O ENSINO DA ORALIDADE EM ALFABETIZAÇÃO: A POSSIBILIDADE DE
UMA POSTURA POLÍTICA NO ENSINO DA LÍNGUA
Carla Ramos de Paula1
Ivete Janice de Oliveira Brotto2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, de caráter bibliográfico, objetiva dialogar sobre a
importância da oralidade no processo de alfabetização inicial, haja vista, a alfabetização
sempre ser um ponto destacado nas políticas educacionais que pretendem orientar o
trabalho nessa área, de modo que possibilitem um trabalho consequente na educação,
sobretudo, das classes populares em relação à apropriação da leitura e da escrita.
Exemplo do que afirmamos é uma das metas, a n. cinco, posta pelo sistema
federal de ensino na articulação do Plano Nacional de Educação, que deverá entrar em
vigor neste ano de 2011, em que a pretensão é que todas as crianças estejam
alfabetizadas até, no máximo, os oito anos de idade.
O Plano Nacional de Educação é a expressão de um direcionamento políticoeducacional para todos os níveis da educação nacional, e, em relação à meta que nos
referimos, esta diz respeito à fase inicial da educação básica que toca no nevrálgico
ponto do como a escola pode possibilitar o cumprimento dessa meta, nos próximos dez
anos. Assim sendo, é que neste artigo propomo-nos a refletir acerca da oralidade como
um dos eixos que norteiam o trabalho escolar de ensino da língua materna, no processo
de alfabetização.
Entendemos que toda política expressa um discurso, que, como toda palavra, é
ideológico por excelência. Isso porque ao se enunciar qualquer discurso, enunciam-se
sentidos, valores, que se pretende materializar. No entanto, entre o que proclama o
discurso e a sua efetiva materialização existem inúmeras relações que interferem na
1
Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/Fundação Araucária/UNIOESTE, acadêmica do 4º
ano do curso de Pedagogia matutino da UNIOESTE – campus Cascavel. [email protected]
2
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE e do curso de Pedagogia da UNIOESTE –
campus Cascavel. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR.
1
construção da esfera concreta, haja vista as contradições inerentes à sociedade em que a
educação e a escola estão inseridas.
Cientes dessa condição, ressaltamos que a alfabetização, como um processo
escolarizado, educacional, que emana da esfera pública, não se realiza à parte das
relações antagônicas construídas socialmente. E que o Estado, embora instituição
defensora dos interesses hegemônicos, também possibilita, por meio das próprias leis
que define, contraditoriamente, o movimento de reflexão e ação, possibilitado por Ele
mesmo. E é neste movimento contraditório, de lutas e interesses divergentes, que vemos
alguma possibilidade de ação da escola, de seus docentes, em efetivar a alfabetização na
leitura e na escrita de sujeitos capazes de compreender seu papel nas práticas sociais
balizadas por um contexto de relações capitalistas.
Desse modo, iniciamos nossa discussão destacando que a escola é aqui
entendida como instituição lócus do saber culturalmente sistematizado e que tem uma
função social a desempenhar, ainda que esta função possa ser contraditória, pois,
conforme já afirmamos, a escola não está desconectada de uma sociedade que se produz
na/pela lógica do capital. Se assim o é, a escola possui o papel de reproduzir os
interesses hegemônicos na formação dos sujeitos que recebe, porém, a escola também é
espaço de correlação de forças, de embates, de consumo, produção e socialização dos
conhecimentos científicos.
Nesse sentido, fazemos um contraponto com a alfabetização, pois, para
possibilitar uma formação crítica aos educandos: posicionar-se, interpretar a sociedade e
seus meandros, tanto mais e melhor será possível quanto maior for o domínio do
funcionamento de um sistema alfabético que extrapola a si mesmo e permite
compreender a realidade.
Para tanto, organizamos nossa discussão travando um diálogo em torno da
alfabetização, em seguida apresentamos a oralidade como manifestação de uma
dimensão discursiva, e, finalmente, abordamos a relação concepção de linguagem e
oralidade.
2
DIÁLOGO COM A ALFABETIZAÇÃO
A linguagem é uma manifestação humana que interpenetra as relações sociais.
Ou melhor, as relações sociais concretizam-se na e pela corrente da linguagem.
Amparados na condição de que a relação do homem com o mundo não é direta, mas
mediada pelos instrumentos de trabalho (ferramentas, objetos), temos a linguagem
enquanto um dos elementos mediadores nas relações homem-mundo. Assim,
entendemos que cabe ao professor no processo ensino-aprendizagem em língua
materna/alfabetização propiciar aos alunos esse instrumento básico de interlocução
em/com a sociedade.
Na apropriação da leitura e da escrita está toda a base de formação de nossos
educandos, pois este consiste em um dos momentos básicos imprescindíveis para
oportunizar a “leitura de mundo” para além do aparente. Cagliari (1998) aponta a
alfabetização como uma das coisas mais importantes que as pessoas fazem na escola e
na vida.
A alfabetização “[...] realiza-se quando o aprendiz descobre como o sistema da
escrita funciona, isto é, quando aprende a ler.” (CAGLIARI, 1998, p. 33). Logo, o papel
da alfabetização é propiciar a apropriação da leitura e da escrita de modo que os sujeitos
ao saírem desse processo compreendam como efetivamente nosso sistema alfabético
funciona, isto é, dominando as habilidades de leitura e escrita de forma proficiente.
Compreendendo que a função social da linguagem não é o aprendizado da letra “A”
como letra solta, ou compondo palavras apenas como significado de algo, ao contrário,
seu aprendizado deve possibilitar o entendimento de que a letra “A”, “B” e “C”, ao
comporem palavras, produzem sentidos e interpenetram as relações em sociedade.
Para Cagliari (1994), o objetivo mais geral do ensino de português é mostrar aos
alunos como funciona a linguagem humana, e afirma que “a compreensão da natureza
da escrita, de suas funções e usos é indispensável ao processo de alfabetização” (p. 08),
pois os educandos devem compreender o significado social desse instrumento. Assinala
o autor que
O objetivo mais geral do ensino de português para todas as séries da
escola é mostrar como funciona a linguagem humana e, de modo
particular, o português; quais os usos que tem, e como os alunos
3
devem fazer para estenderem ao máximo, ou abrangendo metas
específicas, esses usos nas suas modalidades escrita e oral, em
diferentes situações de vida. (CAGLIARI, 1994, p. 28).
Para atingir a esse objetivo o professor intencionalmente deve possibilitar que os
alunos apropriem-se da leitura/escrita como conhecimento imprescindível de forma a
posicionarem-se de forma crítica diante dos diferentes discursos/textos que circulam
socialmente.
Assim, a função social do ensino em alfabetização é a instrumentalização dos
alunos com a leitura e a escrita de forma qualitativa, para além da apropriação de um
sistema representativo, tendo como horizonte que o ler e o escrever respectivamente
existem como invenções intrinsecamente sociais,
Aprender a ler é, assim, ampliar as possibilidades de interlocução com
pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, por interagirmos
com elas, sermos capazes de compreender, criticar e avaliar os seus
modos de compreender o mundo, as coisas, as gentes e suas relações.
Isto é ler. E escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que
registra suas compreensões para ser lido por outro e, portanto, com
eles interagir (GERALDI, 1996, p. 70).
Nesse sentido, o ler e o escrever são atividades sociais no processo de interação,
nas mais diversas relações que socialmente estabelecemos. No entanto, a apropriação de
um sistema de escrita como uma das formas de interlocução decorre, ainda que com as
especificidades, dos usos e das manifestações orais utilizadas nessas relações.
Destacamos, portanto, na alfabetização, a importância do trabalho com a oralidade.
Dessa maneira, faz-se necessário apresentarmos nossa compreensão de oralidade no
contexto escolarizado.
A
ORALIDADE
COMO
MANIFESTAÇÃO
DE
UMA
DIMENSÃO
DISCURSIVA
O trabalho em alfabetização exige o cumprimento das dimensões que constituem
a linguagem: a oralidade, a leitura, a escrita/produção textual e a análise linguística.
Essas dimensões interpenetram-se nas relações discursivas em sala de aula. Se o ensino
da leitura, da escrita, da produção escrita e da análise linguística depende de um ensino
4
organizado e sistematizado, o mesmo ocorre em relação à oralidade. Ainda que se possa
admitir que não se ensina a falar na escola, esse fato não prescinde do trabalho com a
oralidade para ensinar as demais dimensões norteadoras do trabalho com a
alfabetização.
Logo, pretendemos discutir a oralidade, como um dos fios norteadores da
alfabetização, na perspectiva da interação social. Nossa intenção é apresentar elementos
que possibilitem a interpretação da manifestação do eixo oralidade como materialização
de um enunciado, ou, em outros dizeres, apresentar uma leitura da oralidade como
concretização de um modo de discurso. Interagimos com nossos “outros” na corrente
dinâmica da linguagem, e, se por ela constituímos nossas relações, ela também nos
constitui, mediando essas mesmas relações sociais.
Bakhtin (2003), em sua obra Estética da Criação Verbal, ao discutir os Gêneros
do Discurso, argumenta que os diferentes campos de atividade humana estão
relacionados ao uso da linguagem, ou seja, a linguagem interpenetra e organiza as mais
diversas situações de relações sociais.
Utilizamos a língua por meio de enunciados sejam eles manifestados em suas
formas orais ou escritas, aqui entendidos como atos de fala/escrita. Cada campo de
atividade humana – lócus de circulação de enunciados - produz “seus tipos
relativamente estáveis de enunciado, os quais denominamos gêneros do discurso”
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2003, p. 262 – grifos do autor).
Os gêneros do discurso imbricam o caráter da natureza social da linguagem, pois
materializam como o homem - ser histórico, em um dado contexto e situação utiliza de
forma intencional a linguagem como instrumento de relação com seus outros. Uma
complexa imbricação das relações sócio-históricas e culturais dadas as inúmeras
possibilidades em que o homem cria e recria o mundo e os seus modos de estar no
mundo, a partir de suas necessidades e limites históricos. Conforme Bakhtin,
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de
gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e se complexifica um determinado campo
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2003, p. 262).
5
Desse modo, vemos que os gêneros discursivos expressam intencionalidades da
vida real; um homem concreto que a partir de suas necessidades apropria-se da
linguagem para interagir socialmente, para produzir-se socialmente.
Nesse sentido, faz-se necessário o movimento de desvelar a natureza do gênero,
para extrapolá-lo em sala de aula, como produção carregada de sentido, de vida humana,
de trabalho humano. Nesse desvelamento, as atividades com língua materna ampliam o
simples aprender de uma mecânica decodificação de sinais gráficos. Seu ensino deve
colocar ênfase no fato de que os textos orais e escritos produzidos possuem sentido,
falamos com alguém, escrevemos para outro alguém, sempre há um “outro”, o
interlocutor para quem dirigimos nosso discurso,
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se
dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 113).
Se, por um lado, entendemos a oralidade como uma das manifestações da
linguagem utilizada pelo homem para interagir em sociedade, por outro, e de acordo
com Bakhtin, o diálogo revela-se como uma das mais significativas formas de interação,
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão
uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação
verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido
amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de
pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de
qualquer tipo que seja (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 123).
Por isso é que destacamos que o trabalho com a oralidade no ensino de língua
materna é a base para o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita, visto
que ela expressa a linguagem viva, em movimento, que interpenetra todos os tipos de
relações estabelecidas socialmente. Consequentemente, o modo como a oralidade é
concebida implicará no modo como o ensino da língua é desenvolvido, que influenciará
nas relações discursivas que se concretizam em sala de aula, no contexto escolar.
A conscientização do que envolve o ensino de língua materna em alfabetização
implica, por outro lado, na apropriação pelo aluno dos sentidos que envolvem o ato de
ler/escrever, especialmente se considerarmos que linguagem revela intencionalidade, e
6
que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou
vivencial” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 95). Considerados esses elementos é
que entendemos ser possível o ensino e a apropriação da leitura e da escrita como
instrumentos de luta, e, a escola atuar nessa instrumentalização para que esses alunos
preparem-se para agir como protagonistas conscientes nos espaços sociais.
Nesse sentido, corroboramos com o posicionamento de Smolka, ao discorrer
sobre condutas que devem ser assumidas no processo de alfabetização inicial de
crianças para que ocorra uma efetiva aprendizagem da língua materna,
Como, então, dentro da escola, a criança pode ocupar os espaços de
leitora e escritora? Primeiro, ou concomitantemente, ela precisa
ocupar o espaço como protagonista, interlocutora, como alguém que
fala e assume o seu dizer (SMOLKA, 1996, p. 93).
Acreditamos que o “espaço como protagonista” é materializado na medida em
que o professor compreende as nuances e as dimensões do objeto de ensino em
alfabetização. E, especialmente, em relação ao eixo/dimensão oralidade, compreender
que discuti-la implica em desvelar as concepções de linguagem subjacentes as suas
práticas alfabetizadoras.
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ORALIDADE
A forma de conceber oralidade reflete uma concepção de linguagem, ao mesmo
tempo em que pensar uma determinada concepção de linguagem sugere uma maneira
“x” ou “y” de encaminhar o trabalho com a oralidade em sala de aula.
Geraldi (1982, p. 43) discute três concepções de linguagem e suas respectivas
correntes dos estudos lingüísticos: a) linguagem como expressão do pensamento
(gramática tradicional), baseada no ensino de regras e normas, b) linguagem como
instrumento de comunicação (estruturalismo e o transformacionalismo), a língua
compreendida como código nas relações entre o emissor, receptor e a mensagem e c)
linguagem como forma de inter-ação (lingüística da enunciação), a língua entendida
como forma de interação humana, que perpassa as relações sociais, tidas como lugar de
constituição dos sujeitos.
7
Por essas concepções, o autor permite compreender que aquilo em que
acreditamos é que norteia o trabalho docente no ensino da língua, e, ainda que, “uma
diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas
principalmente um “novo conteúdo de ensino”. (GERALDI, 1982, p. 46). Assim, a
importância de refletirmos acerca das concepções de linguagem permite visualizarmos o
tipo de formação dos leitores/escritores que a escola forma (ou não) e as suas
possibilidades de conscientização/atuação sociais. Conforme se conceba a linguagem e
se conheça as suas reais funções nas relações sociais, a finalidade, o para que se ensina
alguém a ler e a escrever, passa a ser a preocupação primeira em alfabetização.
Nessa direção, concordamos com Geraldi, ao defender a perspectiva da
linguagem como forma de interação humana, haja vista ficar explícita nessa concepção
a compreensão da linguagem como viva, dinâmica, ou seja, “só tem existência no jogo
que se joga na sociedade” (GERALDI, 1982, p. 43).
Nesse jogo ideológico, intencional, de convencimento, em que se deseja agir
sobre o outro conforme convicções, valores, objetivos e expectativas, e que deve ser
dialogado e ensinado como ato pedagógico, vemos a possibilidade de um
encaminhamento com o trabalho oral que de fato acrescente, amplie e promova a
formação linguística dos alunos, pois, ainda que no ambiente escolarizado, trata a
linguagem como acontecimento, em uso, por pessoas reais. Desse modo, trata-se de
realizar na escola um trabalho com a oralidade que permita ao aluno penetrar, mergulhar
na corrente da fala já produzida nas e pelas relações sociais, porque,
Na verdade, a língua não se transmite, ela dura e perdura sob a forma de
um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua
pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal;
ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua
consciência desperta e começa a operar (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2004, p. 128).
A oralidade como manifestação de uma dimensão discursiva, ou seja, como uma
forma de enunciado, revela que os gêneros discursivos orais são produzidos nas relações
que estabelecemos com o “outro”, “toda palavra serve de expressão a um em relação ao
outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em
relação à coletividade” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 114).
8
Mas, como encaminhar o trabalho com a oralidade no ensino de língua materna,
desenvolvendo as habilidades linguísticas dos alunos sob uma perspectiva de linguagem
como a acima defendida? Acreditamos que o trabalho com as práticas orais em sala de
aula exige todo um processo de reflexão sobre a própria concepção de linguagem que
direciona uma concepção de alfabetização, que por sua vez delineia o modo de se
trabalhar com oralidade, ou seja, temos um círculo de relações que determina o processo
de alfabetização dos alunos.
Desse modo, entendemos que a questão central no trabalho pedagógico é não
matar a linguagem em sua dinamicidade, apresentando-a como simples código gráficosonoro. Nesse sentido, “se a escola tem por objetivo ensinar como a língua funciona,
deve incentivar a fala e mostrar como ela funciona. Na verdade, uma língua vive na fala
das pessoas e só aí se realiza plenamente” (CAGLIARI, 1997, p. 52), ou seja, mostrar o
sentido da linguagem oral e escrita na sociedade, como aprendizado de algo concreto,
real.
Franchi (1995, p. 20) assevera que o ponto de partida no desenvolvimento do
trabalho na alfabetização é a consciência de que as crianças já possuem um
conhecimento complexo da língua, dos quais se servem na expressão e comunicação
oral. Assim,
Para o falante nativo, a palavra não se apresenta como um item de
dicionário, mas como parte das mais diversas enunciações dos
locutores A, B ou C de sua comunidade e das múltiplas enunciações
de sua própria prática linguística (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004,
p. 95).
Aqui comprovamos o equívoco de algumas perspectivas baseadas na ideia de
aprendizagem de língua como simplesmente apropriação de uma técnica, pois o
indivíduo ao nascer já se apropria da corrente da linguagem, antes mesmo de frequentar
a instituição escola já produz seus enunciados, ou seja, “os sujeitos não “adquirem” sua
língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p.108).
Deste modo, como acima explicitado, defendemos como alfabetização de
qualidade a que possibilita esse tipo de trabalho com a oralidade e, mais ainda, a que
proporciona aos sujeitos a oralidade como uma dimensão necessária para construir-se a
9
alfabetização como elemento de humanização. Enfim, uma alfabetização que imprima
uma instrumentalização aos sujeitos para além da mera reprodução do que deseja o
sistema produtivo, ainda que seja nesse mesmo sistema que ela se produz.
Em outras palavras, afirmamos que, “sem pretender que o discurso possa
transformar o mundo, pode-se dizer que a linguagem pode ser instrumento de libertação
ou de opressão, de mudança ou de conservação”. (FIORIN, 1988, p. 74). Obviamente,
apostamos no instrumento de libertação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos limites do presente trabalho, apenas lançamos reflexões, pois as respostas
não estão prontas, construímo-las e as reconstruímos em um processo ininterrupto, tal
qual exige o próprio movimento do real.
E para acompanhar de modo qualitativo esse movimento e suas exigências,
apresentamos na nossa discussão sobre a oralidade, no processo de alfabetização, como
forma de aprendizado social da leitura e escrita. Trouxemos a discussão sobre as
concepções de linguagem, pois entendemos que o que orienta um trabalho intencional
de qualidade no momento inicial da educação básica, na alfabetização, é a clareza da
concepção do seu objeto de ensino, que implica para nós em um entendimento de
linguagem em sua essência social, como interação, como interlocução.
A relevância em discutirmos tais elementos, consiste justamente na compreensão
de que a alfabetização, assim como qualquer outro ato educacional, é, antes de tudo, um
ato político. E, este ato, na alfabetização, representa a possibilidade de ensino e de
aprendizagem da linguagem como instrumento de luta e resistência social.
10
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M. (VOLOCHINOV) Marxismo e filosofia da linguagem. 11. ed. São
Paulo: Hucitec, 2004.
______. A estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione,
1998.
______. Alfabetização e Lingüística. 7. ed. São Paulo: Scipione, 1994.
FRANCHI, E. P. Pedagogia da Alfabetização: da oralidade à escrita. 4 ed. São Paulo:
Cortez, 1995.
FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1988.
GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel:
Assoeste, 1982.
SMOLKA, M. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo
discursivo. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
11
Download

O ENSINO DA ORALIDADE EM ALFABETIZAÇÃO: A