Introdução à Avaliação do
Estado Nutricional
Autora :
Cristina Martins. Nutricionista pela Universidade Federal do Paraná. Doutora em Ciências Médicas – Nefrologia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Nutrição Clínica pela New York University; Dietista
Registrada pela American Dietetic Association; Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Federal do Paraná;
Especialista em Nutrição Renal pela American Dietetic Association; Especialista em Suporte Nutricional Enteral e
Parenteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral; Coordenadora do Setor de Nutrição da Clínica
de Doenças Renais de Curitiba e da Fundação Pró-Renal Brasil; Diretora Geral da NUTRO Soluções Nutritivas e Diretora
Acadêmica e de Produção do Instituto Cristina Martins de Educação em Saúde.
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Revisão: 2011
Projeto Gráfico e Diagramação: Valter Fila
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Introdução à Avaliação do
Estado Nutricional
Cristina Martins
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
Após a leitura deste capítulo, você deverá estar apto a:
yy Definir a má nutrição e a desnutrição.
yy Descrever a diferença entre a desnutrição primária e a secundária.
yy Identificar as formas de desnutrição calórico-proteica.
yy Identificar a prevalência da desnutrição na população em geral e em pacientes hospitalizados no Brasil.
yy Descrever a classificação da obesidade.
yy Identificar a distribuição ginóide e a andróide do excesso de gordura corporal.
yy Identificar a prevalência da obesidade em nosso país.
yy Reconhecer as principais consequências da obesidade.
yy Definir a vigilância nutricional.
yy Descrever a diferença entre triagem, avaliação e diagnóstico nutricional.
yy Relacionar seis riscos nutricionais.
yy Descrever os métodos subjetivos e objetivos da avaliação do estado nutricional.
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PROBLEMATIZAÇÃO - ESTUDO DE CASO
L.D.P., sexo feminino, 42 anos de idade, foi ao seu consultório com o objetivo de perder peso.
Relata ganho de peso com início há 10 anos, após o nascimento de seu 3o filho. Relata várias
tentativas de perda de peso nos últimos anos. Porém, as perdas de peso foram seguidas de
retomada. A última tentativa foi em um programa popular, com dieta de aproximadamente
800kcal por dia. Sem história familiar de diabetes, doença cardíaca ou hipertensão; mãe
obesa. Relata hipertensão (classificada como moderada pelo seu médico). Nega uso de medicamentos e suplementos de vitaminas e minerais. Nega alergias, tabagismo e etilismo.
Relata realizar, usualmente, três refeições ao dia e não praticar exercícios físicos. Ao exame
físico, foi observada grande concentração de gordura na região abdominal. Peso atual=98kg,
estatura=156cm, circunferência da cintura=123cm e circunferência do quadril=97cm.
Apresenta glicemia no mês anterior de 137mg/dL, colesterol de 240mg/dL e triglicerídeos de
267mg/dL. Os testes para alterações endócrinas apresentavam-se normais.
Um mês após a consulta, a paciente sofreu um acidente automobilístico, resultando em fraturas múltiplas. Ficou hospitalizada por duas semanas na UTI, em coma, abdome distendido e
em ventilação mecânica. Nesse período, a paciente permaneceu nove dias em jejum.
.
1.
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7.
Como no caso apresentado, a obesidade é comum na população em geral?
Qual é o índice de massa corporal (IMC) da paciente? Como está classificado?
O que reflete o dado da circunferência da cintura da paciente?
Qual é o resultado da relação cintura-quadril? O que reflete?
Enumere, pelo menos, cinco riscos promovidos pela obesidade dessa paciente?
A desnutrição é um grande problema da população em geral em nosso país?
Após o acidente automobilístico, quais fatores de risco nutricionais podem ser enumerados para a paciente?
8. Quais consequências podem ser esperadas com a desnutrição intra-hospitalar dessa
paciente?
9. Quais métodos podem ser utilizados para avaliar o estado nutricional dessa paciente,
antes e depois de seu acidente?
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Introdução à Avaliação do Estado Nutricional
A
nutrição adequada é essencial para o bem-estar de qualquer sociedade ou indivíduo dentro
dela. A variedade, a qualidade e a quantidade
de alimentos disponíveis, e o padrão de ingestão alimentar, podem afetar profundamente a saúde.
Até mais da metade do século passado, as doenças infecciosas eram a maior causa de morte em nosso país. As deficiências nutricionais eram comuns. O
escorbuto, por exemplo, está entre as primeiras doenças reconhecidas como deficiência nutricional no mundo. Outras, como o raquitismo, a pelagra, o beriberi,
a xeroftalmia e o bócio (causados por deficiência de
vitamina D, niacina, tiamina, vitamina A e iodo, respectivamente), eram encontradas comumente em todo
o mundo. Essas deficiências nutricionais ainda estão
presentes em vários países em desenvolvimento, e em
certos grupos populacionais ou clínicos no mundo inteiro. Melhores condições sanitárias, o desenvolvimento de vacinas e imunização em massa, mais cuidados
com a saúde e a maior disponibilidade de alimentos,
juntamente com a fortificação e o enriquecimento de
algumas fontes alimentares, diminuíram significativamente a epidemia das doenças infecciosas. O desenvolvimento de melhores métodos para a determinação
do conteúdo de nutrientes dos alimentos, foi, também,
um aspecto importante. Com isso, a deficiência de nutrientes tornou-se menos comum.
Entretanto, o aumento da expectativa de vida, o
melhor padrão econômico e a maior abundância de
alimentos trouxeram as doenças crônicas. Estas são
as principais causadoras de morte em nosso meio.
Em conjunto com a redução da atividade física, devido a maior industrialização, o excesso de ingestão de
energia e de gordura tem grande contribuição para o
desenvolvimento de enfermidades crônicas. As doenças relacionadas ao excesso ou aos desequilíbrios nutricionais incluem as cardiovasculares (aterosclerose,
infarto, acidente vascular cerebral, hipertensão), certos
tumores e o diabetes mellitus. Mesmo outras causas
de morte podem estar relacionadas à ingestão. Por
exemplo, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas
está relacionado a mortes provocadas por acidentes,
homicídios, suicídios e doenças hepáticas crônicas.
Portanto, frente à forte relação do estado nutricional
com a saúde e a doença, e em conjunto com o aumento do interesse público e profissional, existe grande necessidade de proficiência nessa área. A capacidade de
identificar pessoas em risco nutricional para, depois,
efetivamente melhorar suas condições de saúde, faz
da avaliação do estado nutricional uma ferramenta essencial para todos os profissionais da saúde.
BASES DO ESTADO
NUTRICIONAL
O estado nutricional reflete o equilíbrio entre a
ingestão e a demanda (necessidade) de nutrientes de
um indivíduo (Fig. 1). A manutenção do equilíbrio é dependente de vários fatores. A ingestão de nutrientes
depende tanto de fatores associados aos alimentos,
quanto daqueles relacionados à digestão e absorção.
A demanda de nutrientes cobre as necessidades básicas do corpo, mesmo para períodos de crescimento e
desenvolvimento, como infância, adolescência e gestação. Situações especiais, como estresse fisiológico,
febre, infecção e doenças, podem alterar significativamente as necessidades de nutrientes de um indivíduo.
Não existem dúvidas que a piora no estado
nutricional de um indivíduo pode trazer consequências
desastrosas. Dentre elas, maior número e tempo de
hospitalizações, maiores complicações e cicatrização
lenta de feridas. No âmbito da economia, o estado
nutricional alterado, direta ou indiretamente, conduz a
pouca produtividade e a gastos elevados para o indivíduo e para a sociedade.
Fig. 1 Estado nutricional adequado: equilíbrio entre ingestão e necessidade de nutrientes
5
DESNUTRIÇÃO
DEFINIÇÃO DA DESNUTRIÇÃO
O que é a desnutrição? É visível, na literatura, a
falta de uniformidade na definição da desnutrição, ou
mesmo dos termos “desnutrição” e “má nutrição”.
Neste texto, a má nutrição é definida como um problema global, resultado do desequilíbrio entre as necessidades do corpo e a ingestão de nutrientes (Fig. 2).
Com isso, a consequência é a deficiência, a toxicidade
ou a obesidade. Já a desnutrição, ou subnutrição, é
um distúrbio do estado nutricional decorrente da deficiência nas reservas corporais de energia e qualquer
outro nutriente. Os motivos que levam a desnutrição
podem ser a deficiência na ingestão e a modificação
no metabolismo (ex.: alteração na digestão; diminuição
na absorção, na utilização ou na síntese; desequilíbrio
na excreção).
Então, a má nutrição pode ser definida como uma
condição aguda, subaguda ou crônica, referente à deficiência ou ao excesso de nutrientes, com ou sem a
presença de processo inflamatório. Mas, sempre, com
consequente alterações na composição corporal e diminuição da função corporal.
Para adultos em situações clínicas, um consenso
internacional apresentou definição para as síndromes
da desnutrição (1). A proposta incluiu três nomenclaturas: 1) “desnutrição relacionada à inanição”; 2) “desnutrição relacionada à doença ou condição crônica”; 3)
“desnutrição relacionada à doença ou injúria aguda”.
A “desnutrição relacionada à inanição” é quando há
baixa ingestão alimentar crônica, mas sem inflamação.
Um exemplo de condição clínica é a anorexia nervosa. Na “desnutrição relacionada à doença ou condição
crônica”, a inflamação é crônica e de grau leve a moderado. Exemplos são alguns tipos de câncer, doença
renal crônica, diabetes e síndrome metabólica. Já na
“desnutrição relacionada à doença ou injúria aguda”, a
inflamação é aguda e grave. Exemplos são as grandes
queimaduras, sepse e traumas.
No ambiente clínico, a gravidade e a persistência
do processo inflamatório resulta em depleção do tecido muscular e consequente alteração funcional. Nessa
forma de desnutrição, pode haver, também, diminuição da ingestão de nutrientes, em virtude da anorexia
que acompanha a inflamação. Com isso, há promoção
adicional da perda da massa corporal magra.
Nesse contexto, a importância de identificar a
6
presença ou a ausência de resposta inflamatória tem
foco na terapia nutricional. Quando a inflamação está
ausente, o foco do tratamento é puramente o aporte nutricional apropriado. Já a presença da inflamação limita a eficiência das intervenções nutricionais
e exige tratamento da doença/condição promotora
do problema. Com a inflamação, há aumento do gasto energético e da excreção urinária de nitrogênio e,
consequentemente, alteração das necessidades nutricionais. Porém, devido aos distúrbios metabólicos que
acompanham o processo inflamatório, o aumento do
aporte nutricional pode reverter ou prevenir a perda da
massa muscular do indivíduo somente parcialmente.
Além disso, quando o processo inflamatório está presente, é importante classificá-lo em leve, moderado ou
grave (1). E se é temporário ou crônico.
Nessa definição acima, o indivíduo pode estar em
uma ou mais das condições. E pode mudar de uma
para outra. Isso, por exemplo, pode ocorrer na desnutrição relacionada à doença ou condição aguda ou
crônica. Nesses casos, se há retardo da intervenção
alimentar, a inanição concomitante vai se sobrepor, de
forma iatrogênica, ao conjunto de alterações consequentes do processo inflamatório.
Indivíduos obesos também podem ser identificados
em qualquer das condições de desnutrição descritas.
A perda de massa muscular da obesidade (obesidade
sarcopênica) pode representar o estado inflamatório
crônico e leve (2).
Embora o foco da desnutrição usualmente seja baseado na massa magra, principalmente, e gorda, as
deficiências de micronutrientes são incluídas como
consequência. O músculo esquelético é o maior reservatório de proteína do corpo. E é o mais afetado
pela desnutrição, particularmente da envolvida com o
processo inflamatório. As citocinas inflamatórias promovem aumento do catabolismo muscular, além de
inibirem a síntese proteica e a reposição muscular.
Com isso, a contratibilidade e a força muscular são
afetadas. Consequentemente, a funcionalidade do indivíduo estará alterada.
CLASSIFICAÇÃO DA DESNUTRIÇÃO
A desnutrição não é somente uma doença. Ao
contrário, é uma série de distúrbios que abrangem as
consequências patofisiológicas da baixa ingestão, do
jejum prolongado (inanição) e/ou da injúria. Por isso, é
chamada de síndrome da desnutrição.
Introdução à Avaliação do Estado Nutricional
Desnutrição Secundária
Diferente da primária, a desnutrição secundária é o
resultado de outras enfermidades, agudas ou crônicas,
como condições de má absorção, anorexia provocada
por doenças sistêmicas, hipermetabolismo, insuficiência de órgãos, alcoolismo, entre muitas outras causas.
A distinção entre as duas é importante, principalmente porque a recuperação de cada uma delas não é
equivalente. A desnutrição secundária pode ser extremamente difícil de ser controlada ou revertida.
Fig. 2 Evolução da má nutrição
De forma clássica, a desnutrição pode ser classificada em primária ou secundária (desnutrição relacionada à doença), que são relativas à origem da deficiência nutricional.
Desnutrição Primária
A desnutrição primária se caracteriza pela inadequação e desequilíbrio da alimentação, tanto na qualidade, como na quantidade.
Desnutrição Calórico-Proteica
Além da classificação quanto à origem do problema, historicamente a desnutrição é classificada quanto à fonte do nutriente com maior deficiência. A forma
mais clássica é a desnutrição calórico-proteica. As modalidades são: marasmo, kwashiorkor ou kwashiorkormarasmático (Quadro 1). Estas classificações podem
ter limitações, particularmente porque foram derivadas
das síndromes pediátricas. E foram definidas em um
tempo que pouco se sabia da relação da inflamação
com a desnutrição.
MARASMO. O marasmo seria o estado avançado da desnutrição calórico-proteica. Ele ocorre como
resultado da semi inanição (diminuição da ingestão,
como na anorexia nervosa) ou da limitação na assimilação de nutrientes (ex.: má absorção, obstrução do
trato gastrintestinal, disfagia). O marasmo se desenvolve ao longo do tempo. As características clínicas do
marasmo incluem redução de peso, de músculo esquelético e de tecido adiposo, com níveis de proteínas
viscerais normais ou levemente diminuídas. A característica básica é a ausência de edema (3) e de processo
inflamatório. O peso atual está, em geral, menor que
60% do apropriado para a altura.
No marasmo, a intervenção nutricional adequada é
primordial para a recuperação e reversão do quadro.
KWASHIORKOR. Na outra ponta da desnutrição
calórico-proteica está o kwashiorkor. Este é um nome
africano que as mães davam para descrever a condição de seus filhos (3). É conhecido como a “doença do
primeiro filho, quando o segundo nasceu”, refletindo a
associação entre o kwashiorkor e o desmame recente
(4). É chamado, também, de “desnutrição maligna” ou
“síndrome crônica pluricarencial” (4).
O problema vem sendo descrito como uma síndrome promovida pela ingestão baixa de proteínas,
enquanto a de energia é normal ou elevada. Na ver-
7
dade, a causa não está clara, pois pode não ser um
fenômeno puramente nutricional (3). Uma justificativa
para esse pensamento é o fato de que, nas regiões do
mundo onde o kwashiorkor é encontrado, ele coexiste
com o marasmo. O kwashiorkor é tipicamente visto em
crianças (embora também ocorra em adultos) de países subdesenvolvidos, que são alimentadas adequada ou excessivamente com energia, principalmente à
base de milho e de mandioca.
Mas o que diferencia a probabilidade de, em condições semelhantes, algumas crianças desenvolverem o
kwashiorkor e outras o marasmo? A sugestão é que a
ingestão baixa de proteína pode ser um fator de risco,
mas não é a causa única para o desenvolvimento do
kwashiorkor (3). Uma proposta é que o edema do kwashiorkor não seja originado da hipoproteinemia ou da
ingestão deficiente de proteína, mas da alteração na
capacidade do corpo manejar sódio (3).
Também parece existir associação entre o desenvolvimento do kwashiorkor e a presença de aflatoxina
no sangue (resultado da contaminação de alimento por
uma espécie de fungo), embora não em todos os casos (3). Além disso, a inflamação e o estresse oxidativo
podem causar o kwashiorkor (5). E a hipoproteinemia
ser uma consequência.
Portanto, tem sido proposto que o kwashiorkor não
seja descrito como, simplesmente, uma doença causada pela deficiência na ingestão proteica. Mas como
uma síndrome complexa, onde há alteração no metabolismo proteico, associada à infecção, inflamação ou
injúria (6).
As características clínicas do kwashiorkor incluem
proteínas viscerais significativamente depletadas, presença de sobrecarga hídrica, esteatose hepática e
anormalidades na imunidade celular e na função muscular. Mas é importante lembrar que a albumina é um
reagente de fase aguda negativa. Ou seja, a sua síntese hepática diminui quando ocorre o processo inflamatório. Portanto, a síntese, a quebra e a saída da albumina para o compartimento vascular, com o edema,
são influenciadas pela resposta inflamatória. E isso
pode ocorrer mesmo em face à ingestão adequada de
energia e de proteína.
No kwashiorkor clássico, as crianças apresentam
alterações dermatológicas e estão, usualmente, muito
irritáveis. Grande parte das crianças com kwashiorkor
apresenta infecção, diarreia e evidência de deficiência de vários nutrientes. As crianças podem apresentar
8
estatura normal ou baixa. O peso para a altura pode
estar baixo, normal ou mesmo elevado (3). Porém, na
classificação original, as crianças apresentam peso
60 a 80% do adequado para a estatura, mesmo com
edema.
O kwashiorkor verdadeiro é incomum em países desenvolvidos. Entretanto, pode ser identificado como a
condição de hipoalbuminemia induzida pelo estresse.
Ou como desnutrição hipoalbuminêmica. A condição
pode ser encontrada em pacientes com trauma, queimaduras, cirurgia, diálise peritoneal ou sepse. Porém,
algumas características não são semelhantes ao kwashiorkor classicamente descrito. Para a rotina clínica
de adultos, certos autores não recomendam o uso do
termo (6).
KWASHIORKOR-MARASMÁTICO. A maioria dos
pacientes desnutridos hospitalizados exibe a combinação de marasmo e kwashiorkor (desnutrição mista).
O tipo é também chamado de subnutrição calóricoproteica do adulto (6). A grande diferença desse tipo
de desnutrição é que ela é aguda, não é preservada
nenhuma reserva corporal, e o edema está presente.
E é, usualmente, consequência da resposta inflamatória sistêmica, devido à infecção, inflamação ou injúria.
Há redução da ingestão energético-proteica. As proteínas viscerais estão baixas. E pode haver presença de
edema.
Para crianças com kwashiorkor-marasmático, o
peso apresenta-se abaixo de 60% do apropriado para
a estatura (7). Para adultos, o peso pode estar igual ou
abaixo de 80% do ideal (6). Entretanto, o edema pode
dificultar a avaliação.
Em adultos, o marasmo e o kwashiorkor podem
ocorrer como consequência da AIDS, certos tipos de
câncer, algumas doenças gastrintestinais, alcoolismo e
abuso de outras substâncias. Muitos desses pacientes
apresentam o kwashiorkor-marasmático.
CAQUEXIA. A caquexia é descrita em pacientes
com câncer, AIDS ou outras doenças crônicas. O termo refere-se à perda de peso corporal e de massa
muscular, com presença de fraqueza. É definida como
um processo pró-inflamatório sistêmico, incluindo alterações metabólicas associadas, como a resistência
periférica à insulina, o aumento da lipólise e da proteólise, com perda de massa muscular e gordurosa. Na
síndrome, ocorre anorexia, perda de peso, alterações
metabólicas e processo inflamatório. O último pode ser
de intensidade leve a moderada. Mas é persistente,
Introdução à Avaliação do Estado Nutricional
Quadro 1. Características da desnutrição calórico-proteica
Marasmo
Kwashiorkor
Combinado (Misto)
Cenário Nutricional
Diminuição da ingestão calórica
e proteica
Diminuição da ingestão proteica
Diminuição da ingestão calórica e
proteica, acompanhada de estresse
Cenário Clínico
Inanição prolongada
Anorexia
Doença crônica
Velhice
Dietas da moda
Dietas líquidas
Jejum prolongado ou somente
soros por longo prazo
Estresse catabólico sem suporte nutricional
Tempo de Curso
Meses a anos
Aparência de fome
Diminuição das medidas antropométricas e peso/altura
Semanas a meses
Pode ter aparência bem nutrida
ou obesa
Ascite pode estar presente
Medidas antropométricas normais
Dias a semanas
Aparência moderada ou grave de
fome
Diminuição das medidas antropométricas
Achados Laboratoriais
Proteínas viscerais normais
Diminuição das proteínas viscerais
e contagem de linfócitos
Anergia
Diminuição das proteínas viscerais
Curso Clínico
Preservação razoável da reação
ao estresse de curto prazo
Diminuição da cicatrização de
feridas e imunocompetência
Diminuição da cicatrização de
feridas
Aumento das complicações
Recuperação lenta
Taxa de Mortalidade
Baixa
Alta
Alta
a menos que a condição que promoveu o problema
seja tratada. Por isso, a intervenção nutricional sozinha
pode não ser bem sucedida.
SARCOPENIA. Refere-se à perda de massa muscular que ocorre com o envelhecimento. É uma síndrome
multifatorial. Os fatores contribuintes incluem mudanças nos hormônios anabólicos, perda do equilíbrio neuromotor, diminuição da ingestão proteica e declínio da
atividade física. Mas a síndrome também pode estar
envolvida com o processo inflamatório e com o estresse oxidativo.
PREVALÊNCIA DA DESNUTRIÇÃO
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de
2008-2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), relata que o déficit de peso acomete em torno de 2,7% (1,8% em homens e 3,6%
em mulheres) da população brasileira de adultos (8).
Esse valor é baixo e compatível com os padrões internacionais, já que é esperado que até 5% dos indivíduos
tenham constituição magra. Para homens brasileiros
com idade igual ou maior que 75 anos, o déficit de
peso aumenta para 4,4%. O déficit de peso diminui,
entre homens e mulheres, à medida que a condição
financeira aumenta.
Para crianças e adolescentes até 19 anos, o POF
2008-2009 também mostrou que o crescimento dos
brasileiros nessa faixa etária é comparável aos padrões
internacionais. Há déficit de peso em 4,1% das crianças de 5 a 9 anos. O déficit atinge somente 3,4% dos
adolescentes, com pouca variação entre sexos e grupos de idade. Esses resultados indicam a baixa frequência de quadros atuais de desnutrição nessa população brasileira.
Por outro lado, na prática clínica, a desnutrição
calórica-proteica é a forma mais comum de subnutrição encontrada. A característica é a perda excessiva
de massa corporal, resultante da ingestão insuficiente de energia e/ou proteína, e/ou do aumento das
necessidades de nutrientes que acontece em certas
doenças. Existem evidências que alguns marcadores
nutricionais, como antropométricos, proteínas séricas
e função imunológica, não necessariamente estão de
acordo com o desfecho dos pacientes (ex.: mortalidade, infecções, complicações, tempo de hospitalização)
(9). Em pacientes hospitalizados, essa forma de desnutrição pode ter prevalência de 33%. Porém, pode
ser mais alta em países desenvolvidos, em hospitais
públicos ou de ensino, ou em unidades cirúrgicas ou
clínicas (10).
Na América Latina, o ELAN (Estudo LatinoAmericano de Nutrição), realizado em 12 países, inclusive no Brasil, demonstrou aproximadamente 50,2%
de desnutrição na população hospitalizada estudada
(11). Os indivíduos com maior risco nutricional, identificados nesse estudo, foram aqueles com idade acima
9
Fig. 3 Esquemas das consequências da desnutrição
de 60 anos, presença de infecção ou câncer e com
maior tempo de hospitalização.
Um estudo multicêntrico, realizado somente em
hospitais públicos de nosso país, o Inquérito Brasileiro
de Desnutrição Hospitalar (IBRANUTRI), mostrou que
48,1%, dos 4.000 pacientes avaliados, apresentavam
algum grau de desnutrição, sendo que 12,6% eram
desnutridos graves (12).
Entretanto, é importante considerar que a prevalência depende de como a desnutrição é definida. Um
exemplo clássico é o estudo de Bistrian e colaboradores que, dentro de uma mesma população estudada
de pacientes hospitalizados, a desnutrição variou de
44% a 76%, dependendo dos métodos utilizados para
avaliar o estado nutricional (13).
CONSEQUÊNCIAS DA DESNUTRIÇÃO
As consequências da desnutrição dependem da
condição anterior do indivíduo, da magnitude e tempo que a alteração nutricional existe, e da presença
de outras condições ou doenças. Embora a relação
entre a desnutrição e os resultados do indivíduo seja
obscurecida por outros fatores, como a natureza e a
gravidade da doença, o tempo de hospitalização parece ser o principal indicador de problemas. Ou seja,
o estado nutricional tende a declinar com o tempo de
hospitalização. A desnutrição aumenta as taxas de
complicações, como deficiência na cicatrização de
feridas e alteração nos mecanismos imunológicos.
Consequentemente, eleva o tempo de hospitalização
e aumenta o risco de morte (14, 15) (Fig. 3)
OBESIDADE
A obesidade também é um distúrbio do estado
nutricional. Ou seja, também é uma má nutrição.
10
DEFINIÇÃO DA OBESIDADE
É, atualmente, bem reconhecido que a obesidade
seja uma doença complexa e de causas multifatoriais.
Ela é caracterizada por acúmulo excessivo de tecido
adiposo.
CLASSIFICAÇÃO DA OBESIDADE
A obesidade pode ser diagnosticada de modo
quantitativo ou qualitativo.
Quantitativo
A classificação quantitativa se refere à massa
corporal, ou massa de tecido adiposo. Para avaliar a
quantidade, o índice de massa corporal (IMC=peso/
altura2) é o mais utilizado. O IMC é uma medida indireta da gordura corporal, pois possui boa correlação
com a adiposidade (16), mesmo em crianças e adolescentes (17). Porém, o IMC não distingue a composição corporal (massa magra ou gorda) ou a localização
da gordura (central ou periférica). Além disso, o IMC
pode superestimar o grau de obesidade em indivíduos
muito musculosos. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) classifica o IMC de acordo com o Quadro 2.
Nessa classificação, a obesidade é definida como IMC
30kg/m2 e pode ser estratificada em graus (18).
Quadro 2. Classificação do índice de massa corporal
(18)
Classificação
kg/m2
Abaixo do peso ideal
<18,5
Peso normal (ideal)
18,5-24,9
Excesso de peso (sobrepeso)
25,0-29,9
Obesidade leve ou classe I
30-34,9
Moderada ou classe II
35-39,9
Grave ou classe III
>40
Introdução à Avaliação do Estado Nutricional
Qualitativo
A classificação qualitativa da obesidade se refere à
composição corporal, mais precisamente à distribuição
da gordura, que pode ser:
GINÓIDE (OU GINECÓIDE). Essa classificação é
utilizada quando a massa gordurosa está concentrada
principalmente nos quadris, coxas e glúteos (Fig. 4a).
É a chamada obesidade do tipo “pêra”. Nesse caso, as
complicações mais comuns são as vasculares periféricas e os problemas ortopédicos.
ANDRÓIDE. Essa classificação é usada quando a
massa gordurosa está concentrada principalmente em
tronco e abdome (Fig.4b). É a chamada obesidade do
tipo “maçã”. Essa modalidade de obesidade apresenta
maior risco para as doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e para a morte.
Fig. 4a Obesidade ginóide
Fonte: Getty Images ®
Fig. 4 Tipos de Obesidade
Fig. 4b Obesidade andróide
Fonte: Imagem obtida com
permissão escrita
A gordura abdominal pode ser dividida em subcutânea e visceral. Em geral, os fatores de risco associados à obesidade estão relacionados, principalmente, à
deposição excessiva da gordura visceral (19). Medidas
antropométricas simples, como a circunferência da cintura e a relação cintura-quadril (razão entre as medidas
da circunferência da cintura e do quadril) são usadas
em estudos epidemiológicos para avaliar a gordura abdominal. Os pontos para o maior risco cardiovascular
para a circunferência da cintura são 102cm para homens e 88cm para mulheres (20, 21). Para a relação cintura-quadril, o risco é quando o resultado está
0,95 para homens ou 0,80 para mulheres (22, 23).
Entretanto, de maneira mais apurada, somente técnicas de imagem, como a tomografia computadorizada
e a ressonância magnética, são capazes de distinguir
entre as gorduras subcutânea e visceral (24).
Em um grande estudo que incluiu vários países, a
gordura abdominal, avaliada pela relação cintura-quadril, apresentou associação mais forte e significativa
para o risco de infarto de miocárdio do que o IMC (25).
Esses resultados sugerem que a classificação qualitativa da obesidade, particularmente a andróide, pode ser
mais apropriada para avaliar o risco de morte do que a
quantitativa, baseada no IMC.
PREVALÊNCIA DA OBESIDADE
Atualmente, a obesidade é o maior problema de
saúde pública no mundo inteiro. O distúrbio nutricional
atinge todas as classes sociais e faixas etárias. Várias
pesquisas fornecem dados importantes da prevalência
de excesso de peso e de obesidade em populações
específicas. Na Europa, o aumento da prevalência da
obesidade também é preocupante. De forma interessante, na maioria dos países europeus, quanto melhor
o nível socioeconômico, menor é o excesso de peso, e
vice-versa.
Entretanto, a obesidade não se resume aos países
desenvolvidos. No Brasil, a prevalência da obesidade
também aumenta significativamente. A Pesquisa de
Orçamentos Familiares de 2008-2009, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou
que o excesso de peso foi diagnosticado em cerca de
metade dos homens e das mulheres (8). Os resultados
excedem em 28 vezes a frequência de déficit de peso
no sexo masculino e em 13 vezes no sexo feminino. Em crianças de cinco a nove anos de idade, a prevalência de excesso de peso oscila entre 25% a 30%
nas Regiões Norte e Nordeste (mais do que cinco vezes a prevalência de déficit de peso). E de 32% a 40%
nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste (mais do que
10 vezes a prevalência de déficit de peso). O excesso
de peso tende a ser mais frequente no meio urbano do
que no rural. Em adolescentes, o excesso de peso foi
diagnosticado em cerca de um quinto do grupo avaliado, excedendo em seis vezes a frequência do déficit de
peso. O diagnóstico de obesidade foi feito em 12,5%
dos homens e em 16,9% das mulheres. Houve aumento da frequência de excesso de peso e de obesidade
com a idade até a faixa etária de 45 a 54 anos, em
homens, e até 55 a 64 anos, em mulheres. Houve declínio de excesso de peso nas idades subsequentes. As frequências de excesso de peso e de obesidade
aumentaram com a renda no sexo masculino. No sexo
feminino, a relação do excesso de peso e de obesidade
11
foi curvilínea, sendo que a maior prevalência foi observada em classes intermediárias de renda.
CONSEQUÊNCIAS DA OBESIDADE
A obesidade afeta todo o organismo e pode interferir em qualquer órgão ou sistema. O distúrbio é um
fator predisponente para várias doenças e condições
crônicas. Foi demonstrada, já há muitas décadas, que
a obesidade é um fator de risco independente para as
doenças cardiovasculares (26). Além disso, a distribuição abdominal da gordura, particularmente a visceral,
aumenta o risco de certos tipos de câncer. Também,
tanto a obesidade abdominal, como a geral, são fatores de risco fortes e independentes de previsão para o
risco de diabetes tipo 2 (27).
Em geral, as comorbidades associadas à obesidade
são: dislipidemias, hipertensão arterial, diabetes tipo
2, resistência periférica à insulina, aterosclerose, hepatopatias, cálculos de vesícula biliar, apneia do sono, refluxo gastresofágico, artrite e vários tipos de tumores.
Essas doenças e condições aumentam a necessidade de uso de medicamentos, afetam a qualidade
de vida e, por fim, diminuem a expectativa de vida do
indivíduo.
VIGILÂNCIA NUTRICIONAL
Vigilância nutricional são as atividades necessárias
para fornecer informação, de tempo em tempo, sobre
o estado nutricional e a contribuição da ingestão de
alimentos e de nutrientes da população saudável.
Praticamente todas as pesquisas na área de nutrição, realizadas pelo governo, universidades, indústrias,
hospitais ou outras instituições, de forma individual ou
coletiva, envolvem algum aspecto da avaliação do estado nutricional. Por isso, são habilidades essenciais,
para qualquer profissional envolvido, a compreensão
da teoria por trás das técnicas de avaliação, suas vantagens, desvantagens e limitações, e a proficiência em
seus usos.
PROCESSO DO CUIDADO
NUTRICIONAL
O processo de cuidado nutricional pode ser definido
como um método sistemático de resolução de proble-
12
mas, usado para pensar criticamente e tomar decisões
(28). O intuito é fornecer cuidado nutricional seguro e
efetivo.
O processo consiste de seis passos distintos, porém
inter-relacionados e conectados: a) Triagem do Risco
Nutricional, b) Avaliação Nutricional (do Estado e das
Necessidades Nutricionais), c) Diagnóstico Nutricional,
d) Intervenção Nutricional, e) Monitoramento e
Avaliação dos Resultados. A Fig. 5 apresenta a sistematização do processo.
Mesmo que cada passo tenha base no anterior, o
processo de cuidado nutricional não é linear. O objetivo
é trabalhar detalhadamente com os passos da triagem
ao diagnóstico nutricional, que também determinam o
monitoramento e a avaliação dos resultados. A intervenção nutricional exige um contexto amplo e profundo
de discussões da avaliação nutricional.
A identificação de indivíduos com risco nutricional
é a maior atividade necessária para fornecer intervenção custo-efetiva e ajudar a conter custos nos sistemas de saúde. Em muitas situações, mesmo que o
diagnóstico nutricional não esteja claramente definido,
os métodos de avaliação aplicados podem predizer se
uma intervenção é necessária. Para isso, utiliza-se a
terminologia “risco nutricional”.
Alguns fatores indicativos de risco nutricional são:
1) perda ou ganho de peso não intencional 10% do
usual, dentro de seis meses, 2) perda de peso não
intencional 5% do usual em um mês; 3) peso atual
20% acima ou abaixo do ideal; 4) presença de doença crônica; 5) necessidades metabólicas elevadas; 6)
ingestão alimentar insuficiente por mais de sete dias,
incluindo alteração da capacidade de ingerir ou absorver, de maneira adequada, os alimentos (29).
Em geral, quando um indivíduo perde peso de
maneira intencional, ele não é considerado em risco
nutricional. Entretanto, em situações como a anorexia
nervosa, a perda de peso pode ser desastrosa. E é
intencional. A maior diferença em ser intencional, ou
não, está no fato de que a perda não intencional é,
geralmente, secundária a uma doença.
A perda intencional de peso desencadeia mecanismos homeostáticos que trabalham para preservar
o nitrogênio corporal, presente na massa magra. Em
condições de doença ou trauma, a perda de nitrogênio
é acelerada.
Introdução à Avaliação do Estado Nutricional
Fonte: adaptado de Ukleja et al, 2010 (30)
Fig. 5 Processo do cuidado nutricional
TRIAGEM DO ESTADO NUTRICIONAL
A triagem é um processo usado para identificar a
má nutrição ou o risco nutricional. Quando a triagem
identifica problema ou risco, é indicada uma avaliação
profunda e completa. Em hospitais, é recomendado
que a triagem nutricional seja realizada dentro das 24
horas de admissão.
A triagem nutricional pode ser executada por qualquer membro da equipe de saúde, como técnicos em
nutrição ou enfermagem, enfermeiros, nutricionistas
ou médicos. A posição da triagem nutricional no processo de cuidado nutricional está demonstrada na Fig.
5.
A triagem nutricional é um sistema de apoio. Ela
não um passo obrigatório do processo de avaliação do
estado nutricional. Mas é extremamente importante e
recomendada na rotina clínica.
AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL
A avaliação do estado nutricional, juntamente com
a determinação das necessidades de nutrientes, está
incluída na avaliação nutricional (Fig. 5).
Como a triagem, a avaliação do estado nutricional é
um processo de identificação da condição de indivídu-
os e populações. Porém, é mais profunda e completa
do que a triagem. A avaliação do estado nutricional
mede todos os indicadores do estado nutricional, com
o objetivo de identificar a possível ocorrência, natureza e extensão da alteração. O problema pode variar
da deficiência à toxicidade. É um processo detalhado,
realizado principalmente por um nutricionista. Utiliza
as histórias médica, nutricional, de medicamentos e
outras. Usa, também, dados do exame físico e informações antropométricas e laboratoriais. O objetivo é
confirmar a existência ou risco de um processo mórbido nutricional.
A avaliação do estado nutricional é o começo, o
meio e o fim de tudo que se faz em nutrição para indivíduos e populações, saudáveis ou doentes. Então,
tem importância vital para o ambiente clínico e epidemiológico.
No processo da avaliação do estado nutricional, o
objetivo sequencial é:
• Identificar o estado nutricional de indivíduos e populações;
• Identificar o risco nutricional de indivíduos e populações;
• Direcionar o planejamento de intervenções nutri-
13
cionais (ex.: mudanças na alimentação, nutrição por sonda e/ou parenteral);
• Avaliar as intervenções nutricionais implementadas.
Os tipos específicos de dados que são coletados
na avaliação variam de acordo com: a) o ambiente da
coleta; b) o estado de saúde do indivíduo ou do grupo;
c) a análise da relação dos dados com os resultados
medidos; d) as práticas recomendadas; e) a identificação se é uma avaliação inicial ou uma reavaliação (28).
A avaliação do estado nutricional requer que as informações obtidas sejam comparadas com os padrões
confiáveis de normalidades confiáveis.
Em resumo, a avaliação do estado nutricional é
um processo contínuo, dinâmico, que envolve não somente a coleta inicial de dados, mas também reavaliações periódicas. Ela fornece a base para o diagnóstico
nutricional, que é o passo seguinte do processo.
DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL
No final do processo de avaliação do estado
nutricional (Fig. 5), os dados são reunidos, analisados
e sintetizados. O diagnóstico nutricional é a resposta
dada pela avaliação.
O diagnóstico descreve alterações nutricionais do
indivíduo ou do grupo. É a identificação, a “rotulagem”
que descreve uma ocorrência, risco ou potencial para
desenvolver um problema relacionado à nutrição. É um
qualificador, um adjetivo, que descreve ou qualifica o
problema como: “alterado”, “deficiente”, “aumentado/
diminuído”, “risco de”, “agudo” ou “crônico”. Ligada ao
diagnóstico, deve estar a palavra “relacionado a”. Isso
porque é importante não somente dar o diagnóstico,
mas também identificar a causa do problema (28).
É importante ressaltar que o diagnóstico nutricional
não deve ser confundido com o diagnóstico médico
(28). O último é uma doença ou condição de órgãos
específicos ou de sistemas corporais. Nesse caso, o
problema pode ser tratado ou prevenido. Já o diagnóstico nutricional muda conforme a resposta do indivíduo ou do grupo populacional. Um diagnóstico médico
não muda, enquanto a doença ou condição existe. Por
exemplo, um indivíduo pode ter o diagnóstico médico
de “diabetes mellitus tipo 2”, e o diagnóstico nutricional
de “obesidade moderada” ou “ingestão excessiva de
carboidratos”.
O diagnóstico nutricional é a ligação, no processo
de cuidado, entre a avaliação e a intervenção. A partir
do diagnóstico, as intervenções podem ser claramente
14
endereçadas, tanto na etiologia como nos sinais e sintomas.
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO
ESTADO NUTRICIONAL
A avaliação do estado nutricional de indivíduos ou
populações utiliza procedimentos diagnósticos. A área
evoluiu da simples avaliação das flutuações de peso
e ingestão alimentar para investigações profundas.
Nestas, estão incluídos fatores interrelacionados, testes laboratoriais sofisticados e análises complexas da
composição corporal. Em geral, um único método de
avaliação não reflete precisamente o estado nutricional
e metabólico dos indivíduos. Para isso, são necessários vários métodos subjetivos e objetivos. Quatro desses são a história, o exame físico, as medidas corporais e os testes laboratoriais (Fig. 6).
HISTÓRIA
É um método baseado na entrevista (anamnese) e/
ou nos dados do prontuário médico do indivíduo. Inclui
condições atuais e passadas. A história é usada para
detectar sintomas de alteração no estado nutricional
e de todos os aspectos envolvidos com o problema.
Sintomas são manifestações de doença que o indivíduo está, usualmente, ciente e tem queixa. Uma parte importante desse método é a história alimentar, ou
dietética, baseada em registros. As ferramentas de
história alimentar englobam o levantamento de dados
sobre a quantidade e a qualidade dos nutrientes ingeridos pelo indivíduo.
As coletas podem abranger algum período de tempo (dia, dias, semanas ou vários meses). Os dados
coletados da ingestão devem ser comparados ao recomendado para o indivíduo ou população, considerando a idade, o sexo e a condição fisiológica. Pelo fato
da história ser baseada principalmente na entrevista,
é necessário o desenvolvimento de técnicas especializadas para que as informações sejam coletadas de
maneira rápida e precisa.
EXAME FÍSICO
A avaliação dos sinais de deficiências ou excessos
nutricionais é feita por um examinador qualificado, durante o exame físico. O exame físico da massa gorda e
magra é o mais comum na rotina. Avaliações físicas re-
Introdução à Avaliação do Estado Nutricional
ferentes à alterações nas reservas de micronutrientes
exigem maior treinamento do observador. Por exemplo,
as rachaduras dolorosas nos cantos dos lábios (estomatite angular) podem ser sinais de deficiência de riboflavina ou niacina. O aumento da glândula tireóide
pode ser causado pela deficiência de iodo que, no passado, era comum em algumas regiões do país.
MEDIDAS CORPORAIS
As medidas corporais servem para medir as dimensões do corpo. Elas incluem a antropometria e a avaliação da composição corporal. Exemplos de medidas
antropométricas são: peso, estatura e suas relações,
perímetro cefálico e dobras cutâneas. As medidas da
composição corporal incluem os dados oriundos da
antropometria, bioimpedância e densitometria, entre
outros. Os resultados são comparados com valores de
referência, obtidos de dados de um grande número de
indivíduos.
LABORATORIAIS
Na avaliação do estado nutricional, o método bioquímico ou laboratorial inclui a medida de um nutriente ou de seu metabólito, no sangue, nas fezes ou na
urina. Também estão incluídas as medidas de vários
outros componentes que têm relação com o estado
nutricional, no sangue e outros tecidos. A quantidade de albumina ou de outras proteínas no sangue,
por exemplo, são frequentemente consideradas como
indicadores do estado proteico corporal. Os níveis de
hemoglobina no sangue podem refletir a condição de
anemia, que pode ser nutricional. Os níveis de colesterol, que são influenciados pela alimentação, refletem o
risco para doenças cardiovasculares.
Fig. 6 Componentes da avaliação do estado nutricional: métodos
subjetivos e objetivos.
CONCLUSÃO
Existe relação direta entre o estado nutricional e
a saúde do indivíduo. No passado, as doenças infecciosas eram as maiores causas de morte em todo o
mundo. E os problemas relacionados com as deficiências de nutrientes eram comuns. Com a melhora das
condições sanitárias, o desenvolvimento de vacinas, as
imunizações em massa, o cuidado à saúde e a maior
disponibilidade alimentar, as doenças infecciosas deixaram de ser as maiores causas de morte. Com isso,
as deficiências de nutrientes se tornaram incomuns.
Na atualidade, os maiores problemas relacionados à
mortalidade são as doenças crônicas. Embora o desenvolvimento dessas doenças dependa de vários fatores, a alimentação tem contribuição substancial.
A desnutrição calórico-proteica é comum em hospitais e instituições de cuidado a longo prazo. Os pacientes desnutridos tendem a passar mais tempo hospitalizados e apresentam maior risco de complicações
e morte.
No outro extremo, a obesidade também é um
exemplo de má nutrição. E a sua prevalência está aumentando significativamente no mundo e em nosso
país. A obesidade está fortemente relacionada a várias
enfermidades, como as doenças cardiovasculares e
certos tipos de câncer.
Portanto, a presença contínua de doenças relacionada à nutrição exige, cada vez mais, que os profissionais da saúde estejam capacitados para avaliar
adequadamente o estado nutricional dos indivíduos e
populações.
A triagem utiliza técnicas simples para identificar
indivíduos em risco nutricional. Uma vez identificado
um risco ou problema, é indicada a avaliação completa
e detalhada. A avaliação do estado nutricional identifica indivíduos que necessitam de intervenção. O procedimento também serve para avaliar se a intervenção
aplicada está sendo apropriada.
A avaliação nutricional compreende a aplicação de
métodos subjetivos e objetivos. Os métodos subjetivos
incluem a história e o exame físico. E os métodos objetivos compreendem as medidas corporais e os testes
laboratoriais.
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