Ciência da Legislação
Introdução
1
Introdução

O que existe de especial em fazer boas
leis? Trata-se de um talento natural, que
somente alguns possuem, de alguma
forma uma arte, como a poesia? Ou de
uma técnica, susceptível de
desenvolvimento e de apuramento, como
a culinária? Ou, ainda, de uma
verdadeira ciência, regida por princípios
e regras específicas, que pode e deve ser
ensinada e aprendida?
2
Introdução

Numa visão tradicional, ainda presente
em sociedades tribais, a ideia de lei não
tinha um sentido necessário de dever, de
conduta imposta ou proibida, reflectindo
antes o comportamento normal,
constituindo parte não autónoma da
cultura e do discurso comunicacional.
3
Introdução

Quando a ideia de lei ganhou o sentido de
comando, mais do que de norma, nem por isso
deixou de ser mais um comando de conduta
revelado e não ditado estatuído (o costume,
a common law e a statute law).
Nesta época, o conceito de lei não implicava a
ideia de regra (generalidade e abstracção): lei,
decisão, sentença eram essencialmente
imposições do poder, fundadas na autoridade
do soberano
4
Introdução

A ideia de lei como regra, distinta
de outras manifestações do poder,
somente se implanta com as
revoluções americana e francesa;
são estas revoluções que consolidam
a ideia de ordenação social pela lei.
5
Introdução


É também por esta altura que nasce a ideia de
legitimação orgânica e formal da lei: a lei
parlamentar, única legítima e a forma de lei,
sujeita a rituais impostos pela Constituição
(aprovação, promulgação, publicação).
E, ainda, a concepção da superioridade da lei
sobre as outras estatuições do(s) poder(es) –
sentenças judiciais e decisões administrativas;
é a consolidação da ideia de Estado de direito.
6
Introdução


Note-se que, até esta época, já havia quem há
muito tivesse escrito sobre a qualidade das leis
positivas; mas a legitimidade destas confundiase com a legitimidade do soberano que as
ditara, não exigindo qualquer análise de mérito.
A ideia de legitimidade substancial da lei é
muito mais recente, do século XX; assenta na
avaliação dos resultados obtidos com a
aplicação da lei (análise retrospectiva) ou na
prognose dos resultados pretendidos (análise
prospectiva).
7
Ciência da Legislação
A autoria da lei
8
A autoria da norma



Normas e leis: produção normativa e
competência legislativa
Leis em sentido material e leis em sentido
formal: competência legislativa e competência
regulamentar
Todas as leis são iguais, mas algumas são mais
iguais do que outras: leis constitucionais e leis de
valor reforçado
9
Autoria da norma 2








A Assembleia da República
O Governo
Os órgãos próprios da União Europeia
As assembleias regionais dos Açores e da Madeira
Os governos regionais dos Açores e da Madeira
As assembleias municipais e as câmaras
municipais
As assembleias de freguesia
Os órgãos das associações públicas e dos
institutos públicos
10
Ciência da Legislação
O conteúdo da lei
11
Problemas
da produção normativa

Os princípios

Os problemas

Os instrumentos técnicos
12
Os princípios

Igualdade – Ex: distribuição de seringas a tóxico-

Adequação (ou proporcionalidade) – exclusão dos

Protecção da confiança – Ex: DL n.º351/93, de 14 de


dependentes – e os diabéticos?
procedimentos de contratação pública dos concorrentes que
tenham dívidas à segurança social? O CCP?
Novembro, e DLn.º61/95, de 7 de Outubro – caducidade de
licenças urbanísticas incompatíveis com regras de um PROT
superveniente
Densidade suficiente
Inteligibilidade
13
As preocupações




Coerência interna
Compatibilidade jurídica Ex: a participação do
ministério público em rusgas policiais
Coerência externa – Ex: aumentar o investimento
e reduzir os benefícios fiscais
Respeito pelos princípios
14
Instrumentos técnicos






Prescrições – imposições e proibições
Directivas
Estímulos:
Vantagens
Redução ou eliminação de encargos
Licenciamentos
Formas de coordenação e colaboração
Contratos
15
Prescrições
Artigo 26º da LBA: - Em território nacional ou área sob
jurisdição portuguesa é proibido lançar, depositar ou, por
qualquer outra forma, introduzir nas águas. no solo, no
subsolo ou na atmosfera efluentes, resíduos radioactivos e
outros e produtos que contenham substâncias ou
microrganismos que possam alterar as características ou
tornar impróprios para …
 Artigo 27º, nº.1, alínea i), da LBA: São instrumentos da
política de ambiente e do ordenamento do território:
i) A redução ou suspensão de laboração de todas as
actividades ou transferência de estabelecimentos que de
qualquer modo sejam factores de poluição;…

16
Estímulos

Redução ou eliminação de
encargos:
Artigo 19.° da Lei nº.33/96, de 17
de Agosto
(Incentivos fiscais) Serão objecto
de incentivos fiscais as acções
com vista a estimular:
a) O associativismo das
explorações florestais;
b) As acções de emparcelamento
florestal;
c) As acções tendentes a evitar o
fraccionamento da propriedade
florestal;
d) O auto financiamento do
investimento florestal,
nomeadamente no domínio da
prevenção activa dos incêndios
florestais.

Vantagens:
Artigo 29º, nº.1, da Lei dos
Solos:
A Administração cederá,
mediante acordo directo com os
respectivos promotores ou
interessados, o direito de
superfície sobre terrenos
destinados:
a) A edifícios ou instalações de
interesse público;
b) A empreendimentos relativos a
habitação social;
c) A edifícios para habitação
própria, ainda que em regime de
propriedade horizontal.
17
Directivas
Artigo 14º da LBA: A exploração dos recursos do
subsolo deverá ter em conta:
a) Os interesses de conservação da Natureza e dos
recursos naturais;
b) A necessidade de obedecer a um plano global de
desenvolvimento e, portanto, a uma articulação
a nível nacional;
c) Os interesses e questões que local e mais
directamente interessem às regiões e
autarquias onde se insiram.
18
Condicionamentos /licenciamentos

Condicionamentos
Artigo 9º, nº.1, da LBA:
d) Os anúncios luminosos só são
permitidos nas áreas urbanas
e são condicionadas as suas
cor, forma, localização e
intermitência por normas a
fixar especificamente.
Artigo 37º, nº.2, da Lei dos
Solos:
). Nos aglomerados urbanos não
incluídos no número anterior,
a demolição [de imóveis
urbanos] pode ser autorizada
por qualquer motivo
socialmente justificado.


Licenciamentos
Artigo 11º, nº.1, da LBA:
Todas as utilizações da água
carecem de autorização
prévia de entidade
competente, devendo essa
autorização ser acompanhada
da definição dos respectivos
condicionamentos.
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Formas de coordenação e colaboração


Artigo 68º do DLnº.236/98, de 1 de Agosto:
Com vista à promoção da melhoria da qualidade das águas e da protecção
do meio aquático através da redução gradual da poluição causada pela
descarga de águas residuais no meio aquático e no solo, e conforme o
disposto no n°.2 do artigo 35.° da Lei n°.11/87, de 7 de Abril, poderão ser
celebrados entre as associações representativas dos sectores, por um
lado, e o MA e ministério responsável pelo sector da actividade económica,
por outro, contratos de promoção ambiental.
Artigo 1º, nº.3, do DL nº.384/87, de 24 de Dezembro:
Os contratos-programa têm por objecto a execução de um projecto ou
conjunto de projectos de investimentos que, envolvendo técnica e
financeiramente um ou mais municípios e departamentos da
administração central, resultem de um processo de decisão colegial dos
órgãos municipais e respeitem as regras e condições fixadas no presente
diploma.
20
Ciência da legislação
A densidade da lei
21
Uma lei fluída?
Motivação
principal:
adaptabilidade
circunstâncias da vida social
às
Objectivo principal: norma flexível e adaptável
(papel
da
autonomia
da
vontade,
da
discricionaridade, da jurisprudência, etc.).
Formulações: conceitos vagos e indeterminados,
atipicidade, enumerações exemplificativas
22
Ou uma lei rígida?
Motivação principal: segurança jurídica
(condicionamento estrito da vida social – ex.:
respeito pelos direitos fundamentais)
Objectivo principal: norma estável, aplicada
uniformemente
Formulações: conceitos precisos, tipicidade,
enumerações taxativas
23
Artigo 48º CPA
Fundamento da escusa e suspeição
O titular de órgão ou agente deve pedir dispensa de
intervir
no
procedimento
quando
ocorra
circunstância pela qual possa razoavelmente
suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua
conduta e, designadamente:
…………………………………………………………………………………
d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade
entre o titular do órgão ou agente ou o seu
cônjuge e a pessoa com interesse directo no
procedimento, acto ou contrato.
24
Artigo 56º CPA
Princípio do inquisitório
Os órgãos administrativos, mesmo que o
procedimento seja instaurado por iniciativa dos
interessados, podem proceder às diligências que
considerem convenientes para a instrução, ainda
que sobre matérias não mencionadas nos
requerimentos
ou
nas
respostas
dos
interessados, e decidir coisa diferente ou mais
ampla do que a pedida, quando o interesse
público assim o exigir.
25
Ciência da legislação
Participação dos interessados no
procedimento legislativo
26
Conceito de participação
Participação – interacção entre o
legislador e os cidadãos ou grupos
interessados na lei
Influência – os grupos de interesses
(lobbies)
Negociação – as leis concertadas
(CES, CPCS)
27
Objectivos da participação
Antecipação dos efeitos indesejáveis
da lei
Tomada em consideração dos
diversos interesses envolvidos
Garantia de melhor aplicação da lei
28
Efeitos perversos
A “sobre eficiência” da participação –
os poderes políticos de facto
O efeito de captura
O arrastamento do processo
legislativo
As incoerências da lei
29
Grupos de interesses
A.
B.
C.
D.
E.
O aumento de importância dos
grupos (a diferenciação social)
A perda de importância das
instituições tradicionais – vg.
sindicatos
A globalização
A catálise mediática
Do Estado prestador ao Estado
regulador
30
Participação legislativa - AR







Forma – audição (física ou virtual)
Regra geral – participação facultativa
Participação obrigatória:
Legislação de trabalho – sindicatos (artigo
146º do Regimento)
Autarquias locais e Regiões Autónomas
(artigos 151º e 152º do Regimento)
Eleições, associações e partidos políticos –
partidos com representação parlamentar
(artigo 7º do Estatuto da Oposição)
CES, CPCS
31
Participação legislativa - GOV
RAs – audição obrigatória - artigo
19º
 “Outras audições previstas na lei” –
artigo 20º
OBS. A aprovação do diploma na
generalidade antes de decorrido o
prazo – artigo 20º, nº.3

32
Momentos participativos
Opções:
1.
Logo no início do procedimento
legislativo, na elaboração do
anteprojecto?
2.
Entre a conclusão do anteprojecto e a
aprovação do projecto?
3.
Perante um projecto já pronto?
Quando é mais útil e eficiente a
participação?
Provavelmente, só perante um projecto já
concluído.
33
Dificuldades da participação
O tradicional secretismo do
procedimento legislativo
governamental
A identificação dos principais
interessados na lei (falta de
associações)
A falta de empenho dos interessados
As participações “de sinal oposto”
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Para uma boa participação
Uma boa lista das entidades a contactar
Um prazo razoável
Uma nota explicativa da consulta: Legislar
para quê? Porquê? Em que sentido?
Um questionário sobre os pontos de maior
relevo
Envio da informação disponível e da
avaliação prospectiva de impacto da lei
Publicitação dos resultados da consulta e
acesso público aos pareceres
35
O sistema de actos normativos 1
1. Sistema de actos normativos e hierarquia
das fontes de direito.
2. Actos normativos e actos legislativos –
sentidos da palavra lei:
- a lei como norma jurídica;
- a lei como norma jurídico-pública;
- a lei como acto da função legislativa em
sentido próprio;
- a lei como acto normativo parlamentar (a
reserva de lei);
- a lei em sentido formal.
36
O sistema de actos normativos 2






Constituição e leis de revisão
constitucional;
O direito internacional público comum e
convencional – o jus cogens
Leis de valor reforçado (artigo 112.º, n.º3,
da CRP)
Leis da AR e decretos-leis do Governo
Regulamentos administrativos - o artigo
112.º, n.ºs 6 e 7, da CRP;
Contratos normativos
37
O sistema de actos administrativos
– relações entre normas
Relações entre normas: concurso aparente e
concurso real.
Critérios de prevalência:
a) O primado do direito comunitário
(o artigo 8.º, n.º4, da CRP);
b) Hierarquia;
c) Especialidade e excepcionalidade;
d) Subsidiariedade e proximidade;
e) Favorabilidade.
38
A execução da lei -1





Fazer uma lei e não velar pela sua execução é o
mesmo que autorizar aquilo que queremos proibir
– Armand Richelieu
Quando vou a um país, não examino se há boas
leis, mas se as que lá existem são executadas,
pois boas leis há por toda a parte – Montesquieu
As leis de difícil execução em geral não podem
ser boas – Thomas Paine
Não há leis tão justas e leves que não necessitem
de quem as faça executar e guardar – Padre
António Vieira
O desprezo pelas leis é o mais seguro presságio
da decadência de um governo, pois que a ordem
apenas existe quando se executam – Padre
Manuel Bernardes
39
A execução da lei - 2




-
Aplicação, cumprimento e execução da lei
Execução por via regulamentar, por via
administrativa e por via judicial
Execução e exequibilidade
Condições de execução:
Condições financeiras;
Recursos humanos;
Recursos técnicos.
40
Recursos indispensáveis à
produção de efeitos da lei
Recursos financeiros bastantes para fazer
face às despesas causadas pelo início da
aplicação da lei
Recursos materiais indispensáveis à
aplicação da lei (equipamentos, etc.)
Recursos humanos com a qualificação
necessária para garantir a aplicação da
lei
41
Ciência da legislação
A avaliação da lei
42
Porquê avaliar a lei?
Porque a avaliação constitui um instrumento
essencial de apoio às decisões legislativas
Porque sem avaliar prospectivamente os efeitos
da lei não se pode assegurar a utilidade e a
eficiência desta
Porque a legitimidade (legitimação) da lei
depende cada vez mais de tais utilidade e
eficiência.
43
Possibilidade da avaliação
Existência dos recursos que operam como
condições à produção de efeitos da lei
Capacidade de antecipação das reacções dos
destinatários da lei
Análise de custos-benefícios do incumprimento
da lei
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O que é avaliar prospectivamente?
É prever as consequências da aplicação da lei,
com base na informação e no conhecimento da
realidade existentes à data do início de tal
aplicação
É antecipar os possíveis obstáculos aos efeitos
pretendidos pelo legislador e eventuais
consequências indesejadas da aplicação da lei
A avaliação tenta calcular as hipóteses de êxito
da intervenção, as resistências que contra ela se
podem opor, os efeitos perversos que ela corre o
risco de provocar - MORAND
45
Antecipação da reacção
dos destinatários da lei
O inevitável juízo individual formulado pelos
destinatários da lei sobre a legitimidade
substancial desta – objecções éticas,
ideológicas, religiosas
Reacções maximalistas: o aproveitamento das
vantagens decorrentes da lei para além do
quadro previsto pelo legislador
Reacções económicas - o custo de oportunidade
do desrespeito da lei
46
Análise de custos-benefícios
do incumprimento


A análise de custos-benefícios da lei apresenta
uma dimensão necessariamente hipotética e
comparativa: trata-se de confrontar os efeitos
que se pretende venham a produzir-se por força
da aplicação da lei com outras eventuais
consequências, negativas, de tal aplicação
Benefícios económicos e custos de credibilidade
do sistema jurídico
47
Download

Que lei fazer? - Faculdade de Direito da UNL