Há 9 horas e 34 minutos
STF admite prisão antes de processo administrativo
Por Maíra Magro | De Brasília
Fonte: Valor Econômico
Ministro Marco Aurélio: "Há situações em que o débito fiscal salta aos olhos. Temos
que observar essa jurisprudência com cautela e distinguir as hipóteses"..Uma decisão
recente da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) permite que contribuintes
sejam processados criminalmente e presos por sonegação antes mesmo do término da
discussão administrativa da dívida fiscal. O julgamento chama a atenção de advogados,
pois contraria um entendimento consolidado em 2009 pela própria Corte: o de que a
ação penal por crimes tributários só pode ter início depois de concluído o processo
administrativo, em que órgãos vinculados ao Fisco se posicionam quanto à existência ou
não do débito.
Segundo a 1ª Turma, o cabimento da ação penal, de forma independente da esfera
administrativa, deve ser avaliado caso a caso. Especialistas consideram que, se o
entendimento prevalecer, resultará em um aumento dos processos criminais contra
quem recebe autuações fiscais.
"Foi uma construção jurisprudencial, não está na lei", justificou ao Valor o ministro
Marco Aurélio Mello, relator do processo, ao comentar o fato de a decisão da 1ª Turma
contrariar a jurisprudência do Supremo. "Há situações em que o débito fiscal salta aos
olhos. Então, não dá para potencializar e generalizar. Temos que observar essa
jurisprudência com muita cautela, e distinguindo as hipóteses. O precedente é salutar",
concluiu. O voto de Marco Aurélio foi seguido pelos ministros Cármen Lúcia e Luiz
Fux. Já o ministro Dias Toffoli se posicionou de forma contrária.
A decisão da 1ª Turma ocorreu no julgamento de um habeas corpus apresentado por um
empresário do Espírito Santo, preso desde 2010 em Vila Velha. Ele foi condenado pela
Justiça Federal a sete anos de prisão semi-aberta por sonegar Imposto de Renda.
Segundo a Receita Federal, o empresário deixou de declarar uma movimentação
financeira de mais de R$ 3 milhões nas declarações de IR de 1999 a 2001. A Receita
lançou um auto de infração cobrando uma dívida de R$ 9,8 milhões - incluindo o
imposto e multas aplicadas quando se verifica a ocorrência de fraude.
O auto de infração foi encaminhado ao Ministério Público, que denunciou o empresário
em 2003 por crime contra a ordem tributária, dando início ao processo penal. Mas o
débito só foi inscrito em dívida ativa no ano seguinte - indicando a conclusão definitiva
dos órgãos administrativos de que o imposto era realmente devido. A sentença judicial
condenando o empresário foi proferida depois desse lançamento.
No habeas corpus, o empresário argumenta que a ação penal seria nula, pois só poderia
ter sido apresentada após a conclusão do trâmite administrativo. A defesa mencionou a
Súmula Vinculante nº 24 do Supremo, editada em 2009, segundo a qual não há "crime
material contra a ordem tributária" antes do "lançamento definitivo do tributo."
Para o ministro Marco Aurélio, no entanto, o processo penal não pode estar sempre
condicionado ao fim do procedimento administrativo. Isso não deveria ocorrer, de
acordo com ele, quando há crimes formais (como a apresentação de documentos falsos)
ou se houver provas suficientes de sonegação. "Se você pegar os precedentes desse
verbete [da Súmula 24], todos foram formalizados a partir da necessidade da apuração
do débito." Para ele, a jurisprudência atual do Supremo criou "uma formalidade para
chegar-se à persecução criminal". "Não se pode sair batendo carimbo e entendendo que
todo caso em que a base da persecução seja tributo ou transgressão da norma tributária
há necessidade de esgotar-se antes a esfera administrativa. A regra é a independência
das instâncias administrativa, cível e penal", afirmou.
Advogados tributaristas e criminalistas veem o precedente com preocupação. "Uma
situação grave seria ter uma condenação na ação penal e, depois, uma decisão
administrativa dizendo que não havia necessidade de tributação. Nesses casos, quem vai
indenizar o contribuinte?", questiona o advogado Dalton Miranda, consultor do Trench,
Rossi e Watanabe. Para o advogado Antenor Madruga, do Barbosa, Müsnich & Aragão,
a decisão traz insegurança jurídica. "O próprio Supremo edita uma súmula para trazer
segurança na interpretação, mas pouco tempo depois a turma flexibiliza", afirma.
De acordo com o advogado Maurício Silva Leite, presidente da Comissão de
Cumprimento de Penas da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB-SP), o Ministério Público vem apresentando representações criminais contra
contribuintes que devem tributos, mesmo quando não há ocorrência de crime. Para ele,
caso prevaleça, o entendimento da 1ª Turma agravaria a situação. "Se isso ocorrer,
haverá uma instauração muito maior de inquéritos policiais e ações penais contra
contribuintes por crime contra a ordem tributária. Mas, no futuro, ele pode ganhar a
discussão tributário e sofrer um processo penal injusto."
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