Em defesa de José Dirceu
julho de
2007
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Linha do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
A cassação do mandato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
A denúncia ao Supremo Tribunal Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
A defesa no plenário da Câmara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Uma história de muitas lutas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
APRESENTAÇÃO
Tenho andado muito pelo Brasil, reunindo-me com amigos e companheiros, fazendo palestras, participando de debates. Recebo, aonde
vou, a solidariedade e o apoio dos que têm plena consciência de que a
punição a mim imposta por 293 deputados foi injusta e política. Não
cometi nenhum crime, não feri o decoro parlamentar, não me envolvi em
negociatas. Meus adversários políticos, que pregaram a minha cassação para afastar-me da vida pública, não conseguiram uma só prova do­
cumental ou testemunhal para justificar a decisão tomada pela Câmara
dos ­Deputados.
Mesmo sem provas, o procurador-geral da União incluiu-me na denúncia que apresentou ao Supremo Tribunal Federal contra 40 pessoas que
ele considera envolvidas no episódio que ficou conhecido como “mensalão”. Não apenas me incluiu, entendeu que eu era o chefe do que ele denominou
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“organização criminosa”. Até hoje essa denúncia não foi apreciada pelo
STF, deixando-me na incômoda situação de réu sem julgamento.
Ao lado disso, meus adversários procuraram me envolver em vários
outros episódios largamente explorados pela imprensa. Tentaram, a todo
custo, acabar com minha vida pública, construída com muita luta desde a
adolescência. Não tiveram sucesso. Como disse no discurso em que fiz minha própria defesa, na sessão
da Câmara em que a maioria decidiu pela cassação de meu mandato e
decretação de minha inelegibilidade por oito anos, não abandonarei a vida
pública e a luta política em nenhuma circunstância. Continuo militante político, embora sem mandato e sem função de
direção partidária. E continuarei lutando, sobretudo, pelo reconhecimento
de minha inocência. Esta publicação, preparada por amigos e companheiros que têm travado essa luta ao meu lado, tem o objetivo de apresentar meus argumentos
e mostrar minhas razões de forma simples e direta. Agradeço a todos pela
iniciativa, um instrumento a mais para que os que ainda têm alguma dúvida
possam entender melhor a enorme injustiça cometida contra quem nada
quer além de combater a injustiça e restabelecer a verdade.
José Dirceu
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LINHA DO TEMPO
Começo, meio – e quando será o fim?
13 de fevereiro de 2004 – As primeiras movimentações da oposição para
afastar José Dirceu do governo Lula ocorrem quando a revista
Época publica uma conversa gravada em vídeo de Waldomiro Diniz, então subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria de
Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da
República, com um bicheiro e empresário do ramo de bingos. Nessa
conversa, ocorrida em 2002, Waldomiro Diniz pede propina ao bicheiro. Tenta-se envolver José Dirceu porque Waldomiro, como subchefe de Assuntos Parlamentares, tinha sido subordinado à Casa
Civil antes que o ministério fosse desmembrado, com a criação da
Secretaria de Coordenação Política. Mas, quando ocorreram os
7
fatos denunciados, Waldomiro Diniz era superintendente da Loterj
(Loterias do Rio de Janeiro), órgão do governo do Estado do Rio
de Janeiro. Apenas em 2003 foi para a Presidência da República,
sendo que os fatos ocorridos no Rio de Janeiro eram desconhecidos. Apesar das pressões de oposicionistas e de parcela da imprensa, não é encontrado nenhum vínculo, além do funcional, entre
Waldomiro Diniz e José Dirceu. Nem a CPI dos Bingos, no Congresso Nacional, nem a CPI da Loterj, na Assembléia Legislativa
do Rio de Janeiro, encontram evidências contra José Dirceu. Há
investigações na Polícia Federal, na Polícia Civil do Rio de Janeiro,
no Ministério Público da União e no Ministério Público do Rio de
Janeiro. Seis investigações e nenhuma acusação é feita contra José
Dirceu em função do episódio.
18 de maio de 2005 – A revista Veja, na matéria “O homem chave do
PTB” (edição nº 1.905), denuncia um esquema de corrupção protagonizado por Maurício Marinho, do Departamento de Contratação
e Administração de Material, da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT). Na reportagem, a revista detalha uma conversa
gravada entre Marinho e dois empresários, quando o diretor recebe R$ 3 mil de propina e explica o funcionamento do esquema. Ele afirma defender os interesses do Partido Trabalhista Brasileiro e atender às ordens do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ),
presidente do partido: “Eu não faço nada sem consultar. Tem vez
que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio. Ele é
doidão”. Nos dias seguintes, a matéria tem ampla repercussão e a
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TV Globo mostra uma gravação clandestina de Marinho recebendo
a propina.
6 e 12 de junho de 2005 – Sentindo-se acuado diante das crescentes denúncias contra ele a partir da gravação com Marinho, Roberto ­Jefferson
procura o jornal Folha de S. Paulo para dar duas entrevistas à jornalista Renata Lo Prete. Na primeira, o petebista afirma que o PT
pagava uma mesada de R$ 30 mil a parlamentares, o “mensalão”,
em troca de votos a favor do governo no Congresso Nacional e diz
que avisou José Dirceu sobre o esquema. Na segunda, diz que havia
uma negociação de cargos na sala “ao lado do gabinete do ministro
José Dirceu”, mas afirma não ter provas.
14 de junho de 2005 – Roberto Jefferson presta depoimento ao Conselho
césar ogata
de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. O petebista diz que o então ministro-chefe da Casa Civil da Presidência
da República, José Dirceu, seria o mentor do “mensalão” – suposto esquema de repasse de recursos a deputados em troca de votos. ­Jefferson, porém, não apresenta nenhuma prova de envolvimento do
ministro e não consegue fundamentar as acusações.
17 de junho de 2005 – Quinze ministros filiados ao PT comparecem à
Casa de Portugal, em São Paulo, para o “Ato em defesa do PT e da
democracia”. O auditório permanece lotado, por mais de três horas,
com cerca de 1.500 pessoas. Dirceu é o homenageado da noite. “O
que está em jogo não é a minha biografia, o que está em jogo não é a
Ato em defesa do PT e da
democracia. 17/6/2005
9
césar ogata
Ato em defesa do PT e da
democracia. 17/6/2005
José Cruz/ABr
minha imagem, o que está em jogo é a nossa história, o que está em
jogo é o futuro do Brasil”, diz à platéia de militantes.
23 de junho de 2005 – O deputado José Dirceu (PT-SP) deixa a chefia da
Casa Civil da Presidência e retorna à Câmara dos Deputados para
fazer a própria defesa diante das acusações feitas por Jefferson.
Agosto de 2005 – Após assumir a presidência do PTB, o deputado Flávio
Cerimônia de posse da nova
ministra-chefe da Casa Civil,
Dilma Rousseff, no Palácio do
Planalto. 21/6/2005
10
Martinez apresenta, no dia 2, representação ao Conselho de Ética com o pedido de instauração de processo disciplinar contra José
Dirceu. No dia 10, o presidente do Conselho, deputado Ricardo Izar
Marcello Casal Jr./ABr
(PTB-SP), instaura o processo e indica o deputado Júlio Delgado
(PSB-MG) como relator. 1º de setembro de 2005 – As Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito
(CPMI) dos “Correios” e da “Compra de Votos” aprovam, por unanimidade, um relatório parcial conjunto com a recomendação da abertura de processos contra 18 parlamentares, entre eles José Dirceu. 15 de setembro de 2005 – O Supremo Tribunal Federal concede o Mandado de Segurança 25.539, relatado pelo ministro Carlos Velloso, que
determina a imediata suspensão da medida disciplinar impetrada
O ex-ministro da Casa Civil,
deputado José Dirceu, chega
à Câmara dos Deputados, para
assumir o mandato parlamentar
do qual estava licenciado.
23/6/2005
pela Mesa Diretora da Câmara contra 18 deputados federais. O pedido visa inicialmente apenas alguns parlamentares, mas o ministro
estende os efeitos da liminar a José Dirceu. A Mesa Diretora havia aprovado parecer da Corregedoria, que decidia pela instauração
do processo disciplinar no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar
Laycer Tomáz/ .
Acervo Câmara dos deputados
sem dar atenção a todos os requisitos necessários.
21 de setembro de 2005 – Martinez pede a retirada do processo contra
Dirceu no Conselho de Ética. Ricardo Izar, entretanto, resolve que o
pedido não deve interromper o processo.
18 de outubro de 2005 – O relator do processo contra José Dirceu, deputado Júlio Delgado, lê seu parecer. Antes, Delgado ouviu cinco testemunhas de defesa e duas de acusação. Nenhuma das testemunhas,
entretanto, apresentou qualquer prova do envolvimento de José Dir-
Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara dos
Deputados. 2/8/2005
11
Agência Br
ceu em irregularidades. Pelo contrário. O ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o empresário Marcos Valério negam ter feito qualquer
negociação com o ex-ministro. Mesmo assim, o relator recomenda a
cassação do deputado José Dirceu. 27 de outubro de 2005 – O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal
­Federal, determina que o relatório com pedido de cassação do depuJosé Dirceu durante entrevista
coletiva onde fala sobre o
processo que responde no
Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara.
21/10/2005
tado José Dirceu seja refeito. No Mandado de Segurança 25.618, o
ministro manda retirar uma documentação sigilosa utilizada indevidamente pelo relator, deputado Júlio Delgado. A decisão, entretanto,
não é cumprida e o texto é aprovado pelo Conselho de Ética por 13
votos a 1. A defesa de Dirceu protocola Embargos de Declaração,
cuja liminar é deferida com a determinação de que outro parecer
fosse apresentado, anulando, dessa forma, a votação.
4 de novembro de 2005 – Apesar dos recursos apresentados por José Dirceu e seu advogado a fim de garantir o amplo direito de defesa, o
Conselho de Ética volta a repetir a votação favorável ao pedido de
cassação. Durante o processo de apuração das denúncias há falhas
na condução que acabam por violar normas constitucionais e regimentais em relação ao princípio do contraditório.
17 de novembro de 2005 – Intelectuais, artistas, sindicalistas, lideranças
populares e membros do Diretório Nacional do PT realizam, no Rio
de Janeiro, o ato “Em Defesa da Justiça, da Democracia e da Constituição”. A manifestação, organizada pelo movimento Amigos do
12
Sergio Borges / ag. o globo
Ato “Em Defesa da Justiça, da
Democracia e da Constituição”
realizado pelo movimento
Amigos de José Dirceu, no
auditório da Faculdade Cândido
Mendes no Rio de Janeiro.
17/11/2005
Zé Dirceu, atrai diversas personalidades, como o professor Cândido
Mendes, a presidente estadual do PCdoB/RJ, Ana Rocha, Benedita
da Silva, o vereador (atual deputado federal) Edson Santos, o deputado federal Luiz Sérgio, o deputado esta­dual Gilberto Palmares,
além de artistas como Luiz Carlos e Lucy Barreto, Sérgio Sanz, Paulo Tiago, Antônio Pitanga, Aroeira, José de Abreu e Antônio Grassi.
18 de novembro de 2005 – Mais de 600 pessoas comparecem à Câmara
Municipal de São Paulo para declarar apoio a José Dirceu. As galerias ficam tomadas por personalidades como a ex-prefeita Marta Suplicy, o senador Eduardo Suplicy, o ministro Luiz Marinho, o
13
fotos lilian vaz
Ato em defesa
do mandato de
José Dirceu e da
Constituição. Câmara
Municipal de São
Paulo. Na foto à
direita com o jurista
Aldo Lins e Silva.
18/11/2005
­assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia e representantes de entidades da sociedade civil e movimentos sociais, como
UNE, CUT e MST. Os ministros Antonio Palocci, Dilma Rousseff,
Márcio Thomaz Bastos e o ex-presidente do PT Tarso Genro também enviam mensagens de solidariedade ao ex-ministro.
19 de novembro de 2005 – Em Belo Horizonte (MG), mais de 300 pessoas
participam do ato público em apoio ao deputado federal José Dirceu,
no auditório da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A militância petista marca presença ao entoar palavras de ordem contra o
linchamento político protagonizado pela oposição. O evento conta
com a participação de políticos mineiros como o deputado Roberto
Carvalho, o prefeito de BH, Fernando Pimentel, o presidente do diretório do PT, Nilmário Miranda, além de diversos deputados, prefeitos e vereadores de partidos como PTN, PCdoB e PL.
22 de novembro de 2005 – O diretório do PT no Distrito Federal promove
um ato público em solidariedade ao deputado José Dirceu no audi-
14
tório da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. O
vice-presidente da República, José Alencar, comparece ao evento. “Acompanhei atentamente o processo e nada me convenceu que Dirceu tenha alguma culpa capaz de levá-lo à cassação”, diz Alencar. Entre os 400 presentes, estão o presidente do PT, Ricardo ­Berzoini,
os ministros Jaques Wagner, Nelson Machado e Patrus Ananias, além
de vários deputados e senadores.
25 de novembro de 2005 – É realizado um ato de desagravo a José Dirceu durante a posse do diretório municipal do PT de Campo Grande (MS). O
governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, recebe pessoal­mente
o deputado. O evento conta com a presença do deputado federal Vander Loubet, da vereadora Thaís Helena e de diversos correligionários.
26 de novembro de 2005 – O deputado José Dirceu participa de ato em
desagravo ao presidente Lula e em defesa da Legalidade e da Democracia na Câmara Municipal de Santos (SP). O evento ainda
visa a demonstrar solidariedade ao ex-ministro. “Queremos mostrar
vivian farias
também a nossa indignação contra a violência ao companheiro Zé
Dirceu e a todos os demais companheiros que estão ameaçados de
cassação do mandato, sem uma evidência ou prova de que tenham
cometido atos irregulares e ilegais”, declara a Comissão Executiva
Municipal do PT santista, em nota.
27 de novembro de 2005 – Em Olinda (PE), Dirceu é recebido com muita
festa e discursa ao lado dos prefeitos de Recife, João Paulo; de Olin-
Olinda. 27/11/2005
15
da, Luciana Santos; do ex-ministro da Saúde Humberto Costa, além
de parlamentares das bancadas estadual e federal do PT local.
28 de novembro de 2005 – José Dirceu participa em João Pessoa (PB) de
ato de apoio no plenário da Assembléia Legislativa, com a presença
de mais de 150 pessoas.
29 de novembro de 2005 – Na véspera da votação em plenário, o deputado
José Dirceu (PT-SP) recebe mais uma manifestação de apoio. Cerca
de 100 juristas e advogados assinam documento em defesa do Estado Social e Democrático de Direito. Segundo os advogados, o processo político contra Dirceu “acoberta o flagrante desrespeito aos
princípios da presunção de inocência e da separação de poderes”. Entre os principais nomes no manifesto estão Aldo Lins e Silva,
Dalmo Dallari e Hélio Bicudo. “Conclamamos, pois, a Câmara dos
Deputados, seus órgãos e os demais Poderes, a defender o mandato
do deputado José Dirceu, a reafirmar a crença na manutenção de
nosso Estado Social e Democrático de Direito, observando suas regras e respeitando seus limites.”
30 de novembro de 2005 – O Pleno do STF, por maioria de votos, concede
liminar que determina a retirada do depoimento de Kátia Rabello
dos autos, bem como do relatório apresentado pelo deputado Júlio
Delgado. De acordo com o Mandado de Segurança 25.647, o Supremo acolhe a tese da inversão da prova e da violação do direito
de defesa.
16
Laycer Tomáz/Acervo Câmara dos deputados
Sessão Ordinária da Câmara
dos Deputados, na apreciação
do processo de cassação de
José Dirceu. 30/11/2005
1º de dezembro de 2005 – A Câmara dos Deputados decide pela cassação
do deputado José Dirceu, com 293 votos pela perda de mandato e
192 contra. Foi aprovada também a inelegibilidade por oito anos. Não há prova de nenhum crime praticado pelo ex-ministro. 30 de março de 2006 – O procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, encaminha denúncia ao Supremo
Tribunal Federal contra 40 suspeitos de envolvimento no esquema
investigado pelas CPMIs e aponta o ex-ministro José Dirceu como
membro do núcleo principal da “quadrilha”. 9 de maio de 2006 – É deferida a medida cautelar solicitada na Reclamação 4.336 a fim de suspender o procedimento instaurado pelo
Ministério Público de São Paulo, que visava a investigar José Dirceu
17
pela suposta prática de delitos cometidos durante a gestão do exprefeito de Santo André, Celso Daniel. O ministro Eros Grau segue o
entendimento anterior do ministro Nelson Jobim, que determinava o
arquivamento do pedido de abertura de inquérito.
17 de maio de 2006 – O Banco Central enviou uma carta à revista IstoÉ
Dinheiro rebatendo as afirmações de que José Dirceu teria pressionado o presidente da instituição para que fossem liberados negócios
a favor do publicitário Marcos Valério. A carta:
“O Banco Central do Brasil esclarece que, ao contrário do publicado na
edição 452, de 17 de maio [de 2006], não procede a informação de que
o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi pressionado pelo
ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, para suspender as liquidações extrajudiciais do Banco Econômico e do Banco Mercantil de Pernambuco.
Atenciosamente,
Jocimar Nastari
Assessor de Imprensa do Banco Central do Brasil”
29 de maio de 2006 – O ministro Gilmar Mendes (STF) indefere o Mandado de Segurança 25.900. A medida cautelar solicitava a nulidade
da decisão do Plenário da Câmara dos Deputados, que decidiu pela
cassação do mandado do deputado José Dirceu, uma vez que o direito de defesa do parlamentar havia sido violado.
21 de junho de 2006 – O Tribunal de Contas da União, de acordo com a nota
informativa sobre o acórdão nº 926/2006, considerou improcedente
18
a representação a respeito de possíveis irregularidades ocorridas nas
operações de aquisição, por parte da Caixa Econômica Federal, de
parte da carteira de crédito consignado do banco BMG. De acordo
com a análise do TCU, não houve indício de nenhuma irregularidade,
fraude ou favorecimento entre as operações das instituições bancárias. Nada contra José Dirceu.
11 de julho de 2006 – José Dirceu entrega sua defesa ao STF e destaca a
falta de provas e as inconsistências das acusações feitas contra ele,
denunciando um processo de cassação em que não foram respeitados os preceitos básicos do contraditório e da ampla defesa.
25 de julho de 2006 – O médico João Francisco Daniel, irmão de Celso
Daniel, assassinado quando era prefeito de Santo André, retratou-se
de acusações feitas contra José Dirceu. Em acordo judicial firmado
para extinguir um processo por calúnia movida pelo ex-ministro, João
Francisco admitiu que “não teve a intenção de ofender a honra ou
imputar crimes” a Dirceu. O médico havia acusado o petista de ter
recebido propina de um suposto esquema de empresas de ônibus. Segundo ele, Celso Daniel teria sido assassinado devido a esse esquema. Após a retratação, o processo contra João Francisco foi retirado por
José Dirceu. Depois de muitas investigações, não há nenhuma acusação contra José Dirceu referente à gestão e à morte de Celso Daniel.
Março de 2007 – A Receita Federal investigou a vida financeira e fiscal
de José Dirceu no período de novembro de 2005 a março de 2007. 19
O processo é encerrado e arquivado sem nenhuma acusação ou autuação por crimes fiscais e financeiros, muito menos por variação
patrimonial a descoberto.
Julho de 2007 – O STF ainda não havia se pronunciado sobre a denúncia
do procurador-geral.
20
A CASSAÇÃO DO MANDATO
Um julgamento meramente político
Conhecido pela história de lutas que o fez ser um dos personagens
mais importantes da política brasileira contemporânea, José Dirceu chegou à chefia da Casa Civil depois da aclamação popular que levou seu amigo e companheiro Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Nas mesmas eleições, José Dirceu se reelegeu como deputado federal por
São Paulo com a segunda maior votação do País. A força desses dois representantes do Partido dos Trabalhadores fez crescer entre os adversários
o desejo de abalar, de qualquer forma, o crescimento de um projeto em prol
do povo brasileiro.
A oportunidade vislumbrada pelos opositores do PT surgiu por meio
de denúncias vazias e sem provas do então presidente do PTB, deputado
21
Roberto Jefferson (RJ). Diante das acusações que caíam sobre o partido e
ele próprio, após seu afilhado político Maurício Marinho ser flagrado recebendo propina e trazendo à tona um esquema de desvio de dinheiro público,
Jefferson tentou tirar o foco sobre si ao fazer ataques a José Dirceu e ao
Partido dos Trabalhadores. O depoimento de Jefferson no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, em junho de 2005, foi a única peça
acusatória sobre um possível envolvimento do ex-ministro com o chamado
“mensalão”, suposto esquema de pagamento a parlamentares para votarem com o governo. Apesar de os envolvidos terem negado qualquer participação de José Dirceu, foi essa a única “prova” em que os deputados se
basearam para cassar o petista. De forma contraditória, Jefferson teve seu
mandato cassado justamente por não ter conseguido provar as acusações
que fez.
O processo conduzido pelo relator no Conselho de Ética, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), não deu chances à ampla defesa e
visivelmente atendeu a pressões políticas para que José Dirceu fosse
cassado. A seguir, os principais equívocos e contradições do relatório que recomendou a cassação de José Dirceu:
Não exercia o mandato
De acordo com o relator, o deputado José Dirceu praticou atos que
“fraudaram o regular andamento dos trabalhos legislativos, visando à alteração do resultado das deliberações configurativas de atos incompatíveis
com o decoro parlamentar”. Os atos teriam sido praticados “enquanto li22
cenciado dessa Casa para exercer as funções do cargo de ministro-chefe da
Casa Civil do presidente da República”.
Dessa forma, os atos atribuídos a José Dirceu teriam ocorrido fora
do exercício do mandato de deputado federal, do qual estava licenciado. Conseqüentemente, se tivessem realmente ocorrido, estariam sujeitos ao
controle administrativo ou judicial, mas nunca ao juízo político da quebra
do decoro parlamentar, que pressupõe o exercício do mandato, realizado na
Câmara dos Deputados.
Acusações levianas
O relatório não indica quais trabalhos legislativos foram irregulares, nem quais votações foram manipuladas. Limita-se a mencionar que o
publicitário Marcos Valério e sua mulher, Renilda Santiago, afirmaram em
depoimentos à CPI dos Correios que Dirceu e Delúbio Soares, à época se-
O relatório não
indica quais trabalhos
legislativos foram
irregulares, nem
quais votações foram
manipuladas.
cretário de Finanças do PT, teriam levantado fundos no Banco Rural e no
BMG para pagar parlamentares que votassem a favor do governo.
Não é dito, entretanto, quais parlamentares foram favorecidos e
quais votações foram viciadas. Não há nenhuma prova. A acusação é leviana, uma vez que os envolvidos jamais fizeram tais afirmações. Segundo
Marcos Valério e Delúbio, houve empréstimos feitos pelo PT nas instituições bancárias, a partir de fevereiro de 2003, para quitar despesas de
campanha eleitoral. Marcos Valério disse que Delúbio havia dito que José
Dirceu sabia sobre as operações e teria participado de reuniões com representantes dos bancos. Mas em depoimento Delúbio negou essa declaração
e afirmou que em nenhum momento tratou dos empréstimos com o ex-ministro – que já havia se afastado das funções partidárias.
23
Banco Rural e BMG
O relatório indica que José Dirceu, quando exercia o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, participou de reuniões com diretores dos dois
bancos na presença de Marcos Valério, para discutir os empréstimos.
Foi ignorado o fato de representantes do BMG e do Banco Rural terem se manifestado sobre as reuniões mantidas com o ex-ministro. Ambas
as instituições negaram qualquer tipo de contato com José Dirceu para
discutir empréstimos. O Banco Rural informou que participou de reunião
Da parte de José
Dirceu não há
confissão. Ao
contrário, o deputado
esclareceu e repudiou
todas as acusações
lançadas.
para discutir a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco e que não se
mencionou qualquer espécie de empréstimo e tampouco houve a presença
de Marcos Valério. O BMG também afirmou que seus representantes nunca
discutiram empréstimos com o ex-ministro. Maria Ângela Saragoça
O relator procura criar “outro episódio” para indicar uma relação
entre o ex-ministro e o publicitário Marcos Valério ao citar a concessão
de crédito para aquisição de um imóvel e o emprego da ex-esposa de José
Dirceu, Maria Ângela Saragoça. Mas o relator não considerou o fato de o advogado do BMG, Sérgio
Bermudes, ter esclarecido que o pedido de emprego não teve a participação
de José Dirceu e que “em momento algum Valério falou como porta-voz
do ministro”. Outro representante do banco, Ricardo Guimarães, também
afirmou que a contratação de Maria Ângela não envolveu a participação
do deputado. O relatório também ignorou que Maria Ângela detalhou, publicamente, o ocorrido e negou a participação do ex-marido tanto na aquisição do imóvel como na obtenção do emprego.
24
Prova testemunhal
A representação não foi capaz de indicar nenhum documento que
indique a participação, ciência ou anuência do ex-ministro nas alegadas
irregularidades. Como elemento de prova contra outros acusados foi explorada, em alguns casos, a admissão de participação.
Da parte de José Dirceu não há confissão. Pelo contrário, o deputado
esclareceu e repudiou todas as acusações lançadas, sem fugir um instante
sequer do debate em prol da verdade. Lutou pelo direito de ser ouvido pelas
CPMIs e de se defender, colocando-se à disposição para esclarecer quaisquer questionamentos.
25
A DENÚNCIA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Culpado apenas porque tinha poder
No dia 30 de março de 2006, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou ao Supremo Tribunal Federal a denúncia contra José Dirceu e mais 39 pessoas. A denúncia foi encaminhada
ao ministro Joaquim Barbosa, designado relator. Entre os 40 denunciados, com base no Inquérito 2.245, estão os
ex-dirigentes do PT José Genoíno, Delúbio Soares de Castro e Sílvio José
Pereira, que com José Dirceu são considerados, pelo procurador-geral, os
cabeças do que ele chama de quadrilha. São também denunciados, entre
outros, os ex-ministros Anderson Adauto e Luiz Gushiken, os ex-deputados Carlos Rodrigues, João Magno, João Paulo Cunha, José Borba, José
Janene, Paulo Rocha, Pedro Corrêa, Pedro Henry, Professor Luizinho, Ro27
meu Queiroz, Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto, os publicitários que
eram proprietários da SMPB – Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Cardoso e Cristiano Paz – e Duda Mendonça. O procurador, em 160 páginas, apresenta as “condutas criminosas”
praticadas pelos acusados. Em relação a José Dirceu, rememora os depoimentos do então deputado Roberto Jefferson na Comissão de Ética da
Câmara dos Deputados e na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) dos Correios, acusando o então ministro-chefe da Casa Civil de di-
Para chegar a
tal conclusão, o
procurador-geral
esquece as gritantes
contradições entre
as várias versões
apresentadas por
Roberto Jefferson.
rigir e operacionalizar um esquema de distribuição de dinheiro a políticos. A denúncia baseia-se nas palavras do ex-deputado Roberto ­Jefferson
para sustentar que José Dirceu participou das diversas irregularidades narradas. Conferindo total credibilidade ao ex-parlamentar, a denúncia conclui
que “todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram provadas”. Jefferson, porém, teve seu mandato cassado pela Câmara
justamente por ter feito acusações sem provas.
Para chegar a tal conclusão, o procurador-geral esquece as gritantes
contradições entre as várias versões apresentadas pelo ex-deputado Jefferson. Esquece-se de suas declarações iniciais, que excluíam José Dirceu de
qualquer responsabilidade e descreviam sua indignação com os fatos.
O procurador-geral diz que as investigações feitas pelo Congresso
Nacional, nas CPMIs dos “Correios” e da “Compra de Votos”, é que “instruem” a denúncia e que “todas as imputações feitas pelo ex-deputado
Roberto Jefferson ficaram comprovadas”. O resumo da acusação:
“Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões
de benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de
28
apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato,
lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas”. A linha de argumentação do procurador-geral é simplista ao apresentar José Dirceu (então ministro-chefe da Casa Civil), José Genoíno (então
presidente do PT), Sílvio Pereira (então secretário-geral do PT) e Delúbio
Soares (então tesoureiro do PT) como “núcleo principal” da “quadrilha”. O que diz o procurador-geral:
“Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros
integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio
de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda
financeira. O objetivo desse núcleo principal era negociar apoio político,
pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha
e outras despesas do PT e dos seus aliados”.
José Dirceu é acusado de chefiar a “sofisticada organização criminosa”, nas palavras do procurador-geral. Mas não é apresentada nenhuma
prova disso. O procurador alega apenas o fato de José Dirceu ter sido presidente do PT (embora não à época dos fatos relatados) e ministro-chefe
da Casa Civil da Presidência da República. Se tinha tanto poder, raciocina
o procurador-geral, tinha de estar a par de tudo o que acontecia e ser responsável por todos os fatos. Uma suposição, sem nenhuma prova.
A defesa de José Dirceu no Supremo Tribunal Federal é assinada
por dois advogados: José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua. Foi
apresentada em 11 de julho de 2006 e mostra com clareza que José Dirceu foi cassado pela Câmara dos Deputados sem que contra ele fossem
29
apresentadas provas e que na denúncia do procurador-geral também não
há provas de seus supostos crimes. É, em resumo, o que se denomina uma
denúncia inepta. Abaixo, um resumo, em linguagem coloquial, dos argumentos apresentados pelos advogados:
O julgamento no Congresso foi político
O relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, em várias oportunidades declarou que o julgamento de José Dirceu era político. O presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, deputado Ricardo Izar, disse, em entrevista ao jornal O Globo, que não havia provas contra
José Dirceu. A imprensa, em várias matérias durante o processo instaurado
no Conselho de Ética, afirmou a inexistência de provas contra o então deputado José Dirceu, sendo o julgamento político. A pergunta que se fazia
naquela oportunidade era a seguinte: o julgamento político, para cassar um
mandato popular, não precisa de um mínimo de provas? É correto cassar o
mandato de um parlamentar eleito com mais de 500 mil votos, sem provas,
apenas por uma conveniência política?
A defesa durante todo o processo que tramitou no Conselho de Ética
ouviu de vários parlamentares que o julgamento era político. Na defesa
oral naquele Conselho, argumentou-se que mesmo o julgamento político
deve ser apoiado em provas concretas, pois, do contrário, estamos falando em fuzilamento político, em arbitrariedade, na predominância de uma
posição de uma maioria passageira, em desfavor de um julgamento justo. Basta ter uma maioria e, independentemente de provas, propõe-se a cassação de um parlamentar, que foi o que ocorreu.
30
Não há provas para as acusações
A denúncia oferecida contra José Dirceu é vaga. Sem cumprir os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia não descreve minimamente os atos que teriam sido praticados para a consumação dos
delitos e assim impede o legítimo direito de defesa do acusado. A partir da
afirmação de que José Dirceu seria a “segunda pessoa mais poderosa do
País”, a acusação o coloca como integrante do “núcleo central da quadrilha” e a partir dessa falsa premissa são feitas suposições e ilações sobre
sua participação nos delitos.
José Dirceu ocupou cargo estratégico no governo federal à época dos
fatos, mas daí a concluir, como fez a denúncia, que em razão desse cargo
“foi o principal articulador dessa engrenagem, garantindo-lhe a habitualidade e o sucesso”, vai um longo caminho. A lei exige que na denúncia conste a exposição do fato supostamente
criminoso com todas as suas circunstâncias, seus detalhes. A denúncia deve
A denúncia contra
José Dirceu é vaga.
Não descreve os
atos que teriam sido
praticados para a
consumação dos
delitos.
obedecer às formalidades essenciais contidas no Código de Processo Penal,
porque é com o cumprimento dessas formalidades que são conhecidos os
limites da acusação, o que possibilita o exercício do direito constitucional
da ampla defesa. Na denúncia de um crime o fato deve ser revelado com todas as suas
circunstâncias, com todos os detalhes. A análise da denúncia demonstra
que o procurador-geral atribui a José Dirceu a prática de diversas condutas
criminosas pelo simples fato de ter ocupado o cargo de ministro-chefe da
Casa Civil e ter sido presidente do Partido dos Trabalhadores. A denúncia manipula fatos de conhecimento público, como ter José
Dirceu ocupado cargo no governo federal ou ter sido presidente do Par31
tido dos Trabalhadores, para imputar-lhe a pecha de chefe de quadrilha,
sendo que a partir dessa acusação vêm as acusações referentes aos demais delitos. Tal afirmação é totalmente descabida e desprovida de qualquer prova. Pela lógica da acusação teríamos de admitir que tanto o governo
federal como o Partido dos Trabalhadores seriam organizações criminosas. Afirmação que nem mesmo o mais crítico oposicionista ousaria fazer. Pela lógica da
acusação, teríamos
que admitir que
tanto o governo
federal como o PT
seriam organizações
criminosas. Afirmação
que nem mesmo
o mais crítico
oposicionista ousaria
fazer.
Não houve enriquecimento ilícito
Não há também, na denúncia, nenhum indício de enriquecimento
ilícito de José Dirceu ou de outras autoridades pertencentes ao chamado “núcleo central”. Para que sejam respeitados os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da individualização da responsabilidade penal e da dignidade da pessoa humana, não se exige da
­acusação uma descrição exagerada dos fatos, mas é necessário descrever
minimamente a correlação entre os fatos imputados e as condutas de
cada acusado. A denúncia não é sucinta nem clara, não descreve as ligações dos
acusados com as condutas supostamente ilícitas e por isso não é apta para
desencadear um processo criminal contra o acusado. E ninguém pode ser
incriminado somente em função do exercício de cargo.
Não houve reunião com Marcos Valério
Além de se apoiar nas incertas palavras do ex-deputado Jefferson,
a denúncia elege como seu segundo e último pilar de sustentação o co-denunciado Marcos Valério. Para a denúncia, “José Dirceu reunia-se com o
32
principal operador do esquema, Marcos Valério, para tratar dos repasses
de dinheiro e acordo político”.
Mas em depoimento da CPMI da “Compra de Votos”, prestado em 9
de agosto de 2005, Marcos Valério negou que tivesse participado de reuniões
com José Dirceu para discutir repasses de dinheiro ou acordos políticos.
De fato, de superficial leitura do depoimento de Marcos Valério, percebe-se que jamais houve qualquer confirmação do suposto conhecimento
de José Dirceu quanto às irregularidades relatadas. Após uma análise do
depoimento de Marcos Valério, fica apenas a mera suposição dele ao acreditar que José Dirceu soubesse dos empréstimos feitos pelo PT. A quebra dos sigilos telefônicos feita pela CPI demonstrou claramente a inexistência de vínculos entre José Dirceu e Marcos Valério, tendo
em vista que não foi constatado nenhum telefonema entre ambos. E as
suposições de Marcos Valério tornam-se ainda mais precárias com o desmentido feito por Delúbio Soares, que, na CPMI, afirmou que nunca tratou
dos empréstimos bancários com José Dirceu.
Bancos não foram favorecidos
Em seus depoimentos, dirigentes dos bancos Rural e BMG negaram qualquer tipo de encontro ou contato com José Dirceu para dis­cutir
empréstimos feitos ao PT ou outros assuntos relacionados ao caso. Para
sustentar a suposta atuação de José Dirceu na imaginada quadrilha, a denúncia afirma que ele participou do favorecimento do governo federal ao
BMG. Especulou que o favorecimento estaria no fato de a instituição financeira ter lucrado com o produto “crédito consignado” e obter credenciamento para operar no INSS.
33
Contudo, é notório que o banco BMG é o pioneiro no produto “crédito consignado”, vendendo-o desde 1998, quando lançou carteira exclusiva
para funcionários públicos. Desde então, é corrente no mercado financeiro
que o BMG ocupa a liderança desse produto, sendo considerado pelas demais instituições financeiras “o melhor banco em crédito consignado do
País”, como disse um executivo do Banco Itaú.
O Tribunal de Contas da União julgou improcedente a acusação de
favorecimento ao BMG. Logo, José Dirceu não favoreceu a instituição
O TCU julgou
improcedente
a acusação de
favorecimento ao
BMG. Logo, José
Dirceu não favoreceu
a instituição
financeira.
financeira.
Além disso, os acusados de participar do denominado “núcleo central” – Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genoíno – sempre negaram categoricamente que José Dirceu tivesse participação nos empréstimos ao PT
e nos repasses de recursos descritos na denúncia ou mesmo ciência deles. Nenhuma participação
Em relação à denúncia de que sua ex-esposa, Maria Ângela ­Saragoça,
teria sido beneficiada por Marcos Valério na compra de um apartamento
em São Paulo e ao receber oferta de emprego no BMG, ficou comprovada
também a total isenção de José Dirceu no episódio. Tão logo o caso veio à
tona, Maria Ângela Saragoça detalhou com minúcias o ocorrido e negou a
participação de José Dirceu tanto na aquisição do imóvel como na obtenção do emprego. Afirmou que José Dirceu não teve nenhuma influência no
contato com Marcos Valério e que se considerava usada pelo publicitário. O advogado Rogério Lanza Tolentino e Ivan Guimarães, que participaram
da compra e venda do imóvel, também excluíram publicamente José Dirceu
de qualquer participação no episódio. 34
Sem provas de desvio de recursos públicos
A denúncia acusa José Dirceu da prática, por várias vezes, de um
suposto “conluio” com os co-denunciados Luiz Gushiken e Henrique
­Pizzolato para desvio de recursos públicos. Não há descrição da conduta
efetivamente praticada por José Dirceu. A denúncia não descreve qualquer relação entre José Dirceu e os outros denunciados, limitando-se a
afirmar que pertencem ao mesmo partido político, sem narrar eventual
relação.
O destino dos recursos supostamente desviados também não foi minimamente descrito pela denúncia, que, em nenhum momento apontou qual
seria o uso que José Dirceu teria dado aos tais valores. Não houve compra de apoio político
A denúncia alega que José Dirceu teria praticado o crime de corrupção ativa por inúmeras vezes, enumerando os supostos delitos no financiamento de diferentes partidos políticos. Aqui, como nos demais pontos
da denúncia, nenhuma conduta lhe é imputada ou descrita. A denúncia
limita-se a acusar o Partido dos Trabalhadores, incluindo José Dirceu, sem
fornecer especificações, ainda que mínimas, sobre qual teria sido a efetiva
participação dele nos crimes citados.
No que diz respeito à efetiva compra de votos, a denúncia nada prova, pois a compra de votos não foi detectada no inquérito policial e nem
mesmo na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da “Compra de Votos”, especialmente instaurada para esse fim.
Os resultados das CPMIs indicam, seguramente, que não existiu
compra de votos e uma grande evidência de que não houve compra de par35
lamentares está na dificuldade encontrada pelo governo para aprovar seus
principais projetos no Congresso.
Todas as evidências indicam que o repasse irregular de verbas não
tinha relação com a compra de votos, não buscava assegurar a governabilidade e não partia do governo.
Sem conluio no PT
Outro ponto fundamental da acusação é o suposto “conluio” entre
No que diz respeito
à efetiva compra de
votos, a denúncia
nada prova, pois ela
não foi detectada no
inquérito policial,
nem na CPMI.
José Dirceu e o secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares. Em todas as oportunidades em que foi ouvido, Delúbio afirmou que José Dirceu não tinha participação ou mesmo ciência de suas
atividades como tesoureiro do PT. Não há nenhuma prova em contrário e,
ademais, as evidências colhidas comprovam essa afirmação.
Deve-se notar que os repasses de recursos citados na denúncia somente ocorreram durante o período em que o José Dirceu já não ocupava
nenhum cargo no Partido dos Trabalhadores, estando no exercício da função de ministro-chefe da Casa Civil. A atuação no Poder Executivo exigia
enorme dedicação, impossibilitando qualquer tentativa de interferência na
vida orgânica e financeira do Partido dos Trabalhadores.
O ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, disse
claramente que José Dirceu não se ocupava das questões financeiras do
partido e tampouco teria condições para isso:
“Eu quero deixar bem claro que o ministro José Dirceu não interferia na
vida interna do partido. Respeitava o funcionamento e as decisões da Executiva. Ele participava quando tinha reunião do Diretório Nacional. Tinha
uma relação política, como dirigente nos debates, nas resoluções do Dire-
36
tório Nacional. Em relação ao funcionamento, em relação ao dia-a-dia do
partido, ele não tinha interferência.”
Logo, José Dirceu não atuava, de qualquer forma, na vida financeira
do PT e tampouco sabia dos repasses feitos pelo setor financeiro do Partido dos Trabalhadores.
Buscando derrubar essa constatação, alguns opositores de José Dirceu lhe atribuem ilimitados poderes no governo e no Partido dos Trabalhadores. Assim, pretende-se suprir a falta de provas com um simplório argumento: não seria possível que o “todo poderoso” ex-ministro-chefe da Casa
Civil não soubesse dos atos praticados por integrantes de seu partido.
37
Laycer Tomáz/Acervo Câmara dos deputados
Plenário da Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados, na apreciação do processo de cassação de José Dirceu. 30/11/2005
A DEFESA NO PLENÁRIO DA CÂMARA
“Vou continuar lutando até provar a minha inocência”
Íntegra do discurso do deputado José Dirceu na sessão da Câmara
dos Deputados em que seu mandato foi cassado:
Sr. presidente, deputado Aldo Rebelo, sras. e srs. deputados, brasileiras e brasileiros que nos acompanham na Câmara dos Deputados, em suas
casas, em seus locais de trabalho, em todo este imenso Brasil, imprensa,
servidores, funcionários e assessores da Câmara dos Deputados, depois de
cinco meses volto à tribuna da Câmara dos Deputados.
O País, esta Casa, todas as senhoras e todos os senhores são testemunhas de que travei um combate de peito aberto. Não renunciei ao meu
mandato de deputado federal. Não critico quem o fez, mas, como disse
ao País naquele momento, eu não poderia fazê-lo. Não teria condições de
39
olhar hoje, como estou olhando, para cada deputada e deputado e para
todo o Brasil.
Depois de 40 anos de vida pública, que o País conhece – todos nós
temos nossas vidas públicas, cada deputada e deputado, que a comunidade,
a cidade e o Estado conhecem – , eu, do dia para a noite, fui transformado
em chefe do mensalão, em bandido, o maior corrupto do País.
Evidentemente, eu tinha como dever, para honrar o mandato que o
povo de São Paulo me deu, para honrar cada deputada e deputado, para
“Depois de 40 anos
de vida pública, fui
transformado, da
noite para o dia, em
chefe do mensalão,
em bandido, o maior
corrupto do País.”
honrar esta Casa, lutar até provar a minha inocência. Digo e repito, não
como bravata, mas como compromisso de vida: seja qual for a decisão que
esta Casa tomar hoje, vou continuar lutando até provar minha inocência.
Por que eu me insurgi contra o processo a que fui submetido, de
linchamento público, de prejulgamento? Porque isso viola os mais elementares direitos de todos os brasileiros e brasileiras. Todos nós aqui juramos
defender a Constituição do País.
Quando bati às portas da Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania, quando apelei para o Plenário desta Casa soberana do povo,
quando fui à Corte máxima do País, o Supremo Tribunal Federal, não o fiz
apenas para defender meus direitos – quero repetir –, eu o fiz na obrigação
que todos nós temos, deputados e deputadas, de defender os direitos individuais inscritos na Constituição.
Na condição de cidadão, tenho o direito da presunção da inocência
e não da culpa, como aconteceu no meu caso. Assim como todos que estão
aqui, sabemos que o ônus da prova cabe ao acusador e não ao acusado. Temos de defender o processo legal e o direito de defesa. Isso não estava
acontecendo.
40
Laycer Tomáz/Acervo Câmara dos deputados
Isso é verdade – todo o Brasil sabe disso –, tanto que a Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania e o Supremo Tribunal Federal
adotaram decisões que restabeleceram o devido processo legal, o direito
de defesa e também os prazos processuais. Impuseram suas decisões não
só ao Conselho de Ética, mas à própria Mesa da Câmara dos Deputados, a
mim e aos outros deputados que respondem a processos neste momento.
Nunca me neguei a ser investigado. Não é verdade que fui aos tribunais ou à Comissão de Constituição e Justiça para ganhar mais tempo,
quero repelir isso. Não temo o julgamento dos meus pares, como não temi
o Conselho de Ética e as CPIs Mistas. Não temi o depoimento na Polícia
Federal. Não temo porque acredito que é dever meu, uma obrigação de
cidadão e mais ainda de homem público ser investigado. Eu quero ser investigado. Eu quero que, antes que termine o ano, a Polícia Federal, o Ministério Público, as CPIs apresentem para a Justiça brasileira os relatórios,
os pedidos de indiciamento ou não, para que ela se pronuncie.
Não pedi impunidade. Discuti no Supremo Tribunal Federal o
José Dirceu faz sua defesa
no Plenário da Câmara dos
Deputados. 30/11/2005
foro em que eu deveria ser julgado. E o fiz baseado na jurisprudência. Não agi de forma leviana ou chicana, como muitos afirmaram de forma
­indevida.
O Supremo Tribunal Federal, na década de 1980, quando vários deputados bateram às suas portas para exigir imunidade parlamentar, porque
estavam sendo acusados de crime contra a honra, disse-lhes: “Os senhores,
deputados, têm foro privilegiado, mas não imunidade parlamentar”.
Foi baseado nessa jurisprudência que solicitei não que não fosse investigado, não que não fosse processado e julgado, mas que o Supremo
Tribunal Federal, levando em conta o Ministério Público Federal, relatórios
41
de CPI, inquérito da Polícia Judiciária ou da Polícia Federal, me processasse, se considerasse necessário, e me julgasse.
Quero restabelecer essa verdade, para que não fique registrado na
minha biografia nem nos Anais desta Casa que um deputado procurou escusar-se da impunidade ao discutir foro privilegiado.
Repito o que disse durante esses 6 meses ao Brasil: não há provas
contra mim; eu não quebrei o decoro parlamentar.
Os deputados e as deputadas desta Casa, pelo menos grande parte, conviveram comigo durante 11 anos no exercício dos mandatos parlamentares. O Brasil me conhece como deputado estadual, como deputado
federal, como servidor da Assembléia Legislativa de São Paulo, como candidato a governador. Fui empresário no Paraná, fui líder estudantil, vivi
na clandestinidade nos anos da ditadura. Nunca fui processado na minha
vida. Não que isso seja uma desonra, porque muitos foram processados, e
inocentados. Mas, repito, nunca fui processado. Nunca respondi a processo,
nem na qualidade de deputado, estadual ou federal, nem na de ministro de
Estado. Fiquei 30 meses na Casa Civil. Não tenho ação por improbidade
administrativa, não tenho ação por tráfico de influência, não tenho ação por
crime de responsabilidade. Minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal
de Contas da União. Nunca recebi sequer uma advertência da Comissão de
Ética Pública ou da Controladoria-Geral da União.
Todos que estão aqui sabem que fui ministro do presidente Lula
com dupla atribuição. Pergunto para cada líder que está aqui, da oposição e da base do Governo, para cada deputado e deputada, para todos os
empresários do País, para todos aqueles que fizeram ou receberam de
mim 25 mil telefonemas, para todos aqueles que estiveram comigo em
42
milhares de audiências, se alguém recebeu de minha parte alguma proposta indecorosa, alguma proposta ilícita, alguma proposta que ferisse
o interesse público.
O que fiz na minha vida pública até hoje que tenha ferido o interesse
público? De que sou acusado? Sou acusado de ser chefe do mensalão. A
Câmara sabe que não sou o chefe do mensalão. Cada deputado e deputada
que está aqui sabe que isso não é verdade, jamais propus para qualquer
deputado ou deputada compra de voto.
Esta Casa está me julgando, mas também está colocando-se em julgamento. O relator no Conselho de Ética, deputado Jairo Carneiro, deixou
claro em seu parecer que não estava comprovada a existência do mensalão. Tivemos a CPI do Mensalão, a da Compra de Votos, que não comprovou a
existência do mensalão.
Não tive participação alguma, jamais, em qualquer negociação es­
“Não tive participação
alguma, jamais, em
qualquer negociação
escusa para que fosse
votado qualquer
projeto do governo.”
cusa para que fosse votado qualquer projeto do governo. Não é verdade
que esta Casa votou as reformas do ano de 2003 a partir de compra de
votos ou de negociatas com o governo, até porque eram suprapartidárias. O
presidente as encaminhou para o Congresso com o apoio dos governadores
e dos prefeitos. Elas cortaram os partidos por dentro. Havia mais oposição,
muitas vezes, na bancada do meu partido, o PT, na bancada dos partidos de
esquerda do que na bancada da oposição. Não é verdade que houve compra
de votos.
O País sabe que houve repasse de recursos de dívidas para campanha
eleitoral. E o PT, meu partido, já está respondendo por isso na Justiça Eleitoral e na Comum, já tomou medidas disciplinares, já assumiu seus erros,
já pediu desculpas ao País.
43
Sabemos também que, quanto à origem dos recursos, até agora,
a não ser que a CPMI dos Correios comprove e depois a Justiça prove,
julgue e condene, não há prova alguma de que houve recurso público,
não há prova alguma de que houve recurso de fundos de pensão, não
há prova alguma de que houve recursos de origem ilícita. São recursos
de empréstimos tomados pelas empresas conhecidas de publicidade nos
bancos BMG e Rural, repassados para o PT e desse para os partidos
aliados.
“Não sou cidadão de
negar o que pratiquei.
Não participei das
decisões da direção
nacional do PT, da
Executiva, pois dela
não participava.”
Não participei, em momento algum, de qualquer decisão do meu
partido. O Brasil, os senhores e as senhoras me conhecem: se eu tivesse
participado de alguma decisão que hoje está sob análise e julgamento, teria
assumido no primeiro dia, porque sempre agi desse modo. Mesmo quando
minha vida corria risco, disse àqueles que me prenderam, àqueles que me
processaram que eu não havia praticado os atos de que me acusavam. Respondi a processos, fiquei condenado à morte neste País, voltei como clandestino porque tinha assumido uma luta contra a ditadura, tinha assumido
uma luta pela resistência armada.
Não sou cidadão – não vou dizer homem porque seria machismo – de
negar o que pratiquei. Não participei das decisões da direção nacional do
PT, da Executiva, não era membro. As sedes do PT nacional em Brasília e
em São Paulo têm paredes, telefones, assessores, funcionários, seguranças,
motoristas. V.Exas. me conhecem e sabem que, se tivesse participado de
tais atos, teria decidido, teria deliberado, todos saberiam da minha participação. Não vou assumir o que não fiz! Não vou! Não fiz e não assumo!
Quem fez está respondendo na Justiça Eleitoral e na Comum; se não é
Parlamentar, não está respondendo nesta Casa.
44
Não tive participação direta ou indireta em repasse de recursos
para campanha eleitoral. Todos os senhores e as senhoras sabem. Quais as
­acusações que me são feitas, então, que eu deveria saber? Essa acusação
não pode ser aceita por nenhum juiz, por nenhum tribunal. Lembro que não
existe mais cassação política neste País, nesta democracia, sob a égide da
Constituição, a qual juramos.
Não aceito e vou lutar até o fim da minha vida se for cassado por
razões políticas! Não posso ser cassado porque fui presidente do PT. Não
posso ser cassado porque coordenei a campanha do Presidente Lula. .
Não posso ser cassado porque fui ministro da Casa Civil. Não posso ser
cassado pela minha história, nem acredito que a Casa o faça. A Casa o fará
se encontrar prova material contra mim, não pedaços contraditórios de depoimentos, como mostrarei. Não há nexo, materialidade, prova material.
Não sou réu confesso. Jamais assumi minha culpa sobre o que não
fiz. Cometi muitos erros políticos, estou pagando por eles e os já reconheci
de público. Mas não será aqui e agora, desta tribuna, com o tempo que tenho, que os devo apresentar. Eu os exporei no congresso do meu partido e,
se for necessário, nesta Casa. Mas são erros políticos, jamais algo que seja
ilícito, que me envergonhe ou esta Casa. Repito: tenho as mãos limpas.
Vamos às acusações.
Ligações com Marcos Valério.
O Brasil sabe que o sr. Marcos Valério declara que é meu inimigo:
“Eu não sou amigo do sr. ministro José Dirceu.” “V.Exa. dele então considera-se inimigo?” “Diria que sim, hoje.”
Todos sabem que não há um telefonema meu para Marcos Valério,
que não participei de reunião sozinho com ele. Ele foi à Casa Civil acompa45
nhando o Banco Espírito Santo, acompanhando o Banco Rural e acompanhando a Usiminas, prestando um serviço para essas instituições. Eu nunca
tratei com ele nada que não fosse público. Aliás, tratei nada, porque tratei
com a Usiminas, o Banco Rural e o Banco Espírito Santo. Tinha, sim, na Casa Civil, a sala de infra-estrutura e a sala de investimento, recebi centenas de empresários – Febraban, CNI, Fiesp, quase todas
as empresas do setor petroquímico, de petróleo, de siderurgia deste País –,
porque o presidente me delegou essa função. Tenho recebido apoio de todos
“Tinha, na Casa
Civil, a sala de
infra-estrutura e
a de investimento.
Recebi centenas de
empresários porque
o presidente me
delegou essa função.”
eles neste momento de minha vida, porque jamais tratei de algo que não
pudesse tratar publicamente.
Sou acusado de favorecer o BMG e favorecer relações com os fundos de pensão. Não há nada. Na CPMI dos Correios não há sequer uma
citação do meu nome, a não ser nos depoimentos de Roberto Jefferson. Os
membros da referida Comissão sabem que estou dizendo a verdade. Não
há nada que me ligue aos fundos de pensão, nada que me ligue ao BMG ou
ao Banco Rural, nem ao Banco Mercantil de Pernambuco, muito menos à
questão do crédito consignado. Não é verdade que o BMG foi beneficiado
pelo crédito consignado.
Sou obrigado a descer em detalhes. A Caixa Econômica Federal
iniciou a operação; um ano depois, foi o BMG, que tem tradição, nicho
de mercado, know-how e trabalha com agentes, com crédito consignado,
já tinha experiência em Minas Gerais e conquistou posição no País. E a
primeira medida provisória do governo, que foi aprovada por unanimidade
nesta Casa, dava reserva de mercado para os bancos onde os aposentados
recebiam seus salários e prejudicava o BMG e os bancos comerciais. Depois esta Casa e o Senado mudaram essa legislação e quebraram a reserva
46
de mercado. Não há nada que prove que fiz qualquer tráfico de influência,
que tive qualquer relação escusa com o BMG e o Banco Rural.
Fico constrangido de ter que explicar a relação comercial da minha
ex-esposa, Ângela Saragoça, mãe de minha filha, porque não participei
disso. Todos os depoimentos de todos aqueles que participaram dizem expressamente que não tomei parte nisso. Ela diz em sua carta – e o relatório
ocultou isso – que me procurou. E eu disse a ela: “Não posso, não devo, não
a ajudo e não tenho condições, pelas condições de todos nós, de aumentar a
pensão; você tem que procurar resolver esse problema pessoalmente”. Ela
buscou seu círculo de amigos – estou separado dela há 15 anos.
Não posso aceitar isso! É uma ignomínia! É uma ignomínia contra
uma mulher que trabalha no BMG, que paga corretamente o empréstimo
no Banco Rural e que não fez nada com má-fé ou dolo. Não posso aceitar,
repilo isso. Aceito as acusações políticas, aceito discutir se tenho culpa ou
não, mas não aceito isso que foi feito, como não aceitarei jamais o que foi
feito com meu filho, e o País assistiu a isso.
Meu filho era secretário da Indústria, Comércio e Turismo de Cruzeiro do Oeste, era secretário adjunto, no escritório de Umuarama, da Secretaria de Emprego e Renda do governo do Paraná. Tinha o direito e o dever
de vir a Brasília, a todos os Ministérios e à Casa Civil, para buscar recursos
para suas cidades, para o seu Estado, e o fez legitimamente, sem traficar
influência, sem ilegalidade. Mas fizeram uma devassa na vida dele! Publicaram antes o processo administrativo, anunciaram que fariam a denúncia,
que depois fizeram. E me envolveram sem ter a minha citação no processo
administrativo, sem ninguém me envolver, para agravar a minha situação
no Conselho de Ética.
47
Não é verdade que participei de negociações financeiras com o sr. Duda Mendonça, nem com o sr. Valdemar Costa Neto. É só olhar o depoimento dos dois nas CPMIs, é só quebrar o sigilo bancário e telefônico. Repetiram à exaustão que eu telefonava para o tesoureiro, para o Genoíno
a partir de telefonemas do tesoureiro do PTB; quando quebraram o sigilo
telefônico, não acharam nada. Não posso aceitar denúncias vazias, tenho
que repeli-las.
O saque do sr. Roberto Marques no Banco Rural é mais caricato: não
tem o número do RG dele, não tem a assinatura dele, não tem o número do
CPF dele, o documento não é reconhecido como autêntico pela CPMI. Outro cidadão retirou no mesmo dia o mesmo cheque, com o mesmo número,
no mesmo valor, mas uma revista disse que o cidadão repassou recursos
para ele. É a lei da suspeição do terror francês! Não há mais legalidade
alguma! Sou culpado por quê, se o sr. Roberto Marques mantém relações
públicas comigo, mas não é meu assessor nem meu funcionário, mas da
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo? Não há prova de que eu
tenha qualquer relação com esse caso.
Estou disposto, sr. presidente, sras. e srs. Deputados – e peço desculpas pela veemência –, a continuar respondendo a cada acusação, a cada
denúncia que surgir contra mim em qualquer instância deste País. Porém
onde quero lavar a minha honra, onde quero ser inocentado é nesta Casa.
Como cada um de V.Exas., recebi um mandato e o honrei. Não desonrei o mandato que o povo de São Paulo me concedeu. Todos os que me
conhecem sabem que isso é verdade.
Repito: servi ao governo do presidente Lula durante 30 meses com
honra, orgulho e paixão. A pior coisa da minha vida foi sair do governo do
48
presidente Lula. Saí porque entendi que não ajudaria o governo nem o
Brasil ficando depois de todas as denúncias que foram feitas.
Eu tinha de fazer o que fiz nesses cinco meses, e todos aqui sabem
o que eu passei durante esse período. Não foi fácil chegar aqui hoje em
condições de me defender. Foi graças ao apoio de centenas de milhares de
brasileiras e brasileiros anônimos, das pessoas do meu gabinete de deputado, do meu advogado – peço desculpas por ter usado o tempo dele –, de
centenas de deputadas e deputados, de governadores e prefeitos, de amigos
e amigas, no governo e fora dele, do meu partido, enfim, da minha bancada,
que fiquei de pé e cheguei até aqui.
Sou um sobrevivente. Não tenho valor pessoal próprio, qualidades
especiais próprias. Aprendi tudo o que sei em diferentes fases da vida política, social e cultural do nosso País.
Por razões da vida, não fui assassinado, não caí em combate, não
virei um desaparecido. Por razões da vida, quando cheguei a São Paulo,
aos 14 anos, consegui emprego como office-boy e consegui estudar. Não
“Sou um sobrevivente.
Não tenho qualidades
especiais. Aprendi
tudo que sei em
diferentes fases da
vida política, social
e cultural de nosso
País.”
virei mais um brasileiro no crime, na delinqüência. Cheguei até aqui graças
ao nosso povo, porque o Brasil só vem melhorando, só vem avançando. A
consolidação da democracia talvez seja a maior dádiva que temos.
O que precisamos fazer é evitar o que aconteceu. Denúncias de corrupção na administração pública as CPIs têm de investigar. Têm de punir os
culpados e tomar medidas para impedir que ela volte a ocorrer. Não aceito
que haja corrupção no governo, do governo ou promovida pelo governo.
O meu partido cometeu erros, mas, se colocarmos na balança tudo
que o PT fez – como muitos partidos, todos fizeram aqui, cada um a sua
maneira – pela vida política, social e econômica, pelos avanços sociais,
49
econômicos e políticos do Brasil, veremos que o PT tem mais crédito que
débito, e o povo saberá julgar isso nas próximas eleições. Para resolver esse problema sério neste País, temos que fazer uma
reforma político-administrativa. Eu me penitencio por não ter trabalhado
mais para realizá-la no primeiro ano do governo do presidente Lula, como
já disse várias vezes. Talvez o grande desafio do Brasil – desafio que o povo
vai decidir em 2006, porque vai confrontar os quatro anos de governo do
presidente Lula com os governos anteriores, particularmente com o ante-
“Se queremos
enfrentar o problema
do financiamento
ilegal de campanhas,
do caixa 2, temos de
realizar a reforma
política.”
rior – seja fazer essa reforma política e administrativa.
Não temo as investigações, como sei que o presidente não as teme,
nem do Ministério Público, nem da Polícia Federal, nem das CPIs. No final,
ficará provado que o presidente, os ministros, enfim, o governo não têm
participação direta, seja por omissão, seja por autorização, nos fatos que
estão sendo analisados.
Repito: se há corrupção, ela precisa ser apurada e comprovada; e os
responsáveis, punidos.
Da mesma forma, se queremos enfrentar o problema do financiamento ilegal de campanhas, do caixa 2, temos de realizar a reforma política. Não basta esta Casa ou o Senado fazer uma parte da reforma política. O País espera e demanda do Congresso Nacional uma profunda reforma
política; o País sabe que não terá eficiência de gestão, eficiência de recursos humanos, não terá um Estado eficiente nem planejado se não fizer uma
reforma administrativa.
Essa é uma pauta que devemos assumir, que me proponho,
como cidadão e ou como Parlamentar, apoiar e ajudar o Congresso a ­ .
­realizá-la.
50
Sr. presidente, sras. e srs. deputados, cheguei a um ponto em que a
minha situação se transformou em agonia, em degola, em inferno, em fuzilamento político. Degola política existia na República Velha. Não podemos
permitir – peço vênia para me expressar assim – que esta Casa se transforme num tribunal de degolas políticas.
Se houver uma prova contra mim no relatório, como disse o relator
no caso, Sandro Mabel, que seja robusta e cabal para me levar à condenação por quebra de decoro parlamentar; aí, sim, aceito que a Câmara dos
Deputados discuta e casse o meu mandato. Eu mesmo já disse de público,
e por isso fui criticado, que a cada dia mais acreditava na minha inocência. Quando disse isso, foi porque o ônus da prova tinha sido invertido, a produção da culpa tinha sido invertida.
Refleti muito, nesses últimos cinco meses, sobre os erros que tinha
cometido, sobre cada ação que realizei na Casa Civil, sobre as relações que
mantive com essas empresas, sobre as relações que mantive com os partidos e com a Câmara dos Deputados, e não encontrei nada, nada, que possa
levar à quebra de decoro parlamentar.
Não podemos transformar esta Casa num tribunal de exceção. Não
pode haver – nesse caso, não concordo mesmo com o Conselho de Ética e
com o relator – relaxamento processual. Não pode haver rito sumário em
casos não previstos pela Constituição e pelos Códigos.
E o que aconteceu, por pressão da opinião publicada? Começou a
formar-se uma opinião pública neste País que exigia desta Casa a cassação, o mais rápido possível, de deputados acusados, independentemente do
devido processo legal. Essa é a verdade. Não a esconderei. Eu já critiquei,
já mostrei ao País, desde que enviei a carta às senhoras e aos senhores,
51
o papel que determinados setores da imprensa vêm desempenhando neste
País. Muitas vezes, a imprensa tem sido de oposição ou partidarizada, mas
ela precisa assumir que é de oposição ou partidarizada. Já que temos o
direito de dar entrevistas e responder a essa imprensa, ela que assuma sua
posição.
Não vejo nenhum problema de a imprensa assumir determinado partido, bandeiras ou campanhas, como aconteceu no caso do referendo sobre
o desarmamento, quando alguns órgãos de imprensa apoiaram o sim e outros o não. É melhor para o País que seja de maneira transparente, clara,
aberta. Quero ter o direito de dizer que muitas denúncias que surgiram e
passaram a ser investigadas eram vazias e foram promovidas por setores
da imprensa. Muitas conclusões foram tomadas pela imprensa antes ou
mesmo sem que investigações fossem feitas.
Não temo a imprensa livre, porque seria antidemocrático. Pelo contrário, sempre defendi e sustentei a liberdade de imprensa, inclusive com
risco de perder a vida, até que a conquistamos com a promulgação da
Constituição de 1988.
Sr. presidente, sras. e srs. Deputados, não posso ser cassado porque
era o todo-poderoso, porque não atendia telefonemas, não marcava audiências ou por causa de minha personalidade. Minha cassação significa
a cassação de meus direitos políticos por 10 anos, até 2016. Isso é uma
violência contra meu direito de cidadão e parlamentar eleito e contra as
eleitoras e os eleitores que me elegeram, a não ser que haja prova robusta
e cabal de que quebrei o decoro parlamentar. Também considero uma violência contra 40 anos de vida pública de alguém que dedicou sua vida ao
País. Lamento e me sinto constrangido em ter de afirmar isso às senhoras e
52
aos senhores. Sou obrigado a fazê-lo, porque é minha vida, minha biografia
e minha história que estão em jogo hoje.
Falo isso com serenidade, tranqüilidade. Todos aqui sabem que acatarei qualquer resultado e continuarei minha vida de cidadão e continuarei
na vida política do País. Não me dobrarei, não cairei, continuarei lutando,
de maneira simples e humilde, sem as condições de um parlamentar ou
dirigente político. Terei de refazer minha vida durante cinco ou 10 anos. Mas quero dizer a cada deputada e deputado: coloque-se no meu lugar. Como é possível cassarem meus direitos políticos sem provas, e até 2016,
quando estarei com 70 anos de idade? É bem verdade que, com a medicina
atual, devo ter ainda 30 anos de vida, pois estou com 59, mas é bem verdade também que se trata de uma ignomínia, uma violência política sem
precedentes.
Todos os deputados e deputadas sabem que sou um defensor do governo do presidente Lula. Considero este governo o que mais fez avanços no
“Todos aqui sabem
que acatarei qualquer
resultado. Não me
dobrarei, não cairei,
continuarei lutando,
de maneira simples e
humilde.”
Brasil nos últimos 20 anos. Cometeu erros, tem insuficiências, não cumpriu
muitas de suas tarefas, mas promoveu avanços importantes para o País,
que estão sendo debatidos neste momento e serão julgados pelas urnas no
próximo dia 1º de outubro.
Sempre respeitei a alternância de poder. Neste momento, quero restabelecer a verdade: não é fato que, em 1999, eu tenha apoiado o Fora,
FHC. Isso precisa ser restabelecido no País, apesar da oposição sempre
intransigente, da disputa política que fiz com a coalizão que sustentou
o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e da oposição que
fiz ao governo durante oito anos. Só aceitei ser candidato a presidente
do PT quando a tese do Fora, FHC foi derrotada por mais de 60% dos
53
delegados. Digo isso para restabelecer uma verdade, porque sempre fui
democrata.
Todas as minhas eleições aconteceram por via direta, desde a época
do Centro Acadêmico XXII de Agosto, quando, enfrentando a Força Pública de São Paulo, com gás lacrimogêneo e cassetete, fizemos uma eleição na
PUC de São Paulo, na Rua Monte Alegre, e fui eleito. Fui eleito presidente
da União Estadual dos Estudantes, sob as balas e as patas dos cavalos da
ditadura. Fui eleito deputado estadual. Fui candidato a governador. Fui
“Todas as minhas
eleições aconteceram
por via direta, desde
a época do Centro
Acadêmico XXII de
Agosto, da PUC de
São Paulo.”
três vezes eleito deputado federal, três vezes presidente do PT, trabalhei
com a maioria do partido para estabelecer a eleição direta no PT e fui
eleito diretamente.
Não é verdade que sou stalinista. O PT é um partido profundamente democrático. Nunca decisão do PT foi tomada por meio de rolo compressor. Todas as decisões que propus ao partido levaram seis meses, oito
meses, um ano para se transformarem em realidade, e foram aprovadas
por maioria, muitas vezes de 2% ou 3%. Fui eleito presidente do PT com
diferença de 18 votos. A tese que sustentou a mudança do PT, que levou o
presidente Lula ao governo, foi vitoriosa com diferença de dois votos.
O PT, que não tem maioria no País, elegeu o presidente, 91 deputados nesta Casa e 14 senadores. O PT compôs, sim, uma base ampla,
primeiro com o PL, que deu o vice; depois, com o PSB e com o PCdoB,
nossos aliados históricos; em seguida, com o PP, o PTB e o PMDB. Não é
verdade que essa base de apoio foi composta considerando-se favores que
não sejam legítimos. Não é verdade que houve compra de votos. Não é verdade que houve barganhas que envergonhassem esta Casa. Não é verdade
que esta Casa votou em decorrência de compra de votos.
54
É isso que estamos votando hoje. Eu disse isso a todas as deputadas
e a todos os deputados que votaram o relatório das CPIs. Quando saiu
o relatório das CPIs, fiz meu contraditório. No outro dia, meu advogado
entregou minha defesa lá. Quando saiu o relatório do Conselho de Ética,
também o fiz, assim como na Corregedoria. No Conselho de Ética, nunca
deixei uma acusação sem resposta, inclusive contra o governo. Não tinha
autorização nem delegação para defender o governo, não era mais ministro, mas sou filiado ao PT e deputado da base do governo. Por isso defendi
o governo contra as acusações de mensalão; de que os recursos vieram de
fontes que não os empréstimos com os bancos; de superfaturamento; de que .
recursos de empresas privadas foram destinados de maneira ilegal; de contratos fictícios ou as relacionadas a fundos de pensão. Se eu aceitasse
isso, aceitaria que o governo do presidente Lula montou um sistema de
corrupção no País, por meio de autorização ou de delegação do presidente. Isso não é verdade! Essa verdade tem de ser restabelecida no País. Para
isso existem as CPIs, o Congresso Nacional, o Ministério Público, a Polícia
Federal e a Justiça. Eu o defendi com a consciência tranqüila, porque participei do governo, vivo o governo e sei que não é verdade.
Sei que existe corrupção na Administração Pública Federal. Sei que
é preciso combatê-la e a combati. Entreguei ao Conselho de Ética – todos
os deputados e deputadas podem ter acesso – um relatório, de mais de
100 páginas, da Casa Civil, da Ciset. Toda denúncia que chegou à Casa
Civil, contra integrante de estatal, autarquia ou ministério, contra qualquer diretor, presidente ou ministro, fosse ou não denúncia, muitas vezes
era pedido de informação, encaminhei ao Ministério Público, encaminhei à
Controladoria-Geral da União, encaminhei ao Tribunal de Contas da União. 55
Portanto, tenho a consciência tranqüila de que não me omiti, de que não
prevariquei na Casa Civil.
Fui ministro da Casa Civil. Não era presidente do PT. Não era deputado. Portanto, não aceito ser responsabilizado pelas decisões do PT ou
como parlamentar. O Supremo tomou uma decisão, que acatei. Aliás, acatei
todas as decisões do Supremo. Jamais critiquei o Supremo Tribunal Federal. Jamais critiquei também a Comissão de Constituição e Justiça quando
perdi. Não aplaudi quando ganhei nem critiquei quando perdi, como alguns
fizeram no País, o que não é uma atitude democrática.
Sr. presidente, não vou fazer uso de todo o tempo que me foi concedido. Tenho interesse de que a Câmara conclua a votação. Quero acordar
amanhã como um cidadão que prestou contas à Câmara dos Deputados
como deputado, olhou para cada parlamentar.
Durante essas semanas todas eu me dispus a conversar com cada
deputada e deputado, ouvir o que cada deputado e deputada tinha a me
questionar. Enviei para cada deputado e deputada uma carta e depois as
minhas defesas. Fizemos esse resumo. Todos os deputados e deputadas
sabem o sacrifício que isso significou porque sabem qual é a estrutura
do gabinete, sabem o salário e a verba indenizatória que têm, sabem as
condições em que exercem o mandato. Não fosse a ajuda de milhares de
brasileiros e brasileiras, centenas de milhares – ouso dizer – de brasileiros
e brasileiras, eu não teria podido travar essa luta.
Não quero misericórdia. Não quero clemência. Tenho repetido para
cada um e cada uma de vocês: quero justiça. Que cada deputado vote com
a sua consciência. Nunca agravei nenhum deputado ou deputada. Nunca
agravei nenhum membro do Conselho de Ética. Nunca fiz ataque pessoal. 56
Nunca fiz crítica que não fosse jurídica e política. Sei da situação e da
posição que vivo neste momento, desde o dia em que voltei para esta Casa. Sei muito bem da responsabilidade política que eu tenho nesses últimos
10 anos no Brasil. Mas sei também que essa responsabilidade não envolve
– quero repetir – nada, nada que signifique quebra de decoro. Para finalizar, sr. presidente, sras. deputadas, srs. deputados, quero
render homenagem a todos aqueles que lutaram em nosso País pela democracia para que esta Casa hoje pudesse estar julgando.
Tenho compromisso com a luta contra a corrupção. Digo isso olhando nos olhos de cada deputada e deputado. Não há nada na minha vida
que comprove o contrário. Em todos os cargos que ocupei, em todas as
funções que desempenhei, combati a corrupção. E foi assim também no
governo do presidente Lula. Não fui omisso, não prevariquei e muito menos
participei.
“Tenho compromisso
com a luta contra a
corrupção. Não há
nada na minha vida
que comprove o
contrário.”
Quero lembrar que esta Casa está julgando-me, mas também está, na
verdade, fazendo um autojulgamento.
Muito obrigado pela atenção. Vamos enfrentar a votação.
Muito obrigado.
57
Acervo pessoal
Assembléia estudantil realizada na Praça de República, em São Paulo. Em destaque, Luís Travassos e José Dirceu. 1968
UMA HISTÓRIA DE MUITAS LUTAS
Do movimento estudantil ao Palácio do Planalto
José Dirceu de Oliveira e Silva nasceu na cidade de Passa Quatro,
Minas Gerais, em 16 de março de 1946. Formou-se em Direito, em 1983,
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Mudou-se para São Paulo, em 1961, para estudar e trabalhar. Em
1965, iniciou o curso de Direito na PUC-SP e se tornou líder do movimento estudantil, chegando à presidência da União Estadual dos Estudantes,
da qual é presidente de honra. Foi preso pela ditadura militar, em 1968, ao
participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna
(SP), organizado na clandestinidade. Um dos 15 presos libertados por exigência dos seqüestradores do
embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, foi banido do País. 59
autoria desconhecida
Agência Estado
À esquerda: José Dirceu segura
camiseta de José Carlos
Guimarães, secundarista morto
pelo CCC e DEOPS paulista, no
conflito entre estudantes do
Mackenzie e da Filosofia da USP,
na rua Maria Antônia. 3/10/1968
acervo pessoal
À direita: 13 dos 15 presos
políticos libertados em troca do
embaixador americano no Brasil,
Charles Burke Elbrick. Entre
eles José Dirceu, preso em 1968
no Congresso da UNE de Ibiúna.
1969
Durante o exílio, trabalhou e estudou em Cuba, tendo voltado clandestinamente ao País por duas vezes. Na primeira, permaneceu no Brasil entre
1971 e 1972. Voltou, em 1974, quando residiu em Cruzeiro do Oeste, no
Paraná, por cinco anos. Com a anistia, voltou à legalidade, em dezembro
de 1979.
Participou ativamente da fundação do Partido dos Trabalhadores,
em 1980, e do movimento pela anistia para os processados e condenados
por atuação política. Também fez parte da coordenação da campanha pelas eleições diretas para presidente da República, em 1984.
De 1981 a 1983, foi secretário de Formação Política do PT; de
1983 a 1987, secretário-geral do Diretório Regional do PT de São Paulo;
e de 1987 a 1993 foi secretário-geral do Diretório Nacional. Entre 1981
e 1986 foi assistente jurídico, auxiliar parlamentar e assessor técnico na
Assembléia Legislativa de São Paulo. José Dirceu, com seu filho Zeca,
em Cruzeiro do Oeste. 1978
60
Em 1986 foi eleito deputado estadual em São Paulo. Em 1990
elegeu-se deputado federal e em 1994 candidatou-se ao governo de São
acervo pessoal
JOAO PIRES/AE
Isidoro Alves de Souza
Campanha de 1994
glória flugel
Campanha de 1994
manu dias
acervo pessoal
Deputado estadual
constituinte, legislatura 1987-1990
cesar ogata
Bancada petista na Assembléia
Legislativa de São Paulo. 1988
Campanha para deputado estadual. 1986
Campanha presidencial de 2002
Paulo, recebendo dois milhões de votos. Voltou a se eleger deputado federal em 1998 e 2002, quando foi o segundo mais votado do País, com
Homenagem a Celso Daniel,
organizada pelo PT de
Santo André. 2002
556.563 votos. Na Câmara dos Deputados, assinou, com Eduardo Suplicy,
requerimento propondo a “CPI do PC” (Paulo César Farias), que levou ao
­impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Também participou
61
Entrevista coletiva sobre o
assassinato de Dorothy Stang.
15/2/2005
RobertoBarrosoABr
Agência Brasil
fábio naspetti
Da esquerda para a direita:
Cerimônia de posse de Lula
como presidente, nomeação de
José Dirceu ministro-chefe da
Casa Civil. Posse de José Dirceu
como ministro-chefe da
Casa Civil. 2/1/2003
da elaboração dos projetos de reforma do Judiciário, da Segurança Pública
e do sistema político. Em 1995 assumiu a presidência do PT, sendo reeleito por três vezes. Na última, em 2001, foi escolhido diretamente pelos filiados da legenda em
um processo inédito no Brasil de eleições diretas para todas direções de
um partido político. Ocupou a função até 2002, quando se licenciou para
participar do governo do presidente Lula. Integrante da coordenação das
campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em
1989, 1994 e 1998, foi o coordenador-geral em 2002. Com a vitória de
Lula, assumiu a função de coordenador político da equipe de transição. Em janeiro de 2003, José Dirceu assumiu a cadeira de deputado
fe­de­ral, mas logo se licenciou para assumir a função de ministro-chefe
da Casa Civil da Presidência da República, permanecendo no cargo até
junho de 2005, quando retornou à Câmara dos Deputados. Seu mandato
foi cassado em dezembro do mesmo ano e teve a inelegibilidade decretada
por oito anos. 62
anexos
63
17 de junho de 2007
Correio Braziliense
As agruras e tormentas de Zé Dirceu
Maurício Corrêa, advogado
Voltemos às CPIs do mensalão. Todos se lembram dos estrépitos que provocaram. A acidentada caminhada que percorreram e os múltiplos capítulos em
que se subdividiram resultaram num saldo de paradoxos. Houve deputados que se anteciparam ao julgamento pela Câmara e escaparam ilesos. Como nada impedia
que novamente se candidatassem, foram reeleitos. Estão no pleno gozo dos mandatos. Outros foram absolvidos da cassação e se reelegeram, encontrando-se, igualmente, em plena atividade. Entre os que renunciaram e
os absolvidos nos processos disciplinares, oito estão no
exercício dos respectivos mandatos. Embora julgados livres de cassação parlamentar pela Câmara dos Deputados, alguns já respondem
a processo criminal (Ação Penal 420); outros estão
relacionados na denúncia de que cuida o Inquérito
2.245. Ambos os casos tramitam no Supremo Tribunal
Federal em razão do foro por prerrogativa de função
de que gozam deputados federais. No primeiro caso,
os envolvidos são réus, uma vez que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal foi recebida;
conseqüentemente, já há ação penal instaurada. Falta
apenas ser julgada. No segundo, o feito ainda será submetido ao plenário da corte para que acolha ou não a
denúncia. Ninguém desconhece que José Dirceu foi um dos
fundadores do PT. Graças a ele, a agremiação rasgou o
dogma do auto-isolamento, passando a celebrar alianças com seus congêneres. Com essa estratégia, colocou
o petismo nos trilhos da realidade política do Brasil. Zé
Dirceu foi a viga mestra que sustentou a primeira vitória de Lula à chefia do País. Ajudou-o tanto mais ainda
após, quando já eleito. Pode-se dizer que a inteligência
do sucesso dessas conquistas se deveu a seu trabalho,
desempenhado com mineirice e obstinação. No Gabinete Civil da Presidência da República acertou e errou. Criticado, recebeu safanões por todos os lados. Era José Dirceu quem segurava as rédeas do governo nos momentos de maior turbulência. Nas dezenas
de viagens de Lula pelo mundo, era ele quem assumia de
fato o comando político nacional. Submetido a acusações
no exercício do cargo que ocupava, voltou à Câmara dos
Deputados para se defender. Acabou cassado por práticas contrárias ao decoro parlamentar. Resta-lhe somente
65
agora o que vier a ser decidido pelo STF. A inveja foi seu
maior e mais pertinaz adversário. A não ser pelo farto noticiário que cobriu sua cassação, concretamente se desconhece qual seria ou quais
seriam, no fundo, o ilícito ou os ilícitos cometidos por ele. A fundamentação da perda de seu mandato foi política. Aliás, o juízo de cassação parlamentar tem sempre essa
estrita e mesma natureza. Assim, por conveniência, deliberou a maioria do quorum qualificado da CD. Outra
natureza possui o julgamento a ser feito pelo Judiciário,
que há de ser realizado com base no conjunto probatório
existente nos autos. Só a partir daí é que se chegará à
condenação ou à absolvição. Quando Zé Dirceu perdeu o mandato de deputado federal, o País vivia quadro de alta tensão política. O noticiário farto e permanente levou a opinião
pública a reclamar sua cabeça. Quando seus colegas
o julgaram, por certo refletiram a índole dessa indignação. Esse fato inegavelmente não ocorrerá quando
a denúncia a que responde no Supremo for julgada e,
se recebida, quando seu mérito for apreciado. Aí prevalecerá a prova de que decorrerá sua culpabilidade
ou não. Ele é acusado de ter usado o cargo para obter
maioria parlamentar. Com isso, visava-se à aprovação no
Congresso de projetos de interesse do governo. Essa, em
síntese, a essência do mensalão. Prova de que ele foi par-
66
tícipe da trama, até agora, rigorosamente, não apareceu. Di-lo-á o STF se existir. Certo é que os deputados e os demais arrolados nos processos ainda serão julgados. Os autos com
a denúncia contra Zé e outros nem sequer foram apreciados, embora estejam conclusos com o relator desde
31 de janeiro passado. Se recebida a denúncia, haverá
ação penal. Nesse caso, ele e os co-réus só serão julgados
após exaurida a ampla defesa a que têm direito. Defesa
aqui compreende a colheita de depoimentos de dezenas
de acusados e de centenas de testemunhas; expedição de
cartas precatórias e rogatórias; perícias a serem requisitadas e, por certo, outras eventuais provas. Isso quer dizer
que vai terminar a presente legislatura e os processos não
serão julgados. Todos os deputados processados tranqüilamente concluirão seus mandatos.
Se se acredita em lobisomem, deve-se acreditar
também que o presidente da República não sabia de nada
do mensalão. Ora, lobisomem não existe. É inacreditável,
partindo-se do princípio de que Zé armou tudo, que Lula
nada soubesse das tretas de seu homem de confiança. Ora, se assim é, é mais do que evidente: livraram o presidente e agora a burocracia judiciária, com o tempo, livrarão os deputados. Se acaso a denúncia de Zé não for recebida, ainda
que tardia, vá lá. Caso contrário, só ele será o maior perdedor. Será praticamente o único a pagar o pato. 16 de fevereiro de 2007
Folha de S.Paulo
O direito à anistia
José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua
“O que mais choca é a afirmação, feita por
um ex-ministro da Justiça, de que a comentada anistia
seria um ato de desprezo ao STF”
Em artigo publicado neste conceituado jornal
sob o título “Anistia jamais”, o advogado Miguel Reale
Júnior, ex-vice-presidente do PSDB paulista e principal
membro do comitê financeiro da campanha presidencial
de Geraldo Alckmin, se propõe “relembrar os fatos” que
levaram à cassação do ex-deputado federal José Dirceu. Contrariando seu propósito declarado, nenhum fato foi
rememorado no artigo, sendo citado apenas o relatório
final do processo de cassação, de autoria do deputado
Júlio Delgado. Peça que, além de não conter nenhuma prova de
participação do ex-deputado José Dirceu nos repasses
ilegais de recursos, ainda foi severamente extirpada pelo
Supremo Tribunal Federal, que reconheceu ali graves
violações ao princípio constitucional do devido processo
legal, garantia maior de todo e qualquer acusado. As intervenções do Supremo Tribunal Federal,
duramente combatidas pela mídia (chegou-se a insinuar,
ainda que sem lógica aparente, que a doença e ausência de um ministro seria uma manobra), serviram para
escancarar a fragilidade do voto do deputado Júlio Delgado. Tal relatório, que, pela sua importância, deveria ser
uma bem fundamentada sentença, restou resumido a um
discurso político vazio e inconsistente. Na tentativa de impingir certa legitimidade a um
relatório desprovido de provas, utilizou o eminente advogado, como argumento, a “expressiva votação” obtida no
plenário da Câmara dos Deputados, contabilizando 293
votos a favor e 192 contra a cassação do ex-ministrochefe da Casa Civil. Difícil entender a lógica desse argumento, a não
ser que se esqueça que os mesmos parlamentares que votaram para aprovar o relatório contra José Dirceu também absolveram a imensa maioria dos deputados que,
assumidamente, receberam recursos irregulares para financiamento de campanha. O que mais choca,porém,é a afirmação,feita por um
ex-ministro da Justiça, de que a comentada anistia significaria ato de desprezo ao SupremoTribunal Federal,no qual
se afirmou tramitar uma ação penal contra José Dirceu. .
67
É impossível que não se saiba, num processo com tanta
visibilidade, que o Supremo Tribunal Federal nem sequer
chegou a analisar a denúncia oferecida, podendo inclusive rejeitá-la e arquivar o inquérito. E mais, ainda que de fato houvesse um processo
criminal em andamento, é igualmente inadmissível que
um jurista, que também é um político, ignore o significado e a aplicação do elementar princípio da presunção
de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Nem sequer há processo instaurado, quanto
mais uma sentença, situação muito parecida com a do
senador Eduardo Azeredo, partidário de Reale Júnior,
que, pelo mesmo princípio, não pode ser rotulado como o
precursor do valerioduto. Em vez de relembrar fatos que
nunca existiram, o articulista, ex-suplente do ex-senador
José Serra, pretende reavivar o clima político que per-
68
meou o processo de cassação, antecipando radicalmente a sucessão presidencial de 2010. Não esconde que o
grande malefício da suposta anistia de José Dirceu não
é a sua conseqüência (a retomada de seus direitos políticos), mas, sim, a sua origem, a iniciativa popular, pois
um projeto de anistia amparado em mais de 1 milhão de
brasileiros poderia fazer do anistiado um provável concorrente à futura eleição presidencial. O projeto de anistia do ex-deputado José Dirceu
nem sequer existe, mas já desperta e certamente provocará posições políticas radicalmente contrárias, comuns e saudáveis em uma democracia. Mas, para o bem
do próprio Estado democrático de Direito, esse debate
deve respeitar a verdadeira história dos fatos que envolveram seu processo de cassação, os nossos princípios
constitucionais elementares e, principalmente, a soberania popular. 10 de fevereiro de 2007
O Estado de S. Paulo
Anistia a José Dirceu
Pedro Estevam Serrano
O ex-deputado federal José Dirceu tem direito a
retornar à atividade política. Não apenas por um direito
seu, mas por valores maiores, republicanos, que deveriam
nortear os procedimentos estatais no País.
Em seu julgamento pela Câmara dos Deputados
não foram apresentadas provas de sua culpa. A defesa
foi ouvida como mera formalidade, sem ser levada em
conta nos argumentos decisórios. Contraditoriamente, a
Câmara o condenou por suposta pratica ilícita e também
condenou quem o denunciou por ter apresentado acusações infundadas e sem base probatória.
Ou seja, o Legislativo pronunciou uma decisão
condenatória sem levar em conta o processo que a antecedeu. Agiu pelo furor midiático, pelo fígado não pela
razão. Como manto da inconstitucionalidade perpetrada
aludem tratar-se a cassação de mandato de um “julgamento político”, como se o juízo político do Legislativo, in
casu, se desse fora do âmbito das normas constitucionais,
como se não fosse por elas regrado. Ou seja, como se fosse
um poder imperial, unilateral, não regrado, com base na
livre vontade da autoridade e não na vontade da Constituição e da ordem jurídica. O que caracteriza um Estado
Republicano de Direito como o nosso é a inexistência de
autoridades imperiais. Não há conduta estatal, de qualquer dos Poderes, que não esteja submissa à Constituição.
A anistia não é o melhor instituto para o caso de
José Dirceu. Em verdade, não se trata de perdoá-lo por
algo que tenha cometido nem de esquecer um momento
convulsivo na história política do Brasil. Aos olhos da
Constituição, José Dirceu nada fez que justificasse sua
condenação, pois nada foi provado, logo não há o que
perdoar. Mas é o instituto que nós, cidadãos, temos à mão
para restabelecer no País os valores republicanos que foram ultrajados pela condenação injusta.
Não se trata de apoiar politicamente José Dirceu,
nem de ser simpático a ele, nem de aprovar seus métodos e práticas políticas. Trata-se de reparar um desmando autoritário e imperial cometido não só contra uma
pessoa, mas contra um mandato popular, uma parcela
dos eleitores que votaram nele e tinham direito a que
seu mandato terminasse, salvo a existência de provas do
ilícito. Uma agressão à cidadania como um todo.
Esses atos autoritários, que volta e meia podemos
ver sendo praticados pelos Poderes de Estado no Brasil,
69
são em verdade resíduos do Estado imperial e de polícia
que ainda sobrevivem em meio às práticas republicanas e
democráticas. Do abuso de autoridade do policial contra
o cidadão comum a uma decisão infundada da Câmara
Federal, todas condutas imperiais e anti-republicanas.
Note-se que o caso de José Dirceu não é o de mero
apego a formalidades jurídicas, mas sim a valores fundamentais da República, da democracia e dos direitos do
cidadão.
Se deixamos passar em branco o que foi feito contra José Dirceu, estaremos fortalecendo o germe imperial
70
e autoritário que vive no corpo republicano democrático
e este sucumbirá, levando consigo os direitos de cidadão
de todos nós.
Devemos ter compaixão de José Dirceu. Não compaixão no sentido de piedade ou pena. Esses são sentimentos desnecessários ao cidadão titular de direitos. Devemos ter compaixão no sentido etimológico da expressão,
devemos “sofrer junto” com José Dirceu. A cidadania foi
cassada quando o condenaram sem provas.Todos fomos
cassados. Como diz Gilberto Gil, “não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão”. 12 de abril de 2006
Blog do Josias
Para defensor de Dirceu, denúncia é “ficção”
O advogado José Luis Oliveira Lima, defensor
do ex-ministro José Dirceu, qualificado pelo Ministério
Público como “chefe da quadrilha” do mensalão, disse
ao blog que a denúncia contra seu cliente é “uma peça
de ficção, com contornos partidários”. Ele foi além: “É
inadmissível que o procurador-geral da República, autoridade máxima do Ministério Público Federal, patrocine
uma acusação tão grave com um feitio de panfleto”.
Para Oliveira Lima, “o que era pó virou prova contra José Dirceu. E o que era prova a favor do ex-ministro virou pó”. Em linha direta com Dirceu, pelo telefone,
o advogado fez serão na noite desta terça-feira em seu
escritório. Perscrutou a denúncia nos trechos que dizem
respeito ao ex-homem forte do governo Lula. Concluiu
a análise por volta da meia-noite. Julga ter detectado
várias incongruências. São as seguintes:
1. “A denúncia acusa o meu cliente de formação
de quadrilha. Sustenta que ele tinha uma relação estreita
com Marcos Valério. No entanto, foram quebrados os sigilos das contas telefônicas do ex-ministro e do Valério. E
não foi encontrada uma única ligação feita entre os dois. Além disso, a análise da agenda do Gabinete Civil mostra
que foram pouquíssimos os encontros entre ambos”;
2. “O Ministério Público fala do empréstimo e do
emprego concedido à senhora Ângela, ex-mulher de José
Dirceu. Mas não menciona em nenhum momento as notas formais emitidas pelos bancos BMG e Rural desvinculando o ex-ministro desses episódios”;
3. “A denúncia sustenta que José Dirceu tinha
profundo conhecimento dos empréstimos bancários concedidos ao PT por intermédio de Marcos Valério. E esquece de levar em conta os inúmeros depoimentos dados
por lideranças do PT afirmando justamente o contrário. Foram desconsiderados depoimentos de José Genoíno,
Delúbio Soares, Silvio Pereira...”;
4. “O procurador-geral dá todo crédito às
­acusações que foram feitas por Roberto Jefferson contra
o ex-ministro. Mas se esquece de que Jefferson foi cassado pela Câmara precisamente por ter mentido”;
5. “A denúncia relaciona o meu cliente inclusive
no repasse supostamente irregular feito pelo Banco do
Brasil, por meio da Visanet, à agência de publicidade de
Marcos Valério. Mas em nenhum momento a peça de
acusação individualiza a conduta ilegal que teria sido
71
praticada por José Dirceu. Fala de outras pessoas – Henrique Pizzolato, Luiz Gushiken –, mas não especifica a
irregularidade que teria sido praticada pelo ex-chefe da
Casa Civil”;
6. “Por último, José Dirceu é denunciado como
corruptor ativo na relação com os deputados aliados do
governo. Acontece que todos os deputados, sem exceção,
negam qualquer tipo de participação dele nessa situação”.
72
O advogado de Dirceu espera pela oportunidade
de se manifestar nos autos. O ministro Joaquim Barbosa,
do STF, terá de ouvir os acusados antes de dizer se aceita
ou não a denúncia. “Estou certo de que a denúncia contra José Dirceu será rejeitada”, disse Oliveira Lima ao
blog. “Confio no Supremo e na serenidade do ministro
Joaquim Barbosa.”
2 de dezembro de 2005
Jornal do Brasil
A nação constrangida
Mauro Santayana
José Dirceu não é mais deputado e só poderá retornar ao Parlamento em 2016. O ex-marxista Alberto
Goldman, os ex-petistas Babá e Luciana Genro e outros
bravos parlamentares podem exultar. Derrotaram o inimigo político – mas não ficou claro se puniram um culpado. Não foram apresentadas provas irrefutáveis ao Conselho de Ética, nem ao Plenário. As declarações de Kátia
Rabelo, presidente do Banco Rural, as mais veementes
contra o ex-chefe da Casa Civil, valem tanto quanto uma
moeda de barro. E foram elas, apesar de escoimadas do
processo por decisão do Supremo, as que mais pesaram
na decisão dos mal-informados. Seu banco está envolvido
em negócios tidos como escusos. É um dos apontados
nas investigações sobre a remessa ilegal de recursos ao
exterior e é comparsa de Marcos Valério, desde quando
esse senhor era sócio de Clésio Andrade e, nessa posição,
participou ativamente do financiamento da candidatura
de Eduardo Azeredo, em Minas, contra Itamar Franco. Não se sabe bem se foi Valério que cooptou o banco ou
se o banco inventou Valério. Kátia Rabelo, instruída por
seus advogados, tratou de descarregar o máximo de culpa sobre terceiros.
Vivemos o clima de um estado policial. Pessoas suspeitas tratam de denunciar outras, de forma a se
blindarem. Os que roubam 10 denunciam que outros
roubaram 100, a fim de obter o prêmio da delação. São
os que recebem previamente os seus 30 dinheiros. E
quando não há provas, há suspeições vazias. “É impossível que José Dirceu não soubesse. É impossível que o
presidente não soubesse”, foram frases que constaram
do relatório do Conselho de Ética e das acusações no
Plenário. Mas essa suposição, por mais que se ampare
na lógica subjetiva, não constitui prova. O ministro pode
até ter tido conhecimento dos métodos utilizados pelo
Delúbio Soares, a fim de garantir as alianças do PT
com parlamentares de moral duvidosa. Mas isso não
ficou claro. Em certo momento do discurso, José Dirceu disse
que não poderia ser cassado pelo fato de não haver respondido a telefonemas de parlamentares. Ele pode estar
certo que sim, que foi por isso mesmo, e pelo grande poder que exerceu no governo, que lhe cassaram o mandato. As circunstâncias especiais de seu destino podem explicar-lhe o comportamento. Ele sempre foi arredio, ainda
73
que tenha sido bom articulador político. Era-lhe difícil
confiar, tendo passado toda a juventude no árduo exercício da dissimulação. Todos nós, menos ou mais, somos
dissimulados, porque essa é uma forma de sobrevivência
em mundo de cruel competição pela vida e pelo êxito. A
dissimulação pode ser defesa legítima contra a violência
do poder. Mas quando dessa dissimulação pode depender
a vida – como no caso de Dirceu, durante a ditadura militar –, a alma sofre penosa condenação ao isolamento. Esse é um dos preços que a coragem da ação revolucionária cobra de seus militantes, chamem-se Zinoviev, Trotsky,
Slanský, Jean Moulin, Lamarca ou Ernesto Guevara. Esses pagaram com a vida. Outros, menos aquinhoados pelo
destino, pagam depois com a desforra dos inimigos, como,
de alguma forma, ocorre a José Dirceu. Muito bem: o Parlamento se livrou de José Dirceu. Mas a sociedade espera que se livre também de ou-
74
tros, estes sim, de notória má conduta – e não só dos que
tiveram as suas atividades examinadas pela Comissão de
Ética. José Dirceu poderia ter renunciado ao mandato
para retornar em 2007, como outros o fizeram e voltaram ao Parlamento, mas preferiu a altivez do confronto. E isso faz dele, queiram ou não, um homem bem maior
do que seus adversários. A consciência ética não admite a hipocrisia de
alguns próceres da oposição, para os quais o recurso ao
financiamento de caixa 2 e a compra de votos são expedientes legítimos só em seu próprio benefício. Sempre
houve espertos, caluniadores, achacadores, cínicos e velhacos em todos os parlamentos, mas não tantos como
agora. As CPIs os estão preservando, e esse é o pior
crime que podem cometer contra a democracia. Esperase que o povo, atento, mande-os todos para casa, daqui
a um ano.
2 de dezembro de 2005
Correio Braziliense
Passividade surpreendente
Alon Feuerwerker
Se houve algo surpreendente na agonia e cassação de José Dirceu, foi a pouca resistência oposta pelo
Partido dos Trabalhadores e pelo governo a um processo evidentemente conduzido para impor uma derrota
exemplar aos dois. Ao Palácio do Planalto resta sempre
o argumento confortável de que o “problema Dirceu”
não era assunto seu, mas da Câmara dos Deputados e do .
partido. O PT não tem essa desculpa. Ficará para sempre
a sensação de que entregou numa bandeja aos adversários a cabeça de seu principal comandante político. Foi visível nos últimos meses que as correntes petistas minoritárias aproveitaram a crise deflagrada pelas
acusações de Roberto Jefferson para promover um ajuste de contas com o Campo Majoritário. Mesmo dentro
do Campo, as denúncias foram utilizadas para implodir o
núcleo dirigente anterior e promover uma troca nos quadros de comando. Reis mortos, reis postos. Só que não
existe almoço gratuito. Assumir que o partido errou foi
útil na luta interna, mas cobrou seu preço quando se tornou necessário mudar o discurso e apresentar o PT e o
governo como vítimas de um golpe político da direita. José Dirceu foi cassado sem que os movimentos
sociais tenham dado as caras. É um fato que lança sérias
dúvidas sobre a real capacidade que teriam o governo e o
PT de mobilizar essas forças, se escolhessem o caminho
do confronto aberto com a oposição, como fez na Venezuela o presidente Hugo Chávez. Há duas conclusões possíveis: ou a relação das massas é com Luiz Inácio Lula da
Silva e não com o PT, ou há algum exagero na avaliação
que se faz sobre a organicidade das ligações entre o petismo e as massas. Lembra um pouco o “dispositivo militar” de que João Goulart supostamente dispunha para
resistir em 64. Mais fantasia que realidade.
Há ainda outra observação. O discurso de defesa
de José Dirceu na sessão em que foi cassado ficará na
história da Câmara dos Deputados como uma peça grandiosa em defesa do Estado de Direito, da democracia e
da justiça. Ousaria dizer que foi o melhor discurso de seus 40
anos de vida política. Ninguém faz um discurso daqueles sem estar convicto do que diz. O PT, porém, ainda deve à sociedade
brasileira a prova de que é tão radicalmente democrático
no poder quanto consegue ser na hora da dificuldade.
75
1º de dezembro de 2005
Nota de solidariedade da Central Única dos Trabalhadores – CUT
Submisso à campanha desencadeada por setores
da mídia e da direita mais reacionária contra o ex-chefe
da Casa Civil e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, deputado José Dirceu, o Congresso Nacional decidiu
ontem à noite pela cassação do seu mandato. A CUT repudia a transformação do Parlamento em tribunal de exceção e conclama sua militância e
toda a classe trabalhadora a denunciar esse atropelo à
democracia. A verdadeira opinião pública não é a dos
donos dos grandes meios de comunicação e do capital
especulativo. Sem o menor resquício de provas, atropelando as
mais elementares normas do direito, a campanha difamatória teve por base única e exclusivamente alegações,
ilações e mentiras, assacadas contra esse combatente de
primeira linha da classe trabalhadora, atacado e condenado pela sua história de luta e compromisso com o
Brasil e seu povo. Ao se submeter covardemente a chantagens e
pressões dos setores mais retrógrados da sociedade, a
maioria parlamentar que optou pelo servilismo à voz dos
donos dos grandes meios de comunicação relembrou a
76
adoção de outras práticas e posturas lastimáveis, como
a rejeição da emenda Dante de Oliveira, que retirou do
povo o direito à escolha do seu presidente. Temos a convicção de que essa odiosa perseguição a que o companheiro José Dirceu foi vítima é movida
contra um projeto político nutrido pela força e a esperança de milhões de homens e mulheres que derrotaram
o neoliberalismo e que continuam firmes na luta por um
Brasil justo, desenvolvido e soberano. O apequenamento e a humilhação dos parlamentares que se esconderam atrás do voto secreto para golpear
um mandato a serviço dos mais humildes e necessitados,
o deslumbramento diante do brilho fugaz dos refletores
se contrapõem à inteireza e à dignidade do povo brasileiro, tão bem representado pela garra e determinação
com que José Dirceu combateu os inimigos de sempre. A
altivez e firmeza com que enfrentou o revanchismo dos
que derrotou no campo de batalha social e eleitoral é a
prova maior da sua inocência. “Amigo é coisa pra se guardar, no lado esquerdo
do peito.”
João Felício, presidente nacional da CUT
30 de novembro de 2005
Folha de S.Paulo
José Dirceu não sabe nadar
Fernando Morais
Embora o conheça há quase 40 anos, não privo da
intimidade do deputado José Dirceu. Durante os 30 meses em que ele chefiou a Casa Civil da Presidência, estive
em seu gabinete uma única vez e não foi para pedir, mas
para lhe oferecer solidariedade após o caso Waldomiro
Diniz. Nossas famílias não se freqüentam e até uma semana atrás eu nem sequer sabia onde fica sua casa. Um
balanço de nossas relações políticas e partidárias desde
1979, quando ele foi anistiado, revelará mais divergências que afinidades. Por que, então, perguntam-me, meu comprometimento público com a defesa da inocência e do mandato
de Dirceu? Tenho ouvido sugestões que vão do disparate
ao insulto. Na semana passada, na cidade de Três Corações (MG), um professor universitário quis saber, a sério, se eu recebera ordens de Fidel Castro para apoiar o
deputado. Em um debate no Sindicato dos Jornalistas
do Rio, dias atrás, um colega perguntou, sem mover um
músculo do rosto, se eu confirmava “um boato que corre
nas redações do Rio”, segundo o qual eu estaria sendo
regiamente remunerado pelo próprio Dirceu para defendê-lo publicamente. Para responder a dúvidas tão desatinadas, tenho
recorrido a uma singela passagem da vida de Ernesto
Che Guevara. Logo após chegar ao poder em Cuba, entre
as centenas de cartas que recebia do mundo inteiro, ele
leu a de uma espanhola residente no Marrocos e, como
ele, de sobrenome Guevara. Ela queria saber se poderia
haver algum parentesco entre ambos. Che respondeu que,
na verdade, nem sabia de que parte da Espanha tinha
vindo sua família. “Não creio que sejamos parentes”, escreveu, “mas, se a senhora treme de indignação cada vez
que se comete uma injustiça no mundo, somos mais que
parentes, somos companheiros”. No fundo, é uma situação parecida. O deputado
e eu não temos parentesco de qualquer natureza, mas
somos companheiros. Eu o acompanho a distância desde
que, foca do Jornal da Tarde, em 1966, cobri irregularmente o Movimento Estudantil, de que então ele era expoente. O que se passou depois eu soube lendo os jornais:
levado para o Dops depois de desbaratado o congresso
da UNE, em 1968, no ano seguinte ele seria um dos 15
presos políticos trocados pelo embaixador dos Estados
Unidos. Exilado em Cuba, junta-se a outros 27 militantes
77
e rompe com a ALN (Ação Libertadora Nacional), formando o Molipo (Movimento de Libertação Popular). Na volta ao Brasil, o grupo é dizimado. Entre os
sobreviventes, com o rosto transfigurado por uma cirurgia plástica realizada em Havana, está o Daniel, nome
de guerra adotado em Cuba por Dirceu durante o treinamento militar que lá recebeu. Com aparência e documentos falsos, ele se converte no pacato comerciante Carlos Henrique Gouveia de
Mello, estabelecido em Cruzeiro D’Oeste (PR). Casa-se
com Clara Becker, e com ela tem um filho, José Carlos,
o Zeca Dirceu, atual prefeito da cidade. Nem para Clara
nem para o filho “Carlos Henrique” revelaria sua verdadeira identidade. Esse era um segredo compartilhado, no Brasil,
com apenas três ou quatro pessoas da cambaleante organização guerrilheira. A “fachada” de dono de confecção permitia que Dirceu circulasse com desenvoltura pelo
Brasil e mantivesse contato com seus companheiros sem
despertar maiores suspeitas da repressão. Só com a anistia, em 1979, é que ele finalmente
se sentiu seguro para contar a verdade à mulher e ao filho. Voltou a Cuba, desfez a plástica e retornou ao Brasil
para iniciar uma brilhante carreira política que o levaria
a se eleger deputado federal com mais de meio milhão de
votos e a ocupar, desde janeiro de 2003, a Casa Civil da
Presidência da República. É compreensível que setores de uma sociedade
conservadora como a nossa tenham dificuldade para
aceitar que alguém com semelhante história possa che-
78
gar aonde chegou, ainda que por meios legais e constitucionais, como o voto. O inadmissível é que, em nome da
divergência ideológica ou política, queiram esvurmá-lo
da vida pública, condenando-o a um degredo de 10 anos
dentro de seu próprio país. Quanto mais argumentam,
mais seus adversários deixam claro que não pretendem
cassá-lo por seus eventuais defeitos, mas por suas virtudes. Parecem querer puni-lo não pelo que tenha feito,
mas pelo que foi. A primeira tentativa de decapitação de José Dirceu aconteceu em fevereiro de 2004, quando do caso
Waldomiro. O que aconteceu ali? A mídia divulgou cenas
em que o então presidente da Loteria do Estado do Rio,
Waldomiro Diniz, aparecia pedindo propina a um bicheiro. Embora o delito tivesse ocorrido muito antes de Lula
se eleger presidente, o fato de Waldomiro ter depois ido
trabalhar na Casa Civil era o elo que faltava. Pouco importava também se era um fato passado em um governo
estadual de oposição ao PT: a presença de Waldomiro
na equipe de Dirceu era anunciada como a prova incontestável de que o funcionário agia a mando do chefe da
Casa Civil. Frustrada a degola no ano passado, as denúncias
do ex-deputado Roberto Jefferson (aliás, retiradas pelo
próprio) ensejaram o esquartejamento de que Dirceu vem
sendo vítima há seis meses. O nervo exposto, a medula da
acusação feita contra ele no relatório do deputado Júlio
Delgado (PSB-MG) está no final do documento, disponível a qualquer internauta no endereço www2.camara.
gov.br/conheca/eticaedecoro/notaqui.html.
Delgado consome 70 intermináveis páginas para
chegar à conclusão de que “não é crível” que tudo tivesse
ocorrido sem que “um parlamentar com tamanho poder
de decisão (...) soubesse”. Com talento infinitamente
maior, La Fontaine já nos contou essa história na célebre
fábula do lobo e do cordeiro. Como não se conseguiu provar nenhuma ligação dele com os delitos, querem cassálo por ignorar que delitos estavam sendo cometidos. Mal escaldada pelos crimes que ela própria cometeu como Bar Bodega, Escola Base e Alceni Guerra, para
ficar só em três casos, parte expressiva da mídia vem se
comportando de maneira escandalosa no chamado “caso
Dirceu”. A imprensa investigou, julgou e condenou o deputado e agora tem surtos de histeria porque o Legislativo e o Judiciário se recusam a executar a sentença. Transformados em partidos políticos, veículos mandam
às favas os escrúpulos de consciên­cia e esquecem os mais
elementares rudimentos do bom jornalismo. Exemplos pululam. Na semana retrasada, a revista Veja publicou uma reportagem de página e meia
sobre a suposta falsificação da assinatura do ex-presidente do PT, Tarso Genro, em um documento enviado
ao Conselho de Ética da Câmara. Um leitor habitual
do semanário estranharia que em um texto de denúncia de mil palavras não houvesse qualquer acusação
a Dirceu. A surpresa termina na última linha, onde o
deputado entra como Pilatos no Credo: “Não há indício de que José Dirceu esteja envolvido nessa fraude”. Na mesma Veja, um colunista encerra seu artigo com
esta gracinha: “Agora, só falta Dirceu andar sobre as
águas”. Pode ser. A frase lembra outra, pronunciada nos
anos 60 pelo presidente americano Lyndon Johnson e que
pode ser parodiada para os tempos que estamos vivendo:
“No dia em que José Dirceu andar sobre as águas, Veja
dará na capa: ex-ministro não sabe nadar”.
79
29 de novembro de 2005
Carta de advogados e juristas
Em defesa do mandato de José Dirceu e da Constituição
“Pelo que fizeram, se hão de condenar muitos. Pelo que não fizeram, todos!
A omissão é o pecado que se faz não fazendo.”
Padre Antônio Vieira
O conceito de Estado de Direito, por certo, não é
unívoco, mas, em nosso país, apresenta contornos suficientemente objetivos. A supremacia da Constituição, a separação dos
Poderes, a superioridade da lei e a garantia dos direitos
individuais são os alicerces de sua materialização. Como bem acentua Norberto Bobbio, todos os
mecanismos constitucionais que impedem ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder, e desencorajam o seu abuso ou o seu exercício ilegal, integram, em
sentido forte, a noção de Estado de Direito. A desconstrução de quaisquer das referidas pedras de toque ameaça gravemente nossas Instituições, e
o próprio regime democrático em que ganham corpo. Um olhar lúcido e independente sobre o processo de cassação do mandato parlamentar de José Dirceu,
com suas injustificáveis ilações, faz-nos mergulhar na
80
fragilidade dos mecanismos de contenção dos já conhecidos interesses de determinados grupos sociais na ordem
constitucional vigente. O desrespeito ao devido processo legal o alça a
mera formalidade, dando contornos ainda mais graves ao
que ora se denuncia.
Julgamentos, políticos ou não, devem atender a
um conjunto ordenado de atos e fatos, cujos fins são juridicamente regulados.
As peculiaridades do julgamento legislativo não
descaracterizam os limites impostos para sua atuação,
em respeito estrito à proteção da ordem democrática.
Acreditar na democracia é acreditar na complexidade de seus instrumentos de controle, respeitando os
caminhos legítimos e recusando soluções que agridam o
estado de direito. A clara tentativa de controle político da opinião
pública acoberta o flagrante desrespeito aos princípios
da presunção de inocência e da separação de poderes. O exercício de pressão política sobre o Judiciário busca
comprometer sua tarefa de limitar e controlar os demais
poderes dentro de suas competências específicas.
E contra isso gritamos. Falaremos sempre, mesmo quando o falar representar um perigo. E nunca nos calaremos quando o calar representar um crime.
Conclamamos, pois, a Câmara dos Deputados,
seus órgãos e os demais Poderes, a defender o mandato
do deputado José Dirceu, a reafirmar a crença na manutenção de nosso Estado Social e Democrático de Direito,
observando suas regras e respeitando seus limites. 81
22 de novembro de 2005
Manifesto de sindicalistas, de várias centrais sindicais
Com base em alegações, ilações e mentiras do exdeputado Roberto Jefferson, a direita reacionária e setores da mídia vêm tentando levar ao cadafalso o deputado
federal, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores e exchefe da Casa Civil, José Dirceu. Na ânsia de macular
sua honra e assaltar seu mandato, numa postura histérica e revanchista, buscam no tapetão o resultado que
não conseguiram no campo de batalha, seja ele eleitoral
ou social.
Montaram um verdadeiro tribunal de exceção,
tentando transformar o virtual em real, o boato em fato. Na ânsia de atingir seus propósitos, os inquisitores se arvoram donos da verdade, enquanto não passam de donos
de canais, jornais e revistas, os novos censores que ditam
o que deve ou não ser divulgado.
A campanha movida por essa elite mesquinha tem
o inegável e indisfarçável objetivo de atingir o governo do
presidente Lula, conforme manifestação preconceituosa e
fascistóide de um dos mais proeminentes líderes da banda
neoliberal, “uma raça a ser extirpada da vida pública”. Seis meses após ter sido veiculado, o suposto esquema de compra de votos de parlamentares pelo go-
82
verno, o “mensalão”, acabou ruindo, soterrado pela total
inexistência de provas. A única verdade que ficou provada
sobre o caso foi a falsidade de Roberto Jefferson, cassado justamente porque mentiu sobre a sua existência e
quebrou o decoro parlamentar. Sendo assim, como poderia a mesma Casa que cassou um deputado por acusação caluniosa expulsar a principal vítima das calúnias de
quem foi condenado exatamente por suas mentiras?
A inexistência de provas empurrou seus denunciantes a apelidar de “julgamento político” um processo
inquisitório que agride as garantias constitucionais, rebaixa e desmoraliza o Parlamento à condição de ventríloquo da mídia, a papel-carbono dos interesses mais
mesquinhos, antinacionais e antipopulares. O exemplo recente da cassação “política” do deputado Ibsen Pinheiro dá uma pequena amostra de até
onde pode ser injusta uma decisão tomada apenas e .
tão-somente para satisfazer o ódio destilado pelas publicações privadas, que querem ditar à “opinião pública” o
certo e o errado.
Manifestamos neste momento singular da vida
nacional a mais irrestrita solidariedade ao companheiro
José Dirceu, convictos de que sua trajetória de combatente pela liberdade, democracia e justiça social se confunde
com a história de luta pela vitória do Brasil e da classe
trabalhadora. Que o Congresso Nacional se eleve à estatura desse filho e não se apequene como as mariposas ao
deslumbramento fugaz – e mortal – dos holofotes.
83
21 de novembro de 2005
Jornal do Brasil
A resistência de Dirceu
Mauro Santayana
O deputado José Dirceu, que defende seu mandato
com bravura, talvez não tenha antes compreendido que,
no regime presidencialista, não há primeiros-ministros. Os
governos militares, por sua singularidade, os tiveram – e o
exemplo mais notável é o de Delfim –, mas são estorvos
indesejáveis no presidencialismo. O chefe de governo, por
mais que dissimule o sentimento, não pode parecer tutelado, ainda que admire e respeite o colaborador. Mais
grave é a reação dos outros ministros, que – de acordo
com as normas constitucionais – só devem obedecer ao
presidente. Fosse efetiva ou não a proeminência de José
Dirceu, todos o viam como uma espécie de premiê. Havia
a idéia de que o presidente reinava, e o então ministro governava. Essa percepção, real ou imaginária, trouxe, como
é natural, ciúmes e mal-estar no conjunto do governo e
fora dele. Antes, nenhum presidente civil admitira ministros maiores do que os outros. Juscelino não titubeou em
demitir Lucas Lopes, o mais operoso colaborador, do Ministério da Fazenda, a fim de manter a autoridade. No
presidencialismo todos os ministros devem ser iguais. Acrescente-se que, desde o primeiro momento,
houve o desencontro ideológico entre o ativo militante
84
José Dirceu e o ministro da Fazenda, chefe formal da
equipe econômica. O chefe da Casa Civil aceitara, em
princípio, como outros membros históricos do PT, o compromisso de “respeitar os contratos” firmados pelo governo anterior. Os tecnocratas, nutridos pelos interesses
de Wall Street, que criaram normas tidas como sagradas
no manuseio das finanças e da economia, fazem da política econômica um bicho-de-sete-cabeças. Só eles são
os senhores das carícias que domam a hidra do mercado,
já que ninguém tem a força de Hércules para liquidá-la. Mas, tanto ele como centenas de outros militantes históricos do PT acreditavam que, transpostos os riscos mais
graves da transição, o governo viesse a afrouxar o arrocho e permitisse, com a redução dos juros, a retomada
mais ousada do desenvolvimento. Quando houve certa
redução da taxa, a resposta positiva foi imediata – mas,
em seguida, voltou a subir. O fato é que o mercado não é a hidra de Lerna. Sobre a arrogância dos economistas acadêmicos há
a sentença definitiva de Galbraith: se os economistas
fossem infalíveis, todos seriam ricos. O melhor ministro
da economia da História foi José do Egito, que soube
combinar a difícil castidade com o sonho. Como tudo
na vida, a administração da economia exige bom senso
e talvez mais imaginação do que as equações clássicas
da econometria. Quando surgiram as denúncias de escândalo, houve clara intenção de atingir Dirceu, a partir
da entrevista de Roberto Jefferson. Era preciso bater
no pilar mais forte, a fim de abalar a estrutura do governo. Dirceu havia cometido o erro de não investigar a
fundo o que fizera Waldomiro Diniz e, com isso, deixou
a guarda aberta. É preciso reconhecer a bravura com a qual se vem
defendendo o ex-ministro. Wilson Figueiredo lembroume, e bem, o caso de George Dimitrov, o líder comunista
búlgaro que se defendeu, diante de um tribunal nazista,
da acusação de haver incendiado o Reichstag, em 1933,
e conseguiu, com sua obstinação, provar a inocência, salvando-se de uma condenação já decidida. O ex-ministro pode ter sido vaidoso e dado a impressão de que era quem mandava no governo. Criou adversários ressentidos, na administração e fora dela. As
acusações de que é alvo não foram devidamente comprovadas, e ele está ganhando a batalha política. Poderia ter
renunciado, como outros, que hoje o acusam, fizeram, e
garantir a reeleição, mas não o fez. Qualquer que venha a
ser o resultado do confronto, Dirceu merece respeito pela
disposição de luta. O que importa, nas circunstâncias em
que está vivendo, é resistir. Todos podemos ser vencidos
pelos inimigos, mas sem a desonra da capitulação. E, pelo
que parece, se cair agora, Dirceu cairá de pé, para levantar-se depois. 85
10 de novembro de 2005
NoMínimo
Entrevista com José Luis Oliveira Lima: “Está sendo rasgado o Código de Processo Penal”
Roberto Benevides
Esta quinta-feira promete novas e talvez definitivas emoções no confronto entre o Conselho de Ética
da Câmara dos Deputados e o petista José Dirceu. Mais
uma vez, o advogado José Luis Oliveira Lima, defensor do
deputado e ex-ministro, desembarcará em Brasília para
tentar uma ação em favor de seu cliente. E, desta vez, ele
pedirá ao Supremo Tribunal Federal muito mais do que
a correção de ritos, relatórios e prazos no Conselho que,
por 13 votos a 1, aprovou duas vezes o pedido de cassação do mandato de Dirceu. O advogado quer, simplesmente, a extinção do processo, livrando de vez o cliente da
ameaça de cassação. E acha que vai conseguir. [...]
Na Câmara dos Deputados, especialmente no
Conselho de Ética, não falta quem bata duramente nele
por causa dos sucessivos – e bem-sucedidos – apelos
ao STF. Isso é público. Em particular, se dá bem com
todos: “Tenho uma relação muito respeitosa com os deputados do Conselho de Ética. Muito. Mesmo com os
mais duros acusadores do deputado Zé Dirceu, eu tenho
uma relação muito cordial”. Não é à toa que, mesmo
na defesa intransigente de um político pouco simpático
86
a bom número de colegas, ganhou e retribuiu elogios
públicos do relator Júlio Delgado, no encerramento da
sessão do Conselho de Ética que aprovou o pedido de
cassação. “Há um respeito mútuo: eles me respeitam,
eu os respeito”, justifica. “Acho que isso é um exemplo
de democracia. Com o próprio relator, eu me dou muito
bem, o que não me impede discordar dele, quer no processo, quer em entrevistas.”
Garante, inclusive, ter descoberto em Brasília que
os deputados trabalham muito mais do que imaginam os
eleitores – e imaginava ele próprio – pelo Brasil afora. Jura que é verdade, não está querendo apenas ganhar a
simpatia de quem vai julgar o seu cliente, se é que ele não
conseguirá deter no STF, como acredita, o mais rumoroso processo de cassação política dos últimos anos. E,
para tal, promete desembarcar em Brasília, nesta quinta,
com uma grande surpresa na bagagem. É o que revela
nesta entrevista a NoMínimo. Na conversa em que elogiou os deputados e os
ministros do STF, sempre insistindo na tese de que o
direito de defesa é um bem inalienável da democracia,
José Luis Oliveira Lima não poupou alguns de seus
pares: “Eu gostaria que o Conselho Federal da OAB
tivesse manifestações mais fortes neste sentido. Infelizmente, não tem tido. O vice-presidente [Aristoteles
Atheniense] fez uma manifestação num site criticando
a nossa atuação na defesa do deputado José Dirceu. O
presidente do conselho seccional de São Paulo, Flávio
D’Urso, me telefonou pessoalmente e soltou uma nota
oficial contra-argumentando, mas eu fiquei muito assustado em constatar que o vice-presidente do Conselho Federal questiona o direito de defesa. Exatamente
neste momento em que há uma onda de denuncismo,
uma onda de vender sangue, o advogado tem, mais do
que nunca, o papel fundamental de defender o direito de
defesa. Em São Paulo, a Ordem tem feito isso. Quanto a
Brasília, estou muito decepcionado”. O que o leva a defender com tanta convicção o
deputado José Dirceu?
Hoje, há uma maioria passageira no Congresso,
que é uma maioria contra o governo. O que me preocupa
é que você pega o processo todo, do começo ao fim, e não
encontra uma prova, um indício, uma circunstância que
comprovem que ele tenha sido o mentor deste suposto
mensalão. E a acusação é de mensalão, a representação
do Partido Trabalhista Brasileiro é de que o deputado
José Dirceu é o mentor intelectual do mensalão. E mais:
no processo do deputado Roberto Jefferson, o relator
Jairo Carneiro, da Bahia, afirma textualmente que não
está comprovado o mensalão. Se meu cliente é denunciado como mentor do mensalão e este mesmo Conse-
lho de Ética diz que não está provado o mensalão, como
que ele pode ser condenado por isso? Qual é a falta de
decoro? E aí começam a fazer ilações, pegam aquela
história do apartamento da ex-mulher dele, pegam os
encontros com dirigentes do Banco Rural e do BMG
– que afirmam, textualmente nos depoimentos, que não
foi tratada com ele a questão dos empréstimos financeiros feitos ao Partido dos Trabalhadores. O que me assusta é que existe uma denúncia por fato determinado,
este fato determinado não está provado e, mesmo assim,
insistem em pedir a cassação dele. É inacreditável. E
isso sem contar as violações ao direito de defesa e ao
devido processo legal. É por isso que nós recorremos ao
Supremo. Muita gente acha, no entanto, que os recursos
ao Supremo são apenas uma forma de adiar o
julgamento do deputado no plenário da Câmara.
Parte considerável da imprensa afirma que isso
é chicana – ou uma ação meramente protelatória. Nós
fomos quatro vezes ao Supremo Tribunal Federal – nunca contra o mérito, sempre por questões do processo
legal. Em três oportunidades, o Supremo deu guarida
às nossas teses. É ingenuidade achar que ministros com
aquela seriedade, com aquele conhecimento intelectual
nos dariam razão se achassem que era um procedimento meramente protelatório. Não dariam nunca. É uma
questão de direito. Está sendo violado o direito de defesa do deputado José Dirceu. Está sendo rasgado o
Código de Processo Penal. 87
Quando o senhor lembra que ainda não propôs ao
Supremo nenhuma ação quanto ao mérito do processo
está insinuando que o próximo passo da defesa pode
ser nessa direção?
Não, pois realmente não cabe ao Supremo decidir
sobre o mérito. Aí é uma questão da Câmara dos Deputados. Então, se ele for cassado no plenário, não há mais
nenhum recurso?
É um julgamento político. Não há mais recurso. Ou
melhor: há recurso se for violado o direito de defesa dele. E o que a defesa ainda pode fazer até lá?
Nós vamos entrar com um mandado de segurança
nesta quinta, como tem sido noticiado. Eu diria que há
grande chance de que esta seja a cartada final. Se nós
não tivermos êxito no Supremo, aí provavelmente ele vai
ao plenário. Qual é a base desse mandado?
São várias questões. Tem a questão do PTB, que
tirou a representação feita contra o deputado José Dirceu e, portanto, o Conselho de Ética não teria mais poder para dar prosseguimento ao processo. Tem a questão
da prorrogação do prazo: o Código de Ética diz que são
90 dias improrrogáveis, aí vem um Regulamento e diz
que pode prorrogar. Ora, um Regulamento não é mais do
que o Código. E o plenário diz, então, que pode prorrogar. O plenário é soberano? Então, o plenário pode fazer o
que quiser? Pode rasgar o Código? Não pode. Não pode. 88
Ninguém pode. É um perigo isso. Eu não posso crer que
o Supremo não dê guarida a essa tese. É uma violação
clara a um código. São esses, então, os dois pontos do mandado?
Há ainda a questão da inversão da prova. Qualquer acadêmico de Direito sabe que a defesa fala por
último. O que foi feito? Na primeira audiência, [com ênfase] na primeira audiência, nós levantamos uma questão
de ordem que está nas notas taquigráficas das sessões do
Conselho: “Deputado Júlio Delgado, o senhor está ouvindo uma testemunha da defesa antes da acusação. Isso
gera nulidade”. Ele passou por cima disso. O argumento:
“O Conselho de Ética não tem poder de convocar as testemunhas e, portanto, não tem como fazer isso.” É verdade: não tem como convocar, mas, de cara, ele direcionou para que fossem ouvidas primeiro as testemunhas de
defesa. Ao término da discussão, sabendo que tinha feito
uma violação do direito de defesa, ele dá oportunidade
para que a defesa possa se manifestar sobre o depoimento de Kátia Rebelo [presidente do Banco Rural]. Como é
que eu poderia contradizer o que ela tinha falado? Ouvindo minhas testemunhas. Ele disse que não, que isso era
protelatório e indeferiu o pedido. Eu disse que ia dar nulidade. Aí, no voto dele, ele usa como razão e fundamento o depoimento de Kátia Rebelo dizendo que o Marcos
Valério era um facilitador, que arrumava entrevistas com
o ministro José Dirceu. Quem poderia contraditar isso? O
ministro Aldo Rebelo, o ministro Márcio Thomaz Bastos
e o ministro Eduardo Campos, que estavam no governo
na época, podiam dizer que isso não era o normal. Então,
nós vamos ter no mandado de segurança também essa
questão da inversão da prova. O senhor vai entrar com uma ação só, englobando
todos esses pontos, ou serão várias ações no STF?
Será uma ação só, com esses pontos, e mais um
que a imprensa está chamando de carta na manga. Essa
você vai ter de esperar para ver.
Mas também será apresentado nesta quinta?
É no mesmo mandado. Está no forno, o Rodrigo [Rodrigo Dall’Acqua, que trabalha com ele no caso e
também no escritório Oliveira Lima Filho, Oliveira Lima
e Hungria Advogados] está terminando de fazer. E vocês pretendem pedir, já nesta quinta, a extinção
do processo de cassação?
Cada tese é uma coisa, mas, caso alguma delas
seja acolhida, vai ter como conseqüência a extinção do
processo. Ele não poderá ir à cassação, o processo não
poderá ir a plenário. Nesse caso, talvez fique difícil até para o senhor
andar na rua depois, não?
Eu não me preocupo com isso, acho que faz parte
da profissão. Aliás, o senhor tem dito que o Congresso não pode
ceder à pressão da mídia e tem de preservar o direito
de defesa de seu cliente, mas, na verdade, a mídia
não está apenas refletindo o sentimento das ruas, a
impaciência da sociedade brasileira?
Eu acho perigoso quando jornais como O Estado
de S. Paulo ou Folha de S.Paulo, escrevem editoriais
pedindo a cassação do deputado José Dirceu sem que o
processo tenha terminado. É legítimo, faz parte do processo democrática que a imprensa, em editoriais, manifeste o seu ponto de vista, mas acho preocupante que
isso aconteça com o processo em andamento, quando há
ainda o devido processo legal de defesa porque, queiram
ou não, jornais como esses que eu citei são formadores
de opinião e levam a questão para um clamor que é perigoso. Veja o caso da Escola Base, veja o caso Alceni
Guerra, veja o caso Bodega. Outro dia, encontrei o exministro Alceni Guerra no Piantella [tradicional restaurante de Brasília, muito freqüentado pelos políticos] e a
gente vê que ele tem marcas daquilo tudo. Tivemos, mais
recentemente, o caso Eduardo Jorge. A imprensa colocou esse homem da pior maneira, mas nada foi provado
contra ele. O senhor está dizendo que o deputado José Dirceu é
inocente e pode ser injustiçado?
Um homem com o passado do Zé Dirceu... são 40
anos de vida ilibada, gente! Você pode dizer que tem gente que acha que ele é arrogante, que ele é prepotente, mas
você vai cassar um homem porque acha que ele é prepotente ou arrogante? Daqui a pouco, vão querer cassar
alguém por causa da raça. Eu fico muito preocupado. 89
Quando o Brasil saiu da ditadura, havia na sociedade
um zelo muito grande do direito de defesa, mas, de
um tempo para cá, os brasileiros têm se preocupado
mais com a impunidade e passaram a cobrar mais
pressa das instituições na condenação dos culpados.
Em que momento o senhor acha que se deu essa
mudança de sentimentos na sociedade?
Eu acho que o divisor de águas foi o Collor. Meu
primeiro caso em CPI foi na CPI do Orçamento. Fui defender um empresário e, naquela época, a gente já tinha
muito receio desse clima de condenação antecipada. Aliás, fui defender esse empresário por causa de uma matéria que saiu na Folha de S. Paulo. Esse empresário nunca
foi denunciado, nunca foi sequer ouvido num inquérito
policia, só prestou um esclarecimento à CPI e acabou na
primeira página da Folha. É uma coisa que assusta. Quem era ele?
Não vou dizer. Por que há na sociedade este sentimento de urgência
que causa arrepios nos advogados? É uma resposta
da população à impunidade?
Mas há um grande avanço no combate à impunidade, gente. Hoje, a gente vê políticos respondendo a
processo, políticos cassados, políticos presos. Preso?
O Maluf foi preso, há deputados cassados. Eu
acho que o País já teve essa marca da impunidade, mas
90
hoje temos avanços, sim, o Judiciário está muito mais
rigoroso, mais atuante.
Persiste, porém, na sociedade a percepção de que o
Brasil é o país da impunidade.
Acho que existe uma parcela que pensa assim,
mas eu, como operador de direito, como advogado,
constatando que existe uma quantidade razoável de
pessoas das classes dominantes respondendo a processos, sendo condenadas, acho que o País mudou, mudou
para melhor. Meu medo é o exagero. Acho que a gente
está indo para o exagero do clamor público para, daqui
a pouco, voltar a uma coisa normal, a certo equilíbrio. As coisas estavam muito para um lado, agora foram
para o outro. Voltando ao deputado José Dirceu, o próprio
presidente Lula disse, na entrevista desta segundafeira ao programa “Roda Viva”, que ele será cassado,
embora, como o senhor, também o considere inocente.
O senhor concorda?
Eu já disse que não falo sobre política. Sou advogado, não sou analista político. Fui contratado para
defender o deputado, não dou pitaco na questão política. Mas o próprio Dirceu, em vários instantes, já deixou
transparecer que espera a cassação pelos seus
colegas de Câmara.
Não, ele tem clareza da dificuldade que é este momento e eu também tenho, mas certeza de que ele será
cassado não. O mundo é redondo, dá volta muito mais
rápido do que as pessoas imaginam. Este caso do deputado José Dirceu cria um
paradigma para os outros processos de cassação?
Cria um paradigma no sentido seguinte: o julgamento tem de ser justo, dentro da lei, o Conselho de
Ética não pode rasgar a Constituição, não pode atropelar o processo legal. Seria um precedente perigoso. Eu
acho que essas vitórias que já conseguimos no Supremo
Tribunal Federal são uma demonstração clara de que o
Supremo está atento. O Supremo não mandou parar o
processo, apenas falou: o deputado José Dirceu tem direito à defesa. A Câmara tem de seguir os trâmites normais, tem de seguir o Código de Processo Penal. É só
isso, embora a imprensa, aliás, uma parte da imprensa
deturpe isso tudo. Digamos que o senhor consiga, então, extinguir agora
o processo contra o deputado José Dirceu. Haverá
como reabri-lo?
Não, não pode voltar. Pelo mesmo fato, não. Só
se houver uma nova acusação. Pelo mesmo fato, de jeito
nenhum. E o senhor acha, de verdade, que existe a
possibilidade de conseguir isso no Supremo?
Acho. Eu não sou um aventureiro. Eu acredito
que a gente possa ter êxito no mandado de segurança. Piamente. Senão eu não entraria, não botaria meu nome
e os 21 anos do escritório nessa parada. Eu não fugi de
intimação, fui intimado por e-mail, por telefone, não faltei a uma audiência, não adiei uma única audiência para
protelar o processo, todas as nulidades que eu aleguei
nos procedimentos no Supremo Tribunal Federal foram
mencionadas antes. Eles não atenderam. Eu falei: “Vai
anular, isso está nulo, não pode juntar provas ilícitas”. Juntaram provas ilícitas. Ele junta o sigilo do deputado
Zé Dirceu, sem fundamentar isso, e, quando reclamei, um
jornalista me perguntou: “Mas, doutor, isso é uma filigrana. O senhor está pegando pêlo em ovo”. Você acha
que é filigrana obter, sem fundamento, o sigilo bancário e
telefônico de alguém? Daqui a pouco, o dono de um bar
está pedindo os dados sigilosos do deputado Zé Dirceu. E
vão mandar. É inacreditável. Eu acho que todo jornalista
deveria figurar como réu num processo, pelo menos uma
vez na vida, para ter noção do que é o direito de defesa.
Para encerrar nossa conversa, não posso resistir à
tentação de lhe perguntar mais uma vez: quando
o senhor diz que está convencido da inocência
do deputado José Dirceu, está se referindo a
esta questão do mensalão ou é mais amplo esse
entendimento?
Estou convencido da inocência total do meu cliente. Total, total. Este homem está sendo investigado há
quanto tempo? Seis meses? Viraram a vida dele de ponta-cabeça. Dê-me um fato concreto contra ele. Só existe
ilação – “Ah, o superministro, o todo-poderoso, o capitão
do time”. É o que falo: na Copa de 70, o capitão do time
91
era Carlos Alberto Torres; Pelé não mandava no time?
Tostão não mandava no time? Rivellino não mandava no
time? Pelo amor de Deus... Se vasculharam a vida do
deputado Zé Dirceu durante seis meses e não apuraram
nada contra ele, ele vai ser cassado como? Não tenho
a menor dúvida da inocência dele, a menor dúvida até
que me mostrem um fato concreto. E, mesmo que mostrassem um fato concreto, minha função é defendê-lo,
garantir um julgamento justo, dentro da lei, mas, independentemente disso, eu não tenho a menor dúvida da
inocência dele. Então, o senhor pegou uma causa fácil.
Não, porque ela tem contornos políticos. Na hora
em que isso for para o campo jurídico e essa questão do
mérito for transformada num inquérito policial ou numa
ação penal, eu terei muita tranqüilidade. Ali, é uma ques-
92
tão concreta: tem prova ou não tem? Não tem prova, ele
tem de ser absolvido. O problema é que esse caso tem
um contorno político e é a maioria passageira que está
à frente disso. Querem banir da vida pública um homem
que teve 550 mil votos e não têm um fato concreto contra ele. Juridicamente, Collor também foi absolvido.
Qual é o problema?
O senhor está também convencido da inocência dele?
Não estou convencido de que ele era inocente nem
de que não era, pois não acompanhei o caso em todos
os detalhes, não tenho acesso ao processo. Agora, se não
havia provas contra ele na parte jurídica, acho que foi um
ato de coragem do Supremo Tribunal Federal absolver
um presidente que tinha sido vítima de um impeachment.
26 de outubro de 2005
Manifesto de artistas e intelectuais em defesa da democracia e da Constituição
Cassação do deputado José Dirceu é um ato de injustiça
Artistas e intelectuais se manifestaram na Câmara
dos Deputados na quarta-feira, dia 26 de outubro de
2005, contra a cassação de José Dirceu (PT-SP).
O documento foi entregue ao presidente da Casa,
Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Desde então, o documento
está ganhando mais adesões – já são 114 os
signatários. Leia a íntegra:
O País atravessa há praticamente cinco meses
uma avalanche de denúncias e especulações. A partir
de depoimentos do ex-deputado Roberto Jefferson, nos
quais acusou a existência de um suposto esquema para
compra de votos entre parlamentares, teve início uma
escalada para colocar no banco dos réus o governo do
presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores. Um clima de rancorosa euforia tomou conta das
forças oposicionistas. Não hesitaram em classificar e
reinterpretar os fatos de acordo com suas conveniências. Pouco importa que nenhuma prova concreta corrobore
a versão difundida por setores da mídia convertidos em
supremos promotores pairando acima das instituições
democráticas. Aos acusadores nem sequer interessa que
as investigações não tenham, até o presente, confirmado
qualquer esquema para compra de votos na Câmara. Ou
que inexistam evidências sólidas contestando o depoimento do ex-tesoureiro petista, segundo o qual recursos
não-contabilizados saldaram dívidas eleitorais e foram
originados por empréstimos bancários legalmente reconhecidos pelo Banco Central. Um grave delito foi cometido, aliás confessado por
seus autores, quando se recorreu a métodos irregulares
de financiamento, em flagrante violação da lei eleitoral. Milhões de cidadãos não escondem sua decepção com
a contaminação do PT por esse expediente tradicional
e perverso de nosso sistema político. Mas a exploração
pública que agora disso se faz contraria preceitos constitucionais e revela ranço antidemocrático. Ignoram-se
o direito de defesa, a presunção da inocência, o devido
processo legal e a isenção investigativa. Nos momentos de maior histeria, o objetivo chegou a ser o mandato delegado pelo povo ao presidente da
República. Mas desde o início da crise, de forma intensa e
incessante, o peso principal de tamanha artilharia recaiu
sobre o deputado José Dirceu de Oliveira e Silva, ex-presidente do PT e ex-chefe da Casa Civil.
93
Não há contra esse parlamentar indícios materiais
que o vinculem aos recursos irregulares. A principal testemunha de acusação, o ex-deputado Roberto Jefferson,
perdeu seu mandato, entre outras razões, porque denunciou sem provas a existência do chamado “mensalão”,
quebrando o decoro parlamentar. Um paradoxo que não
pode calar: o mesmo colegiado que cassou um dos seus
por acusação caluniosa pode expulsar de suas fileiras a
principal vítima das calúnias de quem foi condenado exatamente por suas mentiras?
Não estão em questão os erros que o ex-ministro
possa ter cometido ou sua responsabilidade política pela
crise que atravessa seu partido e o País. A democracia
prescreve, para esses males, o julgamento das urnas e a
crítica dos correligionários. Imputam-se ao ex-ministro,
isto sim, delitos que configurariam desrespeito aos compromissos exigíveis de um mandatário. A ausência de pro-
94
vas levou seus denunciantes a um eufemismo, apelidando
de julgamento político um processo que fere garantias
constitucionais e ameaça transformar as instituições
parlamentares em tribunal de exceção. A Câmara dos Deputados tem a oportunidade e o
dever cívico de impedir esse retrocesso. O deputado José
Dirceu não pode ser banido uma segunda vez da vida
pública pelo projeto político que representa. Não pode
ser punido para satisfazer o ódio dos que sempre foram
inimigos das causas que abraçou. Não pode ser cassado
para saciar a fome de vingança das forças que historicamente resistiram às mudanças e aos sonhos. Defendemos o mandato do deputado José Dirceu. Não precisamos desculpá-lo por seus equívocos, concordar com suas atitudes ou subscrever suas idéias. Mas a
cassação desse parlamentar seria uma afronta às regras
democráticas cuja conquista custou tanta luta e sacrifício.
Outubro de 2005
Fórum Online
“Evidências irrefutáveis” de que talvez, quem sabe... ou não...
Soninha 
A Folha de hoje, em editorial, cita o texto do
relator da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, Júlio Delgado (PSB-MG), dizendo que ele “é bem
fundamentado e convincente ao defender a cassação do
mandato do petista”. E reproduz um trecho: “A lógica
humana nos permite, através do acúmulo de evidências
irrefutáveis, afirmar que Dirceu tinha poderes para ser
o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas
prosperassem”, escreve Delgado, sintetizando seu voto. Cristaliza a convicção, que também é a desta Folha, que
o mandato de deputado federal de José Dirceu deve ser
cassado pela Câmara”.
Bom, meio mundo (ou quem sabe 90% dele)
tem certeza de que José Dirceu deve ser cassado. Mas
se esse texto do relator serve para convencer alguém,
ele só me deixa com dúvidas! Vamos lá: ele fala que
“a lógica humana permite, através do acúmulo de evi- .
dências irrefutáveis”. Bom, se há um acúmulo de
­evidências irrefutáveis, não precisaria nem citar a lógica humana, né? Mas... Quais são, hein, as evidências
irrefutáveis?
Não se trata – juro – do velho discurso da “falta
de provas” para eximir alguém de culpa. Mas falando sério, são evidências de quê? Do tal do “mensalão”, que só
o Roberto Jefferson disse que era assim e assado (e foi
cassado, entre outras coisas, porque acusou pra cima e
pra baixo e não há uma prova de que tal “mensalão” tenha acontecido)? E evidências irrefutáveis? Preciso ler o
relatório completo para ver quais são, talvez elas estejam
todas lá e eu esteja gastando tempo à toa, mas me parece
mais uma questão de convicção pessoal (ou “lógica humana”) do que de acúmulo de evidências irrefutáveis...
Ainda mais se seguirmos o texto do relator, quando ele mesmo responde à minha pergunta “evidências de
quê?”: (seriam) evidências de que Zé Dirceu “tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema”. Peraê, peraê... Ou você tem evidências de que ele foi “O
autor intelectual de todo o esquema”, ou não tem evidência de nada. Evidência de que “tinha poderes para ser” é
o fim da picada!
E o próprio relator pondera em seguida: Dirceu
tinha “poder para ser”, “ou ao menos poder suficiente
para impedir”. Como assim, “ou ao menos”??? Ele não
95
tinha “evidências irrefutáveis”? Como uma evidência
“irrefutável” – de que ele tinha “poder para ser o autor”
– vira algo que pode ser contestado na mesma frase? “Ou
ao menos”...
Olha, posso até concordar com o “ou ao menos”. Na verdade, eu poderia dizer que, se o ministro
José Dirceu não teve, como alega, participação em um
mega-esquema irregular de financiamento de campanhas, fornecimento de garantias indevidas e outras
barbaridades que aconteceram, ele deveria ter tomado conhecimento do esquema (como algo adquire tal
vulto e passa despercebido); se não tomou, falhou no
exercício de suas funções. Faltou controle, fiscalização,
96
acompanhamento do que se passava na relação governo-partidos-Congresso.
Mas dizer que “há evidências irrefutáveis de que
ele tinha poder para ser o autor”, tão peremptoriamente
quanto parece, e depois fazer a ressalva “ou ao menos
para impedir” – o que é, na prática, admitir que não há
evidência irrefutável coisíssima nenhuma de que ele tenha sido o autor intelectual de qualquer negócio. É condenar, sim, Zé Dirceu antecipadamente. Que paga, antes
de tudo, pela imagem que se construiu de que ele era
o homem que “mandava prender e mandava soltar” no
governo, com poderes absolutos, irrestritos, universais. O
que simplesmente não é verdade.
18 de outubro de 2005
Carta do Deputado José Dirceu encaminhada a todos os deputados.
No momento em que se aproxima o desfecho de
meu processo disciplinar, dirijo-me aos colegas para prestar alguns esclarecimentos. Há 150 dias, estou no centro
das atenções da opinião pública sob a acusação de ter
organizado e coordenado um esquema de corrupção para
favorecer parlamentares e partidos que apóiam o governo Lula. Todos nesta Casa sabem que um político, quando acusado, mesmo injustamente, perde totalmente as
garantias e direitos fundamentais que as Constituições
democráticas estabelecem de forma a defender todos os
cidadãos e cidadãs de injustiças promovidas em nome
da coletividade. O ônus da prova passa do acusador ao
­acusado, em uma inversão de valores só admitida no
mundo político e nos regimes de exceção. A denúncia contra um político é como epidemia
contagiosa. Feito o cordão de isolamento, quem não provar a condição de saudável está irreversivelmente condenado à segregação. A atividade política, na maior parte
do mundo, é vista com repugnância e desprezo por boa
parte da sociedade. É considerada um mal necessário,
por uns, e até desnecessária, por outros. Políticos que acumulam poder e ­reconhecimento
social acumulam, também, ressentimentos, incom­
preensões, mágoas e ódios despertados pelos mais diversos motivos. Audiências negadas, telefonemas não retornados, convites recusados, a falta de um sorriso ou de
um cumprimento, uma pendência não resolvida, o atraso
em um compromisso, o esquecimento de um nome ou de
uma referência, uma resposta atravessada, um pleito não
atendido e outros tantos desentendimentos ou decepções. Difícil quem não tenha motivos para desgostar de alguém com poder. Mesmo que só o faça na solidão de sua
­consciência. Por mais justas que sejam as reclamações, muitas vezes os ressentimentos sedimentados contra as pessoas que acumulam poder decorrem da incompreensão
ou desconhecimento do acúmulo de pressões, problemas,
conflitos e responsabilidades que pesam sobre os ombros
de quem ocupa cadeiras estratégicas na estrutura de um
governo. Algumas personalidades conseguem resolver
melhor esses conflitos; outras, não. Embora esses sentimentos estejam subjacentes
ao meu processo, reconheço que existem razões objetivas
97
para que minha passagem pelo governo seja minuciosamente investigada por todas as instâncias republicanas. Faço questão que todos os casos em que haja qualquer
suspeita sobre minha participação em atos ilícitos sejam
apurados com rigor, independência e isenção. Tanto no
âmbito do Poder Executivo (Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Conselho de Ética Pública ou
Comissões de Sindicância), como no do Poder Legislativo (Comissões Parlamentares de Inquérito) e do Poder
Judiciário.
Tenho a consciência tranqüila e estou seguro de
que nada fiz de ilegal ou ilícito. Cheguei a ter dúvidas
sobre minha responsabilidade involuntária em alguns dos
fatos mencionados. Será que nos 30 meses em que chefiei
a Casa Civil, trocando 25 telefonemas e participando de
oito a dez reuniões e audiências por dia, com centenas de
empresários, políticos e personalidades públicas do País,
não teria tido nenhum deslize que pudesse ser compreendido como falta de ética ou atitude indecorosa?
Reconstituindo minha agenda e rememorando
tudo que fiz no governo, concluí que não tenho do que
me envergonhar ou temer. Depois de cinco meses sendo
diariamente massacrado na mídia, com minha vida e
das pessoas que me rodeiam sendo devassada, minha
história tragada pela enxurrada da desmoralização, não
se levantou uma voz, um cidadão, um empresário, um
político, uma personalidade da sociedade civil para denunciar ao País qualquer conversa enviesada, antiética
ou imoral que tenha tido durante minha passagem pela
Casa Civil. 98
O único que me acusou foi desqualificado pela
própria Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato. Não apresentou prova alguma e até retirou a representação contra mim por falta de consistência. Todas
as demais referências apontadas como atentatórias ao
decoro parlamentar foram constituídas com base em
suposições, ilações e interpretações decorrentes de uma
falsa imagem construída a meu respeito, que se propagou
sem que eu percebesse sua relevância. A conseqüência disso é que, por mais inconsistentes que sejam as supostas evidências contra mim, os
formadores de opinião não aceitam os argumentos que
sustento. Todos querem que eu assuma algo que não fiz
só porque acreditam que eu controlava tudo no governo,
no PT e no País, e nada poderia acontecer sem que eu
soubesse ou comandasse. A mídia me julgou e condenou
no dia em que um deputado corrupto resolveu se vingar
por eu ter negado qualquer proteção para livrá-lo do processo que viria. Muitos congressistas sabem do que estou
falando. Chamo a atenção porque isso pode acontecer
com qualquer um de nós a qualquer momento. Quando
a mídia escolhe alguém para crucificar, justa ou injustamente, não há reputação que resista incólume. Todos sabem que a pressão da mídia é o combustível do Congresso. O prejulgamento da opinião publicada
aterroriza os homens públicos. Tudo que confirma a sentença previamente estabelecida merece destaque e grande
repercussão. Tudo que contesta a construção dessa falsa
realidade é ignorado ou desqualificado. É dessa maneira
que figuras anônimas e inexpressivas viram celebridades
da noite para o dia. Essa é a lógica que transforma em
párias os defensores dos políticos marcados pela ditadura da imprensa. Até mesmo quem zela pelos direitos
constitucionais dos cidadãos é tratado como conspirador,
como conivente com a impunidade. Em um ambiente como esse, não há como ser julgado com justiça, serenidade e isenção. Digo isso com
franqueza, sem querer ofender colegas, especialmente
os que têm a difícil tarefa de julgar publicamente seus
pares. Aliás, quem me chamou a atenção para essa rea­
lidade foi o ex-presidente desta Casa Ibsen Pinheiro, que
sofreu processo semelhante. Não bastassem minhas convicções sobre o fato de
que não deveria ser julgado no Poder Legislativo por atos
supostamente praticados no exercício do Poder Executivo, a pressão inconseqüente da mídia sobre o Congresso
já seria razão suficiente para justificar minha busca de
amparo no Poder Judiciário. Além de lutar pelos meus
direitos constitucionais para preservar o mandato a mim
delegado por mais de meio milhão de eleitores, a iniciativa terá como conseqüência a solução de uma controvérsia jurídica: um mesmo cidadão pode pertencer a dois
poderes republicanos distintos, simultaneamente? Um
cidadão ser julgado em um Poder por atos praticados
no exercício de outro Poder é invasão de prerrogativas?
Invade os limites da independência entre Poderes?
O Supremo Tribunal Federal vai julgar e definir
essa questão. Minha iniciativa não deve ser entendida
como fuga do julgamento político ou desrespeito às instâncias correicionais da Câmara dos Deputados. É um
direito legítimo de buscar fórum mais neutro para evitar
o atropelo dos princípios e normas jurídicas, para evitar a .
consumação de um fuzilamento político motivado pela
necessidade de se entregar aos adversários e ao partido
da mídia uma cabeça premiada com o selo da passagem
pelo governo. Estou seguro da minha inocência. No entanto,
ao contrário do que divulgam, se a tese que levanto for
acolhida pelo Supremo, não estarei imune a eventuais
processos. Qualquer pessoa ou partido político pode me
denunciar ao Ministério Público ou ao STF, inclusive com
base nos levantamentos das CPIs. Caso entendam que
tenho responsabilidade nos fatos investigados, serei julgado e poderei ser punido, inclusive com a perda dos direitos políticos. A diferença é que tal julgamento se daria
com base em fatos concretos e não em disputas políticas
apoiadas em denúncias vazias. Por outro lado, se o STF entender que devo ser
julgado pelo Plenário da Câmara, não rogo condescendência nem a clemência dos colegas. Quero ser julgado
com rigor, serenidade e justiça. Só peço uma coisa: se
não tiver convicção de minha culpa, não permita que eu
seja injustamente banido da vida pública do País pela
segunda vez.
Obrigado pela atenção e consideração
Deputado José Dirceu
99
13 de outubro de 2005
Valor Econômico
O Parlamento é bom, já os parlamentares...
Wanderley Guilherme dos Santos
Há razões para que eu não seja presidente da República. Além da miséria de votos e de talento, claro. Não
herdei a graça da paciência e não deixaria o PT sair de
fininho dessa história. Nenhum partido sem culpa no cartório é tão difamado sem reagir. Falo da obrigação de o
Partido representar contra parlamentares da oposição
por violação do decoro parlamentar. Líderes de partidos
e membros de Comissões de Inquérito estão firmando jurisprudência sobre a legitimidade de condenar pessoas
sob a acusação de serem suspeitas. Os promotores dispensam a exigência de comprovar a matéria da suspeição, substituindo-a, primeiro, pelo
indício da suspeita e, no extremo da arbitrariedade, pela
suposição de que os indícios existiriam; basta anunciálos. Os rapapés de membros das CPIs diante de bandidos
testemunham o que meu bisavô chamaria de sinal dos
tempos. Houve mais dignidade no depoimento de Simone
Vasconcelos, acusada de ser suspeita, do que nos vexames
patrocinados pelas Comissões diante de figuras como Toninho da Barcelona. Alguém familiarizado com a história
do Parlamento pode imaginar tigres oposicionistas como
o baiano Aliomar Baleeiro, o carioca Adauto Lucio Car-
100
doso ou o tradicional mineiro Afonso Arinos, fazendo um
papelão desses? Ou Ulysses Guimarães, Miguel Arraes,
Leonel Brizola?
As Comissões de Inquérito se transformaram em
comitês de salvação pública com a conivência do PT. Com isso, vão-se as proteções constitucionais de todos
nós, dada a ilusão de que tribunais especiais têm autoridade para fabricar hermenêuticas jurídicas. Do entendimento de que juízos políticos ponderam a força das provas, as autoridades inquisitoriais extraem a brutalidade
de que seriam dispensáveis. A idéia de um processo sem
confronto de provas é absurda, mas prospera diante da
pusilanimidade do PT. A representação perante a Comissão de Ética obrigaria os acusadores à divulgação das
provas. Aí a opinião pública estaria em condições de avaliar se é justa a ponderação a elas atribuída. Se não se trata de tibieza, mas de hesitação, os
petistas ficarão em maus lençóis. A maioria oposicionista
trabalha com má-fé partidária mais do que legitimamente
interessada na cadeia de corrupção. Do único do­cumento
oficial existente, o relatório parcial aprovado em reunião
conjunta das CPMIs dos Correios e da Compra de Votos,
retiro dois exemplos da página 8. Diz: “Assim, escolhemse colégios eleitorais que tenham hegemonia circunscricional, gasta-se uma fortuna e assegura-se a repercussão
dos eleitos para as eleições seguintes, já então de outro
âmbito, como as nacionais. Desse modo, capitais ou municípios são escolhidos a dedo, sem restrições de gastos,
porque, a qualquer custo, é preciso que se as vença, pois
servirão para a construção do espectro que sustentará a
eleição seguinte. Parece ter sido essa a engenharia eleitoral nas derradeiras eleições”. O parágrafo é sem nexo
e duvido que os relatores tenham material que permita
entender o que aí escreveram. É absurdo um processo sem confronto de provas. No parágrafo seguinte afirma-se: “Por outro
prisma, o compartilhamento de cargos públicos de alta
significação é inerente às coalizões governamentais. No
entanto, a evidente seleção de Diretorias ou Ministérios a
que estão afetas decisões de ampla repercussão empresarial (licitações, obras, patrimônio, financeiro) corresponde a espúrios ajustes, porque não consubstanciados
do interesse público, se não do mais reprochável desvio
de poder”. Fora a redação rudimentar, o documento não
traz nada que comprove o caráter “evidente” da ampla
denúncia. Finalmente, lê-se na página 47: “Em seu depoimento nesta CPMI, a sra. Renilda Souza, esposa do
sr. Marcos Valério, confirmou que seu marido participou
de reuniões com o então ministro José Dirceu e diretores
do banco BMG e que o mesmo sabia dos empréstimos
realizados por ele, Marcos Valério, para repasse do dinheiro ao Partido dos Trabalhadores”. Só se em reunião
secreta, não na pública. A atribuição é falsa. O relatório parcial apresentado pela CPMI dos
Correios é um documento politicamente indigno. Igualou-se aos personagens. Mas foi aprovado por unanimidade, isto é, inclusive pelos representantes do Partido dos
Trabalhadores. Ou cederam à extorsão oposicionista, ou
os parlamentares petistas são cúmplices do primarismo
que contaminou a vida pública nacional. P.S. – Aos leitores, a Celso Pinto e à brava turma
do Mais-Valor, meu agradecimento pela companhia. 101
3 de outubro de 2005
Portal da Mídia Petista
Um quadro político
Ibsen Pinheiro
Estou convencido de que o deputado José Dirceu
dificilmente terá no plenário da Câmara um julgamento justo, mesmo que seja absolvido, como não terá um
julgamento imparcial se for condenado, por uma única
razão: não se trata de estabelecer uma relação simplista
entre culpa e punição, mais bem traduzida pela noção judaico-cristã de responsabilidade moral. Pecado com expiação é como se exerce a justiça divina, sem necessidade de qualquer processo legal, devido ou não. Já no caso
do ex-ministro chefe da Casa Civil, estamos tratando é
da justiça dos homens, em que a verdade presumida se
alcança por meio de uma sentença – judicicial ou não –
correspondente a uma convenção pragmática destinada
a estabelecer a segurança jurídica nas relações sociais,
para o que está autorizada a acertar ou errar com o consentimento da consciência coletiva, pagando, porém, um
pedágio: o devido processo legal. Nele, o rigorismo dos
procedimentos é tão importante quanto as conclusões,
com base num princípio imutável – a presunção de inocência e seu principal corolário, o de que a condenação
de um inocente não vale a absolvição de 100 culpados.
Tenho ouvido e lido, no bojo desta crise, que esse princí-
102
pio, embora universal, não vale para os processos políticos, como se, por serem políticos, não fossem processos
e se regulassem por uma jurisprudência brasileira associada à pizza, segundo a qual se inverte o ônus da prova
e é o acusado que deve provar-se inocente. Curiosamente,
por essa interpretação a presunção de inocência só se
aplica aos que dela não necessitam, por não serem suspeitados, denegridos ou mesmo acusados. Não se pense
que disso é culpada a Câmara dos Deputados, pois numa
crise dessa extensão, profundidade e ampla repercussão,
ela é tão vítima quanto as suas vítimas. Age-se como se
os processos políticos (tanto como os judiciais, os administrativos ou mesmo os esportivos) não estivessem
subordinados aos parâmetros do artigo 5º da Constituição Federal relativos ao contraditório e à ampla defesa. A recente e necessária intervenção do Supremo Tribunal
Federal, em correta e corajosa decisão de seu presidente,
ministro Nelson Jobim, sustou a violação praticada pela
Mesa da Câmara dos Deputados, que havia suprimido
uma instância de defesa. Nas críticas que se seguiram
à ordem judicial, desprezou-se o postulado, também do
artigo 5º, segundo o qual nenhuma lei excluirá da apre-
ciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.Já
o princípio antipizza, seja qual for sua extensão, no caso
presente tem um nome a uma vítima: José Dirceu. Com
ele cassado, já que Luiz Gushiken não tem mandato, estarão satisfeitos todos os apetites, o dos inocentes úteis
e também o dos culpados de clero baixo, esquecidos ou
voluntariamente marginalizados, alguns por sua própria
desimportância e todos à espera de uma cabeça coroada
no cesto da guilhotina. Conscientemente ou não, torcem
pela degola ilustre, com fundada esperança na sabedoria
sertaneja que vê passar uma boiada enquanto as piranhas estão ocupadas. A turba que livrou Barrabás nada
sabia de pizzas e piranhas, mas acertou em cheio. Não
tenho como avaliar se José Dirceu sabia ou não do mensalão. A acusação, por enquanto, sente-se dispensada da
prova e inverteu a presunção – “se não sabia, devia sa-
ber” – estranha premissa investigatória que remete os
acusados à incerteza clássica de todos os réus políticos:
denunciar o processo ou ajustar-se à sua lógica. Quase
todos, com a ilustre exceção de Dimitrov, sucumbiram à
esperança, espécie de síndrome de Estocolmo que afeta
todas as vítimas, de Sócrates a Prestes, passando por
Giordano Bruno ou Dreyfus, sem esquecer o mais ilustre de todos, condenado pelo Sinédrio de Jerusalém. Já
se percebe, no entanto, que José Dirceu, praticou dois
gestos insólitos no amesquinhamento geral dos comportamentos: assumiu suas responsabilidades políticas e
negou-se a renunciar, muito mais do que fizeram outros,
acima ou abaixo de sua hierarquia e comprovando o que
já se sabia, que ele é agora, no sofrimento, o que foi nos
momentos de glória: um quadro político.Só por isso já
merece respeito. 103
22 de setembro de 2005
Globo On-Line
Dirceu: “Querem me banir da vida política do País”
Evandro Éboli
BRASÍLIA. Após prestar depoimento em sessão
fechada da Corregedoria da Câmara, o deputado José
Dirceu (PT-SP) fez duras críticas ontem ao Conselho de
Ética pelo fato de o órgão ter se antecipado e decidido
que não aceitaria a representação do PTB para retirar
os processos contra ele e o líder do PL, Sandro Mabel
(GO). O ex-ministro, indignado, classificou a atitude como
arbitrária, anunciou que recorrerá da decisão do órgão e
disse que querem bani-lo da vida política do País.
– Quero protestar contra o Conselho de Ética, que
se reuniu ontem [terça-feira] e decidiu aprovar um parecer contrário a um pedido que nem havia sido feito ainda. Imaginem a situação que estamos vivendo no País! Alguém diz que vai fazer algo, o Conselho de Ética se reúne
e diz que não pode ser feito. Salta à vista. Isso é uma
violência, uma arbitrariedade! – reagiu Dirceu.
Ele afirmou que o procedimento legal foi violado:
– Sempre vou protestar quando não tiver direito
de defesa ou violarem o procedimento legal. Não me interessa o mérito, foi uma violência. Julgamento político tem que ter prova, senão é
tirania. 104
O ex-ministro voltou a afirmar que, até o momento, não há provas contra ele, enfatizando que não há do­
cumentos, provas testemunhais e que nem é réu confesso.
– A não ser que queiram me cassar pelo que eu
representei para o governo, pelo que eu representei para
o PT e pelo que eu representei para a história do País. Todo julgamento político tem que ter prova, senão estamos na ditadura, na tirania. A não ser que queiram
me banir da vida política do País e me afastar do PT
– afirmou. O advogado de Dirceu, José Luis Oliveira Lima,
disse que o deputado vai recorrer, até mesmo ao Supremo
Tribunal Federal (STF), para fazer valer a representação
do PTB desistindo do processo contra ele por quebra de
decoro parlamentar. Primeiro, Dirceu deve recorrer à
Mesa Diretora da Câmara ou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Somente depois, caso seja derrotado
nessas instâncias, irá ao STF. Presidente do Conselho diz que “foi uma ação
cautelar”. O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar
(PTB-SP), evitou polemizar com José Dirceu e disse que
a sua iniciativa foi de apenas criar uma jurisprudência
nesses casos, já que o regulamento interno do órgão não
faz referência a essa situação. – Foi uma ação cautelar. A partir de agora, nenhum processo já aberto poderá ser suspenso por vontade do representante – disse. O ex-ministro reafirmou
que vai também ao STF, a qualquer momento, pelo fato
de o Conselho de Ética ter aceitado o processo contra
ele apesar de os fatos sobre os quais ele é acusado terem ocorrido no período em que era chefe da Casa Civil,
e não na época em que exercia o mandato de deputado
federal.
105
6 de setembro de 2005
Folha de S.Paulo
O fuzilamento político
José Dirceu
“Revogar um mandato popular só com provas. .
Só a população, pelo voto, é que tem o direito de fazer
um julgamento político sem provas.”
José Márcio Camargo, economista-sócio .
da consultoria Tendências
A sabedoria popular adverte:“As aparências enganam”. No conselho transmitido de geração para geração,
os pais recomendam aos filhos que não se deixem levar pela
ilusão das primeiras impressões. Para confiar cegamente
em alguém ou em alguma coisa, é preciso ter certeza. Quanto mais graves as conseqüências desse juízo,
mais absoluta e inequívoca deve ser a convicção. Sob pena
de cometermos injustiças irreparáveis, levados por falsas
percepções,mal-entendidos,mentes confusas ou manipulação de interesses, muitas vezes ilegítimos e inescrupulosos. Prova de que as aparências enganam é a falsa
notícia que quase toda a imprensa transmitiu à opinião
pública na semana passada. A sociedade foi iludida com
a informação de que as CPIs dos Correios e da Compra de Votos “pediram” a cassação de deputados. Não
foi isso que aconteceu. Quem ler com isenção o relatório
106
verá que houve recomendação para que a Mesa Diretora
da Câmara iniciasse processos para analisar os casos de
parlamentares citados nas investigações. Sem uma constatação inequívoca da quebra do
decoro parlamentar, qualquer condenação será ilegítima.
As CPIs lavaram as mãos, deixando o juízo de
valor para o Conselho de Ética e para o plenário da
Câmara. Mas a impressão geral ventilada pela mídia
foi a de um veredicto público. Tanto que essa foi a interpretação da Folha no editorial “A cassação de Dirceu”
(pág. A2, 4/9). Esse tipo de distorção tem sido constante neste processo. Transmitem convicções falsas e ignoram ou reduzem a importância de fatos e declarações
favoráveis aos denunciados. Só recebem destaque versões convenientes para respaldar o julgamento sumário,
o fuzilamento político. Ao invés de investigar, apostam em declarações
acusatórias, seja de quem for, venha de onde vier, mesmo
sem filtro de credibilidade. Esse amontoado de fragmentos inconsistentes vai transformar-se na base de indícios
que tende a prevalecer no julgamento político para saciar
o “clamor nacional por punição”. Nesse sentido, o relatório distorceu depoimentos
para induzir conclusões erradas. Deturparam confirmações
e afirmações de testemunhas, como Marcos Valério, Renilda de Souza e Emerson Palmieri. Transformaram suposições em assertivas. E suposições desmentidas por quem
as teria induzido. Como foi o caso de Delúbio Soares, fato
“esquecido” pelas comissões. Sem falar nos relatos do deputado Roberto Jefferson, que só merecem “elevado grau
de verossimilhança” quando servem para me prejudicar. Esse conjunto de impressões falsas constrói o
imaginário no qual se formará a convicção da sociedade
e de seus representantes no Congresso. Por essa razão,
meus advogados traçaram uma linha auxiliar de defesa
visando um recurso ao Poder Judiciário em caso de eventual injustiça. Isso não é chicana. É acrescentar argumentos ao
debate, aproveitando um caso individual para chamar a
atenção sobre riscos futuros de outros parlamentares que
exercem, tenham exercido ou venham a exercer cargos no
Poder Executivo. Até agora, as CPIs estimularam o denuncismo irresponsável para criar um ambiente de horror, cenário
favorável às ambições políticas de alguns de seus integrantes. Estão longe de comprovar o desvio sistêmico de
dinheiro público, e a tese do mensalão vai ficando mais
frágil à medida que o tempo passa e a evidência concreta
não aparece. Como as aparências não se comprovam, recorrem a ilações subjetivas para justificar as decapitações
políticas. Se fosse eu um superministro, como apregoa
o editorial da Folha, não precisaria ter debatido tantos
assuntos conflituosos nos grupos interministeriais coordenados pela Casa Civil. Se fosse um ditador no PT, não
teria participado de disputas acirradas nem instituído o
mais democrático processo de escolha de dirigentes partidários, com a participação de todos os filiados. Qual
partido faz isso?
Se houve algum ato isolado de corrupção no governo, não posso ser responsabilizado. Não recebi vantagens indevidas nem participei ou fui conivente com qualquer esquema destinado a captar e distribuir recursos a
partidos ou parlamentares. Essa é a verdade. Tenho consciência de que estou sendo julgado não
por meus eventuais erros ou supostos delitos, mas pelo
que represento na história da esquerda, do PT e do governo Lula. Estou na linha de tiro, mas o objetivo das forças
que me atacam é interromper o processo de organização
dos trabalhadores e de consolidação de uma alternativa
popular para o País. Se a Folha considera que nada será
suficiente para apagar a convicção preconcebida de que
exerci “papel ativo na trama de corrupção”, é porque o
processo está contaminado pelo prejulgamento próprio
dos regimes autoritários. Nesse caso, a imprensa perde a
legitimidade para formar opinião na sociedade. O julgamento é político. Mas, se não houver uma
constatação inequívoca da quebra do decoro parlamentar, qualquer eventual condenação será ilegítima. Condenar pelas aparências, especialmente se o conjunto de
indicações estiver distorcido, é romper a linha que separa
a autoridade da tirania. 107
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