INVASÃO DE TERRITÓRIO? IMPACTOS DA INSERÇÃO DE MULHERES EM OCUPAÇÕES CONSIDERADAS MASCULINAS: FRENTISTAS E POLICIAIS FEMININAS DE MONTES CLAROS – MG Maria da Luz Alves Ferreira 1 Resumo: O texto tem como objetivo analisar os impactos da inserção de mulheres em profissões que são representadas como ocupações masculinas, como as frentistas e as policiais femininas, que exercem suas atividades na cidade de Montes Claros – MG. O intuito foi verificar como estas trabalhadoras representam e são representadas pelos colegas do sexo masculino, quanto às suas atividades profissionais. A perspectiva teórica que ampara este trabalho é oriunda de autores relacionados à Sociologia do trabalho e gênero. Quanto à perspectiva metodológica adotada, utilizaram-se as técnicas quantitativa e qualitativa, o que contribuiu para análises que possibilitaram conhecer as várias nuanças das relações sociais de gênero no contexto do trabalho. Os principais apontamentos concluintes foram que as mulheres apresentam ,visivelmente, níveis de escolaridade superiores aos dos homens e o paradoxo que se estabelece é que, ainda assim, persistem diferenças importantes de remuneração: os homens recebem salários mais altos do que as mulheres. Assim, pode-se inferir que, apesar dos avanços no mercado de trabalho, das mulheres terem acesso a atividades tradicionalmente tidas como masculinas, em relação às representações sociais, ainda há uma diferenciação entre homens e mulheres, fato que impacta a inserção das mulheres em ocupações “masculinas”. Palavras-chave: Trabalho feminino. Relações sociais de gênero. Ocupações masculinas e segregação ocupacional por sexo. Introdução Este texto foi construído a partir dos resultados da pesquisa “Ainda precisamos avançar? Os impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas: as frentistas e as policiais femininas de Montes Claros – MG” e tem como objetivo analisar os impactos da inserção de mulheres em profissões que são representadas como ocupações masculinas. O intuito é de verificar como as policiais femininas e as frentistas que trabalham nos postos de combustíveis da cidade, representam e são representadas pelos colegas do sexo oposto, quanto às suas atividades profissionais, bem como se, no imaginário dos referidos trabalhadores – homens e mulheres – está havendo uma invasão do território masculino (na Polícia Militar e nos postos de combustíveis) por parte das policiais femininas e frentistas. Metodologia 1 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social - Universidade Estadual de Montes Claros - Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected] 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X No que tange à perspectiva metodológica adotada, a intenção foi combinar as técnicas quantitativa e qualitativa, o que contribuiu para análises que possibilitaram conhecer as várias nuanças das relações sociais de gênero no contexto do trabalho. Na parte quantitativa foi feito um levantamento do número de trabalhadores (homens e mulheres) que trabalham na Polícia Militar e nos postos de combustíveis de Montes Claros – MG. Na parte qualitativa, foram realizados quatro grupos focais com homens e mulheres que trabalham como frentistas e como policiais na referida cidade. O roteiro para a realização dos grupos foi previamente elaborado e as questões versavam sobre aspectos relativos aos objetivos da pesquisa. O mercado de trabalho em Montes Claros-MG a partir da análise de ocupações “masculinas” preenchidas por mulheres As categorias utilizadas para analisar as dimensões de gênero dentro do mercado de trabalho e, sobretudo, as discrepâncias salariais e de condições de trabalho entre homens e mulheres foram operacionalizadas neste trabalho pela análise da situação de mulheres com ocupações consideradas masculinas. O universo empírico da pesquisa foi constituído por policiais militares e frentistas de postos de combustíveis da cidade de Montes Claros-MG.2 No caso dos policiais, foram selecionadas casualmente pessoas do quadro efetivo da AISP 99 e no que respeita os frentistas, foi feito o levantamento de todos os postos e selecionados aqueles em que constam homens e mulheres trabalhando no atendimento ao público. Os dados ora apresentados e que recebem tratamento quantitativo,quando se trata de traçar o perfil dos entrevistados, foram coletados in loco, através de aplicação de questionário, em fase preliminar à realização da pesquisa qualitativa. Por não adotar, portanto, nenhuma espécie de amostragem probabilística, já que não se intenciona generalizações dos resultados obtidos, o critério de escolha dos sujeitos da pesquisa se deu de forma a proporcionar uma efetiva comparação em relação ao objetivo do estudo, qual seja averiguar as disparidades verificadas entre homens e mulheres no mercado de trabalho, especificamente com relação às mulheres que têm ocupações consideradas “masculinas”. Quanto ao universo de pesquisa, 67% dos entrevistados são frentistas – homens e mulheres que atuam no atendimento dos postos de fornecimento de combustíveis – e 33% policiais militares, de ambos os sexos, que integram a Área Integrada de Segurança Publica (AISP) 98. É posto que 2 Não foram considerados os policiais nem os frentistas de todo o município de Montes Claros, mas apenas o que trabalham no perímetro urbano do município. 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X houvesse um equilíbrio quanto à participação de homens e mulheres na pesquisa, independente do grupo referenciado. Quando se trata da construção de parâmetros que retratem as nuanças da desigualdade de gênero com relação ao mercado de trabalho, a variável educação é tida como parâmetro central para se estabelecer as possíveis relações. Na faixa de nível de escolaridade mais baixa não há nenhuma mulher. Todas, portanto, têm escolaridade superior nessa faixa e entre os homens, 10,5% têm ensino fundamental. No nível médio, é possível perceber que não existe grande discrepância entre homens e mulheres. Com ensino médio incompleto, homens e mulheres perfazem 10,5% e 11,8% respectivamente. Com médio completo, há 47% das mulheres e 57.9% dos homens. Quando se trata de ensino superior, 35% das mulheres encontram-se cursando algum curso e apenas cerca de 5% dos homens estão matriculados nesse nível. Com o curso superior completo, no entanto, não há nenhuma mulher avançando para pós-graduação, há 10,5% e 5,9% dos homens e mulheres. Os dados do estudo apresentam a mesma tendência dos dados referentes a todo o país: a verificação de melhores condições das mulheres em relação aos homens em todos os indicadores educacionais. (IPEA, 2008). A questão a ser ressaltada nesse sentido é que a vantagem das mulheres na educação não se traduz em maior ocupação no mercado de trabalho, postos mais qualificados e maiores salários. As intensas disparidades, nesse sentido, evidenciam que o aumento do nível de escolaridade das mulheres não se reverteu em aumento de salários. Mesmo com 15 anos ou mais de escolaridade, os salários das mulheres representam apenas 61% dos salários dos homens (idem). Ao se comparar escolaridade sobre a ótica da divisão sexual, o que se percebe é uma maioria masculina em quase todos os segmentos, exceto no nível superior onde o percentual feminino chega a ser 6 vezes maior que o masculino. Escolaridade Médio incompleto 11,8 Especialização ou mais 5,9 Superior completo 5,3 Superior incomp. 5,3 10,5 35,3 47,1 Médio completo Médio incompleto 10,5 Fundamental 10,5 0 10 20 30 Homen 40 50 57,9 60 70 Mulher GRÁFICO 1 – Escolaridade dos entrevistados FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Quanto ao estado civil, nota-se uma maioria de solteiros, representando 55% do universo de pesquisa. Apenas 3% declaram união estável e 42% são casados – o que mostra uma equivalência relativa entre solteiros e casados. Na comparação feita entre sexo e estado civil dos entrevistados o que se apresenta é um número muito maior de mulheres solteiras, representando 70,6% das mulheres da amostra. Quanto aos homens, os casados são maioria apresentando 52,6% dos homens da amostra. Os homens que declararam ter união estável representam 5,3% do total de homens. O gráfico 2 representa uma variável dependente da apresentada acima, onde o grupo que declara ser casado aponta se o(a) companheiro (a) tem a mesma profissão. Destes, 44% não compartilham a mesma profissão com seus(uas) companheiros (as) e 14% tem a profissão em comum. Se casado, o companheiro tem a mesma profissão 14% 42% Sim Não Não se aplica 44% GRÁFICO 2 – Profisão dos companheiros dos entrevistados FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Em relação ao tempo de trabalho na profissão pesquisada – frentistas e policiais, a maioria declara ter entre 1 a 5 anos de atuação. É notado também que uma parcela representativa tem entre 5 ou mais anos de atuação na profissão atual, sendo 36,1%. 4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Tempo de profissão Mais de 10 anos 13,9 Mais de 5 a 10 anos 22,2 Mais de 1 a 5 anos 36,1 Menos de 1 ano 27,8 0 5 10 15 20 25 30 35 40 GRÁFICO 3 – Tempo de Profissão dos entrevistados FONTE: Pesquisa de campo – Montes Claros/2010 Quanto à ocupação anterior dos entrevistados, a categoria frentista apresenta uma maior variedade de profissões, enquanto nos policiais militares, o que se evidencia é que 50% da amostra não exerceram outra ocupação, enquanto apenas 33% dos frentistas não declaram uma ocupação anterior. Uma variável considerada para o estudo de disparidade entre homens e mulheres é a ocupação de cargo de chefia. Nos casos analisados, nenhuma mulher, nem policial nem frentista está nessa condição, ao passo que 15% dos homens entrevistas exercem funções de chefia. Um contraponto que pode ser considerado em relação à ocupação de cargo de chefia é o trabalho doméstico remunerado. Essas ocupações geralmente possuem baixo valor social e são predominantemente de mulheres. Entre a população masculina ocupada, apenas 0,9% de homens exerciam trabalho doméstico remunerado em 2006 no Brasil. Em contrapartida, 16,5% de mulheres exerciam esse tipo de trabalho. Desta forma, é possível afirmar que o trabalho doméstico remunerado ainda se constitui como um espaço de atuação predominantemente de mulheres no Brasil. (IPEA, 2008). As mulheres, portanto, ainda são mais relacionadas ao trabalho doméstico e na produção para próprio consumo e trabalho não remunerado, enquanto os homens ocupam mais postos com carteira de trabalho assinada e de empregador. Dos profissionais entrevistados, apenas 8% declaram ocupar cargo de chefia. A grande maioria, 92% dos entrevistados, não exerce função de chefia. A média de renda dos homens é de R$ 1.463,15, enquanto que a das mulheres é R$ 1.078,76. É importante ressaltar que as rendas foram consideradas em conjunto, o que justifica um alto desvio padrão, já que a renda de policiais é, consideravelmente, superior à dos frentistas. 5 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Quadro 1 - Média de renda dos(as) policiais e frentistas por sexo Homem Renda familiar Mulher Renda pessoal Renda familiar Renda pessoal 1867,89 1463,15 2270,58 1078,76 1500 800 1600 700 1172,80 1335,93 1522,23 625,99 Mínimo 600 565 800 550 Máximo 5500 5500 6300 2100 Média Mediana Desvio Padrão Fonte: pesquisa de campo – abril de 2010. Considerando a amplitude da renda, nos extremos também temos a mesma tendência: o maior salário de homens, por exemplo, é o dobro do maior salário das mulheres. Assim, isso vem reforçar os argumentos de Bruschini e Lombarde (2007) que as mulheres ainda ganham menos do que os homens, mesmo exercendo as mesmas funções. Impactos da inserção de mulheres em ocupações consideradas masculinas: frentistas e policiais femininas de Montes Claros – MG As visões dos frentistas masculinos e femininos Quando questionados como se sentem trabalhando com homens ou mulheres na empresa, verifica-se; pelas respostas, que tanto os homens como as mulheres que exercem a função de frentistas nos postos de combustíveis, declararam se sentirem bem trabalhando ao lado de pessoas do sexo oposto ao seu. A maioria deles ou delas considerou que o local de trabalho é um ambiente harmônico e que não existe distinção entres homens e mulheres dentro do espaço do trabalho. Em relação à capacidade de homens e mulheres nos postos de combustíveis, as falas mostram que, em geral, os homens consideram que todos têm as mesmas capacidades, entretanto, alguns homens ressaltam as qualidades femininas das mulheres na medida em que consideram que as mulheres são mais frágeis, mais criativas, mas ao mesmo tempo, consideram que algumas atividades são pesadas para elas. A fala abaixo é bem elucidativa para se compreender esta questão. Tem as mesmas capacidades, só que e um pouco diferente devido ser mulher, para mim o trabalho é mais serio, a mulher é muito companheira (colaborador 12 – homem, frentista). Já as mulheres consideram que não tem diferença entre os homens e mulheres em relação às capacidades. Para elas, homens e mulheres têm as mesmas capacidades, mas algumas também 6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X consideram que existem algumas atividades que as mulheres não fazem tão bem quanto os homens devido à própria constituição física da mulher que é diferente do homem. Sim, acho que capacidade a mulher tem como o homem também tem, mas a mulher não pega peso. Então tem que ter agilidade e atenção. (colaboradora 22 – mulher, frentista). Quando questionados se o fato de ser homem ou mulher ajuda ou atrapalha no desempenho das funções nos postos de combustíveis, as falas mostram que os homens se dividem, há uns que acham que ajuda porque as mulheres são mais cuidadosas, têm mais jeito do que os homens para o exercício de determinadas atividades. Ajuda, mulher é mais jeitosa em certas coisas do que o homem. (colaborador 19 – homem, frentista). Esse depoimento mostra que ainda persiste no imaginário dos homens que as mulheres são mais preparadas do que os homens para o exercício de atividades que exigem cuidar de determinada coisa ou de alguém. Isso nos remete à teoria de Suarez (2000) quando ela considera que, desde a infância, mulheres e homens são socializados para determinados papéis sociais. Assim como considera também Aguiar (1996), a mulher é socializada para cumprir a função afetiva, de cuidar da casa, dos filhos e familiares. Já os homens são socializados para cumprir a função instrumental, ou seja, de prover a família de alimentos, vestuários enfim, de todas as necessidades familiares. É interessante destacar que mesmo com todas as mudanças no mundo do trabalho e consequentemente o ingresso de mulheres em postos de trabalho que antes eram preenchidos exclusivamente por homens, ainda persiste no imaginário dos homens lugar social diferenciado para homens e mulheres. As falas abaixo mostram como os homens pensam em relação ao exercício da função de frentista, ou seja, eles consideram que o fato de ser homem ajuda no exercício de suas atividades nos postos de combustíveis. Não, tanto como no físico como no mental, às vezes homem tem mais vantagem. (colaborador 17 – homem, frentista). Já as mulheres pensam de forma totalmente contrária aos homens, elas avaliaram que não existe diferença se for homem ou mulher. Argumentam que se a pessoa tiver alguns atributos como ser esforçada e/ou persistente ela dá conta de exercer as mesmas atividades que as dos seus colegas. Igual, não vejo diferença entre homem e mulher, acho que os dois trabalham bem, é só ser esforçado ou esforçada. (colaboradora 3 - mulher, frentista). Um dos objetivos da pesquisa ainda era saber se a pessoa (homem ou mulher) era tratada de forma diferente por causa do sexo. Pelas falas dos colaboradores nem os homens e nem as mulheres são tratados de forma diferente por causa do sexo. Tanto eles quanto elas consideram que, embora o atendimento da mulher seja diferente, inclusive pela “delicadeza” da mulher, a questão do sexo da pessoa não culmina num tratamento diferenciado por parte dos clientes. 7 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Não, com relação a clientes, há brincadeiras, mas não há problema algum. (colaborador 17 – homem, frentista). Apenas um colaborador do sexo masculino considerou que no exercício da profissão de frentista o homem trabalha melhor do que a mulher. Isso sugere que ele levou em conta a força física que tem que ser usada para o exercício deste tipo de atividade. Embora a literatura sobre trabalho e gênero considere que as mulheres têm ingressado em atividades que antes eram apenas masculinas, o que se percebe é que, na prática, ainda existe uma segregação do trabalho feminino em relação ao trabalho masculino, ou seja, as mulheres ainda são a maioria em ocupações tidas como eminentemente femininas como recepcionistas, secretárias, enfermeiras etc. (Bruschini e Lombarde, 2003). Não, eu acho que nesta profissão o homem ainda faz um serviço melhor que a mulher. Tem coisas que e a mulher ainda não dá conta de fazer. Não são todas, mas eu vejo ainda uma grande diferença. (colaborador 14 – homem, frentista). Os policiais masculinos e femininos Os policiais masculinos relataram que se sentem bem trabalhando com as policiais femininas, eles argumentam que não existe uma grande diferença entre o trabalho de homens e de mulheres na polícia porque todas as pessoas quando vão ingressar passam por testes físicos que são determinantes para o ingresso na corporação. No momento da realização do grupo focal com os policiais masculinos pôde-se observar que estes nutrem um grande carinho por suas colegas mulheres, por isso todos os componentes do grupo relataram que sentem se bem exercendo atividades com as suas colegas. Apenas um policial considerou a força física como um aspecto que limita o desempenho da atividade feminina na Policia Militar, mas, no geral, as falas que predominam são aquelas em que os homens se sentem confortáveis trabalhando com mulheres como pode ser observado pelo depoimento a seguir: Bom, a experiência de trabalhar com policiais femininas é a mesma coisa de estar com masculino, não vejo diferença nisso até mesmo porque o mesmo treinamento que eu recebo ela também recebe. ( colaborador 25 - homem, policial). As policiais também relataram que se sentem bem trabalhando com colegas do sexo oposto uma vez que, para elas, existe uma relação de respeito e harmonia dentro da corporação. Também pela observação durante a realização dos grupos focais, pôde-se perceber que existe uma relação respeitosa entre homens e mulheres no ambiente da polícia. Sinto-me satisfeita uma vez que, meu ambiente de trabalho é harmônico não havendo distinção entre homens e mulheres. (colaboradora 32 - mulher, policial). 8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Embora as policiais relatassem que se sentiam bem dentro do ambiente policial e que existia uma relação harmoniosa com os seus colegas homens, uma policial relatou que existem ainda alguns momentos de machismo dentro da corporação como pode ser observado pelo depoimento abaixo: Me sinto bem, apesar de alguns momentos ainda machistas (colaboradora 31 - mulher policial). Quando foram questionadas sobre as capacidades de homens e mulheres no ambiente policial, as policiais, em geral, consideraram que tanto homens como mulheres têm capacidade intelectual para o desempenho da função dentro da polícia. Mais uma vez os policiais argumentaram que a mulher é mais atenciosa para passar as informações para os colegas homens. De novo dá para identificar a representação da mulher como um ser carinhoso e atencioso retornando assim a concepção de lugar social diferenciado de homens e mulheres na sociedade como atesta Suarez (2000). Tem mulheres que desempenham trabalho melhor que homem, um exemplo disso é pelo fato da mulher quando está na rua e precisamos de informação de certo individuo, ela me passa todas as informações e as características necessárias que facilitam o nosso trabalho. (colaborador 26 - homem, policial). As policiais femininas, mesmo considerando que todos têm a capacidade intelectual para exercerem as atividades dentro do cotidiano da polícia, ressaltam que dependendo do tipo de atividade a ser executada, às vezes, os homens têm mais capacidades para uma determinada tarefa do que as mulheres e o contrário também pode acontecer. Capacidade intelectual entre homens e mulheres é igual, mas considero a força física diferenciada, por isso para trabalhar da mesma forma irá depender do tipo de trabalho a ser realizado. (colaboradora 31 - mulher, policial). O serviço é o mesmo. Entretanto as capacidades são distintas. (colaboradora 33 - mulher, policial). Direcionando a análise para a questão se o fato de ser homem ou mulher ajuda ou atrapalha no desempenho das funções dentro da corporação, os colaboradores do sexo masculino consideraram que não necessariamente atrapalha pelo fato da pessoa ser de um ou do outro sexo, mas por serem pessoas diferentes, isso influencia o exercício das atividades profissionais. Contudo, eles não consideram isso como um fator negativo, embora existam limitações físicas para as mulheres exercerem determinado tipo de atividades, eles viam isso como um elemento complementar, ou seja, pelo fato de homens e mulheres serem pessoas diferentes, eles se completam, inclusive no cotidiano da atividade profissional. Totalmente diferente no geral, e mesmo socialmente elas são diferentes. São diferentes homens e mulheres, porém um completa o outro. (colaborador 26 - homem, policial). 9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X As mulheres consideraram que o fato de ser mulher ajudava no exercício de suas atividades já que tem atividade que só a mulher pode realizar, como uma busca numa mulher, por exemplo. Só ajuda, tendo em vista que tem serviço que só uma policial feminina pode realizar como uma busca pessoal em mulheres. (colaboradora 27 - mulher, policial). Algumas argumentaram também que o fato de ser mulher, às vezes,dificulta o exercício de suas funções já que muitas vezes são vítimas de preconceito pelo fato da sua condição feminina. Uma possível explicação para esta situação pode ser encontrada na literatura corrente sobre a temática das relações sociais de gênero que afirma que homens e mulheres são vistos a partir do lugar social definido previamente para ambos pela sociedade. Assim, embora as mulheres estejam ingressando em áreas que antes eram exclusivamente masculinas tais como: engenharia, medicina, policiais, frentistas, elas ainda são reconhecidas e vistas como pessoas cujo lugar social preferencial é o espaço da reprodução e quando estão inseridas no mercado de trabalho, em ocupações masculinas, como é o caso das policiais que colaboraram com os grupos focais, elas vivem esta tensão entre o lugar que estão e o lugar que a sociedade acha que elas deveriam estar. O fato de ser mulher dificulta às vezes na forma como o problema é resolvido. Em primeira instância somos vistas com preconceito. (colaborador 31 - mulher, policial). Sim, às vezes somos privadas ou inferiorizadas em determinadas situações. (colaboradora 33 - mulher, policial). Outro aspecto destacado pelas mulheres no momento da realização dos grupos focais foi a situação de contradição que elas vivem, pois ao mesmo tempo em que são tratadas como mulheres,( inclusive uma colaboradora relatou que sempre foi respeitada e teve a preferência em relação aos homens, em ônibus com cadeiras para se sentar, por exemplo) são vistas como soldados como atesta o depoimento abaixo: Depende da ocasião. Em relação a preferências ex: cadeiras, passagem sempre me concedem a preferência. Mas como profissional sou vista como um soldado e pela minha capacidade de produção. (colaboradora 32 - mulher, policial). Um aspecto interessante, a partir dos depoimentos, é que embora as mulheres afirmassem que se sentiam bem trabalhando na Polícia Militar de Montes Claros, que são tratadas de forma respeitosa pelos colegas homens, elas também deixaram transparecer a partir das suas falas nos grupos focais que ainda existem no cotidiano da corporação alguns policiais de sexo masculino que ainda têm preconceito contra mulheres que exercem este tipo de ocupação, em relação ao ingresso e permanência de mulheres na Polícia Militar. Existem policiais que ainda pensam que não existe lugar para a mulher na instituição da policia militar. Eu particularmente, não me deparei com nenhum deles, diferente de alguns colegas. Mas este já é um comportamento em extinção. Os colegas mais novos e/ou mais abertos, esclarecidos reconhecem a importância do trabalho da mulher dentro da corporação. As empresas devem tratar seus empregados como pessoas diferentes que têm 10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X qualidades, capacidades diferentes, e isso deve ser explorado para o bem de todos. (colaboradora 36 - mulher, policial). O que se percebe no depoimento da colaboradora acima é bastante elucidativo para explicitar este contraste, que, mesmo que elas tentem o tempo todo passar a ideia de que o ambiente de trabalho é harmônico, que são respeitadas devido à capacidade que possuem para o exercício da profissão, em alguns depoimentos elas revelam que ainda existe preconceito contra as mulheres que estão inseridas neste tipo de ocupação tradicionalmente reconhecida como atividade masculina. Considerações Finais Diante do exposto, cabe indagar: é possível falar em simetria de gênero no mercado de trabalho? Pelas argumentações apresentadas e pelos resultados da pesquisa, é notável que ainda há muito a ser conquistado. Mesmo que as desigualdades entre homens e mulheres já estejam minimizadas em muitas dimensões, em outras a diferença ainda é manifesta. No que concerne ao mercado de trabalho, mesmo que as mulheres possuam maior nível de escolaridade e qualificação, seus rendimentos ainda são, via de regra, inferiores aos dos homens nas mesmas condições de ocupação. Portanto, embora com alguns avanços, ainda persiste no imaginário social de homens e mulheres que os mesmos ocupam lugares sociais determinados que são definidos desde o início da socialização de ambos. Portanto, já no momento da socialização, as pessoas do sexo feminino são socializadas prioritariamente para o exercício de atividades reprodutivas e as pessoas do sexo masculino para atividades produtivas. Isso nos leva a concluir que, apesar dos avanços no mercado de trabalho, das mulheres estarem tendo acesso a atividades tradicionalmente tidas como masculinas – no caso desse texto as frentistas e policiais femininas – em relação às representações sociais, ainda há uma diferenciação entre homens e mulheres, fato que impacta a inserção das mulheres em ocupações tidas como masculinas. Seria, verdadeiramente, invasão de território se não fosse uma atitude feminina em sua essência, totalmente desprovida de cunho competitivo, consequência da incansável busca por conquistas interpretadas como materiais “aos olhos do machismo”. Referências BRUSCHINI, Cristina.; LOMBARDI, Rosa M. Mulheres e homens no mercado de trabalho brasileiro: um retrato da década de 1990. In As novas fronteiras das desigualdades: homens e 11 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X mulheres no mercado de trabalho. Margaret Maruani & Helena Hirata (Orgs). São Paulo: Editora SENAC, 2003. BRUSCHINI, Cristina.; LOMBARDI, Rosa M. Trabalho, educação e rendimentos das mulheres no Brasil em anos recentes. In Organização, trabalho e gênero. Helena Hirata e Liliana Segnini (orgs). São Paulo: Editora SENAC, 2007. FERREIRA, Maria da Luz Alves. Et all. Ainda precisamos avançar? Os impactos da inserção de mulheres em ocupações masculinas. As frentistas e as policiais femininas da cidade de Montes Claros – MG. Relatório de pesquisa. UNIMONTES/FAPEMIG, 2011. HIRATA, Helena. Divisão Sexual do Trabalho: novas tendências e problemas atuais. In: Gênero no mundo do trabalho. In: I Encontro de Intercâmbio de experiências do Fundo de Gênero no Brasil. Brasília, 2000. SOUZA-LOBO, Elizabeth. A Classe Operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Brasiliense, 1991. SUARÉZ, Mireya. Gênero: uma palavra pra decontruir idéias e um conceito empírico e analítico. In I Encontro de Intercâmbio de Experiências do Fundo de Gênero no Brasil. Brasília, 2000. Invasion of territory? Impacts of inclusion of women in occupations considered male: female attendants and police Montes Claros - MG Abstract: The text aims to analyze the impacts of inclusion of women in professions that are represented as male occupations such as service station attendants and female officers who exercise their activities in the city of Montes Claros - MG. The objective was to determine how these workers represent and are represented by male colleagues, and their professional activities. The theoretical perspective that supports this work the authors are related to sociology of work and gender. As a methodological approach adopted, we used the technique quantitative and qualitative technique, which contributed to analyzes that allowed knowing the various nuances of the social relations of gender in the workplace. The major points that came up was that women, visibly present levels of education than men and the paradox that is established is that still remain important differences in remuneration: men receive higher salaries than women. Thus, we can conclude that despite improvements in the labor market, women have access to activities traditionally viewed as male activities, in relation to social representations, there is a differentiation between men and women, a fact that impacts the inclusion of women in occupations taken as masculine. Keywords: Female labor. Social relations of gender. Male occupations and occupational segregation by sex. 12 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X