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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SUAS IMPLICAÇÕES NO
DIREITO BRASILEIRO.
AS SANÇÕES APLICÁVEIS NO CASO DE SOLO NÃO EDIFICADO,
SUBUTILIZADO, OU NÃO UTILIZADO.
Gina Copola ∗
(outubro de 2.012)
I – Tema atual sobre o qual a doutrina pátria tem se
debruçado com afinco é o relativo à função social da propriedade.
O art. 5º, inc. XXII, da Constituição Federal, reza que “é
garantido o direito de propriedade”.
Ocorre, porém, que tal direito não é ilimitado conforme já
fora outrora. Conforme é cediço, houve época em que a propriedade era considerada
como extensão da própria personalidade do proprietário.
No período Romano, a propriedade era perpétua, porque a
pessoa era proprietária mesmo que não manifestasse sua vontade de dispor de algo;
era absoluta porque a pessoa utilizava sua propriedade como bem entendesse, e era
exclusiva porque o bem tinha único proprietário. Com efeito, o direito à propriedade
era absolutamente inatacável e intangível.
Atualmente, porém tal direito não é ilimitado, e não é
admitido mais o laissez faire, porque toda propriedade deve atender sua função
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Advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela FMU.
Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental, Rio de Janeiro:
Temas e Idéias, 2.003; Desestatização e terceirização, São Paulo: NDJ – Nova Dimensão Jurídica, 2.006; A lei dos
crimes ambientais comentada artigo por artigo, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.008, e 2ª edição em 2.012, e A
improbidade administrativa no Direito Brasileiro, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.011, e, ainda, autora de diversos
artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.
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social, nos termos ditados pela Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XXIII, e,
assim, se a propriedade não atender sua função social, o Estado pode perfeitamente
intervir, de modo a amoldar a utilização da propriedade.
II - A propriedade urbana, nesse sentido, e nos termos do
art. 182, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei federal nº 10.256, de 10 de
julho de 2.001, deve cumprir sua função social que é aquela prevista no chamado
Plano Diretor do Município.
O Plano Diretor do Município é o conjunto de normas
urbanísticas de determinada cidade, e constitui o mais importante instrumento
utilizado para viabilizar a política urbana, conforme consta do art. 4º, da Lei federal nº
10.257, de 2.001, que é o Estatuto da Cidade.
O cumprimento da função social da propriedade nada mais
é do que o adequado aproveitamento do solo urbano e rural, nos termos regidos
pela Constituição Federal, e pela legislação infraconstitucional aplicável. Com todo
efeito, toda propriedade tem uma função social, e o proprietário deve utilizá-la e
mantê-la com vistas ao bem comum – que se sobrepõe ao particular –, ou, de
outro modo, a propriedade não se justifica.
III - A propriedade urbana deve sempre atender ao
princípio do desenvolvimento sustentável, uma vez que as cidades devem ter seu
desenvolvimento, de modo ordenado, e para não prejudicar as presentes e as futuras
gerações, nos termos do art. 225, da Constituição Federal.
Ademais, a propriedade urbana que não atender sua função
social – solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado – estará sujeita às
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sanções previstas no art. 182, § 4º, da Constituição Federal, que são as seguintes: a)
parcelamento e edificação compulsórios; b) imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana progressivo no tempo, e c) desapropriação mediante títulos da dívida
pública, com prazo de resgate de até 10 anos.
Reza o indigitado dispositivo constitucional:
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano,
executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem- estar de seus habitantes. (....)
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal,
mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial
urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante
títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal,
com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
Tais sanções previstas nos incs. I a III, do § 4º, do art. 182,
da Magna Carta são aplicadas sucessivamente, ou seja, o Poder Público deve
primeiro adotar a sanção de parcelamento ou edificação compulsórios, e, não obtendo
êxito pode determinar o IPTU progressivo à propriedade particular. E, por fim, a
medida mais drástica e severa, é a desapropriação sanção, que é aplicável somente no
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caso de inobservância do parcelamento ou edificação compulsórios, e após 5 (cinco)
anos de cobrança de IPTU progressivo.
IV - Observa-se, portanto, que o Poder Público municipal
pode determinar que o particular adote providências para que a propriedade não
edificada, subutilizada ou não utilizada atenda a função social da propriedade.
E, assim, de acordo com o Estatuto da Cidade e também
conforme reza a Lei Maior, o Poder Público em primeiro momento pode exigir do
particular o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano.
É o que se lê do art. 5º, da Lei federal 10.257/01. Vejamos:
“Art. 5o Lei municipal específica para área
incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a
utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida
obrigação.”
V - E, portanto, o Município pode exigir do particular que
realize o parcelamento de sua propriedade não edificada, subutilizada ou não
utilizada, assim como também pode exigir a edificação ou a utilização compulsória
de tal propriedade, tudo isso com vistas ao atendimento da chamada função social da
propriedade, que, repita-se, se sobrepõe ao interesse particular.
Quanto ao parcelamento urbano, ensina a professora ANA
MARIA DE SANT´ANA1 que:
1
SANT´ANA, Ana Maria de, Plano Diretor Municipal, São Paulo: ed. Leud, 2.006, p. 97.
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“O parcelamento do solo é instrumento
indutor de urbanização, sendo realizado de forma espontânea pelo
proprietário da terra, que planeja o parcelamento da gleba em lote e
submete o projeto à aprovação da Prefeitura, visando sua inscrição no
registro de imóveis para alienação dos lotes a terceiros, transferindo ao
domínio público as ruas e as áreas destinadas ao uso público de lazer e
a equipamentos comunitários, além de implantar as obras de infraestrutura necessária à densidade populacional prevista, executadas de
conformidade com as disposições legais vigentes, cumprindo, dessa
forma, a primeira etapa da exigência constitucional, sendo que, após a
edificação e futura utilização, em atendimento às normas urbanísticas,
dará cumprimento à função social da propriedade.”
E no caso do art. 5º, do Estatuto da Cidade, e do art. 182, §
4º, da Constituição Federal, o parcelamento não é faculdade do proprietário – não
realiza de forma espontânea – , mas sim de imposição, de obrigação imposta, porque
é uma sanção que é imposta pelo Poder Público ao particular proprietário de solo
urbano não edificado, não utilizado, ou subutilizado.
VI – Outra sanção prevista pelo indigitado art. 182, § 4º, da
CF, e também constante do art. 7º, da Lei federal nº 10.257/01, é o Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU progressivo no tempo.
Reza o referido dispositivo do Estatuto da Cidade:
“Art. 7o Em caso de descumprimento das
condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta
Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o
desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a
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propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo,
mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos
consecutivos.”
A aplicação dessa sanção – IPTU progressivo no tempo –
está condicionada ao descumprimento das condições e prazos impostos na sanção
relativa ao parcelamento, edificação, ou utilização compulsórios que, a seu turno,
estão disciplinados pelo supracitado art. 5º, do Estatuto da Cidade.
E sobre o tema ensina a professora ANA MARIA DE
SANT´ANA2:
“O valor da alíquota a ser aplicado a cada
ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do artigo 5º
(“Lei Municipal específica para área incluída no plano diretor poderá
determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios
do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado”), e não
será maior do que o dobro do valor referente ao ano anterior,
respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
Caso a obrigação não esteja atendida em
cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima,
15% (quinze por cento) até que se cumpra a referida obrigação,
garantida a prerrogativa prevista no artigo 8º (a desapropriação do
imóvel, se não cumpridas as exigências do caput do artigo 5º, com
pagamento de títulos da dívida pública - §§ 1º e 2º).
2
SANT´ANA, Ana Maria de, Plano Diretor Municipal, São Paulo: ed. Leud, 2.006, p. 108.
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VII - A mais relevante e severa de todas essas sanções é a
desapropriação. Trata-se da desapropriação urbanística sancionatória, também
chamada de desapropriação-sanção, porque o pagamento da indenização não é
realizado em dinheiro como na desapropriação ordinária, mas, sim, em títulos da
dívida pública.
Reza o art. 8º, do Estatuto da Cidade:
“Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do
IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de
parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à
desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.”
Tal desapropriação visa adaptar a utilização da propriedade
às exigências do Plano Diretor, e, portanto, depende da existência de tal diploma para
que seja efetivada.
A competência para legislar sobre o tema é concorrente da
União, Estados e Municípios, sendo que cabe à União dispor sobre normas gerais.
VIII - Quanto à propriedade rural, cumpre ela sua função
social quando atende a todos os requisitos constantes do art. 186, da Constituição
Federal, cujo rol é exaustivo. E, dessa forma, quando não houver o atendimento de
todos esses requisitos, a propriedade rural estará sujeita à desapropriação para fins de
reforma agrária ou para atendimento da política agrícola e fundiária, nos termos do
art. 184, da Magna Carta.
Os requisitos do art. 186, da CF/88, devem ser atendidos
simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo. São eles: I – aproveitamento racional e
adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
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meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A indenização é realizada mediante o pagamento em títulos
da dívida agrária, resgatáveis no prazo de 20 anos, a partir do 2º ano de sua emissão,
ou seja, são vinte e dois anos para o pagamento.
E o art. 185, da CF/88, a seu turno, prevê as hipóteses em
que não pode ocorrer a desapropriação de imóvel rural. São elas: a) pequena e média
propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
e b) a propriedade produtiva.
Diante do cotejo dos citados arts. 184, 185 e 186, todos da
Constituição Federal surge uma celeuma: o que prevalece a função social ou a produtividade da
propriedade rural?
Nosso entendimento é no sentido de que os arts. 185, e
186, da CF/88, devem ser aplicados de forma conjunta, ou seja, a propriedade além
de ser produtiva, deve, obrigatoriamente, atender a todos os requisitos do art. 186.
E, por fim, cumpre destacar que a competência é exclusiva
da União promover a desapropriação rural por interesse social, isso porque o art. 22,
inc. I, da CF/88, preceitua que complete exclusivamente à União legislar sobre direito
agrário.
IX - Diante de tais considerações, podemos observar que a
desapropriação sanção difere da desapropriação rural em ao menos três aspectos.
Primeiro, porque a competência para legislar sobre a urbana é concorrente da União,
Estados e Municípios, enquanto que para legislar sobre a desapropriação rural a
competência é exclusiva da União.
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Segundo, porque na propriedade urbana, a função social
deverá estar descrita no plano diretor, enquanto na rural a função social consta da
própria Constituição Federal, em seu art. 186.
E, por fim, terceiro, porque na desapropriação-sanção o
pagamento da indenização deve ser realizado em 10 anos mediante títulos da dívida
pública, enquanto que na desapropriação rural, o pagamento é realizado em 22 anos
mediante títulos da dívida agrária.
X – E, por fim, a única ilação possível de todo o exposto é
a de que toda propriedade urbana e rural deve atender sua função social, sob pena de
desapropriação pelo Poder Público, ou seja, sob pena de que tal bem seja despojado
compulsoriamente do particular pelo Estado, mediante o pagamento de indenização
com títulos da dívida pública, ou da dívida agrária.
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