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16 mar 2015 O Globo CORA RÓNAI [email protected]
Uma grande lição de Brasil
A lição agora é olhar com sabedoria para este espelho múltiplo.
Ao contrário do que supõe o ex­presidente Lula, que imagina um país dividido entre “nós” e “eles”, o
Brasil não é binário. Não somos ricos ou pobres, brancos ou negros, burgueses ou trabalhadores, bons ou
maus, reacionários ou esclarecidos, de direita ou de esquerda; somos tudo isso, e mais todas as variações
possíveis. Por isso as manifestações de ontem foram tão interessantes de se ver, e tão diferentes das
Diretas Já, em que todos, absolutamente todos, queríamos a mesma coisa.
Foi muito mais fácil ir às Diretas Já. Não havia pluralidade alguma lá; não havia muito o que pensar.
Artistas e políticos estavam do mesmo lado, faziam comícios com os quais concordávamos 100%. Havia
uma palavra de ordem única, que estava presa na gargante de todos. Nossos amigos pensavam da
mesma forma, e não vivíamos a amargura de nos vermos divididos dentro de uma mesma tribo.
Não tivemos qualquer dúvida em relação às Diretas Já; tivemos todas as dúvidas em relação às
manifestações de ontem. Faria sentido nos manifestarmos contra o governo sendo contra o
impeachment? Não correríamos o risco de virar massa de manobra de políticos mal intencionados? Não
seria perigoso ir a uma manifestação onde poderiam aparecer elementos ultraconservadores?
Sem uma pauta fechada e sem lideranças políticas para dar o tom, cada um foi com a sua cabeça, as
suas dúvidas e as suas próprias ideias.
Às manifestações compareceram, essencialmente, os que estão contra o governo. Mas há mil razões
para se estar contra este governo, e mil formas de se manifestar isso. Foram para as ruas as pessoas que
quiseram apenas mandar um recado à classe política, uma espécie de "Veja lá!", e as que desejam
ardentemente o impeachment da presidente; foram as que não aguentam mais a corrupção, as que se
cansaram da violência, as que não suportam mais impostos tão altos. Foram as que estão contra o
Judiciário e as que querem uma ampla reforma ética para moralizar o país. Foram até algumas que se
cansaram da democracia e que querem a volta dos militares. Houve de tudo, e recortes isolados permitem
qualquer leitura.
Mas as manifestações foram, acima de tudo, uma grande lição de Brasil. Ela será bem aproveitada se
soubermos olhar com sabedoria para este espelho múltiplo e plural — e, sobretudo, se os nossos
governantes não se blindarem do que lhes disseram as ruas desqualificando os manifestantes como
burgueses brancos elitistas manipulados pela mídia golpista.
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