Falência do princípio da insignificância na atualidade diante da adoção da
teoria das janelas quebradas.
Ricardo Moreno Prioto. Págs: 73 a 76.
TÍTULO: FALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA ATUALIDADE
DIANTE DA ADOÇÃO DA TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS
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Ricardo Moreno Prioto1
Uma das grandes características do Direito Penal é a sua mutabilidade de
acordo com a realidade fática, ou seja, de tempos em tempos ele se adapta ao
momento em que será aplicado. Assim, o Direito Penal da Idade Média, por
exemplo, não é, e nem teria como ser, o mesmo que usamos hoje.
Na atualidade, vem ganhando grande força na doutrina brasileira e
mundial a tendência de substituição das penas privativas da liberdade por outras
não privativas. Esta tendência é devida, em grande parte, ao chamado “Garantismo
Penal”, que surgiu em meados do século XX, despontando pelas mãos do jurista
italiano Luigi Ferrajoli, com a ideia inicial de defesa das liberdades individuais em
face da arbitrariedade do Estado.
Como decorrência lógica do garantismo penal, que prega principalmente
a defesa da dignidade da pessoa humana, surge o chamado Princípio da
insignificância, segundo o qual aquela lesão que não seja capaz de lesar o bem
jurídico tutelado pela norma não deve ser sancionada pelo direito penal, pois este (o
direito penal) não se destina a punir condutas insignificantes, tendo em vista seu
caráter de ultima ratio. Tal punição culminaria em afronta direta à dignidade do
cidadão, bem como não respeitaria, dentre outros, o princípio da lesividade do bem
jurídico.
Diante de sua imensa aceitação pela doutrina e reiterada aplicação pela
jurisprudência, o próprio Supremo Tribunal Federal editou alguns requisitos para que
a insignificância seja reconhecida no caso concreto: a mínima ofensividade da
conduta do agente; a nenhuma periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau
de reprovabilidade do comportamento e; a inexpressividade da lesão jurídica
provocada.
Ainda com relação à insignificância, vale ressaltar que a sua aceitação
implica na atipicidade da conduta, tendo em vista que a tipicidade (Crime é fato
típico, ilícito e culpável, sendo a tipicidade elemento constitutivo do fato típico) não
estaria presente. A tipicidade deve ser formal e material, ou seja, a conduta deve ser
descrita pelo tipo penal (tipicidade formal), e mais que isso, deve ser geradora de
efetiva lesão ao bem jurídico (tipicidade material). Assim, a conduta insignificante,
mesmo produzindo uma tipicidade formal, não seria capaz de lesionar o bem jurídico
tutelado pelo direito penal, ou seja, estaria ausente a tipicidade material, e, por
consequência, a tipicidade, portanto, não haveria crime.
Ocorre que, a aplicação desenfreada desse princípio vem provocando um
fato que não é visto com bons olhos, qual seja, o fomento do sentimento de
impunidade na sociedade. Embora a conduta seja, teoricamente, insignificante, por
vezes, a reiteração do ato pode caracterizar um prejuízo muito significante. Vejamos
um exemplo: Imagine o dono de uma barraca de maças em determinada rua do
centro da cidade. Uma pessoa passa por ela e subtrai uma maça de uma barraca
onde existem centenas delas. Esta conduta praticada, para muitos, seria
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Pós-Graduado em CIÊNCIAS PENAIS pela Universidade Anhanguera – UNIDERP, concluído em
2011; Graduado em Direito pela Universidade Paulista – UNIP, concluído em 2007.
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insignificante, pois estariam presentes todos os requisitos explanados pelo STF.
Contudo, imagine que esta barraca está localizada em uma das ruas mais
movimentadas do centro da cidade e que várias pessoas que por ela passam
afanam uma maça, sendo que a cada dia são subtraídas 20 ou 30 maças, o prejuízo
passaria a ser muito significante de uma forma geral, mas a conduta individual de
cada furtador de maçãs, em si, não seria típica, por estar presente a insignificância.
Como se resolve esta situação?
A doutrina e jurisprudência tendem a aplicar institutos que, a longo prazo,
são prejudiciais para a convivência em sociedade, sendo que a insignificância é o
mais explícito deles. Neste contexto que surge uma idéia que foi nomeada de
“Teoria da Janela Quebrada”, de origem americana (Broken Windows Theory),
encabeçada pelo cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista
George Kelling.
Durante um bom tempo, até meados do século XX, a criminalidade nos
Estados Unidos vinha apresentando preocupante crescimento, sendo que a
legislação não conseguia acompanhar tal evolução no mesmo ritmo (qualquer
semelhança com o que acontece no Estado Brasileiro não é mera coincidência).
Na década de 1980, em busca do controle desta criminalidade foram
adotadas duas medidas, quais sejam, a teoria da janela quebrada, fundamento
teórico da política criminal da “Tolerância Zero”, que passamos a explicar a seguir.
No estudo, cujo título é “The Police and Neighborhood Safety” (A Polícia e
a Segurança da Comunidade), publicado na revista Atlantic Monthly, os autores
usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a
criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua
decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida.
Kelling e Wilson explicam que se uma janela de uma propriedade fosse
quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem
concluiriam que ninguém se importava com esta conduta e que, naquela localidade,
não havia autoridade responsável pelo manutenção da ordem. Em pouco tempo,
algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda
intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali
transitassem, para além da simples sensação de falta de impunidade em relação à
fábrica, concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco
pela rua em que se localizava o prédio (tendo em vista que não apenas uma janela
do prédio estava quebrada, mas todas). Iniciava-se, assim, a decadência da própria
rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou
pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio
ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o
abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos
desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao
crime.
Em razão da imagem das janelas quebradas que seria a origem de todo o
“caos”, o estudo ficou conhecido como Broken Windows Theory. Assim, passamos a
concluir que estas pequenas atitudes desordeiras, chamadas pelos mais garantistas
de insignificantes, podem levar ao cometimento de crimes graves, ou seja, se um
pequeno delinqüente não fosse punido exemplarmente, o grande criminoso se
sentiria seguro e à vontade para atuar na região da desordem.
No Brasil (assim como nos EUA até meados de 1990), a contenção da
criminalidade visa apenas os delitos graves, sendo que as contravenções e delitos
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de menor potencial ofensivo são deixados de lado, ora sendo seus autores
beneficiados por institutos despenalizadores, ora nem mesmo sofrendo punição.
Tal impunidade, que se instalou em relação às contravenções penais e
delitos de menor potencial ofensivo no Brasil, simboliza as janelas quebradas do
nosso ordenamento. Aqueles que tem propensão para o crime, ao visualizarem a
impunidade, tendem a não mais respeitar as regras, pois se não há punição para um
determinado crime, teoricamente não haverá para outros, tornando a criminalidade
um círculo vicioso e incontrolável. Foi assim nos EUA, e assim o é no Brasil
atualmente.
Um exemplo de aplicação desta teoria no Brasil seria a consciência de
impunidade gerada pelo princípio da insignificância na região da “Cracolância” na
cidade de São Paulo. Essa região foi esquecida pelas autoridades, sendo que,
usuários, marginais e traficantes sentiram-se confiantes em utilizar este local como
ponto de uso e venda de drogas, tendo em vista a sensação de impunidade que se
instalou, uma vez que a janela inicialmente quebrada por alguns usuários, não foi
contida pelas autoridades, fazendo com que outros se encorajassem em praticar os
mesmos delitos e outros mais graves na localidade. Mais do que isto, a sensação de
impunidade se tornou tão séria que outras localidades com a mesma finalidade
estão surgindo na capital, sendo que, não se trata mais de um único local, mas de
vários, em que se tem a mesma finalidade e predomina o mesmo sentimento de
impunidade.
Com estes conceitos em mente, podemos concluir que a impunidade de
crimes menores, com base na insignificância nos leva a um caminho sem volta, o
caminho da impunidade geral. A população deixa de sentir-se controlada pelos
ditames legais, insurgindo-se contra o sistema, pois predomina o sentimento de
impunidade, seja quanto ao crime de menor ou de maior potencial lesivo.
A abolição deste repudiado princípio, fará o “conserto” da janela quebrada
que ele deixa no ordenamento, fazendo com que a impunidade fique cada vez mais
distante da realidade, e, por conseqüência, tornando mais efetiva a atuação policial
e o combate à criminalidade. Foi uma política que já deu certo nos EUA, e, com toda
certeza, dará certo no Brasil. O que realmente podemos e devemos aprender com a
experiência americana é a necessidade inadiável de repressão às contravenções e
aos pequenos delitos, como forma de manutenção da ordem e prevenção aos
crimes graves.
Conforme já dizia Foucault no auge de sua sabedoria: ''A mínima
desobediência é castigada e o melhor meio de evitar delitos graves é punir muito
severamente as mais leves faltas''.
Trata-se de um caminho árduo, tendo em vista a grande prevalência do
princípio da insignificância no meio jurídico atual. Contudo, com base em
experiências sociais e institutos de política criminal, cremos que será possível o
afastamento desse monstro criado pela doutrina. Para isso basta um pouco de
consciência e visão de nossos julgadores e doutrinadores, ou seja, basta boa
vontade.
AVENA, Norberto. Processo Penal. 5ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2010.
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