FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
ANA CLÁUDIA DINIZ TAKAHASHI
ANÁLISE DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR NO MERCADO DE
SAÚDE SUPLEMENTAR PAULISTANO
SÃO PAULO
2011
ANA CLÁUDIA DINIZ TAKAHASHI
ANÁLISE DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR NO MERCADO DE
SAÚDE SUPLEMENTAR PAULISTANO
Dissertação
apresentada
à
Escola
de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getulio Vargas, como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Administração de Empresas.
Área de concentração:
Gestão Socioambiental e de Saúde
Orientador: Prof. Dr. Álvaro Escrivão Junior
SÃO PAULO
2011
ANA CLÁUDIA DINIZ TAKAHASHI
ANÁLISE DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR NO MERCADO DE
SAÚDE SUPLEMENTAR PAULISTANO
Dissertação
apresentada
à
Escola
de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getulio Vargas, como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Administração de Empresas.
Área de concentração:
Gestão Socioambiental e de Saúde
Data de aprovação:
____/____/________
Banca examinadora:
Prof. Dr. Álvaro Escrivão Junior (Orientador)
FGV-EAESP
Prof. Dr. Luiz Tadeu Arraes Lopes
FGV-EAESP
Profa. Dra. Cristiana Maria Checchia Saito
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Takahashi, Ana Cláudia Diniz.
Análise do Modelo de Remuneração Hospitalar no Mercado de Saúde
Suplementar Paulistano / Ana Cláudia Diniz Takahashi. - 2011.
102 f.
Orientador: Álvaro Escrivão Junior
Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São
Paulo.
1. Sistemas de remunerações salariais. 2. Saúde – Administração – São
Paulo (SP). 3. Cadeia de valor. 4. Hospitais – Administração – São Paulo
(SP). 5. Serviços de saúde -- Custos. I. Escrivão Junior, Álvaro. II.
Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São
Paulo. III. Título.
CDU 614.2(816.11)
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Ao Sergio, meu companheiro de vida e exemplo de determinação, pelo apoio, pela
compreensão e principalmente por ser a luz no meu caminho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela oportunidade de viver essa experiência engrandecedora;
À minha família, especialmente: meu pai Paulo Macoto e minha mãe Maria
Antonieta, meu irmão Rogério e sua linda família: Flavia e Sofia, meus tios Inês,
Roberto e meu primo Gabriel, minha tia Dina: obrigada pela compreensão das
minhas ausências e pelo apoio incondicional;
Ao Rafael, Carolina, Marcos, Lucas, Daniel e Marina, por serem essas pessoas
especiais que nos trazem tanta alegria;
Ao meu orientador e amigo, Professor Álvaro Escrivão Junior, pela orientação, pela
paciência e por me transmitir confiança e serenidade em todos os momentos;
Aos Professores: Cristiana Maria Checchia Saito e Luiz Tadeu Arraes Lopes, pelas
importantes contribuições a esse trabalho;
Ao Hospital 9 de Julho, especialmente: Luiz de Luca, pela oportunidade e
aprendizado tão intensos;
Aos amigos Daniela Barone, Marizely Fernandes e Vando Andrade, pela
compreensão e amizade;
Aos colegas de mestrado, especialmente Ricardo Bessa, Maria Grazia Justa,
Marcella Freitas e Mariana Carrera, pela convivência e troca de experiências;
À amiga Professora Ana Maria Malik, fonte de inspiração, pela atenção e apoio nos
momentos certos;
À Leila Dall’Acqua pela alegria contagiante e Isabella Fumeiro por sua valiosa ajuda;
Aos entrevistados, pela atenção e cordialidade e por disponibilizarem seu precioso
tempo e suas informações, tão importantes para esse trabalho;
À CAPES, pela bolsa de estudos.
Dedico esse trabalho aos meus queridos pais,
exemplos de dedicação e generosidade, que
sempre me ensinaram os reais valores da vida
e
que
não
mediram
esforços
para
proporcionar a melhor educação possível.
me
“Seja a mudança que você quer ver no mundo.”
(Gandhi)
RESUMO
Há muito tempo os modelos de remuneração hospitalares e as limitações do fee-forservice são discutidos no Brasil e no mundo. Além disso, o aumento crescente de
custos do sistema de saúde suplementar e as queixas incessantes quanto à
qualidade da assistência à saúde levaram a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) a criar dois Grupos de Trabalho com o objetivo de estudar e
desenvolver
novos
modelos
de
remuneração,
sendo
um
deles
voltado
exclusivamente para os hospitais. Tendo isso em conta, essa dissertação buscou
analisar os modelos de remuneração hospitalares no mercado de saúde
suplementar em São Paulo, com o objetivo de verificar se ainda há predomínio do
fee-for-service e se há iniciativas de mudanças. Foram escolhidos sete hospitais
privados, cujos gestores responsáveis pelas negociações de forma de pagamento
foram entrevistados. Além disso, realizou-se uma entrevista com um dos
participantes do Grupo de Trabalho da ANS, representante de uma associação
hospitalar, a fim de contextualizar melhor as análises. A partir das percepções dos
entrevistados foram identificadas questões importantes para a discussão do tema.
Os resultados dessa amostra sugerem que ainda há predominância do fee-forservice nas relações contratuais entre hospitais e operadoras, porém observa-se a
presença de modelos alternativos sendo implementados. Não foi possível observar
na amostra nenhuma iniciativa de pagamento por performance, embora este modelo
esteja muito presente na literatura internacional. Observou-se também que o conflito
de interesses entre os diversos elos da cadeia de valor da saúde dificulta as
mudanças nos modelos de remuneração.
Palavras-chave: remuneração hospitalar, pagamento hospitalar, fee-for-service,
pagamento por performance, custos da saúde, cadeia de valor da saúde, saúde
suplementar.
ABSTRACT
Since a long time, the hospital payment models and the fragility of the fee-for-service
have been discussed in Brazil and worldwide. Besides this, the increasing costs of
private health insurance system and the incessant complaints about the quality of
health care, the Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) has created two
task groups for studying and developing new models of reimbursement, one of them
dedicated exclusively to hospitals. This dissertation analyzes the types of inpatient
payment in private health plan market in São Paulo, with the objective of determining
if there is predominance of the fee-for-service and if there are change initiatives.
Seven private hospitals were selected and the managers responsible for negotiating
the payment method were interviewed. Besides this, one of the participants of the
task group of the ANS representing hospitals association, were interviewed in order
to better contextualize the analysis. Based on the perceptions of respondents, some
important issues for the discussion of the topic were identified. The results of this
sample suggest that the fee-for-service is predominant in contractual relationships
between hospitals and providers, although alternative models were also found. There
was no evidence of pay for performance in the sample, despite frequent discussions
in international literature. It was also noted that the conflict of interests between the
various links in the healthcare value chain hinders changes in payment system.
Keywords: hospital reimbursement, hospital payment, fee-for-service, pay for
performance, health costs, healthcare value chain, private market.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Cadeia de valor da saúde.
Figura 2 - Sistemática de remuneração hospitalar a ser adotada na Saúde
Suplementar.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Beneficiários de planos privados de saúde por cobertura assistencial do
plano (Brasil – 2000 – 2010).
Gráfico 2 - Receita de contraprestações e despesa assistencial das operadoras
médico-hospitalares (Brasil – 2003 – 2010).
Gráfico 3 - Operadoras de planos privados de saúde em atividade (Brasil – 1999 –
2010).
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição dos beneficiários de planos privados de saúde entre as
operadoras, segundo cobertura assistencial do plano (Brasil - setembro/2010).
Tabela 2 - Evolução da distribuição da receita por natureza (em %).
Tabela 3 - Sumário dos desenhos de programas de pagamento por performance
para hospitais (P4P) - Programas avaliados em revisão de literatura, quanto ao tipo
de medida.
Tabela 4 - Sumário dos desenhos de programas de pagamento por performance
para hospitais (P4P) - Programas avaliados em revisão de literatura, quanto ao tipo
de performance avaliada e forma de incentivo financeiro.
Tabela 5 - Características dos hospitais pesquisados.
Tabela 6 - Características dos entrevistados.
Tabela 7 - Número de contratos com operadoras de planos de saúde nacionais e
seguradoras internacionais
Tabela 8 - Participação do fee-for-service no faturamento dos hospitais estudados,
nos últimos 12 meses.
Tabela 9 - Modelos de remuneração presentes nos hospitais pesquisados.
Tabela 10 - Síntese dos modelos de remuneração hospitalar – vantagens e
desvantagens na percepção dos gestores.
LISTA DE ABREVIATURAS
AIH – Autorização de Internação Hospitalar
ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar
ANAHP – Associação Nacional de Hospitais Privados
CMS – Centers for Medicare and Medicaid Services
CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IOM - Institute of Medicine
ONA – Organização Nacional de Acreditação
OPME - Órteses, Próteses e Materiais Especiais
PHQID – Premier Hospital Quality Incentive Demonstration
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
P4P – Pay for performance
PQSS – Programa de Qualificação em Saúde Suplementar
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
17
2 PERGUNTA DE PESQUISA
19
2.1 Objetivo Geral
19
2.2 Objetivos Específicos
19
3 REFERENCIAL TEÓRICO
20
3.1 Mercado de saúde suplementar
20
3.2 Cadeia de valor da saúde
22
3.2.1 A organização hospitalar
24
3.2.2 Operadoras de planos de saúde
25
3.3 Remuneração
30
3.4 Remuneração hospitalar
33
3.4.1 Fee-for-service
34
3.4.2 Alternativas ao fee-for-service
37
3.4.2.1 Modelos pré-pagamento ou prospectivos
37
a. Procedimento gerenciado (pacote)
37
b. Diária global
38
c. Grupos de Diagnósticos Homogêneos
39
d. Capitation
42
3.4.2.2 Formas mistas
a. Pagamento por performance (P4P)
3.5 Os modelos de remuneração e a cadeia de valor
4 METODOLOGIA
44
44
52
54
4.1 Pesquisa bibliográfica
54
4.2 Delimitação da população
54
4.3 A amostra
55
4.4 Método de coleta de dados
56
4.5 Entrevistados
58
4.6 Análise dos dados
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
59
61
5.1 Grupo de Trabalho da ANS
63
5.2 Modelos de remuneração predominantes
66
5.2.1 Fee-for-service
66
5.2.2 Outros modelos
67
5.3 Alternativas ao fee-for-service
70
5.4 Percepção dos gestores quanto aos modelos vigentes
74
5.5 Relação Operadoras e Hospitais
77
5.6 Relação Hospitais e Médicos
79
5.7 Percepção dos gestores quanto à mudança de modelo
81
5.8 Cadeia de valor centrada no paciente
83
5.9 Perspectivas do pagamento por performance hospitalar
85
6 CONCLUSÃO
89
7 SUGESTÕES DE PESQUISA
93
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
94
9 APÊNDICES
99
17
1. INTRODUÇÃO
Há muito tempo discute-se o modelo de remuneração dos serviços hospitalares no
Brasil e no mundo. Alguns países inovaram, buscando estimular a eficiência do
processo hospitalar e desestimular o desperdício ou o uso indiscriminado dos
recursos. No Brasil, apesar das limitações do setor público, o SUS estabeleceu o
pagamento pelo valor médio definido por procedimento (AIH) em 1982 (BRASIL,
2010), como alternativa ao modelo de remuneração item a item.
No estudo de Furlan (1999), observou-se que, na quase totalidade do sistema
privado de saúde brasileiro do final dos anos 90, o modelo de repasse financeiro às
unidades assistenciais era constituído pelo pagamento itemizado (fee-for-service).
Apesar das críticas, o pagamento itemizado era o método consagrado para o
repasse financeiro no setor privado com a aprovação de muitas das fontes
pagadoras no Brasil: as medicinas de grupo, as seguradoras, as cooperativas
médicas, as auto-gestões e as administradoras de planos de saúde. A principal
crítica ao modelo itemizado é a sua potencialidade para gerar um estímulo à
sobreprestação de serviços, principalmente dos mais rentáveis, pois quanto mais
procedimentos o hospital realizar, mais ele receberá (SEIXAS, 1994).
Em função das críticas que vem recebendo, segundo Vecina Neto e Malik (2007)
“desde os anos 1980, pelo menos, vê-se a busca por novos modelos, decretando-se
internacionalmente, pelo menos no discurso, a falência do modelo fee-for-service,
também utilizado no Brasil”.
Passados muitos anos, o assunto ainda é amplamente discutido e diante da
realidade de gasto crescente na área da saúde suplementar, as fontes pagadoras
buscam constantemente alternativas que permitam um maior controle dos custos.
De 2003 a 2009, houve um crescimento de 126% nas despesas assistenciais das
operadoras de planos de saúde (ANS, 2010). Suas ações de controle dos custos
sobre os prestadores de serviços são praticamente dirigidas para o gasto hospitalar,
que representa o maior percentual de todas as despesas.
18
Os dados de assistência hospitalar prestada a beneficiários de planos privados de
saúde no Brasil em 2009 foram de 4.786.736 internações, o que representa uma
taxa de internação de cerca de 13% dessa população (ANS, 2010). Essa taxa no
mercado privado permanece estável ao longo dos anos, porém, ela cresce em
números absolutos e também no gasto médio1 em relação aos anos anteriores. Se
compararmos o gasto médio com internação hospitalar de 2008 para 2009, houve
um aumento de 10% o que justifica ainda mais as preocupações do setor de saúde
com os modelos de remuneração e práticas assistenciais atuais.
Frente ao exposto, apesar de ser considerado um modelo de pagamento
inadequado, poucas iniciativas são observadas no sentido de resolver esse impasse
no mercado hospitalar privado de saúde no Brasil.
No início de 2010, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) criou dois
Grupos de Trabalho relacionados aos modelos de remuneração do setor de saúde
suplementar: um sobre Remuneração de Hospitais e um sobre Honorários Médicos.
O Grupo de Trabalho de Remuneração de Hospitais é formado por representantes
de entidades hospitalares e de operadoras de planos de saúde e tem como objetivo
definir um novo modelo de remuneração dos hospitais que atuam na saúde
suplementar.
Neste estudo pretende-se analisar os modelos de remuneração dos hospitais
privados do município de São Paulo, a fim de descrever o que predomina
atualmente e conhecer possíveis iniciativas de mudança.
________________________
1
Segundo a ANS (2010), gasto médio é o custo médio por item de despesa (internações, consultas)
das operadoras, calculado como a relação entre a despesa nesses eventos e o número de eventos
(informados ao Sistema de Informações de Produtos - SIP).
19
2. PERGUNTA DE PESQUISA
1. O modelo predominante no pagamento dos hospitais privados de São Paulo
ainda é o fee-for-service?
2. Existem modelos de remuneração alternativos ao fee-for-service nos hospitais
estudados?
2.1 Objetivo Geral
O objetivo geral do estudo é verificar o provável predomínio do modelo de
pagamento fee-for-service nos hospitais privados do município de São Paulo e
identificar eventuais formas de remuneração alternativas a este modelo.
2.2 Objetivos Específicos
•
Conhecer as formas de remuneração do serviço hospitalar no mercado
privado do município de São Paulo.
•
Conhecer a avaliação dos gestores dos hospitais sobre os modelos de
pagamento vigentes.
•
Identificar a existência de pré-disposição dos gestores dos hospitais para a
mudança do modelo de remuneração.
•
Identificar o conhecimento e a avaliação que fazem dos modelos de
pagamento praticados em outros países.
•
Conhecer a avaliação dos gestores hospitalares quanto à relação dos
modelos de remuneração dos hospitais e a qualidade do serviço prestado.
20
3. REFERENCIAL TÉORICO
TÉORI
3.1 Mercado de saúde suplementar
O número de beneficiários no mercado de saúde suplementar encerrou o terceiro
trimestre de 2010 com 44,8 milhões de vínculos a planos de assistência médica
privada
a e 13,9 milhões a planos exclusivamente odontológicos (Gráfico 1). Mantido o
ritmo verificado até setembro, o ano de 2010 deverá registrar o maior crescimento
de beneficiários em planos de assistência médica em dez anos (ANS, 2010).
Gráfico 1: Beneficiários de planos privados de saúde por cobertura
assistencial do plano (Brasil – 2000 – 2010).
Fonte: Caderno ANS, dezembro de 2010.
Apesar de apenas 24% da população brasileira ter acesso aos planos de saúde
privados (IBGE – PNAD, 2008),
2008) o mercado de saúde suplementar movimenta uma
quantidade de recursos extremamente relevante.
No ano de 2009,, a receita das operadoras médico-hospitalares
médico hospitalares cresceu 8,6% em
relação ao ano anterior, atingindo R$ 64,2 bilhões. Ass despesas assistenciais
tiveram crescimento percentualmente maior (12,2%),, chegando a R$ 53,3 bilhões.
21
Considerando esses números, houve um aumento da sinistralidade2, que nesse
período totalizou 83%, como podemos observar no Gráfico 2 abaixo.
Gráfico 2: Receita de contraprestações e despesa
a assistencial das operadoras
médico-hospitalares
hospitalares (Brasil – 2003-2010).
Fonte: Caderno ANS, dezembro de 2010.
O cenário da saúde suplementar nas regiões do
o Brasil é bastante heterogêneo. A
região sudeste é a que possui maior participação de beneficiários
beneficiários com planos de
saúde. E dentro da região, a cidade de São Paulo é a que apresenta a maior taxa de
cobertura3 em saúde suplementar do país, com 58,8% da população coberta para
assistência médica privada com ou sem odontologia (ANS, 2010).
_____________
2
Sinistralidade: Relação, expressa em porcentagem, entre a despesa assistencial e a receita de
contraprestações das operadoras (ANS, 2010).
3
Taxa de cobertura: Razão, expressa em porcentagem, entre o número de beneficiários e a
população em
m uma área específica. Como um indivíduo pode possuir mais de um vínculo a plano de
saúde e estar presente no cadastro de beneficiários da ANS tantas vezes quanto o número de
vínculos que possuir, o termo cobertura é utilizado como um valor aproximado (ANS, 2010).
22
3.2 Cadeia de valor da saúde
A combinação de altos custos, qualidade insatisfatória e acesso limitado à
assistência à saúde tem criado ansiedade e frustração em todos os participantes
dessa cadeia: pacientes, empregadores, prestadores, planos de saúde e
fornecedores de medicamentos e equipamentos (PORTER, 2007, p. 19).
Para explicar a competitividade entre empresas e a vantagem competitiva que uma
tem sobre a outra, Porter (1989) dividiu uma unidade empresarial em atividades de
valor, o que ele denominou cadeia de valor (PORTER, 1989, p. 33). Assim, a cadeia
de valor de uma empresa é o conjunto de atividades que operam de forma a
adicionar um valor para o comprador do produto ou serviço.
Na concepção de Porter (1989, p. 46), a cadeia de valor existe não apenas dentro
da empresa, mas também envolve os fornecedores e os consumidores, criando um
“sistema de valores”. A vantagem competitiva provém, então, não somente das
atividades internas à cada empresa, mas também da união de atividades com outras
empresas da indústria.
A este conjunto de empresas que participam da transformação de um produto ou
serviço, Porter (1989) denomina “sistema de valores”. O termo “cadeia de valor” é
também utilizado neste mesmo sentido. Portanto, ao se falar em “cadeia de valor da
saúde”, faz-se uma referência a todas as empresas que participam na agregação de
valor desta indústria. A cadeia de valor tem o foco na adição de valor que ocorre em
cada elo da cadeia produtiva.
Em um mercado normal, a competição gera melhorias contínuas em qualidade e
custos. As inovações levam a rápida difusão de novas tecnologias, os preços
ajustados à qualidade caem, o valor melhora e o mercado se expande para atender
às necessidades de mais consumidores.
23
A competição na assistência à saúde não está seguindo essa evolução observada
em outros mercados. Os custos estão sempre crescendo apesar do grande esforço
para controlá-los; os problemas de qualidade continuam sempre presentes; a
inovação tecnológica se difunde lentamente e não gera melhorias – pior – muitas
vezes é visto como causa do problema. Os participantes competem na transferência
de custos, uns para os outros, no acúmulo do poder de barganha e na limitação dos
serviços (PORTER, 2007, p. 21).
Ainda segundo Porter (2007, p. 79), num mercado competitivo, a difusão da
tecnologia e a crescente oferta desses serviços causam a queda dos seus preços
com o passar do tempo. Contudo, na assistência à saúde, os preços não são
reduzidos porque os pacientes não são sensíveis a preço; os pagamentos pelas
seguradoras são baseados nos preços de costume, ainda que os custos baixem; e
os resultados dos tratamentos não são medidos nem comparados (PORTER, 2007,
p. 79).
Dessa forma, observa-se que a cadeia de valor da saúde, devido à desintegração
existente, tem gerado prejuízo para o valor ao paciente (Porter, 1989).
Visando entender um pouco mais as relações entre os elos da cadeia de valor da
saúde (Figura 1), e tendo como foco deste trabalho a remuneração hospitalar, serão
melhor caracterizados: os prestadores (hospitais) e os financiadores (operadoras de
planos de saúde).
Figura 1: Cadeia de valor da saúde
Fonte: BURNS, 2002.
24
3.2.1 A organização hospitalar
As origens da organização hospitalar, em seu perfil contemporâneo, advém da Idade
Média. Segundo Foucault (1979), a medicina nesta época não era uma prática
hospitalar e o hospital não era uma instituição médica, sendo até o século XVIII um
local essencialmente de assistência aos pobres.
Até meados do século XVIII, quem detinha o poder era a parcela das lideranças
religiosas, raramente leigas, destinadas a assegurar a vida cotidiana do hospital,
bem como a “salvação e a assistência alimentar das pessoas internadas”
(FOUCAULT, 1979, p. 108).
Todavia, “a partir do momento em que o hospital é concebido como um instrumento
de cura e a distribuição do espaço torna-se um instrumento terapêutico, o médico
passa a ser o principal responsável pela organização hospitalar” (FOUCAULT, 1979,
p. 109). Neste raciocínio, considerando o regime alimentar e as medicações como
fatores de cura e, considerando o médico como principal responsável pelo controle
destes itens, tem-se que o médico passa a ser, direta e indiretamente,
economicamente responsável pela viabilidade do hospital.
Foi este o contexto em que os hospitais foram criados, dando forma às relações
sócio-econômicas que se encontram atualmente nas instituições hospitalares.
Destaca-se a definição de hospital proposta pela Organização Pan-Americana da
Saúde (OPAS, apud BRASIL,1998):
São todos os estabelecimentos com pelo menos 5 leitos, para
internação de pacientes, que garantem um atendimento básico de
diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova
de admissão e assistência permanente prestada por médicos. Além
disso, considera-se a existência de serviço de enfermagem e
atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com
disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviço de
cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a
rápida observação e acompanhamento dos casos.
25
Muito tempo passou e algumas mudanças foram acontecendo nos modelos
hospitalares. Entre as principais transformações que ocorreram após os anos 1950,
destaca-se o crescimento de hospitais lucrativos. No Brasil, tais hospitais foram
constituídos por grupos de médicos com financiamento para investimentos do
governo federal e custeio do seguro social. Somando-se aos hospitais públicos,
existe uma grande diversidade entre as formas jurídicas dessas instituições e suas
formas de remuneração (ANDREAZZI, 2003).
Podemos destacar, então, que os prestadores de serviços, incluindo os hospitais e
os médicos, são elos muito importantes da cadeia de valor da saúde, sendo
considerados como “os atores centrais do sistema de saúde e responsáveis pela
maior parte do valor entregue aos pacientes” (PORTER, 2007, p.139).
De acordo com a Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária do IBGE entre 2002 e
2005, o número de hospitais no Brasil reduziu de 7397 para 7155, o que
corresponde a um longo processo de fechamento de hospitais privados no pais, que
se inicia na segunda metade dos anos 80. Mesmo considerando a forte queda
registrada nos últimos anos, a maioria dos leitos hospitalares (66,4%) do país
pertencia a hospitais privados em 2005, mas essa proporção deverá continuar a
diminuir com o tempo. Essas tendências fazem com que a busca por novos modelos
de financiamento nos hospitais seja uma grande preocupação dos tomadores de
decisão (MEDICI, 2011, p.50).
3.2.2 As operadoras de planos de saúde
A ANS define como Operadoras de Planos de Assistência à Saúde, empresas e
entidades que operam, no mercado de saúde suplementar (Lei 9656/98 - Artigo 1o,
Inciso II):
Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica
constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial,
cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço
ou contrato de assistência à saúde (BRASIL, 1998).
26
As operadoras são um importante elo na cadeia de valor da saúde, no que concerne
à saúde suplementar. Não se pretende aqui detalhar a atuação destas, mas levantar
importantes aspectos na sua relação com os hospitais.
A segmentação dos planos de assistência médica corresponde aos diversos tipos de
cobertura – ambulatorial, hospitalar com e sem obstetrícia, cujas exigências mínimas
são reguladas pela ANS. Os planos são classificados quanto à forma de
contratação: individual ou familiar (contrato entre um indivíduo e uma operadora para
assistência à saúde do titular do plano e seus dependentes) e coletivo (contrato
entre uma pessoa jurídica e uma operadora para assistência à saúde da massa de
empregados ativos e inativos). Os planos coletivos com patrocinador podem ser
pagos total ou parcialmente pela pessoa jurídica, incluindo os contratos em que o
beneficiário paga parcialmente a mensalidade. Os planos coletivos sem patrocinador
são pagos integralmente pelo beneficiário à operadora. Finalmente, a categoria de
planos de saúde antigos se refere aos contratos firmados até 01 de janeiro de 1999,
antes da regulamentação da ANS e que ainda não foram adaptados aos novos
padrões.
O número de operadoras de planos privados de saúde tem reduzido nos últimos
anos, com a diminuição do número de novos registros e o aumento do número de
cancelamentos, embora o número de operadoras médico-hospitalares com
beneficiários venha apresentando estabilidade ao longo dos últimos anos, como
podemos observar no gráfico 3 (ANS, 2010).
Gráfico 3: Operadoras de planos privados de saúde em atividade (Brasil – 1999
– 2010).
27
Fonte: Caderno ANS, dezembro de 2010.
Das operadoras de planos privados de saúde 1.061 têm beneficiários
beneficiá
em planos de
assistência médica. Entretanto, observa-se
observa se concentração de beneficiários em
poucas operadoras.
doras. Na assistência médica, 352 operadoras detêm 90% dos
beneficiários e os restantes 10,0% estão diluídos em 709 operadoras (Tabela 1).
Tabela 1 - Distribuição dos beneficiários de planos
planos privados de saúde entre as
operadoras, segundo cobertura assistencial do plano (Brasil - setembro/2010).
Fonte: Caderno ANS, dezembro de 2010.
28
Silva (2003) afirma que a atuação das operadoras de planos de saúde sempre
esteve exageradamente vinculada à supremacia dos interesses econômicos e
arriscadamente afastada das políticas de saúde e da mensuração da qualidade da
assistência prestada. Os contratos entre operadoras de planos de saúde e
prestadores de serviços não levam em consideração os aspectos de qualidade
assistencial, e sim a capacidade de vendas que o credenciamento de um prestador
de serviços possa gerar para a operadora de planos de saúde.
De fato, até 1999, as operadoras se aproveitaram de uma posição confortável no
mercado: tinham rendimentos financeiros e repassavam os custos da assistência
para os consumidores finais. Entretanto, a relação operadoras – prestadores sofreu
mudanças por meio da Lei no. 9.656/98, que passou a regulamentar o setor
suplementar de saúde, e da Lei no. 9.961/00, que criou a Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS).
Estas regulamentações visaram criar condições para proteger os usuários finais.
Assim, a regulamentação ocasionou o surgimento de regras com grande impacto no
setor, a saber (SILVA, 2003):
a) Ampliação das coberturas assistenciais, não admitindo qualquer tipo de
exclusão ou de exceção, mesmo em planos exclusivamente ambulatoriais, o
que levou ao atendimento de uma demanda maior por procedimentos de
complexidade, antes realizados no setor público;
b) Expansão dos direitos dos usuários e proibição de rompimento unilateral dos
contratos nos planos individuais, proibição da recontagem dos prazos de
carência, da seleção de risco e da exclusão indiscriminada de usuários.
Mesmo os contratos antigos foram incluídos nessa nova regra que proíbe
rescisão unilateral;
c) Monitoramento de preços e das condições de reajuste, com regras de
proteção ao consumidor. Retiram-se, então, as possibilidades de recuperação
do equilíbrio econômico nas bases antes realizadas, ou seja, utilizando o
realinhamento da receita por meio de reajustes por desequilíbrio ou por
sinistralidade, redução da massa de expostos, exclusão dos contratos
29
deficitários e de maiores controles de acesso e cobertura assistencial;
d) Estabelecimento do pagamento de multas pelo não cumprimento contratual e
pela desobediência da legislação regulamentadora;
e) Exigências de solidez empresarial, impedindo operadoras de recorrer à
concordata e de seus credores pedirem falência. As operadoras somente
podem ser liquidadas a pedido da ANS, e também estão sujeitas à
constituição de reservas e garantias de capacidade econômico-financeira
para cumprimento dos contratos.
Essas medidas resultaram em elevação dos custos para as operadoras. Sem os
rendimentos do mercado financeiro, somado à ampliação da cobertura e à restrição
dos reajustes, as operadoras se viram numa situação desfavorável, reduzindo suas
margens.
As soluções a curto prazo encontradas foram focadas nos prestadores de serviços,
pressionando-os para a redução de custos, o que levou a um relacionamento
conflituoso entre as partes.
Houve, então, a necessidade de rigorosa auditoria sobre os gastos, o que ocasionou
aumento de glosas e novas configurações de pagamento aos prestadores de
serviço.
30
3.3 Remuneração
Um sistema de remuneração é constituído por um conjunto de procedimentos para o
pagamento do trabalho a determinadas pessoas ou grupos de pessoas,
comportando formas variadas. Sejam quais forem os princípios que norteiam sua
elaboração, podem ser um meio de controlar o comportamento dos membros da
organização, com o objetivo de atingir uma estrutura orgânica que funcione com
eficácia. Além disso, eles podem ser um modo de garantir que a empresa realize
suas tarefas de tal maneira que possa alcançar seus objetivos (CHERCHIGLIA,
1994).
A maioria dos trabalhos atuais que trata do tema da remuneração de serviços de
saúde aborda-o segundo a teoria econômica convencional. Esta analisa a relação
econômica a partir do indivíduo livre e igual, seja ele produtor ou consumidor de
bens e serviços. Ambos são capazes de ter decisões racionais a partir de um
determinado nível de informação acessível, tendo como objetivo a maximização de
sua utilidade: para os produtores, o lucro; para os consumidores, os benefícios a
serem obtidos dentro de seus limites orçamentários (ANDREAZZI, 2003).
Além disso, é importante considerar características específicas do setor de saúde,
que podem interferir de alguma forma nas relações de remuneração:
a) assimetria de informação – os consumidores possuem pouca informação relativa
aos produtores: “[...] os pacientes poderiam aceitar, ou até mesmo demandar,
tratamentos que não comprariam se completamente informados, mas que são
vantajosos, financeiramente, para os profissionais médicos [...]” (MUSGROVE, 1999,
p. 84) ou para a indústria produtora.
b) existência de externalidades – muitos dos cuidados à saúde, como os preventivos e o tratamento de doenças infecto-contagiosas, possuem benefícios que
extrapolam o indivíduo, tornando muitas vezes difícil que os consumidores se
disponham a pagar por eles no nível que seria adequado, como por exemplo, no
caso de campanhas de vacinação (MUSGROVE, 1999).
31
c) presença do terceiro pagador – ou seja, o fato do indivíduo ter um seguro leva a
consumo maior de serviços sem necessidade. O consumidor nesse caso não tem as
restrições orçamentárias clássicas da compra direta.
d) presença de inúmeras instituições não-lucrativas – nesse caso, ocorrem
aumentos inflacionários dos custos do sistema, impulsionados por outros objetivos
diferentes do lucro para os produtores de serviços de saúde. Os estudos dessas
organizações sugerem a maximização do rendimento individual dos médicos que
atuam no hospital, bem como a viabilização dos interesses estratégicos de outros
agentes econômicos que fazem parte dessas instituições.
Além disso, existem também características relacionadas aos seguros, que
interferem nos tipos de remuneração, como por exemplo:
a) Risco moral (moral hazard) – possibilidade do segurado comportar-se
diferentemente porque tem seguro, ou seja, consumir mais serviços ou aqueles mais
complexos do que o necessário (exemplo: investigação ambulatorial realizada em
regime de internação, sem necessidade específica) e reduzir auto-cuidados
preventivos.
b) Seleção adversa – seleção de pacientes complexos, adversos ao interesse das
seguradoras, em razão da percepção do usuário quanto aos próprios riscos de
saúde.
c) Seleção de risco (cream-skimming) – para resguardar-se da falha anterior, as
seguradoras desenvolvem sistemas para filtrar indivíduos ou condições especiais de
alto risco (como os idosos ou os portadores de doenças graves), aumentando seus
gastos administrativos e criando barreiras para a admissão. Isso é particularmente
caro para candidatos individuais ao seguro e não quando este cobre grupos
populacionais nos quais a possibilidade de seleção adversa é menor e, portanto, o
prêmio pode ser mais barato.
32
Uma das conseqüências dos problemas indicados acima é a iniqüidade da atenção,
pois os indivíduos de maior risco são aqueles que maior probabilidade têm de não
obter seguro ou de obtê-lo por um preço inacessível.
Newhouse (1996) afirma em seus estudos da economia dos seguros que o trade-off
clássico ocorre entre a seleção de risco e o risco moral. Ou seja, maior cobertura
oferecida pelo seguro gera menor risco para o segurado, porém pode induzir mais
intensamente ao risco moral. Quanto maior a cobertura, mais o usuário pode utilizar
de serviços sem necessidade. Outro trade-off proposto pelo autor está relacionado à
eficiência de produção do hospital e a seleção de riscos. Nesse caso, a relação está
intimamente ligada às formas de remuneração dos prestadores, pois se
considerarmos as formas prospectivas - aquelas em que o valor a ser pago é
previamente acordado - há maior estímulo para a busca de eficiência por parte dos
prestadores, porém pode ser gerada seleção de casos menos complexos, evitando
aqueles que possam necessitar de mais recursos. Quanto menos recurso o hospital
utilizar na prestação de serviços, maior será sua margem de contribuição e portanto
maior o risco de subtratamentos aos casos complicados.
Para essas e outras imperfeições do mercado, foram criados os incentivos. Estes
aparecem como mecanismos regulatórios que, entendendo o modo de operação de
um determinado mercado e identificando suas “imperfeições”, pretendam que os
agentes comportem-se segundo objetivos definidos.
Quanto à relação dos financiadores com os prestadores de serviço, duas têm sido
as formas de tratar o risco: a retenção total do risco pelo financiador, associado a um
controle gerencial da utilização de serviços, e a transferência desse risco (também
chamada de compartilhamento de riscos). Nesse caso, um ambiente competitivo
determina o conflito entre os diversos atores (seguradoras e prestadores de saúde),
para saber quem arcará mais com os riscos e prejuízos. No final, o lado menos
favorecido acaba ficando com todo o risco, chegando até mesmo a prejudicar a
qualidade da atenção prestada aos pacientes (ANDREAZZI, 2003).
33
3.4 Remuneração Hospitalar
De modo geral, os modelos de remuneração hospitalares ou as transferências
financeiras dividem-se em (ROBINSON, 2001; ANDREAZZI, 2003):
a) pós-pagamento ou retrospectivo: modo em que o valor a ser pago é definido
após a produção efetiva do serviço;
b) pré-pagamento ou prospectivo: modelo em que é calculado um valor prévio
independente da produção, com base em variados critérios, em geral populacionais;
c) formas mistas em que, a partir de uma lógica de base, introduzem-se elementos para corrigir ou promover determinados objetivos gerenciais.
Essa classificação geral, por sua vez, apresenta especificidades, conforme se trate
do financiamento dos médicos e de instituições, como os hospitais.
Na relação entre os financiadores e prestadores, os mecanismos de remuneração e
uso dos serviços médicos ou hospitalares definidos nos contratos determinam a
estrutura dos incentivos do mercado de saúde suplementar (WANICK, 2000).
Com relação à remuneração pelos serviços prestados de um hospital, Andreazzi
(2003) afirma que a modalidade mais tradicional e freqüente é o pagamento por
produção de serviços, também conhecido como fee-for-service ou “conta aberta”.
Entretanto, devido à busca por redução de custos, as operadoras, juntamente com
os prestadores, têm criado novas formas de pagamento, como a diária global de
internação, que constitui na precificação única de um conjunto de serviços
hospitalares. (SILVA, 2003).
Uma outra forma usual de remuneração são os “pacotes”, que são preços fixos por
determinados
procedimentos,
geralmente
de
baixa
complexidade
e
baixa
variabilidade. Nestes casos, os custos adicionais ao preço fixo frequentemente são
pagos pelo próprio prestador (OKAZAKY, 2006).
Percebe-se, então, que a cadeia de valor da saúde, no que se refere ao pagamento,
passa por um momento de adequação frente à restrição do repasse de custos aos
34
compradores de serviços. E que, nesta relação, os prestadores de serviços são o
foco das pressões por reduções de custos.
Para a descrição das formas de remuneração hospitalar, será estabelecida uma
divisão entre:
a) fee-for-service (pós-pagamento) e
b) modelos alternativos (pré-pagamento e formas mistas).
3.4.1 Fee-for-service
O sistema de pagamento mais tradicionalmente utilizado para remuneração do
trabalho médico e de serviços hospitalares é o pagamento por procedimento
individual, item a item. Do ponto de vista profissional, este modelo tem a justificativa
de permitir uma preocupação integral do médico com o paciente, permitindo ofertarlhe tudo que seja necessário, sem qualquer restrição, já que o pagamento é
realizado após a prestação do serviço, modelo chamado de retrospectivo
(ROBINSON, 2001).
O modelo de remuneração item a item no hospital ocorre com base em uma tabela
composta de diárias, taxas de sala, procedimentos de enfermagem, taxas de uso de
equipamentos,
gasoterapia,
exames,
tratamentos,
materiais
de
consumo,
medicamentos utilizados durante o atendimento ao paciente internado, além dos
honorários médicos.
Esse método pode gerar um estímulo à sobreprestação de serviços, particularmente
dos procedimentos mais rentáveis, sem necessariamente favorecer melhoria da
qualidade ou de eficiência. Além disso, por parte das fontes pagadoras, permite uma
menor previsibilidade de gastos (SEIXAS, 1994).
Consequentemente, a sobre-utilização dos serviços de saúde implica no aumento
dos preços unitários dos planos de saúde, contribuindo com a exclusão de
potenciais beneficiários do mercado de saúde suplementar, ocasionado a redução
do nível de bem–estar social (WANICK, 2000).
35
Outro ponto importante é que o pagamento do serviço hospitalar por essa
modalidade foi sendo distorcido com o tempo, o que gerou uma dissociação em
relação aos preços de cada item e os custos de sua prestação. Ou seja, ao longo
das duas últimas décadas, vem ocorrendo uma contenção dos valores das diárias e
das taxas hospitalares frente a um aumento significativo dos preços de insumos
(materiais, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais – OPME), onde
está concentrada a principal parcela das margens dos hospitais (Tabela 2). Diante
dessa situação, foi gerado um estímulo para o uso de insumos, acarretando
aumento dos custos assistenciais e desvio de parte dos recursos disponíveis, que
poderia ser destinada, por exemplo, aos honorários médicos (ANS, 2010).
Tabela 2: Evolução da distribuição da receita por natureza (em %).
Fonte: Observatório ANAHP, Ed.2, 2010.
Outro ponto crítico para a distorção do modelo são as dificuldades que os
prestadores têm de conseguir reajuste na tabela de diárias e taxas. Como coloca
Silva (2003) os reajustes de preços “constituíram um processo desgastante e
estressado. Foram sendo postergados ano a ano, ampliando o espaço entre um e
36
outro, até a eliminação do conceito de data-base e a perda da referência de reajuste
anual.” Segundo Campos (2004), o reajuste de preço é uma questão que merece
atenção especial da ANS, pois nem sempre é definido em contrato. As operadoras
praticam reajustes de preços embasados nos índices autorizados pela ANS para os
planos individuais e mediante negociação para os planos coletivos, porém,
“as
operadoras não possuem normas claras que definam a sistemática de reajustes de
preços com os prestadores de serviços”. Silva (2003) acredita que as diárias e taxas
possuem uma das mais defasadas remunerações, entre os diversos serviços
realizados pelos prestadores.
Para a instituição prestadora, no fee-for-service prevê-se os seguintes incentivos
perversos:
a) hospitalizações desnecessárias;
b) aumento do tempo de permanência, com impactos sobre custos e qualidade,
no caso de exposição desnecessária a riscos intra-hospitalares;
c) superprodução de serviços e fraudes no pagamento por ato.
Para os financiadores, ocorre a imprevisibilidade orçamentária. Embora o pagamento por diária seja administrativamente simples, no caso do pagamento por ato há
a necessidade de desenvolvimento de sistemas minuciosos de informação e
auditoria, freqüentemente conta a conta.
É neste âmbito que surge o conflito de interesses entre operadoras e prestadores de
serviços de saúde. Neste modelo de remuneração, os eventos que representam
custos para operadora representem receita para os prestadores de serviços de
saúde. Semelhantemente, o que representa custo para os beneficiários e para os
empregadores, representa receita para as operadoras de planos de saúde. Deste
modo, o conflito de interesse se concretiza nas relações contratuais das operadoras
com os prestadores de serviços de saúde e beneficiários/empresas à medida que as
ações estratégicas que administram estes contratos possuem sentidos opostos
(WANICK, 2000).
37
3.4.2 Alternativas ao fee-for-service
3.4.2.1 Modelos pré-pagamento ou prospectivos
Uma alternativa ao modelo de pagamento retrospectivo fee-for-service são os
modelos pré-pagamento ou prospectivos. Os principais exemplos para esse modelo
no mercado hospitalar são: procedimento gerenciado (pacote), diária global, grupos
de diagnósticos homogêneos (GDH) e capitation.
Esses modelos parecem interessantes para estimular a eficiência dos prestadores,
porém, podem gerar novos problemas principalmente para os usuários. Segundo
Robinson (2001), os movimentos para remuneração pré-pagamento aumentam os
incentivos a sub-tratamentos e seleção de risco. Porém, todo movimento
compensatório para remuneração pós-pagamento revive o tradicional incentivo por
estilos de práticas inconseqüentes de custos. Dessa forma, esse trade-off entre
eficiência e seleção precisa ser quebrado por um outro modelo de remuneração, por
exemplo os modelos mistos.
A seguir, serão apresentados os principais modelos alternativos ao fee-for-service
no mercado hospitalar, identificados em literatura.
a. Procedimento gerenciado (pacote)
O procedimento gerenciado é o pagamento a partir da composição de um “pacote”
de serviços, geralmente para procedimentos cirúrgicos. Nesse modelo, há um
agrupamento de todos os itens utilizados em média na assistência ao paciente
(diárias, materiais, medicamentos, taxas, entre outros) com definição de um preço
único para o “pacote” de determinado procedimento. Estabelece-se um protocolo de
utilização dos recursos, principalmente os de alto custo, que deve ser seguido pelos
médicos para a maioria dos casos. Quando ocorre uma intercorrência na internação
do paciente, consumindo muito mais recurso do que o previsto no “pacote”, o
prestador e a fonte pagadora negociam o pagamento do excedente por meio de
justificativas médicas.
38
Sobre o uso dos pacotes, Silva (2003) diz que se tratam de “Procedimentos de
Preços
Previsíveis”,
geralmente
utilizados
em
procedimentos
de
menor
complexidade.
Para ter sucesso nesse modelo, é importante que o hospital tenha experiência com
a realização dos procedimentos cirúrgicos a serem “empacotados” pois se não
houver histórico de realização ficará difícil de o prestador definir o protocolo de
utilização dos recursos, o que acarretará grande risco para este.
Outro ponto importante é o envolvimento do corpo clínico do hospital na formatação
deste produto, já que a eficiência do hospital depende completamente dos médicos
cumprirem os protocolos estabelecidos. Isso faz com que os hospitais de corpo
clínico aberto tenham mais dificuldades de implantar os procedimentos gerenciados
que os de corpo clínico fechado.
Essa forma de remuneração permite uma maior previsibilidade para as fontes
pagadoras e divide o risco com os hospitais. Além disso, valoriza mais a eficiência
do prestador, deixando de lado a comodidade de utilização de recursos do modelo
fee-for-service.
Silva (2003) faz uma crítica aos pacotes, decorrentes de sua formatação. Estes
deveriam se basear em protocolos clínicos, elaborados pelos médicos especialistas
no assunto, mas, “como a aceitação pelos médicos é demorada, a área
administrativa acaba se baseando num valor médio.” Como vantagens, o autor
destaca a redução de custos e a eliminação de conflitos do sistema de cobrança e
pagamento.
b. Diária global
A diária global segue a mesma lógica do procedimento gerenciado e não deixa de
ser um “pacote”. A diferença é que esse modelo é mais utilizado para casos clínicos.
Constitui na precificação única de um conjunto de serviços hospitalares,
independente da patologia do paciente, compreendendo principalmente: as diárias,
39
os materiais de consumo, os medicamentos, os serviços de enfermagem, a
utilização de equipamentos, a gasoterapia, exames, honorários médicos e taxas
diversas. Os demais itens da conta hospitalar, como os medicamentos de alto custo,
as órteses e próteses, e outros, permanecem sendo cobrados pela conta aberta
(SILVA, 2003).
A partir do valor negociado, o hospital passa a cobrar apenas a diária global de
acordo com o tempo de permanência do paciente e da acomodação em que está
internado (enfermaria, apartamento, UTI, entre outros).
No caso do pagamento por diárias globais, pode haver redução da intensidade dos
serviços, ainda que necessários, ou até mesmo da seleção de riscos, rechaçando a
internação de determinadas pessoas ou condições mórbidas que tenham grande
probabilidade de elevar o custo real da internação acima do valor da diária
negociada (ANDREAZZI, 2003).
c. Grupos de Diagnósticos Homogêneos – GDH
Os Grupos de Diagnósticos Homogêneos (GDH) ou Diagnosis Related Group (DRG)
são uma alternativa para o pagamento itemizado, baseada em um valor global,
definido prospectivamente por diagnóstico.
Os GDHs constituem um sistema de classificação de pacientes internados em
hospitais de casos agudos (internação de até 30 dias), desenvolvido por uma equipe
de pesquisadores da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. O objetivo inicial da
equipe era realizar pesquisa nas áreas de gerência, planejamento e revisão de
utilização hospitalar, motivada principalmente pela criação em 1965 do programa
MEDICARE. Este determinava que cada hospital pertencente ao programa deveria
ter um comitê de revisão de utilização, assim como um programa para essa revisão
(MULLIN, 1986).
O sistema de classificação buscou correlacionar os tipos de pacientes atendidos
pelo hospital com os recursos consumidos durante o período de internação, criando
40
grupos de pacientes coerentes do ponto de vista clínico e similares ou homogêneos
quanto ao consumo dos recursos hospitalares (NORONHA, 1991).
O desenvolvimento do sistema teve como objetivo inicial permitir a monitoração da
qualidade da assistência e utilização dos serviços hospitalares. No final da década
de 70, foi adaptado para ser utilizado como base para o pagamento a hospitais do
estado de New Jersey, EUA e desde a década de 80 está sendo utilizado também
para a remuneração a hospitais que
prestam assistência ao MEDICARE
(NORONHA, 1991).
Dessa forma, os GDHs, definem como produtos hospitalares os pacientes egressos,
agrupados de acordo com o perfil de recursos recebidos durante a internação. Este
conceito parte do pressuposto que grupos de doentes tenham atributos
demográficos, diagnósticos e terapêuticos comuns, que determinariam as condutas
médicas adotadas. Assim, o tempo de internação é uma variável dependente de
algumas variáveis independentes, tais como: diagnóstico principal, procedimento
principal, presença de complicações importantes ou diagnósticos associados, outros
procedimentos operatórios, idade do paciente e condição de saída. Os grupos foram
delineados a partir da 9ª revisão da CID, envolvendo 23 grandes grupos
diagnósticos mutuamente exclusivos e, dentro destes, definidos um total de 467
GDHs.
A experiência de Maryland, nos Estados Unidos, mostra um importante avanço com
a utilização do modelo de pagamento por grupos de diagnósticos homogêneos
(DRG). Desde os anos 70, quando o estado de Maryland desenvolveu o modelo de
pagamento por DRG, este experimenta as menores taxas de aumento do custo
hospitalar de todo o país (BANCO MUNDIAL, 2010).
Os GDHs permitiram ao programa estabelecer um preço razoável para um conjunto
essencial de serviços hospitalares. O preço estabelecido para cada GDH reflete o
custo dos recursos usados ao tratar cada paciente o que pode assegurar a alocação
apropriada de recursos financeiros, assim como o nível adequado de provisão dos
serviços.
41
O bom resultado do sistema de Maryland é em grande parte decorrente de duas
atividades importantes: a) a recompilação e a publicação sistemática dos dados
sobre os resultados dos hospitais; e b) o uso dos GDHs como base para o
pagamento dos hospitais e a avaliação de seu desempenho. A utilidade no uso das
informações de custo e qualidade emana da capacidade do sistema de GDH em
fornecer definições dos produtos associados a atenção hospitalar. Essas definições
permitiram aos formuladores de políticas de saúde desenvolver comparações
significativas sobre o desempenho relativo de hospitais nos temas de eficiência e
qualidade (BANCO MUNDIAL, 2010).
Alguns pontos foram levantados por Andreazzi (2003) como críticos a esse modelo.
Um deles é que os custos dos diagnósticos podem variar com uma série de fatores
como idade do paciente, gravidade do caso e patologias associadas. Para isso, os
GDHs norte-americanos prevêem alguns ajustes, como por idade e área geográfica
da internação, custos excepcionais e de ensino (UGA, 1994).
Outro ponto importante é que os diagnósticos contidos nas tabelas acabam
possuindo diferentes taxas de lucro, seja porque a técnica empregada foi
modificada, mas a tabela não acompanhou a mudança, seja por distorções, pois
tecnicamente é difícil incluir todos os casos em uma mesma lista (BANCO
MUNDIAL, 1993, apud ANDREAZZI, 2003). Dessa forma, com o tempo, os
prestadores acabam conhecendo quais são os diagnósticos mais vantajosos, o que
pode induzir à mudança da informação apresentada ao órgão financiador ou a evitar
a internação de pacientes com esses diagnósticos.
O sistema de pagamento por GDH pode ter diminuído as taxas de hospitalização e o
tempo médio de permanência hospitalar (OMS, 1993). Não se sabe, no entanto, se
isso ocorreu devido ao estímulo à mudança de técnicas que desviaram casos para
tratamento ambulatorial e domiciliar, inclusive casos graves, o que ocasionou um
aumento das taxas de mortalidade para esse nível ou se de fato essa redução se
deu como consequência ao uso adequado dos recursos nos tratamentos (OMS,
1993; MOONEY, 1994; UGA, 1994).
42
No estudo de Taheri et. al (1999), os autores verificaram que este modelo permite
aos pagadores uma estratégia de direcionar os pacientes de baixo custo para os
hospitais com contrato fee-for-service e os pacientes de alto custo para os hospitais
onde a remuneração é por GDH, já que neste último, o risco é dividido com o
prestador. Apesar dessa consideração, no caso específico desse serviço em
Michigan, os dados demonstraram que o centro é rentável e deverá preservar sua
missão de atender os casos graves.
d. Capitation
O capitation é mais freqüente na remuneração do profissional médico do que
naquelas voltadas ao hospital ou clínica.
Neste modelo, o prestador recebe um valor fixo para cada beneficiário assistido
numa determinada região, pela qual passa a se responsabilizar. Todo atendimento
desta população fica a cargo do prestador que deve gerenciar a utilização dos
recursos em saúde. O risco arcado pelo prestador é maior e necessita de maior
controle tanto por parte da operadora quanto do prestador (BALZAN, 2000).
A imposição de um limite máximo na lista de pacientes tem sido uma medida tomada
para a preservação da qualidade da atenção. Uma outra medida nessa direção é o
ajuste da remuneração em função do risco da população, para evitar a seleção de
risco. Um exemplo desse modelo seria a definição de taxas de capitação maiores
para idosos (ANDREAZZI, 2003).
O sistema de capitation é amplamente utilizado pelas empresas americanas de
Managed Care Organization - MCO e visa à racionalização do uso de serviços
médicos e hospitalares, por meio da utilização de médicos generalistas.
Neste modelo, a possibilidade de transferência do paciente para um outro
profissional é um incentivo para o desenvolvimento de uma boa relação com ele.
Não há necessidade da auditoria de contas e sim de uma avaliação global da
atenção prestada àquele grupo. Um dos problemas desse modelo de remuneração é
43
a dificuldade de estabelecer indicadores “positivos” da atenção à saúde, que meçam
a saúde da população e não a doença, como tradicionalmente fazem os indicadores
de utilização (ANDREAZZI, 2003).
No Brasil, as versões mais modernas do método para o pagamento de hospitais são
as utilizadas pelo Governo no sistema público de saúde, que procuram elaborar a
programação orçamentária com base em objetivos, metas e custos reais e
comprometer os repasses efetivos com o cumprimento dessas metas, que tanto
podem ser relativas à produtividade quanto à qualidade. A contradição aqui existente
é se há comprometimento ou não do financiador não apenas com a garantia do
efetivo cumprimento das metas e controle de qualidade e com a garantia de
suplementações justificadas.
Essa forma incentiva a instituição a se organizar melhor para atender a suas
demandas. Permite também a participação do conjunto dos trabalhadores da
unidade, assim como da população usuária e do próprio organismo financiador, no
planejamento das atividades e no seu controle, sendo, portanto, bastante adequada
aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS.) Não elimina os conflitos de
interesses dos profissionais e a disputa entre diferentes ideologias; apenas
internaliza no hospital essa discussão, tornando-a mais transparente, na medida do
efetivo mecanismo de tomada de decisões existente.
A aplicação do método dos orçamentos globais não é de todo impossível, mas de
mais difícil implementação, quando existem múltiplos financiadores da unidade, em
que a demanda e o recurso financeiro que a acompanha são mais incertos. Uma de
suas principais virtudes é a previsibilidade de gastos (UGA, 1994).
44
3.4.2.2 Formas mistas
a. Pagamento por performance (P4P)
A necessidade de melhorar tanto a qualidade quanto a segurança no cuidado em
saúde é bastante discutida na literatura. Estratégias tradicionais para estimular
essas melhorias incluem: regulação, medidas de desempenho, subsequente
feedback e competição de mercado (LINDENAUER, 2007).
Existem algumas iniciativas norte-americanas de organizações como Hospital
Quality Alliance e Leapfrog Group que buscam incentivar os hospitais a coletar e
publicar seus dados de qualidade espontaneamente. Assim, essas organizações
foram idealizadas para prover informações aos usuários e dessa forma aumentar os
esforços para a melhoria da qualidade do cuidado em saúde. Nesses casos, os
modelos de remuneração complementam o modelo com o objetivo de incentivar as
melhores práticas.
Desde 1999, com a publicação do relatório do Institute of Medicine (IOM) To Err Is
Human: Building a Safer Health Care System (Errar é humano: construindo um
sistema de saúde mais seguro), a atenção dos reformadores americanos se
transferiu para a qualidade e iniciativas que recompensem a qualidade, conhecidas
como pagamento por desempenho ou pagamento por performance (P4P). Ocorreu
uma mudança importante de mentalidade e segundo Porter (2007) “a redução dos
custos, hoje, já não é mais o foco dominante da reforma. Segurança, redução de
erros e a qualidade do atendimento foram finalmente trazidos para o palco principal
da reforma do sistema de saúde.”
Apesar de limitada evidência, a publicação dos indicadores de qualidade do hospital
e o pagamento por performance têm sido descritos como os melhores incentivos na
busca por melhorias na qualidade assistencial (LINDENAUER, 2007).
Segundo Koyama (2007), há uma preocupação em termos de custo assistencial,
além da qualidade da assistência nas operadoras, e, se o fator preponderante fosse
basicamente o custo, o sistema de capitation seria uma saída para redução das
45
despesas. “Mas, ao se pretender considerar o custo-benefício e a qualidade, é
necessária uma nova abordagem. O sistema de pay for performance, que remunera
e bonifica os prestadores por critérios estabelecidos de desempenho, permite um
melhor alinhamento de interesses entre a operadora e o prestador contratado”,
afirma o autor.
Assim, quando o prestador que recebe o incentivo financeiro é o hospital e a
recompensa ocorre nos processos da organização é esperado que o pagamento
motive os administradores a reestruturar processos ou buscar outras formas de
proporcionar mudanças de direção (CHRISTIANSON, 2008).
Os principais programas descritos na literatura incluem indicadores de processos
clínicos, geralmente relacionados a infarto agudo do miocárdio, insuficiência
cardíaca congestiva ou pneumonia adquirida, que são condições clínicas definidas
pela iniciativa do Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS). Os programas
também incluem outros indicadores de qualidade, incluindo medidas de resultado
(mortalidade pós-cirurgia de revascularização do miocárdio), de custo-eficiência
(média de permanência pós-cirurgia), de estrutura (participação do hospital em
programas de segurança do paciente), de segurança do paciente (hemorragia pósoperatória), e de experiência do paciente (questionário de satisfação do paciente).
Alguns programas comparam o resultado do hospital com uma referência absoluta
(exemplo: 85% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio receberam ßbloqueador) enquanto outros examinam a performance relativa dos hospitais
(exemplo: comparação entre os resultados dos melhores hospitais em prescrição do
ß-bloqueador).
Os incentivos dos programas geralmente são baseados em bônus, sendo que
alguns trabalham também com penalidades (descontos que variam de 1 a 2%) para
os piores resultados comparados entre os prestadores, após 3 anos sem demonstrar
melhorias. Os bônus variam de 1 a 4%, o que em valores absolutos podem
representar de 30 mil a quatro milhões de dólares anuais por hospital (MEHROTRA
et al., 2009).
46
Nas tabelas 3 e 4, podemos observar quais os tipos de medidas, ou seja, que tipos
de indicadores são utilizados por três grandes programas de pagamento por
performance em hospitais nos Estados Unidos. Eles foram identificados na revisão
de literatura realizada por Mehrotra et al (2009), na qual os autores buscaram
programas com publicações dos efeitos desse método de remuneração nos
pacientes internados. Os resultados foram oito artigos que endereçaram os efeitos
dos programas a seguir: (1) Blue Cross Blue Shield of Michigan Participating
Hospital Agreement Incentive Program; (2) Hawaii Medical Service Association
Hospital Quality Service and Recognition P4P Program; e (3) CMS-Premier Hospital
Quality Incentive Demonstration (PHQID).
Tabela 3 - Sumário dos desenhos de programas de pagamento por
performance para hospitais (P4P) - Programas avaliados em revisão de
literatura, quanto ao tipo de medida.
Tipo de Medida
Programa de P4P para Hospital
Resultado
Blue Cross Blue Shield of Michigan
Participating Hospital Agreement
Incentive Program
Processo
Estrutura
X
X
X
Hawaii Medical Service Association
Hospital Quality Service and
Recognition P4P Program
X
X
CMS-Premier Hospital Quality Incentive
Demonstration
X
X
Fonte: Mehrotra et al (2009) – tradução livre.
Experiência
do paciente
Segurança
do
paciente
Custoeficiência
X
X
X
X
X
47
Tabela 4 - Sumário dos desenhos de programas de pagamento por
performance para hospitais (P4P) - Programas avaliados em revisão de
literatura, quanto ao tipo de performance avaliada e forma de incentivo
financeiro
Tipo de Performance
avaliada
Forma de incentivo
financeiro
Absoluta
Relativa
Bônus
Blue Cross Blue Shield of Michigan
Participating Hospital Agreement
Incentive Program
X
X
X
Hawaii Medical Service Association
Hospital Quality Service and
Recognition P4P Program
X
X
X
X
X
Programa de P4P para Hospital
CMS-Premier Hospital Quality Incentive
Demonstration
Penalidade
X
Fonte: Mehrotra et al (2009) - tradução livre.
Buscando romper o ciclo dos modelos retrospectivos e prospectivos, o pagamento
por performance é um dos métodos mais novos de remuneração dos serviços de
saúde, combinando reembolso com melhoria da qualidade dos serviços prestados
ao paciente.
Resumidamente, no pagamento por performance os prestadores recebem um
pagamento de base e com o alcance de determinados benchmarks para medidas de
processos do cuidado prestado e para medidas de resultados (resultado do cuidado
ao paciente), os prestadores recebem certas recompensas. Isso pode incluir
pagamento de incentivos financeiros e classificação da qualidade de prestadores
específicos. As classificações são transparentes para os consumidores e podem
influenciar a escolha do prestador. Os incentivos, dessa forma, encorajam os
médicos e hospitais a atingirem os padrões de cuidados delineados em medidas de
desempenho (GREENE; NASH, 2009).
Esse modelo é amplamente utilizado no mercado privado americano, principalmente
no que diz respeito à remuneração médica. A remuneração hospitalar, objeto desse
48
trabalho, também tem se desenvolvido, porém em menor escala. Atualmente, há
mais de 40 programas de pagamento por performance em hospitais no mercado
privado americano e há uma discussão no Congresso para iniciar no sistema público
voltado para idosos, o Medicare (MEHROTRA et al., 2009).
No estudo de Rosenthal et al. (2006), observou-se que mais da metade dos planos
de saúdes mais representativos no mercado privado americano, chamados Health
Maintenance Organizations (HMO), usam o pagamento por performance em seus
contratos. Dos 126 planos de saúde com programas de P4P da amostra,
aproximadamente 90% tinham programas para médicos e 38% para hospitais.
Apesar do entusiasmo com os programas de pagamento por performance em
hospitais, ainda há limitada evidência empírica sobre a efetividade dos mesmos
(MEHROTRA et al., 2009).
O movimento em torno desse novo modelo é mundial. Em outubro de 2002, o
Departamento de Saúde (DH) do sistema de saúde universal inglês National Health
Service (NHS) publicou o relatório 'Reforming NHS Financial Flows'. Neste, foi
descrito um novo modelo de remuneração por performance para os hospitais
ingleses chamado Payment by Results (PbR).
Os objetivos do Payment by Results (PbR) são: prover transparência e a definição
de um sistema baseado em regras para pagamento dos hospitais. São
recompensados: eficiência, suporte à escolha do paciente e atividades para
reduções sustentáveis das filas de espera. O pagamento é ligado às atividades e
ajustados pelo casemix. O sistema privilegia uma base justa e consistente para o
pagamento dos hospitais, em vez de utilizar históricos de orçamentos.
Em 2009 foi publicado um estudo para avaliar os resultados do programa de
pagamento por resultado do governo inglês para o cuidado primário após 3 anos de
seu funcionamento. Foram levantados dados relacionados a qualidade do cuidado
para: asma, diabetes e doenças coronarianas. Foram identificados fatores que
interferem no funcionamento dos programas de PbR, como (CAMPBELL et al.,
2009) :
49
a) após um ano de melhorias na qualidade do cuidado, os índices atingem um
platô;
b) há significativas diferenças entre os aspectos do cuidado que estão ligadas a
incentivos e aqueles aspectos que não estão ligados a incentivos, interferindo
inclusive na continuidade do cuidado;
c) para algumas condições clinicas, não há melhorias significativas porque os
índices próximos ao máximo já foram atingidos;
d) para alguns médicos, sua receita já é suficiente e não há motivação para que
ele busque melhorar os resultados de seus pacientes.
Concluindo o trabalho, Campbell et al. (2009) defende que os dados coletados
sugerem que o modelo de pagamento por resultado na Inglaterra atingiu os objetivos
de melhorias da qualidade, mas a velocidade de melhoria não é sustentada quando
os objetivos são atingidos.
Com o passar do tempo, os estudos sobre o tema têm buscado novas formas de
abordar o assunto. Baseado na teoria do comportamento econômico, Mehrotra et al.
(2010) indicou algumas maneiras de melhorar os programas de pagamento por
performance (P4P). A seguir, exemplos citados no trabalho que podem auxiliar no
desenho de novos programas:
a) Uma série de pequenos incentivos é melhor que uma grande recompensa;
b) Simplificar o plano de incentivo serve para que a incerteza seja minimizada;
c) Reduzir o tempo entre a entrega do serviço e a bonificação motiva mais;
d) Separar o incentivo dos pagamentos de base chama mais atenção;
e) Introduzir incentivos “simpáticos” no lugar de dinheiro (exemplo: entrada para
jogos, restaurantes) pode funcionar melhor.
Outras iniciativas foram encontradas no Health System 20/20, uma entidade
preocupada com as metas internacionais da Organização Mundial da Saúde para
2020. Foi idealizado um trabalho de incentivo aos países e regiões do mundo em
desenvolvimento e o programa de P4P é uma das frentes. Foram levantados, então,
uma série de estudos de caso, em países da África, Ásia e América.
50
No Brasil, foi encontrada uma iniciativa referente a Pagamento por Performance
(P4P) para hospitais, descrita na literatura. Trata-se do Programa de Qualificação da
Rede Credenciada da UNIMED – Belo Horizonte, uma iniciativa que nasceu após a
criação do Programa de Qualificação em Saúde Suplementar (PQSS) da ANS, que
avalia e classifica as operadoras de planos de saúde em 4 dimensões, sendo uma
delas a qualidade da assistência à saúde. A UNIMED-BH é uma operadora de plano
de saúde e uma cooperativa médica da região metropolitana de Belo Horizonte,
responsável por aproximadamente 800 mil vidas e líder na região.
A fase I do Programa da UNIMED-BH teve início em 2003 e o foco foi na garantia de
infra-estrutura e documentação legal dos hospitais credenciados, a fim de que
pudessem oferecer qualidade no serviço prestado ao beneficiário da UNIMED. Num
segundo momento, o foco passou para melhoria da gestão dos processos. Tudo isso
com a ajuda de uma auditoria externa. Essa fase não envolveu incentivos
financeiros (BOREM, 2010).
Somente na fase II, a partir de 2005, é que foram incorporados pagamentos de
incentivos financeiros e suporte técnico para os hospitais que iniciassem o processo
de acreditação hospitalar pela ONA – Organização Nacional de Acreditação, com
definição do prazo para conseguir o selo num limite máximo de 36 meses. Para
aqueles que iniciaram o processo de acreditação foi concedido um aumento de 7%
sobre os valores das diárias, sendo esse bônus mantido até que o hospital atingisse
a certificação. Um grupo de auditores externos acompanhou os processos e poucos
foram os casos de suspensão do incentivo. Após a conquista do selo, caso o
hospital conseguisse o nível 2 da ONA, o aumento passaria de 7% para 9% e para
aqueles que chagaram ao nível máximo, o nível 3, houve um aumento de 9% para
15%. Foram investidos mais de U$ 10 milhões nesse projeto (BOREM, 2010).
Borem (2010) cita também no estudo de caso da UNIMED-BH, os desafios na
implantação do modelo, a saber:
a) Dificuldades de Tecnologia da Informação e conseqüente dificuldade com o
prontuário eletrônico em alguns dos hospitais credenciados;
b) Falta de cultura de avaliação, medo de ser avaliado e de ser punido;
51
c) Falta dos indicadores de qualidade do cuidado antes do processo de
acreditação, para avaliar a efetividade após a implantação do programa.
52
3.5 Os modelos de remuneração e a cadeia de valor
Os modelos de remuneração estão no foco da discussão da cadeia de valor da
saúde, principalmente no mercado de saúde suplementar brasileiro. O envolvimento
da ANS, por meio do desenvolvimento dos Grupos de Trabalho em 2010, demonstra
uma preocupação do Governo e dos principais elos da cadeia com a
sustentabilidade dos modelos vigentes a longo prazo.
Dessa forma, este é um momento de reavaliação da forma usual de remuneração e
de planejamento das mudanças que afetarão as relações entre os elos dessa
cadeia.
Okazaky (2006) identificou diversas ineficiências na cadeia de valor da saúde, sendo
que muitos aspectos são explicados e intensificados pelos modelos de remuneração
vigentes nos hospitais privados. Alguns exemplos citadas pela autora são:
a) Valor de remuneração dos hospitais não condizente com o valor agregado
pelo hospital na cadeia de valor da saúde;
b) Os ganhos com relação à redução de custos obtidos pelo hospital nas
negociações com os fornecedores de materiais e medicamentos não são
passados para os demais elos da cadeia de valor, devido à fixação de preços
em tabelas de mercado.
Como lembrou Koyama (2007) em seu estudo sobre os Programas de Qualificação
em Saúde Suplementar, a participação dos prestadores na busca por garantir a
qualidade da assistência prestada ao beneficiário – e dessa forma gerar valor ao
beneficiário – é essencial.
Percebe-se que a pressão por custos na saúde tem levado os hospitais a pensar em
iniciativas que envolvam outros participantes da cadeia. Nos pacotes existe o
compartilhamento de riscos e dessa forma, entra para a discussão os fornecedores
de equipamentos, materiais e medicamentos. Assim, pode-se verificar uma
tendência ao compartilhamento de riscos e à maior integração na cadeia de valor da
53
saúde. A crítica é que a motivação para tal integração ainda foca fundamentalmente
na redução de custos e não na melhoria do valor ao cliente final (OKAZAKY, 2006).
Outro exemplo relacionado aos impactos dos modelos de remuneração dos
hospitais com a geração de valor para o paciente é a escolha de determinados
recursos em função das margens de contribuição. Segundo o estudo de Okazaky
(2006), apesar de existirem alternativas de produtos mais econômicas no mercado,
por exemplo os medicamentos genéricos, devido ao modelo de remuneração dos
hospitais e as distorções em conseqüência dessa manutenção há décadas, não há
interesse dos prestadores de serviço em aderir à prática. Já em uma outra
configuração, como nos pacotes e diária global, em que o hospital recebe uma
remuneração fixa, a utilização de medicamentos genéricos pode ser mais vantajosa.
Em suma, o fato de alguns hospitais terem seus maiores ganhos advindos das
margens de comercialização de materiais e medicamentos, faz que se prefiram os
medicamentos mais caros, o que impulsiona os custos no mercado.
Um último ponto, também bastante relacionado aos modelos de remuneração e a
cadeia de valor da saúde, é a dificuldade de envolver os médicos na formatação de
produtos ou serviços, baseados nos novos modelos, como os pacotes cirúrgicos,
diária global, entre outros. Segundo Ballard (2005), na maioria das vezes, a tomada
de decisão do médico não leva em conta questões de custos; ele opta por utilizar os
equipamentos e produtos seguindo critérios clínicos ou interesse pessoais. Para
eles, o custo deve ser preocupação dos administradores do hospital, e não deles.
Esses aspectos tornam ainda mais desafiadoras as tentativas de mudança do
modelo de remuneração hospitalar.
54
4. METODOLOGIA
4.1 Pesquisa Bibliográfica
Inicialmente foram identificados os seguintes unitermos ou temas para a realização
da
pesquisa
bibliográfica:
remuneração
hospitalar,
pagamento
hospitalar,
pagamento por performance, fee-for-service, pay for performance, P4P, fees,
payment, reimbursement, health care, DRG, cost containment.
A pesquisa bibliográfica foi feita por meio de levantamento no acervo físico da
biblioteca Karl A. Boedecker, da Fundação Getulio Vargas, incluindo o catálogo de
dissertações e teses. Foram ainda realizadas buscas na Biblioteca Virtual em Saúde
do Ministério da Saúde (BVS-MS) e biblioteca virtual da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Já as bases de dados
utilizadas foram principalmente SciELO, LILACS e EBSCO.
Outros trabalhos citados nos artigos identificados foram obtidos por meio de
consultas em biblioteca, uma vez que não foram encontrados na busca inicial com
os unitermos.
Ainda foram realizadas buscas em sites específicos da internet tais como o da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Leapfrog Group, National Health
Service (NHS), entre outros.
4.2 Delimitação da população
A escolha dos hospitais a serem estudados baseou-se no interesse de pesquisar o
mercado de saúde suplementar. Sendo assim, os hospitais estudados são todos
privados, localizados no município de São Paulo, onde está a maior participação
desse mercado no país.
55
Foram utilizados dados secundários do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Saúde (CNES) do Ministério da Saúde, para identificar os serviços de saúde
hospitalares existentes no município de São Paulo.
O CNES é um banco de dados que congrega, em tese, todas as unidades que
prestam algum tipo de atendimento de saúde no país. Os serviços de saúde
privados devem, obrigatoriamente, estar cadastrados no CNES para receberem
licença de funcionamento da Vigilância Sanitária e consequentemente para serem
credenciados pelas operadoras de planos de saúde.
Não foram considerados os hospitais públicos municipais, estaduais e federais que
servem exclusivamente ao SUS – Sistema Único de Saúde, pois este prevê um
modelo específico de remuneração que não é objeto desse trabalho. Com isso,
obteve-se a população a ser estudada de 113 hospitais gerais de natureza privada
(com ou sem fins lucrativos) do município de São Paulo, classificados quanto ao
número de leitos, à mantenedora (hospitais individuais ou mantidos por operadora
de plano de saúde) e ao tipo de corpo clínico (aberto ou fechado). Essas variáveis
foram
escolhidas
por
serem
consideradas
influenciadoras
do
modelo
de
remuneração do hospital.
4.3 A amostra
A amostra para este trabalho é a intencional, também conhecida como não
probabilística ou de intenção racional (BARROS; LEHFED, 1986, p. 107). Neste
caso, o pesquisador se dirige intencionalmente a grupos de elementos dos quais
deseja saber a opinião. A amostra intencional não é representativa e, por isto, não
pode ser generalizada para o universo. Os resultados têm validade para aquele
grupo específico (BARROS; LEHFED, 1986, p. 107).
Foram escolhidos hospitais que atendem às variáveis escolhidas anteriormente, ou
seja: natureza (privada, beneficente sem fins lucrativos), mantenedora (mantido por
operadora ou não), corpo clínico (aberto ou fechado) e número de leitos, a fim de
haver diversidade de percepções.
56
Sendo assim, foram selecionados sete hospitais privados de São Paulo com as
seguintes características, descritas na Tabela 5, a seguir:
Tabela 5: Características dos hospitais pesquisados
Organização/
Natureza Administrativa
Atributo
Número
Mantido por
Tipo de
de leitos
operadora
Corpo Clínico
HOSPITAL 1
Privado com fins lucrativos
280
Não
Aberto
HOSPITAL 2
Beneficente sem fins lucrativos
220
Não
Fechado
HOSPITAL 3
Beneficente sem fins lucrativos
220
Não
Aberto
HOSPITAL 4
Privado com fins lucrativos
179
Sim
Aberto
HOSPITAL 5
Beneficente sem fins lucrativos
210
Não
Aberto
HOSPITAL 6
Privado com fins lucrativos
200
Não
Aberto
HOSPITAL 7
Privado com fins lucrativos
90
Não
Aberto
Fonte: CNES / dados colhidos pela autora nas entrevistas.
O único hospital mantido por operadora participante da amostra possui cerca de
50% do seu faturamento dependente do grupo que compõe sua mantenedora, ou
seja, da operadora de plano de saúde que detém o controle do hospital.
4.4 Método de Coleta de Dados
Foi utilizado o método qualitativo, por meio de entrevistas, que pode ser descrito
como um conjunto de técnicas interpretativas que procuram descrever, decodificar,
traduzir. As entrevistas podem ser utilizadas para análise acadêmica e pode ser
usada com o propósito de medida ou até para o conhecimento da perspectiva de um
indivíduo ou de um grupo (FONTANA; FREI, 2000).
As pesquisas qualitativas procuram respostas às questões voltadas a como
determinada experiência social é criada e como surgem seus significados (DENZIN;
LINCOLN, 2000, p. 8). A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados
57
básicos no processo de pesquisa qualitativa não requer os usos de métodos e
técnicas estatísticas (GIL, 1991). Em geral as investigações que envolvem uma
análise qualitativa têm como objetivo abordar situações complexas ou extremamente
particulares. Os estudos que empregam a metodologia qualitativa podem descrever
a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir
no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de
profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos
indivíduos (RICHARDSON, 1999).
Fora isso, quando se pretende capturar o ponto de vista de alguém, a pesquisa
qualitativa permite uma maior proximidade entre o pesquisador e o indivíduo de
quem se busca o ponto de vista, devido à possibilidade de entrevistas em maior
detalhe e sua observação, podendo capturar aspectos subjetivos (DENZIN;
LINCOLN, 2000, p. 10).
As entrevistas foram realizadas de forma semi-estruturada baseada em roteiro
elaborado pela pesquisadora (APÊNDICE A). Procurou-se cobrir as questões
necessárias para conseguir responder às perguntas de pesquisa.
O roteiro é composto por 12 questões sendo as 6 primeiras para caracterizar o
hospital e identificar a influência de alguma fonte pagadora devido à concentração
de atividades; conhecer os modelos de remuneração presentes e avaliar os
predominantes. As demais questões têm como objetivo captar a percepção do
gestor em relação às tendências e mudanças do modelo de remuneração dos
serviços hospitalares do conhecimento deles. Dependendo do andamento da
entrevista, foram incluídas novas questões, com o objetivo de coletar a maior
quantidade possível de informações para responder às perguntas de pesquisa.
Foi realizado contato inicial por telefone e enviado e-mail padronizado (APÊNDICE
B) com as 6 primeiras questões fundamentais para a pesquisa, a fim de que o gestor
pudesse coletar as informações e apresentá-las no dia da entrevista. Em alguns
casos, a pesquisadora precisou fazer novo contato com o entrevistado após a
58
entrevista para confirmar dados do hospital, como número de leitos e tipo de corpo
clínico (aberto ou fechado).
A estratégia de pesquisa adotada não permite generalizações aplicáveis ao universo
de organizações de saúde e deve concentrar-se na análise dos hospitais estudados,
em que se discute a ampliação das proposições sobre o tema a partir de uma
realidade analisada.
4.5 Entrevistados
Em cada hospital, foram agendadas entrevistas individuais com os gestores da área
comercial, já que estes detêm a responsabilidade pelo relacionamento e negociação
com as fontes pagadoras e lidam diretamente com os processos de pagamento
contratados.
No caso do hospital que não tinha um gestor comercial, foi entrevistado o gestor
administrativo responsável por negociar com as operadoras.
Em uma das entrevistas o gerente da área comercial solicitou ao diretor médico sua
participação.
As entrevistas foram realizadas dentro do contexto da discussão dos modelos de
remuneração no mercado de saúde suplementar. Dessa forma, para complementar
as informações coletadas, foi entrevistado um representante do Grupo de Trabalho
da ANS, que é membro de uma associação hospitalar e gestor de um hospital
privado. Nesse caso, foi realizada entrevista não estruturada, baseada nos
conhecimentos da pesquisadora sobre o assunto a ser tratado.
No total, foram sete hospitais participantes da amostra e nove gestores
entrevistados, cujas características encontram-se descritas na tabela 6.
59
Tabela 6: Características dos entrevistados
Entrevistado
Cargo
GESTOR 1
Gerente Comercial
GESTOR 2
Gerente Comercial
GESTOR 3
Gerente Comercial
GESTOR 4
Diretor Administrativo
GESTOR 5
Gerente Comercial
GESTOR 6
Gerente Comercial
GESTOR 7
Gerente Comercial
GESTOR 8
Diretor Médico
GESTOR 9
Representante de associação hospitalar
Fonte: Dados colhidos pela autora nas entrevistas.
Optou-se por omitir a identidade dos entrevistados e nome do respectivo hospital ou
organização para garantir a confidencialidade e para proporcionar mais liberdade
durante a entrevista.
4.6 Análise dos dados
A análise dos dados teve como intenção considerar os contextos em que as
informações foram obtidas, sempre respeitando as opiniões dos entrevistados e
tentando evitar a interferência por parte da pesquisadora em relação às posições
destes personagens a respeito dos assuntos discutidos.
Após as entrevistas, o conteúdo foi transcrito e submetido à análise de discurso para
avaliação dos resultados. Nesse caso, “o termo ‘discurso’ é empregado para se
referir a todas as formas de fala e textos, seja quando ocorre naturalmente nas
conversações, seja quando é apresentado como material de entrevistas” (GILL,
2002). É importante lembrar ainda que a análise de discurso não está preocupada
com as atitudes individuais, mas sim com a construção cultural do objeto estudado.
Na presente pesquisa, os resultados numéricos fornecidos pelos entrevistados foram
apresentados em tabelas, de forma a facilitar a identificação e comparação dos
atributos pesquisados. Já as percepções relacionadas ao tema e aos objetivos do
60
trabalho declaradas pelos gestores, foram tabuladas segundo os temas de maior
freqüência nas respostas, gerando categorias específicas. Optou-se por incluir
transcrições de declarações para ilustrar algumas posições.
61
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados da pesquisa encontram-se organizados em temas, que surgiram a
partir do roteiro e das entrevistas. Os temas abordam questões relevantes para a
análise dos modelos de remuneração.
Assim, a apresentação dos resultados apresenta a seguinte ordem:
5.1 Grupo de Trabalho da ANS
5.2 Modelos de remuneração predominantes
5.3 Alternativas ao fee-for-service
5.4 Percepção dos gestores quanto aos modelos vigentes
5.5 Relação Operadoras e Hospitais
5.6 Relação Hospitais e Médicos
5.7 Percepção dos gestores quanto à mudança de modelo
5.8 Cadeia de valor centrada no paciente
5.9 Perspectivas do pagamento por performance hospitalar
Na apresentação dos resultados, para resguardar a identidade dos entrevistados, foi
utilizado o título genérico do cargo, como GESTOR 1 / GESTOR 2 e assim por
diante. Os hospitais também foram identificados como HOSPITAL 1 / HOSPITAL 2,
a fim de preservar os nomes das organizações participantes da amostra. Procurouse não se ater a percepções individuais, a fim de formar uma idéia geral de como o
conjunto de gestores e hospitais com as características escolhidas pensa e se
comporta.
O número de operadoras credenciadas por hospital na amostra variou de 40 a 66
(tabela 7). O menor número (40) corresponde a um hospital mantido por operadora.
Os hospitais detentores dos maiores números (59 e 66) desenvolvem um trabalho
específico com seguradoras internacionais, além das operadoras nacionais.
Essa característica dos hospitais pesquisados torna menos provável a influência
isolada de alguma operadora nas formas de contratação. Exceto pelo hospital de
62
operadora, nenhum dos outros apresenta mais de 30% de seu faturamento
concentrado em apenas uma operadora.
Não foram detalhadas as formas de remuneração das seguradoras internacionais,
por não ser o foco desse trabalho.
Tabela 7: Número de contratos com operadoras de planos de saúde nacionais
e seguradoras internacionais
Organização
Nº de operadoras
Trabalha com seguro
credenciadas
internacional
HOSPITAL 1
50
Não
HOSPITAL 2
59
Sim
HOSPITAL 3
46
Não
HOSPITAL 4
41
Não
HOSPITAL 5
66
Sim
HOSPITAL 6
50
Não
HOSPITAL 7
60
Não
Fonte: Dados colhidos pela autora nas entrevistas.
63
5.1 Grupo de Trabalho da ANS
O Grupo de Trabalho da ANS sobre os Modelos de Remuneração Hospitalar tem
realizado reuniões periódicas com os representantes das entidades hospitalares e
de operadoras de planos de saúde, a fim de evoluir nas propostas e principalmente
chegar a um consenso sobre o que pode ser feito e como deve ser implantado.
Apesar da importância dessa iniciativa, dois dos oito entrevistados não conhecem e
nunca ouviram falar dos Grupos de Trabalho da ANS. Esse desconhecimento
preocupa, pois a falta de envolvimento na formatação das propostas pode gerar
desconfiança e falta de aderência aos novos modelos.
A entrevista com um participante do Grupo de Trabalho da ANS sobre os Modelos
de Remuneração Hospitalar serviu para ilustrar o contexto em que se baseou o
estudo.
Segundo o entrevistado há uma perspectiva de mudança da forma de remuneração
a médio prazo, com o resgate e o aprimoramento de propostas constantes em vários
estudos realizados por entidades isentas, desde a década de 90. A Figura 2 mostra
a sistemática sugerida pelo Grupo de Trabalho e aprovada pelos representantes dos
principais agentes do mercado.
O grande questionamento e o receio dos hospitais frente a essa proposta, segundo
o entrevistado, é quanto à implantação do novo modelo, já que a ANS não interfere
na negociação individual de cada hospital com as operadoras. Principalmente os
hospitais pequenos, com pouco poder de negociação, poderiam sofrer impacto com
a mudança da lógica do modelo, caso as operadoras se limitem a uma oportunidade
de redução dos preços acordados. Daí a necessidade de muito cuidado com o
planejamento da implantação, o que deve demandar estudos de custos dos
hospitais e das operadoras antes da negociação, para evitar impactos fatais para
qualquer uma das partes.
Outro ponto importante destacado pelo entrevistado é a necessidade de definir
claramente nos acordos as regras quanto ao reajuste de preços, pois a falta dessa
64
definição pode levar os hospitais a conseqüências desastrosas no futuro. Conforme
colocado por Silva (2003) e Campos (2004), o reajuste
reajuste é um dos aspectos que
merece muita atenção, principalmente quando se fala de mudança de modelo.
Figura 2: Sistemática de remuneração hospitalar a ser adotada na Saúde
Suplementar
Fonte: Proposta do Grupo de Trabalho da ANS, 2010.
2010
Nota 1: Dados sujeitos a alterações.
Nota 2:: Esquema adaptado pela autora.
A percepção do entrevistado é coerente com a análise das entrevistas dos gestores
dos hospitais, como podemos observar no trecho abaixo que demonstra a
valorização da iniciativa da ANS apesar do receio quanto à forma como o processo
será conduzido.
“É rico discutir isso, precisava
precisava ter iniciado há algum tempo. Minha
M
preocupação é como será
será conduzido. Mas sem dúvida é preciso
começar.”
65
Para o representante entrevistado, apesar das dificuldades, o modelo vai mudar. A
proposta apresentada é a herança de um trabalho que vem sendo desenvolvido pelo
mercado há tempos e agora, com o apoio da ANS, a mudança deve se concretizar.
Pelos dados encontrados na pesquisa, alguns hospitais da amostra já praticam
atualmente algumas das formas integrantes da proposta apresentada pelo Grupo de
Trabalho da ANS, o que seria um indício favorável à mudança.
66
5.2 Modelos de remuneração predominantes
5.2.1 Fee-for-service
A maioria dos hospitais estudados apontou o predomínio do fee-for-service ou “conta
aberta” como modelo de remuneração principal. Porém, dois dos sete hospitais
pesquisados
apresentaram
pequena
participação
desse
modelo
em
seu
faturamento. Nesses casos, os modelos predominantes foram a diária global e a
tabela compacta, como podemos observar na Tabela 8, abaixo.
Tabela 8: Participação do fee-for-service no faturamento dos hospitais
estudados, nos últimos 12 meses.
Organização
% de fee-for-service no Modelo
predominante
faturamento
faturamento)
HOSPITAL 1
96%
fee-for-service
HOSPITAL 2
96%
fee-for-service
HOSPITAL 3
89%
fee-for-service
HOSPITAL 4
15%
Diária global
HOSPITAL 5
78,5%
fee-for-service
HOSPITAL 6
17%
Tabela compacta
HOSPITAL 7
90%
fee-for-service
(em
Fonte: Dados colhidos pela autora nas entrevistas.
Os achados são compatíveis com as freqüentes afirmações encontradas na
literatura (FURLAN, 1999; ANDREAZZI, 2003; SILVA, 2003; KOYAMA, 2007). Os
motivos encontrados para a permanência dessa forma de pagamento nos serviços
hospitalares serão discutidos em subcapítulo específico que discutirá a prédisposição dos gestores comerciais quanto à mudança de modelo.
A participação da conta aberta no faturamento dos últimos 12 meses dos hospitais
estudados variou de 15% a 96%. Se considerados somente os hospitais em que o
modelo predomina, a variação é menor: de 78,5% a 96%.
67
5.2.2 Outros modelos
Para dois hospitais pesquisados (4 e 6) as formas de remuneração predominantes
não foram o fee-for-service. Nesses casos, os modelos predominantes foram: diária
global, com 50% e tabela compacta, com 61% do faturamento.
Os modelos alternativos descritos em literatura foram: procedimento gerenciado
(pacote), diária global, capitation, GDH e pagamento por performance (P4P). Esse
modelo encontrado, denominado “tabela compacta”, foi um achado diferente
daqueles descritos anteriormente. A tabela compacta corresponde a uma redução
das tabelas habitualmente usadas no fee-for-service, na qual os cálculos dos preços
das diárias e das taxas absorvem diversos itens que no modelo tradicional são
cobrados à parte, como: curativos, taxas de equipamentos e procedimentos de
enfermagem, dentre outros. Os demais itens como materiais, medicamentos,
exames e honorários continuam sendo cobrados à parte – item a item.
O resultado é uma tabela composta de menos itens, em torno de 25 no caso do
hospital na qual esta é a forma predominante. A tabela de diárias e taxas de alguns
hospitais que trabalham com o modelo de fee-for-service tradicional pode chegar a
mais de 100 itens, de acordo com o GESTOR 6.
No caso do HOSPITAL 6, no qual esse modelo de tabela compacta representa 61%
do faturamento, a adaptação de tabela totalmente aberta para tabela compacta
ocorreu há muitos anos e no início o processo foi desgastante, segundo o
entrevistado.
“O mais complicado é você explicar para o convênio que aqueles 100
itens estão incorporados nas diárias e taxas de sala, com aqueles
valores. Passada essa fase, fica fácil”.
As vantagens de uso da tabela compacta são as facilidades de manutenção em
sistema e de processos operacionais de faturamento, auditoria e pagamento. Os
68
problemas, de acordo com o GESTOR 6, se referem à absorção de taxas relativas a
incorporações de novas tecnologias, difíceis de serem aceitas pelas operadoras.
Analisando o modelo, a tabela compacta, apesar de ser diferente do fee-for-service
tradicional e apresentar facilidades operacionais, carrega as mesmas limitações do
modelo pós-pagamento, como os incentivos para sobreprestação de serviços, e
mantém a mesma dependência de receita dos materiais e medicamentos, que
continuam sendo cobrados de forma aberta.
O fato da tabela compacta ser uma variação do fee-for-service enfatiza ainda mais a
predominância deste modelo nos hospitais pesquisados. Somente um dos hospitais
da amostra (HOSPITAL 4) apresentou modelo de remuneração com outra lógica
(pré-pagamento) predominante, a diária global.
A diária global prevê negociação entre operadora e hospital do preço a ser pago por
dia de internação, antes da prestação de serviços. Normalmente são definidos por
médias de utilização de recursos nos diversos tipos de acomodação, como
enfermaria, apartamento e UTI. Esse modelo é classificado como pré-pagamento ou
prospectivo e tem como principais objetivos: maior previsibilidade das despesas para
a fonte pagadora e incentivo à prática mais eficiente dos prestadores de serviços. De
forma geral, esse modelo interessa mais para as operadoras do que para os
hospitais.
O HOSPITAL 4 é o único da amostra pertencente a operadora. Pode-se considerar
que este fator interferiu no modelo de remuneração, favorecendo a predominância
da diária global frente ao fee-for-service no seu faturamento. Isso porque a
dependência do prestador em relação à demanda gerada pela própria operadora
influencia fortemente as negociações. Além disso, o hospital é utilizado pela
operadora para redução de custos e despesas assistenciais.
Porém, apesar disso, o fato deles representarem a mesma organização – pois o
hospital pertence à operadora – a conversa é amigável e os valores da diária global
são revistos a cada seis meses. Foi referido pelo gestor entrevistado que a gestão
médica fica por conta do hospital, já que independente da utilização ou não de
69
materiais ou medicamentos de alto custo, o valor da diária global a ser pago será o
mesmo. Por isso, considera-se necessária essa revisão e reajuste de preços a cada
seis meses.
Nesse caso, por haver maior integração entre os elos da cadeia produtiva, o reajuste
não é citado como problema, diferente do que foi apontado por Silva (2003) e
Campos (2004).
70
5.3 Alternativas ao fee-for-service
Todos os hospitais pesquisados possuíam pelo menos um outro tipo de
remuneração diferente do fee-for-service. A alternativa mais freqüente para essa
amostra é o pacote, conforme podemos observar na tabela 9, abaixo.
Tabela 9: Modelos de remuneração presentes nos hospitais pesquisados
Organização
Modelos de remuneração Modelo
predominante % do modelo
presentes
(em faturamento)
predominante
HOSPITAL 1
fee-for-service, pacote
fee-for-service
96%
HOSPITAL 2
fee-for-service, pacote
fee-for-service
96%
HOSPITAL 3
fee-for-service, pacote
fee-for-service
89%
HOSPITAL 4
fee-for-service, pacote,
Diária global
50%
fee-for-service
78,5%
Tabela compacta
61%
fee-for-service
90%
diária global, tabela
compacta
HOSPITAL 5
fee-for-service, pacote e
diária global
HOSPITAL 6
fee-for-service, pacote,
diária global, tabela
compacta
HOSPITAL 7
fee-for-service, pacote
Fonte: Dados colhidos pela autora nas entrevistas.
Para Silva (2003), os pacotes são uma alternativa “conhecida e distorcida”.
Conhecida porque já é largamente utilizada nas relações comerciais
entre operadoras e prestadores de serviços, apesar de na prática
possuírem uma reduzida significância, tanto em quantidade de
procedimentos quanto em valores de faturamento. Distorcida porque
não é precedida de um protocolo clínico. O protocolo clínico,
desenvolvido pelos médicos e sustentado por sólidas evidências
científicas permitiriam uma adequada precificação do pacote. Porém,
frente às pressões das operadoras, os gestores dos hospitais
acabam definindo os pacotes utilizando-se de valores médios
recebidos por um determinado procedimento.
71
Observamos que, de fato, nos hospitais pesquisados essa é uma alternativa
bastante conhecida, mas que ainda precisa de alguns ajustes. Os gestores colocam
muitas dificuldades em relação a esse modelo, sendo que alguns comprovam
aquelas descritas previamente.
As principais dificuldades identificadas nesta pesquisa foram:
a) Falta de participação dos médicos na formatação dos protocolos e
conseqüente falta de aderência;
b) Dificuldade de negociar as intercorrências com as operadoras;
c) Simplificação do modelo, sem determinar níveis de complexidade para os
procedimentos cirúrgicos.
O trecho abaixo ilustra a dificuldade vivida pelo hospital em relação a esse modelo.
“Nós vivemos um conflito interno de concepção do produto: o médico
quer entregar o melhor para o paciente, suprimentos quer entregar o
melhor produto, o comercial quer entregar o melhor preço para a
operadora. Mas temos que administrar isso da melhor maneira
possível.”
Percebe-se na análise do discurso dos entrevistados, diversos termos e colocações
que refletem a insatisfação e os conflito causados pelos interesses divergentes dos
participantes na implantação do pacote como modelo alternativo ao fee-for-service.
Corroborando
com
os
achados
de
literatura
de
que
as
integrações
e
compartilhamento de riscos propostos nos modelos de pacote são motivados
fundamentalmente pela redução de custos e não na melhoria do valor final ao cliente
(Okazaky, 2006), os entrevistados colocam que a adoção dos pacotes é somente
mais uma tentativa de contenção de custos e que nessa mudança a operadora não
está preocupada com a qualidade da assistência a ser prestada ao paciente,
somente com a negociação de preços.
Como mencionou Andreazzi (2003), o ambiente competitivo determina um conflito
entre os diversos atores, no caso as operadoras e hospitais, para saber quem arcará
72
mais com os riscos e prejuízos. No final, o lado menos favorecido acaba ficando com
todo o risco, chegando até mesmo a prejudicar a qualidade da atenção prestada aos
pacientes.
Quanto a isso, percebe-se o incômodo dos entrevistados frente à imposição das
regras dos pacotes pela operadora, sem levar em conta as necessidades dos
hospitais. O grande poder de negociação de determinadas operadoras, já que há
uma forte concentração nesse mercado (ANS, 2010), faz com que o hospital aceite
as regras sob risco de perder o movimento.
Além disso, assim como afirmou Ballard (2005), há uma dificuldade de envolver os
médicos nas discussões e formatações de “produtos” baseados nos novos modelos.
Os entrevistados colocam que os médicos não estão acostumados a participar de
decisões administrativas e que é difícil conseguir o apoio deles, principalmente
quando há necessidade de determinar padrões.
Outra questão levantada por alguns dos entrevistados é a diferença que as
operadoras fazem de hospital para hospital, permitindo que alguns continuem
operando somente com fee-for-service. Nesses casos, o gestor sente que apesar do
seu hospital gerenciar melhor a utilização dos recursos por meio de pacote e o outro
não, ele sai perdendo, porque o médico acaba levando seu paciente para os
hospitais em que não há controle, ou seja, que se cobra o procedimento por conta
aberta e se oferece livremente tudo o que o médico solicita.
Enquanto houver essa desintegração entre os elos da cadeia de valor, as
discussões para mudança não terão fim. Frente a esse problema, o envolvimento da
ANS poderá uniformizar a aplicação dos modelos e reduzir as queixas de alguns
hospitais.
Também são citadas vantagens dos pacotes, semelhantes às mencionadas em
relação a tabela compacta, referentes principalmente a:
a) facilidades operacionais;
b) redução de custo administrativo.
73
Para os entrevistados, o pacote é mais fácil de ser aplicado para algumas
especialidades médicas, principalmente as cirúrgicas de menor complexidade.
Nesse sentido, os dados coletados são coerentes com os da literatura quanto a esse
modelo estar mais relacionado a procedimentos mais simples (Silva, 2003).
Todos os modelos de remuneração hospitalar alternativos encontrados na prática
dos hospitais pesquisados foram do tipo pré-pagamento ou prospectivos:
procedimento gerenciado (pacote) e diária global. Não foram identificadas outras
formas como contratos por capitation ou GDH, nem modelos mistos como
pagamento por performance (P4P).
Finalmente podemos concluir que houve predominância do fee-for-service nos
hospitais estudados, porém com diversas formas alternativas sendo implantadas e
testadas.
74
5.4 Percepção dos gestores quanto aos modelos vigentes
As entrevistas revelam que o fee-for-service é um método cuja operação demanda
grande estrutura administrativa e que realmente gerou uma dependência nos
hospitais das margens de materiais e medicamentos. A distorção não agrada aos
gestores hospitalares, porém, estes ficam receosos de alterar o modelo e as
margens serem reduzidas. Para eles, é necessário que haja um diálogo transparente
entre hospitais e operadoras a fim de minimizar essa dependência de materiais e
medicamentos instalada no cenário atual.
“A maior crítica é que (o sistema) foi se modificando de tal forma que
a gente se baseia muito mais na receita de material e medicamento
do que na internação (...) inclusive os honorários médicos estão
defasados, comparando a receita do hospital por item.”
“Quando se fala em conta aberta, existe um certo conforto dos
hospitais. São implantadas novas tecnologias e não existe um estudo
rigoroso de custo-benefício; isso onera os custos das operadoras.
Isso acontece porque as operadoras não reajustam as contas
hospitalares adequadamente. Deveria haver uma discussão ampla
em que todos conversassem para um reajuste adequado das diárias
e taxas, porque somente dessa forma o hospital deixa de pensar em
material e medicamento.”
Tendo em conta a amostra desse trabalho, a maioria dos entrevistados considera
que o modelo fee-for-service não é bom e que não há sustentabilidade a longo
prazo, mas há sempre uma consideração positiva em relação a sua manutenção,
como podemos observar nos trechos a seguir:
“[...] hoje eu vejo que a conta aberta é um modelo mais justo, talvez,
e mais confortável para os hospitais.”
“No caso da conta aberta, não ficamos presos a reajuste
especialmente dos fornecedores de material e medicamento.”
“Do ponto de vista do hospital, é mais seguro [...] porque vou cobrar
exatamente o que foi usado.”
75
“Acho (o fee-for-service) burocrático, custoso, para o hospital e
operadora; estimula relação de desconfiança, mas ao mesmo tempo
do ponto de vista do hospital é mais seguro, de acordo com as
variações de atendimento.”
No caso do único gestor médico entrevistado, há uma defesa do modelo enquanto
possibilidade de oferecer melhor qualidade de serviço ao paciente. Para ele, só é
possível fazer uma medicina de melhor qualidade com conta aberta. Todas as
iniciativas de “conta contida” não permitem aos médicos oferecer o que é melhor
para o paciente.
Essa tendência dos gestores, em considerar o fee-for-service bom para os
interesses do hospital e até do médico, pode ser, em parte, responsável pela
manutenção do modelo por tanto tempo.
Tendo em conta que o pacote é o segundo modelo mais freqüente nos hospitais da
amostra, identificou-se vantagens e desvantagens propostas pelos gestores.
Apesar dos entrevistados julgarem os pacotes passíveis de melhorias, a maioria
deles concordou com as vantagens operacionais trazidas por esse modelo. Tanto os
pacotes como as diárias globais foram citados como boas alternativas, porém com
algumas adaptações.
“Sou a favor do pacote, mas um pacote elaborado, prevendo
algumas condições de risco – 2 ou 3 por patologia que contemplem
variações – que acabem impactando no protocolo assistencial. Sou a
favor de evoluir em diárias globais.”
“Nos 2 modelos (fee-for-service e pacote) você tem ajustes a ser
feitos, não estão adequados nem para o hospital, nem para a
operadora. Hoje as operadoras tem grandes dificuldades para
controlar os custos.”
“O fee-for-service não é bom, o ideal seria trabalhar com diária
global, com centro cirúrgico globalizado. O problema é a negociação,
a dificuldade de um equipamento novo, um medicamento novo. A
medicina evolui e as operadoras não aceitam negociar.”
76
Há também muita preocupação dos hospitais em relação à incorporação tecnológica
e ao reajuste de preços. Qualquer mudança na forma de pagamento requer uma
determinação muito clara das regras de reajuste, pois o hospital passará a ter maior
dependência dessa negociação com as operadoras, seja nos pacotes, nas diárias
globais ou nas tabelas compactas.
Atualmente esse processo acontece sem muita regra (CAMPOS, 2004), mas como
mais de 50% da receita do hospital está baseada em material e medicamento
(ANAHP, 2010), e esses itens tem seus reajustes sistemáticos baseados em tabelas
pré-acordadas, o impacto não é tão intenso. Com as propostas de valorização das
diárias e taxas em detrimento dos materiais e medicamentos, o reajuste passará a
ser fundamental para saúde financeira dos hospitais.
Na Tabela 10, são apresentadas as principais vantagens e desvantagens quanto
aos modelos de remuneração encontrados na amostra.
Tabela 10: Síntese dos modelos de remuneração hospitalar – vantagens e
desvantagens na percepção dos gestores.
Modelo de
remuneração
Vantagens
Desvantagens
Fee-for-service
Modelo mais "confortável" para
o hospital, permite liberdade
ao médico para buscar o
"melhor" para o paciente.
Burocrático,
custo
administrativo alto, aumenta
desconfiança entre as partes,
não é sustentável a longo prazo.
Procedimento
gerenciado
(pacote)
Reduz custo administrativo,
facilita a operação de
autorizações, faturamento e
diminui glosas, induz eficiência
do hospital no uso dos
recursos.
Não permite a discussão das
intercorrências, reduz margens
dos hospitais, diminui liberdade
do médico na escolha dos
recursos, deixa o hospital na
dependência dos reajustes de
preços periódicos.
Diária Global
Reduz custo administrativo,
facilita a operação de
autorizações, faturamento e
diminui glosas, induz eficiência
do hospital no uso dos
recursos.
Não permite a discussão das
intercorrências, reduz margens
dos hospitais, diminui liberdade
do médico na escolha dos
recursos, deixa o hospital na
dependência dos reajustes
periódicos de preços.
Reduz custo administrativo,
facilita a operação de
Tabela compacta
autorizações, faturamento e
diminui glosas.
Fonte: Elaboração própria.
Mantém
dependência
hospital
em
materiais
medicamentos.
do
e
77
5.5 Relação Operadoras e Hospitais
A relação entre as operadoras e os hospitais é historicamente marcada pelo embate
e por situações de interesses divergentes. Após a lei 9.656/98, que regula o setor de
saúde suplementar, essa situação piorou. As soluções encontradas pelas
operadoras para resgatar suas margens foram focadas nas pressões sobre os
prestadores de serviços para a redução de custos (SILVA, 2003), o que levou à
continuidade do conflito entre as partes.
A desconfiança na relação entre os hospitais e as operadoras está bastante
presente nos discursos dos gestores entrevistados, seja quanto à negociação de
regras para modelos alternativos, como os pacotes; seja quanto ao reajuste de
preços. Os termos sempre expressam conflito e divergência de visão.
“Não é um modelo sustentável a longo prazo porque quem executa e
quem paga não conduz direito. Existe uma desconfiança muito
grande.”
Desde a criação da ANS, o número de operadoras vem diminuindo e o número de
beneficiários vem aumentando. De acordo com os dados do relatório de dezembro
de 2010 (ANS, 2010), a tendência do mercado de saúde suplementar é de
concentração dos beneficiários em poucas operadoras. Esse movimento tem
intensificado as imposições das operadoras com grande poder de negociação.
“Não sou contra os pacotes, mas no modelo hoje de pacote, as
operadoras colocam tudo e não querem discutir as intercorrências.
Nesse caso é muito ruim. [...] Tem operadoras e operadoras. Com
algumas ainda conseguimos negociar as intercorrências, mas tem
operadoras que ou você aceita ou está fora [...].”
Foram mencionados por alguns dos gestores entrevistados, este fato e sua
interferência na relação entre hospitais e operadoras. Principalmente porque essa
realidade já é muito presente em algumas cidades do interior de São Paulo e
também do Brasil.
78
“Ainda não vivemos os monopólios, nos lugares onde existe 80% na
mão de uma operadora. Nesses casos, você tem que se submeter às
operadoras que normalmente são as cooperativas”.
As indiferenças das operadoras frente aos problemas enfrentados nos hospitais de
incorporação de tecnologia e de intercorrências de tratamentos com pagamento préacordado, como pacote e diária global, demonstram uma visão fragmentada da
cadeia de valor. Assim, nota-se que as operadoras defendem seus próprios
interesses, sem demonstrar compreensão pelo problema e sem buscar caminhos
que integrem os diversos elos da cadeia produtiva.
Okazaky (2006) verificou em seu estudo que os hospitais também buscam proteger
seus próprios interesses frente às relações que os prejudicam. “Ao invés de haver
um comportamento cooperativo entre os elos da cadeia de valor, o hospital está
preocupado em proteger seus próprios interesses, demonstrando a fragmentação na
cadeia de valor.”
Nem sempre previsto nos contratos, o reajuste de preço é uma questão que merece
atenção especial.
É necessário que sejam definidos mecanismos para impedir
desequilíbrios na atualização de preços aplicados. As operadoras praticam reajustes
de preços embasados nos índices autorizados pela ANS, porém não possuem
normas claras que definam a sistemática de reajustes de preços com os prestadores
de serviços. Essa questão acaba sendo um entrave no processo de mudança dos
modelos de remuneração.
79
5.6 Relação Hospitais e Médicos
Foucault (1979) descreve a história da organização hospitalar vinculada à figura do
médico como central e principal, por ele ser o responsável pelo controle dos
instrumentos de “cura” do paciente. Podemos considerar, então, que a relação entre
os hospitais e os médicos foi sendo construída dentro desse cenário.
Provavelmente, grande parte das dificuldades vividas atualmente pelos hospitais, no
que diz respeito às adaptações administrativas e de mercado, como as mudanças
dos modelos de remuneração, ocorrem por herança daquela época.
Diante das entrevistas, ficou evidente a dificuldade de envolver os médicos na
formatação dos produtos e consequentemente de obter comprometimento e
aderência aos protocolos, sejam pacotes cirúrgicos ou diárias globais clínicas. O fato
da maioria dos hospitais pesquisados serem de corpo clínico aberto provavelmente
influenciou a maior dificuldade para controle e gestão de utilização de recursos, pois
nessa condição os médicos não apresentam compromisso formal com os hospitais.
A relação dos hospitais com os médicos ainda parece de separação entre o que é
assunto da Administração e o que é assunto do Médico.
Apesar dos gestores se voltarem para as dificuldades, alguns deles referem que
estão bem adiantados e que procuraram desenvolver pontos de controle no
processo de atendimento dos procedimentos de pacote, desde o agendamento
cirúrgico, o que auxilia os gestores a controlar a utilização dos recursos durante o
tratamento. Também foram citados casos de organização do processo de
formatação dos pacotes, como os núcleos de especialidades. Nesse caso, cada
núcleo tem um coordenador médico, que gera “produtos” mais fidedignos, com
rotinas para elaboração dos pacotes. Dessa forma, os protocolos a serem seguidos
são formatados pelos próprios especialistas executores, diminuindo as dificuldades
de aderência e as intercorrências descritas como uma das desvantagens desse
modelo.
Observa-se que os hospitais estão buscando formas de se adaptar a essa nova
forma de contratação dos serviços hospitalares, que por ser pré-pagamento,
80
proporciona melhores resultados para aqueles que conseguirem ser mais eficientes
na utilização dos recursos.
Também ficaram evidentes as dificuldades que os hospitais vem enfrentando na
relação dos médicos com a indústria de Órteses, Próteses e Materiais Especiais
(OPME). Os gestores referem que muitas vezes a escolha do médico por
determinado material está mais relacionada a interesses pessoais do que a
características técnicas e necessidades clínicas. Esse é um dos pontos da relação
com os médicos que prejudica o hospital na adaptação aos novos modelos de
remuneração. Nessa relação, as operadoras acabam generalizando e dificultando a
operação de hospitais e médicos que buscam as boas práticas, como fica claro no
trecho abaixo.
“Existe um descontrole de OPME envolvendo hospital e médico e
acaba de novo as operadoras pagando essa conta. Mas as
operadoras, por outro lado, não têm uma formula, elas acabam
punindo todos os hospitais. Não valorizam o hospital que faz um
trabalho transparente, ético, que discute os novos produtos em
comissões de padronização por avaliação de custo-benefício. O
hospital é punido quando o médico deixa de operar aqui porque no
outro hospital o produto está disponível.”
Observou-se também compreensão de gestores em relação à questão da
remuneração médica e a dificuldade enfrentada pelas operadoras para corrigi-la. Por
exemplo, uma sugestão é trazer para a responsabilidade do hospital o início do
processo de melhoria, como observamos nos trechos abaixo.
“Na remuneração do médico, existe divergência entre as
especialidades. Um exemplo: para urologia a tabela AMB paga bem,
chegando a 1000 reais um procedimento, mas um ortopedista por
uma cirurgia chega a ganhar 160 reais.”
“O start tem que vir do hospital de remunerar seus médicos melhor,
como subsídio. Visa um retorno mais pra frente, não dá para esperar
da operadora”.
81
5.7 Percepção dos gestores quanto à mudança de modelo
Em relação à percepção dos gestores dos hospitais quanto à mudança, no conteúdo
de suas falas percebe-se uma aceitação dessa perspectiva. Porém, na análise do
discurso, percebe-se que a aceitação ocorre por perceberem que não há saída e
que o modelo não é sustentável a longo prazo.
Observa-se um conformismo e ceticismo dos agentes e não uma vontade de mudar
o modelo vigente. Os gestores consideram o fee-for-service como mais adequado,
mas não aceito pelo mercado. Ou seja, o problema real do modelo muitas vezes não
é enxergado pelo gestor do hospital e eles só se conformam com as propostas de
mudança por medo de não acompanharem as tendências de mercado.
“Eu não vejo muita saída para os modelos de remuneração. O
mercado de saúde ainda não é muito profissionalizado”.
“O fee-for-service nunca vai acabar.”
“[...] o único problema (do fee-for-service) é que não é muito aceito
pelo mercado.”
As percepções quanto ao prazo para mudança variam muito. A intervenção da ANS
é sem dúvida um dos fatores que direcionam a opinião de muitos. Fala-se em um ou
dois anos para mudar. Os mais céticos acreditam que a mudança não ocorre antes
de sete ou oito anos.
Independente de ser a curto, médio ou longo prazo, os gestores são unânimes em
considerar a mudança perigosa para a sustentabilidade dos hospitais. Alguns
consideraram também as dificuldades das operadoras e colocaram sua preocupação
na mudança brusca de modelo, levando-as à falência.
“Acho interessante mudar, desde que tenha critério (...). Tem que ter
um critério para não prejudicar os hospitais porque nesse caso
normalmente o hospital que leva a pior”
82
Estes exemplos são compatíveis com a afirmação de Okazaky (2006) quanto aos
hospitais garantirem seus interesses devido ao conflito existente entre os diversos
elos da cadeia e a falta de integração gerada.
Frente aos problemas relatados, há necessidade de adequação da competição no
mercado de saúde. Porter (2007) critica a forma desintegrada da cadeia de valor da
saúde e defende que haja uma mudança voltada para o valor centrado no paciente,
a chamada competição de soma positiva. A mudança para esse modelo baseada em
resultados é a única maneira factível de abordar fraquezas tão arraigadas na
prestação dos serviços de saúde e ao mesmo tempo aumentar a capacidade de
inovação no sistema como um todo (PORTER 2007, p. 139).
Porter (2007) acredita que para mudar para as novas estratégias e estruturas não é
preciso esperar por mudanças na regulamentação nem pela liderança de outros
participantes do sistema. Os prestadores podem dar os primeiros passos, de forma
voluntária em direção à competição em valor. Um número muito grande de
prestadores continua satisfeito com a situação vigente, esperando por soluções
perfeitas ou por uma futura regulamentação do governo.
83
5.8 Cadeia de valor centrada no paciente
A questão dos novos modelos de remuneração baseados em pagamento por
performance trazem à discussão a qualidade da assistência, tão criticada e debatida
por estudiosos de todo o mundo.
A preocupação da maioria dos entrevistados, na discussão dos modelos de
remuneração, não passa pelo paciente. O foco está entre os elos: financiador,
prestador de serviço (hospital e médico) e fornecedores de materiais, medicamentos
e equipamentos médicos. Nas entrevistas realizadas, apenas um gestor mencionou
o paciente:
“Sou a favor de previsibilidade e redução de custo operacional, mas
olhando o foco assistencial. O que não pode, com a simplificação do
processo, é prejudicar o resultado e a qualidade da assistência ao
paciente.”
Podemos até considerar que todos os gestores comerciais, por não serem médicos,
tenham menos contato com os indicadores e processos assistenciais. Porém, se há
uma intenção de mudança nas formas de remuneração que envolvam medidas de
desempenho e melhor qualidade assistencial para o paciente, é necessário que
estes profissionais sejam envolvidos.
O custo da assistência pode ser reduzido, sem prejudicar a qualidade. Qualidade
inferior não gera economias na assistência à saúde, tampouco na maioria dos outros
setores. Pelo contrário, baixa qualidade leva a complicações e à necessidade de
tratamentos adicionais, que elevam substancialmente os custos (PORTER, 2007).
Se todos seguirem as melhores práticas e a competição se voltar para a geração de
valor para o paciente, haverá uma economia em relação aos gastos com saúde
atuais.
84
Para tanto, são necessárias medidas que estimulem mudança de comportamento e
competição por melhores resultados assistenciais dos pacientes.
Os discursos dos entrevistados sugerem que o mercado não está preparado para o
modelo que está sendo implementado em outros países como um caminho na busca
por melhoria na qualidade, os modelos de pagamento por performance. Os
representantes dos hospitais que estão participando do processo de discussão dos
novos modelos de remuneração não são médicos em sua maioria. Portanto, se a
intenção da ANS é discutir modelos de pagamento baseados em performance é
necessário que a assistência esteja na pauta das negociações entre hospitais e
operadoras.
85
5.9 Perspectivas do pagamento por performance hospitalar
Os hospitais pesquisados demonstram apenas um início de organização para coleta
de dados assistenciais voltados a modelos de pagamento. Nesse aspecto, as
respostas foram incompletas e vagas. Todos os entrevistados responderam que
existe coleta de dados para condições clínicas específicas, porém, muitos não
souberam explicar sobre o programa, nem para quais delas o hospital direciona os
esforços de registro. Nesse momento, alguns referiram os protocolos de
atendimento em pronto-socorro, como dor torácica, sepse e AVC.
Isso pode sugerir que nesses hospitais não há correlação entre os resultados
assistenciais e o pagamento pelas operadoras, como ocorre nos modelos de
pagamento por performance internacionais.
Acreditamos que as coletas e análises de indicadores assistenciais nos hospitais da
amostra ocorram, já que muitos deles são acreditados por instituições nacionais e
internacionais. Porém, esses resultados não estão sendo disseminados para a
instituição, pois nenhum dos gestores comerciais foi capaz de descrevê-los com
segurança. Além disso, se realmente alguma operadora tivesse questionado os
resultados assistenciais do hospital atrelados a pagamento, os gestores teriam
melhores informações.
Frente às referências encontradas, podemos dizer que o modelo de pagamento por
performance para hospitais ainda está em fase de desenvolvimento. Observa-se
muitas discussões e estudos no exterior – que já estão em fase de avaliar o quanto
os modelos implantados foram efetivos para o objetivo principal, porém, ainda não
se consegue formar um consenso sobre o que é um programa de pagamento por
performance hospitalar que sirva de benchmark para outros mercados. São
encontradas muitas críticas aos modelos de P4P quanto a:
•
custos de sua implantação e manutenção, incluindo sistemas de tecnologia
de informação;
•
poucos estudos que demonstram melhoria da qualidade da assistência após
a implantação do programa de P4P;
86
•
dificuldade de controlar os resultados das condições clínicas que não estão
associadas a incentivos financeiros;
•
limitações de orçamento após alcance das metas propostas.
Poucas iniciativas dessa natureza foram encontradas em literatura brasileira,
somente o caso da UNIMED Belo Horizonte.
Nessa pesquisa, não foram observadas iniciativas com incentivos financeiros para
hospitais que demonstram busca de melhoria da qualidade assistencial, nas
relações contratuais entre as organizações pesquisadas e as operadoras
credenciadas.
As percepções dos gestores entrevistados quanto a esse assunto mostram que
realmente pouco se fala sobre o pagamento por performance no mercado de saúde
suplementar paulistano. A maioria deles desconhece qualquer programa desse
modelo entre algum hospital e operadora. Alguns até citaram o caso da UNIMED –
BH como um exemplo de P4P no Brasil, porém, nenhum deles soube explicar como
funciona o programa.
“Não conheço nenhum programa de pagamento por performance no
Brasil [...] Unimed Belo Horizonte, talvez, único que chega perto.”
“[...] Já assisti uma apresentação da Unimed BH, mas não conversei
com nenhum hospital que tenha esse modelo (de P4P).”
O primeiro passo para a implantação do pagamento por performance hospitalar no
Brasil é definir melhor o que é performance para nossa realidade. Encontramos na
única referência nacional uma metodologia diferente da encontrada na literatura
internacional, adaptada à realidade brasileira, permitindo talvez maior facilidade de
operação. Nesse caso, os incentivos foram voltados para os hospitais que buscaram
melhorar sua qualidade, por meio da adoção da metodologia proposta pela
Organização Nacional de Acreditação (ONA). Nessa fase do programa proposto pela
87
UNIMED-BH, não houve definição de medidas de desempenho ou resultado
assistencial. A performance medida foi conseguir ou não o selo de acreditação nos
níveis propostos pela ONA: 1, 2 ou 3.
Essa adaptação do modelo de pagamento por performance observada no Brasil
dificulta a avaliação sobre a melhoria efetiva da qualidade do serviço prestado.
Algumas questões podem ser levantadas a partir da análise do modelo. Será que os
resultados dos pacientes antes e depois da acreditação apresentaram alguma
melhoria? Em que proporção essa melhoria aconteceu? Esses dados, se foram
medidos, ainda não estão publicados.
A partir dessas críticas, o segundo passo é incentivar os hospitais a medir seus
resultados. Sem que os hospitais estejam preparados para coletar e analisar seus
resultados de maneira confiável, não é possível pensar em pagamento por
performance.
Como uma sugestão de terceiro passo, pode ser considerada a divulgação pública
dos
resultados
assistenciais,
comparando
os
hospitais
com
as
mesmas
características, semelhante às iniciativas americanas do Leapfrog Group e do
Hospital Quality Alliance. A publicação dos dados já é considerada uma forma
efetiva de busca por melhoria da qualidade assistencial (LINDENAUER, 2007).
Um quarto passo, essencial para o desenvolvimento do P4P no Brasil, é a
capacitação de profissionais para gerir os sistemas de informação, necessários para
a coleta dos indicadores escolhidos como performance. Além disso, a escolha do
próprio sistema de tecnologia da informação é um passo que merece atenção.
O quinto passo é o desenvolvimento de um sistema de ajuste de risco, de acordo
com a complexidade dos casos e especialidades, evitando a seleção de risco por
parte dos prestadores.
Finalmente, para que seja implantado um programa de P4P no Brasil, é necessário
avaliar e definir instituições isentas para coletar as informações ou apenas validálas, a fim de garantir a veracidade dos dados apresentados.
88
A implantação de modelos de remuneração por performance no setor de saúde
suplementar é viável, mas de forma gradual e talvez apenas parcial, em algumas
operadoras. O apoio da ANS é essencial para que esse debate continue se
aprofundando e sirva como norte dos agentes da cadeia de valor da saúde
interessados em evoluir para programas com esse modelo.
89
6. CONCLUSÃO
A discussão dos modelos de remuneração hospitalar são essenciais num cenário de
aumentos crescentes das despesas assistenciais e também de insatisfação quanto à
qualidade da atenção à saúde. Há bastante tempo o modelo fee-for-service sofre
críticas quanto a suas limitações, porém, poucas iniciativas são observadas no
sentido de solucioná-las.
Em 2010, a ANS criou dois grupos de trabalhos em busca de novos modelos de
remuneração que possam proporcionar melhorias de qualidade, bem como
promover maior compromisso das partes na busca por controle dos custos. Um dos
grupos é voltado para discutir a remuneração do profissional médico e o outro para a
remuneração hospitalar.
Essa dissertação abordou, nos primeiros capítulos, a relação entre operadoras de
planos de saúde e prestadores de serviços (hospitais), a cadeia de valor da saúde e
a identificação dos modelos de remuneração hospitalar existentes no setor de saúde
suplementar: fee-for-service, procedimento gerenciado (pacote), diária global, Grupo
de Diagnóstico Homogêneo (GDH) e capitation. Foram destacadas as limitações do
modelo fee-for-service e as imperfeições de mercado que permeiam as relações do
seguro saúde.
A revisão bibliográfica descreveu os entendimentos de diversos autores sobre as
dificuldades do fee-for-service e os modelos alternativos no Brasil e no mundo.
Levantou também os aspectos da cadeia de valor da saúde atrelados aos modelos
de remuneração. Observou-se que existe uma farta literatura internacional sobre o
pagamento por performance e os impactos da qualidade da assistência na geração
de valor para o paciente. No Brasil, foram encontradas poucas referências sobre o
tema.
A pesquisa de campo, desenvolvida de outubro de 2010 a janeiro de 2011, permitiu
coletar percepções de personagens de destaque no mercado de saúde suplementar,
a fim de ampliar as discussões sobre o tema.
90
Sendo assim, em relação aos objetivos definidos no início do trabalho, chegou-se às
seguintes conclusões:
•
Os dados da pesquisa revelam predominância do fee-for-service nos
contratos entre as operadoras de planos de saúde e os hospitais
pesquisados. Apesar das limitações desse modelo, os percentuais de
participação no faturamento dos hospitais chegou a 96%. Um dos hospitais
da amostra, o único que pertence à operadora, apresentou baixa participação
de fee-for-service e predomínio de diária global.
•
Foram encontradas formas de remuneração alternativas, sendo a mais
frequente os pacotes. Além dessa, também foram detectados como modelos
alternativos ao fee-for-service as diárias globais. O modelo de tabela
compacta, identificado em alguns dos hospitais estudados e na proposta de
trabalho da ANS, é uma adaptação do fee-for-service, com as mesmas
limitações descritas previamente.
•
As principais críticas aos pacotes são: dificuldades de discussão das
intercorrências devido à formatação inadequada dos protocolos, falta de
aderência dos médicos, falta de participação dos médicos na formatação e
precificação dos pacotes, redução da margem do hospital e dependência dos
hospitais quanto aos reajustes periódicos de preços. As vantagens das
formas alternativas encontradas são: facilidade operacional, redução de
custos administrativos e estímulo à eficiência do prestador de serviço.
•
A relação entre as operadoras de planos de saúde e os hospitais é
caracterizada por interesses divergentes e ambos os agentes reconhecem
que para se manterem no mercado de saúde suplementar é preciso criar
mecanismos saudáveis de relacionamento comercial. Porém, ainda é muito
forte a desconfiança entre as partes. A tendência de concentração das
operadoras descrita anteriormente torna essa questão ainda mais relevante e
crítica para a manutenção dos modelos existentes. São frequentes as queixas
dos hospitais quanto à imposição de regras por parte das operadoras com
grande poder de negociação.
91
•
Foram encontradas poucas evidências nas entrevistas de preocupação com a
qualidade assistencial e o cuidado ao paciente. Apesar de ter sido colocada
em pauta na literatura internacional, a questão da qualidade assistencial não
parece estar presente na discussão dos modelos de remuneração no
mercado de saúde suplementar em São Paulo. As entrevistas demonstram
que há maior preocupação tanto dos hospitais quanto das operadoras em
defender os próprios interesses. Dessa forma, os modelos de remuneração
tratados ficam somente na negociação de preços, sem avaliar mais
profundamente o que pode gerar maior valor para o paciente.
•
Há grande dificuldade de envolver os médicos na discussão dos modelos de
remuneração hospitalar e essa é sem dúvida uma tarefa necessária. Sem a
aderência dos médicos aos novos modelos de remuneração hospitalar, não
há sucesso em sua implantação. Toda a produção do serviço hospitalar
depende das indicações e prescrições médicas e portanto eles são atores
centrais nessa discussão. Não há como discutir os modelos de remuneração
hospitalar sem discutir os modelos de remuneração do profissional médico.
Portanto, em algum momento será necessário que os dois grupos de trabalho
da ANS trabalhem em conjunto e aprofundem as discussões sobre a
participação de cada elo na cadeia produtiva. Cabe aqui ressaltar a
necessidade de se controlar e regulamentar a relação entre a indústria de
equipamentos, materiais e medicamentos, os médicos e o hospital, com o
intuito de sanar os desvios encontrados atualmente no mercado.
•
A intermediação da ANS, por meio dos Grupos de Trabalho, torna a mudança
de modelo mais factível, apesar da percepção dos gestores ser divergente
quanto ao prazo de conclusão desse processo. Alguns acreditam que será
em questão de meses, outros que nada acontecerá nos próximos sete ou oito
anos. A discussão do Grupo de Trabalho de ANS está alinhada com o que
está sendo praticado nos hospitais pesquisados, no que se refere aos
modelos de remuneração alternativos. Isso demonstra que o mercado está se
preparando há algum tempo e que as operadoras estão trabalhando em
formas diferentes de remunerar os serviços. A discussão que falta acontecer
92
está relacionada às razões para se buscar novos modelos, ou seja, não se
pode querer redução de custos deixando de lado os critérios de qualidade.
Fica claro que o fee-for-service vai permanecer, pelo menos por um tempo,
convivendo com outras formas e adaptações. Novas metodologias estão
sendo testadas e serão adotadas para facilitar as operações nos hospitais e
operadoras, como a tabela compacta, os pacotes e a diária global.
•
As perspectivas do pagamento por performance no mercado de saúde
suplementar em São Paulo são viáveis, porém a longo prazo. O assunto é
pouco conhecido pelos gestores hospitalares e na maioria dos hospitais
pesquisados não há coleta de dados assistenciais focados em pagamento.
Poucos entrevistados souberam falar sobre seus indicadores, apesar de
todos referirem possui-los. Para que a remuneração por performance se
desenvolva
são
necessários
alguns
pré-requisitos
fundamentais:
o
aprofundamento e a continuidade do debate público acerca dos modelos de
remuneração existentes e das limitações do fee for service; a divulgação, por
parte do Grupo de Trabalho da ANS, de critérios e parâmetros de
performance que possam nortear as operadoras e os hospitais interessados
em implantar o modelo; o desenvolvimento de um sistema de ajuste de risco,
de acordo com a complexidade dos casos e especialidades, evitando a
seleção de risco por parte dos prestadores; a regulamentação e fiscalização
da relação entre as indústrias farmacêuticas e de materiais e equipamentos,
os médicos e os hospitais; a definição de qual órgão será responsável por
coletar os dados de resultado assistencial e/ou validar as informações
coletadas pelos próprios hospitais; a aquisição e contratação, de sistemas de
tecnologia de informações e profissionais capacitados para geri-los
adequadamente.
As análises desse trabalho se revelam atuais e presentes na pauta de discussões do
mercado de saúde suplementar. Pretende-se, com a conclusão dessa pesquisa,
oferecer subsídios a esses debates e, de alguma forma, contribuir para a busca de
um sistema de saúde mais eficiente.
93
7. SUGESTÕES DE PESQUISA
O desenvolvimento da pesquisa apontou os seguintes aspectos que merecem
investigação futura:
a) Analisar outros hospitais de operadora para verificar se a tendência de
modelo de remuneração encontrada nesse trabalho se confirma;
b) Aprofundar as análises dos modelos de remuneração por tipo de operadora,
verificando se há alguma tendência em modalidades específicas: seguradora,
medicina de grupo, cooperativa ou autogestão;
c) Avaliar a conclusão e implantação do modelo proposto pelo Grupo de
Trabalho da ANS.
94
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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99
9. APÊNDICES
APÊNDICE A
Roteiro para entrevista
100
1. Quantas operadoras de planos de saúde têm contrato para atendimento em
seu hospital?
2. Qual o faturamento médio mensal do Hospital?
3. Há alguma operadora com grande concentração dos atendimentos em seu
hospital? Qual o percentual?
4. Quais as formas de pagamento praticadas atualmente em seu hospital?
5. Das opções citadas, qual é a predominante? Quantos % do total de
faturamento?
6. Qual o percentual do modelo fee-for-service (conta aberta) no total de
faturamento do hospital?
7. O que você acha do modelo atual predominante?
8. Há alguma iniciativa em seu hospital de remuneração baseada em
performance? Se sim, por qual operadora? Qual o status?
9. Você conhece algum programa de P4P em andamento no Brasil? Qual?
10. Seu hospital coleta dados de resultado assistencial para alguma condição
clinica especifica? Qual?
11. Qual a sua opinião sobre os modelos atuais de remuneração dos hospitais?
12. Você tem conhecimento dos Grupos de Trabalho da ANS que estão
estudando os modelos de remuneração médica e dos hospitais? O que você
acha de mudar o modelo vigente?
Nota: Roteiro elaborado pela autora, 2010.
APÊNDICE B
Mensagem eletrônica enviada aos gestores:
101
São Paulo, 20 de outubro de 2010.
Prezado senhor,
Estou realizando uma pesquisa como parte do Curso de Mestrado Acadêmico em
Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, sob orientação do Prof.
Dr. Alvaro Escrivão Junior, intitulada “ Análise do modelo de remuneração hospitalar
no mercado de saúde suplementar paulistano”.
Seu hospital foi selecionado para fazer parte da amostra e para tanto solicitamos a
gentileza de responder as seguintes questões:
1. Quantas operadoras de planos de saúde têm contrato para atendimento em seu
hospital?
2. Qual o faturamento médio mensal do Hospital?
3. Há alguma fonte pagadora com grande concentração dos atendimentos em seu
hospital? Qual percentual?
4. Quais as formas de pagamento praticadas atualmente em seu hospital? (Conta
aberta, pacote, etc)
5. Das opções citadas, qual é a predominante? Quantos % do total do faturamento?
6. Qual o percentual do modelo fee-for-service (conta aberta) no total do faturamento
do hospital?
Após o recebimento da carta, será realizado contato telefônico para agendamento
de uma conversa sobre o tema. É muito importante que os dados acima estejam
disponíveis na data marcada. Portanto, solicitamos sua especial atenção em coletar
esses dados previamente, a fim de estarem prontos no dia da entrevista.
102
Garantimos sigilo das informações prestadas e do nome do hospital; os resultados
serão apresentados agrupados, sem individualização de resposta. Colocamo-nos à
disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre o projeto de pesquisa.
Atenciosamente,
Ana Cláudia Diniz Takahashi
Prof. Álvaro Escrivão Junior
Pesquisadora
Orientador
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Análise do Modelo de Remuneração Hospitalar no Mercado de