EM PAUTA
CASOS
SANTANDER
E EMPIRICUS
CENSURA?
EM FASE PRÉ-ELEITORAL, BRASIL VIVENCIA POLÊMICAS SEM
PRECEDENTES ENTRE ANALISTAS DE MERCADO E O GOVERNO
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Setembro 2014
O banco Santander enviou, no mês de julho último, junto com
o extrato de cerca de 40 mil clientes do “Select”, segmento de
renda acima de R$ 10 mil, um informativo com o título “Você
e Seu Dinheiro”, que relacionava a subida da presidente Dilma
Rousseff nas pesquisas eleitorais à um cenário de desvalorização
do real, alta dos juros e reversão das altas recentes na bolsa.
O que era para ser um comunicado rotineiro se transformou
em crise e acendeu um debate no País, em período que antecede
as eleições, sobre a liberdade de expressão dos analistas e
o dever fiduciário das instituições financeiras.
por DANIELA ROCHA
O texto do banco foi divulgado pela imprensa e compartilhado nas redes sociais, onde os comentários dos internautas continham o calor da disputa. O governo e o Partido dos
Trabalhadores (PT) reagiram prontamente.
O Santander encaminhou um primeiro pedido de desculpas
aos clientes, esclarecendo que o conteúdo do texto não refletia o posicionamento da instituição.
Na ocasião, a presidente Dilma chegou a comentar que esse
pedido de desculpas foi bastante “protocolar”, não era suficiente, e que iria conversar com o banco a respeito.
O Santander se desculpou, então, pela segunda vez, enviando um outro comunicado aos correntistas. O episódio resultou na demissão da analista Sinara Polycarpo Figueiredo.
Sem mencionar o nome dela, o afastamento foi comunicado
pelo próprio presidente global do banco espanhol, Emilio
Botín, que ressaltou ter havido uma “falha”.
SINARA POLYCARPO FIGUEIREDO
Ex-Analista, Santander
Setembro 2014
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COMUNICADOS DO SANTANDER
“Você e Seu Dinheiro” (Julho, 2014)
“A economia brasileira continua apresentando baixo crescimento, inflação alta e déficit em conta
-corrente. A quebra de confiança e o pessimismo crescente em relação ao Brasil em derrubar ainda
mais a popularidade da presidente, que vem caindo nas últimas pesquisas, e que tem contribuído para
a subida do Ibovespa. Difícil saber até quando vai durar esse cenário e qual será o desdobramento final
de uma queda ainda maior de Dilma Rousseff nas pesquisas. Se a presidente se estabilizar ou voltar
a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros
longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes. Esse último
cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos fundamentos macroeconômicos”.
25 de julho de 2014
“O Santander Brasil vem a público esclarecer que o texto enviado a um segmento de clientes, que
representa apenas 0,18% de nossa base, em seu extrato mensal, e repercutido por alguns meios da
imprensa hoje, não reflete, de forma alguma, o posicionamento da instituição. O referido texto feriu a
diretriz interna que estabelece que toda e qualquer análise econômica enviada aos clientes restrinjase à discussão de variáveis que possam afetar a vida financeira dos correntistas, sem qualquer viés
político ou partidário. Sendo assim, o Banco pede desculpas aos clientes que possam ter interpretado
a mensagem de forma diversa dessa orientação, e reitera sua convicção de que a economia brasileira
seguirá sua bem-sucedida trajetória de desenvolvimento.”
31 de julho de 2014
Prezado cliente,
O seu Extrato Mensal recebido no mês de julho trouxe, na coluna ‘Você e seu dinheiro’, um texto
contendo comentários sobre a evolução da economia no contexto de pesquisas eleitorais. Esclarecemos
que, de forma alguma, a nota reflete uma posição do banco com relação ao cenário político, e pedimos
desculpas se seu teor dá margem a interpretações nesse sentido.
O Santander adota critérios exclusivamente técnicos em todas as análises econômicas, que ficam
restritas à discussão de variáveis que possam afetar os investimentos dos correntistas, sem qualquer
viés político ou partidário. Foram tomadas providências para assegurar que nenhum futuro comunicado
dê margem a interpretações diversas dessa orientação.
Mais uma vez, lamentamos profundamente qualquer mal-entendido que possa ter sido provocado pelo
referido texto. Permanecemos à sua disposição para qualquer esclarecimento adicional.
Atenciosamente,
Conrado Engel
Vice-presidente executivo sênior do varejo Banco Santander Select
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Setembro 2014
RICARDO AMORIM,
Ricam Consultoria
BOLIVAR LAMOUNIER,
Augurium Consultoria
Para o economista Ricardo Amorim, presidente da Ricam
Consultoria Empresarial e apresentador do programa Manhattan Connection, na nota do Santander aos clientes Select não havia nada que contrariasse a legislação eleitoral, que
justamente existe para coibir qualquer tipo de manipulação.
Segundo ele, o que houve foi uma atitude do governo para coibir
uma análise. “Fico preocupado com esse movimento que limita
a liberdade de expressão no País. O governo usou o peso que tem
como portador de negócios, inclusive financeiros, e pressionou o
banco”, ressalta. Segundo ele, a instituição financeira deveria ter
apoiado a análise. “Mas no mundo real, é muito difícil resistir à
uma pressão que vem da presidente da República”, diz Amorim.
Nessa mesma linha, Bolívar Lamounier, sócio-diretor da
Augurium Consultoria, o governo e o PT não precisavam ter
se manifestado de forma tão contundente. “Ao reclamarem,
chamaram mais atenção à uma pequena nota que não tinha
tanta importância. Passaram recibo de autoritários, de que
censuram as ações do banco. Não houve lucro político com
isso”, comenta o sociólogo e cientista político.
Na outra ponta, Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos conselheiros da presidente Dilma Rousseff na área econômica, enfatiza que o conteúdo da análise divulgada pelo Santander não
foi adequado. “Foi um texto puramente político eleitoral
e claro que tem significado econômico porque aumenta o
pessimismo”, enfatiza o economista e professor. Conforme
ele, o governo não feriu a liberdade de manifestação e o que
LUIZ GONZAGA BELUZZO,
Economista
houve foi apenas uma crítica à opinião que tinha conotação
eleitoral. “O governo apenas respondeu ao que a analista escreveu e discordar não é impedir a liberdade de expressão”,
afirma. Belluzzo avalia ainda que a forma como o comunicado foi escrito representou outro erro porque ficou parecendo
que era uma visão do banco, que tinha caráter institucional.
“Foi outro ato de amadorismo da analista que comprometeu
o banco com uma opinião que oficialmente não é dele”.
O professor Roberto Romano, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, também considera que a nota
foi mal redigida. “O enunciado foi claramente político, mas
a reação da presidente foi autoritária em demasia como se
fosse proibido criticar a política do governo que está notoriamente ineficaz para enfrentar uma crise do tamanho que
estamos entrando”, enfatiza Romano. A decisão do banco ao
demitir a profissional e pedir desculpas aos clientes duas
vezes agravou o problema. “Ficou a impressão de que a instituição não tem confiança em si nem na democracia”.
O professor de economia do Insper Otto Nogami destaca
que as volatilidades de ações, taxa de câmbio e juros estão
sempre correlacionadas a eventos. “Neste caso, as volatilidades ocorrem em função de resultado de pesquisa eleitoral”,
explica. Política e economia andam de mãos dadas. O período eleitoral e a piora dos indicadores macroeconômicos podem ter criado um ambiente de desespero político, fazendo
com que o governo reagisse de tal forma, avalia Nogami.
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As volatilidades de ações,
taxa de câmbio e juros estão
sempre correlacionadas
a eventos. Neste caso, as
volatilidades ocorrem em
função de resultado de
pesquisa eleitoral. Política e
economia andam de mãos
dadas. O período eleitoral
e a piora dos indicadores
macroeconômicos podem
ter criado um ambiente
de desespero político,
fazendo com que o governo
reagisse de tal forma.
As correlações feitas pela analista são concretas tecnicamente, sob o olhar da economia e finanças, escreveu o ex-economista do Santander, Alexandre Schwartsman, em
um de seus artigos na Folha de S.Paulo. Ele lamentou que a
análise que foi disparada pelo banco aos correntistas tenha
sido, posteriormente, renegada pela instituição. Schwartsman argumenta que aquela pequena nota não fez julgamento se a política governamental eleva ou reduz o bem-estar
dos variados segmentos da população. Esse julgamento, são
os eleitores que devem fazer. A analista fez uma avaliação
dos efeitos das medidas governamentais sobre os preços de
ativos. “A continuidade da atual política econômica terá efeitos negativos sobre os preços dos ativos, em particular no
mercado de ações, em que prevalecem empresas controladas pelo governo, cujos resultados tem sido prejudicados por
medidas equivocadas, como controles de preços, em razão
da incapacidade de lidar com a inflação”, argumentou.
De acordo com Ricardo Amorim, quando o cenário político
impacta as decisões financeiras é obrigação do banco e do
assessor financeiro alertar seus clientes. O informativo do
Santander cumpria essa função. O economista ressalta que
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Setembro 2014
OTTO NOGAMI, Insper
os números mostram que o desempenho do Brasil é ruim. É
um fato a deterioração dos indicadores macroeconômicos.
A inflação está próxima do teto da meta – nos últimos doze
meses chegou a 6,37% , e o Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Focus, crescerá 0,79%. Os índices de confiança do
setor da construção, indústria, serviços e comércio estão
baixos. Amorim diz ainda que as constantes mudanças nas
regras fizeram com que os empresários se retraíssem e investissem menos. O governo, por sua vez, tem investido somente 2% do PIB.
“A economia está desacelerando, agora, é preciso ter cautela
para concluir que vá para recessão porque do jeito que as coisas
vão o debate fica muito em cima da eleição”, pondera o economista Luiz Gonzaga Belluzzo sobre algumas análises que vem
sendo divulgadas. Entretanto, ele reconhece que há uma perda
na força do consumo. “Todos os efeitos de ascensão das classes
C e D começam a se atenuar”. E, ao mesmo tempo, os investimentos estão em patamares reduzidos. Quanto à inflação,
Belluzzo comenta que deverá permanecer abaixo do teto da
meta este ano. Mas em 2015, será preciso resolver o reajuste da
gasolina e os impactos recairão sobe o próximo governo.
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O PAPEL DOS ANALISTAS
Quando as repercussões do caso Santander começaram a
ganhar fôlego, a Associação dos Analistas e Profissionais
de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional) divulgou uma nota com objetivo de esclarecer à sociedade que a atividade de analista de valores mobiliários
é regulada pela instrução 483 da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM). Os analistas são certificados, seguem
um Código de Conduta - têm compromissos de isenção,
ausência de conflito de interesses e independência - e são
fiscalizados. Os profissionais emitem opiniões de investimento e tem o dever fiduciário.
“Eles devem ter liberdade para expressar suas opiniões e, às
vezes, há considerações de aspectos políticos. As questões
políticas alteram expectativas, preços de ativos e níveis de
mercado, isto é, podem afetar as bolsas e setores da economia”, explica Reginaldo Ferreira Alexandre, presidente da
Apimec Nacional. Cabe, portanto, aos detentores de recursos avaliar os pareceres técnicos como forma de obter informações para apoiar suas decisões de investimentos. A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), apóia
o posicionamento da Apimec. A Amec reúne 63 investidores
institucionais, locais e estrangeiros, que movimentam R$
500 bilhões em fundos de ações.
REGINALDO ALEXANDRE,
Apimec Nacional
Diante desse episódio do Santander, as opiniões se dividem
sobre a postura que os analistas das instituições financeiras
terão daqui para frente, especialmente nesta fase que precede as eleições. “Os analistas vão continuar a dizer o que
acham, não vejo porque alterar o modo de avaliar os cenários e escrever”, afirma Bolívar Lamounier.
O cientista político Valeriano Mendes Ferreira Costa, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, acredita que foi um fato isolado. “É impossível imaginar que o mercado não vai mais analisar a política econômica adotada pelo governo. Isso seria uma loucura. É um
processo de aprendizado uma vez que as eleições esse ano
estão muito tensas e pressionadas”, enfatiza.
Já o Otto Nogami, professor do Insper, julga que esta é uma
situação nova e que os analistas das instituições financeiras
vão, neste momento de eleições, dosar o tom. Porém, os cuidados serão com o formato, a maneira de redigir, não com
o conteúdo. A discussão sairá do aspecto natural porque as
palavras serão medidas, considera o professor.
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FELIPE MIRANDA, Empiricus Research
Dentro da representação da coligação da Dilma que foi
rejeitada pelo TSE havia ainda uma crítica à tese “O fim
no Brasil”, porém nenhuma menção à sua retirada. Esse
documento da Empiricus aponta que o Brasil está à beira
de uma recessão e que o atual modelo de política econômica
está esgotado. Ele refere-se à chamada nova matriz econômica
marcada por fortes intervenções do Estado, controle de
preços, atuações no câmbio, leniência no combate à inflação,
novo marco regulatório do setor de petróleo e publicação
da MP 579 do setor elétrico, entre outros aspectos.
A OUSADIA DA EMPIRICUS
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou improcedente, no
dia 19 de agosto, por 5 votos a 2, a representação da coligação “Com a força do povo” da campanha da presidente Dilma Rousseff contra as propagandas da Empiricus Research.
A coligação da Dilma acusou a Empiricus de “terrorismo
eleitoral” pelas propagandas da consultoria no Google - “Saiba como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da
Dilma” e “Saiba que ações vão subir se o Aécio Neves ganhar”. Os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, João Otávio
de Noronha, Luciana Lóssio e José Antonio Dias Toffoli consideraram não haver irregularidade nos anúncios usados para
divulgar os artigos de opinião. Segundo Felipe Miranda,
sócio-fundador da Empiricus Research, o apelo é puramente
comercial. “No entanto, pedir para retirar os anúncios é um
cerceamento da liberdade. Uma tentativa do governo de evitar o debate sobre economia e querer dar contornos eleitoreiros ou atribuir a interesses escusos uma simples opinião
do que é óbvio”, afirma.
Felipe Miranda diz que ele e os sócios, ao executarem trabalho rotineiro, julgaram o tema das eleições relevante e
não esperavam tamanha repercussão na mídia no Brasil e
exterior, até no Wall Street Journal. A Empiricus investiu R$
7 mil nas propagandas no Google, ao contrário dos rumores
de que havia sido uma fortuna.
Dentro da representação da coligação da Dilma que foi rejeitada pelo TSE havia ainda uma crítica à tese “O fim no
Brasil”, porém nenhuma menção à sua retirada. Esse documento da Empiricus aponta que o Brasil está à beira de uma
recessão e que o atual modelo de política econômica está
esgotado. Ele refere-se à chamada nova matriz econômica
marcada por fortes intervenções do Estado, controle de preços, atuações no câmbio, leniência no combate à inflação,
novo marco regulatório do setor de petróleo e publicação da
MP 579 do setor elétrico, entre outros aspectos.
Sobre o caso Santander, Felipe Miranda da Empiricus avalia
que os analistas das instituições financeiras tendem a ficar
mais comedidos após a pressão do governo e todo mal estar.
Fundada em 2009, a Empiricus é uma casa de análises independente, dissociada de bancos ou corretoras. “Temos sucesso hoje e torcemos para que tenhamos concorrentes”, afirma
Miranda. Nos Estados Unidos, esse segmento é gigantesco e
há fomento à atividade, destaca Miranda. A Securities and
Exchange Commission (SEC), comissão de valores mobiliários norte-americana, obriga que os bancos paguem taxas
para o desenvolvimento de research independente. “Quanto
mais a gente vê casos onde o governo é capaz de acovardar
grandes instituições, mais espaço para os analistas independentes”, comenta o economista Ricardo Amorim. RI
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Casos Santander e Empiricus: Censura?