O hipertexto: uma máquina de guerra na aprendizagem
Joyce Munarski Pernigotti
PUCRS, [email protected]
Rubem Mário Figueiró Vargas
PUCRS, [email protected]
Marilú Fontoura de Medeiros
PUCRS, marilú@pucrs.br
Resumo: O hipertexto é apresentado como um recurso de aprendizagem em EAD mediado
por Tecnologias da Informação e Comunicação que produzem agenciamentos transformadores
nas formas de produzir conhecimentos e nos modos de que os sujeitos se valem para
aprender. Com isso, as reverberações se fazem sentir nos modos de articulação dos espaços
educativos e nas concepções de ensino e aprendizagem de alunos e professores. O tratamento
dado ao movimento que o hipertexto cria nas cenas educativas é de uma máquina de guerra,
de acordo com os sentidos que Deleuze e Guattari dão ao termo, explicitando modos pelos
quais a apropriação crítica do conceito de hipertexto vai mobilizando deslocamentos nas
concepções dos atores sociais envolvidos no seu uso.
Palavras-chave: hipertexualidade, processos de aprendizagem, máquina de
guerra.
1. Para um Começo de Conversa
A escrita hipertextual, tal como nos aponta Derrida, tornou-se comum a
partir da criação de um suporte digital que liberou a escrita do dispositivo fixo
do papel, mesmo que a desestruturação do texto fosse experenciada antes.
Sempre presente no pensamento humano, a hipertextualidade fica apenas
revestida de quantas a partir da criação de tecnologias digitais que desenham
horizontes geradores de novas/outras ecologias cognitivas. Costa (2003) nos
fala da criação da World Wide Web (WWW) como uma marca de imersão no
cosmos da informação, que cria a relação de “muitos para muitos”. Com isso,
regiões de imanência se põem a crescer movidas tanto por relações de
vizinhança e proximidade, como também mediante saltos aleatórios gerados a
partir de movimentos onde cada ponto funciona segundo sua própria potência
de criação e difusão de informações e conhecimentos. Movimentos esses que
põem em xeque as idéias de origem e princípio e, também, criam novos
suportes para a produção do conhecimento.
Dias (2003) nos alerta para a distinção que se opera numa escrita em
função do suporte que a comporta. “Enquanto inscrição exige um suporte para
o traço, seja ele manual ou mecânico, impresso: o papel e, nessa continuidade,
o livro. A escrita como rastro é a escrita do original e da origem, onde se jogam
noções como as de inédito, de rasura, de original e ainda de autor como outro
nome de origem”. Com a escrita eletrônica, porém, acontece o próprio
questionamento da escrita enquanto gesto, rastro de um corpo. Para Lévy
(1993) a emergência do espaço virtual eletrônico, hospedeiro de um outro tipo
de texto - o hipertexto - tem sobre as comunicações um efeito tão radical
quanto o efeito de invenção da escrita na sua época. Ainda que a criação de
uma nova tecnologia traga consigo as anteriores e não implique no
desaparecimento delas produzem-se novas formas de pensamento e criam-se
outros tipos de ambientes para a produção e disseminação de conhecimentos.
Quando se trata de uma escrita ancorada no computador, fluidez e flexibilidade
são marcas instituídas por quem escreve e quem lê.
Em nossa perspectiva, assim como na de Pierre Lévy (1993), o
hipertexto, tem no rizoma a sua melhor descrição e representação teórica.
Enquanto um suporte de organização de informações o hipertexto é
instrumento/ ferramenta de expressiva importância numa proposta educacional
mediada por Tecnologias de Informação e da Comunicação como é o caso do
Programa de EAD, assumindo a condição de um interrogador de pressupostos
e conceitos de aprendizagem e de ensino dos atores sociais envolvidos no
processo - docentes e estudantes – uma verdadeira máquina de guerra, no
dizer de Deleuze e Guattari (1995).
Os princípios identificados no rizoma pelos autores são seis, a
semelhança dos quais Pierre Lévy caracteriza o hipertexto. Ao apresentar o
rizoma, Deleuze e Guattari (1995) descrevem uma série de características
aproximativas – princípios - no intuito de melhor se fazerem compreender.
Para os autores, o princípio da conexão caracteriza um estado de não
seqüencialidade que permite que a qualquer ponto a conexão a outro. Tal
característica potencializa a diluição de fronteiras do saber, um determinado
tema deixa de ser exclusivo da física, da matemática, das lutas sociais, enfim
as coisas são complexas demais para serem observadas de uma única
posição.
Nela, todos são receptores tanto quanto emissores de mensagens e,
muitas vezes, a própria mensagem, desta maneira a rede não tem centro ,
como ponto pré-definido de origem das mensagens, nem hierarquia. Ao
contrario, tem múltiplos centros, como lugares por onde passam mais
mensagens que aparecem, crescem, diminuem e desaparecem. Em qualquer
parte pode nascer um novo ponto receptor e emissor de mensagens, e crescer
ou diminuir em sua atividade (Xavier Llussá, 2002). São formas de “estar com o
outro”, de se fazer presente, de participar, de estar no mundo. Essas conexões,
ligações são múltiplas e tanto podem ocorrer em meios virtuais como não;
muito mais que o meio, abre-se para o “estar no”, o “estar com” e, inclusive, “o
estar contra”.
A heterogeneidade, um outro princípio rizomático remete à pluralidade
de meios que podem constituir um hipertexto, são figuras, animações, sons,
escritas, geradores de diferentes olhares exteriores. Estas múltiplas
abordagens assim como o uso de diferentes meios para discutir-se um
determinado tema faz com que este seja potencializado e não se encerrando
em si mesmo, de acordo com um único ponto de vista. O usuário possui uma
inteligência visual mais desenvolvida, ele pode abordar um tema apresentado
em um hipertexto na forma de diferentes mídias, utilizando-se daquela que
melhor seja adequada ao sentido que ele possui e percebe ser o melhor para a
sua apropriação do tema em questão.
Acima de tudo, busca-se garantir que esse processo constitua a
entrada numa cultura virtual e que seja, pela própria natureza flexível e
instigante, aberto a contínuas transformações e certos de que o platô
alcançado significa somente um espaço de descanso na jornada, elos na
complexa rede que, diuturnamente, se abrem e se ampliam no fazer da
Educação a Distância (Deleuze, 1999; Deleuze e Guattari, 1995, 1997; Alliez,
1994). Às vezes, somos afetados de uma outra maneira, com outras
intensidades; outras, afetamos e não somos afetados, o que não significa
estarmos imunes às transformações. São platôs como espaços de descanso,
de desafios, de novas escaladas, de descidas íngremes, de construção de
pontes. Mediamos e somos atravessados por multiplicidades. Na unicidade,
somos heterogêneos.
O princípio da multiplicidade está ligado a um constante ressignificar
que aumenta as conexões em uma parte do hipertexto. A criação e atualização
dos links permitem ampliar dimensões de parte do hipertexto, constituindo
dessa forma um plano dessa multiplicidade cuja dimensão é determinada pelas
conexões que nele se estabelecem, alterando então a natureza de tal
multiplicidade, é o chamado plano de consistência de Deleuze e Guattari
(1995). Na defesa de Silvio Gallo (2003) “em seu afã de conhecer o mundo, o
homem produz tecnologias de conhecimento, isto é, aparatos, mecanismos,
que permitam que examine os aspectos da realidade que deseje transformar
em objeto de estudo. (...) Tais tecnologias são produzidas historicamente, de
acordo com as possibilidades e problemas de cada momento”.
Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) apontam com uma possível
resposta, a defesa de um pensamento não arborescente. Descrevem o salto de
cada mensagem por sobre múltiplas fendas, fazendo do cérebro uma
multiplicidade que mergulha, em seu plano de consistência, num sistema de
incerteza probabilística. Embora seja uma metáfora botânica, o paradigma
arborescente representa uma concepção mecânica do conhecimento e da
realidade, reproduzindo a fragmentação cartesiana do saber, resultado das
concepções científicas modernas.
O princípio da ruptura a-significante remete à quebra de importância
a uma dada dimensão, no sentido em que ele encerra-se em si mesmo, mas
que seus desdobramentos levam a outros estados de potência possíveis.
Neste princípio os processos de desterritorialização e reterritorialização atuam
na direção em que suas linhas se conectam a outras, transformando-lhe tanto
em intensidade como em sentido.
A sua expressão como fractalidade é, num certo sentido, um
instrumento de liberdade, de libertação, porque expõe espaços fechados.
Realiza o virtual (e virtualiza o real). Ao viabilizar o virtual através dum
programa ecológico generalizado - um programa "ecosófico", como diz Guattari
(1992) -, oferece locais de abrigo para os ecossistemas conceptuais mais
frágeis - as idéias”.
A cartografia, outro princípio do rizoma, associado ao hipertexto reflete
a possibilidade de múltiplas entradas, não existindo uma “única porta” para
abordar um tema, um link remete a outro e assim por diante. A subjetividade do
navegador o dirige dentro de um plano de consistência a trilhar caminhos
próprios de acordo com suas motivações e subsídios até então instalados.
Nessa linha, Ávila Muñoz (2002) define que “um paradigma de
conhecimento mantém-se sólido quando está aberto à mudança. Torna-se
definitivo quando investiga a possibilidade de ser provisório. Torna-se
competitivo quando coopera. Torna-se consistente quando não elimina de seu
processo a possibilidade de aprender e, portanto, de incorporar e administrar
transformações. Torna-se forte quando reconhece seus limites e,
transcendendo-se a si mesmo, busca a superação. Torna-se significativo
quando utiliza o modelo da dinâmica científica para questionar seus processos
e inaugurar una pedagogia que identifique os erros em busca da mensagem
significativa e com sentido”.
O princípio da não-decalcomania orienta o hipertexto no sentido de
não-reprodução e não pré-hierarquização das dimensões de um determinado
tema. A construção de um determinado conceito pelo navegador, que se
dispõe a percorrer o hipertexto, é feita de forma singular por ele mesmo e não
da forma como um outro navegador a elaborou. Dessa forma, os níveis de
subjetividade determinam o percurso, assim como o processo de aprender.
Quando estabelecemos um decalque, fazemos colagens de espectros que
buscamos perpetuar. Podem ser regras, exemplos, ações, estruturas,
hierarquias, assim como processos altamente definidos a priori e sob os quais
desejamos manter total domínio. O convite de Deleuze e Guattari (1995) dirigese, exatamente, a essa não produção de cópias, de colagens estáticas, de
desenhos inertes, de estruturas inflexíveis, assumindo a falácia da própria
cópia, aceitando os desafios presentes na realidade que se auto-gesta em uma
autopoiese constante.
2. O hipertexto e a EAD mediada por Tecnologias da Informação e da
Comunicação em busca de tempos-espaços de aprendizagem nômade
O entendimento do que é um hipertexto, sua íntima relação com a
proposta de EAD e possíveis reverberações emanadas do uso não estavam
dados no início do processo de implantação do projeto. O processo de
atualização dessa idéia foi se materializando no decorrer do trabalho, fruto do
uso, das reflexões e da interpelação de forças do fora, como as que se
intencionava acionar quando da publicação dos materiais e sua conseqüente
apreciação pelos usuários e observadores, ainda que ele estivesse presente
desde a fabricação da primeira versão da página dos cursos.
As implicações educativas do suporte computacional, como no caso,
oriundas da hipertextualidade é um campo ainda em exploração que põe em
evidencia a pragmática comunicacional da sala de aula baseada na lógica da
transmissão. A hipertextualidade dá forma a uma antiga demanda de
construção da aprendizagem por diferentes caminhos, atendendo a estilos
cognitivos dos apreendentes porque permite, ao simples toque, o acesso a
formas de expressão diferenciadas de um mesmo conceito.
“Guirlanda cintilante” de conceitos que brilham e orientam a extensão
do grafo luminoso disparado para a palavra seguinte, é como Lévy (1993)
nomeia a imensa rede associativa que constitui o universo mental em
metamorfose permanente, gerado a partir de um sentido/ponto/palavra que
transforma o mapa do céu e depois desaparece para dar lugar a outras
constelações.
Essa constelação é a multiplicidade de windows ou as portas, como
prefere Gardner (1995), que abrem aos sujeitos diferentes caminhos para
edificar seus próprios pontos de vista. Desaparece o privilegiamento do recorte
estabelecido pelo professor para construir aprendizagens. A hipertextualidade
cria “um conjunto de territórios a serem explorados pelos alunos e disponibiliza
a co-autoria e múltiplas conexões, permitindo que o aluno também ‘faça por si
mesmo’ (Silva, 2000). A associação imediata que brota é com as dimensões da
cognição e metacognição na potencialização de um espaço-tempo que
privilegia a aprendizagem. Há, também, um certo consenso no sentido de que
o hipertexto possibilita alto grau de autonomia para o usuário, contribuindo para
que se expressem estratégias individuais de aprendizagem, tendo o sujeito no
“comando” do processo.
Enquanto uma tecnologia/ferramenta voltada para a Educação e no
próprio cenário de EAD o hipertexto assume o estatuto de uma máquina
abstrata que produz agenciamentos para a aprendizagem, no sentido que
Deleuze e Guattari dão ao termo. Para esses autores “cada máquina-abstrata é
um conjunto consolidado de matérias-funções” (1997, p.227) não composto
apenas por substâncias, nem por formas organizadoras, mas por um conjunto
de matérias não formadas que só apresentam graus de intensidade e funções
diagramáticas. Trata-se de “um conjunto de vizinhanças entre termos
heterogêneos independentes” (Guattari, 1992).
A emergência do hipertexto funciona como um agenciamento,
operando zonas de descodificação nos processos de produção e
territorialização do conhecimento e do homem e é gerador de linhas de
desterritorialização tanto no(s) mundo(s) que conhecemos como nas formas
que nos valemos para conhecê-lo(s). Quando Deleuze e Guattari (1995) tratam
das máquinas de guerra, referem-se à relações entre Estado, território e
subjetividades, atribuindo aos nômades a invenção de uma máquina que foge
ao aparelho do estado e é distinta da instituição militar, por isso, uma máquina
de guerra nômade. Dizem que a música e a escrita podem ser máquinas de
guerra, dependendo dos agenciamentos que incitam e suas aptidões para criar,
desterritorializações e novos planos de consistência.
Nossa intenção de qualificar o hipertexto como uma máquina de guerra
remete aos agenciamentos desterritorializantes que opera tanto nos processos
de aprendizagens dos sujeitos, pela criação de novas ecologias cognitivas,
como também pelo potencial interrogador que assume ao questionar os
modelos de ensino e aprendizagem até então vigentes que constituem as
práticas educativas exercidas pelos atores sociais – professores e estudantes,
mostrando as variadas e variáveis relações que assume com a própria guerra,
que é o processo de transformação das relações dos sujeitos com o
conhecimento. O nomadismo é assumido na sua condição de perpétuo
deslocamento, não se localizando em ponto algum, mas atravessando todos
eles, que nada mais são do que processos de subjetivação. Mas ainda, quando
Deleuze e Guattari (1995, p.109) falam das máquinas de guerra, “que tem por
objeto não a guerra, mas o traçado de uma linha de fuga criadora, a
composição de um espaço liso e o movimento dos homens nesse espaço”.
Desse modo, quando se disponibilizam materiais em forma de
hipertexto geram-se ambientes de aprendizagem com o acesso a diversos
links, diversos caminhos que incitam o usuário que motivado pela curiosidade
descobre diferentes olhares sobre uma mesma temática. Talvez mais
importante que isto, desencadeia no usuário uma dimensão de crítica na
direção de selecionar o que é e o que não é significativo, favorecendo e
estimulando processos metacognitivos, dimensão almejada na arquitetura
pedagógica de EAD. Mais, o hipertexto do modo como é concebido na
proposta EAD se constitui em algo mais que um texto hipertextualizado, ou
hipermidiático. É uma expressão da proposta paradigmática. Um plano de
consistência, mesmo que momentâneo, múltiplo, rizomático. Nesse sentido
assume o estatuto de máquina de guerra para a aprendizagem, que é nômade,
não está em lugar nenhum, mas produz efeitos em todos os lugares, uma vez
que se alteram dimensões já dominadas no campo da prática docente, como a
distribuição de tempos e de espaços especiais, agora associados ao uso de
estratégias educativas com suporte em ferramentas tecnológicas que alteram e
amplificam as dimensões de eficiência e de qualidade nos processos
educativos; todavia, temos presente que essas mediações, se entendidas em
seus fins, não são suficientes à instauração de transformações de fundo, assim
como do “dar conta” das possibilidades de aprendizagem (Moran, 2003).
O espaço liso do hipertexto tem uma heterogeneidade que não procede
por estriagem de linhas perpendiculares e verticais como a página em branco,
mas se converte em um singular plano de composição, uma bricolagem de
elementos diferentes, que se revela como espelho textual da ilimitada riqueza
diferencial dos corpos. (Navarro, 2003) Os recursos telemáticos acionam
diferentes mídias e suporte em intercomplementariedade cada vez mais
intensa, combinando ao texto sons, imagens e animações, configurando-se
uma nova linguagem, que reverbera no mundo do conhecimento tanto no que
diz respeito a transmissão ou a geração. Essas possibilidades criam um
modelo que, além de rizomático, “é problemático e não teoremático: as figuras
só são consideradas em função das afecções que lhes acontecem, secções,
ablações, adjunções, projeções” (Deleuze e Guattari, 1995, p.25) criando
verdadeiros labirintos que abrem infinitas portas para ampliar conhecimentos
que se geram a partir de uma conexão que gera um nexo para o usuário. É
pelo uso de um material hipertextual que se propõe a discussão do hipertexto.
A figura que segue se propõe a demonstrar, com as limitações de material
impresso, a estrutura disponibilizada como um convite à navegação por parte
do docente participante do curso de capacitação docente em EAD.
Figura 1: Material didático sobre hipertexto
O material, atendendo aos princípios descritos para o rizoma por
Deleuze e Guattari, evidencia o a-centrismo que oferece de forma não
linearizada diferentes portas de entrada – parte central da figura, a
heterogeneidade das mídias que incluem figuras em movimento, sons, a
múltipla conexão que abrange links internos e à rede WWW e reúne
posicionamentos de diferentes autores a respeito do tema. Com isso, fica
privilegiada a dimensão da liberdade e autonomia dos usuários do material em
construir caminhos singulares rumo a construção do conceito em questão.
A modalidade escolhida para instigar e oferecer meios para a
discussão acerca das potencialidades do hipertexto em um processo educativo
mediado por tecnologias da informação e da comunicação, qual seja,
proporcionar uma experiência na qual forma e conteúdo se imbricam, tem se
revelado produtiva na busca de migração para uma cultura virtual dos
docentes, ocasionando uma importante apropriação do potencial multimidiático.
A condição de pôr em cena, no debate com professores as potencialidades e
usos dos materiais hipertextuais, tem sistematicamente gerado
questionamentos que se relacionam diretamente aos conceitos implícitos e
explícitos que os docentes têm da cena educativa e a questão-problema
emergente é: o hipertexto não oferece o risco do aluno se perder? Uma
resposta apriorística que aparece é a necessidade de um fio do tipo de
Ariadne na mitologia do labirinto, que permitiria a Teseu voltar no labirinto de
informações em que adentrou para reconstituir seu caminho e
construir/reconstruir suas aprendizagens. Pensando assim, o perigo de se
perder, poderia ser controlado, se é que se pode considerar essa perspectiva,
por uma limitação no hipertexto – um material hipertextual auto contido
preparado pelo professor - ou pela própria aparentemente possível “condução”
pelo professor do processo. Tais afirmações põem em relevo, embora de
modos distintos, concepções que situam o professor no centro do processo de
ensino e de aprendizagem, deixando para o aluno a possibilidade de seguir os
caminhos previamente traçados pelo professor para aprender, concepções
que, há muito tempo, parecem “coladas” em grande parte das práticas
educativas que ainda hoje são mantidas. Muitas vezes, elas desconsideram as
infinitas possibilidades dos sujeitos para construírem suas aprendizagens.
Para Navarro (2003) “o labirinto hipertextual é provavelmente
repetição, como eterno retorno, mas da diferença, não do mesmo, senão de
uma diferença mínima, unicamente espaço-temporal, como um “mise en
abisme” ainda que agora imanente e rizomático”. A navegação na rede “já não
é o mesmo que muda mas senão o outro que retorna.” Ele afirma que o modo
heterogeneamente conectado de apresentar informações “é o giro aristotélico
da pós modernidade, a grande diferença com o pensamento clássico: o espaço
e o tempo são os produtores da variação, a diferença de cada caminho no
tempo da repetição, este dar voltas constantes por um espaço confuso e
contraditório que se apresenta.”
O movimento migratório dos professores que se viram instados a
penetrar na cultura virtual e a construir materiais didáticos hipertextuais
encontrou sustento em oficinas, onde se trabalham questões como virtualidade,
potencialidades deste meio, multimídias, hipertexto e hipermídias. Ações como
essas de oferecer situações-problema como um convite à reflexão acerca dos
potenciais espaços de produção hipertextual sob certo aspecto podem
configurar um fio de Ariadne, no sentido de servirem de um guia aberto para a
construção do conceito e das produções. O uso de animações, de figuras, de
textos interconectados em hipertextos utilizados como agentes no processo de
aprendizagem em meio às videoconferências e às intervenções mediante
ferramentas de comunicação como Chat e Fórum, ampliaram em multiplicidade
o ambiente de aprendizagem constituído, transformando-o. Tais mutações
reverberam também obviamente no aprendizado realizado pelos estudantes,
que observam a busca por parte dos professores de outros patamares de
qualidade (Vargas et. al., 2003).
3. Platô de descanso, a espera de novos ventos
Um dos desafios a que nos colocamos foi o de romper com essa idéia
de ajuste ao modelo, de cópia, de instrumentalização, mesmo que de ponta, de
altíssimo nível e complexidade. O que nos preocupava era como se daria essa
instituição de subjetividades, a partir de experiências no campo da virtualidade,
fossem elas presenciais ou não presenciais. Para tanto, fomos buscar nas
leituras-experiência de Deleuze em Nietzsche e Espinosa, as condições, os
acontecimentos que nos permitiriam gerar fluxos, inclusive em nós mesmos,
fluxos esses geradores de novos acontecimentos. Acontecimentos que
evidenciassem nossa vontade de potência, assim como nossa condição de ser
afetado, relacionado ao poder de agir, de atualizar. Não nos interessava
operar somente com a idéia de cópia; interessava sim, a dimensão de criação.
A perspectiva adotada para a construção de espaço hipertextual volta-se
para ações promotoras de operadores de potências, devires que se instauram
nas microinterações. São ações moleculares que têm seus efeitos em campo e
espectro macro, molar. São processos ou vontade de potência que dirigem e
medeiam nossas ações, que se instituem a partir desse desafio de criação de
uma cultura virtual e, nela, a constituição de comunidades de aprendizagem. A
comunidade de aprendizagem constituída pelos professores, monitores, tutores
tensiona, pressiona, questiona, funda o movimento de atualização por meio da
diferença enquanto criação (Pernigotti et al., 2003).
Assim, no jogo de análise das práticas presentes em EAD, buscamos
evidenciar que “o virtual não é uma degradação do ser – não é a limitação ou
cópia do ideal no real [opondo-se ao platonismo] – mas, ao contrário, a
atualização de Bergson é a produção positiva da realidade e multiplicidade do
mundo, (...) como uma atualização no tempo (...) oferecendo uma crítica
adequada da noção de possível (Hardt, 1996, p. 46-48). Com essa
perspectiva, o virtual tem a realidade de uma tarefa a ser cumprida e a partir da
qual a existência é produzida num tempo e num espaço especial.
A construção da noção de hipertexto, em desenvolvimento em EAD,
assume a forma de um tutorial hipertextualizado que, além de colocar o aluno
como centro do processo de aprendizagem, provoca concomitantemente a
reflexão sobre sua forma e conteúdo. Cada sujeito da aprendizagem reconstrói
seu caminho ou seus múltiplos caminhos, gerando multiplicidades. Nesse caso,
assim como em muitas experiências vividas, o virtual passa, assim, de uma
região a outra, sem jamais se esgotar, criando, em cada lugar, não apenas
novidades de contexto, mas também novidades que se repetem ou variam
segundo sua relevância em outros contextos ou com outros objetos
(Rajchmann, 2000). É algo do afetar e ser afetado, que Deleuze retoma de
Nietsche e Espinosa (Hardt, 1996).
A atualização do paradigma, não como um espaço de repetição, mas
de diferenciação e criação fica exposta desde a página inicial, quando o
remetimento à proposição de navegação se organiza de modo não-linear,
hierárquico, mas rizomático. Trata-se de uma atualização, na medida em que o
campo de possibilidades que se descortina ao navegador/aluno não pressupõe
um único caminho, nem uma hierarquia na navegação, mas, ao contrário, se
vale e potencializa pela imagem e sentido, da multiplicidade (Deleuze e
Guattari, 1995a).
A aprendizagem é um processo que está sempre no meio, é movida e
instada em movimentos migratórios, compondo novas cartografias, povoando
espaços vazios e produzindo outros. É uma potência nomádica que se desloca
permanentemente gerando imanências. Os fluxos, as intensidades, as
afetações, os perceptos e as cognições mobilizados pela máquina de guerra,
que constitui o “novo” suporte hipertextual não almeja totalizações ou
mecanismos de captura que os unifiquem, tão somente abre à exploração
dimensões para a “navegação” do rato no labirinto.
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Education – ICDE - Hong Kong, 2003.
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O hipertexto: uma máquina de guerra na aprendizagem