nível gerencial.
Para tanto, procedeu-se a uma pesquisa de enfoque qualitativo e de natureza descritivoanalítico e comparativo, o qual compreendeu escolhas e, mais objetivamente, negociações
com as organizações para sua realização visando a definição e a seleção de gerentes de ambos
os sexos dentro de cada empresa escolhida.
Na coleta de dados, utilizou-se, basicamente, de análise documental e de entrevistas semiestruturadas. A análise de dados secundários visou a compreensão e um mapeamento inicial
sobre as questões em análise, enquanto que as entrevistas, gravadas com o consentimento dos
profissionais, prestaram-se tanto ao alargamento da percepção do problema quanto ao
aprofundamento das questões envolvidas. Neste segundo momento, buscou-se não apenas
conhecer a vivência dos entrevistados através do seu discurso como ponto de partida para
aplicação de teorias explicativas, mas também considerá-los como objetos teóricos e estudar,
simultaneamente, os diversos componentes de referência da sua experiência e percepção.
Foram realizadas 39 entrevistas, sendo 19 delas com gerentes do sexo masculino e 20 com
profissionais do sexo feminino, empregados em 13 empresas do setor industrial.
O processo de análise dos dados coletados compreendeu três etapas: preparação, tabulação
quantitativa e tabulação qualitativa. Na primeira, as entrevistas foram transcritas segundo o
roteiro de perguntas, agrupando-se as respostas de cada categoria para as respectivas questões.
O segundo momento, a tabulação quantitativa, prestou-se para identificação de componentes
das respostas das entrevistadas e agrupamento de acordo com o tema da pergunta. Foi feita a
recuperação de informações relativas aos objetivos do projeto, por meio de agrupamentos de
dados e construção de tabelas. Por fim, na tabulação qualitativa, estruturou-se uma planilha, a
partir da definição de temas e de acordo com os objetivos do projeto, a qual permitiu o
agrupamento dos extratos mais significativos retirados das entrevistas transcritas, dando
destaque à dimensão do dito ou da fala dos entrevistados. Dessa forma, foi possível analisar o
conjunto de referências feitas pelas entrevistadas em relação aos temas estabelecidos e às
ramificações decorrentes.
4. Relações de trabalho, gênero e saúde no espaço organizacional
Nesta seção, serão apresentados os resultados da análise dos dados, subdivididos em duas
partes: a primeira que trata da inserção da mulher e do homem na função gerencial e das
dificuldades vivenciadas no exercício da gestão, e a segunda que faz referência à influência do
trabalho na saúde dos entrevistados.
A subdivisão proposta se dá na tentativa de, em um primeiro momento, contextualizar a
inserção feminina na função gerencial, identificar as dificuldades enfrentadas por gerentes,
tanto homens como mulheres, para, a partir de tais constatações, estabelecer uma relação entre
o trabalho e a saúde dos membros da categoria pesquisada.
4.1. Especificidades e dificuldades vivenciadas por homens e mulheres na gerência
Com o avanço da globalização e a inserção de novas tecnologias de gestão, foi criado um
novo perfil de gerentes, mais qualificado e competente para o exercício do cargo. Além disso,
uma mudança importante observada no setor industrial foi o crescimento da presença
feminina nos cargos de chefia (166,52%), opondo-se ao decréscimo no número de homens (13,07%).
15
Frente a esse novo contexto, as/os gerentes entrevistados foram questionados à respeito das
características profissionais necessárias para o ingresso na carreira gerencial. As respostas
mais citadas pelas gerentes foram a necessidade de se mostrarem mais competentes que os
homens e possuírem conhecimento/formação superior, presente em 31,58% e 36,84% das
respostas, respectivamente.
“A mulher, de alguma forma, tem que provar que é melhor que o homem. É mais difícil também
porque ela tem que superar o “lado pessoal da vida”. Porque geralmente a mulher tem aquelas
funções assim pré-determinadas: de cuidar de casa, de ter que ter filhos, e que em um determinado
período você tem que um pouco abrir mão disso para investir mais na carreira. O homem não tem
que passar por isto.” (Entrevistada n.º 12)
Os gerentes entrevistados também se posicionaram com relação aos requisitos necessários
à mulher para ingressar em uma carreira gerencial, mas não houve declarações sobre as
mulheres se mostrarem mais competentes que os homens. Entre as respostas obtidas, os
requisitos que apareceram com maior frequência foram a necessidade de um curso superior
(26%), ter um bom relacionamento interpessoal (26%), possuir liderança e dinamismo (37%).
Alguns relatos das gerentes entrevistadas ainda reforçam a visão da função gerencial como
sendo masculina e demonstram a necessidade de a mulher se “parecer” com o homem:
“... às vezes, tudo que você vai fazer, você tem que pensar um pouquinho assim antes: eu preciso,
eu estou aqui, mas eu preciso que as pessoas sintam, que as pessoas vejam que é uma mulher, mas
que faz e administra e gerencia da mesma forma como se fosse um homem.” ( Entrevistada n.º 20)
Nesse contexto, 66,66% das entrevistadas apontaram a existência de uma interferência
parcial nas relações e atitudes de trabalho pelo fato de serem mulheres, alegando a existência
de problemas de relacionamentos interpessoais até que elas provem ser competentes e
confiáveis. Das gerentes entrevistadas, 33,33% disseram que as interferências ocorrem
somente nas relações interpessoais e 33,33% afirmaram que o constrangimento é temporário.
No caso dos homens, somente 7,00% dos gerentes entrevistados afirmaram que o que define a
eficiência no cargo é o perfil de cada pessoa, mas por ser mais sensível e estar mais apegada à
família, o cargo de gerência pode ter funções de difícil realização para uma mulher. Esse fato
ainda retrata o preconceito atribuído às gerentes no exercício da função.
A análise dos relatos das entrevistas revela uma certa dificuldade de comunicação
enfrentada pelas gerentes diante, tanto do despreparo dos colegas de trabalho para se
relacionarem com o sexo feminino no ambiente de trabalho, quanto da surpresa dos clientes
em terem que negociar com uma mulher muitas vezes mais nova.
“Eu noto que muitas pessoas ficam surpresas, quando me vêem e sabem que vão tratar comigo e
tal. Não só pelo fato de ser mulher mas pelo fato de eu parecer mais nova do que eu realmente
sou. Então todo mundo fala que ‘Nossa com essa menininha que eu vou conversar.” (Entrevistada
n.º 12)
“Às vezes a própria liberdade de um homem conversar entre um e o outro não seria o mesmo com
uma mulher. Ele não se abriria tanto para uma mulher quanto homem a homem. Uma conversa
igual aquele termo que a gente usa: vamos ter uma conversa de homem pra homem.” (Entrevistado
n.º 14)
A maior racionalidade atribuída ao homem ainda é tida como fator essencial na indústria.
Esse ponto se mostra como um elemento de conflito na relação entre homens e mulheres
nessas organizações no que tange à negociação, tomada de decisões e relacionamento com
subordinados e pares.
Algumas das gerentes disseram que precisaram mostrar-se menos sensíveis (10%). Outras
ainda relataram a necessidade de mostrar que podem administrar como homens (10%). Nesse
16
ponto emerge mais um conflito porque passam as gerentes, o de ter que negar sua natureza e
adotarem um comportamento masculinizado para mostrarem serem capazes de atuar em
condições de igualdade com seus colegas homens, fato também explicitado pelos gerentes
entrevistados.
“Eu acho que a própria mulher talvez ela procura, ela quer ir para a empresa, eu acho que você...
não sei. Será que ela é tachada de quem está numa empresa de uma pessoa, sei lá, ganha algum
rótulo de masculinizada, não sei. Se isso tem também na mente das mulheres, não só na mente dos
homens” (Entrevistado n.º 02)
Destacamos que no setor industrial essas características femininas ainda não são tão
valorizadas, ou que ainda se reforça a figura do gerente homem, quando comparado a outros
setores produtivos, como o financeiro, por exemplo (MELO, 2001).
Nota-se que a maioria das gerentes entrevistadas (63,16%) percebem alguma diferença nos
relacionamentos dentro do ambiente profissional quando se considera o fator “gênero”. Das
entrevistadas que dizem existir diferença no relacionamento, 16,67% acham que os homens
ainda desconfiam da competência das mulheres, ou ainda, que a postura de homens e
mulheres são diferentes, conforme já afirmado. Outras justificativas relevantes consistem na
necessidade vivenciada pelas mulheres de “quebrarem barreiras” e a dificuldade dos homens
de ouvir (8,33%).
“... eu acho que todo mundo espera da mulher um pouco mais de flexibilidade do que se espera de
um homem; espera que a mulher ceda mais” (Entrevistada n.º 05)
Alguns homens também relatam a existência de diferenças de gênero no exercício da
função gerencial no setor industrial (26%). Para eles, as mulheres sofrem preconceitos como
profissionais e também são julgadas ao dirigirem o chão de fábrica e terem que impor sua
presença e autoridade. Muitas vezes, a dificuldade de conseguir respeito por parte dos seus
subordinados gera frustração para a gerente.
“...acredito que seria difícil uma mulher no meu posto para estar gerenciando um grupo de pessoas
geralmente com um nível cultural mais baixo, com nível de instrução mais baixo, são as pessoas
do chão de fábrica. Eu não saberia como essas pessoas estariam enxergando ter uma gerente
mulher.”(Entrevistado n.º 01)
Outro aspecto que reflete as assimetrias de gênero nas organizações é a relação qualificação
profissional – remuneração. No decorrer da pesquisa, pode-se acompanhar outros setores da
economia e concluir que as mulheres, mais que os homens, preparam-se melhor, em termos de
qualificação profissional. Contudo, ao desenvolverem as mesmas funções exercidas pelos
homens, a remuneração que lhes é destinada é menor que a recebida por eles. Se o mercado
exige excelentes qualificações dos profissionais, por que não valorizá-los igualmente? Esse é
um dos equívocos que ainda persiste no mercado: mesmo tendo maior nível de escolaridade e
desenvolvendo funções iguais, a mão de obra feminina é desvalorizada em relação à masculina.
Assim como outras gerentes da região metropolitana de Belo Horizonte, as gerentes das
indústrias também acreditam que seu trabalho não é bem remunerado sendo que algumas
delas se revelaram insatisfeitas com o salário recebido.
“A gente é discriminada de salário. A parte de relacionamento até que está tudo bem, as pessoas te
respeitam. Você tem que estabelecer limites. Mas com relação a salários, aí a coisa é diferente. O
salário é sempre inferior.” (Entrevistada n.º 09)
“... em nível gerencial ainda se coloca a mulher porque se acha que pode pagar menos. Então eu
não acho isto justo de jeito nenhum.” (Entrevistada nº 07)
17
Pode-se constatar a existência de preconceito na valorização da mulher gerente mesmo
com a maior ocupação nos cargos elevados dentro da organização, com a conquista da
confiança e com o respeito de seus colegas de trabalho. Por exemplo, a diferença na
remuneração é uma triste realidade que desestimula a mulher a prosseguir sua carreira.
Apesar de 52,63% das gerentes entrevistadas afirmarem que se sentem adequadamente
valorizadas pelo seu trabalho e 31,58% sentirem-se parcialmente valorizadas, pode-se
constatar que não são todas as gerentes que se sentem plenamente reconhecidas. Entre aquelas
que se sentem apenas parcialmente valorizadas pelo trabalho, tivemos como principal motivo
a baixa remuneração (presente em 66,67% das respostas), sendo que apenas 15,79% delas
reivindicam uma igualdade salarial em relação aos homens.
As reivindicações masculinas se assemelham às das entrevistadas, mas aparecem com uma
freqüência bem menor do que nos discursos femininos. Apenas 11% dos gerentes almejam
um aumento salarial e, se compararmos com as mulheres, o número de homens que
reconhecem não ter valorização profissional é bem menor (26%). Os gerentes, no entanto,
sentem a necessidade de melhores condições de trabalho (16%), mencionado por apenas
5,26% das mulheres, e reivindicam o cumprimento apenas da carga horária pré-estabelecida
pela empresa (11%), respondido por apenas 5,26% delas.
Nesse contexto, as insatisfações vividas pelos gerentes, homens e mulheres, no exercício
da função gerencial, e também a forma como se lida com essas insatisfações, constituem
pontos fundamentais para a compreensão da influência que o clima organizacional pode
exercer sobre sua qualidade de vida no trabalho.
Os gerentes foram questionados sobre os seus posicionamentos diante de uma insatisfação,
sendo que 33% dos homens ressaltam que eles procuram ser calmos e ter um autocontrole,
não deixando transparecer o que lhes está incomodando ou conversando com a fonte do
problema. Nenhuma das gerentes abordaram esses tópicos. As mulheres entrevistadas
procuram tomar uma posição frente ao grupo (42,11%) fazendo uso do diálogo, enquanto
apenas 5% dos homens afirmam solucionar os problemas dessa forma.
"... quando as questões da organização atravessam dentro de mim, que eu sofro as questões da
organização, eu vejo isso também como uma possibilidade de sintonizar melhor de como as
pessoas, outras pessoas podem também serem atravessadas por essas mesmas questões. Isso não
me deixa mais frágil, não, isso me deixa mais fortalecida; no sentido de compreender a minha dor
e também a dor do outro." (Entrevistada nº 03)
“Você fica insatisfeito com uma coisa mas você não pode explodir, a vontade que dá é explodir,
não é legal. Você trabalhar dez horas e ficar nove horas em reunião por exemplo, chega no final
do dia você está completamente estressado (...) então sempre causa um transtorno muito grande,
então nessa situação é ter um auto controle e manter a calma e tentar pensar antes de agir.”
(Entrevistado n.º 06)
No entanto, em números bem menores, algumas gerentes (5,26%) tentam não se envolver
ou se calam com a situação. Essa atitude, mesmo que agrade à organização, não parece ser a
mais adequada pelo fato de haver a possibilidade de os laços afetivos e familiares sofrerem as
conseqüências diretas desse silêncio, ou ainda pela possibilidade de ocorrerem transtornos
psicológicos e físicos às gerentes, em decorrência do acúmulo de insatisfações quanto aos
problemas surgidos no trabalho. Os gerentes (11%) também manifestaram que muitas vezes
não têm reação quando submetidos a determinada situação:
“Quando acontece alguma insatisfação, eu fico triste, fico meio desanimada, mas vou para casa.
Então eu fico meio desanimada, mas depois no outro dia já passou e eu consigo recuperar. E tenho
que aceitar.” (Entrevistada n.º 09)
“Quando os gerentes da (nome da empresa) estão diante de um poder maior da (nome da
empresa), da diretoria e do diretor superintendente, eu vejo que muitos gerentes se apagam frente à
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situação. O carisma do diretor superintendente, o poder que ele tem dentro da empresa ainda apaga
um pouco a atuação de algumas pessoas.” (Entrevistado n.º 19)
Nesse contexto ainda é possível destacar, entre outros sentimentos, o de perda, estresse,
angústia, advindos da complicada relação que essas mulheres travam em casa, com a família,
no trabalho e, algumas vezes, na vida conjugal. A maioria das análises sobre o trabalho da
mulher aponta indícios da existência da tripla jornada feminina. Geralmente, as mulheres
desempenham o papel de mãe, esposa, dona de casa, simultaneamente ao papel de gerente e
essa sobrecarga de papéis e responsabilidades freqüentemente acarreta desgaste, ansiedade e
estresse. Muitas vezes, elas se vêem pressionadas a pender para um dos lados e, normalmente,
a vida pessoal é relegada a segundo plano.
“Eu já tive chefia que falou assim: Você precisa abrir mão dos seus problemas particulares para
ficar mais tempo na empresa. Eu falei: eu não vou jogar meus filhos pela janela. Assim ela (a
empresa) tenta influenciar mas eu impeço ao máximo.”(Entrevistada n.º 07)
“Eu acho que é muito massante para a mulher. Principalmente se ela for casada. Não sobrevive
numa profissão dessa não. Ou ela ou o casamento dela vai cair.” (Entrevistado n.º 09)
Quando se analisa a dupla e a tripla jornada pela perspectiva das gerentes que atuam no
setor industrial, percebe-se uma apropriação forte do discurso de incapacidade de realização
das tarefas domésticas somada à preocupação com a família. De acordo com 42,11% das
entrevistadas, a dupla jornada de trabalho leva ao cansaço físico e mental das mulheres e
reflete em sua posição das gerentes diante do espaço privado, ou seja, elas ficam mais
nervosas em casa e abrem mão do lazer (ambos com 10,53% das respostas). Para 36,84% das
gerentes a dupla-jornada não interfere no cotidiano delas mas, apesar disso, elas não dão
maiores esclarecimentos sobre essa não-interferência.
Com todas as responsabilidades do dia-a-dia, as gerentes manifestam um
descontentamento geral em função da falta de tempo também para dedicarem a si mesmas.
Elas acabam deixando de lado sua vida pessoal e as queixas se tornam mais freqüentes do que
nas falas masculinas.
“Eu não tenho dupla, tenho tripla (jornada). É de manhã, tarde e noite. (...) Isto interfere mesmo
na quantidade de tempo que a gente tem com a família, e mais do que com a família, eu acho que a
gente acaba arrumando tempo para família mas não arrumam tempo para gente mesmo. (...) Então
a única hora que eu estou sozinha comigo é no trajeto para a casa ou de um trabalho para o
outro.”(Entrevistada n.º07)
Também foi constatado que as gerentes começam a abrir mão até da maternidade para
conseguirem uma boa carreira gerencial (21,05%). Especialmente entre as gerentes do setor
industrial, percebe-se uma alta incidência de abdicação da maternidade, quando comparadas a
outros gerentes do setor financeiro (MELO, 2001).
“... você tem que se organizar todos os dias para que você possa desenvolver as suas atividades
aqui na empresa e você e as suas atividades também em casa. E ainda, você precisa cuidar de você
mesma porque, senão, fica parecendo que não tem tempo para nada! Eu acho que você tem que ter
tempo para tudo, mesmo que você vá dormir uma hora da manhã. (...) Eu só não tive tempo ainda
para poder arrumar filho!” (Entrevistada n.º14)
Os gerentes entrevistados sentem sua vida particular prejudicada (84%), mas, no decorrer
da entrevista, demonstram-se mais realizados do que as mulheres. As queixas mais freqüentes
para essa ocorrência foram a impossibilidade de estarem com suas famílias, citada por 88%
dos gerentes, seguida pela abdicação ao lazer (50% deles). No entanto, 5% dos entrevistados
negam a existência de perdas pessoais alegando que o sacrifício da família é inerente à
19
profissão escolhida. Os gerentes que consideram as perdas pessoais como necessárias para
suas carreiras, não as encaram como perdas, e sim, como uma troca (10,53%).
“Acontece que normalmente você pende para o profissional e você enxerga que esse lado familiar
tem uma flexibilidade maior do que o seu lado profissional. Esse é o lado que realmente afeta, mas
eu acho que isso faz parte”. (Entrevistado n.º 02)
As mulheres, apesar de ainda estarem associadas à imagem de mãe, não se contentam mais
em serem legadas somente ao papel tradicional (dona-de-casa), apesar de o perfil de “mulher
moderna”, muitas vezes, não agradar a todas essas profissionais. Elas se desdobram em mil
para conseguirem atender às demandas da casa, filhos e trabalho e, no fim do dia, chegam em
casa exaustas e frustradas com a falta de tempo livre e oportunidade de lazer. No entanto,
vivenciam com profundo orgulho a sensação de crescimento pessoal, essa nova condição de
responsáveis pelo seu próprio sustento (OLIVEIRA, 1998).
As gerentes também reclamam a existência de dificuldades quando o assunto é o
relacionamento conjugal. Freqüentemente, o marido cobra a presença da mulher dentro de
casa, acusando-a de não disponibilizar mais tempo para ele próprio, para a casa e para os
filhos. Além disso, 52,63% das mulheres afirmam que o cônjuge não auxilia nos serviços
domésticos. Os entrevistados não mencionaram essa questão talvez em decorrência de admitir
o preconceito que eles possuem. No entanto, fica clara a necessidade de eles terem sua esposa
em casa.
“Você tem que tá muito disponível para empresa, então, às vezes, os poucos finais de semana, os
poucos momentos que você tem com seu marido, você tem que deixar de tá com ele para poder tá
resolvendo ou para poder tá fazendo coisas da empresa. Então, às vezes, isso, a pessoa, às vezes, o
companheiro, às vezes, o pouquinho de tempo que você tem para ele, ele quer que você esteja
disponível para ele. E ele cobra isso.” (Entrevistada n.º20)
“Olha, eu não vou mentir para você. Em casa eu não faço nada. Não porque eu seja vagabundo,
não é nada disso, mas eu não levo o menor jeito para atividade doméstica. Ontem eu tive que,
quebrou um negócio no varal ou qualquer coisa assim, eu sou muito desajeitado para as coisas,
minha mulher já conhece então esse tipo de atividade e tudo mais ela já administra de outra forma”
(Entrevistado n.º 11)
Por outro lado, algumas gerentes contam com o apoio de seus maridos para se
desenvolverem profissionalmente, sendo que 31,58% das entrevistadas dividem as tarefas
domésticas com os seus cônjuges Nota-se que esse apoio, além de fundamental para o bom
andamento da carreira dessas mulheres, contribui para um convívio conjugal saudável.
“A minha vida pessoal, a minha relação com o meu marido, com os meus filhos, com a minha
empregada, o funcionamento da minha casa, a tranqüilidade do funcionamento da minha casa,
determina sim, a minha condição de estar trabalhando e de estar bem. Então, é uma colaboração de
todo mundo.” (Entrevistada n.º 03)
Já na análise do discurso masculino, 47% dos gerentes confirmam a igualdade com a sua
companheira com relação aos direitos e deveres domésticos, embora 42% reafirmem não
terem tempo para as atividades de casa.
“Lavo prato, quando preciso cozinho, quando necessário cuido das minhas roupas.” (Entrevistado
nº 12)
“Na verdade a gente entrega erradamente mas a gente entrega mais para o cônjuge. A minha
mulher tem muito mais... essas atividades caseiras mais é com ela mesmo..” (Entrevistado nº 03)
Frente a essa realidade, grande parte das gerentes confirmam a necessidade de organizar a
função gerencial com o fato de serem mulheres (52,79%), enquanto outras negam essa
20
afirmação (31,58%). A resposta mais freqüente para a existência de um planejamento das
atividades da gerente surge por conseqüência da necessidade de conciliar a vida profissional,
a família, a casa e a vida pessoal (50%). Além do apoio do marido, 26,32% das entrevistadas
requerem a presença indispensável de uma empregada doméstica no auxílio das atividades
anteriormente exclusivas das donas de casa.
Constata-se a diferença na percepção dos homens e mulheres quanto à influência das
questões de gênero na função gerencial. Talvez isso ocorra pelo fato de os homens não
vivenciarem essa realidade. Para os entrevistados o estudo do gênero refere-se apenas às
mulheres e não aos homens. Apesar dessas influências “generificadas” no trabalho do/da
gerente, há alguns aspectos que são comuns à categoria profissional
Os relacionamentos dentro das organizações e as insatisfações manifestadas pelos/as
gerentes, são as conseqüências mais visíveis da influência do ambiente no desenvolvimento
do trabalho e na qualidade do mesmo. Não atingir as metas propostas pela empresa (15,79%)
e a falta de autonomia no trabalho (15,79%) são as questões mais apontadas pelas gerentes
como insatisfações, como revelado nos trechos de entrevistas.
“Insatisfação das vezes que eu não tive autonomia. (Entrevistada n.º 01)
“A maior insatisfação ocorre quando você não alcança o que você planejou, os resultados.”
(Entrevistada n.º 11)
O grau de autonomia e influência de um profissional dentro da organização são variáveis
essenciais para sua afirmação no contexto organizacional. Dessa forma, podemos afirmar que
há uma relação direta estabelecida entre a autonomia atribuída aos gerentes e as condições e
qualidade em seu trabalho, uma vez que a falta de autonomia se constitui, geralmente, em um
dos fatores causadores de insatisfação no trabalho (HILL, 1993).
Quando indagadas à respeito desse assunto, 47,37% das gerentes revelaram ter grande
autonomia e 21,05% afirmaram possuir autonomia total dentro da empresa. Para apenas
10,53% esse fator é considerado insatisfatório. Percebe-se que um maior número de homens
afirma ter grande autonomia (63,00%) e consideram-se totalmente à vontade para tomar
decisões (21,00%), se comparados às entrevistadas. A resposta dada pelos homens ao serem
abordados quanto as suas insatisfações, se assemelha à das mulheres quando se trata do
fracasso no alcance das metas estipuladas (21,00%).
“Eu acho que é muito frustrante você passar um período em que você dá uma idéia de insucesso,
foi um insucesso . Frustração por você não ter sido capaz, não ter levado a equipe a conseguir
realizar aquilo que foi definido ou que você ou a equipe se comprometeu a fazer no período.”
(Entrevistado n.º 02)
4.2. A gerência e a saúde: uma análise de gênero
Diante de todas as dificuldades inerentes à profissão, os/as gerentes apresentam
manifestações diárias de stress, ansiedades, dentre outras doenças. Segundo França (1996), as
condições de vida das pessoas são resultado imediato da performance de suas potencialidades
biológicas, psicológicas e sociais. A função gerencial, por sua vez, é fator de grande
interferência na saúde dos gerentes, como concorda grande parte dos entrevistados e
entrevistadas. A maioria das gerentes, ou seja, 63,16% delas, afirmaram sentir suas saúdes
abaladas de alguma forma pelo exercício da função gerencial, Seja por estresse (50,00%) ou
pela interferência nos horários de alimentação (16,67%). Um maior número de homens, no
entanto, sentem os reflexos da atividade (68,00%), sendo que 69% dos que afirmaram a
interferência da função gerencial na saúde, consideram-se estressados e 15% deles também
dizem ter a alimentação prejudicada. Além disso, 15% afirmam sentir um desgaste
emocional/físico ou dizem não conseguir dormir bem (15%).
21
Percebe-se que são muitas as conseqüências do trabalho gerencial sobre a saúde dos
profissionais. No entanto, três variáveis se destacaram na análise da qualidade de vida dos/das
gerentes entrevistados: sobrecarga de trabalho; vício/dependência da organização;
estresse/ansiedade decorrentes da função. A tripla-jornada diária da mulher é um agravante
“generificado” dessas manifestações
A sobrecarga de trabalho foi mencionada como um dos fatores determinantes de
insatisfação para as gerentes. O excesso de trabalho implica em perdas, principalmente em
relação ao tempo para os filhos ou para tê-los, para a casa, para o marido e para elas próprias.
Com isso, seu potencial biopsicossocial fica fragilizado, uma vez que o aspecto social está
comprometido. Os homens entrevistados também se queixam do aumento da jornada de
trabalho demandada pela empresa mas, para apenas alguns deles, esse é um dos fatores que
provoca maiores insatisfações.
“... eu acho que quanto mais você cresce na organização, você abre mão de algumas coisas de
lazer, eu acho que você abre mão de estar com a família muitas vezes. Tem determinadas datas,
que de repente são importantes para sua família, mas que você tem uma reunião muito importante,
que é inadiável, que precisa de você estar presente...” (Entrevistada n.º 04)
“A maior insatisfação é o tempo que você tem que dedicar à empresa, você acaba não tendo tempo
para nada, você não é respeitado mais nas horas de lazer, na hora de sair da fábrica, Você sempre
sai mais tarde, você tem que está sempre com o celular ligado no final de semana, feriado. Então
eu acho que a insatisfação maior é essa, você deixa de ter vida fora, você tem só que viver em
função de empresa...” (Entrevistado n.º 06)
Segundo França (1996:45), “além do esforço físico e mental, o trabalho representa para a
pessoa a própria identidade e integração social”. O bem-estar e a qualidade de vida no
trabalho das/dos gerentes estudadas ficam comprometidos diante da condição de trabalho
favorecida pela organização, uma vez que essa é a responsável direta pela sobrecarga de
trabalho, pelo aumento de horas trabalhadas e pela dedicação excessiva à organização.
“ Estresse, pressão alta, eu tenho. Porque o que se faz aqui, é muita coisa e esse jogo, por estar
ligado ao poder, é um jogo de poder muito grande. Então isso é o mais difícil, é você lidar com
esse jogo. Se viesse só trabalhar, era ótimo. Então, a pressão é muito forte, isso afeta, e é por isso
que você não pode abrir mão de ter um espaço, como hoje eu tenho.” (Entrevistada n.º 01)
“...você tem de engolir muita coisa e não pode explodir na hora, então isso me causa um estresses
muito grande, inclusive agora eu estou tomando um remédio toda noite para estresses, então eu
estou completamente estressado, saía daqui com vontade de conversar com ninguém, fiquei
trancado, isolado num canto, então isso aí me fez muito, me faz, ás vezes me faz muito mal, não
sempre, mas têm certos dias que, que isso me faz muito mal.” (Entrevistado n.º 06)
Os elementos/fatores relativos à má qualidade de vida dos/das gerentes evidenciam-nos
como o potencial biológico e também o psíquico dos mesmos podem estar alterados por causa
das situações de pressão, de estresse, de sobrecarga de trabalho, e de falta de tempo. Entre as
mulheres entrevistadas, foram identificadas muitas queixas de pressão alta, sobrepeso e
estresse, sempre relacionadas à má alimentação e aos excessos inerentes ao seu trabalho, bem
como as pressões sofridas na vida pessoal.
“... eu me cobro muito e eu acabo ficando, no final do dia, com muita dor de cabeça, cansada...
Atrapalha até mesmo o meu apetite.” (Entrevistada n.º 06)
“A função gerencial afeta muito a minha saúde porque não é fácil. Tem dia que, realmente, você
quer chegar em casa, cair na cama e dormir! Afeta muito a nível de estresse por causa das pressões
que você tem. Tanto pressão interna, quanto pressão externa.” (Entrevistada n.º 14)
22
No entanto, percebe-se menor dificuldade por parte dos homens em lidar com essas
questões. Para eles, as pressões sofridas são consideradas mais comuns ao trabalho e, por esse
motivo, eles tentam conviver melhor com elas. Também, por não terem que chegar em casa e
desempenhar as tarefas domésticas, eles acabam tendo mais tempo para descansar, ou têm
maior facilidade para regularem o seu tempo. Ademais, o fato de eles chegarem em casa e
destinarem parte do seu tempo com tarefas de seu trabalho é encarado de forma mais natural
pela sua família, do que no caso das gerentes.
“De vez em quando afeta os nervos um pouco mas a gente convive com isso. Mas a nível de
prejudicar a saúde não, pelo menos no meu caso não.” (Entrevistado n.º 04)
“Eu deixo de comer, eu deixo de almoçar, eu deixo de me adiantar bem em determinadas
situações, eu me desgasto, às vezes eu espero o pessoal dormir porque aí eu vou trabalhar um
pouquinho e fico até duas, três horas da manhã trabalhando. Então desgasta sim, sem dúvida
nenhuma.” (Entrevistado n.º 19)
Essa sobrecarga de trabalho a que os/as gerentes são submetidos, além de impactar na
saúde física e mental, influencia a relação deles com a organização. O ritmo das atividades
desenvolvidas por eles, bem como suas relações intensas com o trabalho e com a organização
são transferidos para suas relações afetivas, familiares e sociais. Daí, surge a necessidade de
se cuidarem para que tamanha influência tenda a ser positiva.
“Final de semana passado mesmo eu tive um exemplo, eu estava tranqüilo com a minha esposa,
eu tinha ficado a semana inteira longe dela e tive problema na fábrica, o celular tocando sem parar
e ela nervosa e eu... eu preciso atender lá e dar atenção para ela aqui. Isso afeta, afeta pesado.”
(Entrevistado n.º 07)
“Você não consegue separar a sua vida profissional do resto da sua vida. Você é um ser só,
único.(...) Em determinadas situações o pessoal interfere o profissional e idem. (...) se você tem
uma vida bem estruturada, uma vida tranqüila, você traz isso para sua carreira. A sua carreira é
tranqüila, bem estruturada. As coisas caminham juntas. Acho muito difícil separar isso.”
(Entrevistada n.º 16)
A organização tem um significado muito grande na vida das gerentes. O trabalho para elas,
representa a possibilidade de terem o capital que se faz necessário para se auto-afirmarem
diante da sociedade. Dessa forma, emerge o sentimento de realização como profissionais e a
ausência de dependência financeira, principalmente em relação ao homem.
Contudo, essa independência e realização tem o seu preço. No caso das gerentes
pesquisadas, percebemos que, para várias delas, há uma dissimulação ao consentirem algumas
situações de trabalho. Nesses casos, o consentimento dissimulado torna-se um meio de
garantir sua inserção no mercado de trabalho, mesmo quando "o limite capital" não é
satisfatório, ou quando a "culpa interior" se manifesta em sua consciência na abdicação de
tempo para os filhos ou para consigo mesma e o consentimento a situações desagradáveis
pode ser uma fonte de estresse a mais proporcionada no ambiente de trabalho.
As manifestações de estresse se apresentam como reflexos do clima organizacional já
descrito sendo conseqüência da pressão a qual os/as gerentes estão submetidos diariamente,
da extensa carga horária e ainda, principalmente para as mulheres, pelo prolongamento dessa
carga horária no espaço extra-trabalho.
“O estresse, chegar cansada em casa.(...).Isso interfere porque eu abdico de diversão durante a
semana.”( Entrevistada n.º 03)
“O estresse, você tem muito. Vai tomar a decisão, você tem muita responsabilidade, às vezes você
tem que demitir pessoas, admitir pessoas, isso tudo afeta você. Quer você diga que não, mas isso
afeta.” (Entrevistado n.º 13/16)
23
Inseridos num mercado de trabalho instável e que exige alta produtividade, encontramos
gerentes que sofrem diretamente a ação da concentração de esforços, das pressões contínuas,
das exigências cada vez maiores e dos prazos reduzidos, revelando problemas de saúde, tais
como depressão, estresse, hipertensão, além de expressivo cansaço.
5. Considerações finais
Por meio do presente artigo objetivou-se a análise da vivência dos homens e das mulheres
que ocupam cargo de gerência no setor industrial, identificando os fatores que influenciam a
sua saúde física e mental. Com esse propósito, debruçou-se sobre a relação do/da gerente com
sua função gerencial, sua percepção acerca da interface casa-trabalho, suas satisfações e
insatisfações; focalizou-se a vida profissional gerentes, a prática da função gerencial e seus
impactos na qualidade de vida da mulher, assim como o ser mulher e do homem permeados
pela percepção da mulher como gerente.
Segundo Dejours (1988), não existe uma continuidade entre o prazer e o sofrimento no
trabalho. Para ele, não há critérios objetivos para medir o determinismo direto entre
sofrimento e prazer, ou seja, o sofrimento no trabalho se inscreve numa ruptura fundamental
com a história subjetiva, não existindo prazer no trabalho que possa ser tido sem uma dialética
com a angústia. Dessa forma, se o trabalho provoca acidente, doenças e sofrimentos, ele pode
também trazer prazer e permitir, em algumas situações, um meio de conquistar, conservar ou
de recuperar a saúde.
O artigo confirmou que a mudança percebida pelos gerentes do setor industrial se direciona
para uma maior autonomia dos/das gerentes com conseqüente fim da figura autoritária,
superior e masculinizante do profissional. Esse passa a ser uma pessoa mais “acessível” aos
seus subordinados e dar mais atenção à sua equipe de trabalho, mas nesse setor ainda
predomina a cultura patriarcal tradicional, configurando a indústria como um “gueto
masculino”.
As mudanças percebidas ainda não eliminaram a discriminação das mulheres,
principalmente, em relação ao aspecto financeiro. Juntamente com outras variáveis, o
preconceito ainda existente contra a mulher, de acordo com a visão das entrevistadas, mesmo
que elas já tenham conquistado parte da confiança de chefes, subordinados e colegas.
Foram identificadas várias dificuldades no exercício do cargo gerencial sendo que os
homens demonstram preocupações na esfera familiar, mas priorizam o lado profissional. A
reduzida responsabilidade dos homens nos serviços domésticos e familiares, se comparados
com a das mulheres, facilitam o cumprimento das suas funções como gerentes. No entanto,
quando analisado o tema “a mulher e o espaço doméstico”, identificam-se as dificuldades
vivenciadas pelas mulheres que resolvem se lançar no mercado de trabalho e que também não
podem se descuidar de suas outras “faces”. Afinal, elas também são mães, esposas, donas-decasas, e muitas vezes, estudantes, além de serem profissionais. Com tantas dificuldades,
torna-se problemático estabelecer prioridades. Muitas vezes, o casamento sai prejudicado, e
até a maternidade é colocada em segundo plano. Essas situações geram grande
descontentamento emocional, abalando a saúde física dessas mulheres.
O desequilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional é visto como um fator de
pressão, o qual leva à insatisfação e ao estresse. Por isso, um ambiente de trabalho com tantas
pressões internas e externas, como a sobrecarga de trabalho, proporciona um grande impacto
na vida e na saúde dos/das gerentes, sendo refletindo em estresse, cansaço, pressão alta,
gastrite, etc. Às mulheres ainda se impõe a necessidade de se dedicarem mais ao lado pessoal.
Portanto, a realidade do trabalho gerencial no setor industrial está vinculada a um
condicionamento econômico pela prática incessante de produzir, sempre e cada vez mais,
24
associado ao condicionamento social de as cobranças e as oportunidades serem diferentes de
acordo com o gênero.
Os resultados deste trabalho sinalizam em direção a estudos para verificar se as condições
de trabalho também influenciam o comportamento do indivíduo em outros setores da
sociedade; quais são as consequências dessas condições sobre a produtividade e a satisfação
dos trabalhadores e como eles estão se adaptando às novas regras do mercado mediante a
penalização de sua saúde, uma vez que é essa forma pela qual são assegurados o emprego e as
oportunidades, teoricamente semelhantes entre os homens e as mulheres.
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26
Desafios e Dilemas dos Gerentes das Empresas de Pequeno
Porte
Angelo Brigato Esther ([email protected])
Doutorando e Mestre em Administração (UFMG / CEPEAD / NURTEG)
Professor e Pesquisador (UFJF / FEA)
Campus Universitário – Bairro Martelos – 36.036-330 – Juiz de Fora - MG
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])
Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França)
Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e
Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).
R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo HorizonteMG
1 Introdução
A função gerencial é um tema que vem sendo discutido há décadas pelos especialistas e
práticos em Administração e ainda hoje não se tem uma unanimidade sobre o que realmente é
ser gerente, provavelmente em função da complexidade que envolve a atividade, o que não
impede que o tema seja discutido e algumas proposições sejam formuladas.
Em termos do que se tem publicado e discutido sobre gerência, é notória a ênfase na
realidade das grandes empresas, corporações e grupos empresariais, ficando as empresas de
pequeno porte reféns das análises feitas para aquelas de grande porte. No entanto, sabe-se que,
embora a natureza da função gerencial seja a mesma independentemente do porte da empresa,
a realidade da empresa pequena (e da média) tem suas particularidades, exigindo, muitas das
vezes, uma ação gerencial singular.
O objetivo deste artigo consiste em analisar a ação gerencial nas empresas de pequeno
porte, tendo em vista tanto os aspectos racional-formais da função quanto os aspectos
subjetivos que a envolvem, em especial os dilemas gerenciais enfrentados nos diversos
espaços organizacionais. Para tanto, a própria definição do que é uma empresa de pequeno
porte é discutida a partir da legislação vigente e das propostas existentes. Em seguida é
analisada a situação das pequenas empresas no país a partir de uma pesquisa realizada pelo
SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em parceria com a
FUBRA (Fundação Universitária de Brasília). Esta pesquisa traz informações importantes e
relevantes para as análises aqui desenvolvidas e que certamente contribuem para o
entendimento e aperfeiçoamento da gestão das empresas de pequeno porte. Seguindo, o texto
apresenta as principais considerações teóricas acerca da função gerencial para, em seguida,
discutir-se a realidade gerencial nas empresas. A análise consiste em confrontar os dados da
pesquisa do SEBRAE com as principais situações, desafios e dilemas que as empresas de
pequeno porte enfrentam no seu cotidiano.
Ao final, são tecidos alguns comentários e recomendações às empresas, de modo a
contribuir para tornar sua gestão mais efetiva. A idéia central defendida é a de que as
empresas de pequeno porte devem profissionalizar efetivamente sua gestão (seus gerentes), ou
seja, elas devem assumir proativamente a responsabilidade por tornar sua ação efetivamente
estratégica e não meramente burocrática e reativa.
2 A Empresa de Pequeno Porte
2.1 Caracterização da empresa de pequeno porte
A definição do porte de empresa não é uma tarefa simples, embora haja regulamentação
para tal. No entanto, os critérios existentes giram basicamente em torno de critérios
quantitativos: faturamento (receita operacional bruta) e número de empregados. O quadro
abaixo apresenta as principais classificações adotadas no Brasil (Quadro 1). Convém ressaltar
27
que o SEBRAE encaminhou ao governo uma proposta de Lei geral para as micro e pequenas
empresas que ainda não está em vigor.
Quadro 1 - Classificação do porte da empresa no Brasil
Porte segundo regulamentação
Por Valor da receita
Lei n. 9.841 de 05/10/99
Microempresas
Empresas de pequeno porte
(Não define a média e grande empresa)
Até 244 mil reais
De 244 mil reais a 1,2 milhões de reais
Por Número de empregados
Porte
SEBRAE
Microempresas
Até 9 (comércio e serviços)
Ate 19 (indústria)
Empresas de pequeno porte
De 10 a 49 (comércio e serviços)
De 20 a 99 (indústria)
Empresas de médio porte
De 50 a 99 (comércio e serviços)
De 100 a 499 (indústria)
Empresas de grande porte
Acima de 499 (indústria)
Acima de 99 (comércio e serviços)
Proposta de lei geral das micro e pequenas empresas proposta pelo SEBRAE
Microempresa, a pessoa jurídica, ou equiparada
receita bruta igual ou inferior a R$ 480.000,00
Empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica, ou receita bruta superior a R$ 480.000,00 e igual ou inferior a R$
equiparada
3.600.000,00
Porte segundo regulamentação
Por Valor da receita
BNDES
Microempresa
receita operacional bruta anual* ou anualizada até R$ 1.200 mil
Pequenas empresas
receita operacional bruta anual* ou anualizada superior a R$
1.200 mil
Médias empresas
receita operacional bruta anual* ou anualizada superior a R$
10.500 mil (dez milhões e quinhentos mil reais) e inferior ou
igual a R$ 60 milhões
Fontes:
BNDES: http://www.bndes.gov.br/produtos/instituicoes/fgpc2.asp, acesso em 20/05/2005;
SEBRAE: http://www.sebrae.com.br/br/home/index.asp; http://www.sebrae.com.br/br/mortalidade_empresas/index.asp;
http://www.leigeral.com.br/; acesso em 20/05/2005.
Lei n. 9.841 de 05/10/99.
(*) Considera-se receita operacional bruta anual como a receita auferida no ano-calendário com o produto da venda de bens e
serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas
canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
Em função dos critérios existentes, há proposições no sentido da inclusão de elementos
qualitativos para fins de classificação (LIMA, 2001). Do ponto de vista da análise que se
pretende desenvolver para o trabalho gerencial e tendo em vista que este texto visa contribuir
para o desenvolvimento daquelas organizações que ainda não alcançaram um nível elevado de
competitividade (excelência empresarial), talvez seja mais prático e útil partir do princípio de
que uma empresa de pequeno porte é aquela que possui um quadro gerencial extremamente
reduzido e que este (quando existente) trabalha diretamente vinculado ao proprietário ou
gerente geral. Além disto, presume-se também que, de modo geral, a empresa de pequeno
porte possui uma estrutura ainda familiar, nada ou pouco profissionalizada, empregando um
contingente de pessoas sem a devida qualificação e adotando práticas de gestão voltadas para
o curto prazo e para a resolução de problemas. Se estes não são os melhores critérios para se
definir a pequena empresa, pelo menos para os fins deste texto eles serão adotados.
2.2 Situação das empresas de pequeno porte no Brasil
28
Recentemente, o SEBRAE, em parceria com a Fundação Universitária de Brasília
(FUBRA) publicou os resultados de uma ampla pesquisa que visava a identificação das taxas
de mortalidade das empresas de pequeno porte (envolvendo as micro e pequenas empresas)
no Brasil e nas Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul e os principais fatores
condicionantes da mortalidade. A amostra foi obtida nas 26 unidades da federação e no
Distrito Federal. A pesquisa de campo foi realizada em 2004, apurando a taxa e os fatores
condicionantes de mortalidade das empresas constituídas em 2000, 2001 e 2002, comparando
os resultados entre as empresas extintas e em atividade. O critério de porte foi o número de
empregados, conforme o quadro 1. As taxas de mortalidade verificadas para o Brasil são as
seguintes:
- 49,4% para as empresas com até 2 anos de existência (2002);
- 55,64% para as empresas com até 3 anos de existência (2001);
- 59,9% para as empresas com até 4 anos de existência (2000).
Segundo os entrevistados, as principais causas do fracasso estão relacionadas a falhas
gerenciais na condução dos negócios, causas econômicas conjunturais, logística operacional
e políticas públicas e arcabouço legal. O desdobramento destes fatores pode ser observado na
tabela 1:
Tabela 1 – Causas das dificuldades e razões para o fechamento das empresas
Categorias
Ra
nking
Falhas
gerenciais
Causas
econômicas conjunturais
Logística
operacional
Políticas públicas
e arcabouço legal
1º
3º
8º
9º
2º
4º
6º
12º
11º
5º
10º
13º
7º
Dificuldades/Razões
Falta de capital de giro
Problemas financeiros
Ponto / local inadequado
Falta de conhecimentos gerenciais*
Falta de clientes
Maus pagadores
Recessão econômica do país
Instalações inadequadas
Falta de mão-de-obra qualificada
Falta de crédito bancário
Problemas com a fiscalização
Carga tributária elevada
Outra razão
Percentual de
empresários que
responderam
42%
21%
8%
7%
25%
16%
14%
3%
5%
14%
6%
1%
14%
Fonte: SEBRAE..., 2004.
* nas microempresas este percentual é de 33%.
As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.
Por outro lado, os entrevistados apontaram como os principais fatores de sucesso as
habilidades gerenciais, a capacidade empreendedora e a logística operacional. A tabela 2, a
seguir, mostra o quanto cada fator é considerado crítico para o sucesso das empresas, segundo
a pesquisa.
Tabela 2 - Fatores condicionantes do sucesso empresarial segundo as habilidades
gerenciais, a capacidade empreendedora e a logística operacional
Categoria
Habilidades
Gerenciais
Capacidade
empreendedora
Logística
Operacional
Fatores de sucesso
Bom conhecimento do mercado onde atua
Boa estratégia de vendas
Criatividade do empresário
Aproveitamento das oportunidades de negócios
Empresário com perseverança
Capacidade de liderança
Escolha de um bom administrador
Uso de capital próprio
Reinvestimento dos lucros da empresa
29
Percentual de
empresários
49%
48%
31%
29%
28%
25%
31%
29%
23%
Acesso a novas tecnologias
17%
Fonte: SEBRAE...,2004.
As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.
Outro ponto importante é a questão do tipo de conhecimento necessário para a empresa
sobreviver pelo menos ao primeiro de atividade. A tabela 3 apresenta as respostas dos
proprietários das empresas extintas, segundo a pesquisa do SEBRAE.
Tabela 3 - Áreas de conhecimento mais importantes no primeiro ano de atividade de
uma empresa, segundo proprietários de empresas extintas
Áreas de conhecimento importantes
Empresas
extintas
Planejamento
Vendas
Marketing / propaganda
Organização empresarial
Análise financeira
Relações humanas
Conjuntura econômica
Informática
Processo decisório
Nenhuma
59%
41%
36%
35%
32%
22%
16%
14%
6%
3%
Fonte: SEBRAE...,2004 (adaptado).
As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.
Comparando-se com a tabela 1, nota-se uma inconsistência no sentido de que, embora o
conhecimento de vendas seja um dos mais importantes, a falta deste conhecimento não
aparece como razão para o fechamento. Outra questão fundamental que mostra as dificuldades
encontradas pelos proprietários diz respeito à sua experiência ou conhecimento do ramo de
negócio. A tabela 4 apresenta os resultados da pesquisa do SEBRAE.
Tabela 4 – Experiência anterior ou conhecimento do ramo de negócio pelo
proprietário/administrador
Conhecimento do ramo de negócio
Empresas
extintas
Nenhuma
26%
Alguém na família tinha um negócio similar
19%
Funcionário de outra empresa
19%
Trabalhava como autônomo no ramo
12%
Trabalhava como autônomo em outra
8%
atividade
Sócio/proprietário de outra empresa
7%
Diretor/gerente de outra empresa
5%
Outra experiência
4%
Fonte: SEBRAE...,2004 (adaptado).
As respostas são múltiplas, daí o percentual total maior que 100%.
Nota-se que a experiência anterior e o conhecimento do ramo de atividade são baixíssimos,
o que é corroborado pelo fato de que a grande maioria dos respondentes das empresas extinta
abriu o negócio em função de desejo de ter um negócio próprio (41%), por estar
30
desempregada (20%) e, somente em 19% dos casos, ter identificado uma oportunidade de
negócio (SEBRAE...,2004).
Os resultados desta pesquisa praticamente confirmam o que já vem sendo apontado há
algum tempo. Por exemplo, Viapiana (2001), a partir de revisão de diversos autores, deixa
claro que um dos maiores problemas das pequenas empresas reside na mediocridade e falta de
competência gerencial, além da falta de experiência empresarial.
Outras pesquisas mostram que a baixa capacitação gerencial está associada ao fato de que
muitas, senão a maioria, são empresas familiares. Além disto, o tamanho da empresa induz a
uma visão de curto prazo, impedindo a definição de estratégias de longo prazo (ROVERE,
2001).
Enfim, percebe-se, de modo geral, que a aqui chamada genericamente habilidade gerencial
tem levado as empresas de menor porte a enfrentar situações mais difíceis, ocasionando
inclusive o seu fechamento. Assim, este texto pretende discutir como a função gerencial pode
contribuir para o alcance dos resultados, considerando os diversos espaços organizacionais de
atuação do gerente. Ressalta-se que tal discussão visa contribuir para que o
empreendedor/gerente possa pensar de modo mais sistemático sua realidade.
3 O Trabalho Gerencial
3.1 Visão clássica
A abordagem clássica da Administração se tornou altamente influente no mundo
organizacional, pois é a partir dela que o trabalho gerencial começa a ser delineado de forma
sistemática. Taylor (1970), por exemplo, divide o trabalho em tarefas e atribui à gerência a
responsabilidade de pensar e planejar a produção, enquanto ao trabalhador resta realizar suas
tarefas com a máxima eficiência. Já Fayol desenha as chamadas funções da administração:
prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. (FAYOL, 1990 – original de 1915).
Nos anos 60, Likert (1971) percebe o aumento da concorrência no mercado norteamericano e as falhas do sistema taylorista-fordista (sua crítica reside basicamente na gestão
autoritária) e propõe seus quatro sistemas de administração: autoritário forte, autoritário
benevolente, participativo consultivo e participativo de grupo, sendo este último o
recomendado para os gerentes.
Tal como Likert, Drucker (s.d.; primeira edição de 1967), preocupado com o aumento da
concorrência – enfatiza a questão da eficácia, afirmando que para trabalhos manuais basta a
eficiência, enquanto que para o trabalho gerencial era necessária a eficácia, definida por ele
como “...a tecnologia específica do trabalhador com conhecimento dentro de uma organização
(DRUCKER, s.d, p.2)”, ao mesmo tempo em que a associa com o alcance de resultados, com
o “fazer as coisas certas”.
A partir da crise do modelo clássico, uma série de estudos comportamentais surgiram,
propondo uma imagem de um gerente racional capaz de articular informações de modo
preciso e com grande capacidade de julgamento. Por exemplo, Robert Katz aponta diferenças
entre as qualidades requeridas para os gerentes nos diversos níveis hierárquicos
organizacionais. Ele identificou um conjunto de três habilidades (técnicas, humanas e
conceituais) necessárias a todos os administradores, mas que possuem importância relativa
conforme o escalão. Katz define habilidade como uma capacidade que pode ser desenvolvida,
que se manifesta no desempenho e não apenas em potencial, ou a capacidade de transformar
conhecimento em ação (KATZ, 1986).
Na década de 1970, Mintzberg (1977) demonstra, ao contrário da imagem que se criou, que
os gerentes trabalham num ritmo inexorável e que suas tarefas são breves, variadas e
descontínuas e que eles estão firmemente orientados para a ação; o trabalho administrativo
envolve execução de rotinas, incluindo rituais e cerimônias; os executivos preferem a mídia
31
verbal, principalmente telefonemas e reuniões; a forma que os gerentes utilizam para
organizar o tempo, processar informações e tomar decisões estão em suas cabeças, havendo
uso de julgamento e de intuição.
Hoje em dia, entretanto, a imagem de “super-homem” ainda é cultuada, a despeito das
críticas. Em função da atual crescente busca por competitividade, a agenda de pesquisas vem
privilegiando o estudo do conceito de competência com o intuito de “preparar” o gerente para
os novos tempos. Embora ainda não haja um consenso sobre o tema, no nível das pessoas a
competência se refere à “(...) necessidade crescente de formar e valorizar o profissional para
oferecer respostas mais rápidas às demandas do mercado e da empresa, com base em um
perfil criativo e flexível” e ao “(...) preparo para trabalhar e estimular o desenvolvimento das
pessoas com quem se trabalha” (BITENCOURT & BARBOSA, 2004, p.240). No Brasil,
Fleury & Fleury (2001, p.21) definem competência como “um saber agir responsável e
reconhecido, que implica mobilizar , integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades,
que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”, ultrapassando a
noção de qualificação.
As abordagens descritas enfatizam basicamente os aspectos técnicos, políticos e
comportamentais do trabalho gerencial, mas pressupondo a realidade como portadora de um
nível de complexidade muito baixo e de racionalidade alta, em que o controle gerencial
poderia ser exercido por meio da posse de um conjunto de conhecimentos objetivos e lineares,
aprendidos por meio de treinamentos. Ainda que seja possível aplicar este tipo de abordagem
– e ela é de fato útil no dia-a-dia –, ela não é a única. Ao contrário, a realidade e a ação
gerencial são permeadas e condicionadas por um nível de complexidade e ambigüidade que,
de modo geral, é percebido empiricamente, mas que não é tratado teoricamente. É o que se
abordará a seguir.
3.2 As ambigüidades e dilemas do trabalho gerencial
A despeito de todos os estudos e publicações que focam a questão da gerência procurarem
oferecer respostas e soluções aos profissionais, o dia-a-dia dos gerentes e as pesquisas
mostram o quanto a prática gerencial é complexa e repleta de incertezas, ambigüidades,
contradições e dilemas (HANDY, 1978; CHANLAT, 1993, 1999; HILL, 1993; REED, 1997;
MELO, 1999; DAVEL & VERGARA, 2001; DAVEL & MELO, 2005; ESTHER & MELO,
2004), o que dificulta sobremaneira a aplicação de receituários e prescrições simplistas.
De certo modo antecipando tais questões, Handy (1978) chama a atenção para o fato de que
o gerente tem que enfrentar um conjunto de quatro dilemas: o dilema das culturas (ajuste às
subculturas sem perda de identidade própria); dos limites temporais (planejar o futuro sem
perder a administração do presente) da confiança-controle (trabalhar com confiança/delegação
sem perder o controle); do líder de comandos/projetos (equilíbrio adequado entre as
exigências do seu grupo e as da organização como um todo)
Chanlat (1993) chama a atenção para o fato de que os estudos típicos de comportamento
organizacional (tais como os de liderança, motivação etc.) vêm desconsiderando certas
dimensões humanas em seus estudos, tais como a dimensão psíquica e afetiva, simbólica, da
alteridade, psicopatológica e outras. Por exemplo, estudos já vêm demonstrando o quanto
modelos de gestão orientados para a excelência empresarial são desgastantes e em grande
medida prejudiciais à saúde dos gerentes (e dos empregados em geral), chegando a alcançar,
em casos extremos, níveis patológicos perigosos, como a tentativa de suicídio em função da
pressão competitiva (CHANLAT, 1995).
Em outro sentido de análise, Hill (1993) demonstra como o indivíduo constrói sua
identidade gerencial durante o primeiro ano que ocupa o cargo. Seu estudo mostra
especialmente os conflitos e as ambigüidades que estes profissionais têm que enfrentar no seu
32
cotidiano (por exemplo, expectativas contraditórias dos subordinados, colegas e superiores em
relação a sua atuação), sem nenhum tipo de preparação específica.
Reed (1997), por seu turno, mostra que a gestão não pode ser explicada considerando-se
apenas elementos técnicos, políticos e macroestruturais, como se os gerentes fossem meros
agentes de imperativos funcionais, produzidos fora das práticas sociais em que se acham
diariamente envolvidos. Em outras palavras, os gerentes agem também por si mesmos,
consciente e deliberadamente, ainda que sujeitos em alguma medida aos imperativos técnicos,
funcionais colocados pela empresa, mercado e outros elementos contextuais.
No sentido exposto acima, em pesquisa sobre o gerente e a função gerencial em
organizações pós-reestruturação produtiva, MELO (1999) aponta a ausência de consenso
sobre o perfil gerencial mesmo entre os próprios gerentes. Na verdade, há uma grande
diversidade de opiniões sobre os desafios que se impõem aos gerentes e quais são exatamente
as características e habilidades que eles precisam ter para exercer suas funções. Em outras
palavras, as defasagens entre as expectativas dos diversos membros e participantes
organizacionais é percebida entre os próprios gerentes, tal como demonstrado por Hill (1993).
Ainda nesta linha, estudo recente de Esther e Melo (2004) mostra o trabalho e os dilemas
enfrentados pelos gerentes de uma grande empresa de informática, destacando-se aqueles
relativos à própria carreira, à vida e carreira dos empregados, trabalho e vida pessoal,
comportamento no trabalho, políticas de negócios e políticas de recursos humanos.
Davel e Melo (2005) e seus colaboradores, por sua vez, discutem as singularidades e
dilemas do trabalho gerencial a partir das instâncias da atuação, da interação, da simbolização,
da dominação e da assimilação, demonstrando claramente a complexidade e as ambiguidades
que envolvem a função.
Se tais constatações são analisadas especialmente nas grandes empresas, há que se
perguntar como as empresas de pequeno porte tratam a questão gerencial. Estudos nesta área
são precários e, nesse sentido, este texto procura contribuir para o avanço do tema tendo em
vista as seguintes questões: o que é ser gerente numa pequena empresa? Quais são os dilemas,
as ambigüidades e os desafios que estes gerentes enfrentam no seu cotidiano? Como os
gerentes podem contribuir de forma mais efetiva para suas organizações?
O presente texto não tem como objetivo oferecer respostas simplistas, prontas e universais,
ainda que em alguns momentos algumas pistas e orientações sejam fornecidas. Mas, ao
contrário, pretende-se oferecer alguns prismas de reflexão que possibilitem ao leitor tirar suas
próprias conclusões e aplicá-las ao seu dia-a-dia.
4 As Empresas de Pequeno Porte e o Gerente
4.1 Espaços organizacionais e o trabalho gerencial
A abordagem ao trabalho gerencial numa pequena empresa será abrangente pois, na prática,
cada caso possui suas particularidades, em função de diferentes configurações dos elementos
organizacionais. Entretanto, pode-se afirmar que a natureza dos problemas é a mesma em
grande medida, pois qualquer organização possui determinados espaços em que os agentes
atuam de modo a buscar os resultados, tanto organizacionais quanto individuais e grupais, por
meio de mecanismos de alocação e coordenação de recursos e de pessoas. É nesse sentido que
o quadro 2 descreve os espaços organizacionais e aponta basicamente seus dilemas e conflitos
gerenciais. É importante ressaltar que esses espaços dizem respeito à mesma realidade e que,
no fundo, complementam-se, ou seja, a complexidade da vida organizacional somente pode
ser entendida a partir do conjunto desses espaços, a despeito de se poder focar cada um deles
de modo a tornar aquela complexidade mais clara, objetiva e passível de intervenção prática.
É importante destacar, também, que os espaços organizacionais são condicionados em
grande medida pelo contexto externo, ou seja, a organização não está no vácuo, ao contrário,
33
ela está inserida e contextualizada numa determinada sociedade, cultura e mercado e estes
elementos não podem ser desconsiderados.
As relações entre os espaços organizacionais e o contexto mais amplo acabam por criar um
conjunto de situações em que os gerentes se vêem envolvidos e que geram uma série de
dificuldades em sua ação cotidiana. Essas dificuldades centrais com as quais os gerentes se
deparam no seu dia-a-dia estão apresentadas em categorias, isto é, em representações
genéricas.
Quadro 2- Espaços organizacionais e os tipos de dilemas enfrentados pelo gerente
na prática cotidiana
Espaço organizacional
Estratégico
Diz respeito à organização como um sistema aberto inserido em um
contexto social, econômico e político, dando ênfase à forma como a
empresa se relaciona com a sociedade e com o mercado.
Estrutural
Diz respeito ao sistema de autoridade e responsabilidade,
considerando que a eficácia dos processos será alcançada através da
definição prévia do papel formal dos funcionários.
Tecnológico
Diz respeito à divisão do trabalho, da especialização de funções
e do tipo de tecnologia a ser empregada na produção, preocupando-se
com espaço, tempo, movimento, custo, qualidade e agregação de valor.
Humano
Diz respeito ao conjunto de atitudes,
comportamentos e participação dos indivíduos,
ressaltando-se as políticas e práticas de motivação,
liderança, distribuição de poder, sistemas de
recompensas e carreira.
Dilemas centrais
(categorias)
Pressões de curto prazo
(imediatismo)
x
objetivos de longo alcance (visão de
futuro)
Rigidez da estrutura de cargos
x
processos eficientes e eficazes
Processos produtivos/ resultados
x
Pressões burocráticas
Aprendizado
x
Eficiência da rotina
Heterogeneidade e
complexidade das pessoas
x
políticas normalmente
homogêneas de RH
Cultural
Diz respeito ao conjunto de valores, crenças e
hábitos coletivamente compartilhados no interior da
organização.
Rigidez de uma cultura forte
x
necessidade de adaptação e de
mudança constante
Político
Diz respeito ao sistema de poder onde pessoas ou grupos
procuram maior influência no processo decisório.
Objetivos organizacionais
x
objetivos individuais (grupo)
x
objetivos próprios
Elaborado pelos autores, tomando-se como referência as perspectivas de análise organizacionais de Motta (1998).
4.2 Os espaços organizacionais e os dilemas gerenciais na empresa de pequeno
porte
4.2.1 O espaço estratégico
Genericamente falando, o espaço estratégico é aquele que diz respeito à relação da
organização com seu ambiente e, por isto, o gerente é aquele que deve conhecer, monitorar,
acompanhar e buscar antecipar as informações ambientais, tanto as mais evidentes quanto as
mais imprevisíveis. Nesse nível a preocupação e a ação gerenciais devem estar voltadas para o
futuro da organização no sentido de como esta pretende garantir sua sobrevivência a longo
34
prazo. Diz respeito a decisões importantes de longo alcance e de grande impacto sobre a vida
da organização, sobre sua dinâmica, sua forma de atuar e de lidar com seus stakeholders.
Aqui o gerente lida com pressões para a mudança e com os resultados a longo prazo. Por
outro lado, a mesma dinâmica organizacional exige decisões imediatas, pressionando a
gerência no sentido de demonstrar, em curtos períodos de tempo, indicadores positivos de
desempenho, de modo a trazerem maior segurança e conforto psicológicos para seus
investidores e proprietários.
No caso de uma empresa de pequeno porte, o dilema “resultados a longo prazo” x
“resultados de curto prazo” assume contornos diferenciados do de uma grande empresa, pois
o gerente – quando existente – está muito próximo do proprietário, mas não necessariamente
possui prerrogativas que lhe confiram uma possibilidade de decidir estrategicamente. Em
muitos casos isto ocorre porque o proprietário não deposita confiança na atuação gerencial
estratégica que não seja a sua própria (ROSSI, MELO & BRITO, 2002).
Não raro o proprietário ou o empreendedor é aquele quem criou o negócio, fê-lo crescer e
deseja ir além, mas também é incapaz de confiar suas decisões a outrem, com medo de que o
negócio possa começar a ruir, dada a suposta falta de visão do gerente ou de sua capacidade
de entender o mercado em que a empresa atua. No entanto, em alguns casos os proprietários
consultam os gerentes para tomarem decisões estratégicas mas, ainda assim, nem sempre as
orientações ou conselhos são seguidos (ROSSI, MELO & BRITO, 2002). Talvez isso seja
explicado em função de tal comportamento representar, de certo modo, traços culturais
brasileiros tais como uma certa tendência à centralização do poder, paternalismo, ser sonhador
mais do que disciplinado, por exemplo (FREITAS, 1997).
4.2.2 O espaço estrutural
Qualquer organização define os papéis, as responsabilidades e o nível de autoridade formal
(hierarquia) de seus empregados, inclusive dos gerentes. Tal definição – a estrutura de cargos
e sua articulação formal – tem como objetivo demarcar os campos de atuação de cada um dos
indivíduos e de suas respectivas atividades, tendo o suporte do espaço tecnológico, de modo a
obter um certo nível de eficiência.
No entanto, atualmente as organizações se vêem diante da necessidade de estabelecer
processos que escapam da mera divisão de cargos, que em muitos casos – sobretudo na
grande empresa – acaba por emperrar a eficiência total do sistema. Em outras palavras, tem-se
um sistema chamado negativamente de burocracia. Se por um lado a burocracia visa o
controle do sistema, em especial do comportamento dos empregados, por outro impede maior
agilidade no sentido de resolver situações imprevistas ou particulares, estas muitas vezes
estratégicas para a organização.
A empresa de pequeno porte possui a vantagem de uma estrutura rasa, sem muitos níveis
hierárquicos e a possibilidade de contratar pessoas em cargos mais amplos ou enriquecidos,
fugindo da rigidez dos cargos das grandes corporações. Por outro lado, a pequena empresa
carece de sistemas de controle que visem garantir a eficiência e a eficácia dos seus processos,
o que acaba por gerar a necessidade da burocratização. Este é outro dilema enfrentado pelos
gerentes no seu dia-a-dia, ou seja, encontrar a medida exata da estrutura de modo que esta não
comprometa o controle necessário e os níveis de eficiência desejada, ao mesmo tempo em que
não impeça a organização de tomar decisões ágeis e de encontrar soluções econômicas e
criativas para seus processos organizacionais.
35
4.2.3 O espaço tecnológico
O espaço estrutural é complementado pelo espaço tecnológico, à medida que este diz
respeito à divisão do trabalho, à especialização das funções e do tipo de tecnologia necessária
para a produção. Em outras palavras, o espaço tecnológico é o espaço da produção, cujas
preocupações centrais residem nas questões de espaço, tempo, movimento, custo, qualidade e
agregação de valor. Este espaço impõe ao gerente pelo menos dois dilemas ou desafios: as
pressões burocráticas versus os processos produtivos com valor agregado e a questão da
eficiência da rotina versus a necessidade de mudança/aprendizado.
No primeiro dilema, o gerente deve equacionar a necessidade de alcançar níveis elevados
de eficiência e de eficácia, ao mesmo tempo em que as pressões burocráticas lhe exigem uso
racional dos recursos, ou seja, custos baixos versus resultados altos e positivos. No segundo
caso, emerge a questão da inovação e da mudança. Dito de outro modo, o gerente se vê diante
de uma nova questão, que é equacionar a questão da eficiência rotineira tendo em vista a
necessidade da empresa em alcançar novos produtos e mercados. Esta conquista exige
investimentos em treinamento e desenvolvimento, ou seja, aprendizado. Aprender pode custar
caro à medida que não traz retornos imediatos, mas sem aprendizado não há inovação.
Portanto, o gerente encontra dois sérios dilemas que nem sempre pode resolver, considerando
que o espaço estratégico nem sempre lhe é concedido ou por ele conquistado.
Na pequena empresa este problema tende a ser grave, pois o gerente não tem
necessariamente o poder de decisão, ao mesmo tempo em que o proprietário lhe exige
indicadores positivos elevados que garantam a rentabilidade a curto prazo. Por outro lado, o
mercado da empresa menor tende a ser exigente e seus produtos ou serviços podem ser
copiados de forma relativamente fácil, o que exige uma política de inovação constante.
Some-se a estas a questão do acesso à tecnologia disponível para obter processos
produtivos eficientes. Nem sempre a empresa de pequeno porte possui os recursos financeiros
para investir em tecnologia adequada, ocasionando dificuldades de manter um nível de
atualização e modernização de equipamentos. Além disto, a tecnologia requer pessoas
devidamente preparadas para operá-la. Mais uma vez, a pequena empresa investe num nível
muito aquém do desejável. Observe-se que a pesquisa do Sebrae, citada anteriormente,
destaca o espaço tecnológico como um das causas do fechamento das empresas, ao referir-se
às instalações inadequadas, à falta de mão-de-obra qualificada, à falta de capital de giro e à
falta de crédito bancário (Tabela 1). Ao mesmo tempo, a pesquisa aponta como fatores
importantes para o sucesso das empresas o acesso a novas tecnologias, o uso de capital
próprio e o reinvestimento dos lucros.
4.2.4 O espaço humano
O espaço humano diz respeito basicamente ao comportamento do indivíduo no trabalho,
bem como a questão de sua participação nos processos e na tomada de decisão. Envolve
questões importantes das políticas e práticas de gestão de recursos humanos, tais como
motivação, comprometimento, liderança, distribuição de poder, sistema de recompensa e
carreira. As políticas e práticas de gestão de recursos humanos, herdeiras da lógica da
organização burocrática, pressupõem que o comportamento dos indivíduos pode ser
gerenciado e, de certo modo, previsto. No entanto, esta mesma lógica admite as chamadas
“disfunções”, ou seja, o comportamento individual e grupal pode não ocorrer da forma
esperada. Daí a necessidade de se criar instrumentos e mecanismos para corrigir ou modelar
os comportamentos específicos e genéricos desejados pela organização, tais como os modelos
motivacionais, de liderança, de recompensa e de carreira e assim por diante.
No entanto, a prática demonstra que os indivíduos são pessoas singulares e que nem sempre
o que funciona com determinado indivíduo ou grupo pode funcionar com outro. Por outro
lado, na prática, também não é possível – ou viável – gerenciar cada indivíduo de maneira
36
singular, ou seja, a gestão de recursos humanos tenta e tende a nivelar comportamentos
visando obter controle sobre eles, de modo que sejam eficientes para os fins organizacionais.
Nos dias atuais, a crescente competitividade e o uso cada vez menor da força de trabalho
vêem exigindo das pessoas comportamentos cada vez mais flexíveis e efetivos. Em outros
casos, o comportamento é totalmente modelado, supervisionado, gravado e mensurado
(inclusive o tempo de atendimento é pré-determinado), como é o caso dos operadores de
telemarketing, por exemplo. Observe-se que o nível de modelagem varia de acordo com a
natureza das atividades desempenhadas e do que se exige para desempenhá-las (espaço
tecnológico). No entanto, em qualquer caso, os gerentes se deparam com a dificuldade de
escolher e alocar pessoas com determinado perfil para realizar certas atividades. Além disto,
pressupõe-se que sempre existe um perfil para determinado cargo. Em momento algum
questiona-se se alguém efetivamente está preparado, disposto e motivado a executar uma
atividade ou operação. Ou seja, em momento algum a subjetividade do indivíduo é levada em
consideração pelas políticas e práticas de gestão de recursos humanos. Daí decorre a
expressão: os indivíduos vistos como recursos humanos, não como pessoas.
O gerente da empresa de pequeno porte lida com os indivíduos de forma mais próxima, o
que lhe dá certas vantagens sobre aqueles gerentes que manejam grandes efetivos, muitas
vezes à distância e por meio de relatórios. O acesso mais imediato e próximo pode propiciar
uma relação mais afetiva – não confundir com paternalismo – entre gerentes e subordinados,
de modo a se ter ambiente mais favorável a relações abertas e sinceras – não confundir com
confiança cega. Porém, não há como escapar também da lógica racional dos recursos, ou seja,
a despeito de relações próximas, não deixa de existir a cobrança e exigência de resultados.
A empresa de pequeno porte está, de certo modo, mais perto de seu público do que a
grande empresa – ainda que esta tenha poderosos instrumentos de marketing para obter e
manter esta proximidade –, pois lida diretamente com os clientes no seu dia-a-dia. Em muitos
casos, o próprio dono do negócio ou estabelecimento é quem atende diretamente os clientes.
Assim, a visão dos resultados parece estar mais presente no cotidiano destes gerentes.
Talvez este seja o maior dilema, dificuldade ou desafio dos gerentes: saber que as pessoas
são complexas, únicas, repletas de sentimentos e emoções, ainda que capazes de se adaptar e
desempenhar certos papéis na vida social e organizacional e, ao mesmo tempo, ter que pensar
e agir como se os indivíduos fossem meros recursos passíveis (e passivos) de uma
generalização racional para alcançar fins organizacionais. Por outro lado, nenhum gerente
pode perder de vista a perspectiva racional e técnica da gestão, ou seja, vive-se num sistema
competitivo em que os mais aptos sobrevivem. Nesse sentido, o gerente deve garantir que sua
organização tenha as condições reais de competir num mercado aberto e acirrado.
4.2.5 O espaço cultural
O espaço da cultura (organizacional) diz respeito a um conjunto de pressupostos básicos,
valores, crenças, formas de pensar e de sentir que a organização desenvolve ao longo de sua
existência, de modo a que seus membros sintam-se parte de um grupo coeso que compartilha
daqueles elementos de forma relativamente homogênea. Quando isto ocorre, tem-se o que
normalmente se chama de uma cultura forte. A cultura organizacional tem por objetivo
garantir que a organização seja capaz de manter a integração interna (a coesão) e a adaptação
externa (sobreviver e se manter competitiva no ambiente).
É um desafio permanente para o gerente conseguir alcançar essa situação, posto que,
teoricamente pelo menos, desta forma a organização se tornaria competitiva. No entanto, uma
cultura forte pressupõe uma espécie de “rigidez de princípios”, uma certa de dificuldade de
mudança e de inovação. Em outras palavras, por definição a cultura é contrária ou resistente à
mudança. Nesse sentido reside outro dilema gerencial: como obter uma cultura forte capaz de
se adaptar de forma constante.
37
A empresa de pequeno porte, por sua vez, parece ter uma possibilidade melhor de resolver
o dilema da rigidez versus mudança da cultura, pois possui supostamente uma complexidade
menor. No entanto, esta percepção pode constituir uma ilusão, pois em muitos casos o
empreendedor ou proprietário pode ter dificuldades, ele mesmo, em inovar, o que acaba por
indicar um caminho de rigidez no espaço da cultura. Ainda que haja propensão à inovação por
parte do empreendedor, é possível também que o mesmo não ocorra com as pessoas à sua
volta. Em outras palavras, cabe ao gerente estabelecer a conexão entre o que o ambiente
externo demanda e o que o ambiente interno precisa. Tal desafio é grande e em muitos casos
constitui-se num dos principais dilemas gerenciais a serem resolvidos.
4.2.6 O espaço político
O espaço político é aquele em que ocorrem as relações de poder, em que os diversos
interesses são negociados ou não, em que as partes tentam de alguma maneira fazer com que
seus objetivos sejam alcançados. Em termos genéricos, a organização visa alcançar seus
objetivos estratégicos, relativos à rentabilidade, posição no mercado, reputação e assim por
diante; os diversos grupos na organização tentam alcançar ou realizar seus diversos interesses,
tais como status (gerentes ou engenheiros, por exemplo), aumentos salariais, melhores
condições de trabalho dentre outros; e os indivíduos, isoladamente considerados, visam,
dentre outros objetivos e interesses, alcançar uma posição mais elevada na hierarquia, maior
status e influência perante outros, demonstrar sua competência e assim serem reconhecidos.
As relações de poder ocorrem em todos os sentidos na hierarquia, seja qual for o porte da
organização. Assim, o poder é sempre transitório e relativo, jamais absoluto, ainda que em
certos momentos pareça ocorrer o contrário.
O gerente se encontra diante de um dilema praticamente insolúvel: equacionar as diversas
racionalidades – inclusive a sua própria – de modo a garantir a dinâmica da organização. Para
tanto, o gerente deve ser capaz de articular os diversos interesses e ter grande capacidade de
negociação e convencimento. Até porque o gerente ocupa uma posição delicada: ele não é
dono do empreendimento, mas em muitos casos se sente como tal (ROSSI, MELO & BRITO,
2002) e, ao mesmo tempo, ele é pressionado pelos níveis superiores e inferiores. Se o gerente,
sendo empregado, é visto pelos proprietários como defensor dos interesses grupais e
individuais, ele é tido como incompetente. Se, ao contrário, ele adota a lógica do
investimento, ele é visto pelos pares (não gerentes) como representante do empregador e,
como tal, pode ser considerado como “inimigo”.
Na empresa de pequeno porte, dada a hierarquia rasa, as relações formais de autoridade
podem ser mais flexíveis do que na grande, o que permite maior agilidade nos processos
organizacionais. É uma premissa básica da administração que os objetivos organizacionais
devam prevalecer sempre sobre os objetivos individuais e grupais. No entanto, os diversos
objetivos (individuais, grupais e organizacionais) estão em jogo e cada uma das partes “joga”,
em alguma medida, de modo a alcançar seus objetivos. Existem tantas racionalidades quanto
participantes de uma organização, ainda que em tese deva prevalecer a organizacional.
Negociar numa cultura como a brasileira é um exercício difícil, em função da lógica ainda
impregnada de traços conservadores do tipo “você sabe com quem está falando?” ou “sempre
foi assim, para que mexer?” ou “levar vantagem em tudo”, dentre outros. Freitas (1997),
baseando-se em autores consagrados sobre a cultura brasileira, analisa a influência dos traços
culturais sobre a gestão e discute, dentre outros traços, a hierarquia, o personalismo e a
malandragem. Tal lógica vem sendo aos poucos minada ou destruída, mas o gerente ainda se
depara com estes traços mesmo em empresas de pequeno porte, sobretudo naquelas em que o
dono ou gerente adota comportamentos desta natureza. Embora em alguns momentos o “uso”
desses traços possa funcionar, tomá-los como base para toda e qualquer negociação pode
38
levar ao fracasso (por exemplo, uma negociação envolvendo estrangeiros) ou dificultar
sobremaneira o alcance dos resultados esperados.
4.3 O gerente diante dos dilemas e desafios na empresa de pequeno porte
Como se pode observar, os dilemas e desafios enfrentados pelos gerentes nas empresas de
pequeno porte são vários e complexos, pois guardam forte relação entre si. Nesse sentido, os
espaços organizacionais são diversas instâncias de uma mesma realidade, mas que podem ser
compreendidos a partir de elementos centrais. Assim, é possível fornecer algumas pistas sobre
como as pequenas empresas e seus gerentes podem buscar uma efetividade organizacional.
Não se trata de receita pronta e universal, ao contrário, tal como os dilemas e desafios foram
considerados em categorias, as orientações o são da mesma forma. Evidentemente, a realidade
prática é cheia de nuanças e de detalhes específicos que fogem à proposta deste texto, mas
acredita-se que a natureza das questões invariavelmente está presente nas empresas.
Retomando-se as causas de fracasso e as de sucesso das empresas de pequeno porte no
Brasil (tabelas 1 e 2), observa-se a predominância de determinados elementos dos espaços
organizacionais discutidos, conforme as relações estabelecidas nos quadros 3 e 4, a seguir.
Basicamente dois aspectos devem ser discutidos. Em primeiro lugar, é importante
evidenciar que os maiores problemas apontados pela pesquisa, no caso de fechamento
(Quadro 3), referem-se aos espaços estratégico e tecnológico. Ainda que alguns fatores
tenham sido considerados como externos – fatores conjunturais e arcabouço legal -, entendese que uma parte destes problemas guarda relação com problemas gerenciais. Por exemplo, o
que realmente significa “falta de clientes”? De fato os clientes não existem, desapareceram ou
buscaram o concorrente que oferece produtos e serviços mais atraentes? Não seria, por
exemplo, uma definição incorreta do público a ser atingido ou dificuldades em manter um
relacionamento adequado com ele? Ou uma dificuldade em estabelecer uma relação eficaz
com o ambiente externo? A falta de mão-de-obra adequada realmente existe ou a empresa
não possui reais condições competitivas de atraí-la e mantê-la? Problemas com a fiscalização
não implica considerar que a empresa está adotando procedimentos e práticas ética e
legalmente inadequadas? Em outras palavras, a pesquisa realizada com os empresários aponta
uma série de fatores que a princípio independem da empresa. Questiona-se se as empresas não
carecem, de fato, de uma gerência profissional. Mais do que atribuir ao ambiente externo a
culpa pelos fracassos, as empresas deveriam analisar melhor o que ocorre em seu interior.
Obviamente não se nega a interferência externa, seja do mercado ou a governamental, mas
não se pode atribuir a eles um peso maior do que o real.
Quadro 3 – Causas das dificuldades e razões para o fechamento das empresas
segundo o espaço organizacional
Categorias
Falhas
gerenciais
Causas
econômicas
conjunturais
Logística
operacional
Políticas
públicas e arcabouço
legal
Dificuldades/Razões
Falta de capital de giro
Problemas financeiros
Ponto / local inadequado
Falta de conhecimentos gerenciais
Falta de clientes
Maus pagadores
Recessão econômica do país
Instalações inadequadas
Falta de mão-de-obra qualificada
Falta de crédito bancário
Problemas com a fiscalização
Carga tributária elevada
39
Espaço
organizacional
Tecnológico
Tecnológico
Estratégico
Estratégico
Estratégico
Estratégico
Estratégico
Tecnológico
Tecnológico
Estratégico
Tecnológico
Estratégico
Em segundo lugar, e de certo modo corroborando o argumento acima, a nenhum fator
externo é atribuído o sucesso da empresa (Quadro 4). Será que o ambiente externo é uma
entidade que tem exclusivamente o objetivo maquiavélico ou diabólico de destruir a pequena
empresa? Não teria o ambiente externo nenhuma influência positiva sobre a lucratividade das
empresas? Certamente há fatores ambientais que contribuem para que as empresas apresentem
desempenho positivo ao final do exercício, tais como linhas de crédito especiais, possibilidade
da empresa ser incubada, consultorias empresariais, possibilidades de parceria e assim por
diante. Observe-se no quadro 4 que os empresários se consideram praticamente os únicos
responsáveis pelo sucesso de suas empresas, como se eles fossem capazes de agir
independentemente do que ocorre fora de seus muros.
Por outro lado, focando-se o que ocorre no interior das empresas, percebe-se que, apesar do
predomínio dos espaços estratégico e tecnológico, emergem os espaços humano e estrutural
como fatores de sucesso. Ainda que os fatores que concernem ao espaço humano estejam
exclusivamente relacionados ao empreendedor (dono da empresa) e não ao conjunto das
pessoas da empresa, é importante destacar sua presença, pois significa assumir que há
elementos subjetivos presentes que contribuem para o sucesso da empresa. Além disto, o fator
“escolha de um bom administrador” também corrobora a necessidade de se investir na
qualificação e profissionalização gerencial nas empresas de pequeno porte. Ou seja, os
próprios empresários reconhecem a necessidade de um gerente competente. No entanto, resta
saber o que significa a expressão citada pelos empresários: “bom administrador”. Na visão
deste texto, um bom administrador – aqui entendido como gerente – é aquele capaz de atuar
de forma sistêmica e eficaz nos diversos espaços organizacionais discutidos anteriormente.
Quadro 4 - Fatores condicionantes do sucesso segundo o espaço organizacional
Categoria
Habilidades
Gerenciais
Capacidade
empreendedora
Logística
Operacional
Fatores de sucesso
Bom conhecimento do mercado
onde atua
Boa estratégia de vendas
Criatividade do empresário
Aproveitamento das oportunidades
de negócios
Empresário com perseverança
Capacidade de liderança
Escolha de um bom administrador
Uso de capital próprio
Reinvestimento dos lucros da
empresa
Acesso a novas tecnologias
Espaço
organizacional
Estratégico
Estratégico
Humano
Estratégico
Humano
Humano
Estrutural
Tecnológico
Tecnológico
Tecnológico
Tecnológico
Diante dos dados encontrados na pesquisa, é possível inferir que empresários não têm a
visão completa dos espaços organizacionais. Embora o gerente-proprietário muitas vezes seja
um “faz de tudo”, ele não é de fato preparado para entender e atuar sobre o todo
organizacional (MELO, 1994a). É nesse sentido que se espera contribuir para o avanço da
gestão das empresas de pequeno porte, ou seja, apontando-se algumas possibilidades de ação
dentro dos diversos espaços organizacionais. É fundamental ressaltar que é necessário que o
empreendedor esteja aberto a manter um tipo de relação de trabalho que envolve o gerente de
modo mais efetivo na gestão da empresa, ou seja, cabe ao empresário adotar uma atitude de
descentralização, o que não implica transferir ao gerente a responsabilidade total pelo sucesso
ou fracasso da empresa.
40
É fundamental também destacar que o empreendedor deve estar consciente de que tipo de
cultura organizacional ele pretende para a empresa. Nesse sentido, o gerente deve ser alguém
que compartilhe das idéias do empreendedor. Por outro lado, o empreendedor não pode se
considerar como a única racionalidade dentro da empresa. Sempre haverá a necessidade de
alguma negociação e de se chegar a algum consenso, tanto com o gerente quanto com os
demais empregados, grupos ou representantes.
Em outras palavras, o empreendedor e o gerente devem atuar juntos no sentido da
construção de uma cultura negociada, porém dirigida, voltada para os valores e
comportamentos adequados que possibilitem um equilíbrio entre as necessidades de controle,
rigidez, mudança e inovação. É comum, inclusive, que os proprietários esperem que os
gerentes ajam como se fossem donos da empresa (MELO, 1994b). Além disto, há diversos
interesses individuais e grupais envolvidos que não podem ser desconsiderados. Enfim, os
espaços humano, estrutural, cultural e político devem ser trabalhados de forma deliberada,
tendo em vista os espaços estratégico e tecnológico. Desta forma, tende-se a criar uma
organização mais equilibrada, dinâmica e competitiva.
5 Considerações Finais
Ao atribuir ao ambiente externo as causas de seu fracasso e a si mesmos as razões do seu
sucesso, os empreendedores se deixam cegar para a necessidade de profissionalizar e de
preparar suas empresas para o futuro. Criar ou gerenciar uma empresa para o futuro é admitir
que ela ultrapassa seu fundador e seus membros atuais, é admitir a criação de uma cultura
voltada para a sua existência no tempo, que pressupõe nascimento, crescimento e declínio.
Como a pesquisa SEBRAE demonstrou, a ocorrência de declínio prematuro é grande,
servindo de alerta para que as empresas de pequeno porte se preparem para o futuro logo após
o nascimento (ou antes mesmo). Como na maioria dos casos de fechamento os
empreendedores desconhecem ou conhecem muito superficialmente o ramo em que decidiram
atuar (ver tabela 4), eles precisam de tempo para aprendizado. Porém, nem sempre este tempo
é suficiente para que a empresa consiga sobreviver ou se manter competitiva. Daí a
necessidade – novamente – de se pensar na profissionalização da empresa.
Diante de um contexto de concorrência forte e clientes mais exigentes, a capacidade
competitiva se coloca como um imperativo. Nesse sentido, a competência gerencial se faz
necessária como uma espécie de ferramenta para o empreendedor, muito embora ele não o
perceba. A tabela 3 deixa isto claro quando a grande maioria afirma ser o planejamento um
dos conhecimentos mais importantes para o primeiro ano de vida da empresa. O que é o
planejamento senão uma função gerencial? No entanto, não se trata apenas do domínio do
aspecto tecnológico do planejamento, ou seja, não basta conhecer e aplicar uma determinada
metodologia ou um roteiro passo-a-passo, sem a consideração do espaço organizacional como
um todo, envolvendo portanto, tanto os aspectos subjetivos e simbólicos quanto os técnicos e
racionais.
Embora não tenha sido objeto de discussão neste trabalho a cultura brasileira, alguns de
seus traços foram evocados e é importante destacar que eles não são melhores nem piores do
que traços culturais de outros países. Ao contrário, por diversas vezes as características típicas
da cultura brasileira são úteis e fazem a diferença. O jeitinho brasileiro, se visto sob a ótica da
criatividade, é um exemplo interessante. No entanto, é imprescindível a capacidade de
julgamento do gerente quanto a quando e como canalizar aqueles traços culturais.
Portanto, ser capaz de entender e articular os diversos espaços organizacionais num país de
características culturais tão diversas e peculiares, é o grande desafio do gerente, de modo a
criar e manter uma organização competitiva, ética e saudável. De forma alguma é uma tarefa
simples ou fácil, mas certamente necessária, urgente e possível.
41
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Kely César Martins de Paiva ([email protected])
Doutoranda e Mestre em Administração (UFMG / CEPEAD / NURTEG)
Professora e Pesquisadora (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG; Universidade
Fumec)
Alameda das Orquídeas, 690 – Bairro Bosque do Jambreiro - 34.000-000 - Nova Lima
– MG
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])
Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França)
Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e
Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).
R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte
– MG
Angelo Brigato Esther ([email protected])
Doutorando e Mestre em Administração (UFMG / CEPEAD / NURTEG)
Professor e Pesquisador (UFJF / FEA)
Campus Universitário – Bairro Martelos – 36.036-330 – Juiz de Fora - MG
Resumo
O tema “função gerencial” tem instigado diversos autores em decorrência de vários
fatores. O número considerável de perspectivas em que tal assunto pode ser trabalhado
constitui-se ponto de enriquecimento, por um lado, e de discussão, por outro. O Objetivo
deste artigo foi refletir sobre a função gerencial em um setor em franco crescimento no Brasil,
e em especial em Minas Gerais: o de hotelaria. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de natureza
qualitativa, com uso da entrevista como principal instrumento de coleta de dados, em cuja análise
utilizou-se a “análise de conteúdo”. No referencial teórico, as peculiaridades dessa função foram
discutidas em termos da atuação cotidiana, contradições, fragmentações, desafios; relações com
outros atores sociais relevantes, como subordinados, chefias e clientes; e expectativas positivas,
questões relacionadas a poder, status, realização, denotando suas particularidades no contexto
organizacional. Após apresentar e analisar o conteúdo das 21 entrevistas realizadas, foram
percebidas homogeneidades acerca dos relacionamentos dos gerentes com subordinados,
superiores e clientes, e dificuldades com relação à compreensão de seu papel e à capacitação
profissional no setor. Ao final, apontaram-se aspectos pertinentes à academia e à função
investigada, além de possibilidades de pesquisas.
1. Introdução
O tema “função gerencial” tem instigado diversos autores em decorrência de vários
fatores. O número considerável de perspectivas em que tal assunto pode ser trabalhado
constitui-se ponto de enriquecimento, por um lado, e de discussão, por outro. A proposta deste
artigo é refletir sobre a função gerencial em um setor em franco crescimento no Brasil, e em
especial em Minas Gerais: o de hotelaria. Para fins desse artigo, o termo “hotelaria” abraçará
organizações como hotéis, motéis, apart-hotéis e flats.
Segundo Castelli (2001), o crescimento acelerado do turismo promoveu uma sensível
expansão das empresas hoteleiras, decorrendo daí a exigência de formação de pessoal
adequada aos diversos níveis e áreas de ocupação constituintes da estrutura organizacional
peculiar de um hotel. O autor chama a atenção para tal necessidade, independentemente do
porte da empresa hoteleira, em virtude da fluidez e da organização dos serviços desse tipo de
empreendimento. Os avanços tecnológicos deságuam em uma reestruturação do trabalho que
também implica na questão da qualificação. Nesse sentido, Castelli (2001:36) afirma que
44
A empresa hoteleira vem sofrendo, gradativamente, aperfeiçoamentos técnicos
em seus equipamentos e instalações e mudanças relativamente ao seu posicionamento
socioeconômico face às oscilações conjunturais. Conseqüentemente, o elemento humano,
base do seu esquema operacional, deve estar devidamente preparado para assumir
integralmente a empresa. (...) Além da formação técnico-científica, deve-se por em
evidência também as qualidades humanas na formação do profissional especializado.
(CASTELLI, 2001:36)
Dessa forma, atentar para a complexidade do profissional que atua nesse setor é
fundamental para os resultados que a organização almeja. Castelli (2001:38) afirma que o
sucesso desse tipo de empreendimento “repousa fundamentalmente no elemento humano
qualificado” e sugere que profissionais competentes são aqueles “que possuem: excelente
qualificação pessoal, espírito de serviço, capacidade de recuperação e espírito de equipe”
(CASTELLI, 2001:38). Araújo (2003) concorda com esse ponto de vista, sublinhando que
formação profissional é imprescindível para sedimentação de um caminho mais integrado e
auto-sustentável, estendendo sua preocupação a outras organizações da indústria do turismo.
Para este autor,
(...) é visível que o nível dos colaboradores de uma organização turística, os
treinamentos a que são submetidos, bem como seu histórico educacional, tornam-se
componentes importantes, que impactam de forma decisiva a qualidade percebida do
produto. Isso significa que o ‘valor’ de um bem turístico, aos olhos dos clientes, pode ser
influenciado – aumentado ou diminuído -, pela performance de seus funcionários, ou seja,
o ‘capital humano’ que ‘produz’ e ‘disponibiliza’ o serviço. (ARAÚJO, 2003:29)
Nesse contexto, a função gerencial assume contornos peculiares, já que diz de: um ritmo
incansável; variedade, brevidade e fragmentação; preferência por questões atuais, específicas
e não rotineiras; preferência por meios de comunicação verbais em vez de escritos; uma rede
de contatos internos e externos; e pesadas limitações, porém com algum controle sobre seu
trabalho, em função da dependência de terceiros para que seus objetivos, e os da organização,
sejam cumpridos (GUERRIER, 2000).
Guerrier (2000) sublinha que existem controvérsias acerca da exclusividade da natureza
das habilidades de um gestor na área de hotelaria em relação a outros setores. A autora
questiona também se a própria natureza das funções desempenhadas pelo gestor de hotelaria
envolve habilidades mais técnicas e práticas ou empresariais e de gestão. Por outro lado, de
acordo com a autora, as mudanças e os avanços sócio-tecnológicos têm impactos diretos na
atuação do gerente desse setor, obrigando-o a adaptar-se a contingências que nem sempre lhe
deixarão em situação confortável: as tendências do setor indicam que
(...) os gerentes precisarão ter conhecimento sobre administração de pessoal
(mas haverá menos pessoal a administrar) e gerenciamento de clientes (e esse processo
terá se tornado mais padronizado e sistematizado). (GUERRIER, 2000: 310)
Ressalte-se que não se tem a pretensão de colocar um “ponto final” na discussão que vem sendo travada sobre a função gerencial.
Pelo contrário: especificidades da própria função e do setor investigado abrem espaço para outras perguntas, o que, de fato, propicia um
avanço no conhecimento. Para tanto, no que tange à metodologia da pesquisa, este trabalho pode ser caracterizado como de natureza
qualitativa, tendo em vista que procurou obter entendimento de motivos e razões subjacentes a situações e fatos descritos pelos gerentes.
(RICHARDSON, 1999; COZBY, 2003; TRIVIÑOS, 1987.)
Em termos de coleta de dados, priorizou-se a entrevista semi-estruturada, pois o objetivo
era reconstruir processos de ação e experiências relacionadas às funções que o sujeito
desempenha no seu dia-a-dia (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1998; LAVILLE & DIONE,
1999). O roteiro inicial contemplava nove questões, cujo objetivo era levantar a visão do
papel gerencial - de uma maneira geral e específica no setor investigado -, suas exigências,
dificuldades e limitações, as relações com outros atores, conflitos, recompensas e desejos. No
início de cada entrevista, dados demográficos do gerente eram levantados e, em seguida,
dava-se prosseguimento à entrevista propriamente dita; a duração média foi de 45 minutos.
45
Contou-se, também, com observação direta durante o período de coleta, que durou cerca
de três semanas. Foram utilizados Guias Turísticos da Belotur e listas telefônicas locais para
levantar o público alvo, disperso pela cidade de Belo Horizonte (Minas Gerais), e 51
organizações foram contatadas (26 hotéis, três motéis, 13 apart-hotéis e nove flats). Destas, 24
agendaram entrevistas e três pediram para enviar o roteiro de entrevista por e-mail
(posteriormente, um respondeu, negando e dois não deram resposta). Dado que um gerente
não compareceu no horário marcado, dois cancelaram e um se recusou a dar entrevista
(alegando problemas anteriores com pesquisas acadêmicas), 21i entrevistas foram realizadas
de fato. Note-se que em duas dessas o proprietário da empresa dispensou o gerente e
concedeu, ele próprio, a entrevista e em uma destas não foi permitida a gravação. Tais
presenças dos proprietários serão retomadas na apresentação e análise dos dados, em virtude
dos aspectos importantes que evidenciam. Assim sendo, apenas 20 entrevistas foram gravadas
e transcritas, e, posteriormente, analisadas à luz da técnica de “análise de conteúdo”
(TRIVIÑOS, 1987; BARDIN, 1977; MINAYO, 1992; RICHARDSON, 1999) comumente
usada em pesquisas dessa natureza.
Em termos da estrutura do artigo, as referências conceituais da função gerencial foram
subdivididas em termos de suas características da atuação cotidiana, contradições,
fragmentações, desafios, relações com outros atores sociais relevantes - como subordinados,
chefias e clientes -, expectativas positivas, questões relacionadas a poder, status e realização,
devido aos contornos particulares expostos anteriormente. Em seguida, os dados coletados –
demográficos, entrevistas com os gerentes e entrevistas com os proprietários - são
apresentados e analisados, permitindo que considerações sejam sublinhadas e, ao final, são
apontadas questões relacionadas à academia e à função investigada, além de possibilidades de
pesquisas posteriores.
2. A Função Gerencial
O trabalho gerencial vem sendo alvo de estudos há algum tempo, e embora exista
algum consenso sobre seus papéis e funções, ainda não se tem uma unanimidade quanto ao
que, de fato, significa ser gerente, se há um perfil ideal universal e assim por diante. Ciente de
tais dificuldades, vários estudos vêm sendo desenvolvidos com o intuito de se conhecer
melhor o trabalho do gerente.
No campo da Administração, um dos trabalhos pioneiros foi desenvolvido por Taylor
(1970). Embora não trate exatamente da função gerencial, sua obra esboça parte do trabalho
do gerente ao propor seus quatro princípios básicos de administração. Além disto, em função
de sua proposta de divisão do trabalho, Taylor (1970) sugere a necessidade de se estabelecer a
chamada supervisão funcional para controlar a execução da tarefa dos subordinados.
Quem efetivamente começa a se preocupar com a questão da gerência é Fayol, ao propor
as chamadas funções da administração e os quatorze princípios que a empresa deve seguir
(FAYOL, 1990). Dentre estes princípios, destaca-se a busca por disciplina dos empregados,
subordinação dos interesses individuais aos organizacionais e espírito de grupo. Fayol (1970)
estabelece as funções (hoje consideradas clássicas) da administração: previsão, organização,
comando, coordenação e controle. O administrador da época de Fayol é aquele que ocupa um
cargo formal na burocracia estudada por Weber, ou seja, é aquele indivíduo que detém uma
especialização e a autoridade formal, ou seja, o poder legítimo que o cargo lhe imputa
(WEBER, 1982).
O sistema “taylorista” foi alvo de muitas críticas em função de considerar o indivíduo
como uma peça de máquina e não como um ser humano dotado de necessidades, expectativas
e desejos (BRAVERMAN, 1981; MORGAN, 1996). Tais críticos procuravam, de certo
modo, “humanizar” um pouco mais o ambiente organizacional. Um dos grandes expoentes
desta linha foi Rensis Likert. Nos anos 60, ele percebe o aumento da concorrência no mercado
46
norte-americano e se dá conta de que as organizações já não obtinham a mesma eficiência de
antes com o sistema taylorista-fordista atrelado às idéias de Fayol. Sua crítica aponta a
falência do gerente basicamente autoritário, que pressupõe meramente a obediência a suas
ordens. Em contrapartida, Likert formula um sistema de administração que inclui as seguintes
variáveis: natureza das forças motivacionais, natureza do processo de comunicação, natureza
do processo influência-interação, natureza do processo decisório, natureza do estabelecimento
de metas, natureza dos processos de controle e características do desempenho (LIKERT,
1971).
A partir da combinação de características das variáveis acima, Likert propõe seus quatro
sistemas de administração: autoritário forte, autoritário benevolente, participativo consultivo e
participativo de grupo. Em função de suas constatações, Likert (1971) defende o perfil de
participativo de grupo como sendo o ideal, devendo a gerência criar grupos de alta eficiência.
Drucker (DRUCKER, 1967), por sua vez – a exemplo da preocupação de Likert com o
aumento da concorrência –, enfatiza a questão da eficácia afirmando que aos trabalhadores
manuais basta a eficiência, enquanto que para o trabalho gerencial a eficácia é o elemento
central, definida por ele como “(...) a tecnologia específica do trabalhador com conhecimento
dentro de uma organização” (DRUCKER, 1967:2). Ao mesmo tempo, o autor associa o
conceito com o alcance de resultados, com o “fazer as coisas certas”.
Também merece destaque o trabalho de Barnard (1971) que, tendo exercido um cargo
executivo durante muito tempo em sua carreira, propôs algumas funções para o ocupante do
cargo: manutenção das comunicações na organização; asseguramento de serviços essenciais
dos indivíduos; formulação de propósitos e objetivos. Em conjunto, Barnard as considera
como constituindo o processo administrativo, desempenhado dentro da organização a qual ele
vê como um sistema cooperativo racional.
Na década de 70, Mintzberg analisa o trabalho de cinco executivos de uma empresa e
acaba por identificar dez papéis agregados em três categorias, originados da autoridade formal
e do status: os papéis interpessoais (imagem de chefe, líder e contato) que dão origem aos
papéis informacionais (monitor, disseminador e porta-voz), e estes dois capacitam o executivo
a desempenhar os papéis decisoriais (empreendedor, manipulador de distúrbios, alocador de
recursos e negociador). O autor procura demonstrar que, ao contrário da imagem que se tinha:
os executivos trabalham num ritmo inexorável e que suas tarefas são breves, variadas e
descontínuas e que eles estão firmemente orientados para a ação; o trabalho administrativo
envolve execução de rotinas, incluindo rituais e cerimônias; os executivos preferem a mídia
verbal, principalmente telefonemas e reuniões; os programas de executivos para organizar o
tempo, processar informações e tomar decisões estão em suas cabeças, havendo uso de
julgamento e de intuição (MINTZBERG, 1986).
Na mesma época (década de 70), Robert Katz aponta diferenças entre as qualidades
requeridas para os gerentes nos diversos níveis hierárquicos organizacionais. O autor define
habilidade como uma capacidade que pode ser desenvolvida, que se manifesta no
desempenho e não apenas em potencial, ou a capacidade de transformar conhecimento em
ação (KATZ, 1986). As habilidades possuem uma importância relativa conforme o nível
hierárquico em que se situa o gerente e Katz (1986) as define como habilidades conceituais,
humanas e técnicas: a primeira relaciona-se com conhecimento organizacional, visão da
organização como um todo; a segunda diz respeito ao domínio de habilidades de
relacionamento com os subordinados; e a terceira tem a ver com o conhecimento específico
das atividades executadas. Assim, o nível de supervisão (baixa gerência) precisa deter mais
habilidade técnica do que conceitual em relação ao administrador de nível mais alto. O nível
médio necessita de uma dose mais equilibrada das três habilidades, sendo que a necessidade
humana possui uma importância alta em todos os níveis.
47
Outro estudo emblemático sobre a função gerencial foi o de Hill (1993), a qual salienta seu
caráter multifacetado, tanto no que diz respeito aos meios e processos nos quais o gerente
desenvolve suas atividades produtivas, como também aos fins e expectativas às quais deve
(ou pelo menos tenta) estar atento e atingir. Em termos de processo, a autora sublinha as
características de variedade e fragmentação do trabalho gerencial face à sua dependência em
relação aos outros atores sociais, principalmente os subordinados. Atingir objetivos, nesse
sentido, torna-se tarefa árdua, pois deve conjugar esforços variados: psicológicos, técnicos e
outros ligados às relações de poder. Por outro lado, suprir expectativas de públicos diversos
exige flexibilidade, tornando o papel do gerente uma verdadeira arte: os superiores focam em
resultados e redes de relacionamento; os subordinados em condições de trabalho, políticas
remuneratórias etc.; os clientes em produtos e/ou serviços com qualidade; a família em
dedicação; ele próprio em crescimento profissional, social, psicológico etc. (HILL, 1993)
Outro aspecto que Hill (1993) dá ênfase diz respeito às relações de poder e como essas são
delineadas à medida que o sujeito vai se adequando às responsabilidades e autoridade
inerentes ao cargo e, ao mesmo tempo, se organizando psiquicamente para seus “sucessos” e
“fracassos”. Ações bem sucedidas tornam-se pontos fortes de apoio, enquanto que as mal
sucedidas enfatizam a aprendizagem contínua: ambas, porém, servem de referência para o
futuro. Questões relacionadas à comunicação também são discutidas pela autora a qual
percebe, assim como Barnard (1971), a importância desse processo, não apenas para o trânsito
das informações e para os processos de tomada de decisão, mas também a partir de sua
colaboração para legitimação da autoridade inerente ao cargo.
Já no Brasil, Motta (1995) apresenta uma excelente compilação das principais dimensões
do trabalho do dirigente (gerente): dimensão organizacional, que se relaciona com conhecer o
contexto em que organização atua, sua missão e seus objetivos estratégicos e sua cultura;
dimensão interpessoal, que implica possuir habilidades de interação e de comunicação; e a
dimensão individual, que diz respeito a certas qualidades individuais que o gerente deve
possuir, tais como iniciativa e integridade.
A despeito de tantos estudos, em pesquisas recentes sobre o gerente e a função gerencial
no Brasil Melo (1995, 1999) aponta a ausência de consenso sobre o perfil gerencial mesmo
entre os gerentes. De fato, há uma grande diversidade de opiniões sobre os desafios que se
impõem aos gerentes e quais são exatamente as características e habilidades que eles precisam
ter para exercer suas funções. Retomando as questões relacionadas a poder, a autora aponta
controvérsias em torno do papel gerencial: o crédito atribuído a este profissional pelo
desempenho da organização, e as acusações sobre sua contribuição para a manutenção das
relações de poder e de seu trabalho a favor da regulação das contradições da vida corporativa.
De acordo com Melo (1995:18), esta questão envolve um duplo papel do gerente: “ser
assalariado e representante do empregador ao mesmo tempo”.
A função gerencial configura-se, dessa forma, em algo complexo, de difícil adaptação e
manutenção.
3. Apresentação e Análise dos Dados
A apresentação dos dados coletados se dará em três blocos, a saber: dados demográficos
dos gerentes, as entrevistas dos gerentes, e as entrevistas dos proprietários.
3.1. Dados Demográficos dos gerentes
Em termos de dados demográficos, cinco aspectos foram considerados quando das
entrevistas junto aos gerentes e proprietários entrevistados. O primeiro diz respeito à faixa
etária: a maior parte dos entrevistados (6) encontra-se entre 31 e 35 anos de idade, dois têm
menos de 25 anos, cinco estão entre 26 e 30 anos, um entre 36 e 40 anos, quatro entre 41 e 45
anos, um entre 46 e 50 anos e dois com mais de 50 anos de idade. Quanto a sexo, a maioria
48
dos respondentes é do sexo masculino (13, incluindo os proprietários), e dessa forma, 8 do
sexo feminino. No que tange a formação acadêmica, um possuía o segundo grau, três o
segundo grau técnico (sendo dois em Hotelaria e um em Contabilidade), três com superior
incompleto (um em Administração, um em Ciências Contábeis e outro em Turismo e Gestão
em Hotelaria) e 14 com superior completo (três em Turismo – sendo que um também era
formado em Letras -, quatro em Administração – sendo que um também tinha concluído o
curso de Ciência da Computação -, três em Ciências Contábeis, um em Economia, um em
Ciências Sociais, um em Publicidade e Propaganda e um em Comunicação Social). Com
relação ao cargo, 13 dos entrevistados ocupam o cargo de “gerente geral”, dois eram “gerente
de vendas”, dois “gerente administrativo / operacional e financeiro”, um “gerente de
hospedagem”, um “gerente de recepção” e dois eram proprietários. Por fim, levou-se em
consideração a categoria da empresa investigada dentro do setor de hotelaria: dentre os 21
estabelecimentos, dez eram hotéis, três apart-hotéis, cinco flats e três motéis.
3.2. Entrevistas com os gerentes
A Tabela 1 apresenta a percepção dos entrevistados quanto ao que significa ser gerente.
Observa-se que não há uma unanimidade na definição, ao contrário, cada um dos
entrevistados enfoca um aspecto que envolve a função gerencial. Isto confirma o que a
literatura vem afirmando, ou seja, de que as atividades dos gerentes são diversificadas e
abrangentes, carregadas de nuances. Os dados implicam não haver, portanto, uma definição
precisa, o que de certo modo dificulta a criação de uma imagem clara sobre o que significa ser
gerente atualmente.
Tabela 1 – Respostas a “ser gerente atualmente”
Respostas a: Ser gerente atualmente
Entrevistados
Saber identificar a necessidade do cliente e dar lucro para a empresa
Fiscalizar os funcionários
Administrar conflitos e problemas
Fazer a equipe atingir os objetivos
Envolver-se com todos os setores
Comandar e distribuir tarefas para os subordinados
Liderar pessoas
Ter visão globalizada e identificar oportunidades de negócios
Administrar todos os serviços
Visão ampla do negócio
Acompanhar os processos
Saber e fazer de tudo um pouco
Ser flexível e conhecer profundamente o mercado
Capacidade de lidar com a concorrência
Dinamismo e competência no que faz
Fiscal da qualidade
Estar a par de tudo que cerca o seu meio
E1
E2
E3
E4
E5
E7
E8
E9
E10
E11
E12
E13
E14
E15
E16
E17
E18
Fonte: Dados da pesquisa.
Total
de
Entrevistados
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
No entanto, é interessante ressaltar que dois entrevistados utilizaram o termo “fiscalizar”:
uma vez em relação à qualidade e outra no que tange aos funcionários. Embora não haja uma
unanimidade de definição, os entrevistados abordaram a função gerencial de forma ampla e
compatível com o que normalmente se espera da atuação de gerentes. Em outras palavras, as
respostas consideram o ambiente de negócios, os setores da empresa, os empregados, os
clientes. No entanto, “fiscalizar” remete a uma abordagem conservadora e relativamente
ultrapassada, pois implica uma imagem do empregado baseada em alguém que não merece
confiança.
49
A Tabela 2, embora direcionada para a atuação gerencial na hotelaria, corrobora as
respostas anteriores, ainda que com alguma diferença para a Tabela 1. A ênfase, aqui,
recai mais sobre o cliente e o negócio.
Tabela 2 – Respostas a “ser gerente na área de turismo - hotelaria”
Respostas a: Ser gerente na área de turismo - hotelaria
Entrevistados
Prestar bons serviços
Gerenciar pessoas
Ser uma pessoa flexível e com muito jogo de cintura
Gerir a organização como um todo
Buscar qualidade de atendimento
Estar ciente das inovações e dos concorrentes
Ter visão cultural e geográfica do país
Transformar conhecimento em oportunidade de negócios
Conhecer a região e o mercado
Fazer o máximo de contato possível
Exercer com criatividade o dia a dia
Focar seu trabalho e ficar de olho no mercado
Ser um herói
E4, E5
E12, E13
E2
E3
E6
E7
E9
E9
E10
E11
E15
E16
E18
Fonte: Dados da pesquisa.
Total
de
Entrevistados
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Pode-se destacar a fala de E18, que chama a atenção para o herói:
Ser gerente na área de turismo é ser um herói, principalmente no Brasil, que não
dá valor nenhum a esta área... (E18)
A fala acima corrobora a visão dos gerentes sobre o turismo no país, explicitada nas
respostas alinhadas na Tabela 3.
Tabela 3 – Respostas a “percepção do turismo – hotelaria no Brasil”
Respostas a: Percepção acerca do turismo – hotelaria no Brasil
Entrevistados
Pouco incentivo do Governo
E5*, E8, E10, E14,
E16
E2, E9, E10
E8, E12, E16
E1, E16, E17
E3, E13
E2
E6
E7
E13
E19
Falta infra-estrutura
Em desenvolvimento
Grande importância econômica: emprego e renda
Pouco explorado
Falta divulgação
Qualidade média
Poucos Estados levam a sério
Deveria haver parceria entre o público e o privado
Bem resolvido, faltam ajustes
* Referiu-se, neste caso, apenas à Belo Horizonte.
Total
de
Entrevistados
5
3
3
3
2
1
1
1
1
1
Fonte: Dados da pesquisa.
Em sua maioria, os entrevistados consideram que não há incentivo do governo, que falta
infra-estrutura e exploração, mas que, por outro lado, está em crescimento e possui potencial
para crescimento quase indefinido. Alguns depoimentos são significativos quanto a isto.
Bom, eu acho que ele é muito pouco explorado... muito pouco valorizado. É um
setor que tem um potencial muito grande, mas é muito pouco explorado. (E3)
O turismo no Brasil está em desenvolvimento, né?... Porém, precisa de uma ação
mais efetiva dos órgãos governamentais no que se refere a incentivos para o crescimento
do turismo, mas a gente tem... uma visão otimista em relação do turismo no Brasil. Ele
está em crescimento. (E8)
O turismo de um modo geral é um... acho que um dos setores tanto da economia,
tanto da indústria... que sempre está em expansão e sempre buscando novos caminhos, eu
acho que o turismo é um... é algo que o governo tem que investir bastante porque é um
50
grande gerador de empregos e é uma coisa... é o segmento que tem bastante importância
na economia do Brasil hoje. (E16)
De modo a atuar no setor de turismo e hotelaria, os gerentes foram indagados sobre as
principais exigências que lhe são impostas para o desempenho da função gerencial (Tabela 4).
Tabela 4 – Respostas a “principais exigências na função gerencial na
empresa”
Respostas a: Principais exigências na função gerencial na empresa
Entrevistados
Resultado
Atendimento ao cliente
Qualidade
Sensibilidade e flexibilidade
Disponibilidade, humildade e criatividade
Formação superior e domínio de língua estrangeira
Conhecimento das áreas da empresa
Capacidade de liderança
Decisão
Andamento dos processos
Controle das contas
Bom senso, conhecimento e vivência com pessoas
Conhecer os hóspedes e empregados
Comprometimento com a ética
Capacidade e habilidade
E1, E10, E17, E18
E12, E17, E18
E6, E17, E18
E13, E14
E3, E15
E4, E16
E11, E19
E8, E11
E1
E1
E2
E5
E7
E9
E9
Fonte: Dados da pesquisa.
Total
de
Entrevistados
4
3
3
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
As respostas, na maior parte, percebem como principais exigências: o alcance dos
resultados, a satisfação do cliente, a qualidade dos serviços (relacionada à satisfação do
cliente), além de algumas características e habilidades pessoais que devem ser alcançadas.
Observe as falas que se seguem:
(...) ela quer o quê? Ela quer bom serviço, boa seleção de pessoal, certo? Ou
ocupação e lucros. (E19)
A ocupação do hotel e a exigência da clientela, né ? (E10)
Em relação aos aspectos positivos, o principal apontado pelos gerentes foi autonomia. O
discurso foi recorrente em 50% dos casos, seguido do acesso à diretoria e da satisfação dos
clientes. Em relação a algum ponto positivo quanto aos empregados, apenas um gerente se
referiu ao fato de lidar com pessoas diferentes – incluindo empregados e clientes – e outro
mencionou investimentos na área de recursos humanos.
Os depoimentos abaixo ilustram os principais pontos positivos.
É, eu tenho autonomia, e sinto que sou uma pessoa muito prestigiada pelos
diretores, entendeu? Então, isso me satisfaz, assim, profundamente, eu sou uma pessoa
que tenho autonomia para decidir aqui dentro seja o que for: demissão de funcionário,
admissão, mudanças nas empresas. E eu gosto do prestígio de ser uma pessoa de
confiança da empresa. Eu sinto isso. (E15)
(...) é uma empresa que te dá muita liberdade, que tem um relacionamento muito
bom, sabe? E que foca muito a área de recursos humanos, de pessoal, né? Está sempre
fazendo avaliações de clima, está sempre fazendo avaliação de desempenho, investindo no
potencial dos funcionários, isso é tudo muito bom. (E14)
E na Tabela 5 pode-se visualizar as respostas dadas pelos entrevistados.
51
Tabela 5 – Respostas a “pontos positivos de ser gerente na empresa”
Respostas a: Pontos positivos de ser gerente na empresa
Entrevistados
Autonomia / independência / Liberdade
E1, E2, E3, E4, E7, E8,
E10, E14, E15, E17, E19
E9, E12, E18
E6, E16
E5
E5
E7
E9
E11
E12
E13
E14
Acesso à Diretoria
Satisfação do cliente
Gama de conhecimentos
Lidar com vários tipos de pessoas
Imagem da empresa conquistada
Empresa local pequena e familiar
Expor os pontos de vista
Flexibilidade
Seriedade e espírito empreendedor da diretoria
Investimento em recursos humanos
Fonte: Dados da pesquisa.
Total
de
Entrevistados
11
3
2
1
1
1
1
1
1
1
1
Com relação às dificuldades que enfrentam no exercício de suas funções, a lista dos
gerentes foi extensa, porém com vários pontos de tangência, conforme pode se verificar na
Tabela 6.
Tabela 6 – Respostas a “dificuldades no exercício do papel gerencial nessa
empresa”
Respostas a: Dificuldades no exercício do papel gerencial na
empresa
Restrições financeiras / Planejamento
Promover “espírito de equipe” / integração entre áreas,
conflito entre pessoas / áreas
Agradar / fidelizar o cliente
Pressão
Expectativas dos superiores sobre resultados
Questões macro-econômicas (concorrência, políticas públicas)
Sobrecarga
(Baixa) Qualificação do pessoal
Empresa familiar
Promover “espírito de serviço” / vendas
“Burocracia” administrativa
Dependência de subordinados
Conhecimento de Legislação
Horário de trabalho (final de semana, noturno)
Relação com sindicato
Fonte: Dados da pesquisa.
Entrevistados
E5, E9, E10, E11, E12,
E16, E17, E18
E1, E2, E3, E11, E13,
E15, E17
E1, E2, E4, E17, E18
E7, E8, E13, E16, E19
E4, E11, E16, E19
E6, E9, E10, E14
E7, E8, E13, E16
E4, E13, E15
E9, E19
E1, E2
E3, E8
E3
E4
E4
E4
Total
de
Entrevistados
8
7
5
5
4
4
4
3
2
2
2
1
1
1
1
A visão dos empregados como parte de uma grande equipe prevalece e, daí, as questões
decorrentes. Nesse sentido, destacam-se os seguintes os comentários:
Porque eles pra mim são vendedores internos, então provar isso todo dia é um
desafio também. (E1)
(...) você depende muito de uma equipe, então, às vezes, a pessoa está triste, está
invocada, está com problema. (E3)
As pessoas são muito resistentes a mudanças, então você promover mudanças e
manter essas mudanças de rotina, de procedimentos, de comportamentos, são muito
difíceis, muito difíceis. (E15)
Aspectos burocráticos da empresa também foram ressaltados cabendo, aqui, mais as
disfunções que efetivamente a funcionalidade que a burocracia weberiana pressupõe.
(...) As dificuldades que um gerente encontra hoje, no meu caso pelo menos, é só
aquela ligada ao turismo, nas outras questões burocráticas, funcionais e mecânicas do
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trabalho não tem dificuldade, é uma coisa muito simples, é uma coisa muita simples e
você procura ser o mais prático possível, não tem segredo nenhum. (E6)
As pressões sobre a atuação do gerente são de variadas ordens e na hotelaria não se foge a
essa “regra”, pelo que se pode observar nas transcrições dos depoimentos a seguir:
No nosso caso, as coisas têm que ser resolvidas ali na hora, tá? (E7)
Porque, se você tivesse é... com tudo muito bem delimitado você tivesse apenas
que executar. Mas, não, você tem que, além de executar, você tem criar, tem que construir
um hotel novo a cada dia. (E8)
Eu costumo dizer que o gerente é a salsicha do cachorro quente, né? Quê que
acontece com a salsicha do cachorro quente? Ela está entre duas partes de um pão, né? O
gerente ele está o quê? Ele está entre duas partes da empresa, entre a direção, que está
em cima, e a classe de funcionários, que está abaixo. Então, às vezes, é bomba de um lado
e do outro, você entendeu ? (E13)
Então, você tem que trabalhar sempre no limite. (E16)
O relacionamento com subordinados foi considerado positivo pela maior parte dos
gerentes. Alguns percebem que ele é, ao mesmo tempo, bom e complicado. No cotidiano, a
conduta de gerentes e subordinados se pautam por apoio mútuo, coleguismo, incentivo à
comunicação fluída, à participação e à transparência, o que não impede, no entanto, que
problemas ocorram. A Tabela 7 permite visualizar as respostas dadas.
Tabela 7 – Respostas a “relacionamento com subordinados”
Respostas a: Relacionamento com subordinados
Entrevistados
Bom / Muito bom / Ótimo / Tranqüilo / Cordial
E2, E3, E4, E6, E7, E8, E10, E11,
E12, E13, E14, E15, E17, E19
E1, E4, E7, E8, E12, E14, E15,
E16, E17, E18
E3, E4, E5, E8, E11, E12, E14,
E15, E16, E17
E4, E8, E9, E13, E17
E2, E5, E8, E11, E12
E1, E6, E8, E12
E5, E7
E9, E17
5
5
4
2
2
E5
1
Apoio mútuo (profissional e/ou pessoal)
Promoção de comunicação / diálogo
Difícil / Complicado
Promoção de participação
Transparência em ações e decisões
Promoção de políticas motivacionais
Incentivo ao desenvolvimento
profissional
Incentivo ao cumprimento de metas
pessoal
e/ou
Fonte: Dados da pesquisa.
Total
de
Entrevistados
14
10
10
Agradar o subordinado e cobrá-lo no desempenho de suas funções torna-se um dilema
vivido na função gerencial. Observe:
(...) mas agradar eu sei que eu não agrado todo mundo, até porque eu não estou
aqui pra tornar-me agradável para os funcionários, eu to aqui pra que eles tenham o
trabalho (...) nós somos o elo entre o capital e o trabalho. (E4)
Não reclamam não, a pesquisa de clima da minha empresa é uma das melhores
que a [empresa] tem, tranqüilo (...) (E14)
Meu relacionamento é normal, eu exijo disciplina deles, exijo que a hierarquia
seja mantida, meu relacionamento com eles é normal. (E15)
Ao mesmo tempo, o gerente percebe que o empregado é um sujeito complexo e que seu
âmbito de controle não é total principalmente em se tratando dos resultados organizacionais.
(...) como que está a sua vida além do trabalho, porque eu acho que isso é muito
importante e reflete, diretamente, no na qualidade desenvolvida. (E8)
Primeiro, eu não os vejo como subordinados, eu os vejo como seres humanos,
segundo, eu os vejo como cidadãos e terceiro eu os vejo como profissionais. Obedecendo
a essa trilogia você é capaz de viver bem com qual com qualquer pessoa, obviamente é
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respeitando as limitações, mas provocando sempre a possibilidade das pessoas superarem
sua capacidade, suas limitações. (E9)
Você ter que mandar já por natureza, já gera um certo..., já é antipático. (E13)
(...) acho que a gente tem que ser correto com as pessoas, pra gente exigir das
pessoas. (...) acho que na área humana não tem regras. (E17)
Olha, subordinados é uma palavra assim muito forte, eu diria que são mais os
meus amigos de trabalho... tenho um bom relacionamento de amizade, porém sabendo
impor o respeito, certo? E isso é o ponto que eu acho fundamental (E17)
No que diz respeito ao relacionamento com os superiores, a maioria dos gerentes afirmou
pautar suas relações pelo diálogo, cordialidade e transparência. O incentivo e a cobrança
quanto ao cumprimento de metas se fizeram presentes de uma forma bem clara: o gerente
contribui diretamente para que as metas sejam cumpridas e são periodicamente cobrados
nesse sentido. A Tabela 8 resume as respostas recorrentes a essa pergunta.
Tabela 8 – Respostas a “relacionamento com superiores”
Respostas a: Relacionamento com superiores
Entrevistados
Promoção de comunicação / diálogo
E1, E2, E4, E5, E6, E8, E9, E10,
E11, E12, E13, E14, E16, E17
E3, E4, E6, E7, E8, E9, E10,
E11, E12, E13, E14, E15, E19
E1, E2, E4, E6, E8, E9, E11,
E14, E16, E17, E18
E5, E7, E12, E17, E18
E1, E3, E9, E12
E7, E15
E13, E17
E8
Bom / Muito bom / Ótimo / Tranqüilo / Cordial
Transparência em ações e decisões
Incentivo / cobrança quanto ao cumprimento de metas
Apoio mútuo (profissional e/ou pessoal)
Autonomia
Difícil / Complicado
Promoção de participação
Fonte: Dados da pesquisa.
Total
de
Entrevistados
14
13
11
5
4
2
2
1
Um comentário merece destaque em função da clareza e objetividade com que foi
colocado pelo entrevistado. Ele foi o único a considerar seu relacionamento com a chefia
“explicitamente” melhor que com seus subordinados, em função de algo (que não foi
revelado) que aconteceu no passado.
Vou falar de uma forma bem simples. Com meus superiores é melhor. Porque é
melhor? Por causa do nível, do nível de formação, de instrução, de berço, entendeu? Você
pega um funcionário hoje, dependendo do que você está chamando a atenção dele, é
capaz dele te responder com um palavrão, e o meu diretor ou minha diretora, jamais
falariam uma coisa assim, você entendeu? Então, com o superior é melhor, dentro deste
ponto de vista. Mas, não deixa de ter dificuldades, né? Não significa que é uma relação a
mil maravilhas, mas tem dificuldades também, mas, é pouca, eu acho que melhor do que
com os meus subordinados em função desse caso que eu e falei. (E13)
Por outro lado, o fato da relação com os superiores espelharem as relações com
subordinados foi explicitado em outras entrevistas, como, por exemplo:
Na realidade, esse trabalho que eu faço com minha equipe reflete o trabalho que
o meu superior faz comigo, né? (E8)
Quando perguntados sobre os conflitos que viviam no exercício de sua função, a maior
parte dos entrevistados referiu-se às questões ligadas à integração de interesses diversificados,
à variedade de problemas característicos de um empreendimento no setor de hotelaria, ao
gerenciamento de pessoas, ao serviço ao cliente e ao cumprimento de metas. Na Tabela 9,
pode-se visualizar detalhadamente as respostas dadas.
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Tabela 9 – Respostas a “conflitos vividos no exercício da função gerencial”
Respostas a: Conflitos vividos no exercício da função
gerencial
Conciliar interesses (empregado x empregador; cliente x
hotel, entre áreas do hotel)
Variedade / especificidade dos problemas
Problemas / conflitos / baixa qualificação / resistências entre
o pessoal
Servir o cliente
Cumprimento de metas
Questões macro-econômicas (concorrência, políticas
públicas, mercado retraído)
Horário de trabalho x Família
Fonte: Dados da pesquisa.
Entrevistados
E2, E4, E8, E10, E11, E12,
E13, E15, E16, E18, E19
E2, E3, E6, E7, E9, E10, E11,
E13
E3, E4, E10, E12, E15, E17,
E19
E6, E7, E9, E11, E12, E13
E1, E2, E4, E10
E1, E2
E5
Total
de
Entrevistados
11
8
7
6
4
2
1
Algumas frases chamam a atenção para a pressão que os gerentes sofrem no seu dia-a-dia,
a partir dos referidos conflitos. Observe:
É um leão por dia que a gente tem matar pra consegui ter um resultado bom.
(E1)
É conciliar mesmo a necessidade do empregado com a necessidade da empresa
(risos).(...) Nós na primeira impressão, nós somos até um pouco terrorista mesmo de
falar: - olha no próximo final de semana é o aniversário do seu filho, então... Mas, a
pessoa entra consciente daquilo que está sendo esperado dela. E nós temos tentar também
olhar muito o lado do funcionário, é um objetivo da empresa de estar sempre ao lado do
funcionário. (E4)
Um hotel, o turismo e a hotelaria, é serviço, e serviço você está
dependente do ser humano e não da máquina, isto é um grande problema
ou, talvez, a grande virtude do nosso negócio. Então, você tem dentro do
dia a dia circunstâncias onde o ser humano por não ser, graças a Deus,
não ser infalível, de ser falível, de cometer erros, de cometer equívocos,
enfim, de avaliar mal determinadas circunstâncias, é passivo de criar
situações constrangedoras, situações complicadas em relação ao cliente.
São tantas coisas que acontecem dentro do hotel, que não dá pra enumerálas. Agora, o que no nosso negócio é fundamental é que tenha bom senso,
que tenha equilíbrio, que tenha... veja sempre que do outro lado existe um
ser humano e não simplesmente um cifrão, isso facilita bastante o dia a
dia. (E9)
E os resultados dessas divergências de opiniões e interesses, em termos de relacionamento
com clientes, podem ser avaliados como desastrosos.
Aquilo traz conflito pra gente é grande, tá? Chega casos da gente chegar,
inclusive a perder cliente por pequenos detalhes, tá?. (E7)
E em função de um problema desse gerou uma série de outras
discussões, com o horário de verão mudando, qual horário seria, qual
horário não seria. Ela chegou a levantar a mão pra mim, tive que segurar
a mão dela, tive que pedir a ela calma, tive que falar com o esposo dela,
levar ela pro quarto pra ela descansar e tal, depois a gente conversa,
entendeu? Então, assim, e isso desde a minha relação com o hóspede, com
o meu diretor, e a minha relação com o meu subordinado. Cada dia é uma
coisa, a mulher tem TPM, homem eu sei lá o quê que tem, mas tem dia que
também está impaciente.(...) Mas os problemas e os conflitos de um modo
geral são um mínimo. (E13)
55
Por outro lado, ocupar a gerência implica no desenvolvimento de habilidades que em
outros cargos nem sempre são exigidas na mesma escala.
O problema maior é que você acaba se envolvendo também emocionalmente com
as situações de cada um de seus empregados, esse talvez seja o problema maior, tá? Cada
um te traz um problema, você acaba sendo um confessor, ok?. (E19)
A última pergunta direcionada para os gerentes foi a seguinte: “Se você achasse a lâmpada
do gênio e ele lhe concedesse três pedidos, no seu ambiente de trabalho, o que você mudaria,
tiraria, acrescentaria etc., enfim, quais seriam seus três desejos ?” O intuito dessa pergunta era
dar espaço ao gerente para que ele falasse sobre suas idéias em torno da empresa, seus
processos, atores sociais envolvidos e, sobretudo, sobre si mesmo. Outro aspecto importante
foi a possibilidade que a pergunta abre no que diz respeito a reafirmação e/ou negação de
informações dadas anteriormente, ou seja, expor contradições.
Num primeiro ordenamento das respostas somaram-se 26 desejos variados dos quais
denota-se a variedade de fatores que compõem o trabalho desses gerentes e, por outro lado,
constituem pontos de pressão sobre eles. Em seguida, elas foram reordenadas de acordo com
os aspectos e os atores sociais que contemplavam, conforme constam na Tabela 10.
Tabela 10 – Aspectos e atores sociais envolvidos nas respostas relacionadas
“desejos profissionais no exercício da função gerencial”
Respostas a: Desejos profissionais no exercício da função
gerencial
Melhorias
que
envolvem
empregados
(qualificação,
remuneração, motivação, comunicação, redução de conflitos etc.)
Melhoria da estrutura física da empresa (reforma, criação de área
de eventos, sauna, sala de ginástica, benfeitorias na área de
segurança etc.)
Melhorias que envolvem os clientes (aumento na demanda,
diminuição de ações de “má-fé”, maior polidez, melhoria no
relacionamento etc.)
Ganhos em termos de status, autonomia
Melhoria na relação entre concorrentes
Investir no “aspecto ambiental”
Fonte: Dados da pesquisa.
Entrevistados
E1, E2, E3, E4, E6, E7,
E8, E10, E11, E12, E13,
E14, E15, E16, E18, E19
E1, E2, E5, E7, E10, E12,
E13, E15, E19
Total
de
Entrevistados
16
9
E1, E2, E3, E4, E13, E14,
E15, E16
8
E9, E12, E15, E19
E6
E14
4
1
1
Algumas colocações merecem destaque. A importância de empregados qualificados e
motivados é um ponto recorrente nas entrevistas. No entanto, autonomia para lidar com eles é
algo que foi explicitado de variadas formas.
Eu (...) colocaria mais mão de obra, nós trabalhamos com um quadro bastante
reduzido (...) visando a obtenção de lucro. (E12)
Em terceiro lugar, eu mandaria embora os nó-cego, os funcionários ruins de
serviço, os que não se enquadram, né ? E promoveria os bons funcionários ! (E15)
Parece que autonomia e autoridade não vêm conjugadas com responsabilidade, inerentes
ao cargo de gerência. Outros espelham no seu local de trabalho a autonomia e o status que de
fato não têm. Observe o comentário:
Porque o espaço que a gente trabalha é... é o espaço suficiente, mas eu queria ter
uma sala enorme... (E12)
Outro aspecto interessante é que muitos se colocaram na posição do “gênio”, ou seja, suas
frases começavam com “eu faria”, “eu sonho”, “eu mudaria”. Outros deixaram bem claro o
que pediriam ao gênio, ou seja, aquilo que de fato está fora de seu controle e possibilidade de
efetiva intervenção. Note-se que um dos entrevistados (E9) se recusou a responder uma
pergunta tão “lúdica”, segundo ele.
56
3.3. Entrevistas com os Proprietários
Nas entrevistas com os proprietários, alguns aspectos já relatados por parte dos gerentes
foram confirmados. Convém ressaltar que essas duas entrevistas foram, a priori, agendadas
com os gerentes. Porém, os proprietários tomaram “a frente”, dispensaram os gerentes e se
disponibilizaram para conversar acerca das funções gerenciais de seus subalternos. Esse fato,
por si só, já é revelador: no entanto, os dados coletados dizem mais.
Com relação à concepção do papel gerencial, os proprietários sublinharam a importância
do relacionamento com os outros funcionários, do atender o cliente com qualidade e do
atingimento das metas, ou seja, ter uma visão ampla dos processos na hotelaria. Com relação
às especificidades da gerência nesse setor, foi enfatizada a disponibilidade de “24 horas” por
dia, em função da dinâmica do negócio. Um dos proprietários (P2) usou a palavra
“escravidão”, no sentido de ilustrar tal dedicação que é exigida pelo cargo. Isso se relaciona,
também, com as exigências do cargo. Dentre elas, os proprietários alinharam, além da
dedicação, os seguintes pontos: “bom humor, bom senso, energia para trabalhar, raciocínio
rápido” (P1), assim como profissionalismo, educação e atenção com todas as pessoas que o
procuram (P2).
Dentre os pontos positivos de ser gerente naquela empresa, um proprietário (P1) ressaltou
o plano de cargos da empresa e a proximidade entre a direção e os funcionários. O outro
proprietário (P2) salientou a remuneração acima dos padrões de mercado, a presença atuante
da empresa no mercado, o contato com pessoas importantes e o status resultante. Já em
termos das dificuldades, foram apresentadas falhas de comunicação, em virtude da
qualificação (baixa) dos empregados voltados para a operação do negócio. Outros aspectos
abordados relacionam-se às dificuldades em lidar diretamente com os clientes e à
exclusividade de dedicação que a hotelaria exige.
No que tange as relações com os subordinados, os proprietários acreditam que é boa (P1),
pautada por confiança e cumplicidade rumo aos objetivos da empresa: a satisfação do cliente
(P2). Já na relação com os superiores, ou seja, eles próprios, as respostas foram instigantes.
Observe:
Boa... boa. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. (P1)
O outro proprietário apenas frisou que ele era “o dono”. Estas falas, somadas à não
permissão de que os próprios gerentes dissertassem sobre seu trabalho, revelam um contexto
de autoritarismo e de baixa autonomia que vai ao encontro de outros depoimentos dos
gerentes entrevistados.
Com relação aos conflitos vividos na função gerencial, os dois proprietários concordaram
no que diz respeito à sobrecarga e à pressão no trabalho. Um deles (P2) frisou que é
praticamente impossível atender a todas as demandas em um só momento. O outro também
foi explícito:
O dia é muito pequeno, 24 horas é pouco, tinha que ser mais, pra dar conta de
fazer tudo que tem que fazer, esse é o grande problema. (P1)
Por fim, se eles tivessem achado a “lâmpada do gênio”, os desejos que queriam ver
concretizados relacionam-se a aumento da demanda e diminuição do número de concorrentes.
O comentário de um deles reforça algumas percepções anteriores. Observe:
Cliente, cliente e cliente... o resto eu dou conta. Põe cliente aqui dentro e o resto
é por minha conta, eu só preciso de cliente, eu num preciso de mais nada. Tendo cliente
aqui dentro... eu mais os meus funcionários, é nossa obrigação atendê-los bem. (P1)
4. Considerações Finais
No que diz respeito ao trabalho cotidiano dessa função, foram explicitadas as dificuldades
diárias que o gerente enfrenta no setor de hotelaria, englobando os desafios, a sobrecarga e a
57
pressão a que estão sujeitos. Observou-se uma certa uniformidade nos depoimentos, a qual
não foi percebida nas duas primeiras perguntas. O papel gerencial parece não estar claro para
os entrevistados ou pelo menos não na sua amplitude e profundidade. Como pode se notar,
cada respondente possui uma concepção, dá uma ênfase a determinado aspecto da função.
Isso denota uma fraca ou fragmentada identidade gerencial, fato discutido em outras
pesquisas no Brasil, como as realizadas por Melo (1995, 1999). As especificidades dessa
função na hotelaria foram ressaltadas principalmente em termos da disponibilidade, do se
fazer presente, ou melhor, da dedicação que o gerente deve ter devido à dinâmica do próprio
negócio e da proximidade com os clientes. Apenas um gerente, não concordou com este
último aspecto, o que é perfeitamente compreensível em se tratando de um motel; neste, o
distanciamento é uma questão normalmente vista como central. Por outro lado, questiona-se
em que medida o gerente, na sua ação cotidiana, tem colaborado para o fortalecimento e para
o enfraquecimento de seu espaço e de seu escopo de trabalho.
Já dentre os jogos tramados e desenvolvidos na função em questão, o lidar com
empregados (menos qualificados) e com clientes (categorizados como menos cordiais ou mais
exigentes) impõe ao gerente ajustes complexos e num exíguo espaço de tempo. “Jeito”,
“jeitinho” ou “jogo-de-cintura” foram expressões recorrentes nas falas dos entrevistados, tanto
dos mais experientes como dos menos, tendo em vista a variedade de contingências que foram
salientadas. Assim, engendrar as dimensões sublinhadas por Motta (1995) nos níveis
organizacional, interpessoal e individual, torna-se um ponto decisivo. Nesse sentido, a
formação acadêmica é um aspecto nevrálgico no setor pesquisado, tendo em vista tanto o
nível de profundidade (raso) com que alguns entrevistados trataram certas questões que
envolvem seu trabalho diário, como as afirmações recursivas de baixa qualificação de pessoal
e das conseqüências que dela decorrem.
Por fim, aspectos positivos (e controversos) relacionados à função gerencial referem-se à
autonomia, à liberdade, ao acesso à direção, ao status, ao prestígio, enfim ao poder, sendo que
este último denota relações ambíguas e controversas tanto no caso dos gerentes como no dos
proprietários. Dessa maneira, outras pesquisas podem ser realizadas contemplando pontos
como dificuldades, contradições, identidade, subjetividade etc. dos gerentes, porém
articulando-as com os aspectos positivos (mesmo que transitórios) dessa função tanto nas
relações que se travam no ambiente interno como no externo às organizações.
5. Referências
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BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.
BARNARD, C. As funções do executivo. São Paulo: Atlas, 1971.
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
CASTELLI, G. Administração hoteleira. Caxias do Sul: EDUCS, 2001.
COZBY, P. C. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo:
Atlas, 2003.
DEMO, P. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do
conhecimento. São Paulo: Atlas, 2002.
DRUCKER, P. O gerente eficaz. Rio de Janeiro: LTC, 1967.
FAYOL, H. Administração industrial e geral. São Paulo: Atlas, 1990.
GUERRIER, Y. Comportamento organizacional em hotéis e restaurantes. São Paulo:
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HILL, L. A. Novos gerentes: assumindo uma nova identidade. São Paulo: Makron
Books, 1993.
KATZ, R. As habilitações de um administrador eficiente. Coleção Harvard de
Administração. Vol. 1, p.57-92. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
58
LAVILLE, C. & DIONE, J. A Construção do saber: Manual de metodologia da
pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul; Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1999.
LIKERT, R. Novos padrões de administração. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1971.
MELO, M. C. O. L. O grau de participação e autonomia dos gerentes na empresa dificuldade e mudanças. In: Revista Tendências do Trabalho, São Paulo, n.249, p.17-24,
maio, 1995.
MELO, M. C. O. L. O gerente e a função gerencial nas organizações pósreestruturação produtiva. Encontro Nacional de Estudos do Trabalho, VI, Anais... São Paulo:
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MINAYO, M. C. de S. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
São Paulo – Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1992.
MINTZBERG, H. Trabalho do executivo: o folclore e o fato. Coleção Harvard de
Administração. Vol. 3, p.5-37. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
MOTTA, P. R. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de
Janeiro: Record, 1995.
QUIVY, R. & CAMPENHOUDT, L. V. Manual de investigação em ciências
sociais. Lisboa: Gradiva, 1998.
RICHARDSON, R. J. et al. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas,
1999.
TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1970.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas,
1987.
WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1946.
i
Este número poderia ser elevado para 25, já que um dos proprietários era dono de quatro motéis e um gerente
administrava dois hotéis.
59
GERÊNCIA E GERENTES NO SETOR DE SERVIÇOS: UMA PESQUISA EM
PROCESSO DE FINALIZAÇÃO
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])
Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França)
Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e
Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).
R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte
– MG
Gizelle de Souza Mageste
Mestranda em Administração (UFMG)
R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte
– MG
Euller Lopes Mendes
Pesquisador Faculdade Novos Horizontes
Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos
Horizontes / NURTEG).
1. INTRODUÇÃO
Desde as últimas décadas do século passado, a sociedade tem convivido com
importantes mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais, que têm afetado os
indivíduos e as organizações, levando-os a incorporar novos valores, para que possam atender
às novas demandas sociais e de mercado (CASTELLS, 1999).
A internacionalização dos mercados, também conhecida como fenômeno da
globalização, foi marcada por uma progressiva eliminação de barreiras ao comércio
internacional, provocando, mundialmente, o acirramento da competitividade e, por sua vez,
permanentes ajustes nas empresas. Percebem-se transformações nos conceitos de
produtividade e de qualidade, nos requisitos de qualificação dos recursos humanos e nos
modelos de gestão das empresas.
Assim, a lógica dos mercados de trabalho começa a ser reconstruída alterando as
qualificações exigidas e transferindo para o empregado a responsabilidade pela sua
empregabilidade, redesenhando as tarefas e as funções criando a multifuncionalidade, a
configuração de equipes semi-autônomas, exigindo responsabilidade, criatividade,
desempenho e comprometimento dos empregados. Somam-se a essas mudanças, a rotação nos
postos de trabalho, a flexibilização de direitos trabalhistas, com destaque para flexibilização
salarial decorrente de práticas como o contrato temporário, a reposição de banco de horas e
remuneração variável (MELO, 1995; ALVES, 2000). As empresas, face a uma economia cada
vez mais competitiva, globalizada e instável, além de buscarem uma renovação tecnológica
mais acelerada, tentam montar um quadro profissional/funcional mais enxuto e ágil, capaz de
responder mais rapidamente às mudanças. Buscam-se profissionais orientados para
60
resultados, prontos para o trabalho em equipe, sendo capazes de uma ação flexível e de
promover a iniciativa (MELO, 2000).
Nesse contexto constata-se o surgimento de um conjunto de novos e complexos
desafios para os gerentes. Em primeiro lugar porque é através dos gerentes que se produz o
conteúdo da mudança; em segundo, porque faz parte da função gerencial o papel de
transmissão no fluxo das informações que são geradas pelas mudanças e disseminadas pela
organização. Além disso, porque são as práticas gerenciais que concretizam através de
decisões e ações, o projeto de transformar a realidade organizacional e alcançar as metas e os
objetivos almejados.
Dessa forma, o grupo gerencial passou a conviver com a instabilidade profissional,
com novas demandas funcionais, com a necessidade de aperfeiçoamento contínuo para atuar
em uma nova estrutura organizacional e para o desenvolvimento de novas práticas de gestão,
levando-lhes a uma nova vivência no seu campo profissional. Esse contexto tem sido
confirmado em diversos estudos realizados no Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias
de Gestão (NURTEG – Faculdade Novos Horizontes, Belo Horizonte, Brasil) sobre gerentes
nos setores: financeiro (MELO, 2003), serviços (MELO, 2003), industrial e hospitalar
(MELO, 2004).
Com tantos aspectos a serem considerados, surgem desafios ainda mais complexos
para os profissionais de Recursos Humanos. Como selecionar um gerente? Quem é esse ou
essa profissional? Quais as características necessárias a ele? Como determinar suas funções?
Como conceber um programa de desenvolvimento gerencial? Como avaliar o seu trabalho?
Como lidar com as suas reivindicações e reclamações? Como lidar com as suas contradições
profissionais vivenciadas? Essas são apenas algumas questões que surgem quando se pensa na
gestão dos gerentes. Este paper apresenta algumas reflexões sobre essas questões, baseadas
em opiniões de gerentes entrevistados dos segmentos de informática e telecomunicações que
representam 5,4% do setor de serviços brasileiro, com 6,3% do pessoal ocupado no setor
(IBGE-PAS, 2002). Trata-se de segmentos da economia em constantes inovações
tecnológicas e gerenciais trazendo conseqüências relevantes para as empresas da atualidade.
Para a efetivação da pesquisa brasileira foram realizadas 61 entrevistas com gerentes
de empresas do setor de serviços, especificamente dos sub-setores de telecomunicações e
informática, sendo os entrevistados divididos entre 30 homens e 31 mulheres. Os gerentes
entrevistados se diferenciavam quanto a suas áreas de atuação dentro da organização por não
ter sido o foco da pesquisa direcionar para um determinado setor específico.
As
entrevistas foram gravadas, com prévia autorização dos respondentes, e transcritas para
melhor aproveitamento das informações fornecidas. A partir de tais entrevistas, foi efetuada a
análise dos dados de acordo com a Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1979). O
conteúdo das entrevistas dos gerentes foi agrupado em tabelas e analisado considerando-se a
freqüência das respostas. Procedeu-se, então, a análise dos trechos das entrevistas de acordo
com a temática a que se referiam, visando à obtenção de indicadores que permitissem a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens
contidas nos relatos dos gerentes (BARDIN, 1979).
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA FUNÇÃO GERENCIAL
Dentre as instâncias do modelo de relações de trabalhoi (MELO, 1991), o gerente
assume com destaque a função da gestão da força de trabalho, sendo responsável pelo “pôr a
trabalhar” ou pela disponibilização do potencial humano existente na organização,
favorecendo a obtenção do trabalho em quantidade e qualidade necessários e, ainda, pela
61
manutenção da cooperação e garantia da reprodução das relações sociais (assumindo aspectos
importantes na regulação dos conflitos).
Havendo mudanças nos padrões de acumulação ou mais especificamente nas
correlações de forças entre os grupos sociais e profissionais de uma organização, alteram-se
os padrões de gerenciamento e, portanto, as competências organizacionais desejáveis. Assim,
em tempos de reestruturação de um novo capitalismo, as mudanças nas formas de agir dentro
das empresas impõem necessariamente mudanças nos quadros gerenciais, em suas funções,
posicionamento e qualificações, entre outras coisas. Ou seja, novas práticas organizacionais
são desenvolvidas a partir da realidade que está sendo criada.
As competências gerenciais possuem caráter relacional. As formas de ação dos
gerentes bem como o seu espaço organizacional são, também, resultados da convergência de
estratégias de outros gerentes de outras empresas, regularmente em situação de sucesso.
Assim as competências gerais do grupo gerencial são provisoriamente reconhecidas vivendo
um processo permanente de contestação e de emulação (GRUN, 1990) tendo em vista que a
construção e a manutenção da competência profissional também é uma construção social
contínua (DUBAR, 1997), além de atender a interesses políticos e econômicos.
Saussois (1998) analisa a gerência como práticas formalizadas que enfrentam três
tipos de desafios dentro de uma organização: a coordenação das atividades, a cooperação
entre os membros desta organização e a promoção da adesão à cultura da empresa. Mas
Champy (1995, p.3) lembra que nas empresas que passaram por “um genuíno processo de
reengenharia, a responsabilidade e a autoridade são tão amplamente distribuídas pela
organização como um todo, que praticamente todos se transformam em gerentes, mesmo que
apenas de seu próprio trabalho”.
A diversidade de abordagens referentes à função gerencial é em parte entendida
quando consideramos o papel e a importância desses profissionais dentro da dinâmica
organizacional. Rodrigues (1991) observa, a partir de resultados de pesquisas, que a
construção de um imaginário coletivo social/organizacional se consubstancia e se consolida à
medida em que são estabelecidos os papéis funcionais dos participantes da organização:
“gerentes e administradores atuam estrategicamente, nas
organizações, para criar justificativas ou racionalidades, que
expliquem medidas e ações das próprias organizações. Assim, os
gerentes podem criar e administrar novas estruturas, novas
tecnologias, e podem, ainda, agir através de parâmetros simbólicos,
como ideologias, crenças e rituais” (RODRIGUES, 1991, p. 57)
Pode-se destacar o papel do gerente como mantenedor da ideologia da empresa.
Ideologia essa que para conseguir maior e melhor produção com menor custo econômico e
político possíveis, procura incorporar valores universais ao ideário organizacional. Dessa
forma, políticas de recursos humanos e a ação dos gerentes favorecem o desenvolvimento do
ideário organizacional.
Pagès et al. (1987:33) destacam o papel de agentes mediadores desempenhados pelo
corpo gerencial e afirmam que
“o poder dos gerentes se explica pela sua capacidade de colocar seus
conhecimentos a serviço de uma ação mediadora de redução das
contradições da sociedade capitalista em desenvolvimento”.
Dessa forma, o caráter ideológico do papel gerencial pode ser entendido, também,
como facilitador da construção de um ideário simbólico capaz de tratar as contradições
inerentes ao modo de produção, aglutinar esforços dos diversos atores sociais em direção aos
objetivos organizacionais, propiciando, ao mesmo tempo, “significado” ao trabalho humano.
62
Entre as práticas do novo capitalismo, analisadas por Sennett (1999), destacam-se duas
com forte efeito no trabalho gerencial: o trabalho flexível e o sistema de poder que se esconde
nas modernas formas de flexibilidade. O autor examina que ao se falar de riscos, situação
inerente no trabalho flexível usa-se a idéia de
“‘estar em risco’, o que é mais deprimente do que promissor. As
proposições dos manuais de negócios referentes ao risco diário na
empresa flexível indicam, de fato, o estado contínuo de
vulnerabilidade vivido pelos indivíduos. Provoca-se, assim, uma
espécie de preocupação surda, contínua, reforçada pela exagerada
ambigüidade do sucesso e fracasso” (SENNETT, 1999, pág. 97).
Além das novas condições de mercado obrigarem a um número cada vez maior de
pessoas a assumirem riscos, desenvolveu-se uma crença de que a experiência da pessoa vai
perdendo valor à medida que se acumula a própria experiência ou, em outras palavras, trata-se
de um processo de “erosão das qualificações”. A prática de trabalho flexível se baseia na
suposição de que a rápida mudança de qualificação é a norma. Cria-se, então, um clima que
enfatiza o risco constante que é aumentado quando “as experiências passadas parecem não
servir de guia para o presente” (SENNETT, 1999, p. 115).
As modernas formas de flexibilidade permitem, também, a concentração de poder sem
a centralização do poder, ou seja, as pessoas nas categorias funcionais inferiores ou de base
nas organizações possuem, atualmente, mais controle sobre suas atividades. Mas, os novos
sistemas de informação oferecem um quadro abrangente da organização aos altos
administradores de uma forma que o controle dos indivíduos em qualquer parte da rede é mais
eficiente e sutil, deixando pouco espaço para o indivíduo (SENNETT, 1999).
A sobrecarga dos pequenos grupos de trabalho é uma característica freqüente da
reorganização das empresas. Assim, a nova ordem acrescenta novas formas de relações nas
organizações. O controle pode ser estabelecido criando metas de produção ou lucro para uma
grande variedade de grupos na organização, onde cada unidade tem “liberdade” de cumprir da
maneira que julgar adequada. No entanto, são raras as organizações flexíveis que estabelecem
metas de fácil cumprimento. Ainda, segundo Harrison (1994) a estrutura permanece nas
forças que impelem as unidades ou indivíduos a produzirem mais; o que fica em aberto é
como fazer isso, e o topo da organização flexível raras vezes oferece as respostas.
Dessa forma, procuram-se soluções que dêem resultados imediatos, sem
necessariamente se tornarem resultados positivos no longo prazo, com o fim de manter o
próprio emprego e garantir seu sustento. Ainda, o aumento da concorrência é um fator de
acirramento dessa realidade, pois os resultados ficam cada vez mais difíceis considerando o
número de empresas disputando o mesmo espaço no mercado.
Essas questões possibilitam uma contextualização da função gerencial nas
organizações nos dias atuais: além de se tratar de uma função que envolve perspectivas
técnicas, políticas e críticas no campo da prática social (REED, 1997) completada pelo
ambiente cultural, sócio-econômico e político da sociedade onde se insere a organização, a
função gerencial também recebe todas as influências e exigências do novo capitalismo
reconstruído junto com a globalização.
3. O GERENTE ASSALARIADO – COMO FAZER A GESTÃO DESSA
CATEGORIA PROFISSIONAL?
Neste contexto, foi realizada uma análise da categoria gerencial do segmento de
informática e telecomunicações da região metropolitana de Belo Horizonte (MG-Brasil) que
encontra-se face a face com a seguinte situação: trata-se de um grupo profissional que
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proporcionalmente sofreu maiores impactos com a adoção de novas tecnologias
organizacionais tais como a reengenharia, o downsize, as unidades de negócios, gestão
participativa, implantação de células de trabalho, além dos avanços da informática e da micro
eletrônica com suas repercussões no mundo organizacional. Além disso, no Brasil, não há
nenhuma organização formal que represente legalmente os interesses do gerente. Na própria
Justiça do Trabalho são encontrados decisões judiciais referentes a reclamações trabalhistas
de empregados em cargos de chefias negando a petição sob a alegação de que o reclamante é
representante do empregador.
Os próprios gerentes participantes do estudo quando questionados sobre o que é ser
gerente não conseguem chegar a um consenso, apesar de apresentarem características tidas
como essenciais para a função. O discurso mais comum entre os entrevistados é que o gerente
atua principalmente através de suas interações sociais na empresa e fora dela:
Gerente hoje é administrar problemas. (...) ...mas quando eu falo problema não é
aquele problema que você tem que estar todo dia quebrando a cabeça, não. É assim
uma situação de você ficar interagindo com a empresa, buscando o que a gente
precisa, que é um bom resultado, um bom relacionamento profissional, tanto com os
clientes – o público externo – como o público interno também – seus colegas de
trabalho. (...) É representar a empresa e levar a melhor imagem possível. Mesmo
quando ela não é a imagem que a gente gostaria (G. 33)
Além disso eles percebem como parte de suas responsabilidades a promoção da
cultura da empresa e a coordenação das atividades da equipe na direção dos interesses
empresariais, dirigindo a esses interesses muito esforço e dedicação.
Então quer dizer, ele como gestor, ele tem a todo momento estar dando ordens,
estar instruindo, estar orientando, estar desenvolvendo, estar motivando pessoas.
(G.37)
Então, pra mim, ser gerente é você ter a capacidade de juntar um grupo de pessoas
em prol de um objetivo e conseguir aquele objetivo. Isso é função gerencial. (G.39)
O Cara tem que vestir a camisa da empresa, e batalhar mesmo. (G.32)
Muitas vezes o exercício da função gerencial gera uma identificação dos interessses
desse grupo com os interesses organizacionais, de forma que o gerente sente o sucesso da
empresa como sendo o seu próprio sucesso. Para Galbraith (1988), a dinâmica da dominação
organizacional se articula em torno da chamada “tecnoestrutura”, ou seja, indivíduos inseridos
em grandes organizações adaptam-se a seus objetivos à medida em que galgam posições
hierárquicas mais elevadas. Nessas posições, a sensação de poder seria maior e as pessoas
teriam razões cada vez mais fortes para acreditarem que servindo à organização, ou seja,
alinhando-se aos interesses dela, poderiam influir na determinação dos objetivos
organizacionais que fossem mais próximos aos seus próprios interesses.
“Então, assim, eu tenho o meu planejamento, eu corro atrás, aí eu penso, eu
elaboro, eu estudo, eu viabilizo, eu começo de novo... Então, assim, é onde eu tenho
a minha maior possibilidade de crescer, de melhorar a minha performance
profissional é atuando”. (G.19 – grifos acrescentados)
“O fator de estar desempenhando um papel, de estar conseguindo um resultado, de
estar lidando com pessoas, é instigante, é gostoso, isso no dia-a-dia é muito bom,
sabe? Estar participando de decisões, isso é muito bom. (...) Então, é gostoso estar
no dia-a-dia com desafios, e estar conseguindo vencê-los, é isso que é gostoso”.
(G.16)
Entre os gerentes entrevistados o conceito de gerência muitas vezes se confunde com o
de liderança – freqüentemente citado pelos gerentes como um ponto fundamental da gerência
moderna. Segundo eles, uma de suas principais atribuições gerenciais é selecionar, motivar e
direcionar o trabalho da equipe, compartilhando os resultados.
Na verdade, a posição de um gerente é como se fosse a posição de um treinador,
quer dizer, você está unindo forças e perfis distintos, mas todos focados no mesmo
64
objetivo. Então, é você aproveitar bem as potencialidades de cada um, mesmo sendo
pessoas heterogêneas, com informações distintas, com um objetivo único. Acho que
é muito mais esse papel de coach mesmo. (G. 34)
Vale ressaltar que as empresas que participaram deste estudo apresentavam discusros
de descentralização e de política de portas abertas, onde a responsabilidade e a autoridade são
distribuídas pela organização. (CHAMPY, 1995) .
Eu tenho uma teoria que, todo mundo é gerente, a moça que faz o café ela é gerente
do café que ela faz, ninguém manda na água que ela esquenta, ou no pó e açúcar
que ela coloca. (G.58)
As dificuldades em definir a gerência vão além das suas atribuições, e passam por uma
questão importante que é a sua posição na estrutura social e econômica. Para uma corrente na
sociologia das profissões o grupo gerencial não pode ser considerado como parte da classe
trabalhadora, apesar de ser assalariado, uma vez que a sua “razão de ser” é justamente o
controle dessa classe. Por outro lado, também não faz parte da classe capitalista. O grupo
gerencial acaba por se inserir em uma posição antagônica, posicionando-se no meio da
relação estrutural entre capital e trabalho. Naturalmente, não se pode desconhecer que o grupo
gerencial não é uma categoria profissional homogênea, assim como também não o é nenhuma
outra profissão, mantendo suas diferenças segundo os seus grupos hierárquicos básicos
(MELO, 1995).
3.1. A seleção dos gerentes – pré-requisitos para o exercício da função gerencial
Em vista dessa dificuldade de definição da função gerencial, o primeiro desafio
encontrado na gestão dos gerentes é a seleção do profissional ideal para a função. Nesse
estudo ficou evidente a forte necessidade de conhecimento especializado para a gestão das
empresas. A formação superior foi considerada um pré-requisito para exercer a função
gerencial por 27,87%i dos entrevistados, associada a 22,95% que afirmaram ser de
fundamental importância possuir conhecimento tanto sobre o negócio da empresa como sobre
a função que ele exerce. Mas para eles não basta ter um curso superior para ser um bom
gerente, é preciso também ter experiência, competência e manter-se sempre atualizado,
apresentando uma visão sistêmica do negócio.
É interessante observar que apesar de considerarem importante a educação formal do
gerente e a sua capacidade intelectual, foi a habilidade de relacionamento o item mais citado
pelos entrevistados (40,98%) lembrada em diferentes momentos da entrevista pelos gerentes.
Além disso, os gerentes também se referiram a outros pré-requisitos relacionados a essa
habilidade como a capacidade de liderança, gerenciar bem a equipe, conduzir a equipe a bons
resultados para a empresa, não ser ditador, saber delegar tarefas, inspirar confiança, saber dar
feedback aos subordinados, saber se impor e ser tolerante
Dificilmente você vai ver uma pessoa na gerência que tenha exclusivamente títulos,
pós graduação, mestrado, doutorado enfim, você pode perceber que são pessoas
fáceis de se lidar, pessoas que às vezes tem muito experiência prática e nem sempre
experiência teórica. Na hora em que você atrelar experiência prática e experiência
teórica isso é fundamental. Você fica embasado em certas teorias, até mesmo
psicológicas, isso tudo influencia em um processo de trabalho até mesmo que o
gerente está responsável. (G.45)
E não são apenas requisitos objetivos e mensuráveis que foram considerados
importantes pelos entrevistados. Os gerentes traçaram também um perfil de posturas e
comportamentos que uma pessoa precisa apresentar como requisito para ingressar na carreira.
Eu acho que a pessoa tem que ter atitude. Eu acho que diferencia uma pessoa da
outra são as atitudes e os comportamentos. É muito fácil de você adquirir
65
habilidade técnica. Se você já não veio com ela é muito fácil de você adquirir.
Habilidade comportamental, não. (G.37)
Essas características apontam para o grau de dificuldade da função, uma vez que para
exerce-la é necessário ser quase um “super-herói”. Segundo eles, para ingressar na carreira
gerencial é preciso coragem, gostar de desafios e gostar do que faz e apresentar uma postura
que demonstre essas características.
Um grande desafio que o gerente encontra ao ser selecionado é provar que é capaz de
superar os desafios da carreira e para isso primeiro precisa acreditar em si, mantendo a autoestima elevada, boa aparência e não acreditar em preconceitos que possam atrapalhar a sua
carreira.
Olha, determinação, disciplina, sabe? Porque ser capaz, todos somos. (...) Então, no
momento da entrevista, eu tava muito seguro, entendeu, com relação ao que eu
podia oferecer ou não pra empresa. Então, eu acho que o principal é você se
conhecer, porque você conhecendo o seu potencial, você tem condição de abraçar
aquilo que você quer. (...) Você tem que ter a segurança daquilo que você vai fazer,
você vai cumprir missão. Então, quando me entrevistaram pra poder estar
assumindo essa gerência, foi um momento certo, na hora certa. (G.42)
Com essa auto-confiança ele pode então demonstrar sua dedicação, disciplina,
ambição, dinamismo, flexibilidade, pró-atividade, intuição e humildade.
3.2.Desafios e pressões da função gerencial
Ao assumir a função gerencial, o indivíduo se depara em seu cotidiano com
atribuições, barreiras e pressões que desafiam constantemente a sua capacidade gerencial e os
fazem se esforçar para se manterem empregáveis: para 57,14% deles é necessário, nessa nova
situação do mercado, manter-se em contínuo aperfeiçoamento. Para 29,51% dos gerentes
entrevistados, a formação e a capacitação são fatores de pressão, já que eles precisam manter
uma atualização constante para acompanhar o desenvolvimento tecnológico acelerado das
telecomunicações e da informática.
Junto a isso, 39,34% dos gerentes afirmaram se sentirem pressionados para apresentar
resultados e para tornar mais lucrativo o setor em que trabalham. Pode-se ressaltar que a
preocupação por desenvolver e capacitar a equipe também faz parte do desafio da própria
empregabilidade dos gerentes, visto que os resultados apresentados por eles são influenciados
pelos resultados da sua equipe.
Gerente hoje é administrar problemas. (...) ...mas quando eu falo
problema não é aquele problema que você tem que estar todo dia quebrando a
cabeça, não. É assim uma situação de você ficar interagindo com a empresa,
buscando o que a gente precisa, que é um bom resultado, um bom relacionamento
profissional, tanto com os clientes – o público externo – como o público interno
também – seus colegas de trabalho. (...) É representar a empresa e levar a melhor
imagem possível. Mesmo quando ela não é a imagem que a gente gostaria (G. 33)
Assim como as tecnologias desse setor, a demanda do mercado na área de
telecomunicações e informática cresce muito. As expectativas dos clientes deixaram de ser
estáticas e mudam tão ou mais rapidamente que a capacidade de renovação da empresa,
tornando cada vez mais difícil aos gerentes alcançá-las, o que gera uma grande angústia. Para
9,84% dos gerentes pesquisados atender a essas expectativas do cliente é um fator de grande
pressão sobre eles.
Além disso, os gerentes entrevistados alegam serem pressionados a tomarem decisões
rápidas, e atenderem às demandas em prazos muito curtos, apesar do excesso de tarefas, e de
nem sempre disporem de todos os recursos necessários ao seu trabalho.
Ressalta-se o aumento do stress como sendo, na atualidade, uma especificidade da
função gerencial. A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2002) em sua
66
caracterização da ocupação do cargo de gerente afirma que “em algumas atividades podem
trabalhar sob pressão, levando-os à situação de estresse constante”. Torna-se, portanto,
institucional e socialmente aceitável que os gerentes trabalhem numa rotina de constante
pressão e estresse.
3.3.Como facilitar o exercício da função gerencial
Para que a ação gerencial se torne mais ágil e eficiente é importante ter conhecimento
sobre as dificuldades e facilidades encontradas pelos gerentes no exercício da sua função e
assim orientar ações e decisões para uma melhor atuação profissional dos gestores.
Entre os gerentes que participaram deste estudo, as interações sociais são apresentadas
como um ponto fundamental no seu campo de atuação, e podem facilitar ou dificultar o bom
desempenho do seu trabalho dependendo de como se dão essas interações. Se por um lado a
capacidade de desenvolver e manter uma equipe comprometida com os resultados da empresa
(55,74%) facilita a atuação dos gerentes entrevistados, por outro, problemas de
relacionamento e de comunicação, centralização das decisões e hierarquia excessiva (32,79%)
constituem sérios entraves para o bom andamento da atividade gerencial.
“Acho que são dois aspectos importantes no gerenciamento. Primeiro é o
comportamental, a parte do relacionamento, e outro é o conhecimento técnico.
Realmente, para você coordenar, você tem que ter um bom conhecimento técnico, saber
articular e levar as pessoas para um objetivo.”M7/2
A forma como são estruturados os processos decisórios da empresa, que influenciam
diretamente a atuação do gerente, são um ponto importante a ser observado. Alguns gerentes
entrevistados queixam da falta de discussão das decisões e da falta de integração entre os
diversos setores da empresa. Afirmam que a liberdade de expressão, o trabalho em equipe e o
acesso à alta chefia da empresa colaboram para o bom desempenho do seu trabalho.
A autonomia é outro fator crítico para o exercício da funçao gerencial. Os
entrevistados afirmam sentir dificuldade em lidar com excesso de burocracia (27,87%),
rigidez de horários e com problemas na estrutura organizacional da empresa. Ratificando a
importância da autonomia no exercício da sua função, 39,35% das respotas dos entrevistados
apontaram este quesito como facilitador do trabalho gerencial, podendo colaborar com um
dinamismo nos processos e agilidade na tomada de decisões. Uma parte considerável dos
gerentes entrevistados (37,7%) afirma ter muita autonomia para exercer a sua função, mas
muitos admitem que possuem autonomia relativa (47,54%) ou pouca autonomia (11,48%).
Esses dados refletem uma das contradições vivenciadas por esse grupo profissional. O
discurso organizacional, e mesmo a teoria, delineiam uma função gerencial que exige para o
seu exercício uma capacidade de ação que requer uma autonomia que, na prática, os gerentes
não possuem.
Outro ponto lembrado pelos entrevistados é o conhecimento e a experiência. Segundo
eles, o bom exercício da função fica mais fácil quando o gerente se identifica com a
organização, possui experiência, visão geral da empresa, conhecimento do mercado e recebe
treinamentos promovidos pela empresa.
Uma barreira encontrada pelos entrevistados em seu dia-a-dia relaciona-se com a
diversidade de ações no dia-a-dia dos gerentes (24,59%), o que acaba ocupando grande parte
do seu tempo e tornando a sua atuação na tomada de decisões fragmentada ao longo do dia.
Além disso, os gerentes também precisam lidar com recursos financeiros insuficientes,
instabilidade do mercado, falta de formação gerencial, resistência cultural aos processos de
mudança, e outras situações atípicas.
Diante de uma função tão complexa e que exige tantos requisitos os gerentes
entrevistados reivindicam um maior reconhecimento do seu trabalho (36,07%), seja por meio
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de melhores salários, maior visibilidade, recompensas pelos bons resultados seja com a
participação nos lucros da empresa ou até de um plano de carreira.
3.4. Estratégias de sobrevivência na função gerencial
Para a sobrevivência e a manutenção em um cargo gerencial, os gerentes entrevistados
buscam cumprir o que é esperado deles, o que lhes é exigido. Dentre as táticas utilizadas pelos
gerentes pesquisados para manter-se no cargo gerencial ressaltam-se a busca por bons
resultados e o alcance de metas, apontado em 36,07% das respostas dos entrevistados. Para
isso, eles afirmam demonstrar sua competência apresentando uma visão de futuro, gerando
negócios para a empresa, motivando a equipe e exigindo dela bons resultados (32,79%).
Essa busca constante por resultados e alcance de metas acaba produzindo um ciclo
vicioso: a cada meta alcançada produz-se uma nova meta mais alta, a qual é sempre um teste à
capacidade dos gerentes.
“É só provar o resultado. As metas são estabelecidas e você
mostra o seu resultado. Enquanto você gerar esse resultado, você está
mantido. A partir do momento em que você não gerar mais esse
resultado, você tá fora”.(F6/5)
Dessa forma, os gerentes pesquisados buscam não se acomodar no cargo, mantendo-se
sempre atualizados, e buscando aumentar a sua capacitação (54,10%). Além disso, eles se
mostram extremamente comprometidos com a empresa, procuram ser confiáveis e
disciplinados, respeitando os colegas e o local de trabalho (24,6%).
Mais uma vez, a habilidade de relacionamento é apontada como necessária à função
gerencial, somando 27,88% das respostas dos entrevistados. Segundo os gerentes
pesquisados, para se manter no cargo é necessário saber se relacionar e comunicar, além de
possuir habilidades de liderança, praticar uma administração participativa, fazer-se visto no
ambiente organizacional através de marketing pessoal e em alguns casos, até mesmo valer-se
de apadrinhamento político dentro da empresa.
3.5.Avaliação gerencial
Superados os desafios da seleção e desenvolvimento da função gerencial, surge então
um novo desafio para a gestão dos gerentes. Como avaliar o seu trabalho? Segundo os
gerentes que participaram deste estudo, o método mais utilizado pelas empresas para avaliar o
seu trabalho é verificar os resultados atingidos e o alcance das metas estipuladas, somando
50,82% das respostas dos entrevistados.
Mas nem sempre esse método de avaliação se aplica, desafiando as empresas a
adotarem outros modelos de avaliação. Os gerentes entrevistados apontaram outros sete meios
de avaliação gerencial: a avaliação informal, baseada na observação do trabalho do gerente e
em outros aspectos mais subjetivos; a avaliação por meio de indicadores; a avaliação 360o –
em que o gerente faz uma auto-avaliação e é avaliado pelo superior, pelos pares e pelos
subordinados; a avaliação da satisfação dos clientes; a avaliação da competência gerencial;
avaliação pela equipe e avaliação da satisfação dos funcionários.
Como o trabalho do gerente dificilmente é homogêneo, mais de um método de
avaliação pode ser necessário para ter uma boa noção da competência do gerente. Em uma
mesma empresa, dois gerentes podem ser avaliados com métodos diferentes, e muitas vezes o
são, já que as diferentes áreas de atuação acabam gerando resultados muitas vezes
imcomparáveis entre si. Cabe então às empresas e aos profissionais de Recursos Humanos,
repensarem melhores métodos para avaliar a atuação dos gerentes.
68
3.6.O gerente do futuro - tendências para a função gerencial
Quando questionados sobre as tendências para a função, os gerentes do segmento de
telecomunicações e informática da região metropolitana de Belo Horizonte apontaram um
movimento no sentido do fortalecimento da liderança (24,59%) em detrimento da hierarquia e
autoridade (3,28%), valorizando mais a gestão de pessoas (14,75%) e a capacidade de adotar
um modelo de administração participativa (19,67%), enfatizando o trabalho em equipe
(13,11%), a habilidade em lidar com outras pessoas (3,28%) e uma maior autonomia no
trabalho (1,64%).
A necessidade de constante atualização e qualificação também foram apontados como
tendências (18,05%) para a gerência mostrando que as dificuldades passam a ser cada vez
maiores para os gerentes, exigindo profissionalização gerencial. E mais uma vez, os gerentes
ratificam que não basta ter a informação, é preciso saber o que fazer com ela para conseguir
tomar decisões rapidamente. Além disso, os gerentes acreditam que há uma necessidade de
ser mais criativo e saber atuar estratégicamente.
A informação é uma coisa difícil. (...) O fato é que hoje é cada vez mais difícil
exatamente por que temos cada vez mais informação, mais fatores que você
considera para você tomar sua análise de decisão. E isto vai complicar cada vez
mais. (G.54)
Ainda segundo os gerentes, as empresas estão dando mais foco para a qualidade e
produtividade nos serviços prestados, investindo em transparência e em gerenciamento por
projetos personalizados.
4. Considerações finais
O grupo gerencial se destaca dentro das organizações pela quantidade de requisitos
necessários ao seu ingresso na carreira, por ser incumbido de responsabilidades maiores em
comparação aos demais empregados, estar exposto a diversos tipos de pressões e,
principalmente, vivenciar conflitos e contradições inerentes ao exercício da função. Além
disso, o trabalho do gerente dificilmente é homogêneo, variando as suas funções e suas
formas de atuação de acordo com o contexto em que está inserido, a cultura organizacional, a
estrutura da empresa, a área de atuação etc.
Nos processos de seleção para ocupação de cargos gerenciais constata-se uma imensa
quantidade de exigências, que evidenciam a necessidade, por parte do candidato a ocupar a
vaga, de apresentar grande número de características, as quais podem ou não lhes ser úteis no
exercício da função.
Ressalta-se a necessidade coerência entre as competências exigidas e as realmente
imprescindíveis para a função. Neste trabalho, essas competências começam a se delinear por
meio da fala dos gerentes entrevistados que apontaram como características essenciais ao
exercício de sua função e que devem ser priorizadas no momento da seleção dos gerentes, a
habilidade de relacionamento e liderança, e educação formal com aperfeiçoamento constante.
Superado o desafio da seleção, torna-se necessária a definição de métodos de
avaliação do desempenho gerencial. Neste estudo fica evidente a inviabilidade de um método
único de avaliação, uma vez que este não traduziria por completo as atuações dos gerentes,
tendo em vista a multiplicidade vinculada à função, sendo então necessária uma combinação
de métodos de avaliação para ter uma boa noção da competência do gerente, e de uma certa
forma tornar os desempenhos dos gerentes comparáveis entre si.
Outra questão que deve ser considerada é a necessidade do gerente de reconhecimento
do seu trabalho, uma das suas principais reivindicações. Para isso, torna-se imperativo gerar
políticas para a valorização do trabalho gerencial, de maneira que isso não signifique um
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maior ônus para a empresa em termos financeiros. Assim, pode-se utilizar o simbólico como
forma de gerar um sentimento de reconhecimento e gratificação pelo trabalho executado.
Todas as peculiaridades apresentadas transformam o gerente em um elemento sui
generis dentro da organização, exigindo medidas e atuações por parte das empresas
condizentes com suas atribuições e complexidades, promovendo de políticas e processos
específicos para a gestão desses profissionais.
Muitas são as questões a serem consideradas quando se trata da gestão do corpo
gerencial de uma empresa, constituindo grande desafio para o profissional de Recursos
Humanos que precisam ser estudados, discutidos e resolvidos. As reflexões apresentadas
neste artigo constituem um direcionamento inicial para um estudo mais aprofundado e uma
busca mais completa das questões que permeiam esse tema.
REFERÊNCIAS
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71
A GERÊNCIA FEMININA
Antes de nos referirmos especificamente à gerência feminina, acreditamos ser importante
traçar um pano de fundo da situação atual da função gerencial como um todo. Segundo Melo
(2002a), a estruturação de uma nova ordem econômica e política tem sido apoiada pela
revolução de novas tecnologias na área de comunicação e informática, que têm possibilitado
um processo de reestruturação produtiva em grande parte das organizações.
Desde o seu início, a reestruturação produtiva caracterizou-se pela eliminação de postos de
trabalho na maioria das empresas de todos os setores, pois permitiu restringir a interferência
direta do trabalhador em uma série de tarefas que compõem o processo do trabalho. Outro
elemento importante na redução de empregos foram as novas formas de organização do
trabalho que modificaram a rotina e o conteúdo das atividades profissionais, geralmente,
dispensando o trabalho de controle e supervisões exercido pelas chefias imediatas e criaram
grupos de trabalho que têm assumido novas tarefas, responsabilizando-se por sua execução
(Dieese, 2002).
Para Melo (2002a), a razão para a queda do número de cargos no nível de gerência de linha,
por exemplo, no setor industrial, deve-se à reestruturação dos processos de trabalho com
menor demanda de mão-de-obra, eliminando as funções de administrar rotinas e incorporando
empregados em processos gerenciais. Já no setor bancário, aos processos de privatização e
fusão de diversas empresas, soma-se uma nova política de gestão de pessoas, baseada na
busca da racionalização, exigência de maior qualificação, e na transferência para o próprio
empregado do controle da rotina do seu dia-a-dia, agregando função e status ao posto de
trabalho. Assim, percebe-se um quadro em que os postos gerenciais, principalmente, aqueles
de nível mais baixo e intermediário têm sido bastante reduzidos.
Quando se trata especificamente da gerência feminina, percebemos uma disponibilidade
ainda menor de cargos para mulheres que pretendem ocupar posições gerenciais. Ao
buscarmos suporte teórico para estudar a função gerencial, observamos que a literatura
disponível é sexuada (versando sobre gerentes homens) e trata a organização prioritariamente
como um espaço masculino. Calas & Smircich (1996, p.281) afirmam que “a teoria
organizacional tem sido uma literatura escrita por homens, para os homens e sobre os
homens: como obter racionalmente a cooperação dos homens para atingir os objetivos
organizacionais, como gerenciar (man / age)i.” As autoras argumentam, ainda, que, mesmo
elas tendo ocupado postos em organizações desde o início da Revolução Industrial e mesmo
com a existência de pesquisadoras sobre o assunto, como Mary Parker Folletti e Lillian
Gilbrethi, a presença de mulheres em posições gerenciais era vista como uma anomalia ou
considerada normal apenas se estivessem em papéis subordinados. As autoras também
afirmam que "grosso modo, pouco mudou nessa literatura desde os anos 60" (p. 281). Isso
significa que o conhecimento teórico disponível sobre mulheres nas organizações ainda é
pouco consistente e, em relação à categoria mulheres gerentes, ainda é fragmentado e
controverso.
Apesar das lacunas na teoria sobre mulheres gerentes, há evidências empíricas de que
importantes mudanças vêem ocorrendo no mercado de trabalho. Tais mudanças estão
relacionadas, dentre outros fatores, aos avanços e conquistas das mulheres, principalmente nas
últimas décadas. Pesquisas de diversas autoras e autores, como as de Melo (2001; 2002a;
2002b, 2003a e 2003b) e Brito (2005), têm se voltado para a inserção de mulheres gerentes
72
em diferentes setores da economia e em diferentes organizações, verificando que há espaços
em que a mulher tem obtido maiores conquistas e aceitação e que as mulheres vivenciam esse
novo espaço organizacional de forma diferenciada, indicando características e traços comuns
por setor. A transposição de barreiras na ocupação de cargos de chefia pela mão-de-obra
feminina no setor bancário, por exemplo, é percebida sob a forma de um movimento
ascendente, principalmente, em relação a cargos nos níveis de alta gerência e de gerência de
linha (Melo, 2002b). Em suas pesquisas, Melo (2002a; 2002b) revela que, em instituições
financeiras no Brasil, as mulheres vêm superando dois bloqueios básicos: o cultural
(constituem parte significativa da força de trabalho) e o organizacional (já existem políticas
organizacionais favoráveis ao acesso de mulheres aos cargos gerenciais), além de já possuem
características que podem diferenciá-las e, com isso, ajudá-las a romper a barreira da cultura
organizacional e avançar, mesmo que pouco a pouco, na carreira gerencial. Além disso, Melo
(2002b) verifica que, no setor bancário, as gerentes tendem a se tornar mais agressivas do que
seus colegas homens.
Dessa forma, a questão da mulher gerente emerge como um foco de estudos que demanda
análises condizentes com a realidade vivenciada pelo sexo feminino e com as implicações
dessa realidade no exercício de sua função. Mas também nesse campo não podemos
homogeneizar a situação em análise: “mulheres gerentes” não significa a mesma coisa em
setores diferentes da economia, o que introduz novas variáveis nas análises que envolvam a
questão de gênero.
Antes de apresentarmos e discutirmos mais detalhes sobre o trabalho e a vida pessoal de
mulheres gerentes, apresentaremos algumas estatísticas sobre a participação feminina em
cargos gerenciais.
A ocupação de cargos gerenciais por mulheres
Nenhum século da história passou por tantas transformações sociais como o século XX. Os
países desenvolvidos, que são modelo para o restante do mundo, passaram, nas últimas
décadas, por transformações quanti-qualitativas que afetaram suas configurações, seus
processos, seus problemas e suas estruturas de forma jamais identificada no percurso histórico
da humanidade (Drucker, 1997a).
No Brasil, o fenômeno da globalização da economia provocou importantes mudanças na
esfera organizacional, trazendo, por sua vez, contribuições para a inserção das mulheres no
mercado de trabalho, com ênfase para a ocupação de cargos de nível mais elevado, ou seja,
aqueles que demandam maior qualificação (Fonseca, 1996).
Como exemplo, pode-se mencionar o grande contingente de profissionais do sexo feminino
atuando na área da saúde, principalmente nas últimas décadas. Segundo dados apresentados
por Fonseca (1996, p.103), a participação feminina nesse setor, na década de 70, saltou de
41,41% para 62,87%, sendo que em relação à enfermagem de nível superior, ocorreu um
aumento de 86,00% para 94,50%, na década de 80. Quanto à ocupação de cargos de chefia
por enfermeiras, há que se considerar que, por ser uma profissão hegemonicamente feminina,
a enfermagem possui um significativo contingente de mulheres exercendo cargos de chefia.
Entretanto, isso não implica na ausência de preconceitos em relação a essas enfermeiras e,
tampouco na ausência de dificuldades em seu cotidiano. Ao contrário, na enfermagem
evidenciamos, de maneira incisiva, o desgaste a que se submetem as mulheres diante das
duplas jornadas de trabalho, que, para Alves (1996), são necessárias à manutenção das
condições de sobrevivência delas e de suas famílias. Esse fato tem ocorrido, principalmente,
73
em função da deterioração dos salários reais dos trabalhadores, decorrente da crise econômica
brasileira.
Outros estudos sobre a gerência feminina têm sido desenvolvidos, como no treinamento de
executivas ou em programas de desenvolvimento de gerentes do sexo feminino. Segundo
Lewis e Fagenson (1997), somente 5% dos cargos de alta gerência são ocupados por mulheres
nos Estados Unidos, sendo que, no Brasil, esse percentual é ainda menor. As autoras citam
estudos recentes desenvolvidos em âmbito mundial, mostrando que, mesmo em países onde
detêm 50% dos postos executivos, as profissionais do sexo feminino continuam encontrando
dificuldades para alcançar níveis hierárquicos mais elevados nas organizações.
Contudo, não podemos negar que as mulheres têm ocupado mais postos gerenciais. A situação das
mulheres quanto à ocupação de cargos de gerência no Brasil é similar às condições gerais de outras
trabalhadoras: tem sido cada vez maior, havendo grande crescimento da participação feminina no total
de gerentes de ano a ano, como demonstrado na tabela a seguir.
Tabela . Evolução do Número de Gerentes por Sexo no Brasil
1988
1993
Masculino
78,59%
74,67%
Feminino
21,41%
25,33%
Total
100,00%
100,00%
Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)
1998
73,29%
26,21%
100,00%
2003
62,69%
37,31%
100,00%
Ao compararmos a evolução da ocupação dos postos de gerência por homens e mulheres
subdividida entre os níveis gerenciais (tabela ), também verificamos, até o ano de 2003, um aumento
expressivo do número de mulheres em todos os níveis gerenciais, com destaque para os cargos de
gerência intermediária, que apresentaram, ao longo do tempo, uma evolução superior à média total do
crescimento do número de gerentes mulheres, enquanto o número de gerentes de linha tem oscilado,
ora acima da média ora abaixo da média geral. Já na alta gerência, as mulheres, que representavam
16,13% do total de profissionais desse nível em 1988, passaram a representar 47,27% dessa categoria,
o que representa um crescimento de 293% na participação feminina nesses cargos.
Tabela . - Evolução do emprego de gerência em todos os níveis gerenciais
Ano
Gerência de Linha
Gerência Intermediária
1988
Feminino
24,03%
21,91%
Masculino
75,97%
78,09%
1993
Feminino
27,80%
25,65%
Masculino
72,20%
74,35%
1998
Feminino
33,11%
29,42%
Masculino
66,89%
70,58%
2003
Feminino
32,47%
39,51%
Masculino
67,53%
60,49%
Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)
Alta administração
Total
16,13%
83,87%
21,41%
78,59%
20,73%
79,27%
25,33%
74,67%
27,61%
72,39%
30,13%
69,87%
47,27%
52,73%
37,31%
62,69%
Dados mais atuais, publicados na revista Exame (jan./2005), entretanto, revelam a situação das
mulheres que ocupam o primeiro escalão das empresas brasileiras classificadas entre as 500 maiores
do anuário Exame, diga-se, a presidência. Pelo quadro, verifica-se que os 2% de mulheres que
compunham a amostra deixaram seus cargos antes da publicação da matéria na revista. Alvesson e
Billing (1997) corroboram com o fato de que, apesar de a fatia feminina ocupando postos gerenciais
estar crescendo nos últimos anos, as mulheres gerentes estão concentradas em postos mais baixos de
comando, muitas vezes, supervisionando trabalhadoras do mesmo sexo e com pouca atuação na
tomada de decisão das companhias. Voltando à reportagem da revista Exame, ela apresenta o perfil
74
dos diretores das grandes empresas brasileiras por área de atuação e revela a seguinte proporção:
diretores comerciais com 95% de homens e 5% de mulheres; diretores financeiros com 97% de
homens e 3% de mulheres; e diretores de recursos humanos com 85% de homens e 15% de mulheres.
Percebemos, diante disso, como as mulheres são mais bem aceitas na área de recursos humanos
justamente por se acreditar em sua melhor habilidade para lidar com pessoas. Já na área financeira, o
índice de ocupação feminino é o mais baixo. Talvez guiado pelo estereótipo de que mulher não sabe
lidar com dinheiro...
Quadro 1. Retrato do chefe
O perfil dos presidentes de empresas no Brasil, segundo pesquisa da consultoria de headhunting Heidrick &
Struggles, com base em uma amostra estatística de 105 líderes de companhias listadas entre as 500 maiores no
anuário Melhores e Maiores, de EXAME. A amostra só contempla o primeiro homem da empresa, sob o cargo
de presidente, diretor-geral, superintendente ou correlatos
Sexo
Os homens são a esmagadora maioria 98%. Entre a conclusão da pesquisa e a publicação da matéria, as
mulheres, que formavam os 2% da amostra, deixaram os seus cargos
Nacionalidade
Os brasileiros representam 88%. Os demais são europeus (7%) e latino-americanos (5%)
Fonte : MANO, Cristiane. Quem são eles. São Paulo: Abril Editora, revista EXAME, 26 de jan. De 2005.
Quando verificamos os dados por setor da economia (tabela ), percebemos que, acompanhando a
tendência da mão-de-obra geral, observa-se uma maior aglomeração de gerentes mulheres nos setores
do comércio e de serviços, um grande consumidor de mão-de-obra feminina. A grande concentração
de mão-de-obra feminina nesses setores também pode ser explicada tendo-se em vista o fato de que,
atualmente, esse setor já é responsável por quase 56% do total de empregos no Brasil, contra 20% do
setor industrial (RAIS, 1999). Assim, as mulheres chegaram a representar 46,22% dos gerentes no
setor de serviços no ano de 2003. Contudo, na construção civil, na agropecuária e na indústria,
observa-se um número bem mais reduzido de gerentes mulheres.
Tabela . Distribuição Sexual dos Cargos Gerenciais por Setores da Economia
1988 (%)
1993 (%)
1998 (%)
2003 (%)
Masc. Fem. Tot. Masc. Fem. Tot. Masc. Fem. Tot. Masc.
Fem.
Indústria
85,30 14,70 100 81,66 18,34 100 76,92 23,08 100 73,83
26,17
Construção civil
88,39 11,61 100 83,53 16,47 100 80,70 19,30 100 89,44
10,56
Comércio
76,42 23,58 100 72,31 27,69 100 68,10 31,90 100 63,65
36,35
Serviços
75,02 24,98 100 71,40 28,60 100 65,76 34,24 100 53,78
46,22
Agropecuária e afins
92,02 7,98 100 91,84 8,16 100 91,78 8,22 100 89,51
10,49
Outros/ignorado
79,90 20,10 100 72,69 27,31 100 66,39 33,61 100 97,44% 2,56
Total
78,59 21,41 100 74,67 25,33 100 69,87 30,13 100 62,69
37,31
Setores
Tot.
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)
Os dados gerais no Brasil apontam para um equilíbrio entre homens e mulheres quanto à
contagem de postos de trabalho no setor de serviços, inclusive no que diz respeito à gerência.
Em 1998, dois terços dessas vagas eram ocupadas por homens, já em 2003, a situação estava
quase equilibrada. Isto evidencia que, no setor de serviços, as mulheres já vêm desenvolvendo
suas funções como coordenadoras e nos permite supor que num futuro próximo deve
acontecer uma aproximação entre as proporções do trabalho masculino e feminino também na
gerência.
A reestruturação dos processos de trabalho que atinge a função gerencial, ao eliminar as
funções de administrar rotinas e buscar uma maior racionalização tem também exigido maior
qualificação por parte daqueles gerentes que permanecem em seus postos. Esse fato está refletido no
aumento da qualificação profissional entre os gerentes e revela um maior preparo das mulheres para o
exercício do cargo através de capacitações e cursos. Entrementes, a remuneração média de gerentes
homens e mulheres difere radicalmente, não acompanhando a maior escolaridade feminina. Em 1988,
75
a distância entre o recebido por homens e por mulheres como remuneração por seu trabalho em
posições gerenciais era de, em média, 6,45 salários mínimos.
Tabela . Remuneração Média dos Gerentes por Sexo (em salários mínimos)
1998
1993
Masculino
13,65
14,43
Feminino
7,21
8,47
Total
12,27
12,92
Fonte: (RAIS/MTE, 1988, 1993, 1998, 2003. Elaboração Nurteg)
1998
15,76
10,31
14,12
2003
10,32
6,60
8,93
Os dados apresentados permitem uma reflexão sobre a ocupação de cargos de gerência por
mulheres. Apesar de se perceber uma tendência ao aumento da participação feminina em postos de
trabalho mais qualificados, como a gerência, ainda existem assimetrias que têm sido desvantajosas às
mulheres, como afirmado por Segnini (1999, p.22):
“Reafirmando a marginalização das mulheres no mercado de trabalho, o ‘status’ de
inferioridade da mulher em todos os níveis da sociedade é mantido e aprofundado pelas
classes dominantes através da educação familiar, da escola, dos meios de comunicação de
massa, das religiões, da legislação, dentre outros. Os preconceitos assimilados pela mulher
contribuem para impedi-la de assumir postos de decisão em todas as instâncias, inclusive no
trabalho. Assim, as desvantagens sociais de que gozam as trabalhadoras no capitalismo,
permitem ao mercado de trabalho ‘arrancar’ delas o máximo de mais valia absoluta, através
da intensificação do trabalho, da extensão da jornada além do previsto na legislação e da
oferta de salários mais baixos do que os masculinos.”
A afirmação da autora instiga a pensar sobre a inserção da mulher em cargos de gerência, uma vez
que, nessa posição, a mulher vivencia situações singulares e maior carga de pressão decorrente do
próprio cargo. Os fatores de pressão variam, desde a competitividade do mercado de trabalho e a
imposição de maior qualificação por parte da organização, até as dificuldades de conciliação entre a
vida profissional e privada. Analisemos, portanto, essas questões e situações mais de perto.
Cotidiano de trabalho e vida pessoal das gerentes
O cotidiano de trabalho é de fundamental importância para o estudo das mulheres gerentes,
uma vez que é nele que se podem perceber suas principais características gerenciais e as
experiências que vivenciam, o que engloba os seus relacionamentos, suas satisfações e
insatisfações, entre outros aspectos de sua trajetória profissional. A seguir, apresentaremos
esses diversos aspectos ilustrados mediante pesquisas realizadas por Melo (2001; 2002a;
2002b, 2003a e 2003b), Brito (2005), Cappelle et al. (2003) e Betiol (1998 e 2000) com
mulheres ocupando posições gerenciais.
Trajetória profissional
A trajetória profissional abrange um universo de acontecimentos que podem influenciar ou
nortear a conduta atual das gerentes, assim como sua visão a respeito da função gerencial. Os
caminhos percorridos por essas mulheres antes de ingressarem na carreira também indicam as
experiências que elas tiveram que adquirir antes de ocuparem a posição de gerentes. A
pesquisa de Melo (2003a) identificou que 56% das gerentes entrevistadas trabalharam em
outras empresas anteriormente ao ingresso na empresa na qual exerciam a função gerencial e
também que 52% delas assumiram outros cargos antes de se tornarem gerentes. 32% das
entrevistadas ingressaram na empresa ocupando cargo gerencial, sendo que 20% do total
foram contratadas para o cargo mediante concurso. Percebemos, nesse quadro, a relevância da
experiência em outras funções e empresas para alcançar a gerência, já que apenas 12% das
entrevistadas já entraram na empresa diretamente ocupando a função de gerentes.
76
Nessa mesma pesquisa, entre os fatores que as levaram a assumir tal cargo, os de maior
relevância foram a indicação pelo reconhecimento do trabalho, o fato de possuírem o perfil
adequado e o de ser um objetivo pessoal. Nesse caso, a adequação do perfil ao cargo está
diretamente relacionada à vontade pessoal, pois ao objetivarem se tornar gerentes, essas
mulheres direcionaram suas carreiras e seus esforços para se preparar para ocupar tal função,
seja em termos de opção de trabalho, do desempenho ou da qualificação profissional.
Verificamos, portanto, que o ingresso no cargo está mais fortemente ligado à postura e ao
querer das gerentes do que à indicação de outras pessoas.
Outro aspecto observado por Melo (2002b) foi a influência da esfera familiar na trajetória
profissional das gerentes. Em sua pesquisa, a autora identificou o descontentamento a respeito
das dificuldades de ascensão na carreira decorrente de questões relacionadas à vida familiar,
tais como dificuldades de mobilidade ao serem transferidas, flexibilidade de horários ou a
dedicação aos filhos e marido. Mesmo assim, algumas gerentes afirmaram terem aberto mão
desse âmbito pessoal para não perderem oportunidades de crescimento na carreira, não
acompanhando de perto o crescimento dos filhos ou desistindo do casamento.
O divórcio, segundo as entrevistadas, ocorreu porque o cônjuge não compreendia a
dedicação à carreira. O mesmo fator é responsável pelo fato de não terem tido filhos e/ou
constituído família. A esse respeito, Melo (2202b) observou duas situações contrárias:
algumas gerentes sentiam-se frustradas por não terem família, enquanto outras estavam
satisfeitas com a vida de solteira por não terem a cobrança que observam na vida de outras
colegas. Poucas delas foram acompanhadas pela família, a qual concordou fazer sacrifícios
pela carreira da mãe/esposa. Mas a trajetória na carreira das gerentes também é marcada pela
necessidade de adoção de determinadas posturas e comportamentos.
Posturas e comportamentos adotados
No espaço do trabalho, o comportamento adotado por um funcionário é percebido tanto por
seus superiores como por seus colegas de trabalho e subordinados e, se houver contato direto
com eles, também pelos clientes. A esse respeito, Merrick (2002) verificou que, em funções
gerenciais, o desempenho de mulheres gerente é dificultado por estereótipos acerca da
competência feminina. Entretanto, isso pode se tornar um aspecto positivo quando elas
conseguem mudar sua própria percepção e a percepção dos outros em relação a elas mesmas.
Por exemplo, Cappelle et. al. (2003) verificaram que o estabelecimento de uma forte
ligação com a empresa e o comprometimento com suas carreiras influenciaram para que
gerentes de uma companhia de mineração não se vissem diferentes dos gerentes homens,
apesar de reconhecerem a desigualdade de gênero na ocupação de cargos gerenciais. Em seus
discursos, todas as entrevistadas procuraram negar essa diferença, mas em alguns momentos
se contradisseram e algumas delas ressaltaram os aspectos negativos das assimetrias de
gênero na organização, tais como o uso de palavreados e piadas machistas por parte dos
colegas gerentes ou as “cantadas” (assédios) pelo fato de viajarem sozinhas a negócio. Essa
negação das diferenças revela um conflito encoberto por que geralmente passam as mulheres
que ocupam cargos de gerência: para serem aceitas num ambiente eminentemente masculino,
elas acabam encarando como naturais algumas posturas machistas, ou mesmo criam
estratégias próprias de auto-regulação, como usar o humor (levar na brincadeira), disfarçar
seu constrangimento ou agirem como homens (Belle, 1993).
Para uma gerente entrevistada por Cappelle et al. (2003), a mulher deve se policiar para não
revelar sua feminilidade, vista por ela como uma fraqueza: a diferença entre os sexos, aos
77
olhos de algumas gerentes, é pejorativa para a mulher. Esse fato confirma a teoria de Butler
(1981), segundo a qual as mulheres são socializadas para serem suas piores opressoras.
Nesse ponto, merece destaque uma observação realizada por Betiol (2000) em sua pesquisa com
administradoras formadas por uma Instituição de Ensino em Administração na cidade de São Paulo
desde sua primeira turma, em 1958, até 1995. A autora percebeu que mesmo quando as mulheres
necessitam adotar um comportamento mais duro, agressivo e autoritário para serem respeitadas em
postos de comando, nas empresas, devem, em casa, manter uma postura feminina, entendida como
doce e submissa. Para Betiol (2000), trata-se de um paradoxo de comportamento esperado da
mulher, principalmente na cultura latina, cuja cisão é difícil de ser mantida, pois não se pode
cortar o funcionamento psíquico em dois, sob simples comando.
Entre outros comportamentos esperados da mulher, também está a postura cuidadosa
quanto à imagem e ao caráter. Cappelle et al. (2003) verificaram que as gerentes pesquisadas
sentiam-se muito mais visadas e observadas do que seus colegas homens e, por esse motivo,
como uma espécie de estratégia para lidar com o preconceito e contra estereótipos do tipo “a
mulher que trabalha fora está aberta a aventuras”, adotavam o cuidado permanente com o que
iam falar, com o trato com os colegas, com as roupas que vestiam, etc. Esse tipo de
comportamento envolve também desenvolver uma capacidade de saber impor limites nos
relacionamentos, bem como de mostrar sua competência a todo o tempo.
No que se refere aos relacionamentos no trabalho - uma capacidade enfatizada como
necessária e fundamental a gerentes de qualquer setor e nível - há alguns aspectos que devem
ser levantados. O primeiro deles, é a dificuldade de relacionamento com um persistente
público machista, seja entre superiores, pares, subordinados ou clientes, que ainda vê com
descrédito a gerência feminina. Uma outra particularidade identificada por Cappelle et al.
(2003) são problemas de relacionamento que as entrevistadas afirmam ter enfrentado com
outras mulheres, suas pares na empresa. Esse fato exemplifica a forte competição entre
mulheres no mundo do trabalho, principalmente em posições nas quais o acesso feminino
ainda é relativamente limitado, conforme estudado por Butler (1981). Essa competição pode
ser atribuída ao menor número de oportunidades de ascensão disponibilizadas às mulheres,
fenômeno conhecido como “teto de vidro” (Steil, 1997), ou também à falta de cumplicidade
entre elas num ambiente formado por maioria masculina (Merrick, 2002). Essa rivalidade
feminina no âmbito do trabalho pode ser gradualmente reduzida na medida em que haja o
aumento da participação de mulheres, principalmente, em cargos mais elevados na hierarquia
organizacional.
Sobre a questão da competência, nas pesquisas de Melo (2002a), o comportamento que
apareceu com maior freqüência entre as gerentes mulheres foi a necessidade de terem que
demonstrar mais competência que os homens, como um diferencial para se fixarem na
carreira. Em segundo lugar, apareceu a importância do conhecimento e de se ter empenho e
dedicação, o que demonstra que a ascensão profissional e a permanência em tal cargo não são
fáceis e requerem compromisso, conhecimento técnico e também gostar de desempenhar a
função.
Apesar da visão do lado feminino como um entrave, outras gerentes já encaram a
feminilidade como uma vantagem e conseguem explorá-la mais intensamente e a exaltá-la
como uma tendência de conduta para todos aqueles que ocupam cargos gerenciais. Um estudo
da economista Christina Larroudé de Paula Leite, professora da Fundação Getúlio Vargas de
São Paulo, concluiu que, para ascender profissionalmente, as mulheres nem sequer precisam
imitar os homens. Ao contrário, são justamente suas características femininas que as
78
favorecem (Veja, 8 de novembro de 2000). Essa tendência pode ser observada também no
discurso gerencial atual, que defende o desenvolvimento da sensibilidade, flexibilidade e
emotividade, características tidas como eminentemente femininas.
Características femininas e gerência
Saber se realmente existem ou não características exclusivamente femininas e se a origem de tais
características é biológica ou social é um tema para diversas teses de Doutorado. Contudo, o fato é que
essa discussão está muito presente no mundo dos negócios de hoje e que muitas gerentes têm se
apropriado de tais características para serem mais aceitas e, conseqüentemente, mais bem sucedidas
em suas carreiras.
De acordo com estudos específicos do estilo gerencial feminino, como o de Buttner (2001),
no processo de gestão conduzido por mulheres há uma tendência para que os objetivos sejam
claros e difundidos entre todos na organização, procurando alcançar a satisfação dos
interesses de todos que participam, direta ou indiretamente, de seus negócios. No mesmo
sentido, Brush e Bird (1996) apontam como características que predominam na liderança
feminina a flexibilidade, a inovação, a integração e a orientação para a ação. Sexton e
Bowman-Upton (1990), por sua vez, perceberam que entre as mulheres empreendedoras
existe uma busca intensa por independência e um desejo por experiências novas e diferentes,
que proporcionem realizações para elas.
Na pesquisa de Betiol (2000), as diferenças do estilo feminino de gestão, em relação ao
masculino (apontadas tanto pelos entrevistados quanto pelas entrevistadas) envolvem
características como a intuição, a sensibilidade, a criatividade, o detalhismo, a flexibilidade, a
disciplina, o maior senso de justiça, a organização, a paciência, a garra e a percepção mais
acurada em relação às pessoas e aos negócios. Por outro lado, a autora contrapõe que quando
abordada a questão da liderança, mesmo diante do aspecto positivo das características citadas,
o impacto que elas causam não é tão favorável. Há outras características negativas, como a
dificuldade de se imporem e a necessidade de se justificarem e se explicarem excessivamente
aos seus subordinados, o machismo e o preconceito advindos da herança cultural, que se
sobrepõem às outras características e emergem como grandes empecilhos para o acesso
feminino a postos de comando.
Contudo, uma característica é consenso em diversas pesquisas quando se fala de traços
femininos na gerência: a preocupação com o aspecto humano das organizações, representada
por um estilo de gestão mais participativo. Essa característica pode ser ilustrada com trechos
de uma palestra conferida por Anita Roddick, fundadora da grife inglesa de cosméticos Body
Shop, na Expo Management, em São Paulo.
Para Melo (2002b), as mulheres, de um modo geral, estão se mostrando cada vez mais
competentes naquelas atividades relacionadas a cargos de administração. Diante dessa
afirmativa, a autora sistematiza as características ou qualidades femininas que podem
favorecer as mulheres nas suas atividades como gerentes em 4 categorias:
1.
Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida favorecendo uma maior compreensão das
pessoas: intuição nata, instinto de unir, facilidade de trabalhar com o sentimento, além de uma
maior capacidade de percepção. Essas características ajudam a vencer um dos maiores
desafios apontados pelos gerentes: a relação com as pessoas.
2.
Flexibilidade: favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no seu
cotidiano decorrente da capacidade de lidar ao mesmo tempo com problemas diferentes. Esses
olhares múltiplos permitem um maior jogo de cintura, uma leitura diferenciada do contexto. A
necessidade imposta socialmente à mulher de administrar problemas domésticos, de
empregados, de ser mãe, esposa, amante, companheira, filha e suporte de família, permite um
79
treinamento e desenvolvimento específicos e ajustados às novas demandas gerenciais nas
organizações do novo capitalismo. Sua própria história e trajetória, se por um lado impõemlhes exigências e pressões múltiplas, por outro, permitem que elas desenvolvam uma
flexibilidade significativamente útil ao campo gerencial de hoje.
3.
Formação precoce em questões do campo da administração: a educação recebida pelas
mulheres, ainda vigente, enfatiza o aprendizado da administração no próprio espaço
doméstico, provocando o desenvolvimento de maior senso de organização e de uma
capacidade de gerenciamento. Em outras palavras, ela nasce com essa cobrança, a família e os
diversos espaços sociais formalizados vão formando a menina até essa mulher começar a
administrar uma empresa dentro de sua própria casa.
4.
Outras habilidades e qualidades as quais os programas de treinamento e
desenvolvimento gerencial também têm tido dificuldades de desenvolver: maior agilidade,
coragem para correr riscos, disposição para enfrentar conflitos e maior percepção do negócio
da organização.
Como sustentação para as categorias estabelecidas por Melo (2002b), o empresário
americano Tom Peters, mencionado na Revista Você S.A (maio de 2001), diz que:
"Líderes fazem tudo ao mesmo tempo. Qual é o item mais restrito hoje, amanhã
e depois de amanhã? O tempo. O futuro pertence ao líder que consegue fazer uma
dúzia de coisas simultaneamente. E quem é ele? Quero dizer, ela? Quem consegue
administrar mais coisas ao mesmo tempo? Quem se ocupa dos detalhes? Quem
encontra novas pessoas? Quem faz mais perguntas? Quem ouve melhor? Quem
encoraja a harmonia? Quem trabalha com uma lista imensa de coisas para fazer?
Quem é melhor em se manter ligada nas outras pessoas? Bem, isso é uma pessoa de
mil ofícios! Vamos chamar as mulheres de líderes!
Na mesma reportagem, o autor menciona que
“estudiosos e consultores são praticamente unânimes em dizer que o mundo
corporativo caminha para valores tidos como mais femininos: importância do
relacionamento, trabalho em equipe, uso de motivação e persuasão ao invés de ordem
e controle, cooperação no lugar de competição”.
Exageros à parte, porque sabemos que o controle e a competição ainda estão bem longe de
serem extintos do mundo dos negócios, apresentamos algumas mudanças e tendências da
função gerencial que têm impactado no trabalho das gerentes.
Melo (2003a) verificou que as mudanças e adaptações por que tem passado a função
gerencial envolvem novos padrões de liderança, a flexibilização do trabalho e o trabalho em
equipe. Como conseqüência, surge um estilo de gerência mais participativa e menos
autoritária. O trabalho em equipe, por sua vez, promove a melhora no relacionamento
interpessoal. Por outro lado, a autora percebe também uma forte influência das empresas nas
mudanças ocorridas na função gerencial, devido a atuações diretas, como a cobrança por
resultados, a exigência de atualização e qualificação, o aumento da concorrência e a redução
no quadro de funcionários. Nesse cenário, os gerentes que já ocupam essa função percebem a
necessidade de modificar as suas atitudes para se manterem competitivos e garantir sua
empregabilidade. Isso faz com que os homens também busquem aprimorar seu “lado
feminino”, ou seja, eles têm buscado desenvolver melhor as características tidas como
femininas que são valorizadas pelas empresas.
O fim da figura autoritária do profissional, segundo Melo (2003a), neutraliza o aspecto
masculinizante da função gerencial e favorece a atuação da mulher, por ela ser considerada
80
uma pessoa mais “acessível” aos seus subordinados e por dar mais atenção à sua equipe de
trabalho. Entretanto, essa mudança ainda não eliminou a discriminação das mulheres,
principalmente, em relação ao aspecto financeiro ou ao setor econômico em que ela atua, o
qual ainda pode ser guiado pelos modelos pré-estabelecidos de gerência.
Esses, dentre outros aspectos, dificultam o exercício da função gerencial por mulheres.
Também na conquista inicial de sua condição de gerentes, têm de enfrentar diferenças e
desafios, como a necessidade de superação no processo de seleção, os cuidados nos contatos
interpessoais, e os preconceitos nos momentos de ser mãe (Hirata, 2000; Faria, 2002 e
Cappelle et al., 2003).
Trabalho x Vida Pessoal
Quando analisamos “a mulher e o espaço doméstico”, identificamos as dificuldades
vivenciadas pelas mulheres que resolvem se lançar no mercado de trabalho e que também não
podem se descuidar de suas outras “faces”. Afinal, elas também são mães, esposas, donas-decasa, e muitas vezes, estudantes, além de serem profissionais. Com tantas dificuldades, tornase difícil estabelecer prioridades. Muitas vezes, o casamento sai prejudicado, e até a
maternidade é colocada em segundo plano. Essas situações geram grande descontentamento
emocional, abalando até mesmo a saúde física dessas mulheres. Para Melo (2002a, 2002b e
2003a), o desequilíbrio entre a vida pessoal, familiar e profissional é visto como um fator de
pressão, o qual leva à insatisfação e ao estresse. Como forma de regulação, muitas vezes, elas
se vêem pressionadas a pender para um dos lados e, normalmente, a vida pessoal é relegada a
um segundo plano. Contudo, elas tentam conciliar e equilibrar todas essas atividades.
Para conseguir realizar bem as tarefas que lhe são designadas as gerentes adotam diferentes
estratégias. A maioria (60%) das gerentes entrevistadas por Melo (2003a) afirma que a melhor
forma de conciliar a dupla jornada de trabalho é por meio do equilíbrio da vida pessoal e da
carreira gerencial. Elas também mencionam que possuem um apoio em casa (32%), e algumas
(16%) reconhecem o auxílio da flexibilidade possibilitada pela empresa. A redução no
número de filhos ou a ausência deles também contribuem, uma vez que 8% das entrevistadas
afirmam que o cumprimento da dupla jornada de trabalho é facilitado por não serem mães.
O equilíbrio entre vida pessoal e carreira para essas mulheres envolve posicionamentos, tais
como a administração do tempo (48%), a imposição de limites à carga horária de trabalho
(24%) e o estabelecimento de um tempo destinado para a família (16%). Percebe-se, portanto,
a necessidade de as gerentes terem um tempo para si mesmas e para organizar as suas
funções. Contudo, Melo (2003a) identifica uma contradição nos discursos das entrevistadas
ao perceber que, apesar de a maioria das mulheres afirmarem ser possível conciliar trabalho e
família, grande parte delas não justificou como o fazer (48%). Diante dessa constatação, a
autora infere que as entrevistadas ainda estão em busca de uma maneira que as permitam
conviver bem tanto no meio familiar, como no ambiente de trabalho, com possibilidades
concretas de desenvolverem suas carreiras, além de terem tempo disponível para cuidarem de
si mesmas.
Desistir da carreira e dedicar-se exclusivamente aos serviços domésticos, definitivamente,
não parece ser uma alternativa considerada por grande parte das mulheres que ocupam
posições gerenciais. As conquistas da realização pessoal e da independência financeira
aparecem freqüentemente como justificativas para o sacrifício do tempo com a família. Melo
(2003a) verificou que as mulheres têm sentido essa necessidade de provar a sua competência,
de construir uma carreira, de uma busca por independência e realização, alcançadas por meio
do trabalho fora de casa, no mundo público.
81
A esse respeito, também Betiol (1998) se manifesta, defendendo que, se, para a camada
feminina da população, menos aquinhoada econômica, social e culturalmente, a maternidade é
o principal fator de promover a individualidade e a auto-estima, para as administradoras
entrevistadas em sua pesquisa, isso parece não ser elemento fundamental, ou pelo menos não
o único criador de valor pessoal e auto-estima. Para a autora, emoção e alegria para essas
mulheres vêm, também, do sucesso profissional.
Importante ressaltar que isso não representa uma perda de importância da família nas vidas
das mulheres. O fato é que as próprias famílias as valorizam mais quando elas trabalham fora
de casa. Em sua pesquisa, Cappelle et al. (2003) identificaram que gerentes que se sentem
culpadas pelas ausências na criação dos filhos tentam minimizar essa culpa argumentando que
seu trabalho proporciona uma boa educação e qualidade de vida para a família. Além disso, é
também fonte de orgulho para os filhos diante dos colegas, por que mulheres que não
trabalham fora de casa atualmente tendem a ser discriminadas. Essa constatação revela uma
outra incoerência que permeia a vida da mulher atual e que funciona como um intensificador
das pressões com as quais ela convive em seu dia-a-dia: devem exercer uma profissão, mas,
ao mesmo tempo, são cobradas por não terem tempo disponível para se dedicarem à família.
De acordo com Merrick (2002), nos anos 70, diversos artigos da mídia popular começaram
a atribuir problemas sociais, histórias sobre delinqüência juvenil e divórcio à mudança de vida
da mulher trabalhadora. Essas mulheres que entraram no mercado de trabalho eram
estereotipadas como “frias” e “descuidadas” e até mesmo masculinizadas e homossexuais.
Hoje em dia, essas histórias se diluíram, mas esses estereótipos ainda permeiam o discurso
popular como justificativas simplistas para problemas sociais mais amplos.
Um outro aspecto que revela a permanente importância que as gerentes atribuem à vida
pessoal e às suas famílias são seus projetos de vida. Melo (2003a) constatou que grande parte
das respostas sobre os projetos de vida das gerentes tem relação com descanso e tirar tempo
para si, observado nas respostas: “dedicar maior tempo ao lazer” (17%), “depois de aposentar,
levar uma vida mais tranqüila” (17%), “investir em qualidade de vida” (17%) e “passar mais
tempo com a família e/ou filhos” (17%), “vontade de ter filhos”(17%), “zelar para que os
filhos sejam felizes e propiciar condições para tanto” (11%) e “criar os filhos” (6%), levando
a inferir que a vida que levam hoje, com muitas pressões e abnegações, não é desejada em seu
futuro. Para a autora, a família e o contato com os familiares foram relegados ao segundo
plano na escala de prioridades das entrevistadas em decorrência das demandas de seu
trabalho, mas o grande desejo delas é de reverter esse quadro. Essa postergação do tempo para
a família reflete novamente a importância atribuída pelas gerentes à carreira e a todos os
elementos de satisfação proporcionados por ela. Mas a carreira não vem de graça, as gerentes
sofrem muitas pressões, limitações, cobranças e também se cobram muito para serem bem
sucedidas.
Avaliações, cobranças, pressões, o teto de vidro e as estratégias para ultrapassá-lo
No que se refere à organização, a função gerencial exige que as gerentes apresentem um
desempenho que corresponda aos objetivos organizacionais. O trabalho executado por elas é
submetido a constantes averiguações, concretizadas pelos processos avaliadores adotados em
cada empresa. Para Arroba e James (1994), as pressões se fazem necessárias para o
cumprimento da função, desde que sejam construtivas. No caso de ser destrutivo, o conjunto
de exigências pode conduzir o indivíduo ao estresse.
82
Para que se consiga atingir o equilíbrio entre o que é exigido pelo cargo e pela organização
e a capacidade profissional da pessoa selecionada para tal cargo, é preciso que se tenha
condições favoráveis. Segundo dados analisados por Melo (2003b), as mulheres gerentes vêm
encontrando condições adversas para desenvolverem bem a sua função e atingirem seu bemestar. Em seus discursos, a autora percebe que elas vêm sendo submetidas a pressões
psicológicas, tanto no interior do espaço de trabalho quanto fora dele. No caso das pressões
externas, trata-se do já comentado desequilíbrio entre a vida pessoal/familiar e a profissional.
Quanto às pressões psicológicas internas, os resultados da análise apontam para uma redução
no quadro de funcionários, acompanhada por um aumento de atribuições e de metas,
acarretando uma sobrecarga de trabalho para ser desenvolvida em tempos cada vez menores
tanto para homens quanto para mulheres.
De acordo com França (1996), as condições de vida das pessoas são resultado imediato da
performance de suas potencialidades biológicas, psicológicas e sociais. Logo, a função
gerencial é fator de grande interferência na saúde das gerentes. Melo (2003b) cita diversas
conseqüências do trabalho gerencial sobre a saúde das mulheres. No entanto, três variáveis se
destacaram na análise da sua qualidade de vida: sobrecarga de trabalho; vício/dependência da
organização; e estresse/ansiedade decorrentes da função.
Podemos dizer que a cultura social é também responsável pelo problema. Isso se deve,
principalmente, ao condicionamento excessivo para a performance. Ou seja, em nossa cultura,
ser competitivo e eficaz é importante para se destacar e ter prestígio. Contudo, como ressalta
Pires (2001), é necessário saber ao certo em que ponto é preciso colocar uma pausa nesse
ritmo frenético. A concentração da tensão para manter tais ritmos, é uma ilusão de quem o faz
pensando em uma produtividade satisfatória. São necessárias pausas que possam retomar a
questão do prazer e dos desafios no trabalho. Mas quem está em posições de gerência
atualmente, não está disposto, ou mesmo não está em condições de reduzir o seu ritmo de
trabalho, principalmente, diante do ambiente competitivo e de redução dos quadros de
funcionários que hoje se instala no mundo corporativo.
Às pressões internas, já revelamos que estão sujeitos tanto homens quanto mulheres,
contudo, quando as tomamos juntamente com as pressões internas, percebemos que a dupla
ou tripla jornada de trabalho e o desequilíbrio entre vida pessoal e vida profissional tornam o
fardo feminino mais pesado. Além disso, devemos também considerar a questão do teto de
vidro, ou seja, as limitações impostas formal ou informalmente para o crescimento das
gerentes na carreira, o que exige maior dedicação, estar sempre mostrando um desempenho
acima do normal. O teto de vidro representa também a remuneração menor recebida pelas
mulheres mesmo possuindo condições similares em termos de qualificação profissional.
As próprias gerentes atribuem sua desvalorização a elas mesmas, alegando que suas
“frescuras”, “chiliques” as fazem procurar cargos longe da área operacional, que ofereçam
maior conforto, ou cursos que lhes proporcionem maior chance de concorrência no mercado
(Cappelle et al., 2003).
No trabalho de Betiol (2000), a autora realizou uma comparação entre os ex-alunos e alunas
pesquisados e verificou um quadro de formação básica semelhante entre eles, com ligeira
vantagem feminina na escolha da especialização profissionalizante, vantagem sensível quanto
ao conhecimento de línguas estrangeiras, e busca e empenho pela carreira igualmente fortes
em ambos os grupos. Diante desse fato, Betiol (2000) conclui que a maior dificuldade
feminina está na progressão de carreira para atingir o primeiro e segundo escalões e não na
83
capacitação profissional ou no ingresso nas organizações. Tal conclusão contesta a chamada
falta de ambição feminina: o sucesso é tão importante para as mulheres quanto o é para os
homens. Revela também o teto de vidro em contraste com a suposta a “neutralidade”
organizacional.
Entretanto, a visível e crescente ascensão feminina a postos mais altos na hierarquia mostra
que algumas mulheres vêm desenvolvendo estratégias para ultrapassar o teto de vidro. Essas
estratégias já têm sido pesquisadas e são sistematizadas e transmitidas por diversos órgãos e
instituições, como a Catalyst, uma organização de pesquisa, aconselhamento e comunicação
sem fins lucrativos, que busca construir ambientes de inclusão para mulheres e expandir suas
oportunidades no trabalho.
Algumas iniciativas bem sucedidas para romper o teto de vidro identificadas pela Catalyst
(Scheinholtz, 1994) estão expostas no quadro.
Quadro . Quebrando o teto de vidro
1. remoção de barreiras culturais e ambientais para promover a ascenção desvinculada ao gênero
2. identificação prévia de mulheres com alto potencial de crescimento
3. programas de desenvolvimento de liderança que enfatizam mobilidade lateral e experiência de linha
4. flexibilidade de horários e locais de trabalho e incentivos para empregados que buscam conciliar
trabalho e família
5. posicionamento favorável e incentivo por parte dos escalões corporativos mais altos (diretores,
presidentes, etc)
6. adoção de estratégias sistêmicas e não de programas isolados para combater os preconceitos
profudamente arraigados na cultura corporativa
Fonte: adaptado de SCHEINHOLTZ, Debra (ed.). Cracking the glass ceiling: strategies for sucess. New York: Catalyst, 1994. 114p.
Nas pesquisas realizadas pela Catalyst encontramos algumas empresas que promovem programas
para auxiliar gerentes a subirem em suas carreiras, como Johnson & Johnson, Avon, Du Pont,
Motorola, Banco de Montreal e Morrison & Foerster, desenvolvendo as seguintes iniciativas:
programas de trabalho e família, programas de mentoria e acompanhamento para mulheres-gerente,
programas sucessórios para herdeiras, trabalho flexível, e a criação de redes de contato de mulheres
(networks) (Scheinholtz, 1997).
A criação de redes de contato sobre gênero, bem como de organizações e associações, se mostra
como uma estratégia de mobilização importante, pois além de dar suporte ao desenvolvimento
profissional das gerentes, também fornece maior visibilidade para a questão do gênero e para a atuação
das gerentes na hierarquia organizacional.
No mesmo sentido, há outros fatores que favorecem o ingresso de mulheres em cargos gerenciais.
Cohen (Exame, nov./2003), relatando entrevista com Tom Peters, expõe as idéias do autor: Peters
argumenta que para atender o mercado feminino em expansão, faz-se necessário um número maior de
mulheres ocupando cargos de liderança nas empresas. O autor ainda defende que essas novas líderes
não precisam mais assumir posturas masculinas como quando faziam na década de 70 ao chegarem
aos primeiros postos de gerência. Para ele, no mundo atual, o processo de ocupação de cargos
gerenciais por mulheres já vem atingindo sua fase de maturidade.
No discurso de Peters, podemos perceber como transformações na sociedade e no mundo do
trabalho estão fortemente relacionadas a mudanças nos comportamentos sociais e nas formas como as
pessoas concebem suas vidas e o mundo. No caso mencionado, o próprio autor confirma que, no início
do processo de inserção de mulheres em cargos mais altos da hierarquia organizacional, elas
precisavam se masculinizar para serem aceitas. É óbvio: se aquela função era adequada para homens,
tinham que se mostrar como homens para ocupá-las. A partir do momento em que mais mulheres vêm
ocupando tais cargos, perdem o temor de revelar sua feminilidade na gestão e são bem sucedidas em
seu novo modelo gerencial, mais o mito do “universo masculino da administração” passa a ser
questionado e, conseqüentemente, reconstruído.
Importante observar uma particularidade da profissão do administrador revelada por Betiol (1998)
que, pensamos, pode ser extrapolada para a função do gerente: é a dificuldade de se construir uma
84
identidade ligada à profissão, justamente por suas inúmeras possibilidades. O que é ser gerente? Mais
especificamente, o que é ser uma mulher-gerente? Para a autora, o referencial identificatório dessa
profissão terá que ser coletivamente definido, pois “é a coletividade que condiciona a personagem”
(Betiol, 1998, p.124).
Trata-se do conceito da sociedade como uma construção social.
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90
GERÊNCIA FEMININA NO SETOR BANCÁRIO
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo ([email protected])
Doutora em Ciências das Organizações (Université de Paris IX - Dauphine – França)
Diretora-Acadêmica e Coordenadora do Núcleo de Relações de Trabalho e
Tecnologias de Gestão - (Faculdade Novos Horizontes / NURTEG).
R. Alvarenga Peixoto, 1270 – Bairro Santo Agostinho – 30.180-121 – Belo Horizonte
– MG
RESUMO
O capitalismo passa por um processo de reestruturação, onde a mundialização do
capital tem gerado profundas transformações na esfera econômica e social. No setor
financeiro destacam-se crises do sistema, megafusões e uso intensificado da tecnologia da
informação. Quanto à força de trabalho, apesar do processo demissionário desencadeado a
partir de meados da década de 80, registra-se aumento relativo do número de mulheres no
setor, com destaque para a ocupação de cargos na gerência de linha e principalmente nas
gerências intermediárias, quando o número de gerentes masculinos nesse nível passa de
55.895 (1990) para 66.589 (1998), com crescimento de 19,13%, e o número de mulheres
gerentes vai de 9.387 para 28.184, com crescimento de 200,24% no mesmo período.
Pesquisa realizada com 36 mulheres gerentes no setor bancário na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (Minas Gerais - Brasil) mostra especificidades femininas
que podem trazer um diferencial no exercício da função gerencial como sensibilidade mais
aguçada e desenvolvida, flexibilidade favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras
funções no seu cotidiano, formação precoce em questões do campo da administração, entre
outras. A pesquisa mostrou também desafios específicos vivenciados pelas gerentes femininas
mas também a indicação de que elas estão trazendo novos elementos para uma melhor
compreensão do espaço organizacional.
I - INTRODUÇÃO
Durante as duas últimas décadas, o novo capitalismo resultante da atual globalização
acarretou mudanças significativas no mundo de trabalho e nos processos produtivos, afetando,
em algumas áreas, de forma diferenciada homens e mulheres.
91
No Brasil, o fenômeno da globalização da economia provocou importantes mudanças
na esfera organizacional, entre elas trazendo maior inserção das mulheres no mercado de
trabalho, em alguns casos com a ocupação de cargos de nível mais elevado, ou seja, aqueles
que demandam maior qualificação. De acordo com FONSECA (1996), as transformações nos
padrões de comportamento e nos valores relativos ao papel social da mulher, intensificada
pelos movimentos feministas e pela presença cada vez maior da mulher nos espaços públicos,
somadas à crescente queda de fecundidade, à expansão da escolaridade e ao acesso maciço
das mulheres às universidades, são fatores que têm influenciado incisivamente o aumento do
ingresso feminino no mundo do trabalho.
No cenário brasileiro da década de 80, o aumento significativo da participação da
mulher na atividade econômica foi contínuo e teve grande importância "para o mercado de
trabalho, sendo o principal responsável pelo fato de que, apesar da diminuição do ritmo de
crescimento da população, continuou intenso o aumento da população economicamente
ativa." (LEONE, 1996: 152). A entrada das mulheres no mercado de trabalho ocorreu,
principalmente, devido à redução dos níveis de rendimento familiar. A análise feita por
LEONE (op. cit.) mostra, no entanto, que o aumento da participação feminina no mercado de
trabalho não foi suficiente para evitar o empobrecimento da população, ao longo dos anos 80,
devido às mudanças nos níveis de rendimento mínimos que aconteceram em decorrência de
novos cenários socieconômicos.
No período de 1985/95, a participação da mulher no mercado de trabalho cresceu
63% enquanto para os homens a evolução foi de apenas 20,8% (BRUSCHINI, 1998). Nos
anos 1992 a 1999, os dados do PNAD/IBGE(1) mostram um crescimento da participação das
mulheres na taxa de atividade por sexo maior que a dos homens, mas de forma mais lenta e
gradual; passando de 47,2% em 1992 para 49,0% em 1998 enquanto para os homens a
evolução foi de 76,6% para 73,8% no mesmo período.
O conceito de gênero começou a ser estudado na década de 80, por várias (os)
estudiosas (os) feministas que convencidas (os) da potencialidade teórica de tal conceito,
passaram a utilizá-lo. A questão era muito mais profunda do que uma simples substituição de
uma palavra, “optar pelo conceito de gênero, significava uma decisão de ordem
epistemológica, implicava em opção teórica” (LOURO, 1996: 08).
Segundo LOURO (op. cit.), era necessário instituir um novo sentido para a palavra,
considerar que “gênero não pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se
refere à identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social
como sujeito masculino ou feminino.” Na prática, isso passa a significar que o objeto de
estudo não enfoca somente as mulheres, mas centra-se nos "processos de formação da
feminilidade e da masculinidade, ou os sujeitos femininos e masculinos" (LOURO op. cit.).
Apesar dessa diferença de análise considerando a relação de sexo (biologicamente
definido) e a relação de gênero (sociologicamente construído), CALÁS & SMIRCICH (op.
cit.), lembram muito bem que não existe consenso na identificação das variáveis para a
92
formulação dos aspectos vivenciais mais importantes na constituição do gênero e das relações
de gênero. Entre as variáveis apontadas pelas autoras, destacamos aquelas mais próximas da
análise da gerência feminina: o aprendizado social dos papéis sexuais (feminismo liberal);
práticas culturais que destacam e sobrevalorizam a experiência masculina (feminismo
radical); as relações com os pais nos primeiros estágios do desenvolvimento (feminismo
psicanalítico); o processo impregnado de relações de poder e próprio da situação e condições
histórico-materiais (feminismo socialista).
Observa-se, no entanto, que nas relações de trabalho a mulher deixou de se posicionar
como vítima, apesar de se reconhecer que o poder entre os dois sexos não é equivalente. Temse verificado que a mulher busca o reconhecimento através da competência e a possibilidade
de competir de igual para igual, ao contrário de desejar apenas a mera concessão do poder
masculino (BETIOL & TONELLI, 1991).
Dessa forma, a questão da mulher gerente emerge como um foco de estudos que
demanda análises condizentes com a realidade vivenciada pelo sexo feminino e com as
implicações dessa realidade no exercício de sua função.
II - INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL
Seja pelo desejo de realização e independência, ou pela necessidade, o fato é que as
mulheres estão ocupando uma fatia cada vez maior do mercado de trabalho, ao mesmo tempo
em que vêm assumindo um diferente posicionamento perante a sociedade e a família. Dados
do IBGE (1999), que indicam a pessoa de referência no domicílio familiar, refletem o novo
papel que as mulheres vêm desempenhando. Em 1981, o índice de mulheres chefes de família
era de 16,9%. Em 1995, esse percentual elevou-se para 22,9%. Em 1998 elas constituíam
25,9% dos chefes, atingindo os 26,0% em 1999.
O Censo da Educação Superior realizado no Brasil, em 1999, aponta que as mulheres
vêm encabeçando o percentual de brasileiros, matriculados e concluintes de curso superior,
tanto na rede pública, quanto na rede privada. Em 1998, do total de brasileiros matriculados
no ensino superior, as mulheres representavam 56,0% dentre os quais 53,0% estavam
matriculadas na rede pública e 57,0% na rede privada. No ano de 98, as mulheres
representavam 61,0% do total de brasileiros que concluíram o ensino superior, sendo que
59,0% delas concluíram o ensino superior na rede pública e 63,0% o fizeram na rede privada
(INEP/MEC(2), 1999).
Apesar da situação descrita sinalizar para a ocorrência de avanços nos níveis de
qualificação das mulheres é importante ressaltar a persistência de desigualdades de gênero
quando se trata da remuneração. Melhor dizendo, no cenário atual, as mulheres continuam
recebendo salários inferiores aos dos homens. Essa colocação pode ser reforçada a partir de
dados apresentados, pelo IPEA(3) (2000), que expressam a inferiorização dos salários
femininos. Em 1983, as mulheres ganhavam em média, 45% dos salários masculinos. Em
93
1995, esse percentual subiu para 62,6% dos salários masculinos, chegando aos 65,0% em
2000. Dados recentes fornecidos pelo Grupo CATHO(2000), apontam que as mulheres em
cargos gerenciais recebem em média 16,2% menos que os homens em postos idênticos.
Pesquisa apresentada pela revista Exame (2001), mostra que de modo geral, quanto
maior o grau de escolaridade, maior a diferença salarial entre homens e mulheres na mesma
ocupação. Segundo dados do IBGE (2000), a disparidade entre o nível de instrução entre os
dois gêneros acentua-se mais na população ocupada, uma vez que o interesse feminino em
ingressar no mercado de trabalho tende a aumentar com a elevação do seu nível educacional.
Em 1995, o contingente masculino com o segundo grau completo dentre a população
ocupada, era de 17,3%, chegando a atingir o percentual de 21,2% em 1999. Considerando a
população ocupada feminina, o percentual de mulheres com o mesmo grau de instrução
passou de 24,9% em 1995, para 30,4% em 1999.
Outros dados apresentados pela RAIS(4) (1997), reforçam a idéia de que, no Brasil, o
fato de as mulheres serem mais instruídas que os homens (28,0% delas têm mais de 11 anos
de estudo, contra apenas 19,0% dos homens), não chega a representar uma vantagem real, já
que isto não é reconhecido e revertido em remuneração justa e condizente. A segregação
salarial que atinge milhares de trabalhadoras pode ser confirmada a partir de dados
estatísticos, que apontam a superioridade dos salários masculinos. No ano de 97, os
assalariados masculinos com nível superior recebiam em média 17,3 salários mínimos,
enquanto as mulheres com o mesmo grau de instrução recebiam em média 10,1 salários
mínimos.
Em relação à questão salarial, HIRATA (1998) levanta a hipótese de que as mulheres
estejam sendo utilizadas como "cobaias para o desmantelamento do sistema de salários",
posição que é reforçada pela análise de CASTELLS (1999:200) ao afirmar que "as mulheres
ocupam cargos que exigem qualificações semelhantes em troca de salários menores, com
menos segurança no emprego e menores chances de chegar às posições mais elevadas".
As mulheres lideram também as estatísticas relativas ao desemprego no país. A taxa
brasileira de desemprego, aponta que em 1989 o percentual masculino representava 7,5% do
total de desempregados no país, contra 10,6% do percentual feminino. Em 1995 a parcela
masculina da taxa nacional de desemprego passou a 11,8%, contra 15,3% da parcela feminina.
Em 1996, o percentual masculino ficou em 13,5%, enquanto o percentual feminino atingiu os
17,3%. (Seade- Dieese, 2000)
Dados do IBGE - PNAD, de 1997 mostram que a população feminina ocupada
concentra suas atividades na prestação de serviço (30,2%), na atividade agrícola (20,2%), na
área social (17,2%), no comércio de mercadorias (13,2%) e na indústria de transformação
(8,8%) e o Grupo CATHO (2000) informa que as áreas mais ocupadas pelas mulheres nas
empresas brasileiras, em 1999, seguiam a seguinte ordem: Recursos Humanos (45,19%),
Relações Públicas(44,64%), Jurídica (29,78%), Administrativo/Financeiro (26,80%),
94
Processamento de Dados(20,88%), Comercial(19,88%), Suprimentos/Compras (16,68%), e
Presidência/ Alta Gerência (16,37%).
No período de 1990 a 1998, dados da RAIS - MTB analisados pelo NURTEG Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão - mostram que a evolução do
emprego de gerência em todos os setores da economia (tab.1) teve uma queda geral de 7,23%.
No entanto, enquanto os gerentes masculinos diminuíram em 13,56%, as mulheres gerentes
cresceram um percentual de 19,98%, no mesmo período passando de uma participação de
21,94% nos cargos de chefia para 28,39%. Tais dados indicam um movimento ascendente da
presença da mulher em cargos de chefia no Brasil. O crescimento mais significativo se deu no
nível da gerencia intermediária (96,63%) e no nível da alta gerencia(73,95%), com
participação no total de empregos em 1998, de 32,89% e 20,14%, respectivamente. O
processo de redução dos níveis hierárquicos reflete-se bem na variação dos números de cargos
gerenciais no nível de gerencia de linha: registrou-se uma redução de 29,11% no total de
empregos considerando-se o período analisado, com queda de 34,85% para o grupo masculino
e apenas de 13,57% para o grupo feminino. No entanto a participação das mulheres no
conjunto dos empregos de gerência no Brasil mostra que, apesar de que essa participação é
crescente, o espaço gerencial ainda é masculino: mas em todos os níveis as mulheres vêm
conquistando espaços e mantendo a posição indicando a necessidade de uma melhor
compreensão dessa categoria profissional, no mundo organizacional.
TAB. 1 - EVOLUÇÃO DO EMPREGO DE GERÊNCIA EM TODOS OS SETORES DA ECONOMIA
DIRETORES DE EMPRESAS
MASCULINO
FEMININO
Total
GERENTES DE EMPRESAS
MASCULINO
FEMININO
Total
CHEFES INTERMEDIARIOS
MASCULINO
FEMININO
Total
TOTAL
MASCULINO
FEMININO
Total
90
91
94
97
98
40934
6024
46958
41325
6445
47770
44130
9628
53758
53886
26408
80294
41537
10479
52016
319177
60128
379305
319987 325670 352750 344413 7,90%
64545
81976
112402 118232 96,63%
384532 407646 465152 462645 21,27%
397812
146997
544809
375647 321086 275881 259145 -34,85%
143970 134709 131096 127041 -13,57%
519617 455795 406977 386186 -29,11%
757923
213149
971072
736959 690886 682517 645095 -13,56%
214960 226313 269906 255752 19,98%
951919 917199 952423 900847 -17,23%
Fonte: RAIS - MTB - Elaboração: NURTEG - Núcleo de Relações do Trabalho e Tecnologias de Gestão (2001)
95
Variação
%
1,47%
73,95%
10,77%
III - GERENTE FEMININA NO SETOR BANCÁRIO E HABILIDADES
DIFERENCIADAS
A indústria bancária mundial vem passando nos últimos anos por profundas
transformações que geraram quebra de grandes bancos, megafusões e crises de sistemas
financeiros de vários países. Com essa nova ordem econômica e política e com a revolução
das novas tecnologias na área de comunicação e informática, que eliminaram as barreiras
físicas entre os países, o fluxo de capitais se torna mais ágil e o capital pode facilmente
instalar-se em qualquer ponto do globo que traga possibilidades de ganho.
Desde o início, a reestruturação produtiva caracterizou-se pela eliminação de postos de
trabalho na maioria das empresas do setor, pois permitiu restringir a interferência direta do
trabalhador em uma série de tarefas que compõem o processo do trabalho bancário. Outro
elemento importante na redução de empregos são as novas formas de organização do trabalho
que modificam a rotina e o conteúdo das profissões, geralmente, dispensando o trabalho de
controle e supervisões exercidas pelas chefias imediatas e criando grupos de trabalhos que
assumam novas tarefas e se responsabilizem por sua execução. Também o processo de fusões
e incorporações provocaram cortes nos empregos, na medida em que a junção de duas ou
mais estruturas permite eliminar segmentos responsáveis por tarefas realizadas em
duplicidade pelas instituições. O objetivo é obter ganho de escala e redução dos custos
unitários através da eliminação de gastos com atividades de meio (DIEESE, 2000). Precisa-se
levar também em consideração que a ampliação do número de instituições financeiras
internacionais com atuação no mercado brasileiro registrou forte crescimento na década de 90,
o que gerou o acirramento da concorrência (mais evidente a partir de 1994).
Quando analisada a evolução do emprego na área gerencial no setor bancário, no
período de 1990 a 1998, observa-se alguns indicativos importantes na composição por gênero
da função. No período considerado, há uma diminuição significativa dos cargos de gerência
no setor financeiro passando de 206.261, em 1990, para 162.431, em 1998. Há uma oscilação
nos cargos da alta gerência e da gerência intermediária, mantendo-se, no entanto, um
crescimento para os dois níveis gerenciais. A queda do número de cargos gerenciais no setor
se explica pela redução contínua da gerência de linha, passando de 137.882 cargos em 1990,
para 63.074 em 1998. (ver tabela 02)
Conforme os dados da tabela 02, o aumento verificado no quadro da alta gerência para
o grupo masculino foi de 42%, enquanto o aumento do grupo feminino foi de 130%. Nos
cargos de gerência intermediária, enquanto a evolução do emprego masculino aumentou em
aproximadamente 19%, o aumento verificado para o grupo feminino foi de aproximadamente
200%.
Mesmo com a queda acentuada do número de cargos na gerência de linha, o grupo
feminino teve uma redução de aproximadamente 38%, enquanto o número de empregos
masculino, no mesmo nível de gerência, diminuiu aproximadamente 60%. Dessa forma, a
variação percentual por gênero no nível gerencial no setor financeiro, no período de 1990 a
96
1998, foi de 77% para 68% para os homens, e de 23% para 32% para o grupo feminino,
mostrando um crescimento da presença da mulher nos cargos de chefia nesse setor.
TAB. 02 – EVOLUÇÃO DO EMPREGO DE
FINANCEIRO:
90
91
ALTA GERÊNCIA
MASCULINO
2911
2968
FEMININO
186
182
Total
3097
3150
GERÊNCIA
INTERMEDIÁRIA
MASCULINO
55895
53501
FEMININO
9387
10036
Total
65282
63537
GERÊNCIA DE LINHA
MASCULINO
100075 87739
FEMININO
37807
34912
Total
137882 122651
TOTAL
MASCULINO
158.881 144.208
FEMININO
47.380 45.130
Total
206.261 189.338
GERÊNCIA NO SETOR
94
5178
409
5587
97
4261
349
4610
98
4156
428
4584
65872
19416
85288
76437
28201
104638
66589
28184
94773
65108
29884
94992
45528
25143
70671
39596
23478
63074
136.158 126.226 110.341
49.709 53.693 52.090
185.867 179.919 162.431
Fonte: RAIS - MTB - Relatório de Pesquisa: “O ESPAÇO DA GERÊNCIA
FEMININA: DESAFIOS DE GÊNERO E DA FUNÇÃO EM INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS” (2001)
A razão para a queda do número de cargos no nível de gerência de linha deve-se ao
uso crescente da tecnologia de informação, que permitiu a reestruturação dos processos de
trabalho com menos demanda de mão-de-obra, eliminando a função de administrar rotinas e
incorporando o empregado do setor bancário em processos gerenciais ampliando dessa forma,
o seu campo de responsabilidade funcional. Além da privatização e fusão de empresas no
setor, soma-se uma nova política de gestão de pessoas, baseada na busca de racionalização,
exigência de maior qualificação, e na transferência, para o próprio empregado, do controle da
rotina do seu dia-a-dia, agregando função e status ao posto de trabalho.
Ao se buscar suporte teórico para a função gerencial observa-se, que assim como na
teoria organizacional, a literatura disponível é sexuada (versando sobre homens) e trata a
organização prioritariamente como um espaço masculino. CALÁS & SMIRCICH (op. cit. p.
281) cita pesquisa datada de 1965 sobre a categoria de mulheres gerentes destacando
afirmação reveladora da percepção sobre a mulher gerente , com grande concordância dos
respondentes masculinos, "apenas as mulheres excepcionais, realmente as super qualificadas,
podem esperar sucesso na gerência". As autoras também afirmam que "grosso modo, pouco
97
mudou nessa literatura desde os anos 60" (op. cit. p. 281). Maior parte das pesquisas tem
concentrado sua temática na estruturação por sexo das organizações, ou com ênfase nas
variáveis psicológicas ou com premissas epistemológicas, mostrando "forte orientação
funcionalista/positivista, favorecendo metodologias quantitativas e, subsidiariamente,
pesquisa qualitativa" (ELY, 1995 apud CALÁS & SMIRCICH op. cit. p. 285). Isto significa
que o conhecimento teórico disponível sobre as mulheres nas organizações ainda é pouco
consistente, e em relação à categoria gerente-mulheres pode-se dizer que é fragmentado e
superficial.
Na busca de contribuir para a produção de teorias sobre o espaço da gerência feminina
nas organizações, nossas pesquisas vêm mostrando que, em instituições financeiras, no Brasil,
as mulheres vêm superando dois bloqueios básicos: o cultural (constituem parte significativa
da força de trabalho) e o organizacional (já existem políticas organizacionais favoráveis ao
acesso de mulheres aos cargos gerenciais); além do que, já possuem características que podem
diferenciá-las e, com isso, romperem a barreira da cultura organizacional e avançarem,
mesmo que pouco a pouco, na carreira gerencial.
Pesquisa(5) realizada, através de entrevistas gravadas, com 36 mulheres do setor
bancário da Região Metropolitana de Belo Horizonte, sendo 23 gerentes de dois bancos
estatais e 13 de 6 bancos privados, revelou o seguinte perfil do grupo analisado: 75% possuem
curso superior (19,44% com pós-graduação) sendo a maioria na área de Administração;
tempo de casa concentrado em duas faixas (até 10 anos com 36,11% e de 16 à 20 anos com
33,33%), 77,78% das gerentes entrevistadas com até 5 anos no cargo, sendo 61,11% casadas e
69,44% com filhos.
As características ou qualidades femininas encontradas nas gerentes pesquisadas, que
podem favorecer as mulheres nas suas atividades como gerentes podem ser agrupadas em 04
(quatro) categorias:
•
Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida favorecendo uma maior compreensão das
pessoas, intuição nata, instinto de unir, facilidade de trabalhar com o sentimento, além de
uma maior capacidade de percepção. Essas características ajudam a vencer um dos
maiores desafios que vem sendo apontado pelos gerentes: a relação com as pessoas.
•
Flexibilidade favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no seu
cotidiano decorrente da capacidade de lidar ao mesmo tempo com problemas diferentes.
Esses olhares múltiplos permitem um maior jogo de cintura, uma leitura diferenciada do
contexto. A necessidade imposta socialmente à mulher de administrar problemas
domésticos, empregados, a dispensa, de ser mãe, esposa, amante, companheira, filha,
suporte de família, permite treinamentos e desenvolvimentos específicos e ajustados às
novas demandas gerenciais nas organizações do novo capitalismo. Por um lado, sua
própria história e trajetória lhe impõe exigências e pressões múltiplas, por outro,
desenvolve-lhe uma flexibilidade significativamente útil ao campo gerencial de hoje.
•
Formação precoce em questões do campo da administração. A educação recebida pela
maioria das mulheres enfatiza o aprendizado da administração no próprio espaço
98
doméstico, desenvolvendo maior senso de organização e capacidade de gerenciamento.
Em outras palavras, a mulher recebe uma formação familiar e social que a torna capaz de
administrar uma empresa dentro de sua própria casa.
•
Outras habilidades e qualidades que programas de desenvolvimento e treinamento
gerencial têm tido dificuldades de desenvolver: maior agilidade, coragem para correr
riscos, disposição para enfrentar conflitos, maior percepção do negócio da organização.
Entre os múltiplos depoimentos das gerentes pesquisadas podemos sintetizar a
situação da mulher gerente nos seguintes:
“Normalmente a mulher consegue trabalhar enxergando vários
ângulos. Então, ela consegue ao mesmo tempo administrar várias
coisas, e o homem, ele é mais focado”(Gerente 17)
“Uma gerente não é só uma gerente. Ela é mãe, esposa,
empregada doméstica. Ela é isso tudo. E tem que dar conta. Se não dá
errado.”(Gerente 22)
“A mulher (...) tem uma visão, uma habilidade, agilidade, um
jogo de cintura, uma percepção dos negócios muito grande, maior do
que a dos homens. Mas de qualquer maneira o mercado procura mais
homens”. (Gerente 25)
Naturalmente, as grandes mudanças no mundo do trabalho e nas relações de gênero
vêm contribuindo pouco a pouco para abalar muitas convicções organizacionais e questionálas. Assim, neste espaço fluído e flutuante de estruturas flexíveis de empregos, o sucesso
ainda existe mas, conforme afirma PAHL (1997:18), "seus contornos tornaram-se imprecisos
- é, quem sabe, mais um conceito retrospectivo que prospectivo. Além disso, as mulheres,
desafiando a visão masculina de sucesso, oferecem os talentos da esperteza e do equilíbrio em
lugar da habilidade carreirista. Ser mãe, atender a dois empregos de meio período e ainda
levar intensa vida social exige qualidades diferentes das que se esperam de um marido e pai
que galga inexoravelmente os degraus de sua carreira numa grande empresa."
No entanto, se a mulher-gerente avança na ocupação de funções gerenciais no setor
financeiro, esse percurso não é linear e tão pouco sem um custo, ainda pouco dimensionado.
VI - DESAFIOS VIVENCIADOS PELA GERENTE FEMININA NO SETOR
BANCÁRIO
A maioria das gerentes se mostra satisfeita com o exercício de suas funções, pois
dizem que é algo bastante gratificante, se sentem reconhecidas e identificam-se com o
trabalho realizado. A dificuldade apresentada foi, basicamente, a de gerenciamento de
99
pessoas, dificuldade essa também apontada por grupos de gerentes masculinos como sendo
um dos principais desafios gerenciais.
As gerentes afirmam que o sucesso neste mercado de trabalho tão competitivo não
ocorre por acaso! Com paciência, flexibilidade, mas sem perder a autoridade, elas têm
conseguido atingir metas e alcançar os resultados esperados e, dessa maneira, elas começam a
ter consolidado um espaço na carreira gerencial.
Segundo resultados da pesquisa realizada, mulheres gerentes encontram também
condições adversas para desempenharem com sucesso a sua função. Em seus depoimentos,
verificamos que elas vêm sendo submetidas a fortes pressões, tanto no interior do espaço
bancário quanto fora dele. Tais pressões, se por um lado conduzem à produtividade
satisfatória à empresa, por outro, sacrificam a saúde física e mental da gerente.
O fato de ser gerente impõe à mulher escolher entre o trabalho e a família ou entre o
trabalho e sua vida pessoal. Neste ponto, evidencia-se um impasse cruel para a mulher, ou
seja, ela tem que enfatizar a sua carreira profissional sacrificando sua vida conjugal,
principalmente seus filhos, e também suas questões pessoais.
A maioria das análises sobre a situação de trabalho da mulher, remete sua visão à
dupla ou tripla jornada feminina. Mas, na verdade essa situação é mais complexa. A dimensão
da multiplicidade de demandas feitas à mulher, em especial à mulher gerente, mostra bem a
relação mulher-trabalho-espaço doméstico. Assim, de fato, a mulher gerente possui demandas
simultâneas que vão além da análise das várias jornadas. Elas devem saber conciliar,
simultaneamente, o ser mulher "mãe", mulher "esposa", mulher "profissional", mulher "donade-casa", mulher "estudante/qualificada" e mulher "mulher".
O grau de autonomia e influência de um profissional dentro da organização são
variáveis essenciais para sua afirmação no contexto organizacional. Há uma relação direta
estabelecida entre a autonomia atribuída aos gerentes e as suas condições e qualidade de
trabalho do seu nível hierárquico. As gerentes de instituições financeiras que participaram da
pesquisa avaliam o grau de autonomia da seguinte forma: 72,22% afirmam que possuem
autonomia para trabalhar dentro do seu nível hierárquico mas 36,11% consideram que a
autonomia está limitada pelas normas da empresa e, 41,67% afirmam ser insuficiente a
autonomia que lhes compete. Na realidade, todas as situações descritas pelas gerentes
remetem-nos à situação de uma autonomia limitada para o exercício da função gerencial.
A mulher-gerente do setor bancário vivencia, então, um mundo ambíguo com
sentimentos conflituosos produzidos pela possibilidade do crescimento profissional aliada a
uma forte pressão no trabalho.
100
"... a empresa investe realmente na gente, sem dúvida, ela investe em
quem manifesta interesse." (Gerente 17)
"... a meta ela é boa, porque você tem um propósito para alcançar,
você tem um objetivo. (...) eu acho desgastante quando aquilo ali passa a ser
tortura né: 'Tem que alcançar, tem que alcançar...'" (Gerente 07)
"Eu adoro ter poder. As pessoas vêem a gente como quem tem a força.
Você é capaz. Você conseguiu!" (Gerente 16)
"É o contato com o público. (...) pra mim, atender as pessoas é uma
coisa fantástica. E não é só aquela pessoa que te trata bem, não... é conseguir
domar aquele mais bravo. Eu acho isso fantástico!" (Gerente 23)
"... a empresa não te vê como gente não né, te vê como mão-de-obra,
força de trabalho e força de trabalho para eles não tem limite." (Gerente 22)
Finalmente deve ser observado que o próprio cargo gerencial vem sofrendo os efeitos
das múltiplas reestruturações organizacionais e produtivas: redução significativa dos níveis
hierárquicos e conseqüente redução dos cargos gerenciais, acréscimo contínuo de demandas
funcionais, pressões sobre metas, exigências maiores de qualificação e adoção de equipes de
trabalho semi-autônomas.
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das mudanças ocorridas, percebemos um aumento significativo do número de
mulheres no setor bancário. Essas mulheres, em sua maioria, ingressaram na organização
ocupando funções relacionadas com o atendimento direto ao cliente. Essa situação é
decorrente das características próprias das mulheres, tais como: facilidade de lidar com
pessoas, maior sensibilidade, senso de organização, entre outros. Uma vez inserida na
organização, ascendem na carreira por competência profissional, se destacando no exercício
da função gerencial.
A trajetória profissional e a esfera familiar, caminham juntas, não sendo possível
analisar nenhuma delas independentemente da outra, pois ambas constituem parte
fundamental da vida das gerentes. Assim, merece consideração o fato de algumas gerentes
manifestaram algum descontentamento a respeito das dificuldades de ascensão na carreira
decorrentes de questões relacionadas à vida familiar.
O sucesso profissional da mulher no setor bancário tem sido atribuído a algumas
características a elas inerentes, consideradas nesta pesquisa como “ particularidades da mulher
gerente”. Tais particularidades, somadas à competência técnica podem ser expressas como
uma forte razão para seu sucesso profissional.
101
Além disso, é importante ressaltar que a mulher, seja por caracterização enquanto
indivíduo, seja devido ao processo de socialização e de aculturação, é acostumada a
desenvolver várias tarefas ao mesmo tempo, conseguindo, assim, ter uma visão mais
globalizante da organização, uma maior adaptação às variadas e múltiplas demandas para o
exercício da função gerencial, bem como equilibrar-se entre as atividades domésticas e
profissionais.
As características e qualidades femininas que podem favorecer as mulheres no
exercício da função gerencial podem ser agrupadas em 04 (quatro) categorias:
1. Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida;
2. Flexibilidade
3. Formação precoce em questões do campo da administração;.
4. Maior agilidade, coragem para correr riscos disposição pra enfrentar conflitos, maior
percepção do negócio da organização.
Outras características apontadas como particularidades femininas são: flexibilidade,
sensibilidade, senso de organização, paciência e emoção. Todas essas qualidades
proporcionam um “algo novo” na gerência realizada por mulheres que tem sido mais
valorizada pelas organizações contemporâneas.
Apesar de citarem a sedução profissional, o jeitinho feminino, a versatilidade e o
melhor uso da sensibilidade como qualidades necessárias no exercício da função, a maioria
das gerentes pesquisadas diz que as características necessárias são as mesmas necessárias a
um gerente.
Mas os dados acerca das condições de trabalho e qualidade de vida das gerentes e das
influências que estas possam exercer no trabalho e na vida pessoal, remetem-nos ao fato de
que as gerentes têm encontrado também adversas para desenvolverem bem a sua função e
atingirem seu bem-estar. Conforme nossa análise, as mulheres gerentes vêm sendo
submetidas a pressões psicológicas, tanto no interior do espaço bancário quanto no ambiente
doméstico.
No entanto, as mulheres tomaram um caminho sem retorno no exercício gerencial com
conquistas, especifidades e desafios mas também trazendo novos elementos femininos e de
gênero o espaço organizacional.
102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PAHL, R. Depois do Sucesso - Ansiedade e Identidade 'Fin-de-Siècle'. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1997.
REVISTA EXAME, 2001.
103
As práticas gerenciais no contexto da organização hospitalar familiar: um olhar de
gênero e de poder
Profa. Dra. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
Profa. Dra. Maria José Menezes Brito
Profa. Mônica Carvalho Alves Cappelle
1.
Introdução
Os estudos sobre o poder nas organizações e, mais especificamente, relativos ao
comportamento organizacional, abrangem temáticas instigantes e polêmicas que envolvem
entre outros elementos, a subjetividade, o conflito, a dominação e adesões e resistências no
processo de gestão de pessoas. Essas dimensões organizacionais, perpassadas pelas relações
de poder, abarcam também as relações de gênero vivenciadas no espaço de interação social,
cuja análise deve ir além da simples polarização entre o masculino e o feminino, em que o
homem desempenha o papel de “dominador” e a mulher atua como “dominada”.
Nesse contexto, insere-se a proposta de Cappelle, Melo e Brito (2002) de adoção de
uma perspectiva politizada para o estudo do gênero nas organizações que permita a ampliação
das interpretações dadas às diferentes possibilidades de interação entre homens e mulheres de
acordo com as regras sociais vigentes nos respectivos espaços em que são percebidas; e
admite que as modificações nos hábitos e condições de vida, permeadas por inovações
tecnológicas e pelo desenvolvimento sócio-cultural, sejam inseridas nas análises. E porque
não pôr em prática o desenvolvimento teórico elaborado pelas autoras?
Considerar o caráter histórico e contingencial das relações de gênero implica
acreditar que as relações de poder entre homens e mulheres em diferentes sociedades, épocas,
posições sociais, organizações e categorias profissionais assumem configurações singulares.
Sendo assim, tais configurações devem ser investigadas em seu espaço de ocorrência para
possibilitar a construção e a consolidação de um corpo teórico relevante e expressivo no que
diz respeito às relações de gênero e de poder.
Trabalhos como os de Melo (2001a; 2001b; 2002; 2003), com mulheres
gerentes nos setores bancário, industrial, de telecomunicações e de informática; de Brito
(1998; 2004), com enfermeiras gerentes de hospitais; e de Cappelle et al. (2002), com
policiais militares femininas, mostram como as especificidades do espaço de trabalho refletem
comportamentos específicos e modos de convivência particulares, cuja explicação deve
envolver tanto o contexto, quanto as características das organizações, ou dos setores
econômicos em que mulheres se inserem.
Especificamente em relação à função gerencial verifica-se uma maior dificuldade de
inserção de mulheres, visto que a gerência ainda é considerada como um “gueto masculino”
(MELO, 2001a). Dessa forma, ao se fazer recortes mais específicos da função gerencial, como
realizado no estudo comparativo com gerentes mulheres no setor industrial e no setor
bancário (MELO, 2002), percebem-se espaços diferenciados e vivificados pelas mulheres,
sinalizando para a diversidade da realidade e da prática organizacional.
Ademais, observa-se que as práticas gerenciais são permeadas por relações de poder,
tendo em vista que os “gerentes eficazes parecem viver na ambigüidade de um sistema
complexo e misterioso com relativamente pouca ordem” (MINTZBERG, 1976, p.53). O autor
relata que na vida diária de um gerente, as informações para as decisões principais aparecem
em pequenas partes e em meio a um emaranhado de pequenas tarefas e de arenas políticas
permeadas por jogos de interesses. Os problemas acabam por ser mal estruturados. Para
enfrentar as ambigüidades do presente e incertezas do futuro, o gerente acaba por privilegiar a
104
sua intuição e seus julgamentos a partir da própria experiência. Os gerentes, portanto,
aprendem a tomar decisões num processo organizacional limitado e fragmentado. Esses
aspectos tornam o estudo da função gerencial um campo extremamente rico e que possibilita
inúmeros recortes e abordagens.
Nessa perspectiva, surge a proposta de pesquisa por meio da qual objetiva-se
compreender as práticas cotidianas vivenciadas por mulheres gerentes em um hospital geral
da rede privada de Belo Horizonte caracterizado como empresa familiar, enfatizando as
relações de poder e de gênero que permeiam as referidas práticas.
As empresas familiares são caracterizadas por um estilo de gestão que entrelaça
propriedade, família e gestão (GERSICK et al., 1997). Nesse caso, a empresa familiar se
mostra interessante para a análise das relações de poder e de gênero, visto que em cada
subsistema composto pela superposição dos três círculos (propriedade, família e gestão),
homens e mulheres possuem interesses específicos e desempenham papéis diferenciados.
Assim, acredita-se que esse tipo de empresa constitui um espaço organizacional cuja
extensão abrange o espaço familiar, ambos marcados por relações de poder e relações de
gênero, os quais transformam a gestão da empresa familiar numa atividade de mediação de
conflitos e contradições singulares em relação a outros tipos de organizações. Definições
2 As relações de gênero e de poder nas organizações
A crescente inserção do contingente feminino nas organizações tem sido marcada por
algumas especificidades que têm alterado os modos de comportamento da mão-de-obra, bem
como da organização do trabalho. Essas especificidades podem ser ilustradas por alguns
dados sobre a participação feminina no mercado de trabalho.
As mulheres estão conquistando espaço no mundo inteiro, em praticamente todas as
atividades, destacando a entrada de 20 milhões de mulheres na população brasileira
economicamente ativa nas últimas duas décadas (COHEN, 2001). O autor aponta ainda que o
mundo corporativo tende a caminhar para valores considerados femininos, corroborando com
as estatísticas sobre o avanço profissional da mulher no âmbito mundial. No Brasil, um bom
exemplo para ilustrar essas conquistas pode ser verificado por meio dos percentuais sobre
donos de empresas no país. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico – IBGE, em 1991, as
mulheres representavam 17% dos empregadores brasileiros, sendo que em 1998 esse
percentual elevou-se para 22,4% (IBGE – PNAD, 1998).
Em relação à mão-de-obra empregada, também são verificados aumentos. Segundo
dados do IBGE, as mulheres representavam em 1995, 37% do total de assalariados, já em
1998, passaram para 40,67% do total de pessoas inseridas no mercado de trabalho no Brasil,
atingindo 43,03% em 1999 (IBGE-PNAD, 1998; 1999). Observa-se, nesse contexto, um
crescente aumento da presença feminina em áreas distintas, principalmente naquelas que
demandam baixa qualificação. De acordo com dados do Dieese (2002), um quinto das
mulheres estão ocupadas em atividades agrícolas, 13,5% no comércio de mercadorias, 29,4%
na prestação de serviços, 17,4% nas atividades sociais e 9% na indústria.
Pode-se também notar um crescente aumento da participação da mulher nas empresas
brasileiras. De acordo com dados do grupo Catho (1998), o percentual feminino nos cargos de
alta gerência que era de 8,10% em 1995, passou para 10,39% em 1997, efetivando um
aumento de 28,3%. Considerável elevação do percentual feminino tem ocorrido também na
gerência intermediária, sendo que em 1995, as mulheres representavam 20,23% dos gerentes
intermediários das empresas brasileiras, enquanto que em 2000, esse número já havia
105
alcançado a marca de 25,31%, representando um acréscimo de 5,08% de acordo com os dados
da RAIS de 1995-2000.
Ressalta-se, também, o fato de que, nos últimos anos, a mulher tem se sobressaído em
grande parte das profissões que tem ocupado. Segundo dados apresentados na Revista Veja
(25/02/1998), a mulher encontra-se na ponta de um processo que está transformando a
sociedade brasileira, constituindo 30% dos médicos, metade do corpo de advogados do país,
integrando significativamente a profissão de juiz e dirigindo cargos importantes em grandes
bancos de investimento. Também em organizações militares, formadas, em sua grande
maioria por homens, as mulheres têm se destacado. Dentre os estudantes que obtiveram o
título máximo de aluno-coronel em 1997, nos doze colégios militares do país, 80% são
mulheres. No meio científico, quase a metade dos pesquisadores com bolsa do CNPqConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- é de mulheres (VEJA,
25/02/1998).
Apesar de estarem se sobressaindo nas posições que ocupam, as mulheres têm
enfrentado alguns obstáculos no que concerne à remuneração. Dados apresentados pela RAIS
(2000) reforçam a idéia de que, no Brasil, apesar de as mulheres serem mais instruídas do que
os homens (21,19% delas têm mais de 11 anos de estudo, o que equivale, no mínimo, ao 2º
grau completo, contra 19,29% dos homens), esse fato não chega a representar uma vantagem
real, já que isso não é revertido em remuneração condizente. A segregação salarial que atinge
milhares de trabalhadoras pode ser confirmada por meio de dados estatísticos que apontam a
superioridade dos salários masculinos. No ano de 1997, os assalariados masculinos com nível
superior recebiam em média 17,3 salários mínimos, enquanto as mulheres com o mesmo grau
de instrução recebiam em média 10,1 salários mínimos. Segundo dados do Dieese (2001), a
maior parte das mulheres que trabalham na indústria (69%) ganham até 3 salários mínimos,
enquanto os homens com ganhos no mesmo patamar correspondem a 45%.
Apesar de possuírem melhores níveis de escolaridade, a média salarial das mulheres
em 1998 representava 54% da média dos homens. Além disso, nesse mesmo ano, 10,5% das
mulheres ocupadas não recebiam remuneração e metade delas recebia menos de um salário
mínimo, enquanto em relação aos homens ocupados, essas proporções eram de 6,4% e 30%,
respectivamente. Em 1999, 17% da população ocupada masculina situava-se na faixa que
recebia até um salário mínimo contra 24,7% da população feminina. Entre os assalariados que
se situavam na faixa de 20 salários mínimos de rendimento por trabalho, encontrou-se 2,9%
do contingente masculino e apenas 1,1% do feminino (IBGE, 2000).
A pesquisa apresentada pela revista Exame (2001) mostra que, de modo geral, quanto
maior o grau de escolaridade, maior a diferença salarial entre homens e mulheres na mesma
ocupação. Segundo dados do IBGE (2000), a disparidade entre o nível de instrução entre os
dois gêneros acentua-se mais na população ocupada, uma vez que o interesse feminino em
ingressar no mercado de trabalho tende a aumentar com a elevação do seu nível educacional.
Em 1995, o contingente masculino com o segundo grau completo entre a população ocupada
era de 17,3%, chegando a atingir 21,2% em 1999. Considerando a população ocupada
feminina, o percentual de mulheres com mesmo grau de instrução passou de 24,9%, em 1995,
para 30,4% em 1999.
Apesar de constituírem a maioria entre os brasileiros com grau de instrução mais
elevado, as mulheres, além de receberem menores salários do que os homens e enfrentarem a
dupla jornada de trabalho (na empresa e em casa), lideram também as estatísticas relativas ao
desemprego no país. A taxa brasileira de desemprego aponta que, em 1989, o percentual
masculino representava 7,5% do total de desempregados no país, contra 10,6% do percentual
feminino. Em 1995, a parcela masculina da taxa nacional de desemprego passou para 11,8%
106
contra 15,3% da parcela feminina. Em 1996, o percentual masculino de desemprego ficou em
13,5%, enquanto que o feminino atingiu os 17,3% (SEADE – DIEESE, 2000). Em 2000, na
cidade de Belo Horizonte, as taxas de desemprego permaneceram em 16,1% entre os homens
e 19,9% entre as mulheres (DIEESE, 2001).
Diante dos dados apresentados, pode-se elaborar um quadro do qual se extraem alguns
pontos relevantes. É facilmente perceptível o crescimento da ocupação feminina em postos de
trabalho em relação à masculina e essa ocupação tem ocorrido nas mais diversas áreas e
organizações, seja em cargos de alta gerência ou em postos que exigem menor qualificação
(IBGE – PNAD, 1998; 1999; DIEESE, 2002; CATHO, 1998; RAIS, 1995-2000). Percebe-se
também que o nível de escolaridade das mulheres tem sido mais elevado, se comparado ao
dos homens que ocupam as mesmas posições que elas (RAIS, 2000; IBGE, 2000). Destaca-se,
além disso, o fato de valores tidos como femininos, tais como sensibilidade, flexibilidade,
habilidade em cuidar de pessoas e acessibilidade estarem sendo requeridos no mundo
corporativo (COHEN, 2001). Tudo isso conta como pontos positivos que as mulheres têm
encontrado ao ingressar no mercado de trabalho.
Apesar da valorização do feminino, existem alguns entraves, como a menor
remuneração em relação aos homens, a dupla jornada de trabalho e o maior índice de
desemprego para mulheres que dificultam sua inserção no mundo do trabalho. A despeito
desses entraves não se pode negar que o quadro apresentado sinaliza a ocorrência de
mudanças no comportamento das pessoas e, por conseguinte, nas relações sociais que se
desenvolvem no interior das organizações. Por esse motivo, os estudos sobre gênero,
principalmente, no que diz respeito à inserção feminina no mercado de trabalho, têm
amplificado seu espectro de pesquisa, procurando verificar aspectos diferenciados e
aprofundados das relações entre os gêneros nos espaços organizacionais.
Nesse contexto, muitas das abordagens feministas ressaltam uma bipolaridade
simplificada entre o masculino e o feminino (CALAS E SMIRCICH, 1996). Entretanto,
acredita-se que não se pode fixar uma demarcação clara entre os gêneros, pois o próprio
comportamento não oferece a possibilidade de uma delimitação tão exata. Como construção
social/histórica, o conceito de gênero pressupõe pluralidade e multiplicidade nas concepções
de homem e mulher, mesmo porque uma concepção fortemente polarizada dos gêneros
esconde a pluralidade existente em cada pólo (LOURO, 1997b). Dessa forma, o gênero deve
ser entendido dentro de um espectro mais amplo que abrange as múltiplas instâncias e
relações sociais, discursos, organizações, doutrinas e símbolos. Esses elementos tanto são
instituídos pelos gêneros como também os instituem, resultando em diversos movimentos que
formam uma rede complexa de ações e reações, em que se distribuem e se articulam
constantemente relações de poder.
As relações de gênero, portanto, devem ser consideradas como práticas discursivas
que refletem e distribuem manifestações de poder e resistência entre as pessoas, de acordo
com os interesses dos grupos que se organizam e se enfrentam em campos de disputas sociais.
Em relação às práticas organizacionais, Peterson e Albrecht (1999) indicam que as
organizações são capazes de formatar, definir e reproduzir as distinções hegemônicas entre
masculino e feminino de uma maneira sutil, mas poderosa, mediante a construção de
discursos, políticas e procedimentos que fundamentam a vida social e organizacional. Trata-se
do que Putnam (1983) descreve como prisões psíquicas, ou seja, formas de dominação e
controle raramente percebidas por estarem intrínsecas à vida e linguagem organizacionais
cotidianas.
Para identificar essas formas de dominação, deve-se perceber o gênero com referência
à localidade e especificidade de cada discurso, desconstruindo e reformulando verdades
107
universais. Trata-se do que Meyer (1998) se propõe ao analisar os estudos de gênero na
enfermagem, mantendo a dúvida como postura intelectual e colocando em xeque os ideais e
fundamentos positivistas de universalidade e racionalidade. Da mesma forma, Louro (1996;
1997a; 1997b) discute as relações de gênero inseridas em meio às diversas articulações
teóricas e práticas que elas permitem, ressaltando o seu caráter de instabilidade (constante
questionamento) e de vitalidade (renovação e autocrítica), possibilitando, portanto,
interpretações múltiplas de seu conceito.
Acredita-se que as teorizações sobre gênero carregam uma dimensão política e
um desejo de transformação social, o que favorece sua abordagem sob uma perspectiva crítica
e politizada. Nesse contexto, as relações de gênero podem ser entendidas por meio de
elementos e discursos capazes de promover dominação e mediar contradições nas relações de
poder entre os agentes sociais em interação nas organizações. Para Melo (1991), as
manifestações das relações de poder têm no campo das relações de trabalho um locus
privilegiado, em que assumem as suas diversas formas de expressão. Seguindo essa
perspectiva, deve-se abordar o gênero como uma forma de expressão das relações de poder no
espaço organizacional, analisando as condições de sua emergência e os jogos de interesses
que as envolvem.
Diante do exposto, na análise das relações de poder e de gênero que se propõe,
pretende-se adotar a perspectiva de Foucault (1979), mediante a qual o autor critica as visões
convencionais do poder, além de fornecer uma história detalhada de algumas práticas e
técnicas de poder que caracterizam a modernidade capitalista. Foucault (1979) procura captar
o poder em suas extremidades, nas quais ele se torna capilar, longe das formas
regulamentares, centrais e legítimas por meio das quais ele normalmente é estudado, ou seja,
o autor procura examinar como a punição e o poder de punir materializam-se em instituições
locais, regionais e materiais, podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder.
Além disso, a abordagem descrita por Foucault (1979) não procura indicar quem deseja
dominar, seus motivos, mas como funciona esse processo de sujeição e dominação dos
indivíduos.
Ao ser trazida para os debates sobre relações de gênero, a concepção de poder
elaborada por Foucault remete à interpretação dessas relações sob a forma de redes tensas e
continuamente ativas, em que não se possibilita a posse do poder, mas somente a capacidade
de exercê-lo em múltiplas instâncias e intensidades diversas (LOURO, 1997a). Dessa forma,
o poder passa a ter seus efeitos vinculados a manobras, técnicas, táticas e mecanismos, tendo
implicações sobre as ações dos sujeitos que o exercem. Essa perspectiva do poder aplicada às
relações de gênero permite o rompimento com a polarização entre o masculino e o feminino,
visto que impede a aceitação de que apenas um dos dois pólos detém o poder, enquanto o
outro é totalmente e incontestavelmente submetido a ele.
Acredita-se que as relações de poder no espaço organizacional têm-se articulado de
forma a atenderem a uma necessidade por diversificação e inovação, e o que se percebe é uma
transformação no quadro de perpetuação da dominação masculina sobre o feminino nas
organizações. Essa transformação envolve, principalmente, a auto-regulação feminina no
trabalho, no que diz respeito à criação de mecanismos de adaptação e de aproveitamento de
suas potencialidades. Envolve, também, a maior aceitação e reconhecimento do trabalho
feminino por parte dos homens (CAPPELLE, MELO e BRITO, 2002). Há que se reconhecer,
entretanto, a inconstância das relações de poder a influenciar a articulação das relações de
gênero, o que leva a inferir que o futuro depende da capacidade e da possibilidade que
homens e mulheres terão para defenderem e negociarem seus interesses, construindo relações
108
na busca da criação de um espaço, de um “saber conviver”, a partir de ambigüidades,
inerentes à realidade em que vivem.
Nesse espaço, há ainda posições em que o acesso feminino é mais dificultado, como
no caso de posições de alta gerência. Segundo Betiol e Tonelli (1991), para as mulheres que
gerenciam as organizações, o caminho não está totalmente aberto, pois o investimento
psíquico que elas têm que fazer parece ser maior do que o investimento das empreendedoras e
maior do que o da maioria dos homens buscando o mesmo cargo. Mostram, ainda, que essa
realidade parece tornar-se mais complexa à medida que se eleva o nível do cargo gerencial e
também de acordo com as especificidades da organização em que as gerentes se inserem.
3 A função gerencial e a emergência de valores femininos
Do lado da teoria organizacional, encontram-se múltiplos enfoques e abordagens,
atribuindo maior ou menor centralidade à função gerencial. Cada escola do pensamento
administrativo apresenta diferentes conotações à figura do gerente que, nos primórdios da
Revolução Industrial, assemelhava-se a de um “capataz”, responsável por conseguir levar uma
mão-de-obra “indisciplinada” e “indolente” a obter resultados.
As abordagens que se sucederam, tentando avançar ou mesmo superar as idéias
clássicas sobre a função gerencial, deram vazão a um grande número de publicações, nas
quais as qualidades e atributos necessários ao gerente davam a impressão de tratar-se de um
verdadeiro “super-homem”, conhecedor e capaz de tudo no universo organizacional (LEITE,
1991).
Nesse sentido, ao gerente de hoje cabe ser ao mesmo tempo: competitivo e
cooperativo; individualista e capaz de trabalhar em equipe; flexível e
perseverante/perfeccionista; “sujeito do seu destino” e submisso à proposta organizacional;
justo, sensível, compreensivo e duro, impiedoso; suave, terno e violento, colérico;
democrático, justo (LIMA, 1992); “capaz de lidar com a precisão da lógica binária dos
computadores e com a abstração e a sutileza de sentimentos sempre presentes nas interações
humanas e decisões organizacionais” (VERGARA e BRANCO, 1993, p.21).
Motta (1991, p.103) observa, porém, que é preciso “perder a crença no determinismo
econômico, político e social e compreender a variação intensa do mundo contemporâneo”.
em meio a um contexto cada vez mais exigente, complexo e em constante e rápida
transformação, a importância do trabalho gerencial está em fazer com que as organizações
produzam com eficiência e eficácia. Contudo, segundo o autor, não existem definições claras
quanto às atribuições e comportamentos gerenciais, uma vez que a função gerencial apresenta,
simultaneamente, dois aspectos distintos. Se por um lado busca-se a racionalidade através da
previsão e antecipação de ações e enfatizando as análises e as relações de causa e efeito, por
outro, existe uma dimensão do irracional, do intuitivo e emocional, uma vez que a
imprevisibilidade, ambigüidade, fragmentação e imediatismo se fazem presentes a todo o
momento.
No momento atual, marcado por significativa redução dos níveis gerenciais,
eliminação de cargos de gerentes, idéias como a da empregabilidade, trazem questionamentos
sobre o alinhamento gerencial aos interesses organizacionais. Sampson (1996) e Horton e
Reid (1993), entre outros, acreditam que seja necessário resgatar a relação antes existente
entre corpo gerencial e organização. Grum (1994 e 1995) chama a atenção para o fato de que
gerentes têm se apropriado do discurso e das terminologias próprias das Novas Tecnologias
Organizacionais, de forma a construir um campo de ação social que assegure sua
sobrevivência no espaço organizacional.
De acordo com Kliksberg (1993), a “gerência fácil”, a qual anteriormente operava em
certas condições de estabilidade e de competitividade limitada, transformou-se em uma
109
gerência que deve enfrentar ambientes em contínua mudança e com crescente competitividade
marcada pela agressividade. Para enfrentar a complexidade, é necessário mudar todo o
esquema mental de trabalho da gerência no modelo tradicional, o que implica a diversificação
das funções que o gerente deverá desenvolver. Para tanto, ele deverá “pensar sobre sua
maneira de pensar” e evoluir para um estilo aberto, integrador dos diversos ângulos de
análise, de múltiplos cenários simultâneos, enfim, pensar numa perspectiva renovada da
realidade.
A probabilidade de vir a se tornar um gerente eficiente no exigente contexto atual, está
ligada à inserção ativa desse profissional nas novas linhas de trabalho - chamado “pulo
tecnológico”, que tem a ver com a elaboração de uma agenda efetiva de decisões, com a
capacidade de desenvolver habilidades, negociar com metodologias avançadas e flexibilizar
(descentralizar) a organização criando espaços para a participação. Para o alcance do melhor
desempenho, fazem-se necessárias profundas transformações nos hábitos tradicionais
(KLIKSBERG, 1993).
Assim, é possível afirmar que uma nova postura gerencial é necessária para
enfrentar, com êxito, essas realidades. A capacidade para gerenciar a complexidade, a
variabilidade, a incerteza, a transitoriedade, e para mobilizar o potencial humano, a
internacionalização do conhecimento, a capacidade de negociação, a ética e a compreensão do
contexto sócio-político, são alguns dos traços do atual gestor (PENENGO, 1997).
Com o intuito de contribuir para a produção de teorias sobre o espaço da gerência
feminina nas organizações, pesquisas desenvolvidas por Melo (2001a; 2001b; 2003) têm
mostrado que em instituições financeiras brasileiras, as mulheres vêm superando dois
bloqueios básicos: o cultural (constituem parte significativa da força de trabalho) e o
organizacional (já existem políticas organizacionais favoráveis ao acesso de mulheres aos
cargos gerenciais); ademais, as mulheres já possuem características que podem diferenciá-las
e, com isso, romperem a barreira da cultura organizacional e avançarem, ainda que forma
lenta e gradual, na carreira gerencial. Nesse sentido, foi possível agrupar em quatro categorias
as características ou qualidades femininas encontradas nas gerentes pesquisadas do setor
financeiro e que podem favorecer as mulheres nas suas atividades como gerentes:
•
Sensibilidade mais aguçada e desenvolvida favorecendo uma maior
compreensão das pessoas, intuição nata, instinto de unir, facilidade de trabalhar com o
sentimento, além de uma maior capacidade de percepção. Essas características ajudam a
vencer um dos maiores desafios que vem sendo apontado pelos gerentes: a relação com as
pessoas;
•
Flexibilidade favorecida pelo desempenho simultâneo de inúmeras funções no
seu cotidiano decorrente da capacidade de lidar ao mesmo tempo com problemas diferentes.
Esses olhares múltiplos permitem um maior jogo de cintura, uma leitura diferenciada do
contexto. A necessidade imposta socialmente à mulher de administrar problemas domésticos,
empregados, a dispensa, de ser mãe, esposa, amante, companheira, filha, suporte de família,
permite treinamentos e desenvolvimentos específicos e ajustados às novas demandas
gerenciais nas organizações do novo capitalismo. Por um lado, sua própria história e trajetória
lhe impõem exigências e pressões múltiplas, por outro, desenvolvem-lhe uma flexibilidade
significativamente útil ao atual campo da gerência;
•
Formação precoce em questões do campo da administração. A educação
recebida pela maioria das mulheres enfatiza o aprendizado da administração no próprio
espaço doméstico, desenvolvendo maior senso de organização e capacidade de
gerenciamento. Em outras palavras, a mulher recebe uma formação familiar e social que a
torna capaz de administrar uma empresa dentro de sua própria casa;
110
•
Outras habilidades e qualidades que programas de desenvolvimento e
treinamento gerencial têm tido dificuldades de desenvolver: maior agilidade, coragem para
correr riscos, disposição para enfrentar conflitos, maior percepção do negócio da organização
(MELO 2001a; 2001b; 2003).
Segundo Kramer e Sprenger (1993, p.17) “hoje as bruxas são legião no século XX. E
são bruxas que não podem ser queimadas vivas, pois são elas que estão trazendo pela
primeira vez na história do patriarcado, para o mundo masculino, os valores femininos.”
Contudo, essa valorização feminina no mundo da gestão também esbarra em entraves
para a atuação de mulheres gerentes. Entre as dificuldades enfrentadas por mulheres gerentes
em hospitais, Brito (1998) revela sentimentos que dão indícios de sofrimento e insatisfação
das mulheres diante da função gerencial. Em relação à sobrecarga de trabalho e ao desgaste
referido pelas gerentes, segundo Rio (1996, apud BRITO 1998)i, o stress pode ser
desencadeado por meio de diferentes tipos de pressão, dentre os quais destacam-se, além das
mudanças, os trabalhos que implicam alto grau de decisão e responsabilidade. Acredita-se
que, a esses fatores, soma-se a pressão pela apresentação de resultados institucionais e o fato
de que são submetidas, concomitantemente, às pressões da equipe e dos seus superiores.
Além disso, fazem emergir as dificuldades da mulher em conciliar casa e trabalho e a
sobrecarga no cotidiano das gerentes, já que, no bojo de suas atividades estão incluídas
aquelas referentes à sua vida profissional, além de outras, não menos significativas, voltadas
para as tarefas domésticas, imprimindo à mulher duplas jornadas de trabalho, incompatíveis
com uma qualidade de vida, no mínimo, razoável, e que implica, de maneira geral, renúncias
e sacrifícios.
O fato de a maior parte das atividades domésticas ficarem sob a responsabilidade da
mulher encontra-se relacionado à evolução da família na civilização ocidental, na qual a
mulher veio, ao longo da história, concentrando seus esforços em atividades restritas ao lar,
enquanto o homem ligava-se à vida pública. Essa afirmação reforça a necessidade de se
analisar os fenômenos sociais levando em consideração sua historicidade e dinamicidade, o
que significa dizer que os fenômenos sociais estão relacionados e encontram-se em constante
transformação.
Em pesquisa realizada por Laender (1985) sobre chefia feminina no setor público de
Minas Gerais, a autora levanta junto a seus entrevistados traços marcantes para o exercício da
função. Entre os traços identificados destacaram-se a coragem, segurança, interesse, astúcia,
criatividade e ternura, todos apresentando percentuais acima de 50% de indicação.
Considerando-se um cenário externo cada vez mais mutante em organizações com
estruturas flexíveis para enfrentar um mercado de competitividade crescente, o modelo de
previsibilidade esgotou-se e as características femininas no exercício das práticas gerenciais
começam a ser valorizadas fragilizando o modelo gerencial masculino que norteou muitos
executivos no passado. Nessa perspectiva, indaga-se: Como tem ocorrido a participação de
mulheres gerentes em empresas familiares e quais são as principais características da gerência
feminina nesse tipo de organização? Como vem se dando as experiências relacionais de poder
e de gênero nesse contexto?
4 A empresa familiar e suas peculiaridades: a família, a propriedade e a gestão
As empresas familiares, segundo Churchill e Hatten (1987), compõem uma parte
importante da economia e da sociedade e, apesar de serem identificadas normalmente com
pequenos negócios, elas também incluem um grande número de grandes organizações. Steier,
Chrisman e Chua (2004) confirmam esse fato ao afirmarem que muitas organizações
apresentam uma dimensão relacionada à família, desde pequenas iniciativas empreendedoras
111
até grandes empresas, sejam elas multinegócios ou multinacionais. Como exemplo, ressaltam
os Keiretsu e as famílias Zaibatsu no Japão, que consistem em grandes grupos familiares que
modelam toda a economia do país.
Para Steier, Chrisman e Chua (2004), a família é um aspecto integral da atividade
econômica e da vida organizacional, sendo que as organizações familiares possuem um
importante papel na criação e desenvolvimento de novas firmas. Entretanto, os autores
argumentam também que, apesar de se evidenciar que as empresas familiares constituem
atividades econômicas e organizacionais muito difundidas, elas ainda permanecem pouco
estudadas. Como indicação para esse estado subdesenvolvido da pesquisa em gerenciamento
de empresas familiares, os autores afirmam que ainda não há nem mesmo um consenso acerca
de uma definição para esse tipo de negócio: ou são consideradas como aquelas que
apresentam pelo menos um membro da família que possui a propriedade da firma, juntamente
a várias gerações de membros da família em posições de liderança na empresa (ZAHRA,
HAYTON e SALVATO, 2004); ou devem manter o envolvimento da família nas dimensões
de propriedade, gestão e expectativa de sucessão familiar (MORCK e YEUNG, 2004), dentre
outras definições.
Silva Júnior e Muniz (2003) também concordam que a definição de empresa familiar
não está constituída por um corpo teórico convergente, unificado e maduro, apesar de
perceberem um aumento considerável de pesquisas, artigos publicados sobre o tema.
Contudo, os autores optam por adotar a definição de empresa familiar cunhada por Donelley
(1964), segundo o qual uma empresa pode ser considerada familiar quando está ligada pelo
menos há duas gerações a uma mesma família, isto, se essa ligação resulta em uma influência
recíproca, tanto na política geral do empreendimento, como nos interesses e objetivos da
família. Essa definição também é adotada por Silveira e Biehl (2003), ao defenderem o fato de
as organizações familiares entrelaçarem as vidas da família com as questões empresariais.
Para as autoras, a família continua sendo uma das instituições mais fortes da sociedade, o que
reflete a força de sua influência nos negócios familiares.
Steier, Chrisman e Chua (2004) acreditam que a influência da família em um negócio
pode se manifestar de diferentes modos, seja na forma como a sucessão, a inovação e a
cultura são gerenciados, ou na própria maneira de se encarar a gestão. De fato, os autores
ressaltam que, mesmo não havendo uma definição universal para a empresa familiar, existe
um consenso teórico segundo o qual o que distingue uma empresa familiar de uma não
familiar é a habilidade e as intenções da família para influenciar as decisões e o
comportamento no interior da firma.
Churchill e Hatten (1987) também indicam duas principais diferenças entre as
empresas familiares e as empresas privadas em geral: o envolvimento de membros da família
nos negócios e o fato de as transferências do exercício do poder entre esses membros da
família serem marcadas por aspectos não orientados apenas pelo mercado.
Portanto, como pressupõe Oliveira (1999), a estrutura familiar quando alocada a uma
empresa ocasiona particularidades na atuação da empresa, no que diz respeito às interações
específicas entre os familiares, o que a torna diferente das demais.
As empresas familiares são basicamente empresas que são gerenciadas por seus
proprietários com o envolvimento da família nos negócios. Para Churchill e Hatten (1987), a
gestão de empresas familiares é marcada por um processo inevitável em seu ciclo de vida e
que envolve a transferência de poder entre os membros da família: a sucessão familiar.
Quando há a necessidade de sucessão, ocorrem, normalmente, mudanças nas formas de
gestão, nas estratégias organizacionais e no controle. Normalmente, recorre-se, nessa fase, à
112
contratação de mão-de-obra especializada em gestão para dar suporte às mudanças que serão
implantadas na organização.
Churchill e Hatten (1987) também acreditam que as empresas familiares são
adequadas para se estudar processos de transformação organizacional, pois são marcadas pela
inevitabilidade da mudança. Nesse caso, a transferência do processo decisório e dos centros
de poder nessas organizações é certa de acontecer, além de planejada, porque, naturalmente e
inevitavelmente, uma geração acaba sendo sucessora de outra.
Em relação à transferência do exercício do poder, Churchill e Hatten (1987) indicam
dois de seus aspectos: de um lado, a transferência do controle dos direitos da propriedade, e,
de outro, a transferência do controle gerencial das operações e da direção estratégica do
negócio. Oliveira (1999) acrescenta que a sucessão familiar exige que a análise para o
processo sucessório seja consistente para não se avaliar de forma errônea que os herdeiros
naturais são os melhores dirigentes para a empresa. E na sucessão profissional, a empresa
familiar passa a ser administrada por profissionais contratados, os quais também devem atuar
em consonância com as características da empresa e, conseqüentemente, da família. Nesse
contexto, Churchill e Hatten (1987) enfatizam a importância de se pesquisar a sucessão
gerencial (não apenas a da propriedade) em empresas familiares, alegando que se não houver
um gerenciamento adequado do negócio, não importará quem o possui.
As empresas familiares são caracterizadas por um estilo gerencial que entrelaça
propriedade, família e gestão, de acordo com o modelo de três círculos (FIGURA 1), proposto
por Gersick et al. (1997) e discutido por Silva Júnior e Muniz (2003).
FIGURA 1 – O modelo dos três círculos
De acordo com o modelo dos três círculos, a empresa familiar é representada por três
dimensões independentes que se sobrepõem: a gestão, a propriedade e a família. O número
um representa os familiares que não participam na nem na propriedade da empresa; o número
dois, os proprietários do negócio que não são membros da família e nem participam da
administração; o três indica os gestores que não são familiares nem proprietários,
normalmente, profissionais contratados; o quatro envolve membros da família proprietários
da empresa que não participam de sua gestão; a interseção entre a propriedade e a gestão
(número cinco) representa proprietários não-familiares que gerenciam a organização; o seis,
os membros da família que participam da gestão; e o número sete indica um seleto grupo
composto por familiares que são também proprietários e gestores (GERSICK et al., 1997).
113
Considerando o modelo dos três círculos, a empresa familiar se mostra interessante
para a análise das relações de poder e de gênero, visto que em cada subsistema composto pela
superposição dos três círculos (propriedade, família e gestão), homens e mulheres possuem
interesses específicos e desempenham papéis diferenciados. Por exemplo, a mãe da família é
proprietária da empresa, mas pode não participar da sua gestão, apesar de ser responsável por
administrar as atividades domésticas. Ou, ao contrário, essa mesma mãe pode atuar como
gerente da empresa, enquanto seu marido, o pai e “chefe” da família, apesar de também
proprietário, não participa da gestão da organização. Os irmãos e irmãs, herdeiros da empresa,
também podem ou não trabalhar nela, exercendo ou não funções gerenciais, mas em casa,
devem respeito e obediência aos pais.
Em meio a essas características da empresa familiar, emergem também mulheres
empreendedoras, destacando-se como fundadoras de suas próprias empresas, como estudado
por Cramer, Cappelle e Silva (2001). Nesse caso, a imagem do proprietário fundador, descrita
por Gersick et al. (1997) como o primeiro estágio do ciclo de vida da organização, não está
mais ligada à figura de um homem, o pai da família, mas de uma mulher, muitas vezes
considerada apenas como a esposa do proprietário que pode ou não participar do conselho
de administração da empresa (SILVA JÚNIOR E MUNIZ, 2003, p. 59). Tais situações,
dentre outros aspectos, também podem implicar uma reconfiguração das relações de poder e
de gênero na organização, visto que a mulher passa de provida a provedora da família.
Em relação ao ciclo de vida da organização, Gersick (1997) acrescenta que os
fundadores não são habituados a trabalhar em equipe, centralizando todas as decisões
importantes e determinando os valores da empresa. O autor argumenta que a sucessão é um
dos momentos mais importantes de uma empresa familiar, por envolver sua perpetuação, pois
o fundador não é eterno, mas a empresa pode viver ainda por muitos anos. Para tanto, é
necessário que a nova geração que venha a assumir a empresa se profissionalize e seja capaz
de guiá-la nos novos cenários que surgem a todo o momento.
Com esse ponto, concordam Silva Júnior e Muniz (2003) ao explicarem que ao iniciar
suas atividades, a empresa familiar normalmente possui uma estrutura gerencial mais
simplificada e concentrada nas mãos do fundador, mas, com seu crescimento, precisa ser
reestruturada e buscar a profissionalização de seu quadro de gestores. Isso indica que a gestão
tem sido muito valorizada nessas organizações, o que torna relevante o estudo de seus
gestores, inseridos em uma organização com características tão específicas e tão relacionadas
à estrutura familiar. Essa estrutura familiar, como identificaram Silveira e Biehl (2003), pode
estar fortemente relacionada à estrutura patriarcal, em que a figura masculina encontra-se no
centro decisório, o que pode tornar diferenciadas as relações que mulheres gerentes vivenciam
nesse tipo de empresas.
5 Caracterizando o setor hospitalar
Segundo Cherubin e Santos (1997), o atual conceito de hospital decorre da própria
definição de saúde mantida como principal finalidade desse tipo de organização, ou seja: “é o
estabelecimento destinado à prestação de serviços integrados de saúde em regime de
internação e de atendimento externo” (p. 58).
Os hospitais, no Brasil, surgiram logo após a descoberta do país pelos portugueses.
Dessa forma, seguiram-se a filosofia e a forma de assistência típica das Santas Casas de
Misericórdia de Portugal. Foi a partir do séc. XVIII que começaram a surgir, no Brasil, as
Reais e Beneméritas Sociedades Portuguesas de Beneficência, por iniciativa da colônia
portuguesa e se espalharam por todo país, sob a forma de entidades filantrópicas. Os
114
imigrantes de outras nações também fundaram seus hospitais, tendo surgido os hospitais
italianos, japoneses, alemães, sírios, entre outros.
O modelo de assistência adotado no Brasil interferiu diretamente no desenvolvimento
dos hospitais, seja na sua expansão, seja no seu desempenho e manutenção. Até 1930, a
assistência hospitalar era prestada às pessoas em geral, sem que ninguém pudesse exigi-la por
direito, a não ser que pagasse. No entanto, a partir da década de 30, com o advento dos
institutos de previdência, uma parcela expressiva da população passou a ter o direito à
assistência, sem que, para isso, tivesse que pagar. Os beneficiários eram os previdenciários
urbanos (CHERUBIN e SANTOS, 1997).
Em 1984 foi criado a Funrural para dar cobertura à cerca de 30% da população
brasileira que estava radicada no campo (foram excluídos dessa conduta os indígenas, que
eram atendidos pelas Santas Casas e Hospitais Filantrópicos).
Com a reforma da Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde, toda a
população brasileira passou a ter direito à assistência hospitalar, sem nenhum tipo de
discriminação (CHERUBIN e SANTOS, 1997). Atualmente, no Brasil, os principais tipos de
hospitais e suas respectivas características são as seguintes:
ƒ
Hospital geral: que tem condições de prestar assistência, em regime de
internação, a várias especialidades de clínica médica e cirúrgica, podendo limitar sua ação a
um grupo etário (hospital infantil), a um determinado grupo da comunidade (militar) ou a uma
finalidade específica (hospital de ensino);
ƒ
Hospital especializado: tem condições de prestar assistência, em regime de
internação, a pacientes portadores predominantemente de uma determinada doença;
ƒ
Hospital particular ou privado: o que pertence a uma pessoa jurídica de direito
privado
ƒ
Hospital não-lucrativo: de propriedade de uma instituição particular e não visa
lucro, não remunera a Diretoria e não distribui lucros ou dividendos. Esse hospital aplica
integralmente seus recursos no país e na manutenção, desenvolvimento e melhoria dos seus
objetivos sociais.
ƒ
Hospital filantrópico: é particular e pertence a uma entidade não-lucrativa.
Reconhecida como de Utilidade Pública Federal e Estadual ou Municipal, com certificado de
fins filantrópicos. Não remunera a Diretoria e não distribui lucros ou dividendos
De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, o Estado
contava com 692 hospitais prestadores de serviços ao SUS, sendo apenas 101 (14,59%)
integrantes da rede pública, com a seguinte distribuição: 74 hospitais municipais (73,26%), 18
estaduais (17,82%) e 9 federais (8,91%). O maior número de hospitais prestadores de serviços
aparecia entre os hospitais filantrópicos (45,37%), seguidos dos hospitais contratados (rede
privada) perfazendo 37,57% do total de hospitais (BRASIL, 2001).
Em relação ao número de leitos, havia uma grande participação do SUS nos diversos
tipos de hospitais existentes em Minas Gerais, verificando-se os seguintes percentuais em
relação aos números de leitos disponíveis e contratados: hospitais contratados (privados),
84,7%; hospitais estaduais, 100%; hospitais federais, 97%; filantrópicos, 76,1%; municipais,
97,4% e hospitais universitários, 89,2%.Tal situação mostra a importância da rede privada
hospitalar na atenção à saúde brasileira, reforçando a necessidade de realização de estudos
nesta área (BRASIL, 2001).
Seguindo a classificação dos hospitais por porte do Conselho Regional de
Enfermagem, 51,80% dos os hospitais privados de Belo Horizonte são de médio porte,
40,70% de pequeno porte e apenas 7,40% enquadram-se na classificação de grande porte.
115
A conjuntura do setor hospitalar tem sido tema de discussão entre diferentes
estudiosos. Para Ferreira (2002), o segmento hospitalar em Minas Gerais se encontra em
condição crítica:
O sistema está completamente falido. Não existem investimentos por parte do governo e nem da
iniciativa privada em uma área onde a maior parte do serviço é feita pelo setor privado e não pelo setor público.
Setor que, apesar do volume de trabalho, não tem o reconhecimento dos compradores dos serviços do governo
(CARLOS EDUARDO FERREIRA, DIÁRIO DO COMÉRCIO, 2002).
Tendo em vista a complexidade e as particularidades que marcam o setor Saúde no
Brasil, a proposta de pesquisa se reveste da possibilidade de relacionamento entre diferentes
fatores do mundo das organizações com o exercício da gerência. Ademais visa a contribuir
não somente para o questionamento da realidade vivenciada pela mulher como gerente, mas
também e, sobretudo, para a compreensão de aspectos referentes à sua inserção e participação
no mercado de trabalho enfatizando seu comportamento, ações e respostas às múltiplas
demandas no contexto de um hospital privado caracterizado como uma empresa familiar.
6 Objetivos do projeto
Compreender as relações de poder e de gênero no contexto de uma empresa familiar
que permeiam as práticas cotidianas vivenciadas por mulheres gerentes, proprietárias e nãoproprietárias, em um hospital geral da rede privada de Belo Horizonte.
Objetivos específicos:
5. Analisar como é percebida a gerência feminina em uma empresa familiar;
6. Analisar as relações de poder exercidas pela gerência de ambos os gêneros em uma
empresa familiar;
7. Verificar se existem dificuldades e/ou facilidades de mulheres gerentes em uma
empresa familiar;
8. Identificar quais as relações estabelecidas entre a gerência feminina e os demais
gerentes da empresa;
9. Entender como é realizado o processo de sucessão em uma empresa familiar que
possui mulher gerente bem como as oportunidades dadas a ela;
10. Entender qual é o espaço da gerente-proprietária em uma empresa familiar bem
como suas influências nas relações dentro da empresa;
11. Verificar se o grau de parentesco interfere nas relações profissionais;
12. Verificar se de alguma forma a mulher gerente é valorizada dentro do processo
sucessório.
7 Proposta Metodológica
O estudo, de natureza qualitativa, será realizado tomando-se como base um caso de
hospital caracterizado como empresa familiar. O estudo de caso vem sendo utilizado de forma
extensiva em pesquisas da área das Ciências Sociais. Segundo Yin (2001), apresenta-se como
estratégia adequada quando se trata de questões nas quais estão presentes fenômenos
contemporâneos inseridos em contextos da vida real e podem ser complementados por outras
investigações de caráter exploratório e descritivo. O Estudo de Caso, ainda segundo o autor, é
utilizado como estratégia de pesquisa nos estudos organizacionais e gerenciais, contribuindo,
de forma inigualável, para a compreensão de fenômenos complexos, nos níveis individuais,
organizacionais, sociais e políticos e permitindo a preservação das características
significativas dos eventos da vida real.
No que se refere aos objetivos, segundo Becker (1999), em geral, o estudo de caso é
realizado com duplo propósito. Dessa forma, por um lado, busca alcançar uma compreensão
116
abrangente do grupo em estudo e, por outro lado, tenta desenvolver declarações teóricas mais
gerais sobre regularidades do processo e estruturas sociais. Nessa ótica, segundo o autor,
“O estudo de caso não pode ser concebido segundo uma mentalidade única para testar proposições
gerais, tendo que ser preparado para lidar com uma grande variedade de problemas teóricos e descritivos. Os
vários fenômenos revelados pelas observações do investigador têm que ser todos incorporados ao seu relato do
grupo e em seguida receber atribuição de relevância teórica.” (p.118)
Também é salientada por Becker (1999), a utilidade prática desse tipo de estudo, uma
vez que o mesmo oferece espaço, ao investigador, para lidar com descobertas inesperadas,
exigindo a reorientação de seu estudo à luz de tais descobertas. Além disso, o pesquisador é
levado a considerar as múltiplas inter-relações dos fenômenos específicos por ele observados.
Em relação às características ou princípios associados ao estudo de caso, Lüdke e
André (1986) fazem algumas considerações importantes, entre as quais se destacam:
1- Os estudos de caso visam à descoberta: essa característica se fundamenta no
pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, mas uma construção que se faz e
refaz constantemente. Assim sendo, o pesquisador estará sempre buscando novas respostas e
novas indagações no desenvolvimento do seu trabalho;
2- Os estudos de caso enfatizam a ‘interpretação em contexto’: para a compreensão da
manifestação geral de um problema, devem ser considerados alguns elementos, como as
ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas. Além do mais, esses
elementos devem ser relacionados à situação específica em que ocorrem ou à problemática
determinada a qual se encontram ligados;
3- Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda: o
pesquisador busca revelar a situação ou problema em sua totalidade e, portanto, revelando sua
multiplicidade e dimensões;
4- Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação: ao realizar um
estudo de caso, o pesquisador deve recorrer a uma variedade de dados, os quais são coletados
em situações diversas e com informantes, também, variados;
5- Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos
de vista presentes numa situação social: quando o objeto ou situação estudados suscita
opiniões divergentes, o pesquisador procura trazer, para o estudo, essa divergência de
opiniões expressando seu próprio ponto de vista sobre o assunto.
6- Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível
do que os outros relatórios de pesquisa: os dados do estudo de caso podem ser apresentados
de diferentes formas, entre as quais se incluem desenhos, fotografias e discussões. O caso é
construído durante o processo de estudo, somente materializando-se como um caso no
relatório final (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).
A respeito do desenvolvimento do estudo de caso, os mesmos autores descrevem as
seguintes fases. Na primeira fase, caracterizada como fase exploratória, o pesquisador parte
do pressuposto da inexistência de uma visão predeterminada da realidade, indo em busca dos
aspectos relevantes que envolvam uma determinada situação. Essa fase é fundamental para
uma definição mais precisa do objeto de estudo, sendo esse o momento de se especificarem as
questões ou pontos críticos, de se estabelecerem os contatos iniciais para entrada em campo,
de se localizarem os informantes e as fontes de dados necessárias para o estudo.
Essa visão de abertura para a realidade tentando captá-la como ela é realmente, e não como se quereria
que fosse, deve existir não só nessa fase mas no decorrer de todo o trabalho, já que a finalidade do estudo de
caso é retratar uma unidade em ação (LÜDKE e ANDRÉ (1986, p.121).
117
A segunda fase de desenvolvimento do estudo de caso corresponde à delimitação do
estudo, sendo essa realizada numa etapa consecutiva à identificação dos elementos-chave e
dos contornos aproximados do problema. Assim, o pesquisador procede à coleta sistemática
de informações, utilizando instrumentos mais ou menos estruturados e técnicas mais ou
menos variadas, e, sua escolha é determinada pelas características do objeto estudado. A
importância da determinação dos focos da investigação e do estabelecimento dos contornos
do estudo está ligada à impossibilidade de se explorarem todos os ângulos do fenômeno,
principalmente se considerarmos a limitação do tempo de realização da maioria das pesquisas.
Nessa perspectiva, a seleção dos aspectos mais relevantes e a determinação do recorte se
configuram como elementos cruciais para o alcance dos propósitos do estudo de caso, assim
como para se chegar a uma compreensão mais acurada e completa da situação pesquisada.
A análise sistemática e a elaboração do relatório, segundo Lüdke e André (1986),
constituem a terceira fase de desenvolvimento do estudo de caso e decorre da necessidade de
sistematização e análise das informações a serem repassadas aos informantes para que possam
manifestar suas reações sobre a relevância e a acuidade do que é relatado. Nessa fase, é
necessário um constante movimento entre a teoria e os dados empíricos.
A última etapa, denominada prática do estudo de caso está relacionada aos possíveis
problemas que podem ser evocados quanto ao planejamento ou desenvolvimento deste tipo de
estudo. Entre os principais problemas identificados por Lüdke e André (1986), destacam-se a
escolha do típico ou atípico, “isto é, empiricamente representativo de uma população
determinada” (p.23) e a questão da generalização dos resultados. A respeito dos problemas
apontados, ressalta-se que o fato de o caso ser ou não ‘típico’, afeta diretamente a questão da
generalização. Considerando que “cada ‘caso’ é tratado como único, singular, a possibilidade
de generalização passa a ter menor relevância” (p.23). Ainda em relação à possibilidade de
generalização, salienta-se a possibilidade da “generalização naturalística” (STAKE, 1978), a
qual é feita com base na percepção do leitor acerca de semelhanças de aspectos do caso
particular estudado com outros casos ou situações por ele vivenciado. Esse tipo de
generalização ocorre no nível individual, por meio de um processo que envolve o
conhecimento formal prévio do leitor, assim como de suas impressões, sensações e intuições
(conhecimento tácito). No estudo de caso, parte-se do pressuposto de que o leitor utilizará seu
conhecimento tácito para fazer inferências, generalizações, desenvolver novos significados e
compreensões.
Para finalizar as considerações a respeito do estudo de caso, é importante lembrar que
este tipo de estudo, caracterizado pela investigação aprofundada e exaustiva sobre um ou
poucos objetos com vistas ao seu conhecimento amplo e detalhado, constitui tarefa
praticamente impossível mediante a adoção de outros tipos de delineamentos de pesquisa
(GIL, 1999). A esse respeito, Carvalho (2002) chama a atenção para o fato de o estudo de
caso possibilitar a preservação do caráter unitário do objeto a ser estudado. Nessa perspectiva,
o método de Estudo de Caso foi considerado adequado na pesquisa sobre as práticas
gerenciais no contexto do hospital caracterizado como empresa familiar, haja vista a
complexidade do fenômeno em questão e sua contemporaneidade.
7.1 Caracterização do campo de estudo e dos sujeitos da pesquisa
O Hospital eleito como campo de investigação foi fundado em 1º de junho de 1980
como hospital geral. Expandiu sua área física em 1998 e conta, atualmente, com 266 leitos
destinados a todas as especialidades médicas. Caracteriza-se como uma organização de médio
porte, de gestão familiar, tendo em seu quadro de pessoal aproximadamente 900 funcionários,
118
entre os quais 468 (52%) pertencem ao quadro da Enfermagem. A instituição vem passando
por intenso processo de modernização. A remodelação técnica e gerencial do hospital têm
como objetivos a promoção de melhorias na assistência e a contenção de gastos. Na sua área
física, foram introduzidas algumas facilidades para o usuário, com um sistema de automação,
sendo possível, por exemplo, acessar o quarto por meio de um cartão magnético que permite o
rastreamento das pessoas que estiveram naquele local.
No que se refere aos sujeitos da investigação, os mesmos irão abranger os
proprietários que participam da gestão organizacional e outros membros do quadro gerencial.
Os dados serão coletados por meio da realização de entrevistas semi-estruturadas, as quais
possibilitam eventuais alterações no roteiro de acordo com a livre expressão dos
respondentes, sem, contudo, desviarem o foco das informações coletadas. Também serão
analisados documentos e dados secundários relevantes, bem como praticada a observação,
com vistas a ampliar e enriquecer a compreensão e análise das questões em estudo.
7.2 Tratamento e análise dos dados
Os dados coletados serão submetidos à análise de conteúdo visando à obtenção de
indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção das mensagens contidas nos relatos dos entrevistados (BARDIN, 1979).
Na busca de “atingir os significados manifestos e latentes no material qualitativo”
(MINAYO, 2000, p.204), será utilizada a técnica de Análise Temática. Essa nova
compreensão do material textual, que vem substituir a leitura dita “normal” por parte do leigo,
visa a revelar o que está escondido, latente, ou subentendido na mensagem.
O processo de análise dos dados coletados deve passar pelas seguintes fases de
tratamento:
- preparação: as entrevistas serão transcritas segundo o roteiro de perguntas,
agrupando todas as respostas de cada categoria para cada questão tratada. Ressalta-se que os
relatos serão preservados em sua íntegra, a fim de que não se percam detalhes que possam ser
relevantes para a análise;
- tabulação quantitativa: envolverá a identificação de componentes das respostas dos
entrevistados e agrupamento de acordo com o tema da pergunta. Nessa fase, serão verificadas
as freqüências de respostas a cada questão, com a recuperação de informações relativas aos
objetivos do projeto, por meio de agrupamentos de dados similares e construção de tabelas.
Essa técnica de análise de dados segue os princípios da análise de conteúdo, proposta por
Bardin (1979) e permite uma melhor visualização das opiniões e dos conteúdos das
mensagens dos respondentes após a sua sistematização na forma de tabelas;
- tabulação qualitativa/temática: consistirá na definição de temas, segundo os objetivos
do projeto, que serão estruturados em uma planilha que permitirão o agrupamento dos
extratos mais significativos retirados das entrevistas transcritas, dando destaque à dimensão
do dito ou da fala do (a) entrevistado (a). Dessa forma será possível analisar o conjunto de
referências feitas pelos entrevistados em relação ao tema estabelecido e às suas ramificações
temáticas. Com este procedimento pretende-se não apenas considerar a vivência do
entrevistado, por meio do seu discurso, como ponto de partida para aplicação de teorias
explicativas, mas de considerá-lo, também, como objeto teórico e de estudar,
simultaneamente, os diversos componentes de referência da experiência e percepção dos
mesmos. Na técnica de tabulação temática, descrita por Minayo (2000), não há preocupação
com a freqüência das respostas, mas sim com os temas relevantes que aparecem nos
discursos, com as contradições dos entrevistados e outros elementos que chamem a atenção
do pesquisador com relação aos objetivos do estudo e ao referencial teórico adotado.
119
Com o uso conjunto de técnicas complementares tanto de coleta, como de análise de
dados (triangulação), espera-se compreender as práticas gerenciais no hospital eleito como
campo de investigação enfatizando a gerência feminina nesse espaço de produção. Esta
metodologia permite ir além do próprio entendimento do pesquisador (naturalmente o
esperado em toda pesquisa e em toda metodologia) trabalhando com o conhecimento e a
vivência dos entrevistados.
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