Em direção a uma sociedade hipertextual
Autora: Isabela Lara, • mestranda e professora auxiliar do Departamento de ÁudioVisuais da Faculdade de comunicação da Universidade de Brasília. (Erro! A origem da
referência não foi encontrada.)
Vivemos um tempo que se abre para uma consciência crescente da
descontinuidade, da não-linearidade, da diferença, da necessidade do diálogo, da
polifonia, da complexidade, do acaso, do desvio. Onde há a um reordenamento social
profundo mediado pelo surgimento de mídias resultantes da convergência entre a
comunicação de massa, a informática e a telefonia.
Um tempo onde se sobrepõe linguagens, paradigmas e projetos; e onde há uma
avaliação ampla do papel construtivo da desordem, da auto-organização e uma
resignificação profunda das idéias de crise e caos.
Mas também, um tempo superficial, fútil, épico e ardente. Onde o cheio provoca
o oco, a saciedade gera a angústia, o permanente é trocado pelo atual, o “mais novo”, o
“mais moderno”. Revelando a sua marca primordial: a paradoxalidade.
Entre a modernidade e a pós-modernidade, um tempo de transição, de
transformação. Onde o projeto da modernidade parece ou ter se cumprido em excesso ou
ser insuficiente para solucionar os problemas sociais que assolam a humanidade.
(Váttimo, 1996).
Um tempo que tem como condição pós-moderna, não ser mais uma “novidade”,
nem tão pouco buscar a construção de uma história unívoca, ou se apoiar no progresso
tecnológico como fonte suficiente para se alcançar o bem-estar para todos os povos.
Paradoxalmente, vivemos uma época onde os mecanismos de coleta e troca de
informações tem se desenvolvido em tão larga escala e rapidez que eles poderiam até
permitir a realização da“história universal” preconizada pela modernidade, ou mesmo
suscitar que o progresso que intermediam seria suficiente para superar as contradições
sociais planetárias.
1
No entanto, o nivelamento da experiência no plano da simultaneidade e da
contemporaneidade, amplamente mediado pelas novas mídias on-line, produziu, antes,
uma des-historicização da experiência.
O progresso, por sua vez, se tornou uma rotina. Quanto mais aumentam as
possibilidades do homem de dispor tecnicamente da natureza, de alcançar novos
resultados, menos “novos” estes resultados se tornam, por se basearem em uma lógica
esvaída. Um processo de exaustão onde a novidade é cada vez menos nova, menos
revolucionária, permitindo apenas que as coisas prossigam do mesmo modo.
Tendo sido suprimido o “para onde” do conhecimento, no processo de
secularização do pensamento, a noção de progresso tornou-se vazia, tautológica, cujo
único ideal final é a realização das condições para um progresso subseqüente.
“Julgo, entretanto, que o pós-moderno não é uma tendência que
possa ser delimitada cronologicamente, mas uma categoria
espiritual, melhor dizendo, um Kunstwollen, um modo de
operar” 1
É nesse contexto, no final de século XX, que vimos emergir com grande rapidez
vários dispositivos, várias técnicas informacionais que, agregadas a uma profunda e
ampla mudança de paradigmas, contribuíram para o surgimento de um tipo de
conhecimento e relacionamento com a realidade, na sociedade.
As mudanças foram profundas e veementes e tem se manifestado, e se
potencializado, a partir de uma rápida convergência entre a informática e as
telecomunicações: as chamadas “novas tecnologias” de comunicação, a telemática.
A união dos sistemas de telefonia com a informática, fez com que os processos de
comunicação e tratamento da informação fossem semântica e formalmente transformados
numa vivência inédita de processos cibernéticos.
O hipertexto ou hipermídia, como é chamada essa mídia que congrega sons,
palavras, imagens convertidas em sinais digitais, permite uma flexibiliadde imprecedente
1
ECO, Umberto. Pós-escrito ao nome da rosa. Rio de janeiro, Ed. Nova Frornteira, 1985. 55 p.
2
na manipulação da informação. As opções de acessibilidade remoto a um número
incontável de informações permitiu ao usuário/leitor a participar da criação dos
conteúdos mediáticos bem como ampliou as opções de acesso e interatividade.
A interligação de diversos sistemas e módulos de informação viabilizou a criação
de uma nova narrativa, baseada em estruturas segmentadas que são organizadas fundadas
não apenas a partir da intenção daquele que as projeta (o autor) mas também, e
principalmente, a partir dos interesses de quem as consulta (os leitores).
Os usuários, por sua vez, tem diferentes “presenças” no ciberespaço, podem ser
provedores de informações, pesquisadores, exploradores eventuais etc. Interagem
livremente nos sistemas abertos hipermediáticos. A interatividade vivifica a construção e
transmissão do conhecimento, bem como socializa a sua prática. Permite uma mudança
considerável dos processos de “um para muitos”, característicos da comunicação de
massa, para uma possível ágora onde cada um tem a possibilidade de expressar um
feedback, criar o seu menu de informações.
Enfim,
“Vivemos um desses raros momentos em que, a partir de uma
nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação
com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado” 2
Na verdade, as relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência
dependem da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos.
Esses dispositivos estiveram presentes desde os primórdios da civilização humana.
Cada dispositivo de comunicação, seja a fala, a pintura na caverna, os
manuscritos, o livro, o hipertexto gera um certo tipo de relação, de conhecimento da
realidade.
2
LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. 3a ed.
Rio de Janeiro, Editora 34, 1996. 17 p.
3
Sendo a técnica, considerada como o instrumento que possibilita esse
relacionamento, é possível compreendê-la como um dos elementos fundamentais na
transformação do mundo humano por ele mesmo.
Mesmo que algumas formas de comunicação não sejam, pelo menos
aparentemente, “tecnologicamente” mediadas, como por exemplo um livro, há sempre,
segundo o sentido proposto, uma “técnica”, um certo tipo de “tecnologia” associada a
transmissão da informação. Essa técnica é ativamente responsável pelo estabelecimento
da forma de relacionamento dos homens entre si, a organização social, cultural e política
e; é também, ao mesmo tempo, ativamente influenciada por esses mesmos fatores.
Assim, toda comunicação é mediada por uma certa tecnologia que influencia
intimamente a compreensão e o relacionamento com a realidade.
Diversos agenciamentos de mídias, tecnologias intelectuais, linguagens e métodos
de trabalho disponíveis em uma dada época condicionam fundamentalmente a maneira de
pensar e funcionar em grupo.
Novas tecnologias intelectuais levam em conta particularidades sensoriais e
intelectuais da espécie humana, hábitos adquiridos com antigas tecnologias, práticas e
agenciamentos semióticos diversos, sendo o principal deles a própria língua, integrando
todos estes elementos na construção do sentido dentro do que seria uma “ecologia” ou
um “ecossistema” cognitivo.
Durante o desenvolvimento da humanidade observamos o surgimento e
desenvolvimento de diversas tecnologias informacionais. Este desenvolvimento, ao
contrário do que poderia supor a concepção histórica da modernidade, não se trata de
uma seqüência linear, com o abandono progressivo das tecnologias anteriores. O que se
observa, no entanto, é que as tecnologias se sobrepõe, convivem no tempo e influenciam
umas as outras, miscigenam-se.
Numa sociedade oral primária, por exemplo, quase todo o edifício cultural está
fundado sobre as lembranças, muitas vezes identificadas com a memória, sobretudo a
auditiva. Este tipo de agenciamento gera uma relação circular e simbólica com o tempo.
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Um exemplo da persistência da oralidade primária na sociedade moderna está na:
forma como as representações e as maneiras de ser continuam a transmitir-se
independentemente dos circuitos da escrita e meios eletrônicos.
Já a oralidade secundária está relacionada ao estatuto da palavra verbal como
complementar à palavra escrita Com a escrita o “eterno retorno” da oralidade foi
substituído pelas longas perspectivas da história. A escrita cria, no domínio da
comunicação, uma mudança na relação com o tempo e o espaço.
Com a escrita, pela primeira vez os discursos podem ser separados das
circunstâncias particulares em que foram produzidos e há a separação do emissor e do
receptor. Ao separar as mensagens das situações onde são usados e produzidos os
discursos, tem-se o início das reflexões teóricas e das pretensões à universalização do
conhecimento.
Contrariamente ao sinal mnésico o vestígio escrito é literal, não sofre as
deformações provocadas pelas elaborações. Seu sistema de armazenamento se aproxima
daquele da memória humana de curto prazo.
Foi apenas a partir do desenvolvimento da escrita que a história ocidental
determinou o início do que se entende por civilização. A partir de então, a atitude diante
da linguagem, do conhecimento armazenado em forma escrita, foi uma das principais
características que determinou as várias fases do desenvolvimento da humanidade. O
domínio da linguagem escrita conferiu atributos de poder e superioridade às pessoas, às
classes sociais, às nações etc. Permitiu que se construísse a ciência e a técnica, a
modernidade e a pós-modernidade que conhecemos hoje.
Pode-se considerar que os atributos da linguagem escrita, tais como: a
linearidade, o encadeamento lógico-seqüencial, autoria, os pressupostos de veracidade,
entre outros, constituem pilares semânticos e lógicos que sustentam amplamente a
civilização ocidental.
Com o desenvolvimento das técnicas impressão a linguagem escrita pôde ser
amplamente disseminada influenciando várias áreas do saber e do fazer humanos.
As religiões, a filosofia, a literatura, a ciência, enfim toda a concepção de mundo
ocidental está intimamente ligada a língua escrita, ao livro, considerado como sua
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expressão essencial. Além de um apanhado físico, um “todo” feito de folhas de papel
impressas e organizadas linearmente, o livro pode ser considerado um modelo mais
abstrato e mais profundo de anseios, ritmos e pensamentos humanos durante os últimos
quatro séculos.
Perceber o livro como um produto de uma tecnologia específica, cultural, social e
historicamente determinada e determinante, é um fator fundamental para a compreensão
do seu papel da técnica de transmissão de informação dentro da construção da sociedade,
bem como pra avaliar as modificações sociais que estão sendo mediadas pelo hiperterxto
e a internet.
De fato, é fácil de se observar a existência desta tecnologia quando olhamos para
o passado em busca de outras relações com os textos escritos.
Na Grécia antiga, por exemplo, não havia espaço em branco entre as palavras o
que tornava a leitura um ato público a que se conferia grande valor ao leitor pela mestria
que era-lhe necessário desenvolver. Sócrates, por exemplo, temia os efeitos da
disseminação da escrita por considerar que ela poderia tornar o ato da leitura algo
impessoal, descaracterizando a natureza do discurso.
De forma análoga, hoje, são travados grandes debates em torno na impessoalidade
da informação mediada pelos computadores, as quais são geradas e disseminadas sem
uma “supervisão editorial”.
Compreendendo a evolução da tecnologia de escrita e leitura fica claro que o
movimento do livro impresso em direção a informação digital, não é aquele de “algo
natural” ou “humano” em direção ao “tecnológico”, ao “maquínico”.
Essas transições, no entanto, se processam em longos períodos de tempo.
Apesar da palavra escrita sempre comportar sentidos figurados e duplos, ironias e
ambigüidades o sentido da leitura obedece a uma ordem linear: do início para o fim, da
primeira a última linha, da esquerda para a direita. Essa estrutura é característica da
“cultura da página impressa” e fez, com o seu surgimento que as digressões e a
participação das imagens e dos gestos na linguagem perdessem importância (uma
característica da oralidade primária).
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A organização linear do texto em um livro, por exemplo, convida a uma
interpretação semelhante da realidade. Do começo para o fim. Da esquerda para a direita.
Página a página. Capítulo a capítulo. Encerrando em si mesmo desejos humanos (forjados
ou não) de sentido, completude, ordem, autoria. Esta civilização foi considerada por
alguns autores, como Jacques Derrida, “a civilização do livro” .
A Bíblia, o primeiro livro impresso e o mais vendido em toda a história da
humanidade, é um símbolo vivo e extremo desta concepção. Há a presunção de um autor
verídico, anterior a existência do livro, vivendo a margem do próprio texto, que confere
veracidade à descrição de uma seqüência ordenada de fatos que perfazem a história do
homem desde a sua criação até o fim do tempo..
Analogamente a ciência partiu da consideração da existência de um “livro da
natureza” passível de ser revelado, lido, bastando-se para tanto a compreensão da
linguagem matemática, linear, ordenada em que estaria escrito. Quer procurando nas
estrelas ou nas plantas e nos animais os cientistas buscaram a compreensão da realidade
como os filósofos, os religiosos. Prevalecendo os pressupostos de autoria, sentido, início,
fim, seqüência, ordem, completude, unidade em cada campo da atividade humana.
A idéia do livro, como uma totalidade que unifica e sintetiza, que determina o
sentido e orienta a compreensão, faz com que a complexidade, o caos da realidade e a
própria polivalência da língua possam ser resumidos em uma certeza. Daí talvez o
conforto quase transparente desta forma de construção da realidade, desta perspectiva.
No entanto, o que se observa com o surgimento do hipertexto e da rede mundial
de computadores, a Internet, são indícios de uma profunda e avassaladora transformação
na tecnologia informacional da escrita tradicional com o rápido desenvolvimento das
comunicações mediadas por computador. Bem como o surgimento de uma nova
ideografia. Uma escrita dinâmica à base de ícones, de esquemas de redes semânticas e
vastos bancos de dados que interagem a partir de computadores interconectados
formando redes de interfaces abertas a novas conexões.
Há, ainda, a digitalização da imagem, do som, dos procedimentos de propagação
das mensagens que permite uma metamorfose entre dados qualitativamente diferentes.
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A primeira vista pode parecer que a informática dá continuidade ao trabalho de
acumulação da escrita apenas ampliando as suas possibilidades. Porém, a finalidade dos
bancos de dados difere largamente da proposta da escrita tradicional. Eles têm um caráter
operacional, perecível, transitório, on-line. Já a escritura tradicional busca a univocidade,
a certeza, a linearidade, a perenidade.
A informação mediada por computador é dividida em pequenos módulos
padronizados, com acesso seletivo e descontínuo faz com que seu conteúdo não se preste
à “leitura”, no sentido tradicional do termo.
George P. Landow (1982), um os principais teóricos sobre o hipertexto, utilizou
o termo Lexia (cunhado por Roland Barthes) para definir essas pequenas unidades de
texto que possuem uma certa estabilidade no fluxo geral de um hipertexto. Nessas
unidades, o leitor deve encontrar coerência e consistência internas, semelhantes a
experiência tradicional do livro. Assim, apesar da informacão hipertextual ser
multiseqüencial, possibilitar uma leitura dinâmica e randômica, ainda persistem, em sua
estrutura, um mínimo de linearidade, de seqüencializasse para que se processe a
inteligibilidade do material a ser lido.
Uma característica fundamental do hipertexto diz respeito ao tipo de bancos de
dados que são construídos e a sua forma de utilização. A maior parte dos bancos de
dados são antes espelhos do estado atual de uma especialidade ou de um mercado do que
propriamente memórias, no sentido de guardarem a memória de um determinado evento.
A não ser em casos especiais, não há a armazenamento de estados anteriores do
conhecimento operacional demandado, apenas informação necessária para a optimização
da produção.
Também os processos de composição ou de criação trabalham a partir de
estoques: bancos de dados, bancos de conhecimentos, de imagens e sons, de programas...
Na escrita tradicional o tempo é delimitado. Na escrita hipertextual ou
informática, o espaço-tempo se organiza em proveito de um tempo real dos
agenciamentos que visam fins produtivos, sócio-técnicos. Instaura-se o tempo pontual,
real, prazo zero.
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“O tempo pontual não anunciaria o fim da aventura humana,
mas sim sua entrada em um ritmo novo que não seria mais o da
história. Seria um retorno ao devir sem vestígios, inassinalável,
das sociedades sem escrita? Mas enquanto que o primeiro devir
fluía de uma fonte imemorial, o segundo parece engendrar a si
mesmo
instantaneamente,
brotando
das
simulações,
dos
programas e do fluxo inesgotável dos dados digitais. O devir da
oralidade parecia ser imóvel, o da informática deixa crer que
vai muito depressa, ainda que não queira saber de onde vem e
para onde vai. Ele é a velocidade” 3
Assim, a escrita hipertextual ou multimediática está mais próxima de uma
montagem, de um espetáculo do que da redação clássica, linear e estática. Há um
aumento da quantidade disponível de informações modulares, desconectadas, fora de
contextos que são agrupadas visando a simulação, a construção de modelos, de
horizontes, de cenários
Exacerba-se a tendência à simulação, a velocidade, ao espetáculo, a aceleração do
ciclo da mercadoria e a subseqüente ascensão das características estratégicas e
operacionais das relações sociais.
As teorias cedem lugar para os modelos, os quais não são nem “verdadeiros” nem
“falsos”, nem mesmo “testáveis”, em um sentido estrito. Eles são apenas mais ou menos
úteis, mais ou menos eficazes em relação a objetivos específicos. Não são lidos ou
interpretados como um texto clássico, são antes explorados de forma interativa.
Navegados. Virtualmente vivenciados.
O conhecimento passa a ser adquirido por intuição, por simulação, um tipo de
“imaginação auxiliada por computador”. Uma forma qualitativamente diferente do
conhecimento teórico, da experiência prática e do acúmulo oral. A imaginação criativa
passa a ser mais valorizada. Gera-se um tipo de saber que não visa manter a sociedade em
3
LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. 3a ed.
Rio de Janeiro, Editora 34, 1996. 115 p.
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um mesmo estado como na oralidade primária, nem tão pouco visa a verdade, como a
teoria ou a hermenêutica, gêneros canônicos nascidos da escrita. O saber informático
procura a velocidade e a pertinência.
Se observa, ainda, que o hipertexto passa a se tornar capaz de reproduzir de
forma mimética a capacidade do cérebro de guardar e recuperar informações através de
links: referências acessáveis rápida e intuitivamente. O seu surgimento foi preconizado na
literatura por autores como
James Joyce, Jorge Luís Borges, Júlio Cortazar, John
Fowles, Michael Joyce e também resultou da necessidade existente na indústria do
conhecimento por formas mais eficientes de catalogação da informação.
Diante do incremento das trocas transnacionais, do capitalismo como modo de
produção dominante e do desenvolvimento de vários meios de comunicação durante o
século XX houve, neste fim de século, um aumento imprecedente no fluxo de
informações na sociedade.
Paralelamente, as técnicas tradicionais de armazenamento, organização e
recuperação da informação, que se desenvolveram junto às técnicas de impressão nos
últimos cinco séculos, se mostraram incapazes de acompanhar a velocidade deste
crescimento, de atender as suas múltiplas demandas.
Comparando-se a classificação da informação tradicional e a digital observa-se
que no processo tradicional há uma grande ênfase na criação de hierarquias e
estabelecimento de ordenamentos. A organização dos textos também gera um sentido
linear e unívoco para a leitura e a escrita.
Já os processos digitais mediados pelo hipertexto, organizam a informação de
forma rizomática. Num hipertexto, mesmo que os menus indiquem a hierarquia dos
tópicos, a ordem das páginas não leva, nem sugere aos leitores, o caminho da leitura. Já o
índice de um livro, por exemplo, que é a expressão máxima do processo de organização
da informação mediada pela tecnologia de impressão, é linear e hierárquico, mostra
ordenamento e subordinação, e sugere a ordem na qual o texto deve ser lido.
A mudança do “tátil” para o “digital” permite novas formas de design e produção
de estruturas informacionais. Por isso, ele é comumente definido como “escrita nãoseqüencial”. Ele permite ao leitor uma leitura, uma navegação dinâmica pela informação
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disponível. Como as tecnologias informacionais se sobrepõe umas às outras, muitos dos
recursos de paginação tradicional como parágrafos, margens, títulos, subtítulos, são
apropriados pelos hipertextos na organização da informação. No entanto, mesmo
partindo ou se utilizando desses elementos, o hipertexto ultrapassa os limites da página
impressa como um agente físico delimitador da informação e do livro como uma unidade
física, única, completa.
Como os sistemas hipertextuais tendem a crescer desordenadamente e acumular
um infindável número de informações, há a necessidade de serem criados mecanismos
para a orientação do usuário afim de que ele não se perda no caminho, na descoberta das
infinitas camadas de informação desses palimpsestos pós-modernos.
Sem a linearidade e a organização centralizadora da narrativa tradicional, cada
documento, cada nó passa a ter um mesmo peso, um mesmo valor narrativo. Assim, é
essencial para o usuário saber quanto do total de um site foi visitado/lido, qual foi o site
de partida, quais os caminhos que pode percorrer para a leitura de um documento, como
navegar entre as partes deste documento.
É fundamental, ainda, a constante lembrança que os hipertextos são documentos
que contém informações para serem lidas, compreendidas por seres humanos e não por
máquinas, softwares que correlacionem dados. Assim, a eficiência da escrita hipertextual
depende sempre de uma delicada tensão entre regulamentação e riqueza e criatividade;
entre surpresa e ordem. Tal fato demonstra que a desordem, um certo nível de desordem,
pode ser um fator de motivação para os leitores, aumentando o seu nível de envolvimento
com o texto, exigindo uma maior concentração e engajamento com o material a ser
explorado.
O hipertexto retoma e transforma antigas interfaces da escrita (noção de interface
não deve ser limitada às técnicas de comunicação contemporânea). Constitui-se, na
verdade, em uma poderosa rede de interfaces que se conectam a partir de princípios
básicos e que permitem uma “interação amigável”.
As particularidades do hipertexto virtual, como sua dinamicidade e seus aspectos
multimediáticos, devem-se ao seu suporte ótico, magnético, digital e a sua interface
11
amigável. Tal é a influência do hipertexto que as representações de tipo cartográfico
ganham cada vez mais importância nas tecnologias intelectuais de suporte informático.
Esta influência também é devida ao fato de a memória humana, segundo estudos
da psicologia cognitiva, compreender e reter melhor informações organizadas
espacialmente, em diagramas, em mapas conceituais manipuláveis. Por isso imagina-se
que o hipertexto deva favorecer o domínio mais rápido e fácil das informações em
contraponto a um áudio-visual tradicional, por exemplo.
A própria interatividade suscita uma atitude ativa do leitor que, por isso, deve
reter e integralizar a informação com mais facilidade.
Na interface da escrita, que se tornou estável no séc. XV e foi sendo aperfeiçoada
depois, a página é a unidade de dobra elementar do texto. Ela é uniforme, calibrada,
numerada. Sinais de pontuação, separações de capítulos e de parágrafos só tem uma
existência lógica já que não são talhados na própria matéria do livro. O hipertexto
informatizado possibilita todas as dobras imagináveis com encaixes complicados e
variáveis, adaptáveis pelo leitor. Cada nova conexão recompõe a configuração semântica
da zona da rede à qual está conectada.
Tudo isso sem mencionarmos a velocidade de acesso à informação que torna o
hipertexto exploratório mediado por computador (e.g. a internet) ainda mais específico
dentro de outras cadeias associativas existentes (ex.: um dicionário)
Na verdade, as interfaces são mais que dispositivos lógicos organizados para que
se possa visualizar mais facilmente o conteúdo de um hipertexto. Elas exprimem uma
forma de relacionamento com a informação, com as
idéias, os saberes, desejos e
aspirações de pessoas e grupos. Suscitam diferentes imagens de mundo e imaginários e
são, ao mesmo tempo, reflexo dos múltiplos agenciamentos do mundo real.
O hipertexto também pode ser considerado como uma forma de apresentação da
informação semelhante a uma rede formada por nós, independentes e relacionados, que
permite aos leitores navegar de forma não-linear entre eles.
A rede de nós que compõe a estrutura do hipertexto pode ou não ter níveis
hierárquicos. De um modo geral, a liberdade e facilidade de criação de nós e links leva o
sistema para uma situação global de caos, com hierarquias locais.
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Cada nó é uma unidade integrada e auto-suficiente de informação. Normalmente é
pequeno o suficiente para ser “guardado” em um único computador. Podendo ser
acessado e manipulado remotamente.
Por tudo isso, a utilização do hipertexto parece ser um convite a uma nova
relação com o texto e com a produção, manipulação e disseminação do conhecimento.
De uma nova relação com o conhecimento e a informação espera-se que surjam
modificações profundas em toda sociedade e, tendo em vista a velocidade dos processos
comunicacionais mediados pelo hipertexto, podem em poucas décadas “transformar a
face da terra”. Estudar o hipertexto nos dá a oportunidade de arriscar-se na aventura de,
ao mesmo tempo, viver e compreender essa transformação.
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