COMITÊ CIENTÍFICO
ADRIANA KOSZUOSKI
DANIELA M. ECHEVERRIA
DANIELA M. SAMANIEGO
DARLÃ MARTINS VARGAS
DINARA DE ARRUDA
DYNAIR DALDEGAN
FRANCISCO A. FAIAD
JENZ PROCHNOW JR.
JOSÉ PATROCÍNIO BRITO JR.
MARCOS HENRIQUE MACHADO
SAUL DUARTE TIBALDI
Universidade de Cuiabá – UNIC
Pró-reitoria Acadêmica
Centro de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão
Faculdade de Direito
UNIVERSIDADE DE CUIABÁ
ISSN: 1519-1753
Rev. Juríd. UNIC
v.12 – n.2
Jul./Dez. 2010
© Universidade de Cuiabá – UNIC, 2010
Os conceitos emitidos nesta publicação são de inteira responsabilidade dos autores.
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.
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E-mail: [email protected]
UNIVERSIDADE DE CUIABÁ
Revista Jurídica da UNIC
Direção Editorial
Antonio Alberto Schommer
Coordenação Editorial
Marcos Juvenal da Silva
Revisão
Doralice de Fátima Jacomazi
Produção Gráfica, Capa e Editoração Eletrônica
Estúdio 11
Desenvolvimento Gráfico e Editorial
Dados CIP – Biblioteca Central UNIC
REVISTA JURÍDICA DA UNIVERSIDADE DE CUIABÁ. Universidade de Cuiabá - UNIC. Faculdade de Direito. Cuiabá;
Edunic, v. 1, n. 1, jul./dez., 1999.
periodicidade semestral.
192 p.
Direito – Periódico
1. Direito - Periódico I. UNIC. Faculdade de Direito
II. Título.
CDU: 340 (05)
SUMÁRIO
Apresentação
7
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
Adriana Koszuoski
Bruna Thaisa Dias Penachioni
9
Da Extinção de Punibilidade nos Crimes
Contra a Ordem Tributária
Ângelo Boreggio Neto
19
O Novo Divórcio no Direito Brasileiro.
Breves linhas
Clarissa Bottega
35
O Princípio da Intervenção Mínima
e os Crimes Tributários
Fernando Antunes Soubhia
49
Repensando a questão democrática: uma análise acerca
do modelo hegemônico de democracia
Izaura Peghim Merendi
65
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha com
o Instituto da Suspensão Condicional do Processo
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
85
Da Inafastabilidade da Fundamentação Judicial
na Fixação da Pena-Base
Marcio Florestan Berestinas
Marcelo Lucindo Araújo
113
Dos Princípios Processuais de Origem Legal
Marcos Henrique Machado
123
Política Nacional de Resíduos Sólidos:
uma avaliação inicial acerca dos aspectos
jurídicos e econômicos
Marli Teresinha Deon Sette
Jorge Madeira Nogueira
141
Breves considerações sobre o Direito Eleitoral Brasileiro:
um comparativo com os Estados Unidos
Orivaldo Peres Bergas
Helio Udson Oliveira Ramos
169
Eutanásia: Algumas Considerações
Wanderlei José dos Reis
185
Normas e Instruções aos Colaboradores da Revista Jurídica
da Universidade de Cuiabá – UNIC
191
APRESENTAÇÃO
Nonononononononononono
Antonio Alberto Schommer
Diretor Editorial
Cuiabá, maio de 2010
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
Adriana Koszuoski1
Bruna Thaisa Dias Penachioni2
INTRODUÇÃO
Este tema foi escolhido, para mostrar todos os aspectos que envolvem
o Recurso Extraordinário na ação processual civil, analisando o ordenamento jurídico moderno e as possibilidades de interposição deste recurso.
O Recurso Extraordinário traz ao Superior Tribunal Federal apenas
a análise de matérias de ordem constitucional, visando pacificar o entendimento relacionado à interpretação que os diversos Tribunais “a quo” têm
sobre um determinado assunto.
As matérias argüíveis em sede de instância Extraordinária devem ser
exclusivamente de direito, não comportando em seu bojo, a discussão de
matérias fáticas, pois esta não visa resguardar apenas os interesses das partes envolvidas no litígio, e sim proteger o direito objetivo, que não atinge
apenas os interessados. O recurso em discussão só tem cabimento dentro
das hipóteses constitucionais previstas.
Busca-se esclarecer o requisito específico da repercussão geral no
Recurso Extraordinário, que diz respeito a existência de questões relevantes sob o ponto de vista econômico, político social ou jurídico, e que ultrapasse os interesses subjetivos da causa, ou seja, as partes envolvidas no
litígio, e venha a dar soluções a diversos conflitos da sociedade de forma
geral, que alcance pessoas que não estejam ligadas de forma direta com o
assunto em apreciação.
Promulgada a Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de
2004, foi inserido no artigo 102 da Constituição Federal um novo parágrafo (3º), exigindo-se para o conhecimento do recurso extraordinário a
1 Professora da Universidade de Cuiabá – UNIC. Chefe de Gabinete do Ministério Público de Contas
do Estado de Mato Grosso. Mestre em Relações Internacionais para o Mercosul, pela Universidade
do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI
.
.
2 Acadêmica do 9º semestre do Curso de Direito da Universidade de Cuiabá – UNIC
10
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
demonstração da repercussão geral da controvérsia constitucional ali debatida. Em meados do ano de 2006, foi promulgada a Lei 11.418/06, regulamentando a matéria, inserindo dois novos artigos no Código de Processo
Civil (artigos 543-A e 543-B), sobre remeter a disciplina da repercussão
geral ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, o estudo em tela busca aclarar quais são as hipóteses
e os requisitos para interposição do recurso extraordinário, como introdução no nosso ordenamento jurídico do requisito da repercussão geral da
matéria debatida. Para que Recurso Extraordinário seja admitido e posteriormente julgado, trazendo à parte recorrente a resposta jurídica para a
sua pretensão.
CONCEITO
A Constituição Federal têm como finalidade estabelecer a estrutura
do Estado, organizar seus órgãos, regulamentar a forma de aquisição e os
limites do poder, devendo resguardar os direitos e garantias individuais
do cidadão.
A Constituição se coloca como lei fundamental ao Estado de Direito,
sendo responsável pela organização de seus elementos fundamentais.
Portanto, existe uma supremacia da Constituição Federal quanto às
demais normas do ordenamento jurídico brasileiro, o que obriga os operadores do Direito a atuarem em acordo com as normas constitucionais.
A partir do entendimento da supremacia da Constituição, foi criado
um recurso que viesse a preservá-la, garantindo a uniformização e a aplicação das normas constitucionais em todo o território nacional.
O recurso extraordinário é um mecanismo processual que possibilita a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de questões constitucionais
que ocorram no caso concreto.
As hipóteses de cabimento do recurso extraordinário vêm elencadas
na Constituição Federal, sendo este um recurso de estrito direito, pois o
que se analisa precipuamente, neste recurso, é a prevalência da norma
constitucional, em todo território nacional.
O Recurso Extraordinário originou-se do direito norte americano,
e no decorrer do tempo, e principalmente, diante da estrutura Judiciária
do Brasil, passou a ser uma resposta à necessidade da existência de um
Órgão Superior.
Adriana Koszuoski / Bruna Thaisa Dias Penachioni
11
Este recurso, portanto, sempre teve como finalidade entre outras,
a de assegurar a integridade do sistema jurídico brasileiro, que deve ser
submisso a Constituição Federal.
REQUISITOS
Dentre as mudanças que a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de
novembro de 2004, trouxe com a Reforma do Poder Judiciário, está presente o requisito de admissibilidade para apreciação em sede de recurso
extraordinário pelo Supremo Tribunal da repercussão geral no recurso extraordinário.3
Com esta emenda foi inserido ao artigo 102 da Constituição Federal,
o parágrafo terceiro prevendo que:
O recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão
geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da
lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente
podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.4
A repercussão geral, como novo requisito de admissibilidade do
recurso extraordinário, foi inspirada no writ of certiorari de juízo de relevância do Tribunal Constitucional, da Suprema Corte norte-americana. Todavia, nestas Cortes Constitucionais, a relevância das questões postas em
julgamento, já estão previamente definidas. O que não acontece em nosso
país, uma vez que à norma constitucional não define de forma exata o que
vem a ser repercussão geral, reservando essa interpretação aos membros
da mais Alta Corte de Justiça.
A Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, que regulamentou a repercussão geral, diz que o requisito será aplicado a todo recurso extraordinário impetrado a partir da data de 17 de fevereiro de 2007, seja o recurso
de natureza cível, criminal, eleitoral ou trabalhista, preocupando-se em informar que para a interposição do recurso extraordinário, faz-se necessária
a repercussão geral da questão constitucional combatida.5
3 BRASIL. STF. Regimento interno do Supremo Tribunal Federal.
4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
5 BRASIL. Código de Processo Civil (2002).
12
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
A necessidade de se demonstrar a existência da repercussão geral só
exigível no recurso extraordinário, de qualquer natureza, como mostra o §
3º, do artigo 102, da Constituição Federal. Para os demais recursos apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, não há normas a serem demonstradas
sobre a repercussão geral, processando outros recursos sem a necessidade
de demonstrar este requisito para o recebimento do recurso.6
A Emenda Constitucional nº 45, já promulgada, acrescentou o parágrafo terceiro ao artigo 102 da Constituição Federal, que na data de 19 de
dezembro de 2006, através da Lei 11.418/06, foi sancionada, regulamentando o referido parágrafo, com as normas estabelecidas pelo Supremo
Tribunal Federal, de acordo com seu regimento interno, com redação dada
pela emenda regimental 21, de 30 de abril de 2007, disciplinando normas
internas da Suprema Corte, no sentido de que a presidência deste Tribunal,
deverá inadmitir o recurso que não apresentar a preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, também caberá tal competência ao relator,
se o recurso não for negado liminarmente pela presidência.7
O dispositivo da repercussão geral possibilita que o Supremo Tribunal Federal escolha os recursos extraordinários que irá julgar, levando em
consideração a relevância econômica, social, política ou jurídica da matéria
a ser apreciada.
O recurso extraordinário depois de designado o relator, terá de
ser submetido ao crivo dos membros efetivos do Tribunal, para que seus
membros avaliem a existência da repercussão geral das questões constitucionais debatidas no caso. Será inadmitido pelo voto de 2/3 dos seus
membros, cabendo ao relator, decidir de maneira monocrática quanto à
admissibilidade ou não do recurso extraordinário.8
É importante saber o que vem a ser repercussão geral e qual a sua
importância ao que diz respeito ao requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário. Repercussão tem origem do latim repercussio, de repercutere, ou seja o ato de repercutir, quer dizer, fazer sentir indiretamente sua
ação ou influência. Com o devido respeito pela norma pelo significado
da palavra em discussão, não existe relação ou influência direta com o
recebimento ou não de um recurso perante o Supremo Tribunal Federal,
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil(1988). Op. cit., p. 40.
7 Idem, p. 40.
8 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.22.
Adriana Koszuoski / Bruna Thaisa Dias Penachioni
13
pois, para admissibilidade do recurso extraordinário, é necessário o preenchimento dos requisitos recursais a ele inerentes e ainda não ser o recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou em desconformidade com
jurisprudência ou súmula dominante do referido Tribunal, da Suprema
Corte, ou de Tribunal Superior, quando da análise para sua admissibilidade
não deve se analisar o mérito.
Com a modificação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004,
regulamentada pela Lei 11.418/06 ficou demonstrado que o recebimento
do recurso extraordinário ficará sujeito à interpretação do que seja repercussão geral por no mínimo dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, não sendo permitido ao relator inadmitir de plano o recurso
extraordinário, devendo levar este à apreciação de todos os ministros, salvo se, no mínimo, quatro membros da turma votarem pela existência da
repercussão geral, não sendo necessária a remessa do recurso ao plenário
do Supremo. O ministro relator estará obrigado a colocar em pauta aquele
recurso, para que no mínimo dois terços dos ministros do Supremo Tribunal Federal se manifestem pelo seu recebimento ou não aceitação.9
O dispositivo em tela possibilita a Suprema Corte à escolha dos recursos extraordinários que irá julgar, levando em consideração a relevância
social, política, econômica ou jurídica da matéria a ser apreciada, criando,
através desse mecanismo, mais um requisito de admissibilidade para o
recurso extraordinário, além de outros requisitos que já se faziam necessários como legitimação, tempestividade, interesse para recorrer, cabimento,
preparo, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer
e dos requisitos excepcionais exigidos em sede extraordinária, devendo a
parte recorrente demonstrar precipuamente, a existência de questões relevantes que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O artigo 543-A do Código de Processo Civil melhor explica como
deve ser essa interpretação:
Artigo 543-A.0 Supremo Tribunal Federal,em decisão irrecorível, não
conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional
9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).Op. cit., p. 40.
14
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou
não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para
apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão
contrária à súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal.
§ 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para
todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.
§ 6º O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que
será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.10
Da mesma forma o artigo 543-B do Código de Processo Civil discorre sobre o tema.
Artigo 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será
processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada à existência de repercussão geral, os recursos sobrestados
considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados
serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Organização ou Turmas
Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
10 BRASIL. Código de Processo Civil (2002). Op. cit., p. 429.
Adriana Koszuoski / Bruna Thaisa Dias Penachioni
15
§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal
Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário á orientação firmada.
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre
as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros Órgãos, na análise
na repercussão geral.11
Na aplicação prática, o Supremo Tribunal Federal poderá recusar
os recursos que não apresentem matérias consideradas relevantes, quando assim decidirem dois terços de seus membros, ou seja, oito ministros.
A decisão quanto a admissibilidade do recurso deverá ocorrer em sessão
plenária, podendo existir a possibilidade de conhecer do Recurso Extraordinário, por ter matéria relevante, no âmbito das Turmas, se for no mínimo
consenso entre quatro ministros. Não caberá recurso da decisão que não
conhecer do recurso extraordinário, uma vez que a decisão se baseia na
ausência de repercussão geral da matéria recorrida.
A regulamentação inserida pela Emenda Constitucional 45/2004, filtra o recurso extraordinário de forma subjetiva, uma vez que a análise
da repercussão geral é de difícil interpretação. Portanto cabe ao Tribunal
de Origem, encaminhar ao Supremo Tribunal Federal, recursos com fundamentos com a mesma controvérsia, selecionar um ou mais que sejam
representativos e encaminhá-los. Os demais recursos ficarão suspensos até
o pronunciamento definitivo do Supremo quanto à admissão dos recursos.
Se for negada a existência da repercussão geral, os recursos suspensos
serão considerados inadmitidos.12
Essa atribuição foi conferida aos Tribunais Inferiores, quando se
verificar a existência de recursos semelhantes, com fundamento em controvérsia idêntica, deverão escolher os mais representativos e encaminhá-los
ao Supremo, sobrestando-se o processamento dos demais recursos. Neste
caso, não há necessidade de escolha do recurso, pois a lei não determinou
quais os recursos são mais representativos, e por esse motivo a escolha
desses recursos, caberá ao Tribunal Inferior, não há também, regulamentação para a possibilidade de recurso contra o mérito dessa escolha. Todavia,
carece de competência os Tribunais Inferiores para não admitirem recurso
extraordinário por deficiência ou falta de repercussão geral. A competência
11 Idem, p. 429.
12 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 25.
16
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
para a análise da admissibilidade do recurso extraordinário é exclusiva do
Supremo Tribunal Federal, conforme foi demonstrado no parágrafo 2º do
artigo 543-A do Código de Processo Civil.13
Acerca do tema da competência sobre competência, assim se posicionou Luiz Guilherme Marinoni:
A competência para a apreciação da existência ou não de repercussão
geral da questão debatida é exclusiva do Supremo Tribunal Federal.
Vale dizer: não se admite que outros tribunais se pronunciem a respeito do assunto. Eventual intromissão indevida, nessa seara, desafia
reclamação ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que se mantenha a
integridade de sua competência (Luiz Marinone: 2007).14
Se o Supremo julgar o mérito do recurso extraordinário, os órgãos responsáveis pelas decisões questionadas poderão declará-los prejudicados ou
retratar-se, podendo, também, o Supremo Tribunal Federal cassar ou reformar,
liminarmente, decisão contrária á orientação firmada pela Suprema Corte.
O Supremo Tribunal Federal exerce a função de guardião da Constituição Federal, analisando somente questões de direito com violação direta
a Carta Magna, não cabendo a Suprema Corte a análise de matérias fáticas.
Dessa forma, nota-se que a repercussão geral é um pressuposto que
contribui para a celeridade do Poder Judiciário pátrio. Isto ocorre porque
o Supremo Tribunal restringirá o julgamento dos fatos que atinjam toda a
sociedade e não apenas um indivíduo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A instituição do requisito da repercussão geral no recurso extraordinário constitui mais uma forma, que o legislador infraconstitucional
buscou para concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional de
forma efetiva.
Com a vigência desse requisito de admissibilidade, busca-se oferecer a todos a razoabilidade na duração do processo, reforçar o valor da
igualdade e racionalizar a prestação jurisdicional.
13 BRASIL. Código de Processo Civil (2002). Op. cit., p. 429.
14 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO. Op. cit., p. 25.
Adriana Koszuoski / Bruna Thaisa Dias Penachioni
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O Supremo Tribunal Federal, em nossa organização judiciária, tem a
função de resguardar a Constituição Federal, promovendo a unidade ao Direito brasileiro. Atua como Tribunal Constitucional, pela via do controle difuso
de constitucionalidade e a interposição do recurso extraordinário, demonstrando a repercussão geral da controvérsia constitucional nele debatida.
A repercussão geral no recurso extraordinário apresenta-se no direito brasileiro, como um requisito intrínseco de admissibilidade recursal.
A parte recorrente tem o ônus de argüir e demonstrar a existência da
repercussão geral, não estando o Supremo Tribunal Federal, todavia, jungido, para afirmar a existência da repercussão geral da controvérsia, dos
argumentos apresentados pela parte. Ao Supremo Tribunal cabe apreciar,
exclusivamente, a existência ou não de repercussão geral.
Configurada a existência de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal têm que reconhecer o recurso extraordinário, apreciando o seu mérito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código de Processo Civil (2002). São Paulo: Saraiva, 2009. (Vade Mecum).
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). São Paulo: Saraiva,
2009. (Vade Mecum).
BRASIL. STF. Regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http//www.planalto.gov.br/c civil/Emenda/emc 45>. Acesso em: 15 nov. 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE NOS CRIMES
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Ângelo Boreggio Neto1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo do sistema processual penal aplicado ao sistema tributário, à ordem econômica e financeira.
Assim, serão abordados alguns conceitos sobre o Direito Processual Penal,
o Direito Tributário, o Direito Penal, o Direito Econômico, entre outros.
Tratar-se-á de forma organizada, conceitos sobre a extinção da punibilidade e o crime tributário, as hipóteses de incidência, a responsabilidade penal e tributária bem como breves considerações sobre o Refis.
Discute-se, ainda, sobre o Direito Administrativo sancionador, como forma
de alternatividade à aplicação da lei penal.
A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E O CRIME TRIBUTÁRIO
É cediço que o contribuinte tem o direito subjetivo de ver extinta
a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, desde que ele faça
o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, e, de outro
lado, tal pagamento só é exigível depois de findo o processo tributário
não judicial, iniciado com a apresentação de impugnação contra o auto e
a imposição de multa.
Cumpre observar que o Estado busca, de um lado, a pecúnia, porque
é útil a ele como forma de recompor o erário. Prefere, assim, a extinção da
punibilidade mediante o pagamento, seja ele efetuado de forma integral,
parcelada, ou resultante de alguma transação. De outro lado, coloca-se à
sociedade, reclamando que ao delinquente seja atribuída a sanção penal
cabível ao crime, cometido em face da ordem tributária.
1 Professor de Direito do Consumidor e Direito Tributário da UNIC. Mestre em Direito pela
PUC-SP, Mestre em Educação pela UFMT, professor de Pós-Graduação em diversas instituições,
professor de cursos preparatórios para concurso. Autor do livro Manual Prático de Direito Processual Tributário. Advogado militante em Cuiabá-MT.
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Da Extinção de Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária
Nos crimes contra a ordem tributária, o que se verifica é a falta de
vontade do Estado na punição do infrator, já que o que se espera é que o
tributo seja efetivamente arrecadado e destinado ao seu fim.
Seria indiscutível e mais interessante ao Estado receber o que lhe é
devido, em lugar de processar criminalmente o sonegador, muitas vezes
por anos e anos, sem nada conseguir, por qualquer razão.
Em razão disso, verificada a infração penal tributária, o Estado busca
propiciar meios de adimplemento do débito, beneficiando, de certa forma,
o infrator.
PREVISÕES LEGAIS
A Lei nº 8.137/90, originariamente, previu, em seu texto, que o pagamento seria causa de extinção da punibilidade pela prática de crimes
tributários.
Surge, assim, a extinção da punibilidade dos crimes do artigos 1°
a 3°, quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição
social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Com o advento, todavia, da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de
1991, que instituiu a Unidade Fiscal de Referência, a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento deixou de existir, ante a revogação
prevista em seu artigo 98. A Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995,
voltou, no entanto, a prever o pagamento como forma de extinção da punibilidade, quando dispôs que os crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27
de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o
agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive
acessórios, antes do recebimento da denúncia, extinguir-se-ão.
Vê-se, assim, que o infrator da norma tributária penal, novamente,
passou a ter a possibilidade de eximir-se da responsabilidade pelo ilícito,
se, antes de recebida a denúncia, adimplir o débito.
Foi criado, posteriormente, o Programa de Recuperação Fiscal, denominado Refis I e II, respectivamente, inseridos no ordenamento jurídico
pátrio pelas Leis nºs 9.964, de 10 de abril de 2000, e 10.684, de 30 de maio
de 2003, que fizeram menção expressa à extinção da punibilidade pelo
pagamento, além de estabelecer a suspensão da pretensão punitiva do
Estado em casos de parcelamento do débito. Cumpre observar que fica
suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
Ângelo Boreggio Neto
21
nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95
da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa
jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no
Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do
recebimento da denúncia criminal.
A lei estabelece que a prescrição não corre durante o período de
suspensão da pretensão punitiva. Em se tratando de pessoa jurídica, se esta
tiver relação com o agente, ao efetuar o pagamento integral dos débitos
oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da
denúncia, também extinguir-se-á a sua punibilidade.
A Lei nº 10.684/03 garante a suspensão da punibilidade pelo Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27
de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a
pessoa jurídica relacionada como agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. Reafirma que a prescrição não corre
durante tal período.
Há de se ressaltar que, nesses casos, o oferecimento da denúncia
não impede a adesão ao Programa de Recuperação Fiscal, da mesma forma
que não se impede que o pagamento total da dívida tributária possa ser
efetuado depois de ela ser oferecida, dando ensejo à extinção da punibilidade no decorrer do processo criminal.
HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA
A extinção da punibilidade, além das causas previstas na parte geral
do Código Penal, como se viu, se dá com o pagamento do débito integral,
estando ou não ajuizada a competente ação penal neste sentido.
RESPONSABILIDADE PENAL E RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
A responsabilidade tributária determina o responsável pelo pagamento do tributo a partir da prática do fato gerador. O Código Tributário
Nacional trata da Responsabilidade Tributária nos artigos 128 a 138, dividindo-a em responsabilidade dos sucessores, responsabilidade de terceiros
e, por derradeiro, responsabilidade por infrações.
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Da Extinção de Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária
Cumpre esclarecer que a palavra responsabilidade liga-se à ideia de
que alguém deve responder pelo descumprimento de um dever jurídico.
A responsabilidade penal, nos crimes contra a ordem tributária exige, porém, a comprovação da intenção do agente, ou seja, o dolo na
prática do ilícito. Devem, assim, fazer-se presentes os elementos do dolo,
quais sejam, a conduta (que possui voluntariedade inerente), a tipicidade,
o resultado e, finalmente, o nexo de causalidade.
O que as difere, então, seria a presença dos elementos do dolo,
caracterizados pela intenção do agente em fraudar o fisco.
Dessa forma, para que se atribua a responsabilidade penal a um
contribuinte, pela prática de crime tributário, não é suficiente que esteja
caracterizada a supressão ou redução do imposto, mas, conjuntamente,
que a referida conduta tenha sido praticada intencionalmente. Para todo
crime tributário haverá sempre um ilícito tributário.
REFIS
O Programa de Recuperação Fiscal, conhecido como Refis, consiste
em um regime opcional de parcelamento de débitos fiscais proposto às
pessoas jurídicas com dívidas perante a Secretaria da Receita Federal – SRF,
à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN e ao Instituto Nacional
do Seguro Social – INSS.
Segue jurisprudência:
STJ. Tributário. Programa de Recuperação Fiscal - REFIS. Administrativo.
Exclusão. Ausência de notificação pessoal. Notificação por meio do diá­
rio oficial e da internet. Possibilidade. Legislação específica do REFIS.
Precedentes do STJ. Lei 9.964/2000, art. 9º, III. Lei 9.784/99, art. 69.
Aplicação. «A 1ª Seção do STJ, no julgamento do recurso repetitivo REsp
1.046.376/DF, em 11/02/2009 (acórdão ainda não publicado), reafirmou
entendimento segundo o qual, é legítima a exclusão do contribuinte
que aderiu ao REFIS e tornou-se inadimplente, mediante publicação na
rede mundial de computadores – internet.» [...]
TRF 1ª Região. Crime tributário. Medida Provisória. REFIS II. Parcelamento de débitos. Suspensão da pretensão punitiva. Lei 10.684/03, art. 9º. Inconstitucionalidade não reconhecida. Alegação de conversão de medida
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provisória. Dispositivo inserido pelo Congresso Nacional. CF/88, art. 62.
«Não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei 10.684/03 ao argumento de ser esta produto de conversão de Medida Provisória visto que
aquela, em sua redação original, não dispunha de dispositivo penal,
sendo certo que o art. 9º da referida lei foi introduzido pelo Congresso
Nacional, não sendo, portanto, produto de mera conversão de medida
provisória e sim de conversão desta com alteração.» [...]
Conforme se observa, o programa de recuperação fiscal denominado REFIS envolve inúmeras situações administrativas e fiscais, incluindo os
casos previstos em lei sobre os crimes tributários ou chamados de sonegação tributária ou fiscal.
Trataremos, a seguir, sobre seus conceitos.
CONCEITO, NATUREZA E APLICABILIDADE
A Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, instituiu o Programa de Recuperação Fiscal – Refis e alterou as Leis nº 8.036, de 11 de maio de 1990,
e 8.844, de 20 de janeiro de 1994. Estabeleceu que o Programa de Recuperação Fiscal – Refis destina-se a promover a regularização de créditos
da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos
e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com vencimento até 29 de
fevereiro de 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa,
ajuizados ou a ajuizarem-se, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive
os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos.
O Refis foi destinado a promover a regularização de créditos da
União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e
contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social, constituídos ou não, inscritos ou não em
dívida ativa, ajuizados ou não, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive
os retidos e não recolhidos, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000.
A Lei em questão buscou promover a regularização dos créditos da
União, decorrentes de tributos e contribuições até a data em que estabeleceu, autorizando, ainda, o pagamento parcelado do débito.
O referido programa possui como objetivo principal o ajuste dos
cofres públicos, com a entrada de valores representativos de débitos tribu-
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Da Extinção de Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária
tários dos contribuintes para com a Receita Federal e o INSS, aumentando,
por consequência, suas arrecadações.
O Refis, contudo, não alcança os débitos de órgãos da administração
pública direta, das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e
das Autarquias; os relativos ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR; a pessoas jurídicas cindidas a partir de 01.10.99, exceto quando
atenderem às condições expressas na Lei nº 10.189/01.
IMPUNIDADE E MATERIALIZAÇÃO
A possibilidade de exclusão da punibilidade relacionada aos crimes
tributários deixa no ar a sensação de total impunidade. O Estado, ao dar
tratamento completamente brando, visando a seus próprios cofres, deixa
de lado o cumprimento do princípio da igualdade.
O que se questiona seria a possibilidade de que a extinção da punibilidade pelo pagamento pudesse acontecer, da mesma forma, com os
demais crimes contra o patrimônio. A vítima do delito de furto, certamente,
assim como o Estado, poderia preferir o ressarcimento do dano que sofreu
a assistir à má prestação dos serviços de ressocialização dos delinquentes.
Há de se reconhecer que, em que pese possa ter havido o ressarcimento ao erário, a ilicitude praticada permanece.
O que se remata, dessa forma, é que a intenção do Estado, com a
tipificação da lesão ao fisco, desde seu início, se deu como forma de garantir e impor o pagamento de tributos e não a repressão da prática delituosa
propriamente dita. Para que se gere a impunidade do crime tributário, basta que o infrator da legislação fiscal efetue o pagamento do que suprimiu
ou retirou em relação ao tributo que devia.
Ao agir assim, o Estado declara extinta a punibilidade, já que seu
objetivo de imposição ao pagamento de tributos foi efetivamente alcançado.
O DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR E O DIREITO PENAL
O Direito Penal é o instrumento de proteção de bens jurídicos, pois,
sem a presença de um bem jurídico, o direito de punir do Estado torna-se
injusto e, do ponto de vista éticossocial, desajustado.
Em contrapartida, a sociedade apresenta-se cada vez mais submersa
num risco oriundo do aumento do grau de complexidade das sociedades pós-
Ângelo Boreggio Neto
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modernas. Desse modo, faz-se necessária a defesa de outros bens, que não
os clássicos, para que a insegurança social não reine. Criam-se então normas
penais, com o objetivo de coibir as condutas delituosas de perigo. A questão
é a contrariedade com a missão do Direito Penal, bem como a localização diametralmente oposta do Estado Democrático de Direito e a sociedade de risco.
Claudio José Langroiva Pereira entende que:
A expectativa penal criada nem mesmo levou em consideração elementos como o meio ambiente, em que a idéia de proteção penal decorre
da necessidade de manutenção das condições de sobrevivência humana, que deve ser entendida segundo os âmbitos de proteção estabelecidos de acordo com limites administrativos de proteção que, quando
violados, provocam a intervenção do Direito Penal.2
Nesse cenário, necessário se faz que haja proteção da ordem econômica, sendo essencial repelir as ações contrárias ao anseio social.
Assim, para Antonio Luis Chaves Camargo:
O Direito Penal e a Política Criminal se integram para facilitar suas
intervenções na opinião pública, e se tornam funcionais no sentido de
exercer sua função protetora e limitadora. A desformalização, por outro
lado, é o caminho dessa funcionalização, eliminando as barreiras de um
direito penal garantista que podem limitar os fins políticos.3
Complementa o mesmo autor:
O direito penal clássico que tinha como característica a possibilidade
de um controle rígido, pelo menos aparente, através da discrição típica
fechada, não encontrava mais ressonância na sociedade atual, de forma
que não pode mais se privilegiar da punição indiscriminada de todas
as ações que considera desconforme com a lei. A complexidade social
exige que nos riscos que lhe são inerentes, o Direito Penal encontre um
instrumento capaz de selecionar estes riscos, tidos como conseqüências
2 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e Direitos Universais: Tipo, Tipicidade e Bem Jurídico Universal. São Paulo: Quartie Latin, 2008, p. 193.
3 CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Editora Cultural Paulista. P. 35.
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Da Extinção de Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária
do agir comunicativo, e aceitos pelo grupo social, sem a imposição de
qualquer reprovação a priori.4
Nessa perspectiva, a ampliação do devido processo legal ao processo administrativo, na Constituição de 1988 e a edição da Lei n° 9.784/99,
foram determinantes para iniciar, no Brasil, o direito administrativo sancionador como uma disciplina que permeia entre o direito penal e o direito
administrativo, aproveitando-se de uma dogmática erguida por penalistas
e lapidada pelos administrativistas.
Como verdadeiro ramo do direito punitivo, informado simetricamente
por princípios garantistas aplicados no direito penal, com identidade própria, vem sendo instrumentalizado e concretizado pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), um dos autênticos baluartes
dos mercados financeiros e de capitais. As autoridades do Conselho de Recursos têm a incumbência de materializar o direito administrativo sancionador aplicável a esse segmento e influenciar todo o direito penal econômico
pertinente a essa esfera de relações. Se nos detivermos à clássica distinção
entre dispositivos e normas, é necessário reconhecer que o Conselho elabora verdadeiras normas jurídicas, aplicando os dispositivos abstratos do
ordenamento jurídico passivo à realidade concreta da vida em sociedade.
Atualmente, sua operacionalização se dá de forma mais próxima ao
Banco Central, cujas estruturas servem de apoio ao Conselho de Recursos
do Sistema Financeiro Nacional.
Nesse sentido o pensamento frankfurtiniano ensejador de um Direito Penal Básico, em conformidade com os princípios constitucionais delega a tutela dos novos bens jurídicos a um Direito Administrativo sancionador, o que seria mais adequado pelo fato da necessidade da sociedade de
risco globalizada e da garantia de um Direito Penal que resguarde a justa
proteção dos bens jurídicos relevantes.
Na proposta de Winfried Hassemer5 se extinguiria do direito penal
as penalidades, reportando-as a uma nova espécie de direito administrativo sancionador, onde a política criminal restaria puramente simbólica,
impedindo, assim, que a modernização (com seus riscos e princípios de
precaução e de acumulação) acabasse por apoderar-se do direito penal
4 Ibid., p. 139.
5 HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Tradução de Regina Greve; coordenação e supervisão Luiz Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 127.
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clássico, vez que este deve continuar a proteger bens jurídicos individuais,
considerados como a ultima ratio para a vida em comunidade. Contudo,
ressalta-se, contudo, que, no Brasil ainda paira certa insegurança quanto
ao tema. Note-se que, por meio de estudos comparados, em países como
Alemanha, EUA, Itália e França, não há um sistema equilibrado que consiga substituir com independência e sistematização o Direito Penal Econômico pelo Direito Administrativo Sancionador.
Na Alemanha, a lei contra restrições da concorrência prevê sanções
administrativas tais como ordens de suspensão e interrupção e multas.
Expõe que os ilícitos administrativos são tratados pelo direito de mera
ordenação social, não havendo na lei, restrições à concorrência por meio
de sanções penais.6
Eduardo Reale Ferrari7 expõe que no direito norteamericano, o Direito Penal Econômico apresenta interessantes características no que tange
à proteção da concorrência e do livre mercado, consignando que as principais infrações administrativas à concorrência estão descritas no Sherman
Act, Clayton Act e no Federal Trade Comission Act.
No mesmo sentido assevera o autor8:
As penas previstas no Sherman Act para os crimes podem ser de multas de até US$ 350.000 ou prisão de até 3 anos. Já as pessoas jurídicas
podem pagar multas de até US$ 10.000.000. O Clayton Act e o Federal
Trade Comission Act, por serem estatutos meramente administrativos,
prevêem multas e indenizações.
Na Itália, por sua vez, apesar da transitoriedade de autoridades administrativas para processar e sancionar as mais diversas matérias houve
um claro movimento no sentido de aumentar a utilização do Direito Administrativo Sancionador.9
Foi a partir da Lei nº 689, de 24 de novembro de 1981, que houve
a descriminalização de algumas condutas abrangidas pelo Direito Penal,
6 COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques (Coord.). Direito Penal Especial, Processo
Penal e Direitos Fundamentais. p. 612.
7 SILVA FERRARI, Eduardo Reale. Legislação Penal Antitruste: Direito Penal Econômico e sua
Acepção Constitucional. In: SILVA, Eduardo Sanz de Oliveira. (Org.) José de Faria Costa. Temas
de Direito Penal Econômico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 612.
8 Ibid., p. 615.
9 Ibid., p. 613.
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Da Extinção de Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária
quando passaram a ser punidas pelo Direito Administrativo Sancionador.
Viu-se com isso, uma grande vantagem de poder responsabilizar as pessoas jurídicas pelas infrações cometidas.10
Eduardo Reale Ferrari11 assinala que na França, o Direito Penal Econômico engloba o direito penal da concorrência, o direito das vendas, da
publicidade enganosa, da usura e dos cheques12. Assim, expõe que o droit
penal dês ententes possuí estrutura mais interessante em relação ao Direito
Penal e o Direito Administrativo. Desta maneira, por meio da Ordonnance
n. 84-1243 de 1º de dezembro de 1986, que regulamenta o Direito Administrativo da concorrência, e contém regras de direito penal econômico e
direito administrativo, consubstanciando um sistema híbrido.
No Brasil, surge pela primeira vez na Constituição de 1988 o princípio da livre concorrência. Isto significa que a atividade econômica, baseada na livre iniciativa deve desenvolver-se segundo as leis do mercado,
sem outros limites que não o estabelecido na própria Carta Maior, como
forma de impedir que a concorrência se transforme em abuso, em falta de
correção, deslealdade e ganância.13
Nesse sentido, existe o interesse que se fixem limites em proteção aos concorrentes e aos consumidores, havendo uma confluência de
interesses privados e gerais. Dessa forma, a livre concorrência com os
limites do aumento arbitrário de lucros, da concorrência desleal, que leva
ao desvio da clientela e à publicidade enganosa, do abuso do poder econômico, é instrumento de defesa da ordem econômica, sendo explícita a
Constituição Federal de 1988, no sentido de conferir prioridade da exploração econômica pelos particulares, salvo nos casos e hipóteses em que se
estatuem os contrapesos necessários a que a livre iniciativa, a propriedade
privada e a livre concorrência não ofendam o interesse geral. Cabe analisar, nesse sentido, o âmbito administrativo para verificar a necessidade de
intervenção penal.
No que tange à legislação administrativa, a repressão ao abuso de
poder econômico e ao aumento dos lucros existe desde 1960, quando
a lei nº 4.317, criou o CADE, consolidando as punições administrativo10 Ibid., p. 613.
11 SILVA FERRARI, Eduardo Reale. Legislação Penal Antitruste: Direito Penal Econômico e sua
Acepção Constitucional. Op. cit., p. 613-614.
12 Ibid., p. 612.
13 SILVA, Marco Antonio Marques. Op. cit., p. 616.
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29
econômicas por meio da lei nº 8.884/94, disciplinando as condutas que
constituem infrações à ordem econômica. Com função de uma autarquia
ligada ao Ministério da Justiça, o CADE tem a finalidade de apurar e
reprimir administrativamente as condutas que atentem contra a ordem
econômica. Em seus artigos 20 e 21, enunciam uma série de modalidades de conduta que conjugadamente consubstanciam o abuso do poder
econômico podendo as sanções administrativas atingir tanto a pessoa
jurídica como as pessoas físicas.
Se é verdade que os artigos 20 e 21 da Lei 8.884/94 constituem tipo
administrativos inseguros e subjetivos, com previsão de um lado, de várias
condutas que exigem afronta à concorrência; atos tendentes a dominar
o mercado relevante de bens ou serviços; aumento arbitrário de lucros
ou abuso de posição dominante, e de outro, sanções que não dependem sequer de culpa e de resultado, por outro, necessário destacar a rara
aplicabilidade dos tipos penais descritos nos artigos 4º, 5º e 6º da nº Lei
8137/90. Ocorre que não existe até hoje condenação transitada em julgado
por abuso de poder econômico no âmbito criminal, restando claro que a
interferência no âmbito administrativo decorre de uma opção política legislativa demonstrando não haver necessidade da interferência da via penal,
uma vez que a via administrativa impõe sanções efetivas aos empresários.
Assinala Jesús-Maria Silva Sánchez14 que o fenômeno punitivo do direito penal sempre teve efeitos intimidatórios. Entretanto, em respeito ao
princípio da intervenção mínima o Direito Penal deve reduzir sua atuação
ao mínimo necessário em termos de utilidade social geral. Assim prescindese da cominação e da sanção penal sempre que outros meios menos lesivos
sejam suficientes para provocar efeitos de prevenção iguais ou mesmo superiores que aqueles provocados pela intervenção penal como ultima ratio.
CONCLUSÃO
1. Diante da situação atual do Direito Penal e Processual Penal no
País, salienta-se que o tal estudo verte uma nova ótica aos institutos propostos. Assim, compreender o sistema como um todo nos induz a buscar
alguns mecanismos de interpretação sistemática, pautados na função peculiar do Direito Penal e Processual Penal Tributário.
14 SILVA, Sánchez, Jesús – María. Aproximación as Derecho Penal Contemporâneo. Reimpresión.
Barcelona: J. M Bosch, 2002. p. 181.
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Da Extinção de Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária
2. A importância prestada pelo aplicador do direito à natureza estrutural da norma é de suma responsabilidade, uma vez que é desta que se
caracteriza o tipo tributário e penal. Oriunda do princípio da legalidade,
incumbe ao Estado e à sociedade a sua observância, bem como ao contribuinte o seu adimplemento. Importa, igualmente, descrever o tipo tributário em conformidade com os elementos explícitos e implícitos que decorrem de sua própria origem. Nesse contexto, enquadrado o tipo ao fato,
aplicar-se-á não somente a lei concretizada como também a mens legis.
3. O ser humano deve ser o centro da imputação de um Direito justo e eficaz, compreendendo o horizonte dos direitos fundamentais como
precursor de qualquer nova concepção de sistema de proteção jurídica.
4. É cediço que o Estado não se faz flexível frente ao fato violador
de sua descrição, impondo a ele a aplicação da sanção punível adequada
ao caso in concreto ou por meio de outros mecanismos, como a aplicação
do Direito Administrativo Sancionador. Neste sentido, temos que o Direito
Administrativo Sancionador busca a proteção dos modelos de gestão setorial, sem análise dos critérios de periculosidade ou lesividade concreta,
todavia imbuído de um direito repressor que não tenha características exclusivas penais, mas que não deixa de considerar o Direito Penal como necessário em situações extremas – ultima ratio – constituindo uma política
adequada e conformada com uma teoria de justiça e verdade.
5. Dessa forma, vale observar que a sanção administrativa forte e
aplicada, de maneira a coibir novas infrações penais tributárias, criando
situações de embaraço à empresa com a contratação estatal, importação e
exportação, participação em licitações, impedimentos a isenções e participações em planos do governo de arrecadação facilitada, como o SIMPLES,
certamente gerará o objetivo estatal de evitar e reduzir o crime tributário,
atingindo, assim, a arrecadação correta esperada.
6. A aplicação da pena nos moldes do atual sistema utilizado no
Brasil não gera a resposta estatal necessária a coibir a prática delituosa
tributária, visto o aumento gradativo de incidência dos tipos em questão,
já que a norma processual permite a extinção de punibilidade, desde que
quitado o débito antes da sentença, criando uma sensação de impunidade
e, até mesmo, deboche à lei penal por seus infratores, muitas vezes reincidentes, assumindo o risco da ineficácia e da fragilidade do sistema vigente.
7. Para a persecução concretista de um Direito Penal mínimo, ou
seja, como ultima ratio, outros sistemas jurídicos de proteção são necessá-
Ângelo Boreggio Neto
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rios, tendo a finalidade de ocupar um campo de proteção indispensável na
atual sociedade pós-moderna.
8. A busca por novas vertentes trouxe sugestões que, aplicadas de
forma coerente pelo Estado, realiza o consenso de justiça, tão almejado no
ordenamento jurídico brasileiro.
9. A junção desses ramos do Direito, tais como do direito processual
penal, do tributário, do penal, do econômico e, até mesmo, do financeiro,
formam um emaranhado de instrumentos que viabilizam o controle da administração pública sobre esses atos e fornecem ao credor maior garantia
quando do cumprimento de suas obrigações tributárias.
10. Com base nesses fatores, instaura-se a proteção jurídico-penal
do bem. Pode ser entendido como um valor ideal, proveniente da ordem
social, juridicamente estabelecido e protegido, em relação ao qual a sociedade tem interesse na segurança e manutenção, tendo como titular tanto o
particular quanto a própria coletividade.
11. A criação de um sistema jurídico, adequado para proteger os
bens jurídicos de natureza difusa e coletiva, diante da atual crise originada
pela expansão do Direito Penal Clássico, pede, atualmente, a integração
e a interdependência material e formal como elemento inicial. Incumbe,
notadamente, ao Estado-Juiz preservar, por meio de alguns instrumentos,
que as diversas legislações garantam a proteção das violações a direitos
individuais e coletivos.
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O NOVO DIVÓRCIO NO DIREITO BRASILEIRO.
BREVES LINHAS
Clarissa Bottega1
“Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça.” (Cora Coralina)
A CONQUISTA DO DIVÓRIO.
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010
Apesar de vozes contrárias muitos tumultos e contratempos, aprovamos a nova sistemática do divórcio no Brasil em 14 de julho de 2010,
mudamos a forma de dissolução do casamento.
Tal mudança é sensível no ordenamento jurídico e, apesar da clareza de intenções do novo texto legal, e dos anseios sociais, a mudança já
causa celeumas e divergências doutrinárias.
O fato é que houve um grande rompimento em relação ao sistema
anterior de dissolução do casamento que era realizado em duas etapas e
necessitava da observância de prazos inexplicáveis.
Facilitou-se o rompimento do casamento, a extinção da sociedade
conjugal e do vínculo matrimonial.
Abriu-se o flanco para novos arranjos familiares, novos casamentos,
novas uniões estáveis.
O princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade restaram
fortalecidos no que se refere ao Direito de Família, pois o divórcio perdeu
o requisito do prazo e hoje os cônjuges que não possuem mais uma vida
comum, podem converter a verdade fática em verdade formal de forma
mais tranqüila e rápida.
O princípio da intimidade da vida privada também foi valorizado, pois
o Poder Judiciário não poderá mais interferir na intimidade da vida do casal
para discutir picuinhas e rusgas que não interessam à família e à sociedade.
1 Mestra em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra, Portugal. Advogada e professora universitária da cadeira de Direito de Família e Bioética na Universidade de Cuiabá –
UNIC. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de Cuiabá, MBA em Gestão
Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, RJ, membro do IBDFAM.
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O Novo Divórcio no Direito Brasileiro. Breves linhas
Para melhor compreendermos a mudança, vejamos abaixo como
era a redação do art. 226, § 6º da Constituição Federal de 1988, antes da
Emenda Constitucional nº 66/2010, in verbis:
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia
separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos.2
Vejamos agora a nova redação, após a aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010 em 13 de julho de 2010, grifo nosso:
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.3
É fácil perceber que o objetivo maior da mudança legislativa se
deu na questão dos prazos para o divórcio e da questão que envolve a
extinção da separação judicial, ou seja, com a nova redação do § 6º não
há mais nenhuma referência à antiga separação judicial e nem aos prazos
para o divórcio.
Ademais, devemos lembrar que o instituto da separação judicial há
muito tempo já tinha se tornado um instituto jurídico fadado à morte, pois
não havia justificativa plausível para a dissolução da sociedade conjugal e
não do vínculo matrimonial.
Com a separação judicial o casamento acabava, mas não totalmente,
era necessário esperar um certo prazo (um ano após a separação judicial)
para que realmente houvesse o fim completo do casamento e a pessoa
pudesse, então, talvez, contrair novo matrimônio.
Veja-se que este fato ensejava até mesmo que as pessoas vivessem
em união estável e não contraíssem matrimônio, pois o sistema dual anterior era dificultoso e demorado.
Assim, em nossa perspectiva, só temos a comemorar a aprovação
da Emenda Constitucional nº 66/2010 com a abolição do sistema dual para
dissolução do vínculo matrimonial e com a extinção dos prazos para propositura do divórcio.
2 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16/07/1934. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso:
15/09/2010.
3 Idem.
Clarissa Bottega
37
Embora, tal posição não seja pacífica como demonstraremos mais
abaixo, a evolução do direito nacional, especialmente no que se refere ao
Direito de Família, caminhava há muito tempo para este resultado.
DAS TEORIAS ACERCA DA EC Nº 66/2010
E O NOVO DIVÓRCIO NO BRASIL
A Emenda Constitucional nº 66/2010 já causa divergência e interpretações diversas, tal fato se dá pela possibilidade elástica da interpretação
de diversos dispositivos legais, cada um defendendo a sua posição e sua
interpretação, assim, veremos agora as três posições mais importantes que
já surgiram na interpretação da nova redação do § 6º, do art. 226 da Constituição Federal e seus fundamentos.
TEORIA DA AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÕES SENSÍVEIS
A primeira teoria defende que mesmo com a aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, alterando a redação no § 6º do art. 226 da
Constituição Federal, não houve qualquer mudança significativa no ordenamento jurídico, mantendo-se assim o sistema dual para dissolução do
casamento e, mantendo-se, também, os prazos do divórcio.
Essa é a posição do Dr. Fernando Henrique Pinto, juiz de Direito da
2ª Vara da Família e das Sucessões da Comarca de Jacareí-SP, senão vejamos seus argumentos:
Está se apregoando que a Emenda Constitucional 66, de 13/07/2010,
que deu nova redação ao artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição
Federal, suprimindo os prazos e a expressão “separação”, teria revogado os aludidos prazos legais. Alguns vão até mais longe, sustentando que, não estando mais o divórcio sujeito a prazos, a própria
separação teria sido também tacitamente revogada. Contudo, a aludida Emenda Constitucional, sem revogar nada de modo expresso,
apenas e tão somente determinou que o aludido dispositivo constitucional passasse a ter a singela redação: “o casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio.4
4 PINTO, Fernando Henrique. EC não revoga os prazos legais para separação. Disponivel em
<http://www.conjur.com.br/2010-ago-18/emenda-constitucional-poe-fim-apenas-sociedadeconjugal>. Acesso em: 25/09/2010.
38
O Novo Divórcio no Direito Brasileiro. Breves linhas
Em verdade, entendem os que defendem essa teoria que não houve
qualquer alteração no sistema de dissolução do casamento, pois o casamento já era no Brasil dissolvido através do divorcio desde a Emenda
Constitucional nº 9 de 1977.
Assim, entendem os defensores desta interpretação que tanto a separação, que estava prevista no Código Civil atual, bem como os prazos
para o divórcio não foram revogados, apenas passaram, de forma definitiva, para a legislação infra-constitucional.
Os fundamentos jurídicos desta teoria encontram-se nos parágrafos
primeiro e segundo do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil que
assim prevê
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das
já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
Na interpretação destes dois dispositivos, os defensores desta teoria
– da ausência de modificações sensíveis – entendem que, como a Emenda
Constitucional não revogou expressamente a figura da separação judicial e
dos prazos do divórcio, então não houve qualquer mudança sensível, pois no
ordenamento jurídico já existia a figura do divórcio e da separação judicial.
Com relação ao argumento daqueles que entendem que houve sim
uma mudança significativa e radical no sistema de dissolução do casamento
e que por isso tanto a separação judicial quanto os prazos para o divórcio foram revogados, embasados na exposição de motivos da Emenda nº 66/2010,
os adeptos da teoria que estamos aqui expondo assim se posicionam:
[...] quando a nova norma posta é omissa no que deveria dizer, a exposição de motivos não pode supri-la, muito menos revogar disposições
expressas de lei.5
Muitos ainda defendem que a mudança não é auto-aplicável, necessitando de lei infraconstitucional para regular, pois a separação e os prazos
para o divórcio continuam previstos na legislação infraconstitucional.
5 Idem.
Clarissa Bottega
39
Luiz Felipe Brasil Santos é simplista na interpretação do novo texto
constitucional, sustentando que como não houve a revogação expressa do
texto infraconstitucional, tanto a separação quanto o divórcio continuam
existindo, vejamos:
Por aí se vê que a eliminação da referência constitucional aos requisitos
para a obtenção do divórcio não significa que aquelas condicionantes
tenham sido automaticamente abolidas, mas apenas que, deixando de
constar no texto da Constituição, e subsistindo exclusivamente na lei
ordinária (Código Civil) – como permaneceram durante 40 anos, entre
1937 e 1977 –,está agora aberta a porta para que esta seja modificada.
Tal modificação é imprescindível e, enquanto não ocorrer, o instituto
da separação judicial continua existente, bem como os requisitos para
a obtenção do divórcio. Tudo porque estão previstos em lei ordinária,
que não deixou de ser constitucional. E isso basta!6
Entretanto, em pesem os argumentos e fundamentos dos defensores
desta teoria, não nos parece que a teoria da ausência de modificações sensíveis seja a mais adequada e indicada para o atual momento do Direito de
Família e do ordenamento jurídico como um todo, pois a verdade é que
a família e a sociedade evoluíram e precisam que o legislador seja mais
rápido nas soluções legais previstas em lei.
Ao que parece, não é esta a solução esperada pela sociedade que
não compreende os fundamentos e justificativas da manutenção do sistema
dual para dissolução do casamento.
TEORIA DA MANUTENCAO DA SEPARACAO JUDICIAL
COMO OPÇÃO AOS CÔNJUGES
Esta teoria, através de alguns fundamentos às vezes um pouco diferentes, defende que a Emenda Constitucional nº 66/2010 não extinguiu a
separação judicial do ordenamento jurídico, mas tão somente como requisito para o pedido de divórcio, deixando assim, o instituto da separação judicial como opção aos cônjuges no momento da dissolução do casamento.
6 SANTOS, Luis Felipe Brasil. Emenda do divórcio: cedo para comemorar. Disponível em: <http://
www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI113659,31047-Emenda+do+divorcio+cedo+para+comemor
ar> Acesso em: 20/08/2010.
40
O Novo Divórcio no Direito Brasileiro. Breves linhas
Maria Berenice Dias trás com clareza o motivo pelo qual esta teoria
vem defendendo a manutenção da separação judicial como opção aos
cônjuges:
Como foi mantido o verbo “pode” no texto constitucional, há autores
que sustentam que não desapareceu o instituto da separação judicial,
persistindo a possibilidade de os cônjuges buscarem sua concessão
pelo só fato de continuar na lei civil os dispositivos que a regulam.7
Em defesa da manutenção da separação judicial encontram-se renomados juristas, tais como Sérgio Gischkow Pereira que assim se manifesta
acerca do tema:
A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente
do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência
para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não
revogado o Código Civil. Muitos pensam assim. A Constituição fala que
o casamento é dissolvido pelo divórcio; ora, a separação não dissolve
casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela
é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode
continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho
para aqueles cuja religião não admite o divórcio.8
Por outro giro, temos ainda os doutrinadores e renomados juristas
que defendem, de forma absurda em nosso entender, que a separação
judicial continua vigente em nosso ordenamento jurídico como opção aos
cônjuges para a discussão da culpa no fim do casamento.
Tal posição é, no mínimo incompreensível, num sistema que busca há
muito tempo extirpar a exposição da intimidade da vida privada dos cônjuges nos tribunais para perquirição de culpa pelo rompimento do casamento.
Não há nenhum impedimento para que os ex-cônjuges discutam
relações que eventualmente causem danos, sejam danos morais ou materiais, o que se pretende é que essa discussão seja excluída da ação que
7 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de
2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
8 PEREIRA, Sérgio Gischkow. Calma com a separação e o divórcio. Disponível em: <http://www.
mauricio.bastos.nom.br/noticias/6333-calma-separacao-divorcio.html>. Acessado em: 18/10/2010.
Clarissa Bottega
41
tenha como objetivo o fim do casamento, vejamos o que diz José Fernando
Simão, em artigo recentíssimo:
Isso significa que a culpa não mais poderá ser debatida nas ações de
direito de família?
Não. E ao leitor que não fique a impressão que a culpo desapareceu do
sistema, ou que simplesmente se fará de conta (no melhor estilo dos contos de fada) que o cônjuge não praticou atos desonrosos contra o outro,
que não quebrou seus deveres de mútua assistência e fidelidade, etc...
Não se trata de permitir irresponsabilidade do cônjuge. Só que a partir
da emenda constitucional, a culpa será debatida no lócus adequado em
que surtirá efeitos: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de
indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais, materiais ou estéticos. [...]
Sim, discuta-se culpa, mas não mais entre cônjuges (presos por um
vínculo indesejado) e sim em ações autônomas, entre ex-cônjuges.”9
Ou seja, não se confunde a dissolução do casamento e seus efeitos
pessoais com eventual direito a indenização por qualquer fato que seja.
Outros juristas, sem qualquer fundamento plausível e baseados em
motivações religiosas e culturais já ultrapassadas, alegam que:
O que se deve refutar é a tese da extinção da separação, diante deste
novo cenário, verdadeiramente preocupante, em que já se vislumbra
uma possível banalização do casamento e um enfraquecimento das uniões conjugais.10
Pelo atual momento do Direito de Família e a realidade social, não
é possível crer que a separação judicial tenha qualquer utilidade, sendo
um instituto ultrapassado e que não encontra correspondência na atual
conformação social.
Desta forma, a teoria da manutenção da separação judicial, baseada
apenas e tão somente no simples fato de que a Emenda Constitucional
9 SIMÃO, José Fernando. A PEC do divórcio – a revolução do século em matéria de direito de
família – a passagem de um sistema antidivorcista para o divorcista pleno. Revista Brasileira de
Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte. v. 17. P.21/22. ago/set. 2010.
10 VALLE, Alexandro Magno do. Instituto (separação) é independente do divórcio. Disponível
em:
<http://www.gtpos.org.br/index.asp?Fuseaction=Informacoes&ParentId=511&area=7&p
ub=1178> Acessado em 28/08/2010.
42
O Novo Divórcio no Direito Brasileiro. Breves linhas
nº 66/2010 nada se referiu às previsões do Código Civil/2002 em relação
à separação judicial é uma interpretação ultrapassada e que não leva em
consideração os anseios sociais e o espírito da lei.
TEORIA DA REVOGACAO DA SEPARACAO JUDICIAL
E DOS PRAZOS PARA O DIVÓRCIO
A última teoria aqui apresentada nos parece ser a que mais se coaduna com o “espírito da lei” e com os anseios sociais, pois estabelece claramente que o objetivo da Emenda Constitucional nº 66/2010 é, em primeiro
lugar, extinguir com o instituto da separação judicial e, em segundo lugar,
extinguir com os prazos para o divórcio, facilitando assim a dissolução do
vínculo matrimonial.
Compactuam desse entendimento: Maria Berenice Dias, Arnoldo
Camanho de Assis; José Fernando Simão; Marco Túlio Murano Garcia;
Newton Teixeira Carvalho; Pablo Stolze Gagliano; Paula Maria Tecles Lara;
Paulo Lôbo; Paulo Hermano Soares Ribeiro; Rodrigo da Cunha Pereira;
Waldyr Grissard Filho; e Eilka Vilela.11
Talvez “facilitar” não seja o termo mais adequado para a nova mudança na sistemática da dissolução do casamento, mas sim “desburocratizar” o processo, pois a nova Emenda Constitucional vem com o objetivo
de reduzir os conflitos na área da família, bem como tentar diminuir a
insegurança e intranqüilidade que envolvem as partes litigantes em questões familiares.
Em verdade, uma boa parte da doutrina defende que com a alteração
do § 6º do art. 226 da Constituição Federal restaram revogados todos os artigos do Código Civil que dispunham acerca da separação judicial, pois entendem que “os dispositivos do Código Civil que tratam da separação entre
cônjuges não foram recepcionados pela disposição constitucional recente.”12
Tal posição se sustenta e se mantém na medida em que passamos a
compreender os anseios sociais e a história da separação judicial.
Paulo Lôbo em artigo recente assim manifestou seu entendimento
acerca do tema:
11 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de
2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.27.
12 NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. O fim da separação. Disponível em <http://www.ibdfam.
org.br/?artigos&artigo=684 >. Acesso em 16/10/2010.
Clarissa Bottega
43
Ora, o Código Civil de 2002 regulamentava precisamente os requisitos
prévios da separação judicial e da separação de fato, que a redação
anterior do parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição estabelecia. Desaparecendo os requisitos, os dispositivos do Código que deles tratavam
foram automaticamente revogados, permanecendo os que disciplinam
o divórcio direto e seus efeitos.13
Nesse mesmo sentido, vários outros doutrinadores de renome já se
manifestaram, inclusive Euclides de Oliveira numa clareza acadêmica:
A inovação constitucional, facilitadora do divórcio, reveste-se de eficácia imediata, pelo seu claro teor dispositivo, caso típico de autoexecutoriedade da norma.14
Esses doutrinadores e estudiosos do Direito de Família se orientam
pelos anseios sociais, pesquisando a sociedade e interpretando as mudanças da realidade brasileira, não é só interpretar a lei fria, mas também
compatibilizar a vontade social com a lei e sua interpretação.
Nesse sentido a posição adotada pelo Instituto Brasileiro de Direito das
Famílias – IBDFAM –, anunciada em pronunciamentos de seus dirigentes,
notáveis juristas como Rodrigo da Cunha Pereira (Divórcio – Teoria e Prática, Rio: GZ Editora, 2010), Maria Berenice Dias (Divórcio Já, São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2010), Zeno Veloso, Rolf Madaleno, Pablo Stolze
e Rodolfo Pamplona (O novo divórcio, SP: Saraiva, 2010), José Fernando
Simão, Flávio Tartucce, Christiano Cassetari (Separação, Divórcio e Inventário por escritura pública, SP: Método, 2010) e outros doutrinadores de
igual envergadura e peso, argumentando com a revogação tácita dos dispositivos do Código Civil que tratam das espécies, causas e conteúdo do
processo de separação judicial (referências no site http://www.ibdfam.org.
br/ e em outras fontes da internet, além das obras citadas).15
13 LÔBO, Paulo. Separação era um instituto anacrônico. Disponível em: <http://www.gtpos.
org.br/index.asp?Fuseaction=Informacoes&ParentId=511&area=7&pub=1178> Acessado em
28/08/2010.
14 OLIVEIRA, Euclides de. Separação ou divórcio? Considerações sobre a EC 66. Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=682>. Acesso em 06/10/2010.
15 OLIVEIRA, Euclides de. Separação ou divórcio? Considerações sobre a EC 66. Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=682>. Acesso em: 06/10/2010.
44
O Novo Divórcio no Direito Brasileiro. Breves linhas
Para que não pairem dúvidas acerca do objeto da Emenda Constitucional nº 66/2010, Pablo Stolze Gagliano e Roberto Pamplona Filho em
obra conjunta assim asseveram:
Fundamentalmente, como já anunciado acima, a Emenda Constitucional n. 66/2010 (PEC 28 de2009) pretende facilitar a implementação do
divórcio no Brasil, com a apresentação de dois pontos fundamentais:
extinção da separação judicial;
extinção da exigência de prazo de separação de fato para a dissolução
do vínculo matrimonial.16
Assim, levando-se em consideração o teor do novo parágrafo 6º do
artigo 226 da Constituição Federal de 1988, os anseios sociais, a motivação
e objetivo da proposta, a história do casamento no ordenamento jurídico
brasileiro, bem como a observância crítica e racional dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da liberdade, não há como se manter o
entendimento de que a separação judicial está mantida no ordenamento
jurídico pátrio, muito menos para a discussão da culpa, o que dizer então
dos prazos do divórcio.
Venceu a liberdade, a autonomia, a privacidade e a dignidade, a
dissolução do casamento foi “desburocratizada”, a possibilidade de reconstrução rápida da vida familiar e afetiva prevaleceu.
A POSIÇÃO RECENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Recentemente o Conselho Nacional de Justiça teve a oportunidade
de se manifestar sobre o tema em debate através do Pedido de Providências n. 0005060-32.2010.2.00.000017, realizado pelo IBDFAM - Instituto
Brasileiro de Direito de Família, no qual referido Instituto objetivava a alteração da Resolução nº 35/CNJ que dispunha acerca dos atos notariais que
envolviam a separação e o divórcio extrajudiciais.
O objetivo do Instituto era extinguir definitivamente a separação da
referida Resolução, mantendo-se tão somente a expressão “divórcio”.
16 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O novo divórcio. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 55.
17 Íntegra do acórdão disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2377620/integrado-acordao-do-cnj-sobre-a-alteracao-da-resolucao-n-35-em-razao-da-emenda-constitucional-n-66-2010> Acessado em: 10/10/2010.
Clarissa Bottega
45
Em resumo, conforme relatório do julgamento, os objetivos do IBDFAM seriam os seguintes:
a) a supressão, em todos os artigos, as referências à separação consensual e à dissolução da sociedade conjugal, considerando-as no divórcio
consensual e na dissolução do vínculo matrimonial;
b) a supressão da Seção IV, que trata especificamente da separação
consensual;
c) a supressão do artigo 53, que trata do lapso de tempo de dois anos
para o divórcio direto;
d) que seja dada nova redação ao artigo 52, sugerindo: “Os cônjuges
separados judicialmente, na data da publicação da EC-66/2010, podem,
mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as.18
Entretanto, em sessão realizada na data de 14/09/2010, por votação
unânime, tendo como relator o Conselheiro Jefferson Kravchychin, decidiu
o CNJ pela alteração da Resolução nº 35/CNJ, que regula os atos notariais
decorrentes da Lei nº 11.441/2007, tão somente para excluir o artigo 53
(que tratava do lapso temporal de dois anos para o divórcio direto extrajudicial); e conferir nova redação ao artigo 52 (que tratava do divórcio por
conversão), julgando parcialmente procedente o pedido.
No que se refere aos demais pedidos do IBDFAM, especialmente a revogação dos artigos que tratavam da separação judicial, o CNJ entendeu que:
Contudo, nem todas as questões encontram-se pacificadas na doutrina
e sequer foram versadas na jurisprudência pátria. Tem-se que, mesmo
com o advento da Emenda nº 66, persistem diferenças entre o divórcio
e a separação.19
O CNJ ainda prossegue, se baseando em situações que não se sustentam na atual realidade brasileira:
18 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências nº 0005060-32.2010.2.00.0000.
12ª Sessão. Relator Cons. Jefferson Kravchychyn. Julgado em 14/09/2010. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2377620/integra-do-acordao-do-cnj-sobre-a-alteracaoda-resolucao-n-35-em-razao-da-emenda-constitucional-n-66-2010> Acessado em: 10/10/2010.
19 Idem.
46
O Novo Divórcio no Direito Brasileiro. Breves linhas
No divórcio há maior amplitude de efeitos e conseqüências jurídicas,
figurando como forma de extinção definitiva do casamento válido. Por
seu turno a separação admite a reconciliação e a manutenção da situação jurídica de casado, como prevê o Código de Processo Civil vigente.
E concluiu, de forma tímida, que:
Nesse passo, acatar a proposição feita, em sua integralidade, caracterizaria avanço maior que o recomendado, superando até mesmo possível
alteração da legislação ordinária, que até o presente momento não foi
definida.20
PODENRAÇÕES FINAIS
Rodrigo da Cunha Pereira, atual presidente do IBDFAM21, em entrevista ao Boletim do IBDFAM assim asseverou sobre o tema:
Mas, afinal, a Constituição aboliu ou não a separação?
Aboliu. O texto não diz expressamente que acabou a separação, mas
este conteúdo está implícito nos pareceres que balizaram as discussões
e votações nas duas casa legislativas, suprimindo de vez o anacrônico
instituto da separação.22
Em verdade, o Conselho Nacional de Justiça, timidamente não teve
a autonomia e audácia de confirmar uma vontade social que já existe a
muito tempo, vontade esta que foi reconhecida pelas casas legislativas e
pelo mais renomados juristas.
Em verdade, o CNJ levou em consideração o debate acadêmico e
doutrinário para justificar sua acanhada decisão, posições de vanguarda e
retrógradas para justificar a ausência de iniciativa para o novo, mantendo
a separação extrajudicial como opção aos cônjuges, o que trás ainda mais
confusão à sociedade e aos jurisdicionados.
Vejamos como se manifestou o Eminente Relator:
20 Idem.
21 Instituto Brasileiro de Direito de Família.
22 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Liberdade, ainda que tardia (entrevista). Boletim do IBDFAM, Belo
Horizonte. n. 64. ano 10. p.03. set/out 2010.
Clarissa Bottega
47
Divergem as interpretações doutrinárias quanto à supressão do instituto
da separação judicial no Brasil. Há quem se manifeste no sentido de
que o divórcio passa a ser o único meio de dissolução do vínculo e
da sociedade conjugal, outros tantos, entendem que a nova disposição
constitucional não revogou a possibilidade da separação, somente suprimiu o requisito temporal para o divórcio.23
Não compactuamos com tal posição, tímida e atrasada, como membro do IBDFAM e professora de Direito de Família, tenho acompanhado
as mudanças sociais e legislativas no que se refere ao bem-estar da família,
do cidadão, a proteção da liberdade, da dignidade e do afeto e não posso
entender que uma mudança tão importante e tão significativa tenha sido
reduzida a pouca eficácia.
Compactuamos sim, com a nova realidade social e com os objetivos e fundamentos perseguidos pelo IBDFAM e pela sociedade para uma
rápida solução dos conflitos que envolvem a dissolução do casamento
num sistema e momento onde a morosidade do Poder Judiciário emperra
soluções, dificultando uma vida mais digna e mais liberta.
Entendemos que atualmente só existem dois tipos de divórcio: o
divórcio litigioso, e por conseqüência, exclusivamente, judicial; e o divórcio consensual, que poderá ser judicial ou extrajudicial, se não houverem
filhos menores ou incapazes (ver redação do art. 1.124-A, do CPC).
Em ambos os casos, litigioso ou consensual, o divórcio, e por consequên­
cia a dissolução do casamento, não está mais atrelado a prazos ou requisitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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em 14/09/2010. <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2377620/integra-do-acordao-do-cnj-sobre-a-alteracao-da-resolucao-n-35-em-razao-da-emenda-constitucional-n-66-2010> Acessado em: 10/10/2010.
BRASIL.
Constituição
da
República
dos
Estados
Unidos
do
Brasil
de
23 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências nº 0005060-32.2010.2.00.0000.
12ª Sessão. Relator Cons. Jefferson Kravchychyn. Julgado em 14/09/2010. Disponível em:
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16/07/1934. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
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O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
E OS CRIMES TRIBUTÁRIOS
Fernando Antunes Soubhia1
INTRODUÇÃO – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
E O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
Logo de início, deve ser fixada a premissa que o Brasil é um Estado de
Direito, noção que conduz, em uma conceituação moderna, à primazia da lei,
separação de poderes e o enunciado e garantia de Direitos individuais.2
Mais do que um Estado de Direito, ao menos no plano normativoconstitucional, o Brasil se revela Democrático, uma vez que assim expressamente se declara (em especial no preâmbulo, no Art.1º, caput, e no art.
34, VII, “a”), bem como organiza seus institutos de forma compatível com
os elementos intrínsecos a esse conceito, ou seja: leis que representem
o produto da vontade da maioria, sem possibilidade de tangenciar liberdades fundamentais das minorias; a ênfase da operação estatal voltada
para a primazia do indivíduo; e a aplicação de leis gerais e abstratas por
juízes independentes.3
Com a Constituição de 1988, o reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana deixou de ser apenas uma característica e passou
a ser eixo central do ordenamento, irradiando valor sobre os institutos
constitucionais e infraconstitucionais, limitando a interferência estatal por
um lado e obrigando-o a agir de outro.
Além de salvaguardar o indivíduo de intervenções arbitrárias, o Estado deve ser provedor, diminuindo as desigualdades e fornecendo meios
para a realização pessoal.
Para seguir essa meta humanística o Direito Penal deve se pautar
pelo princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, segundo o qual, a
tutela penal apenas será legítima quando bens jurídicos de fundamentação
1 Advogado, graduado e pós-graduado pela Pontifícia Universidade de São Paulo. Especialista em
Direito Penal e Processual Penal.
2 AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010
3 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da Pena. São Paulo: Manole, 2004, p.8.
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O Princípio da Intervenção Mínima e os Crimes Tributários
constitucional axiologicamente ligados à Dignidade da Pessoa Humana4
sejam lesados ou postos em perigo concreto de lesão grave, e ainda, somente quando todos os outros meios sociais ou jurídicos de controle falharem ou se mostrarem insuficientes (fragmentariedade e subsidiariedade).
Sempre claro, Luiz Luisi ensina:
Se de um lado, necessária se fez uma valoração da relevância do bem,
ou seja, sua significação e importância, de outro lado, há de ter presentes as variadas formas com que podem ocorrer as lesões a tais bens,
selecionando as mais graves. E, dentre essas, as em que necessária se
faz a intervenção penal por insuficientes as outras sanções que a ordem
jurídica dispõe para uma adequada tutela.5
A declaração francesa dos Direitos do homem e do cidadão, em pleno século XVIII já previa que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias”. Tal previsão se colocava como princípio orientador e limitador do poder estatal em uma época de luta contra o absolutismo estatal. Pautando-se por este princípio o legislador só poderia hostilizar
condutas cominando-lhes sanções penais quando absolutamente necessário
à adequado à proteção de um valor fundamental à vida em sociedade.
Em um Estado Democrático de Direito a ingerência na esfera de
Direitos do cidadão deve ser a mínima possível, visando permitir o seu
desenvolvimento, sem no entanto abandonar um mínimo de proteção.
Como ensina Gustavo Octaviano Diniz Junqueira “a pena, por ser
medida extrema e grave, apenas deve ser aplicada quando realmente diminuir a violência social, impedindo a vingança privada e prevenindo crimes
por meio da intimidação e ratificação da vigência da norma”.6
A Constituição Federal coloca no art. 1º, inciso III, como fundamento
do Estado Brasileiro, a Dignidade da pessoa humana e afirma serem invioláveis os Direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e à proprie4 Normalmente na doutrina refere-se a “bens jurídicos relevantes”, sendo o fundamento constitucional e a ligação axiológica com a dignidade da pessoa humana requisitos apresentados
neste trabalho fruto de um estudo sistemático-valorativo do Direito Penal com a Constituição
Federal. Nesse mesmo sentido na doutrina encontram-se : Luciano Feldens, Marcia Dometila de
Carvalho, Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, Heloísa Estellita Salomão, Luiz Regis Prado, Luis
Carlos dos Santos Gonçalves, Francesco Palazzo, entre outros.
5 Bens constitucionais e criminalização. Revista CEJ, número 04, abril/1998. Disponível em:
http://www.cjf.jus.br/revista/numero4/artigo13.htm. Acesso em: 08.06.2010.
6 Direito Penal. São Paulo: Premier Máxima, 2007, p.35
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dade, de modo que, assim como previa a declaração francesa, esses Direitos
constitucionais apenas podem ser restringidos quando absolutamente necessário à proteção de um bem jurídico de sede também constitucional.
Diante dessa inviolabilidade e aclamada supervalorização do indivíduo, apesar de não previsto expressamente, o princípio da intervenção
mínima encontra-se implícito no ordenamento constitucional brasileiro,
refletindo a proteção por excelência da dignidade da pessoa humana ao
impedir que Direitos fundamentais sejam restringidos fora das balizas impostas pela exclusiva proteção de bens jurídicos.
Nas palavras de Everardo da Cunha Luna, “é um princípio imanente
que por seus vínculos com outros postulados, e com os fundamentos do
Estado de Direito se impõem ao legislador, e mesmo ao hermeneuta”7
Do princípio da intervenção mínima decorre o caráter fragmentário
do Direito Penal, bem como sua natureza subsidiária.
Diz-se fragmentário o Direito Penal, pois uma conduta apenas deve
ser sancionada penalmente quando provocar lesão ou perigo concreto de
lesão grave a bem jurídico relevante. Assim, existem dois aspectos a serem
a analisados:
a) a relevância do bem jurídico, pois não cabe ao Direito Penal tutelar interesses levianos, subjetivos ou imoralidades, devendo se ater a bens
jurídicos fundamentais à vida em sociedade;
b) a lesividade da conduta, pois não basta que o bem jurídico seja
penalmente tutelável, devendo a conduta ser capaz de lesá-lo ou colocá-lo
em perigo concreto de lesão grave para que seja legitimamente incriminada.
A natureza subsidiária por sua vez, impõe que antes de recorrer ao
Direito Penal, deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social (medidas estatais ou sociais).
Em relação às penas, a teoria proposta por Roxin ( uma espécie de
Teoria Unificadora Dialética) parece mais apropriada, onde, num primeiro
momento, de previsão legislativa, deve prevalecer a função de prevenção
geral positiva, salvaguardando o ordenamento jurídico, reforçando a consciência jurídica e cumprindo com o princípio da legalidade.
Nessa fase, os limites para o legislador são dados pela Exclusiva proteção de bens jurídicos e na ideia de fragmentariedade e subsidiariedade
7 LUNA, Everardo da Cunha. Apud. LUISI, Luiz. O princípio Constitucional da Intervenção mínima. In: KUEHNE, Maurício (Org.). Ciência Penal, Coletânea de Estudos em homenagem a
Alcides Munhoz Neto. Curitiba: JM, 1999, p. 269.
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O Princípio da Intervenção Mínima e os Crimes Tributários
do Direito Penal (intervenção mínima)8. Como a ameaça da pena é meramente abstrata, não há que se falar em instrumentalização do indivíduo.
No segundo momento de atuação penal, aplicação judicial da lei,
um viés retributivo sobressai, pois apenas com uma pena proporcional à
culpabilidade do agente, compreendida como justa pela sociedade, é que
os fins de prevenção podem ser atendidos.
Por fim, no terceiro momento, de execução, argumenta Roxin que,
servindo a pena para possibilitar a vida em sociedade, só se justificaria se
continuasse com tal missão de medida do possível viabilizar a reintegração
do indivíduo à sociedade (prevenção especial positiva).
É importante lembrar, no entanto, que, ainda que tenha eficácia ressocializante, este tratamento não deve ser coativo de modo a interferir na
estrutura da personalidade, devendo o Estado proporcionar meios para que
o condenado retorne ao convívio social de forma digna (programa mínimo).
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
A despeito do contínuo movimento de contenção dos poderes punitivos estatais, legisladores desde o século XIX seguem ultrapassando as
barreiras impostas pelo princípio da intervenção mínima.
Carl Joseph Anton Mittermaier, em 1819, enfatizava ser um dos erros fundamentais da legislação penal a sua excessiva extensão; Giuseppe
Puccioni, comentando o código penal da Toscana de 1853 já alertava que a
ampliação do Direito criminal levaria ao sobrecarregamento dos Tribunais
e ao agravamento das finanças públicas, sobre quem recai o encargo de
manutenção da massa de condenados; Francesco Carrara, em 1883, falava
em nomomania ou nomorréia penal, militando em favor do aforisma romano mínima non cura praetor; Franz Von Liszt, em 1896, sustentava que se
fazia uso excessivo da arma da pena, sendo também defensor do aforisma
mínima non cura praetor; Reinhart Frank, em 1898 usou pela primeira vez a
expressão “hipertrofia penal”, salientando que o uso da pena era abusivo, e
por isso perdera parte de seu crédito,e , portanto, de sua força intimidadora.
8 Inolvidável a lição do penalista português Jorge de Figueiredo Dias nesse mesmo sentido onde
dentro do limite máximo estabelecido pela culpa do agente a pena é determinada no interior
de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto
óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas
de defesa do ordenamento jurídico. Direito Penal, parte geral. Tomo I – questões fundamentais:
A doutrina Geral do Crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
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No século XX a quantidade de autores repetindo o mesmo alerta multiplica-se, cabendo mencionar Francesco Carnelutti, que falava
em inflação legislativa, cujos efeitos seriam análogos aos da inflação
monetária, pois desvalorizam as leis, e no concernente às leis penais
aviltam sua eficácia preventiva geral; Carlos Enrico Paliero descrevia um
crescimento patológico da legislação penal; Luis Luizi, a quem se deve
o levantamento de obras do século XIX destes parágrafos9, salienta que
no Brasil, desde o código Criminal do Império, de 1830, já se sofria
dessa nomorréia penal.
Em pleno século XXI não é diferente o fenômeno de expansão
do Direito Penal. O aparecimento de novos interesses, a sociedade de
riscos como geradora de novos riscos, a institucionalização da insegurança – crise do modelo de Estado do bem estar social –, a sensação
generalizada de insegurança, a configuração de uma sociedade de sujeitos passivos, a identificação da maioria com a vítima do delito e o
descrédito das outras instâncias de proteção são motivos apontados por
Jésus-María Silva Sanchez10 para esse crescimento desenfreado e incoerente da legislação penal.
Segundo Silva Sanchez, em medida crescente, a insegurança se converte em uma pretensão social à qual se supõe que o Estado e, em particular o Direito Penal, devem oferecer uma resposta.
Em contraposição aos movimentos sociais clássicos de restrição do
Direito Penal, aparece cada vez mais e com maior claridade demandas de
uma ampliação da proteção penal que ponha fim, ao menos nominalmente, a angústia derivada da insegurança.
Cezar Roberto Bittencourt, baseando-se na doutrina de Muñoz Conde, aceita a criminalização de novas condutas na medida em que o Direito
Penal deve manter-se ligado às mudanças sociais, sem retroceder ao “dogmatismo hermético de outrora”. Entretanto, essa criação de novos delitos
deve se dar dentro da moldura fornecida pelos princípios constitucionais
penais, em especial o da intervenção mínima.
9 LUISI, Luiz. O princípio Constitucional da Intervenção mínima. In: KUEHNE, Maurício (Org.).
Ciência Penal, Coletânea de Estudos em homenagem a Alcides Munhoz Neto. Curitiba: JM, 1999,
p. 270-272.
10 Expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. trad.
Luiz Otavio de Oliveira Rocha. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002
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O Princípio da Intervenção Mínima e os Crimes Tributários
A EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS
Na doutrina brasileira desde muito tem predominado o entendimento de que a finalidade precípua do Direito Penal é a proteção de bens
jurídicos fundamentais.11
Claus Roxin afirma que a função do Direito Penal consiste em
garantir aos cidadãos uma existência pacífica, livre e socialmente segura,
sempre e quando estas metas não possam ser alcançadas com outras
medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos
cidadãos. De modo que, em um Estado Democrático de Direito, as normas jurídico-penais devem perseguir somente o objetivo de assegurar
aos cidadãos uma coexistência pacífica e livre, sob a garantia de todos os
Direitos humanos. E conclui:
Podem-se definir os bens jurídicos como circunstâncias reais dadas ou
finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta todos
os Direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos.12
O Direito Penal não serve à tutela de valores de planos de governo.
Apenas deve ser utilizado quando absoltamente necessário ao asseguramento de uma existência pacífica e livre, nunca perdendo de vista que o
Estado é apenas um instrumento para a realização plena de cada indivíduo, e não o contrário.
Utilizar o Direito Penal como coerção psicológica, instrumentalizando o indivíduo configura um desvirtuamento que desemboca na ilegitimidade da sanção aplicada ao caso concreto.
O bem jurídico, para um Direito Penal funcional em um Estado
Democrático de Direito, não pode ser outro senão aquele filtrado por
uma avaliação impregnada de valores constitucionais de âmbito e relevância maiores. É nas constituições que o Direito Penal deve encontrar
11 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I: introdução, norma penal e fato punível, p.5;
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal, p.15; GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal: Volume 1, p.7; JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p.4;
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral, p. 4; BATISTA, Nilo. Introdução
crítica ao Direito Penal brasileiro, p.111; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal,
Volume 1: Parte Geral, p.23; entre outros grandes mestres.
12 ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Org. e Trad. André
Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.17-18.
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os bens que deve proteger com suas sanções13
Nesse mesmo sentido, Luiz Regis Prado14 ensina que o bem jurídico deve estar sempre em compasso com o quadro axiológico vazado na
Constituição e com o princípio do Estado Democrático e Social de Direito.
Adotando-se uma corrente constitucionalista ampla, onde a relação
entre bens jurídicos constitucionais e penais não haverá de ser necessariamente de coincidência, ou de recíproca cobertura, mas de coerência, interação ou efeito recíproco, o que conduz a uma necessária interpretação
do Direito Penal conforme a Constituição15, o fato de se encontrar previsto
expressamente na Constituição gera apenas uma presunção de legitimidade
em favor do bem jurídico tutelado, não sendo impossível encontrar bens
jurídicos que mereçam tutela penal mesmo frente ao silêncio do constituinte.
Diante de tal situação, a penalização de conduta atentatória à uma
objetividade jurídica olvidada ou desconhecida pelo constituinte deve ser
realizada através de uma atividade interpretativa sob a luz dos valores
constitucionais, de modo que, mesmo quando não estiver previsto expressamente pela Constituição, o bem jurídico deve decorrer dos valores nela
contidos. Assim, os valores constitucionais são para as criminalizações sua
base e seu limite16.
Encontrado o valor constitucional digno de tutela penal, deve ser
mais uma vez filtrado, desta vez levando-se em consideração o eixo central
de todo ordenamento, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana. Heloísa
Estellita Salomão ensina que “para poderem receber a qualificada tutela
penal, os bens jurídicos, individuais ou coletivos, terão de guardar relação,
ao menos instrumental, com a consecução da dignidade humana” 17; a
ausência desta relação retirar-lhes-ia a dignidade penal.
Nesse exercício de busca da dignidade constitucional dos bens jurídicos, cabe a análise um pouco mais detida dos crimes tributários.
13 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabres Editor, 2003.
14 Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44.
15 FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal: garantismo, deveres de proteção,
princípio da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de Direitos humanos, p. 30-31.
16 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabres Editor,
2003, p.170-177.
17 O princípio constitucional da Isonomia e o Crime de Omissão no Recolhimento de Contribuições Previdenciárias (Art. 168-A, §1°, I, Código Penal). In: SALOMÃO, Eloísa Estellita (Org.).
Direito Penal Empresarial. São Paulo: Dialética, 2003, p. 99.
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O Princípio da Intervenção Mínima e os Crimes Tributários
CRIMES TRIBUTÁRIOS
A função precípua dos tributos é a formação do Erário (do latim
aerarium: reserva de moedas). Assim, é por meio da cobrança de tributos
que o Estado arrecada valores para que possa realizar prestações em favor
da sociedade. Além dessa função – geração de recursos financeiros para o
Estado – o tributo se presta ao controle do domínio econômico, a fim de
promover estabilidade. Por isso, diz-se que o tributo tem função híbrida.
Na primeira hipótese, a denominada função fiscal; na segunda, extrafiscal.
Nos crimes tributários, existirá sempre uma duplicidade de bens
jurídicos protegidos: um relativo ao erário propriamente dito bem como à
estabilidade financeira do país e outro relativo à falsidade cometida pelo
agente como crime meio. No entanto, em última análise, o bem jurídico
conglobante, por assim dizer, é a dignidade da pessoa humana, que justifica a própria atuação estatal.
Seguindo a lição de Heloísa Estellita Salomão “uma devida análise
do sistema tributário, concebido pela constituição federal demonstra que
ele se propõe, claramente, a servir de instrumento uma finalidade “antropocêntrica” que legitima a tutela penal”18 19
Servirá o sistema tributário como instrumento à consecução dos objetivos fundamentais arrolados no art.3 da Constituição20: construção de
uma sociedade livre, justa e solidaria; desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização; redução das desigualdades sociais e
regionais; promoção do bem de todos, sem preconceitos.
Dessa forma, nos crimes tributários, a dignidade penal do bem jurí18 Op. cit., p. 96.
19 Num segundo momento visa-se proteger a Administração, isto é, o dever de lealdade do contribuinte em relatar ao fisco o que lhe é devido. Apesar de forte doutrina no sentido de que tal
obrigação seria conflitante com o princípio nemo tenetur se detergere, não se pode querer comparar o onus probatório penal com o dever de informar anexo à boa fé objetiva que compoe a
relação tributaria. Em sentido contrário ver: SALOMÃO, Eloísa Estellita. O dever de informação
e os crimes contra a ordem tributária. In: Revista de Direito tributário, v. 3, p.34.
20 Nos tipos previstos na Lei 9.983/00 anteriormente tratados na Lei 8.212/91, o bem jurídico
tutelado era o Sistema de Seguridade Social. Hoje, resume-se à Previdência Social. Sendo os
Direitos sociais prestações positivas Estatais enunciadas em normas constitucionais, possibilitando melhores condições de vida dos mais fracos, visando como fim último a igualdade
substancial, correta a afirmação de José Afonso da Silva de que são uma dimensão dos Direitos fundamentais do homem.
É nesse contexto que a previdência social é colocada como Direito social no Art. 6º da Constituição Federal, de modo que, não há como negar sua ligação axiológica com a proteção da
Dignidade da pessoa humana prevista como fundamento da República Brasileira no art. 1º,
Inciso III, da Constituição Federal.
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dico vem de sua ligação, ainda que indireta, com a proteção da Dignidade
da Pessoa Humana.
Em feliz síntese Heloísa Estellita Salomão afirma: “A arrecadação
tributária somente faz sentido em razão de sua instrumentalidade na consecução da dignidade da pessoa humana”21. Assim, não há como se negar
tutela a tais objetividades jurídicas.
A Lei 8.137 de 1990, seguindo a tradição brasileira de falta de técnica legislativa, enumerou taxativamente condutas típicas em detrimento de
uma caracterização do que seria sonegação fiscal, restando à doutrina tal
conceito. Alexandre de Moraes e Gianpaolo Smanio22 ensinam que sonegação fiscal seria ocultação dolosa, mediante fraude, astúcia ou habilidade,
do recolhimento de tributo devido ao Poder Público
A Lei 9.983/00, por sua vez, inseriu no corpo do código penal os crimes
de Apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, arts. 167-A e 337-A, respectivamente. Apesar de inserido no corpo
do Código apenas no ano 2000, as condutas incriminadas já estavam essencialmente previstas na Lei 8.212/91. Houve apenas um manejo topográfico
visando proteger a previdência social, dando maior visibilidade aos tipos.23
No mesmo ano em que se busca proteger de modo mais eficaz o
bem jurídico tributário, cria-se o programa de parcelamento de débitos –
REFIS – pela lei 9964/00 iniciando24 um costume legislativo de abençoar os
sonegadores com a extinção da punibilidade pelo pagamento e suspensão
da pretensão punitiva do Estado pelo parcelamento do débito, desde que
realizados até o oferecimento da denpúncia, demonstrando que a verdadeira motivação dos tipo penais das leis supracitadas é arrecadatório.
Em 2003 a lei 10.684, em seu art. 9, repete a previsão, no entanto,
não impõe um limite temporal relativo à ação penal para a adesão ao
programa de parcelamento por ela proposto, de modo que, o acusado
poderia, a qualquer tempo, aderir ao programa de parcelamento, suspen21 SALOMÃO, Eloísa Estellita. O princípio constitucional da Isonomia e o Crime de Omissão no
Recolhimento de Contribuições Previdenciárias (Art. 168-A, §1°, I, Código Penal). In: SALOMÃO,
Eloísa Estellita (Org.). Direito Penal Empresarial. São Paulo: Dialética, 2003, p.96.
22 MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. São Paulo:
Atlas, 2008, p. 67.
23 Também foram inseridos no Código Penal os Arts. 313-A e 313-B, e outros que não serão objeto
de estudos nesse trabalho.
24 Novamente, em 1995 a Lei 9.249 previu em seu art.34 a extinção da punibilidade dos acusados
da prática dos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90, bem como nos da Lei 4.729/65,
pelo pagamento do débito tributário desde que anterior ao recebimento da denúncia.
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O Princípio da Intervenção Mínima e os Crimes Tributários
dendo assim a pretensão punitiva estatal, ou mesmo quitar seus débitos
extinguindo de uma vez a sua punibilidade.
No primeiro REFIS, apenas os que aderissem ao parcelamento nele
proposto teriam tal benefício, doravante, mesmo parcelamentos regionais
ou municipais dão Direito à suspensão e futura extinção da punibilidade25.
Em 2006, um novo programa de parcelamento, o REFIS III, instituído pela Medida Provisória 303, alargou as possibilidades dos devedores,
incluindo em seu rol de aderentes remanescentes dos programas de parcelamento anteriores, postergando ainda mais a pretensão punitiva estatal.
Por fim, em 2009, mais um programa de recuperação fiscal foi aprovado: o REFIS IV, ou REFIS da Crise.
A lei 11.941/09 repete o que fora dito por suas predecessoras, suspendendo a pretensão punitiva para os devedores que estiverem cumprindo programas de parcelamentos, concedendo o mesmo para os que aderirem ao plano por ela proposto, restando suspenso o prazo prescricional
enquanto durar o parcelamento. Prevê também, a extinção da punibilidade
pelo pagamento integral dos débitos. Prevê ainda, e aqui inovando, que na
hipótese de parcelamento do crédito tributário antes do oferecimento da
denúncia essa só poderia ser aceita na superveniência de inadimplemento
da obrigação objeto da denúncia.
CONCLUSÕES
Não é novidade o desrespeito dos legisladores pelo princípio da intervenção mínima, que deveria ser meta suprema em qualquer país que se queira
Democrático de Direito, e é nesse movimento de busca de respostas penais
a questões não-penais que se encontra a legislação sobre crimes tributários.
Se a premissa é de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito; se
nesse Estado o princípio regente do Direito Penal é o da intervenção mínima;
se nos termos desse postulado normativo, o Direito Penal somente deve ser
utilizado para coibir condutas atentatórias a bens jurídicos de relevância superior quando atacados ou ameaçados de forma concreta, então uma resposta
apressada levaria à ilegitimidade da sanção penal na seara tributária.
Como se viu, o bem jurídico tutelado nas condutas descritas nos
artigos 1º e 2º da lei 8.137/90 e Arts. 168-A e 337-A, não é o Erário como
25 SALOMÃO, Eloísa Estellita. Pagamento e parcelamento nos crimes tributários: a nova disciplina
da Lei n° 10.684/03. Boletim IBCCRIM, n° 130, set., 2003.
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instituto isolado, mas sim o Erário no sentido de arrecadação de valores
por parte do Estado visando a consecução de serviços de caráter prestacional em prol da sociedade como um todo, aflorando então a dignidade
penal do bem jurídico “formação do Erário”.
Da necessidade em se alcançar os objetivos fundamentais de uma
sociedade, que no caso da brasileira se encontram fixados no art. 3o da
CF/88, nasce o dever do cidadão em contribuir com os recursos disponíveis
e proporcionais para criar os meios necessários ao alcance de tais objetivos.
Isto posto, não há como negar a relevância do bem jurídico “formação do erário”, enquanto a potencialidade de lesão ou perigo de lesão fica
evidente diante de uma finalidade preventiva geral da cominação penal. O
que se quer dizer é: diante do menoscabo da política tributária, o descumprimento das normas relativas à cobrança de tributos passa a ser atividade
comum, aparentemente sem lesividade aos olhos da população26, comportamento esse merecedor de resposta capaz de reafirmar a vigência da norNo
entanto, a tutela penal deve ser também subsidiária aos remédios fornecidos
por outros ramos da ciência jurídica. No caso dos crimes tributários, não se
pode afirmar com certeza se tal subsidiariedade foi respeitada, uma vez que
o Direito Administrativo, ou o Direito Civil, poderiam ser suficientes para
que se evitasse a evasão fiscal, se adequadamente aplicados.
Sobre o tema, Winfried Hassemer sugere a criação de um novo
Direito, ao qual denominaria de “Direito de Intervenção”, que seria um
meio termo entre Direito Penal e Direito Administrativo, que não aplicaria
as pesadas sanções do Direito Penal, especialmente a pena privativa de
liberdade, mas que fosse eficaz e pudesse ter, ao mesmo tempo, garantias
menores que as do Direito Penal tradicional.
Abordando o Direito Penal de uma perspectiva econômica – de
eficiência – Jésus-María Silva Sanchez27, diferente da escola clássica, não
entende o fenômeno criminoso como um impulso anímico do agente, mas
sim como produto de um cálculo de custo/benefício, onde se mostra mais
vantajoso ao agente a prática do ilícito. Assim, para reduzir os níveis de criminalidade (ou “atos ineficientes”) deve-se alterar o balanço desse cálculo
de custo/benefício, o que se faz de duas formas: aumentando o custo, isto
26 A descrença na política aliada ao descrédito da fiscalização tributária torna a sonegação um problema endêmico, nos moldes da teoria das janelas quebradas, importada da doutrina alienígena (mais
sobre o tema: WILSON, James Q., KELLING, George L. Broken Windows: The police and neighborhood safety. Disponível em: http://www.cptedsecurity.com/broken_windows_theory.pdf)
27 SÁNCHEZ, Jésus-María Silva. Eficiência e Direito Penal. Barueri: Manole, 2004.
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O Princípio da Intervenção Mínima e os Crimes Tributários
é, agravando as penas ou aumentando a eficácia da persecução penal; ou,
diminuindo o custo do comportamento lícito alternativo, isto é, a não realização do ilícito. Trazendo essa concepção para o Direito Penal Tributário,
seriam alternativas à redução da evasão fiscal o aumento da fiscalização
unido a uma possível diminuição da carga tributária.
O sistema penal deixa claro que a criminalização de condutas atentatórias ao erário visa forçar a arrecadação quando permite que o pagamento do débito tributário extinga a punibilidade do agente, eximindo de
sua conduta fraudulenta de qualquer desvalor de ação.
Quando a Lei 11.941/09, bem como suas antecessoras, permite que
o pagamento do tributo sonegado enseje a extinção da punibilidade e que
o parcelamento implique na suspensão da pretensão punitiva estatal fica
evidente a função arrecadatória dada ao Direito Penal, criminalizando a
inadimplência e não se importando com a conduta fraudulenta do agente.
O que a jurisprudência reconhece28, mas nada faz a respeito.
Essa conversão do Direito Penal em veículo de cobrança de Tributos, convertendo-o num mecanismo puramente simbólico e abandonando
o terreno do instrumental, não pode ser admitida.
Propõem-se, com todo respeito a opiniões contrárias, que seja declarada a inconstitucionalidade dos arts. 1° e 2° da Lei 8.137/90 bem como
dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, por violação ao princípio da
intervenção mínima, cujo fundamento constitucional encontra-se no art.1º,
inciso III, e art.5, caput. No entanto, em razão da relevância do bem jurídico, não deve ser declarada de imediato a nulidade desses tipos penais,
senão após a implementação de mecanismos administrativos aptos à tutela
satisfatória da arrecadação tributária.29
28 Maria Thereza Rocha de Assis Moura no julgamento do HC 168.629, j. 04.05.2010 afirma: Enquanto esses crimes (da Lei 8.137/90) têm como único objeto a proteção da ordem tributária,
consubstanciada no interesse de receber os tributos que lhe são devidos; o crime de descaminho tutela, também o controle e regulamentação de uma das mais importantes políticas públicas
da macro-economia, qual seja, o comércio exterior. A isto, alia-se também a regulamentação e
proteção das barreiras alfandegárias. Por tais motivos, sua pretensão punitiva não se suspende
ou se extingue com eventual parcelamento ou pagamento posterior dos tributos.
Na mesma toada no julgamento do HC 81.611 e de vários outros precedentes em crimes tributários, em especial da ADIN 1.571 e o HC 77.002, há a admissão expressa por parte dos ministros do
STF de que a criminalização das infrações tributarias tem como objetivo Direito e imediato coagir
o contribuinte ao pagamento dos valores devidos e não à aplicação de uma reprimenda penal.
29 Declaração de incompatibilidade ou de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade (Unvereinbarkeitserklärung), é reconhecida a inconstitucionalidade da norma, todavia é excepcionada a possibilidade de que venha a produzir alguns efeitos; ao mesmo tempo, o Tribunal
Constitucional apela ao órgão legislativo para que produza nova regulamentação para suprir
a lacuna decorrente do reconhecimento da inconstitucionalidade – no Brasil, HC 70.514, j.
Fernando Antunes Soubhia
61
Propõem-se também o expurgo dos artigos 67, 68 e 69, da Lei
11.941/09 e normas semelhantes relativas à extinção da punibilidade pelo
pagamento do tributo, suspensão da pretensão punitiva em razão do parcelamento tributário, pois sua permanência evidencia a função arrecadatória dada ao Direito Penal. Esses institutos violam o princípio da igualdade,
insculpido em nossa Constituição no art.5, inciso II, pois equipara aquele
que não adimpliu sua obrigação para com o fisco com aquele que dolosamente sonega tributos. Igualmente prejudicial, fundamenta um tipo
aberrante de prisão por dívidas, uma vez que, em um sem número de
sonegadores, apenas aqueles que não adimplirem a obrigação tributária
seguirão perseguidos criminalmente.
Em última síntese, entende-se que os crimes previstos nos Arts. 1° e
2° da Lei 8.137 e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal padecem de
inconstitucionalidade por estarem em desacordo com o princípio da intervenção mínima cujo lastro constitucional se encontra no Art. 1º, inciso III, da
Constituição Federal. Ainda que se reconheça a relevância do bem jurídico
tutelado, não há prova empírica de que o Direito Penal seja o único meio de
resolução da questão, e, em não o sendo, deve ser o último a ser utilizado.
Diversas são as propostas apresentadas, no entanto, por questões
de política arrecadatória não se vislumbra no horizonte qualquer atitude
no sentido de abandonar a tendência expansiva do Direito Penal, o que
apenas se pode lamentar.
Esse movimento expansivo do Direito Penal, o costume legislativo
lançar mão da arma penal como ergástulo de todas espécies de transgressões da lei não coaduna com o Estado Democrático de Direito e em nada
colabora para a diminuição da criminalidade ou sequer para o maior prestígio da lei, ao contrário, atua como um câncer, corroendo aos poucos os
princípios garantistas à duras penas conquistados, culminando um dia na
destruição do próprio Direito Penal.
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REPENSANDO A QUESTÃO DEMOCRÁTICA:
UMA ANÁLISE ACERCA DO MODELO
HEGEMÔNICO DE DEMOCRACIA
Izaura Peghim Merendi1
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo analisar a questão democrática, especificamente as diversas facetas que esta vem aprensentando ao longo da
história. Partindo de sua conceitualização teórica e histórica, buscaremos
analisar sua concepção moderna, aqui chamada de modelo hegemônico
de democracia. A crítica a esse modelo hegemônico também será objeto
de análise, uma vez que tal modelo vem sendo acusado de extremamente
mínimo e de pouco se importar com os aspectos sociais e econômicos,
muito relevantes à questão democrática.
O PROCESSO DEMOCRÁTICO: ORIGEM HISTÓRICA
A idéia de um Estado democrático tem suas raízes no século XVIII,
implicando na afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como na exigência de uma organização e melhor funcionamento
do Estado com o intuito de proteger aqueles valores.
A base do conceito de Estado democrático é a noção de governo do
povo e a rejeição a todo sistema de governo baseado no poder absoluto
e arbitrário.
O Estado democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo, sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana,
como o direito à liberdade, à igualdade, à propriedade e à segurança, entre
outros. Tais afirmações foram concebidas em três grandes movimentos políticos: a Revolução Inglesa, da qual se originou a Declaração de Direitos (Bill
of Rights); a Revolução Americana que consagrou a Declaração de Indepen1 Advogada, Cientista Social e Mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais (área de concentração: relações sociais, poder e cultura) da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Atualmente é professora do Curso de Direito da Universidade de
Cuiabá – Primavera do Leste, MT.
66
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
dência das Treze Colônias Americanas; e a Revolução Francesa, que tornou
universal a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
É com base na afirmação da igualdade de direitos, principalmente,
que se afirmou a supremacia da vontade da maioria, sendo fundamental
uma sociedade de indivíduos livres e iguais em direitos, inclusive no que
tange à participação na vontade política ou finalidade do Estado, enunciada pela maioria.
Assim, baseado nessas idéias, surgiram as diretrizes da organização do
Estado, consolidando-se a idéia de Estado Democrático como ideal supremo.
O triunfo da democracia, na Idade Moderna, começou com a luta
burguesa pela liberdade contra o antigo regime e, atualmente, há razões de
sobra para se comprovar tal triunfo. Porém, isso não significa que o processo
democrático já atingiu o seu final, nem muito menos que toda a humanidade
desfruta igualitariamente de todas as conquistas da democracia liberal.
TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA
Na década de 70, uma ampla maioria das nações do mundo estava
longe de oferecer a aparência de uma gestão democrática. Em pelo menos dois terços dessas nações os partidos políticos estavam proibidos, de
direito ou de fato, e, quando existiam, tinham suas possibilidades de ação
gravemente cerceadas.
Mas foi também nesta década que na Grécia, em Portugal e na
Espanha tiveram início as assim chamadas transições para a democracia,
ou seja, foi na década de 70 que começaram a se estruturar os regimes
políticos que desde então buscam se estabilizar como democracias liberais2
(NUN, 1992, p. 31).
Francisco Weffort entende como novas as democracias surgidas em
decorrência do processo de transição, cuja principal característica é a “mistura das instituições democráticas com importantes heranças de um passado autoritário recente” (1992, p, 11).
Segundo Weffort são novas as democracias que vem surgindo desde
os anos 70, a primeira das quais veio com a Revolução dos Cravos3 em
2 Conforme preceitua José Nun, a experiência dos países capitalistas centrais indica que a denominada democracia liberal constitui a forma política mediante a qual, desde fins do século
passado, o liberalismo logrou dotar-se de uma justificação democrática.
3 A revolução dos cravos representou o culminar de um longo processo de luta do povo português pela democracia e pela liberdade, determinando não só a instauração de um Estado de
Izaura Peghim Merendi
67
1974, em Portugal. Para o autor, ali teve início uma grande onda histórica,
que passou pela Europa do Sul nos anos 70, pela América Latina nos 80,
e cujas manifestações finais encontraram-se nas mudanças políticas da Europa Oriental (1989) e da União Soviética (1991) (WEFFORT, 1992, p. 6).
A Revolução dos Cravos inaugura o que Samuel Huntington (1994)
chamou de terceira onda de democratização da humanidade.
Segundo Huntington (1994), a primeira e longa onda de democratização na história do mundo moderno começou a partir dos anos 20
do século XIX, com o aumento significativo da proporção da população
masculina com direito a voto nos Estados Unidos. Esse movimento se prolongou por quase um século, até 1926, quando os sistemas políticos existentes, gradualmente desenvolveram instituições democráticas. A reversão
da primeira onda ocorreu basicamente nos países que adotaram formas democráticas de governo após a Primeira Grande Guerra, tomando-se como
ponto inicial a Marcha sobre Roma de Mussolini em 1922.
A segunda onda de democratização é curta, começando após a Segunda Guerra com a vitória dos aliados e o início do final da era da colonização ocidental. Sua reversão ocorreu a partir dos anos 60, com a América
Latina à frente, onde golpes militares inauguraram longos períodos de
autoritarismo: Peru (1962), Brasil e Bolívia (1964), Argentina (1966 e 1976),
Equador (1972), Chile e Uruguai (1973).
O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em torno
da questão democrática. Essa disputa, travada ao final de cada uma das
guerras mundiais e ao longo do período da guerra fria, culminou em uma
proposta de democracia onde, participação e soberania estavam restritas.
(SANTOS, 2002, p. 38).
Essa foi a forma hegemônica de prática da democracia no pós-guerra, em particular nos países que se tornaram democráticos após a segunda
onda de democratização.
No entanto, outro debate, relacionando a democracia dos pós- guerra às condições estruturais da democracia passou a ocupar as teses de
vários teóricos da época. Era o debate sobre a compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo4 (SANTOS, 2002, p. 40).
direito democrático em Portugal como também contribuindo para a aceleração do processo de
descolonização dos países africanos de expressão portuguesa. Tecnicamente é aí que se conceitua o Estado de Direito Democrático.
4 Debate que já havia sido antecipado por Rousseau em seu Contrato Social, onde afirmava que
só poderia ser democrática a sociedade onde não houvesse ninguém tão pobre que tivesse a
68
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
Este debate está apoiado na idéia de que na democracia capitalista a
igualdade política não somente coexiste com a desigualdade socioeconômica,
como a deixa fundamentalmente intacta. Conforme preceitua Ellen Wood:
Na democracia capitalista, a separação entre a condição cívica e a posição de classe opera em duas direções: a posição socioeconômica não
determina o direito à cidadania – e é isso o democrático na democracia
capitalista –, mas, como o poder do capitalista de apropriar-se do trabalho excedente dos trabalhadores não depende de condição jurídica ou
civil privilegiada, a igualdade civil não afeta diretamente nem modifica
significativamente a desigualdade de classe – e é isso que limita a democracia no capitalismo. As relações de classe entre capital e trabalho
podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e ao sufrágio universal (WOOD, 2003, p.184).
Em que pese a relevância de tal visão, a discussão democrática da
última década do século XX mudou os termos do debate democrático do
pós-guerra. “A extensão do modelo hegemônico, liberal, para o sul da
Europa ainda nos anos 70 e, posteriormente, para a América Latina e a Europa do Leste reabriu a discussão sobre o significado estrutural da democracia, em particular para os assim chamados países em desenvolvimento
ou países do Sul” (SANTOS, 2002).
O modelo de democracia que veio a prevalecer no mundo ocidental
nos meados do século XX é o chamado “modelo elitista pluralista”. C. B. Macpherson (1977, p. 82) o denomina “modelo de equilíbrio elitista e pluralista”:
[...] é pluralista porque parte da pressuposição de que a sociedade a que
se deve ajustar um sistema político democrático é uma sociedade plural,
isto é, uma sociedade consistindo de indivíduos, cada um dos quais é
impelido a muitas direções por seus muitos interesses, ora associado
com um grupo de companheiros, ora com outro. É elitista naquilo que
atribui a principal função no processo político a grupos auto-escolhidos
de dirigentes. É um modelo de equilíbrio no que apresenta o processo
democrático como um sistema que mantém certo equilíbrio entre a procura e a oferta de bens políticos.
necessidade de se vender e ninguém tão rico que pudesse comprar alguém.
Izaura Peghim Merendi
69
Neste modelo a democracia seria simplesmente um mecanismo para
escolher e autorizar governos, e não uma espécie de sociedade nem um
conjunto de fins morais. Esse mecanismo consistiria em uma competição
entre dois ou mais grupos escolhidos por si mesmos de políticos (elites),
grupados em partidos políticos, para os votos que os qualificarão a governar até as eleições seguintes (MACPHERSON, 1977, p. 82).
Tal modelo foi pela primeira vez formulado, resumidamente, em
1942, por Joseph Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia.
Em sua obra, o economista Joseph Schumpeter realiza uma incursão
no campo da ciência política, estabelecendo os fundamentos para uma
análise acerca do regime político democrático, tendo como ponto de partida a observação e descrição do que realmente pode ser observado na
realidade concreta.
Schumpeter propõe uma definição de democracia que rompe com
o ideal clássico ligado à etimologia da palavra. A democracia deixa de ser
entendida como o governo do povo, passando a ser vista como um método
ou procedimento de escolha de lideranças, que devem conduzir os complexos assuntos públicos das sociedades modernas.
De acordo com este autor, na teoria clássica, a questão fundamental
ou o critério principal para a definição de um regime como democrático era
a realização da vontade geral, que implementaria o ideal de deixar ao povo
a atribuição de decidir sobre os assuntos políticos mais relevantes5. Diz ele:
Sustenta-se, pois, que existe um bem comum, o farol orientador da política, sempre fácil de definir e de entender por todas as pessoas normais,
mediante uma explicação racional. Não há, por conseguinte, razão para
não entende-lo e, de fato, nenhuma explicação para a existência dos
que não o compreendem [...]. Ademais, esse bem comum implica soluções definitivas de todas as questões, de maneira que todo o fenômeno
social e toda medida tomada ou a ser tomada podem inequivocamente
ser tachados de ­­­bons ou maus. O povo deve admitir também, em princípio pelo menos, que há também uma vontade comum (a vontade de
todas as pessoas sensatas) que corresponde exatamente ao interesse,
bem estar ou felicidade comuns (SCHUMPETER, 1975, p. 305).
5 Pela fórmula de Lincoln, “governo do povo, pelo povo e para o povo”.
70
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
Schumpeter, entretanto, acredita ser inviável uma proposta democrática que depende de elementos inexistentes, como uma vontade geral
ou bem comum:
Não há, para começar, um bem comum inequivocamente determinado
que o povo aceite ou que possa aceitar por força de argumentação
racional. Não se deve isso primariamente ao fato de que as pessoas
podem desejar outras coisas que não o bem comum, mas pela razão
muito mais fundamental de que, para diferentes indivíduos e grupos, o
bem comum provavelmente significará coisas muito diversas (SCHUMPETER, 1975, p. 307).
Assim, o autor inverte os elementos desta equação política e, a eleição dos representantes que deveriam tomar as decisões, e que na teoria
clássica era um elemento secundário, passa a ocupar o papel de protagonista na definição do que é e do que não é uma democracia. Desta forma,
o povo soberano do modelo anterior, tem como principal missão “[...]
formar um governo, ou corpo intermediário, que por seu turno, formará o
executivo nacional, ou governo [...]” (SCHUMPETER, 1961, p. 327).
A democracia passa a ser entendida então, como um sistema de
instituições que regula uma competição entre os indivíduos pelos postos
deste corpo intermediário que irá tomar realmente as decisões políticas.
O que definiria um país como “de regime democrático” ou não,
seria a existência de um determinado método ou procedimento, por meio
do qual os homens se lançariam a busca de votos, em uma competição
regulamentada por algumas regras previamente definidas e aceitas por
todos. Conforme arrazoa Schumpeter:
O papel do povo é formar um governo [...] o método democrático é
um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual
o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva
pelos votos do eleitor (SCHUMPETER, 1975, p. 327-328).
A ênfase atribuída por Schumpeter à disputa política sugere que as
condições mínimas de democratização realizam-se quando se estabelece
algum tipo de acordo ou compromisso básico para que a escolha a respeito de quem governa se faça através de eleições livres e competitivas.
Izaura Peghim Merendi
71
No mesmo sentido esta a definição minimalista defendida por Adam
Przeworski e colaboradores (1997, p. 131), segundo a qual “a democracia
[...] é um regime no qual os cargos governamentais são preenchidos em
decorrência de eleições competitivas”. Mais especificamente, numa democracia, o chefe de governo e o legislativo devem ser eleitos, e deve haver
mais de um partido.
Tais definições de democracia giram exclusivamente em torno da
competição por cargos públicos, onde os indivíduos que competem são,
obviamente, os políticos, sendo que, o papel dos cidadãos, fica restrito a
escolher conjuntos de políticos em épocas eleitorais:
[...] a democracia não significa nem pode significar que o povo realmente governa em qualquer dos sentidos tradicionais das palavras povo
e governo [grifos do autor]. A democracia significa apenas que o povo
tem oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão. Mas,
uma vez que deve decidir isso de maneira inteiramente não democrática, devemos limitar nossa definição, acrescentando-lhe um outro critério para a identificação do método democrático, isto é a concorrência
livre entre possíveis líderes pelo voto do eleitorado. Um dos aspectos
desta definição pode ser expressado se dizemos que a democracia é o
governo dos políticos. (SCHUMPETER, 1975, p. 346).
O método democrático formulado por Schumpeter pressupõe, ainda, quatro condições para seu efetivo funcionamento, quais sejam:
1ª) líderes altamente qualificados. Para o autor, há muitas formas de
se obter o concurso de políticos de boa qualidade, e isso pode ser garantido
pela existência de uma camada social, fruto de um processo rigorosamente
seletivo, que aceita a política como algo natural. (SCHUMPETER, 1975, p. 353).
2ª) campo estreito de decisões políticas, ou seja, a maquina democrática não deve se ater aos assuntos inteligíveis pelo povo e sobre os
quais tivessem opinião formada. Afirma ele: “a democracia não necessita
que todas as funções do Estado sejam sujeitas ao seu método político”.
(SCHUMPETER, 1975, p. 355).
3a) burocracia hábil. O governo democrático deve contar com uma
burocracia bem treinada que desfrute de “boa posição e tradição e seja
dotada ainda de um forte sentido de dever e um não menos esprit de
corpus. Tal burocracia constitui o maior desmentido do falado governo
72
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
de amadores” (SCHUMPETER, 1975, p. 355). Não basta que a democracia
seja eficiente na administração, antes disso ela deve ser forte para guiar e
instruir os políticos.
4a) autocontrole democrático. O método democrático só pode funcionar quando todos os grupos importantes da nação estiverem dispostos
a aceitar todas as medidas legislativas e ordens governamentais, assim, “as
forças do governo devem aceitar-lhe a liderança e permitir-lhe formular e
executar um programa e a oposição deve também aceitar a direção de seu
GABINETE POTENCIAL e deixar que este trave a luta política com observância de certas regras”. (SCHUMPETER, 1975, p. 357).
Schumpeter entende ainda por autocontrole que,
Os eleitores comuns devem respeitar a divisão de trabalho entre si e
os políticos que elegem. Não devem retirar com excessiva facilidade a
confiança entre eleições e necessitam compreender que, uma vez tendo
eleito determinado cidadão, a ação política passa a ser dele e não sua.
(SCHUMPETER, 1975, p. 357).
Para Macpherson (1977, p. 83), esse modelo esvazia o conteúdo
moral da democracia, à medida que se oferece como um enunciado do
que o sistema vigente realmente é, onde, “a participação não é um valor
em si mesmo, nem mesmo um valor instrumental para a realização de um
mais elevado, mais socialmente consciente conjunto de seres humanos. O
propósito da democracia é registrar os desejos do povo tais como são e
não contribuir para o que ele poderia ser ou desejaria ser”.
A democracia seria então, segundo Macpherson, semelhante a um
mecanismo de mercado, onde “os partidos políticos correspondem às empresas, as promessas eleitorais são as mercadorias, os eleitores são os consumidores e o voto corresponde a moeda de compra das promessas políticas” (MACHADO, 2004, p. 64). E o motor do sistema, que garantiria seu
equilíbrio, seria a competição entre os políticos pelos votos dos cidadãos
(consumidores políticos com as mais diversas necessidades e exigências).
Os partidos políticos teriam importante papel neste sentido, haja vista que seriam eles os responsáveis pela produção das demandas políticas.
Como as demandas são diversas, caberia aos partidos políticos produzirem
uma vontade majoritária dentre as várias demandas do mercado político
(MACHADO, 2004, p. 67).
Izaura Peghim Merendi
73
Os votantes, portanto, ao escolherem entre os partidos, manifestariam seu desejo por um punhado de bens políticos em preferência a outros e, os fornecedores destes bens que obtivessem mais votos seriam os
dirigentes autorizados até a próxima eleição. (MACPHERSON, 1977, p. 82).
Sinteticamente, a concepção do processo democrático, proposta por
Schumpeter, concebe a democracia como um procedimento de aquisição
do poder através da competição eleitoral entre políticos, cabendo aos cidadãos simplesmente escolher conjuntos de políticos em épocas eleitorais.
Adotando o marco geral proposto pela definição schumpeteriana,
contribuições como a do teórico Robert A. Dahl ajudaram a fixar a concepção segundo a qual o regime democrático supõe o estabelecimento de um
acordo entre os atores políticos a respeito da disputa pacífica pelo poder;
tal acordo ou compromisso se expressa em um conjunto mínimo de regras
de procedimento, cujo núcleo central, segundo José Álvaro Moisés (1994,
p. 95), é a aceitação da tolerância em face da pluralidade de interesses,
identidades e concepções sobre as relações entre a sociedade e a política.
Nos termos do famoso axioma proposto por Dahl na sua análise
das poliarquias, esse acordo expressaria o consenso dos diferentes contendores de que os custos da repressão, isto é, da supressão da oposição,
são mais altos do que aqueles relativos à aceitação da sua coexistência, ou
seja, “quanto mais os custos da supressão excederem os custos da tolerância,
tanto maior a possibilidade de um regime competitivo” (DAHL, 1997, p. 37).
O conceito teórico de poliarquia, proposto por Dahl, busca descrever
a forma que a democracia pode assumir empiricamente no mundo moderno,
caracterizada acima de tudo pela diversidade das condições sociais, culturais
e econômicas dos indivíduos e pela multiplicidade de interesses em jogo, e as
condições necessárias e suficientes para seu estabelecimento (DAHL, 1997).
Dahl, afirma que a democracia se constitui como um sistema ideal,
que não existe de fato e emprega a poliarquia para referir-se a regimes
políticos relativamente democratizados, as democracias reais.
Nesse sentido, o conceito visa superar os modelos prescritivos de
democracia nos quais o ideal político a ser alcançado é destituído de vínculos com as condições sociais reais e estabelece critérios empiricamente
observáveis para uma operacionalização conceitual capaz de unir o “método
da maximização”, entendido como um valor ou meta a ser alcançado, e o
“método descritivo”, ou seja, as condições necessárias existentes no mundo
real, capazes de maximizar o modelo proposto (DAHL, 1989, p. 67).
74
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
Dessa forma, a reflexão de Dahl oferece um modelo hipotético para
o funcionamento da democracia e uma escala classificatória de regimes
políticos onde a poliarquia constitui o ponto extremo da democratização.
Segundo o modelo, uma das principais peculiaridades da poliarquia
seria a responsividade do governo às preferências dos cidadãos, o que
dependeria da oportunidade de os cidadãos formularem suas preferências,
expressarem-nas aos demais cidadãos e ao governo através de ações individuais ou coletivas e terem-nas igualmente consideradas pelo governo.
(DAHL, 1997. p. 26).
Segundo Dahl, os requisitos para que essas condições sejam satisfeitas devem ser asseguradas por oito condições institucionais previamente
estabelecidas: “1. liberdade de formar e aderir a organizações; 2. liberdade
de expressão; 3. liberdade de voto; 4. elegibilidade para os cargos públicos;
5. direito dos líderes políticos disputarem apoio; 5a. direito dos líderes políticos disputarem voto; 6. fontes alternativas de informação; 7. eleições livres
e idôneas; 8. instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras formas de preferência” (DAHL, 1997, p. 27).
Dessa forma, a participação política dos cidadãos nas poliarquias
dar-se-ia através de procedimentos eleitorais ou atividades de associações
de interesses, o que significa que elas são não só regimes de partidos políticos competitivos, como também pluralistas. (DAHL, 1989).
A premissa básica da concepção pluralista, inerente ao modelo poliárquico, é a multiplicidade de centros de poder, distribuídos funcional
e espacialmente em associações voluntárias de indivíduos que partilham
interesses políticos, econômicos ou culturais, permitindo que os mesmos
tenham a possibilidade de participar na formulação de políticas públicas
e, assim, influenciar o processo decisório de acordo com seus interesses.
Norberto Bobbio (1986, p. 23) também partilha da idéia de uma sociedade com vários centros de poder, onde os grupos e não os indivíduos
seriam os protagonistas da vida política em uma sociedade democrática,
“na qual não existe mais o povo como unidade ideal, mas apenas o povo
dividido de fato em grupos contrapostos e concorrentes, com sua relativa
autonomia diante do governo central”. Segundo Bobbio:
[...] A realidade que temos diante dos olhos é a de uma sociedade
centrífuga, que não tem apenas um centro de poder (a vontade geral
de Rousseau) mas muitos outros, merecendo por isto o nome, sobre o
Izaura Peghim Merendi
75
qual concordam os estudiosos da política, de sociedade policêntrica ou
poliarquica [...]. O modelo do estado democrático fundado na soberania
popular, idealizado à imagem e semelhança da soberania do príncipe,
era o modelo de uma sociedade monística. A sociedade real, sotoposta
aos governos democráticos, é pluralista (BOBBIO, 1986, p. 23)
Assim, a amplitude das condições institucionais e a extensão da
proporção da população habilitada a exercê-las constituem-se, respectivamente, nos eixos da liberalização e da participação que permitem a classificação dos regimes políticos.
Dado que o aumento da contestação e da participação6 amplia a
probabilidade de alternância no poder entre governo e grupos de oposição e, assim, intensifica as possibilidades de conflito, as condições para o
estabelecimento da poliarquia estão relacionadas à diminuição dos custos
esperados de tolerância do governo em relação à oposição e com o aumento dos custos de eliminação da oposição.
No mesmo sentido está o entendimento de Przeworsky e colaboradores, segundo o qual um governo é democrático somente se a oposição
estiver autorizada a competir, vencer e tomar posse dos cargos7.
Tal disputa ocorre quando existe uma oposição que tem alguma
possibilidade de chegar ao governo em decorrência de eleições. O preceito máximo de Przeworsky indica que “a democracia é um sistema no qual
os partidos perdem as eleições”, portanto, “enquanto os governantes forem
eleitos em eleições nas quais outros grupos tenham a chance de vencer e
enquanto não usarem o poder dos seus cargos para eliminar a oposição, o
fato de o chefe do Executivo ser um general ou um serviçal não acrescenta
nenhuma informação relevante”. Em outros termos:
Sempre que houve dúvida, classificamos como democracias apenas
aqueles sistemas nos quais os partidos situacionistas realmente perderam eleições. A alternância no poder constitui uma evidencia prima
facie da disputa (PRZEWORSKI et al, 1997, p. 131).
6 De acordo com Machado (2004, p. 72), a contestação pública implicaria na competição, discussão e disputa entre as diversas elites.
7 Os autores reconhecem que esta é uma definição minimalista da democracia, na medida em que
centra seu foco nas eleições.
76
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
Grande maioria dos autores da literatura de democratização vem adotando, apoiados nesta tradição Schumpeter / Dahl, uma definição de democracia
que passou a ser apontada como procedural mínima, já que se refere basicamente a eleições livres, honestas e competitivas, a direitos civis e políticos.
Scott Mainwaring e colaboradores (2002, p. 645) são exemplos de
autores que adotaram o precedural mínimo para a definição de regime democrático. Segundo os autores uma definição mínima é aquela que inclui
todos os aspectos essenciais da democracia, mas não propriedades que
não sejam necessariamente características da democracia, assim:
Uma definição é mínima quando todas as propriedades ou características de um ser que não são indispensáveis para a sua identificação são
apresentadas como propriedades variáveis, hipotéticas – não como propriedades definidoras. Isso equivale a dizer que tudo o que ultrapassa
uma caracterização mínima é deixado à verificação – não é declarado
verdadeiro por definição (MAINWARING et al, 2002, p. 648).
Neste sentido, os autores entendem que a democracia representativa
moderna tem quatro propriedades definidoras:
A democracia é um regime político: (a) que promove eleições competitivas livres e limpas para o Legislativo e o Executivo; (b) que pressupõe
uma cidadania adulta abrangente; (c) que protege as liberdades civis e
os direitos políticos; (d) no qual os governos eleitos de fato governam
e os militares estão sob controle civil. Esta definição é minimalista procedural (MAINWARING et al, 2002, p. 645-646).
As duas primeiras premissas explicitadas pelos autores abrangem as
dimensões clássicas analisadas por Dahl em Poliarquia (1997). A primeira
diz respeito ao caráter competitivo e limpo em que devem estar pautadas
as eleições8 do Executivo e Legislativo. Isso porque, segundo os autores,
essas eleições são um ingrediente essencial à democracia representativa
moderna, sendo que sua fraude e a coerção não podem determinar os resultados de eleições democráticas, as quais devem oferecer a possibilidade
de alternância no poder.
8 Por eleições entende-se que a escolha foi feita em eleições diretas isentas ou por um grupo em
sua maior parte escolhida em eleições diretas.
Izaura Peghim Merendi
77
A segunda premissa refere-se ao direito do voto, que deve ser extensivo à grande maioria da população adulta, sendo que haverá violação
grave deste princípio quando uma grande parcela da população adulta for
privada do direito de voto por motivos étnicos, de classe, de gênero, ou
de nível se instrução.
A terceira propriedade alude a liberdades civis e políticas, ou seja,
as democracias devem proteger direitos políticos e liberdades civis como a
liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a liberdade de organização, o direito ao hábeas corpus e outros. Como arrazoa os autores:
Mesmo que um governo seja escolhido em eleições livres e competitivas, com amplo sufrágio, na ausência de uma genuína garantia das
liberdades civis, não poderá ser considerado democrático de acordo
com o entendimento da palavra do mundo moderno (MAINWARING et
al, 2002, p. 650).
A quarta propriedade das democracias formulada pelos autores, diz
respeito ao poder genuíno de governar que devem possuir as autoridades eleitas, em oposição às situações em que os governantes eleitos são
ofuscados pelos militares ou por alguma figura não eleita. Assim, “se as
eleições são livres e limpas, mas elegem um governo que não consegue
controlar as principais arenas políticas porque os militares ou alguma outra
força o fazem, então o governo não é uma democracia” (MAINWARING et
al, 2002, p. 650).
Os autores entendem que as quatro premissas acima devem estar
presentes um uma definição de democracia, tornando-a mínima e completa.Eles afirmam que, “todos os quatro critérios são componentes necessários da democracia, sem os quais um regime não pode ser considerado
democrático e que, nenhum outro aspecto, além desses, é indispensável
para caracterizar uma democracia” (MAINWARING et al, 2002, p. 652).
Percebemos desta forma que a definição de democracia adotada
por Mainwaring e colaboradores tem uma importante semelhança com a
de Schumpeter, uma vez que se limita a questões procedimentais, focalizadas nas “regras do jogo”, ignorando resultados importantes como a
igualdade social.
Guilhermo O’Donnell (1998, p. 38), partilhando a mesma opinião
dos autores supra citados, adverte que:
78
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
Uma definição que combina democracia com um grau substancial de
justiça ou igualdade social não é útil em termos de análise. Além do
mais, é perigosa, pois tende a condenar qualquer democracia existente
e, portanto favorece o autoritarismo – na América Latina aprendemos
isso por esforço próprio nas décadas de 70 e 60.
O’Donnel (1993, p. 124) entende o conceito de poliarquia de Dahl
como o mais adequado para definir as democracias advindas com a queda de vários tipos “de sistemas autoritários” nas décadas de 70 e 80. De
acordo com o autor, “entre as muitas definições de democracia oferecidas,
penso que o conceito de poliarquia é especialmente útil ainda que necessite de alguns acréscimos [...]”.
Assim, O’Donnell entende que aos requisitos que compõe a poliarquia, em suma: eleições dos governantes, eleições livres e limpas, sufrágio
universal, direito de concorrer aos cargos eletivos, liberdade de expressão,
pluralismo de fontes de informação e liberdade de associação, sejam acrescentados outros três seguintes atributos:
1) autoridades eleitas não devem ser destituídas arbitrariamente, antes do fim de seus mandatos estabelecidos constitucionalmente;
2) os funcionários eleitos não devem estar sujeitos as restrições severas, vetos ou exclusão de certos domínios políticos por outros atores não
eleitos, especialmente as forças armadas;
3) deve haver um território incontestado que defina claramente a
população votante;
Da mesma forma que O’Donnell, Terry Karl e Phillipe Schmitter
(1996) também adotam a definição mínima de democracia e lhe adicionam
novo atributo, relativo ao à autodeterminação do sistema político. Segundo
os autores “este deve ser capaz de agir de forma independente, a salvo de
constrangimentos impostos por algum outro sistema político” (SCHMITTER
& KARL apud CASTRO SANTOS, 2001, p. 742).
Cabe ressaltar, que esta definição mínima de democracia, hoje adotada por grande parte dos autores que estudam a democracia, em especial
as democracias latinas decorrentes do processo de “transição”, já havia
sido defendida por Norberto Bobbio (1986, p. 18), em O futuro da democracia: em defesa das regras do jogo, onde o autor entende que a democracia deveria ser caracterizada “por um conjunto de regras (primárias
ou fundamentais) que estabelecessem quem está autorizado a tomar as
Izaura Peghim Merendi
79
decisões coletivas e com quais procedimentos”.
Mais adiante, Bobbio ainda ressalva que partindo de uma definição
procedimental de democracia, não se pode esquecer que um dos fautores
desta interpretação, Joseph Schumpeter, acertou em cheio quando sustentou que a característica de um governo democrático não é a ausência de
elites, mas a presença de muitas elites em concorrências entre si para a
conquista do voto popular” (1986, p. 27).
Desta forma, embora tenha sido Schumpeter um dos primeiros a
pensar a democracia como um procedimento ou método, não foi o único
a defender esta idéia. Muitos cientistas políticos modernos incorporam esta
definição, seja em sua versão original seja dando origem a uma versão
modificada, sustentando que a democracia é um projeto que se esgota na
normalização das instituições políticas.
Outros, contudo, refutam a idéia do “procedimentalismo”, argumentando que ao se converter a democracia em um conjunto de regras de
procedimentos para a formação das decisões coletivas, tende-se a esquecer
que “nenhum conjunto de regras consegue definir socialmente práticas
concretas, isto é, as atividades mediante as quais atores específcos interpretam, negociam e aplicam essas mesmas regras (NUN, 1992, p. 35)
Para os que compartilham essa perspectiva, a possibilidade de que a
refundação da ordem democrática na América Latina se esgote na simples
reestruturação dos regimes políticos é motivo de profunda preocupação,
haja vista que tal concepção, ao centrar-se no sistema das regras do jogo,
faz abstração dos conteúdos éticos da democracia e da natureza profunda
dos antagonismos sociais. Deste modo:
O perigo reside então no progressivo esvaziamento de conteúdos e
propósitos, como conseqüência do qual a democracia latino-americana
ficaria convertida em uma caricatura monstruosa de si mesma, uma
casca seca cuja majestade simbólica seria insuficiente para ocultar seu
tremendo vazio. A democracia se converteria em uma pura forma e
a vida social regrediria a uma situação “quase-hobbesiana” [grifos do
autor], na qual a desigual privatização da violência e o desesperado
“salve-se quem puder” [grifos do autor] ao qual se veriam empurrados
os indefesos cidadãos agredidos pelo capitalismo selvagem daria lugar
a todo tipo de comportamentos aberrantes. Este panorama já é visível,
com desigual intensidade, em várias das novas democracias de nosso
80
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
continente. O aumento da violência e a criminalidade, a decomposição
social e a anomia, a crise e a fragmentação dos partidos políticos, a prepotência burocrática do Executivo, a capitulação do Congresso, a inanição da Justiça, a corrupção do aparato Estatal e da sociedade civil, a
ineficácia do Estado, o isolamento da classe política, a impunidade para
os grandes criminosos e “mão dura” [grifos do autor] para pequenos
delinqüentes (...), o ressentimento e a frustração das massas constituem
a síndrome dessa perigosa decadência institucional de uma democracia
reduzida a uma fria gramática de poder e purgada de seus conteúdos
éticos (BORON, 1994, p. 38).
Boron (1994) defende que o verdadeiro significado da democracia só pode ser compreendido se concebido como um projeto indivisível que repousa em duas exigências: 1) conjunto de regras que
permitam institucionalizar os antagonismos sociais e alcançar resultados
incertos (nem sempre favorável ao interesse da classe dominante) e, 2)
a existência de uma “boa sociedade”, que necessariamente finaliza no
sistema socialista.
Essa postulação se articula em torno do ideal de igualdade e liberdade ou, mais precisamente,
A igualdade concreta dos produtores e a liberdade efetiva dos cidadãos
– dos quais se derivam não só a imagem de uma “utopia positiva” [grifo
do autor] mas também uma proposta de reforma social que suprima as
flagrantes injustiças do capitalismo e oriente aos agentes sociais da transformação nos traiçoeiros labirintos da conjuntura (BORON, 1994, p. 9).
Assim, no entendimento de Atílio Boron (1994, p. 9), só por esta via
se poderia reconciliar, ao menos parcialmente, a cidadania política abstrata da “democracia burguesa” com a descidadania social concreta que é
própria das sociedades capitalistas, haja vista que, em termos práticos, este
seria o único meio de “legitimar o regime democrático em uma região do
planeta na qual as marcas autoritárias do capitalismo se manifestaram com
uma singular intensidade”.
Desta forma, admite-se que o capitalismo tornou possível a concepção de uma democracia formal, onde “a liberdade e a propriedade
formam um par inseparável, e que, ao fim das contas democracia se
Izaura Peghim Merendi
81
identifica com liberalismo9” (DEL ROIO, 2004, p. 98), ou seja, a democracia formal expressaria uma forma de igualdade civil que coexiste com a
desigualdade social, capaz de deixar intocadas as relações entre as elites
e a multidão de trabalhadores.
Portanto, de maneira geral, a crítica à concepção democrática hegemônica, schumpeteriana, mínima, procedimental, elitista, pluralista etc,
fundamenta-se na idéia de que a democracia não constitui um mero acidente ou uma simples obra de engenharia institucional mas sim, uma nova
gramática histórica, uma forma sócio-histórica, incapaz de ser determinada
por quaisquer tipos de leis naturais (SANTOS, 2002, p. 51).
Colocando em outros termos:
A tarefa que tem diante de si a democracia latino-americana vai muito
além de assegurar a restauração das formas políticas congruentes com
os princípios fundamentais do regime democrático. Além disso [...] também deve demonstrar que a democracia é uma ferramenta eficaz para
assegurar a transformação social e a construção de uma “boa sociedade” [grifos do autor] (BORON, 1994, p. 16).
Assim, como já postulado acima, a crítica ao modelo hegemônico da
democracia não rompe com o procedimentalismo democrático, mas mantêm
a resposta procedimental ao problema da democracia vinculando, entretanto, procedimento com forma de vida e entendendo a democracia como
forma de aperfeiçoamento da convivência humana. (SANTOS, 2002, p. 50).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, podemos entender que os debates sobre a democracia e seus problemas podem ser dimensionados em dois campos teóricos
distintos. No primeiro estão aqueles que entendem a democracia como um
projeto que se esgota na normalização das instituições políticas. No segundo
se encontram os que analisam a democracia burguesa e seus limites a partir
da forma como o Estado se organiza, onde a democracia seria uma gramática de organização da sociedade e da relação do Estado com a sociedade.
9 De acordo com Marcos Del Roio (2004, p. 98), a institucionalidade política do liberalismo se
expressaria na representação política dos cidadãos e na separação dos poderes, restando saber
como se define o corpo da cidadania, para saber se ocorre alguma forma de conluio efetivo do
liberalismo com a democracia ou se prevalece o confronto entre democracia e liberalismo.
82
Repensando a questão democrática: uma análise acerca do modelo hegemônico de democracia
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DA INCOMPATIBILIDADE DA LEI MARIA
DA PENHA COM O INSTITUTO DA SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa1
Nilton Bonder, em O Crime Descompensa – Um Ensaio Místico Contra
a Impunidade, narra a história de um homem que se colocou na entrada
de Sodoma, denunciando a injustiça e a impunidade que reinavam na
cidade. Um indivíduo passou por este homem e comentou: “Por anos
você tem ficado aí tentando persuadir as pessoas a mudarem de atitude e com nenhuma delas obteve sucesso. Por que você continua? Este
respondeu: Quando inicialmente vim para cá eu protestava, pois tinha
esperanças de modificar as pessoas. Agora, continuo a gritar e denunciar, pois, se não o faço, elas é que terão me modificado”.
INTRODUÇÃO
A ineficácia da justiça penal consensuada na repressão e tratamento
dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher foi a única e grande razão para o artigo 412 da Lei 11.340/2006, determinar de forma expressa que aos crimes praticados com violência doméstica, independentemente
da pena cominada, não se aplica a Lei dos Juizados Especiais Criminais.
Em que pese alguns doutrinadores e operadores do direito se insurgirem contra este dispositivo, entendemos que ele é absolutamente pertinente e necessário, já que o legislador desejou de fato extirpar qualquer
dúvida quanto à impossibilidade da aplicação da lei 9.099/1995, em todos
os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.
1 Promotora de Justiça do Estado de Mato Grosso; Titular da 15ª Promotoria Criminal, Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá-MT; Pós-Graduada
em Direito Público pela Universidade de Cuiabá e Fundação Escola Superior do Ministério
Público em 2003; Pós-Graduada em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal
de Mato Grosso em 2004.
2 Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
86
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
Tal dispositivo denota a insatisfação geral com a forma desumana
com que tais crimes eram tratados na maioria dos juizados especiais criminais, sob a incidência dos institutos despenalizadores, sem atender de forma alguma ao modelo idealizado pelo legislador, quando da promulgação
da Lei nº 9.099/1995.
Bem antes da entrada em vigor da Lei 11.340/2006, Leila Linhares
Barsted, em estudo denominado: A Violência contra as Mulheres no Brasil
e a Convenção de Belém do Pará Dez Anos Depois3, constatou o seguinte:
De modo geral, teoricamente a Lei 9.099/95 apresenta uma solução
rápida para o conflito, permitindo a sua composição sem a interferência punitiva do Estado e reforça a possibilidade de aplicação de penas
alternativas à prisão. Para muitos, representa um avanço em termos do
Direito Penal, considerando-se as partes como tendo o mesmo poder
para aceitar ou não o acordo. No entanto, levando-se em conta a natureza do conflito e a relação de poder presente nos casos de violência
doméstica, essa lei acaba por estimular a desistência das mulheres em
processar o marido ou companheiro agressor. Com isso, estimula também a idéia de impunidade presente nos costumes e na prática que leva
os homens a agredirem as mulheres. Após dez anos da aprovação dessa
lei, constata-se que cerca de 70% dos casos que chegam aos Juizados
Especiais Criminais envolvem situações de violência doméstica contra
as mulheres. Do conjunto desses casos, a grande maioria termina em
“conciliação”, sem que o Ministério Público ou o juiz tomem conhecimento e sem que as mulheres encontrem uma resposta qualificada do
poder público à violência sofrida.
Insatisfeitos com a manutenção da Lei 9.099/05, o consórcio de ONGs
e o movimento de mulheres atuou no Congresso para apoiar um substitutivo a esse projeto que retire, definitivamente, da competência dos
Juizados Especiais Criminais, os crimes de violência doméstica. Essa
iniciativa é fundamental para a mudança da mentalidade da sociedade,
que ainda continua condescendente ou omissa diante das agressões
contra as mulheres.
3 Barsted . Leila Linhares, Advogada, diretora da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e
Ação(Cepia). O Progresso das Mulheres no Brasil. Disponível no site: http://www.mulheresnobrasil.org.br/pdf/PMB_Cap8.pdf, acessado no dia 7 de Junho de 2007, grifo nosso.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
87
Esta realidade parece ser ignorada por muitos operadores jurídicos,
que ainda defendem a simplicidade procedimental dos juizados, como os
que insistem no absurdo de aplicar a suspensão condicional do processo,
para crimes tão relevantes e devastadores para a vítima e toda sua família.
Ações malévolas que sem dúvida há tempos reclamava uma ação afirmativa como prevista na Lei 11.340/2006, que constitui autêntico instrumento
estatuído para reequilibrar as relações de gênero.
O FRACASSO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS PARA
CONHECER E JULGAR OS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Consultando o histórico de como a violência doméstica contra a
mulher era tratada sob a égide da Lei n.º 9.099/1995 é impossível não reconhecer o evidente fracasso dos Juizados Especiais Criminais para conhecer
e “julgar” tais crimes.
Carmen Hein de Campos, da University of Toronto e Salo de Carvalho,
da Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul, em brilhante artigo intitulado: Violência Doméstica e Juizados Especiais Criminais: análise a
partir do feminismo e do garantismo, nos trás importantes esclarecimentos:
[...] se os Juizados Especiais Criminais não satisfazem a vítima e muito
menos o autor do fato, qual seria sua finalidade? Para quem servem?
Após o estudo teórico e empírico dos dez anos de vigência da Lei,
percebe-se que os conflitos chegam ao Judiciário quando inexiste, entre
os envolvidos, capacidade de diálogo. Em se tratando de pessoas de
“carne e osso” (humanas, demasiado humanas), o litígio judicializado
representa a patologia da relação afetiva. A questão é que esse quadro, por si só, revela a dificuldade de conciliação entre as partes e da
intermediação do diálogo. No entanto, se adentrar nesse triste palco a
interferência inábil do ator incumbido de tentar restabelecer os laços
(magistrado), o desenrolar do espetáculo causará profundo mal-estar
em todos os envolvidos, projetando final melancólico.
Os operadores jurídicos em geral, mas, sobretudo os juízes, padecem
de profunda falta de capacidade de escuta. A formação decisionista dos
julgadores, que pouco apreendem as angústias das partes envolvidas,
88
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
incapacita qualquer possibilidade de mediação razoável de conflitos,
potencializando-os. Nesse sentido, a resposta à indagação “para quem
servem os Juizados Especiais Criminais?” pode ser encontrada se olhar
o encanto dos operadores do direito com seus espelhos, visto que parecem ser eles os únicos satisfeitos com o modelo.
Talvez o “sucesso” divulgado dos Juizados Especiais Criminais entre os
juristas, em que pese o fracasso em relação às expectativas das pessoas
às quais deveriam servir, seja o papel de nutriente que desempenha no
narcisismo de pessoas que se julgam aptas e preparadas para o papel
de conciliadores quando nem sequer conseguiram romper com a cultura inquisitiva (decisionista) que as informa. Nesse triste quadro, o conflito é (re)privatizado,ocorrendo inversão operacional: novas violências
conjugais não são prevenidas e novas violências públicas (do processo)
são acrescentados ao desgastado relacionamento.4
Sobre a inconveniência dos Juizados Especiais Criminais, continuarem conhecendo e julgando a importante questão referente à violência
doméstica e familiar contra a mulher, coletamos a opinião importante do
jurista Lenio Luiz Streck:
Com o juizado especial criminal, o Estado sai cada vez mais das relações
sociais. No fundo, foi institucionalizada a “surra doméstica”, a partir da
transformação do delito de lesões corporais de ação pública incondicionada para ação pública condicionada. Além disto, uma “surra doméstica” é considerada crime de menor potencial ofensivo (soft crime), cuja
pena é o pagamento de uma cesta básica...! Mais do que isso, a nova Lei
dos Juizados permite, agora, o “duelo nos limites das lesões”, eis que
não interfere na contenda entre pessoas, desde que os ferimentos não
ultrapassem as lesões leves (que, como se sabe, pelas exigências do art.
129 e seus parágrafos, podem não ser tão leves assim).5
4 Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2): 409-422, maio-agosto/2006, p.409/422.
5 Tal entendimento, rechaçado inicialmente em face da Lei Maria Penha prever, no entendimento
de muitos, que o tipo de ação penal voltaria a ser pública incondicionada, volta a ser aplicado,
após a decisão do STJ sobre o tema, no recurso repetitivo julgado em Fevereiro de 2010, já que
por maioria, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser necessária a
representação da vítima no casos de lesões corporais de natureza leve, decorrentes de violência
doméstica, para a propositura da ação penal pelo Ministério Público. O entendimento foi contrário ao do relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
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O Estado assiste de camarote e diz: batam-se que eu não tenho nada
com isto!6.
Mais adiante arrematando:
Esse estado da arte do direito penal e do tratamento dispensado à mulher não pode ser ignorado, bastando para tal examinar alguns aspectos
que apontam para esse desiderato: a) a transformação dos crimes de
lesões corporais em crimes de ação penal pública condicionada à representação, o que faz com que, na prática, ocorra a institucionalização
da surra doméstica (ou alguém acha que a mulher, face to face com o
marido agressor, contra ele representará?); b) a banalização da agressão
do marido contra a mulher, o que se pode constatar por casos julgados
como o seguinte, que teve que ser reformado pelo STJ: “O amásio da
vítima a esfaqueou no pescoço, com avulsão da musculatura, sendo denunciado por lesão corporal. O juiz monocrático – e com ele o colegiado – embora reconhecendo que não havia excludente da antijuridicidade, absolveu o réu, invocando ‘política criminal’ e ‘harmonia do lar’. O
Tribunal, por seu turno, ao confirmar a sentença absolutória, acresceu o
‘princípio da bagatela’”. O STJ, em grau de recurso, assim se manifestou:
“Não toca ao juiz, depois de reconhecer a inexistência de excludente de
antijuridicidade, absolver o réu por razões metajurídicas”(RT 711/393)...
Oportuníssima, pois, a correção operada pelo STJ. Entretanto, ainda é
comum encontrar julgados estabelecendo que “em inúmeros casos tem
o Poder Judiciário reconhecido ser aconselhável a absolvição do acusado que pratica pequenas agressões contra o cônjuge, ante a verificação
de que o casal se reconciliou e de que a pequenez do agravo físico
deve ceder perante o bom convívio familiar” (sic). (RT 538/360)7
Vejam ao absurdo que a intervenção penal mínima nos remete em
tais peculiares casos, pois espancar uma mulher, quase sempre na frente
de seus filhos, não poderia jamais ser tido como um crime que não mere6 STRECK, L.L. Artigo: O imaginário dos juristas e a violência contra a mulher: da necessidade
(urgente) de uma crítica da razão cínica em Terrae Brasilis, ESTUDOS JURÍDICOS, Vol. 37, nº
100, maio/agosto. 2004. Grifamos
7 STRECK, op. Cit. 2004, p.133
90
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
cesse exemplar reprimenda estatal, na medida em que cada ato humano
tem um conteúdo fático pelo qual cada pessoa capaz dever ser responsabilizada, sob pena de passarem a agir como se estivessem acima dos
direitos das outras pessoas, legitimando-se o “direito dos homens agredirem as mulheres”, desde que não deixem lesões corporais de natureza
grave. Exigindo-se que uma vítima muitas vezes desestruturada material e
emocionalmente seja chamada a se manifestar para dizer se deseja ou não
a punição de seu agressor, retornando toda responsabilidade para aquela
que deveria ser amparada (vítima), como se o Estado, literalmente, nada
tivesse a ver com isso.
Por tais razões, a Lei Maria da Penha vedou a aplicação dos institutos
despenalizadores do Juizado Especial Criminal nos crimes cometidos com
violência doméstica e familiar contra a mulher, o que continua a ser ignorado
pelos operadores jurídicos, que tendo em conta somente seus próprios interesses ou exaltando entendimentos jurídicos de cunho duvidoso no ponto
de vista do real enfrentamento da questão, continuam levando para os Juizados e Varas Especializadas de Violência Doméstica, muito dessa “justiça
consensuada” com fracasso comprovado, ignorando que se a forma procedimental do juizado estivesse boa para tratar da questão, poderíamos ter
continuado da forma que estávamos, sendo desnecessária a promulgação
de lei que se pretende mais rigorosa, como é o caso da Lei Maria da Penha.
Jamais se ocuparam os Juizados Especiais Criminais da defesa das
mulheres enquanto sujeitos de direitos, pelo contrário, agiam seus operadores como “guardiões” da família, estatuindo a nefasta tese de resgate da
“harmonia familiar”, a qualquer preço, onde, equivocadamente, as mulheres
eram oferecidas em sacrifício, pois neste sistema despreparado e cego, só a
elas coube o peso muitas vezes insustentável de “salvar a relação”, embora,
em muitos casos, nada de altruísta e saudável existisse para ser “salvo”, já
que os contendores se encontram enclausurados em relacionamentos insatisfatórios, nos quais as mulheres estavam sujeitas a atitudes predatórias e
destrutivas e se viam estimuladas a prosseguir próximas demais do perigo,
curvando-se “gentilmente” diante da autoridade e do medo.
Fechando os olhos para a triste realidade da violência de gênero, o
Poder Judiciário continuou privatizando as demandas para lhe poupar trabalho, pois tinha assuntos muito mais “importantes” para tratar, enquanto
as mulheres continuaram a ser agredidas, sem que fossem sequer reconhecidas como vítimas, vez que foram transformadas apenas em esposas ou
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
91
companheiras, enquanto o agressor passava a ser tão somente o marido ou
companheiro, jamais o réu, merecedor de reprimenda.
A LEI MARIA DA PENHA E O EFETIVO ENFRENTAMENTO DA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Insatisfeitos com a manutenção da Lei 9.099/05, o consórcio de ONGs
e o movimento de mulheres atuou no Congresso para apoiar um substitutivo
a esse projeto que retirasse, definitivamente, da competência dos Juizados
Especiais Criminais, os crimes de violência doméstica contra a mulher.
Essa iniciativa, que culminou tempos depois na promulgação da Lei
Maria da Penha, foi fundamental para uma mudança de mentalidade na
sociedade, que ainda continua condescendente e omissa diante das agressões contra as mulheres.
Ressalte-se que o ingresso do conflito conjugal no Poder Judiciário
tem significado simbólico importante para a mulher agredida. Não apenas
pela visibilidade que dá à violência, mas pela informação ao Poder Público
de que a mulher agredida, sozinha, não conseguirá pôr termo à agressão.
A reafirmação da violência na presença do juiz e demais operadores, significa a materialização do conflito em sua dimensão de maior ou menor
gravidade, realizando deslocamento capaz de inverter, momentaneamente,
a assimetria na relação conjugal.
A interferência de atores externos ao conflito (juiz, promotor,delegad
o,advogado,defensor)representa importante variável para a vítima,(re)
capacitando-a em condições e potencialidades de fala, restabelecendo
o equilíbrio rompido com a violência.
No entanto, as soluções encontradas pela Lei do Juizado Especial, através
dos institutos de composição civil e transação penal, obstaculizam essa
expectativa. A composição civil igualmente tem sido vista como momento
privilegiado para a vítima. No entanto, pressupõe a existência de dois litigantes em igualdade de condições. Ocorre que invariavelmente, nos casos
de violência doméstica, os dois atores apresentam-se em disparidade.
A violência atua como mecanismo de submissão da diversidade, impedindo o livre exercício da vontade. As relações assimétricas de poder
funcionam como impeditivos às relações de igualdade, pressuposto da
92
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
composição civil. Lembre-se que não se está a falar da possibilidade
da composição civil entre Tício e Caio, em disputa eventual. Fala-se
de Tício que convive há muitos anos com Joana e que a ameaça ou a
agride diariamente. Se, por um lado, a convivência durante muitos anos
revela o padrão da relação (violenta), a busca da solução judicial revela
a tentativa de ver restabelecido o equilíbrio rompido. Por isso, nessa
situação não há possibilidade de relações isonômicas.
Por outro lado, qualquer proposta de composição necessita da plena
aceitação por parte do autor do fato e, em caso de recusa, a vítima fica
“afônica”, perdendo novamente sua capacidade de fala. O desconhecimento do significado da violência contra as mulheres pela tradição jurídica (operadores e teóricos do direito) tem permitido igualar relações
assimétricas de poder.
Outrossim, a transação penal igualmente exclui a vítima, visto que não
há momento opinativo sobre as condições aplicadas ao autor do fato – p.
ex. a conveniência da medida no caso concreto. As condições geralmente
impostas não cessam a violência, muito menos previnem novos conflitos,
porque não são acompanhadas de nenhuma medida protetiva à vítima.
Assim, a forma de aplicação dos novos institutos acaba renovando a
disputa conjugal em desfavor à vítima, devolvendo o poder ao autor
de violência, pois, em última análise, é o sujeito que tem a capacidade
de aceitar os termos da proposta. Reprivatiza-se, portanto, conflito que
veio ao Judiciário buscar resolução do Poder Público. Crítica garantista
ao tratamento judicial dos crimes de “menor potencial ofensivo” e o seu
reflexo na violência doméstica.
Os Juizados Especiais Criminais solidificaram no Brasil a tendência de
sumarização dos procedimentos, isto é, simplificar e reduzir os procedimentos de natureza processual, a partir dos postulados de se auferir ao
processo penal celeridade e eficiência. O resultado, como se pôde perceber nestes dez anos da Lei 9.099/95, foi a aproximação cada vez maior
do processo penal aos sistemas de composição de litígios administrativos com a supressão de alguns institutos penais como, por exemplo,o
contraditório.O artigo 98, I, da Constituição da República,determinou
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
93
que os Estados e a União deveriam criar Juizados Especiais com competência para processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo. A Constituição não apenas criou nova modalidade de delito na
legislação penal brasileira (crimes de menor potencial ofensivo), como
também impôs a readequação processual para o seu ajustamento, projetando sistema moldado pelo rito sumaríssimo e baseado nos princípios
de oralidade,simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando a conciliação ou a transação (art.2o, Lei 9.099/95).
Como demonstrado anteriormente, o erro inicial do artesão da Lei
9.099/95 foi vincular a adjetivação do delito de menor potencial ofensivo à quantidade de pena cominada. Essa opção seria viável se o sistema
brasileiro de penas respeitasse os postulados da proporcionalidade e da
razoabilidade, conferindo ao crime pena conforme a gravidade da lesão.
No entanto, após a edição do Código Penal em 1940 – cuja Parte Especial que nomina os delitos e determina as penas continua em vigor –,
série infindável de Leis Penais Especiais foram criadas, gerando sistema
penal extravagante que acabou por consolidar a desestabilização da
proporcionalidade das sanções penais. Dessa maneira, ao não ser utilizado o critério do bem jurídico (tipicidade material) para definir quais
seriam os crimes de menor potencial ofensivo, mas a pena aplicada,
foram criadas situações absolutamente paradoxais, como é o caso de
adjetivar a maioria dos atos de violência doméstica como “crimes menores”. Lembre-se, por exemplo, que, no caso da definição dos crimes
hediondos, o redator da Lei 8.072/90 optou por critério diferenciado,
enumerando explicitamente, a partir da gravidade da lesão ou da reprovabilidade do fato, os tipos penais que conformariam essa classe
delitiva (art. 1o, Lei 8.072/90).
O respeito ao critério do bem jurídico, por si só, excluiria a violência
doméstica dessa adjetivação que, no caso específico de crimes contras
as mulheres, acaba por tornar-se, do ponto de vista político criminal,
absolutamente pejorativa. Definidos os crimes submetidos à competência dos Juizados, importante fixar a avaliação no ritmo processual e nos
efeitos delineados pela Lei. Com o objetivo de celeridade e desburocratização na busca da composição civil e da transação penal, a Lei 9.099/95
94
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
rompeu com a estrutura formal mínima dos procedimentos penais, mesmo aqueles previstos aos ritos sumários, tais como obtenção de prova.
A opção pela simplicidade procedimental acabou por gerar total descontrole no que tange à regularidade dos atos, expondo, em inúmeros
casos, os autores dos fatos a situações constrangedoras, vista a ausência
de mecanismos de controle típicos dos sistemas processuais de garantias. A ausência de investigação preliminar que possa auferir suporte
probatório mínimo... Na realidade trágica dos Juizados Especiais Criminais, em face da idéia generalizada de que é fundamental se chegar
ao acordo, seja para diminuir o volume dos processos, seja pela impaciência dos agentes públicos em verificar as causas que deflagraram o
conflito, acaba por imperar o princípio do in dubio pro transação penal,
na feliz expressão de Bogo Chies.
[...] Nota-se, desde o marco feminista, que a Lei 9.099/95 está em completa dissonância com a proteção dos direitos humanos das mulheres,
em especial aqueles estabelecidos na Convenção de Belém do Pará,
notadamente pela ausência de medidas que garantam sua integridade física e emocional (artigo VII, “d”,Convenção de Belém do Pará).A
quantidade ímpar de conflitos domésticos levados aos Juizados Especiais, conjugada ao despreparo dos magistrados ou conciliadores, tem
demonstrado que a resposta do Poder Público opera inversamente ao
discurso oficial de proteção às vítimas. Ao ser retirada sua capacidade
de fala, o processo torna-se incapaz de lidar com a violência de gênero,
negando proteção aos direitos fundamentais.
A Lei 9.099/95, ao definir os delitos em razão da pena cominada e não
do bem jurídico tutelado, não compreendeu a natureza diferenciada da
violência doméstica. Essa (in) compreensão jurídica tem como conseqüência a banalização da violência de gênero, tanto pelo procedimento
inadequado como pelas condições impostas na composição civil e na
transação penal. As possibilidades de escuta da vítima mostraram-se falaciosas devido à diminuição de sua intervenção na discussão sobre os
termos da composição civil e, sobretudo, da transação penal.8
8 Carmen Hein de Campos, da University of Toronto e Salo de Carvalho, da Pontifícia universidade
Católica do Rio Grande do Sul, em brilhante artigo intitulado: Violência Doméstica e Juizados Especiais Criminais Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2): 409-422, maio-agosto/2006, p.409/422.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
95
DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 41 E DA
INAPLICABILIDADE DA LEI 9099/95, AOS CASOS DE CRIMES
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Primeiro há que se reafirmar que o artigo 41 da Lei 11.340/2010 não
atenta contra o princípio da igualdade, inserto no artigo 5º, inciso I, da
Constituição Federal, vez que tal igualdade foi ali inserida como um objetivo a ser alcançado, sendo inquestionável as desigualdades existentes entre
homens e mulheres, constituindo a Lei Maria da Penha, em uma autêntica
medida de ação afirmativa que visa restabelecer a igualdade material entre
gêneros, tais como outras já tão conhecidas, como a reserva de vagas para
serem ocupadas por deficientes físicos, a reserva de percentual de candidaturas políticas a serem ocupadas por mulheres nos partidos, o próprio
Estatuto do Idoso, da Criança e do Adolescente e tantas outras normas que
possuem a intenção clara de diminuir as diferenças e suprimir as desigualdades reais constatadas estatisticamente.
Tampouco há qualquer dissonância entre o artigo 41 e o disposto no
artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 98 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas
cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos,
nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos
por turmas de juízes de primeiro grau;
O legislador foi muito claro ao determinar que leis infraconstitucionais estabelecessem as hipóteses em que a transação penal e demais institutos despenalizadores seriam possíveis, e o artigo 41, estatuiu que independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099/1995 nos crimes
de violência doméstica e familiar contra a mulher, sem fazer qualquer exceção, mesmo que as penas previstas para tais crimes estejam dentro do parâmetro que as definam como infrações penais de menor potencial ofensivo.
96
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
Ademais, recorda-se que o advento da Lei 9.099/1995, desencadeou
diversas polêmicas quanto à incidência dos novos institutos despenalizadores na Justiça Militar, até que o legislador pátrio, demonstrando sua real intenção, editou a Lei 9.839/1999 que, acrescentando o art. 90-A a Lei 9.099/95,
vedou expressamente a sua aplicação no âmbito da Justiça Militar, ainda que
a pena máxima prevista para as infrações não sejam superiores há dois anos,
por possuírem procedimento próprio e especial, tal qual a Lei 11.340/2006
conferiu aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Um possível argumento no sentido de que a competência dos Juizados Especiais Criminais seria de natureza constitucional não pode ser
admitido, vez que ficou a cargo de lei infraconstitucional a definição das
infrações de menor potencial.
Além disso, considerar que crimes de violência doméstica e familiar
contra a mulher possam ser definidos como infrações de menor potencial
ofensivo ou sujeitas aos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, atenta
contra o bom senso e dignidade da pessoa humana, sobre o que gostaria
de abrir um parêntese para consignar a opinião abalizada dos estudiosos
mencionados anteriormente, que bem relatam a espécie de tratamento dispensada às mulheres vítimas nos Juizados Especiais Criminais:
Carmen Campos e Salo de Carvalho, em obra já mencionada, nos trás
importantes esclarecimentos: “Criada para julgar os crimes de menor
potencial ofensivo e tendo como paradigma o comportamento individual violento masculino (Caio contra Tício), a Lei 9.099/95 acabou por recepcionar não a ação violenta e esporádica de Tício contra Caio, mas a
violência cotidiana, permanente e habitual de Caio contra Maria, de Tício contra Joana. Assim, os crimes de ameaças e de lesões corporais que
passaram a ser julgados pela “nova” Lei são majoritariamente cometidos
contra as mulheres e respondem por cerca de 60% a 70% do volume
processual dos Juizados... No entanto, esse ‘desvelamento’ da violência
doméstica não contribuiu para minimizá-la ou para encontrar outras
formas diversas de tratamento preventivo ou repressivo. Sem observar
a predominância histórica do paradigma masculino que se infiltrou na
nova Lei, a maioria dos juristas, inclusive número expressivo da crítica
jurídica, acabou por não considerar em suas análises tais implicações. A
mais importante deriva do fato de que, em se tratando de violência de
gênero, o pólo passivo (da relação penal material) é composto majori-
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
97
tariamente de mulheres. Assim, a exclusão da análise de gênero sobre a
Lei 9.099/95 impossibilitou compreender as diferenças da incidência do
controle formal sobre as mulheres.
No entanto, ao excluírem esse recorte de gênero, acabam reduzindo a
complexidade da análise e sofrem o que se poderia denominar “complexo de gênero” ou “complexo de misoginia”. A categoria “gênero”, ao
maximizar a compreensão do funcionamento do sistema penal, social e
político, desvela a aparência de neutralidade e de imparcialidade (“assepsia jurídica”) e o tecnicismo dogmatizante com o qual se formulam
os discursos jurídicos e cujo resultado é ofuscar e legitimar a visão predominantemente masculina.
Nota-se, pois, no que tange à fenomenologia da violência tratada pela
Lei 9.099/95, que não se trata de ofensas comuns, mas dessa forma
específica de violência dirigida contra as mulheres. Imprescindível, porém, antes da avaliação do problema propriamente dito, apontar algumas questões preliminares acerca da violência doméstica contra as mulheres. Entende-se por violência doméstica aquelas condutas ofensivas
realizadas nas relações de afetividade ou conjugalidade hierarquizadas
entre os sexos, cujo objetivo é a submissão ou subjugação, impedindo
ao outro o livre exercício da cidadania. A violência doméstica contra as
mulheres é, portanto, uma forma de expressão da violência de gênero.
Portanto, em se tratando de violência de natureza específica de gênero, não podemos admitir que o operador jurídico repita os mesmos
equívocos da época em que tais casos eram atribuídos aos Juizados Especiais Criminais, considerando, por exemplo, passível de suspensão condicional do processo os crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um
ano, pois assim agindo, não estaríamos levando em conta a peculiaridade
e potencialidade da ofensa, passando a simplesmente medi-la pela quantidade da pena cominada. Tal critério afronta a LMP e desrespeita a valoração normativa do bem jurídico tutelado e, se aplicado indistintamente
aos casos de violência doméstica, implica na negação da tutela jurídica aos
direitos fundamentais das mulheres.
Assim, o artigo 41 encontra seu fundamento de validade nos princípios fundamentais estatuídos pela Constituição Federal de 1988, nada pos-
98
Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
suindo de inconstitucional, sendo vedado, portanto para os crimes de violência doméstica e familiar, TODOS os institutos despenalizadores da Lei n.º
9.099/1995, tais como transação penal, suspensão condicional do processo, composição civil dos danos com causa de extinção de punibilidade, lavratura de termo circunstanciado, exigindo-se a lavratura de auto de prisão
em flagrante, se for o caso e instauração do respectivo inquérito policial.
Aliás, se fosse intenção do legislador que se continuasse aplicando os
institutos despenalizadores previstos na Lei do Juizado Especial Criminal aos
delitos de violência doméstica e familiar, inclusive a exigência de representação nos crimes de lesão corporal, o teria feito expressamente, como o fez
no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 1º de Outubro de 2003), cujo artigo
94, assim dispõe: “Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento
previsto na Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no
que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”
Nos casos de contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, como o artigo 41 fala de crimes, continuam
permitidos alguns dos institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/1995,
tais como a transação penal e a lavratura de termo circunstanciado, que
deverá, no entanto, ser encaminhado ao órgão jurisdicional com competência para o julgamento dos casos de violência doméstica e familiar contra
a mulher( juizados de violência doméstica ou varas especializadas), sendo
vedada a remessa para os Juizados especiais criminais, bem como, por
determinação expressa do artigo 17 desta Lei, a aplicação de penas pecuniárias ou cestas básicas.
DA INCOMPATIBILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA COM O
INSTITUTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Como já afirmamos, para fins de efetivo cumprimento de seu desiderato, a Lei Maria da Penha vedou a aplicação dos institutos despenalizadores do Juizado Especial Criminal nos crimes cometidos com violência
doméstica e familiar contra a mulher, tendo em conta seu objetivo de efetivo enfrentamento da questão de gênero, diante do comprovado fracasso
da justiça penal consensuada para tais casos.
Fosse para se continuar admitindo tais institutos,porque uma lei mais
rigorosa, como pretende ser a Lei 11.340/2006? Se a forma procedimental
do juizado estivesse satisfatória, poderíamos ter continuado com ela.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
99
Indago: Qual a importância de se instaurar inquéritos policiais e se ofertar denúncias se ao final haveremos de conceder ao réu, desde que o mesmo
aceite (a vítima não é sequer ouvida), a suspensão condicional do processo?
Torna-se absolutamente inócua a aplicação da LMP desta maneira, deixando-se os crimes sem resposta, os agressores sem castigo e as vitimas sem voz.
A Lei 11.340/2006 criou procedimento próprio e especial para análise
e julgamento dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Confiram novamente o teor do Art. 41: “Aos crimes praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da
pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
Vê-se claramente que o dispositivo não fez qualquer exceção, mesmo que a pena prevista para tais crimes esteja dentro dos parâmetros que
as definiriam como infrações penais de menor potencial ofensivo ou passíveis de suspensão condicional do processo, já que a intenção do legislador
foi ressaltar a importância de cada um dos casos de violência doméstica,
que não poderiam mais ser nivelados a partir de números, tendo como
“critério” apenas a quantidade de pena máxima e mínima prevista.
A Suspensão Condicional do Processo, introduzida pelo artigo 89 da
Lei nº 9.099/95, diferenciou-se dos demais institutos previstos na mesma
Lei, em decorrência de seu raio de aplicabilidade, qual seja, nos crimes
cuja pena mínima fosse igual ou inferior a um ano, nos casos abrangidos
ou não pela lei mencionada. (norma de cunho geral).
Contudo, a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006, dispôs
de forma diversa, estatuindo claramente em seu artigo 41, que nos crimes
de violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da
pena cominada, estariam vedados TODOS os institutos despenalizadores
da Lei nº 9.099/95, dentre os quais a suspensão condicional do processo.
Em se tratando de violência de natureza específica de gênero, não
podemos admitir que o operador jurídico repita os mesmos equívocos da
época em que tais casos eram atribuídos aos Juizados Especiais Criminais,
considerando-os passíveis de suspensão condicional do processo, pois assim agindo, não estariam levando em conta a peculiaridade e potencialidade das ofensas, passando a simplesmente medi-las pela quantidade da
pena cominada. Tal critério afronta a própria razão de existir da LMP e
desrespeita a valoração normativa do bem jurídico tutelado e, se aplicado
indistintamente aos casos de violência doméstica, implicará na negação da
tutela jurídica aos direitos fundamentais das mulheres.
100 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
E não é só a suspensão condicional do processo que está proibida,
o artigo 41 veda a aplicação nos crimes de violência doméstica e familiar,
de TODOS os institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/1995, tais como:
transação penal, composição civil dos danos como causa de extinção de
punibilidade e lavratura de termo circunstanciado.
Ressaltando-se que o princípio da especialidade deixa claro que a
lei de natureza geral, por abranger ou compreender um todo, é aplicada
tão-somente quando uma norma de caráter mais específico sobre determinada matéria não se verificar no ordenamento jurídico vigente.
Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a lei de
índole específica sempre será aplicada em prejuízo daquela que foi editada
para reger condutas de ordem geral.
Aliás, a lei antiviolência doméstica é muito clara ao estabelecer que:
o
“Art. 4 Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que
ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar’’.
Como bem esclarece Amini Haddad ao comentar tal artigo no livro
Direitos Humanos das Mulheres, escrito com nossa co-autoria
A Lei de Introdução9 ao Código Civil ressalta a necessidade do cumprimento das chamadas “vocações legais”. Ou seja, em toda tarefa interpretativa, dever-se-á observar a finalidade da norma ao preenchimento
dos campos sociais nos quais ela se insere.
A Lei Maria da Penha trouxe outro acréscimo à condição interpretativa: a situação peculiar das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Isso significa que ao aplicar a lei, deverá o magistrado observar todas
as medidas mais eficazes possíveis à realidade da vítima de violência
doméstica, fazendo valer, inclusive ex officio, vias de proteção, nos
estritos limites do art. 19, §1o. da Lei 11.340/06.
De igual forma, deverá o Juiz estar atento às dificuldades psicológicas
vivenciadas pela vítima (ex. baixa auto-estima, depressão, sentimentos
de inferioridade ou culpa etc), para aplicabilidade da diretriz do art. 9o.,
§1o. da Lei 11.340/06.
Assim, às vezes, as audiências deverão ser suspensas, com o não acatamento, pelo Magistrado (art. 158, parágrafo único do CPC) de acordos
9 Decreto-Lei no. 4.657/42. Art. 5o. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
101
extremamente prejudiciais à mulher, afinal, dever-se-á buscar a efetivação de diretrizes capazes de minorar os prejuízos já sofridos pela
mesma, ofensivos, inclusive, à sua dignidade. Os danos podem ser de
ordem patrimonial ou familiar. Como exemplo podemos citar acordos
aonde a vítima vem a perder a guarda dos filhos, maximizando, ainda
mais, a sua angústia. Os prejuízos de ordem patrimonial podem decorrer nos acordos onde a mulher abre mão de sua parcela de direito,
inclusive de ordem patrimonial. Por isso, a lei inclui a necessidade dos
pareceres multidisciplinares à apreciação das formulações pretendidas
e ocorrências dos autos (art. 30 da Lei 11.340/06).
Nessa diretriz, procura-se alcançar o equilíbrio através de procedimentos viáveis à identificação da problemática vivenciada intramuros, apresentando a sua magnitude em observância das Declarações Internacionais à concreção dos direitos humanos.
Destarte, chegamos a um denominador comum para o direito: é ciência
social, hermenêutica, comportamental e axiológica que, como todas as
demais esferas científicas, busca, permanentemente, a verdade, através
da interpretação de fatos, axiologicamente considerados, originando
uma norma que pode ser explicativa e/ou comportamental.
Essa exposição de Bonavides muito reflete do seu outro livro, Curso de
Direito Constitucional, onde se observa uma forte tendência em se considerar legítimo e constitucional a atuação do Juiz para realizar a Justiça,
buscando-se sempre os valores constitucionalmente assegurados.
Ou seja, para Bonavides, o Juiz não está preso à lei mas, sim, aos valores constitucionais e aos princípios do direito, sobressaindo-se, como
formulação máxima, a dignidade da pessoa humana.
Deste modo, ocorre uma constitucionalização do processo e uma procedimentalização da Constituição Federal, afinal, em uma Constituição extremamente garantista, o processo é a própria concreção do seu conteúdo no
mundo humano, fazendo valer os seus ditames na esfera da vida comum.10
Já o Art. 13 da Lei Maria da Penha determina:
Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher
aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil
e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso
que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.
10 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres. Juruá, 2007. p. 201-202.
102 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
Assim, o procedimento comum é aplicado a todas as causas para as
quais a lei não previu uma forma especial.
O critério simplesmente numérico, consubstanciado na quantidade
de pena mínima prevista em lei para a aplicação da suspensão condicional
do processo é inviável para os crimes de violência doméstica e familiar
contra a mulher, tendo sido por tais razões vedados pelo legislador, e não
poderia ser diferente porque a violência doméstica, por se tratar de comportamento reiterado e cotidiano, carrega consigo grau de comprometimento
emocional que impede as mulheres de romper a situação violenta. A noção
de sujeitar tais crimes a transação penal ou a suspensão condicional do processo ignora a escalada da violência e seu verdadeiro potencial ofensivo.
Inúmeros estudos têm demonstrado que a maioria dos homicídios
cometidos contra as mulheres ocorrem após a separação. Nesses casos, as
histórias se repetem: inúmeras tentativas de separação, seguidas de agressões e ameaças, culminam em homicídio. O que ressalta a necessidade do
rigor e aplicação efetiva da Lei Maria da Penha antes que o pior ocorra, ou
seja, nos casos de ameaça e lesão corporal leve, que são a grande maioria
dos casos que chegam aos juizados e varas especializadas, que merecem
análise atenta e providências sérias, efetivas e urgentes.
Julgarmos tais graves delitos a categoria dogmática de crimes sem
importância e por isso mesmo sujeitos a transação penal ou a suspensão
condicional do processo não incorpora o comprometimento emocional e
psicológico e os danos morais advindos de relação marcada pela habitualidade de violência, negando-se seu uso como mecanismo de poder e de
controle sobre as mulheres.
Entendimento diverso atenta claramente contra o princípio da especialidade, base da norma processual penal brasileira, aliás, tal princípio na
verdade, evita o bis in idem, pois determina que haverá a prevalência da
norma especial sobre a geral.
Nos casos em que se detecta um possível o conflito aparente de normas, alguns elementos essenciais devem estar presentes, tais como a unidade
do fato e a multiplicidade de leis que poderiam ser aplicadas ao mesmo caso
concerto. Não obstante, sabemos que só uma delas poderá ser efetivamente
aplicada, justamente em razão da existência de princípios11, que suprimirão
por completo qualquer dúvida quando do enquadramento da norma ao fato.
11 Princípio da especialidade; princípio da alternatividade; princípio da subsidiariedade; princípio
da consunção.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
103
Assim, o princípio da especialidade deixa claro que a lei de natureza geral, por abranger ou compreender um todo, é aplicada tão-somente
quando uma norma de caráter mais específico sobre determinada matéria
não se verificar no ordenamento jurídico. Em outras palavras, a lei de índole específica sempre será aplicada em prejuízo daquela que foi editada
para reger condutas de ordem geral.
O legislador criou a figura das leis penais e processuais especiais,
cujo teor rege determinadas condutas, seja em razão de sua maior gravidade, seja pela menor intensidade do fato, mas, desde que mereçam
um tratamento diferenciado. É o caso da Lei Maria da Penha, que dispõe
acerca de ritos procedimentais específicos para os delitos praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher. A norma penal especial se
evidencia a partir da combinação entre os elementos da lei geral e novos
elementos, estes, por sua vez, chamados de especializantes.
Ademais, reza o art. 6o da LMP que: “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos
humanos”.
O conhecimento da evolução histórica dos direitos humanos torna
possível a compreensão a partir de uma seqüência uniforme e de fundamentação: a dignidade humana (centro e fundamento de todo e qualquer
direito fundamental).
Afinal, a Lei 9.099/95, com a identificação da supracitada violência
como de menor potencial ofensivo (art. 61), mostrou-se inteiramente ineficaz para os casos hoje atrelados à competência da novel disciplina normativa. Assim, o ataque desprovido da seriedade temática, à denominada Lei
Maria da Penha, mostra-se débil. Aliás, este diploma mostra-se visivelmente
hábil à evolução do direito na perspectiva dos direitos fundamentais, não
podendo, ocorrer omissão do Estado, para as mazelas que, verdadeiramente,
assolam o cidadão no mundo: a violência doméstica, familiar ou afetiva.
As gerações de direitos humanos, assim, não expressam qualquer
hierarquia, mais sim maximizam a compreensão do valor supremo de cada
direito descrito fundamental, suas bases e razão primeira: o respeito à
condição humana.
Amini Haddad, no livro já mencionado assevera:
Como os direitos humanos são concebidos como fundamentos às diretrizes do Estado e suas manifestações normativas, resta-nos observar que os
104 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
mesmos direcionam uma metodologia interpretativa, calcada na elementar
do desenvolvimento e benefícios humanitários decorrentes da norma.12
Ademais a L.M.P revigorou o papel da vítima, tentando recuperar
sua capacidade de fala, resultado impossibilitado pela natureza da suspensão condicional do processo, que tecnicamente ouve apenas o autor
do fato delituoso, como se só ele interessasse para o Poder Judiciário, em
completa dissonância com a proteção dos direitos humanos das mulheres,
contrariando o que reza o art. 6o da LMP , demonstrado que a resposta do
Poder Público operaria de forma inversa ao interesse primordial de proteção às vítimas desejado pela Lei.
O encontro da vítima e do autor do fato, segundo a concepção legislativa, possibilita o diálogo sobre o problema e, conseqüentemente, a
mudança de atitudes por parte do agressor pela assunção da responsabilidade pelo seu comportamento.
A realidade é que os institutos despenalizadores,desvirtuados pelos
operadores jurídicos, criaram a idéia generalizada de que seria fundamental se chegar ao acordo, seja para diminuir o volume dos processos, seja
pela impaciência dos agentes públicos em verificar as causas que deflagraram o conflito, acabando por fazer imperar o princípio do in dubio pro
transação penal, na feliz expressão de Bogo Chies.
Aplicarmos aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher os institutos despenalizantes da Lei 9.099/95 seria o
mesmo que redefinir os delitos em razão da pena cominada e não do bem
jurídico tutelado, e demonstrarmos que não compreendemos novamente a
natureza diferenciada da violência doméstica.
Essa (in) compreensão jurídica teria como conseqüência a banalização da violência de gênero, tanto pelo procedimento inadequado como pelas condições impostas e na maioria das vezes não fiscalizadas na suspensão condicional do processo e transação penal. As possibilidades de escuta
da vítima mostrar-se-iam falaciosas devido à diminuição ou nulificação de
sua intervenção, principalmente da suspensão condicional do processo.
Para o agressor tal suspensão seria tida como uma reprimenda? Tal
interpretação diminui a importância real de tais delitos dentro da família,
desestimulam as vítimas de denunciarem e minimizam o sofrimento das
12 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres. Juruá, 2007.Página 247.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
105
agredidas, razão pela qual entendo que tal entendimento revela, por parte
dos operadores jurídicos um pragmatismo irresponsável. Ora, a delinqüência ocorre quando um ato vulnera algum valor. No momento que a vulnerabilidade é subsumida em uma espécie de “impunidade disfarçada em
números”, que na realidade equiparam infrações absolutamente díspares,
desaparece a função do Direito estatal enquanto interdito.
Assim, de que adianta uma lei mais rigorosa, estatuída exatamente
para assim sê-lo, se seus operadores a auto-suprimem, em face da grande
probabilidade de todos não mais a cumprirem, logo, não será mais “lei” e a
impunidade que se avizinha em crimes de tamanha relevância, cometidos
em tão imensa quantidade tornar-se-á o produto de uma pasteurização das
transgressões domésticas.
DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Atualmente, em todo o Brasil, operadores jurídicos muitas vezes até
bem intencionados, quem sabe, ou mesmo desesperados ante a falta de
estrutura e excesso de processos, acabam por optar pelo caminho mais
fácil, qual seja: o de se aplicar a suspensão condicional do processo para
quase 80% dos crimes de violência doméstica sob suas responsabilidades.
Mas será que isso resolve ou pelo menos ameniza o problema da
violência doméstica? Isso é prestação jurisdicional que se apresente para
vítimas que depositam no judiciário suas derradeiras esperanças de livrarem-se da perversa violência de gênero?
É claro que não. Simplesmente tais operadores estão criando números,
muitas vezes para apresentar ao Conselho Nacional de Justiça e para seus Tribunais, quando na prática devolvem o problema para ser resolvido em casa, dando
ainda mais poder ao agressor e desalento para milhares de vítimas desesperadas.
E como conseguem fazê-lo ao arrepio da lei? Em razão de Ministério Público e Judiciário muitas vezes terem o comum interesse em assim
proceder. Deixam tudo em primeira instância, sem recursos, o que tudo
lhes permite...
Os possíveis argumentos de que os réus com penas suspensas estariam sob “fiscalização” por dois anos no mínimo é uma falácia. Ou tais
operadores desconhecem a realidade de nosso país, no qual não se consegue fiscalizar nem mesmo presídios, onde mulheres e adolescentes são
presos em celas junto com homens, sujeitos a reiterados abusos e reedu-
106 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
candos em regime aberto e semi-aberto cometem crimes normalmente, tão
logo deixam as prisões.
E poderia se dizer: mais as penas previstas para os crimes de ameaça
e lesão leve são pequenas e não sujeitam o réu a pena privativa de liberdade. É verdade. E ainda por cima, diante da pequena pena aplicada, permitese sua substituição por pena restritiva de direito. Contudo, há uma diferença
inquestionável: os réus são processados de verdade! Se tais penas não ensejam prisão, isso não atrapalha o combate efetivo a violência doméstica e a
proteção das vítimas, já que os réus muitas vezes são presos em flagrante e,
quando representam periculosidade, estão sujeitos a prisão preventiva, que
pode ser decretada a qualquer tempo (artigo 20 da Lei 11.340/2010).13
Assim, se ao final a pena aplicada for restritiva de direitos não há
prejuízo, pois se a prisão fosse necessária, o mesmo já a teria cumprido de
forma provisória, sem que haja nenhuma arbitrariedade nisso, vez que há
que se ter em tais casos cautela redobrada, ante a proximidade absolutamente perigosa entre vítimas e agressores, o que enseja providências enérgicas e
urgentíssimas, sempre se tendo em contra que o direito fundamental à vida e
à integridade física da vítima, estão acima do direito à liberdade do cidadão.
E não nos esqueçamos que se tais cidadãos estão sendo processados DE VERDADE, as vítimas serão ouvidas em audiência, saberemos
a fundo o grau de periculosidade a que estão sujeitas, reativaremos sua
capacidade de FALA. O réu, por sua vez, também será ouvido, terá de
contratar advogado ou buscar auxílio da defensoria pública, apresentará a
sua versão, mas sentirá efetivamente o peso da presença do Estado em sua
vida privada. Saberá que doravante, com violência não poderá mais tratar
a mulher e os filhos, pois existe lei que os protegem e haverá de buscar
outros meios para lidar com a adversidade, que não a agressão, aplacandose a tirania do mais forte, sobre o mais fraco.
E mais, comprovada a autoria e a materialidade (nos crimes que deixam vestígios), o que quase sempre acontece, tais réus serão CONDENADOS. A uma pena pequena, é verdade, mas condenados, e isso não é pouca coisa para um agressor com perfil tipicamente doméstico, geralmente
tido como trabalhador e honesto. Ele deixa de ser primário e isso importa
numa reprimenda muito maior do que nós operadores podemos imaginar.
13 Artigo específico sobre prisão preventiva: CORRÊA. Lindinalva Rodrigues. A prisão preventiva
nas infrações cometidas com violência doméstica e familiar contra a mulher, publicado pelo
site www.direitonet.com.br em outubro de 2007.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
107
Assim, suspender processos é MUITO PIOR até do que a própria
transação penal14, pois é um engodo na maioria do país, sequer ouve a vítima, apenas o agressor é chamado para dizer se aceita ou não a proposta
(atenção para o poder que lhes é concedido, ante a peculiaridade de tais
casos). Ou seja, na prática, não se enfrenta a grave questão, e “engavetase” o caso, criando-se números, após SUPOSTO período de prova.
Sobre o tema, asseverando a impossibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo nos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, destaco os seguintes julgados do STJ e STF:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LESÃO CORPORAL
LEVE PRATICADA COM VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA A MULHER. A
Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei
dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a Mulher E VEDA A APLICABILIDADE DE SEU ART. 89, QUE
DISPÕE SOBRE A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
O art. 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) afastou a incidência da
Lei 9.099/95 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, o que
acarreta a impossibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores
nela previstos, como a suspensão condicional do processo (art. 89 da
Lei 9.099/95). 2. Ademais, a suspensão condicional do processo, no
caso, resta obstada pela superveniência da sentença penal condenatória. Precedentes do STF. 3. Parecer ministerial pela denegação do writ.
4. Ordem denegada.Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam
os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem.15
14 Já que na transação, embora ineficaz, pelo menos ouve a vítima.
15 STJ. HABEAS CORPUS Nº 142.017 - MG (2009/0137397-6). Relator: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. IMPETRANTE : AILTON CÉSAR PEREIRA SOUZA. ADVOGADO : ANDRÉA
ABRITTA GARZON TONET – DEFENSORA PÚBLICA. IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DE MINAS GERAIS . PACIENTE : AILTON CÉSAR PEREIRA SOUZA. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro
Relator. Brasília/DF, 19 de novembro de 2009 (Data do Julgamento).
108 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ORDINÁRIO. ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE. A Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade
dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a Mulher. Ordem denegada. A Lei Maria
da Penha foi criada com o objetivo claro de coibir a violência cometida
contra a mulher em seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade.
A inaplicabilidade da Lei 9.099/95 foi expressamente determinada neste
Novo Diploma, em seu artigo 41, de forma a afastar, de vez, os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, que não vinham atendendo aos
reclamos sociais. A Lei Maria da Penha, em seu art. 41, vedou, de forma
expressa, a incidência da Lei n.° 9.099/95 nos casos de violência contra
a mulher. Não há falar, por conseqüência, em suspensão condicional do
processo neste caso. 3. Não há inconstitucionalidade na vedação, pois a Lei
n.° 11.340/06, ao optar por afastar a aplicação da Lei n.° 9.099/95, dispõe
que tais infrações não podem ser consideradas como de menor potencial
ofensivo, o que atende ao disposto no art. 98 da Carta da República.16
DECISÃO: TÍTULO CONDENATÓRIO – SUSPENSÃO – MESCLAGEM
DAS LEIS Nº 11.340/2006 E 9.099/95 – IMPROPRIEDADE – DENÚNCIA RECEBIDA – RETRATAÇÃO – ÓBICE LEGAL . Em primeiro lugar,
observem a impossibilidade de haver a retratação quando já recebida
a denúncia, conforme consta da Lei nº 11.340/2006: Art. 16. Nas ações
penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata
esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em
audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Em segundo lugar, não cabe distinguir onde o legislador não o fez. Com
a regência especial referente à violência contra a mulher, predomina o
critério específico, valendo notar que o artigo 41 da lei citada afasta, de
forma linear, a aplicação da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. A
clareza do dispositivo é de molde a não se diferenciar quanto a institu16 STJ.HABEAS CORPUS Nº 84.831 - RJ (2007/0135839-3). Acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros
Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr.
Ministro Relato.2008.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
109
tos da lei dos juizados especiais. Confiram com o teor do mencionado
artigo 41: Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se
aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.17
Antes da promulgação da Lei Maria da Penha, a doutrinadora Leda Maria Hermann já se debatia sobre a questão, afirmando que: “Enfrentar o
tema de violência doméstica implica abordar a questão do sofrimento
intenso que a acompanha, sempre disseminado no ambiente em que
ela impera. Andrade já disse que o universo da violência é sempre um
“universo de dor”, e é por isso que, aqui, o sentido que se vai dar à
palavra deve ser amplo, de forma a abranger a dimensão da intensidade
humana que media a questão.18
Ainda que consideremos a existência de Juizados Especiais Criminais que realmente não tenham contribuído para a banalização da violência doméstica, temos que admitir que constituam exceção, honrosa, é
verdade, mais incapazes de reverter o quadro que ensejou a criação em
boa hora, da Lei 11.340/2006.
Assim, vê-se que a Lei Maria da Penha mostra-se visivelmente hábil à evolução do direito na perspectiva dos direitos fundamentais, não
podendo, ocorrer omissão do Estado, para uma das mais significativas
mazelas que, verdadeiramente, assolam o cidadão no mundo: a violência
doméstica, familiar e afetiva.
Afinal, como bem esclarece a psicóloga Sonia Couto:
A cliente, ao chegar à Delegacia, descreve as situações de violência que
sofreu em casa, sendo essa tomada enquanto um ato privado. Passivo,
o sujeito suporta o ato violento sem uma ação para barrá-lo. Existe aí
apenas o significante S = eu sofro. Em um determinado momento, por
uma mudança subjetiva de causas indeterminadas, a vítima resolveu
tornar pública a violência sofrida. Há uma pequena mudança na posição do sujeito, que deixa de sofrer a violência em silêncio e a denuncia
17 STF.HC 98880 / MS - MATO GROSSO DO SUL. HABEAS CORPUS . Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO Julgamento: 12/08/2009
18 Hermann, Leda Maria. Violência Doméstica e os Juizados Especiais Criminais. A dor que a Lei
esqueceu. Edt. Servanda, 2ª Edição, 2004, Campinas-SP, p.119-142. Grifo nosso.
110 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
publicamente. A agressão até então privada – restrita ao lar – torna-se
pública através de uma denúncia: “Meu marido me agride!” Tal queixa não pode ser desvinculada de um grito de socorro dirigido, nesse
momento, para as autoridades responsáveis: “Alguém me ajude!”(a me
libertar dessa situação de sofrimento).19
Na maioria dos Estados da Federação, as classes médias e altas não costumam denunciar a violência doméstica, o assunto fica em família, para ser resolvido
em casa. As classes menos favorecidas vão mais à delegacia, mas as vítimas de classes mais abastadas possuem muita vergonha de expor publicamente suas mazelas e
quantas vezes sorriem... Quando estão repletas de dor e desolamento...
As vítimas de violência, em geral, convivem com o retraimento social e o
silêncio e nessas condições, as mulheres se isolam e emudecem. Levam às vezes
anos para buscar ajuda e quando o fazem, é necessário que a levemos a sério e
estejamos preparados para fitá-las e vê-las, e também para ouvi-las com nossa
alma despida de preconceitos e o mais importante, aguçando nossos sentidos, para
aprender a interpretar os silêncios, tendo em conta o grande desafio de nossa missão: a arte de lidar com delitos em que agressores e agredidas convivem perigosamente próximos envoltos em tramas de relacionamento conjugal complexas,
que comportam sentimentos ambíguos.
É importante ressaltar que homens agressores não são estereótipos de
monstros ou pessoas absolutamente malévolas. Ao contrário. O que torna o
problema difícil de lidar é exatamente o fato de serem seres humanos, com
todos os defeitos, qualidades e contradições que isso significa. Muitos cresceram num ambiente violento e aprenderam que esse é o caminho para resolver
conflitos. A tolerância à violência aumenta à medida que somos expostos a ela.
A nossa missão é certamente uma das mais difíceis dos operadores
jurídicos, não sendo de estranhar que poucos a desejem. Porém, mesmo
reconhecidas nossas dificuldades e derrotas constantes, não há como negar a satisfação íntima que este trabalho jurídico-social proporciona, já que
podemos ver todos os dias o resultado de nossa atuação funcional na vida
das famílias marcadas por violências de todos os tipos e proporções.
Que a dor que sentimos ao perdermos uma vítima que muitas vezes
deixou de ouvir nossas recomendações aflitas e veementes sobre o perigo
que corriam, preferindo acreditar em promessas de mudanças e na fanta19 COUTO, Sonia. Violência Doméstica. Uma nova intervenção terapêutica. Edt. Autêntica. Belo
Horizonte-MG, 2005. p. 18. Grifamos.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa
111
sia do amor eterno, não nos sirva de desalento, pois nessa área tão triste
temos que aprender a contar nosso jardim pelas flores e a valorizar nossos
pequenos grandes êxitos, pois a caminhada é difícil, mas imprescindível e
muitos dependem de nós, e quanto melhor formos capazes de fazer nosso
trabalho, mais pessoas haverão de procurar nosso auxílio e temos de estar
preparados para uma demanda crescente e nos adequar a ela em busca, não
de ignorá-la com subterfúgios técnicos jurídicos como a suspensão condicional do processo, que não solucionarão as questões, mas de estrutura e
parcerias para nos auxiliarem no deslinde de nossa importante missão.
CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, entendo pela não- aplicabilidade dos institutos
despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais( transação penal, suspensão condicional do processo, composição civil dos danos com causa de
extinção de punibilidade e lavratura de termo circustânciado) aos crimes
praticados com violência doméstica e familiar contra a Mulher, em face do
disposto nos artigos 41; 4º;6º;13º da LMP, com fulcro ainda nas decisões
dos Tribunais Superiores (STJ e STF) e nos termos da CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ” , que descreve
como deveres do Estado, em seu artigo 7, dentre outros: b) agir com devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;c)
incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e
de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher; e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive
legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e
a tolerância da violência contra a mulher.
Cientes de que jamais seremos unanimidade em nossa forma de
pensar e agir funcionalmente, é necessário que estejamos dispostos a dar
as mãos e abraçar essa causa de enfrentamento aos crimes de violência
de gênero, pois “Solidários, seremos união, mas separados uns dos outros
seremos meros pontos de vista, pois somente juntos alcançaremos a realização de nossos propósitos”.20
20 Bezerra de Manezes.
112 Da Incompatibilidade da Lei Maria da Penha...
Façamos então a verdadeira justiça, sem subterfúgios e distorções como
levar até tais crimes os institutos despenalizadores da Lei 9.099 que já não deram certo, trabalhando um pouco mais, mas reforçando nosso anseio de
vermos: nenhuma agressão sem resposta e nenhum agressor sem castigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARSTED. Leila Linhares, Advogada, diretora da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa,
Informação e Ação (Cepia). O Progresso das Mulheres no Brasil. Disponível no
site: http://www.mulheresnobrasil.org.br/pdf/PMB_Cap8.pdf, acessado no dia 7 de
Junho de 2007.
CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das
Mulheres. Juruá. Curitiba-PR, 2007.
CAMPOS, Carmen Hein de, da University of Toronto e CARVALHO, Salo de, da
Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul, em brilhante artigo intitulado: Violência Doméstica e Juizados Especiais Criminais Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2): 409-422, maio-agosto/2006;
CORRÊA. Lindinalva Rodrigues. A prisão preventiva nas infrações cometidas com
violência doméstica e familiar contra a mulher, publicado pelo site www.direitonet.com.br em outubro de 2007.
COUTO, Sonia. Violência Doméstica. Uma nova intervenção terapêutica. Edt. Autêntica. Belo Horizonte-MG, 2005. p. 18.
HERMANN, Leda Maria. Violência Doméstica e os Juizados Especiais Criminais. A
dor que a Lei esqueceu. Edt. Servanda, 2ª Edição, 2004, Campinas-SP, p.119-142;
STRECK, Lênio. Artigo: O imaginário dos juristas e a violência contra a mulher: da
necessidade (urgente) de uma crítica da razão cínica em Terrae Brasilis, Estudos
Jurídicos, Vol. 37, nº 100, maio/agosto. 2004.
DA INAFASTABILIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO
JUDICIAL NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE
Marcio Florestan Berestinas1
Marcelo Lucindo Araújo1
A Casa do Tempo Perdido
“Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e outra mais e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e no bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado”.
(Carlos Drummond de Andrade)
INTRODUÇÃO
É consabido que, com a reforma penal de 1984, o Código Penal
pátrio adotou, em seu artigo 68, no tocante à dosimetria da pena, o denominado método trifásico, preconizado por Nelson Hungria.
O caput do mencionado dispositivo legal prevê:
1 Promotores de Justiça em Alto Araguaia, MT
114 Da Inafastabilidade da Fundamentação Judicial na Fixação da Pena-Base
A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
Infere-se da leitura desse comando normativo que a aplicação da
pena deve ser realizada em três etapas. Na primeira delas, o Magistrado estabelece a pena-base, apreciando, fundamentadamente, as circunstâncias
judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social do acusado, personalidade do agente, circunstâncias,
motivos e consequências do crime, comportamento da vítima).
Preceitua o referido artigo 59 que o Juiz, após analisar as circunstâncias judiciais, fixará, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, as penas, dentre as legalmente cominadas, e
estabelecerá a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
Superada a fase da fixação da pena-base, o Magistrado aplicará as
circunstâncias atenuantes e agravantes, atentando para o disposto nos artigos 61 a 67, todos do Código Penal.
Em seguida, na terceira fase da aplicação da pena, incidirão, no
cálculo da reprimenda, as chamadas causas especiais de diminuição e de
aumento de pena.
Os preceitos legais supramencionados, insculpidos no Código Penal, que disciplinam a dosimetria da sanção penal, dão concretude à exigência constitucional de individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI),
prestigiando o princípio da proporcionalidade, que encontra assento na
dignidade da pessoa humana, a qual foi erigida, pelo legislador constituinte, como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III,
da Lex Major).
Recentemente, ao decidir o HC 92322/PA (relatora Ministra Cármen Lúcia, 11.12.2007, 1. Turma, j. 11.12.2007), o Supremo Tribunal
Federal reputou ser desnecessária a motivação da fixação da penabase pelo Magistrado (1º fase da dosimetria da pena), nas hipóteses
em que esta é fixada no mínimo legal, o que põe em dúvida se, nas
três etapas atinentes à graduação da pena, o Juiz precisa ou não fundamentar cada uma delas.
O presente artigo pretende discutir se, no Estado Democrático de
Direito, o Poder Judiciário pode ou não, ao aplicar a pena, excepcionar o
princípio da motivação das decisões judiciais.
Marcio Florestan Berestinas / Marcelo Lucindo Araújo
115
DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
A nossa Carta Constitucional, em seu artigo 93, inciso IX, prevê:
Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade2, podendo a
lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do
direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação.
Segundo Canotilho, a exigência de fundamentação das decisões
judiciais consubstancia verdadeiro princípio jurídico-organizatório e funcional da teoria do Constitucionalismo e assenta-se em 3 (três) razões
essenciais3:
1) controle da administração da justiça;
2) exclusão do caráter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional, com a necessária abertura do conhecimento da
racionalidade e coerência argumentativa dos juízes;
3) melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes
em juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões
judiciais recorridas.
Assim, não há como conceber a existência do estado democrático
de direito sem que as decisões judiciais sejam devidamente fundamentadas, conforme exige o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, uma
vez que a intervenção do Poder Judiciário na esfera jurídica das pessoas
só pode ser admitida num sistema jurídico que assegure às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa, os quais só poderão ser fruídos
em sua plenitude se as decisões judiciais forem motivadas, de modo a
permitir o controle, na esfera recursal, de eventuais arbitrariedades e
subjetivismos descabidos.
2 Grifo nosso.
3 Trecho extraído do artigo denominado A importância das decisões judiciais no processo penal
– Uma análise à luz do garantismo de Ferrajoli e do Constitucionalismo de Canotilho – escrito
por Maciel Colli.
116 Da Inafastabilidade da Fundamentação Judicial na Fixação da Pena-Base
DA EXIGÊNCIA DE APRECIAÇÃO MOTIVADA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL
Com efeito, o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que exige que as decisões judiciais sejam devidamente motivadas, não encontra
nenhuma exceção em nosso sistema jurídico.
A respeito da referida norma constitucional, os juristas Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar destacam que:
Trata-se de autêntica garantia fundamental, decorrendo da fundamentação da decisão judicial o alicerce necessário para a segurança jurídica
do caso submetido ao Judiciário.4
Assim, no que concerne ao que interessa ao presente estudo, é
possível concluir que toda a parte dispositiva da sentença penal precisa
ser adequadamente fundamentada pelo Juiz, inclusive as 3 (três) fases de
aplicação da pena.
Todavia, em vários julgados (HC nº 71.828 - HC nº 69.958 – HC nº
69.987 – HC nº 92.322), o Supremo Tribunal Federal, surpreendentemente, tem mitigado o âmbito de aplicação da referida norma constitucional,
decidindo que, na primeira fase de aplicação da sanção penal o juiz, caso
opte por fixar a pena-base no mínimo legalmente cominado, poderá deixar
de fundamentar essa escolha, eximindo-se de apreciar as circunstâncias
judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.
No voto proferido no julgamento do HC nº 92.322/PA, a Ministra
Cármen Lúcia consignou:
Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que não
se reconhece a nulidade do tópico da decisão que, como na espécie
vertente, fixa a pena no mínimo legal, pois, nessa hipótese, não há prejuízo concreto ao réu.5
O referido posicionamento do S.T.F., sem nenhuma dúvida, caracteriza inconteste afronta ao princípio da motivação das decisões judiciais e, por
4 Curso de Direito Processual Penal, Editora Juspodivm, 4ª edição, p. 57.
5 Voto proferido no HC nº 92.322/PA.
Marcio Florestan Berestinas / Marcelo Lucindo Araújo
117
conseguinte, compromete, irremissivelmente, o estado democrático de direito.
Ora, se num sistema democrático de direito penal não pode ser
admitido o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do acusado,
dentre os quais se inclui o direito de acesso à fundamentação de toda a
parte dispositiva da decisão judicial, também não se pode negar que a
acusação tem direito à obtenção de uma decisão judicial devidamente motivada também quanto à graduação da pena.
Nessa linha de intelecção, é oportuno transcrever os ensinamentos
do ilustre jurista Antônio Magalhães Gomes Filho6:
Assim, tanto a falta de apresentação de qualquer justificação como a
fundamentação incompleta, não dialética, contraditória, incongruente
ou sem correspondência como que consta dos autos, em relação à aplicação da pena, devem levar ao reconhecimento da nulidade da própria
sentença condenatória, pois na verdade é a motivação desta que estará
incompleta, na medida em que um dos pontos sobre os quais deveria
versar não ficou devidamente fundamentado.
Sobre o tema, pode-se afirmar que a jurisprudência dos tribunais brasileiros tem sido bastante criteriosa e exigente, estabelecendo como
princípio a nulidade da sentença condenatória sempre que não seja observado o critério trifásico, ou não devidamente justificada a imposição
da pena acima do mínimo legal, bem como a fixação de regime inicial
mais grave, quando admissível outro mais favorável ao condenado.
Também segundo uma consagrada tendência jurisprudencial, a nulidade não é reconhecida quando se tratar de pena aplicada no mínimo legal, ou então, diante de um vício de motivação, o tribunal simplesmente
reduz a sanção àquele mínimo, sem decretar a invalidade da sentença.
No entanto, esta última orientação, certamente sustentável à luz do
princípio do prejuízo, que informa todo o sistema de nulidades (art.
563 do CPP), deixa de levar em conta um dado importante já ressaltado pela doutrina, qual seja, a necessidade de se justificar igualmente a
aplicação da pena no mínimo, pois a acusação também tem o direito de
6 A motivação das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 217.
118 Da Inafastabilidade da Fundamentação Judicial na Fixação da Pena-Base
conhecer as razões pelas quais a sanção não foi exasperada, inclusive
para poder eventualmente impugnar a sentença nesse ponto. Ademais,
essa linha de entendimento acaba por favorecer esse ponto importante
da decisão, preferindo-se, em geral, a imposição da sanção menor, nem
sempre mais adequada aos propósitos consagrados pelo legislador.
Além dos bem lançados fundamentos jurídicos mencionados pelo
autor acima aludido, é relevante abordar essa questão sob outros enfoques.
Ao decidir que, quando o Magistrado fixa a pena no mínimo legal, não
há necessidade de fundamentar a pena, o S.T.F. confere guarida a uma inequívoca transgressão aos princípios constitucionais da individualização da pena,
da proporcionalidade e da isonomia real, consoante será a seguir explicado.
Não se pode olvidar que o artigo 59 do Código Penal é uma das
normas penais que dão concretude ao princípio constitucional da individualização da pena, mencionando as circunstâncias judiciais que devem ser
apreciadas pelo Juiz na fixação da pena-base7.
Em sendo assim, quando o Magistrado, externando a “cultura da
pena mínima”, simplesmente não analisa as referidas circunstâncias judiciais e estabelece a reprimenda em seu patamar menor, ocorre clara burla
ao comando constitucional que exige a individualização da sanção penal.
Demais disso, ao deixar de apreciar motivadamente as circunstâncias judiciais do artigo 59 e estabelecer a pena no mínimo legalmente cominado, o Estado-Juiz transgride uma das facetas do princípio da proporcionalidade – a da garantia de proteção eficiente, a qual foi mencionada,
pela primeira vez, no âmbito da Suprema Corte, no seguinte trecho do
voto exarado pelo Ministro Gilmar Mendes8:
De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado,
num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico.
Quanto à proibição de proteção insuficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garan7 Lição extraída de aula ministrada pelo Professor Antônio Sérgio Cordeiro Piedade no curso de
pós-graduação da Fundação Escola Superior do MP/MT.
8 RE 418.376/RS – STF – voto exarado pelo Ministro Gilmar Mendes.
Marcio Florestan Berestinas / Marcelo Lucindo Araújo
119
tismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do
Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de
proteção insuficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que
se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da
proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental. Nesse sentido, ensina o Professor Lênio Streck9:
Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e proteção de omissões estatais. Ou seja,
a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado,
caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios;
de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente
de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre
mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para
proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da
proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos
estatais à materialidade da Constituição, e que tem como consequência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador) [...].
Resta claro, portanto, que, ao deixar de individualizar adequadamente a pena, olvidando o disposto no artigo 59 do Código Penal, o Magistrado está disponibilizando uma proteção estatal insuficiente.
Como se isso não bastasse, ao deixar de apreciar motivadamente
as circunstâncias judiciais do artigo 59 e estabelecer a pena no mínimo
legalmente cominado, o Estado-Juiz faz tábula rasa do princípio da isonomia real, uma vez que, certamente, com a inexistência de adequada
individualização das penas nas sentenças condenatórias criminais, delitos
de maior censurabilidade receberão reprimenda penal no mesmo patamar
de infrações penais de menor lesividade, ou seja, em muitos casos, haverá
tratamento igual para situações jurídicas que não guardam considerável
dose de similitude.
9 A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição do excesso (Übermassverbot)
à proibição de proteção deficiente (Untermasssverbot) ou de como não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005, p. 180.
120 Da Inafastabilidade da Fundamentação Judicial na Fixação da Pena-Base
Urge, ainda, chamar a atenção para o fato de que a cultura jurídica
da mínima apenação poderá alcançar futuramente novos desdobramentos
ou perspectivas. Quem sabe algum jurista ainda não poderá ver acolhida
pelos Tribunais Superiores tese no sentido de que o Juiz, quando estabelece o regime prisional aberto, não terá de fundamentar a decisão. Ou então:
quando o Juiz defere a substituição da pena privativa de liberdade por
pena restritiva de direitos, torna-se despicienda a motivação do decisum...
Quando analisada sob a ótica extrajurídica, é possível vislumbrar,
ainda, que a tese sustentada pelos Tribunais Superiores, em tempos de
pautas assoberbadas, pode servir de estímulo à tentadora facilidade de
fixação da pena-base no mínimo legal, apenas como forma de tornar as
decisões judiciais mais concisas e rápidas, eximindo o julgador, automaticamente, de uma incursão mais minuciosa nos argumentos lançados pela
acusação quanto à dosimetria da pena.
Nesse aspecto, o próprio número de circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, por si só, já constitui elemento convidativo
a que se proceda a uma análise perfunctória delas por parte do julgador,
que, incontestavelmente, anda, de há muito, com seu cotidiano profissional atribulado, o que muitas vezes tem levado à prolação de decisões
indevidamente abreviadas como forma de otimizar seu tempo de trabalho.
Assim agindo, vale insistir, utilizando-se do entendimento dos Tribunais Superiores para fixar a pena-base no mínimo cominado, sem necessidade de fundamentação, o julgador, involuntariamente, acabará por
dificultar a elaboração da tese a ser sustentada em eventual recurso do
Ministério Público.
Desse modo, a matéria que pode ser invocada para fundamentar o
posicionamento ministerial no sentido da exasperação da pena-base não terá
sido devidamente pré-questionada e ainda poderá levar à hipótese de supressão de instância quando analisada na 2ª instância, compelindo, toda vez, o
Parquet a opor embargos de declaração contra a decisão que fixou a penabase no mínimo como forma de evitar tal situação, o que acabaria por gerar
um indesejável fenômeno de multiplicação de interposição de embargos.
CONCLUSÕES
À luz dos fundamentos jurídicos supramencionados, é possível extrair as seguintes ilações:
Marcio Florestan Berestinas / Marcelo Lucindo Araújo
121
a) o Magistrado tem sempre o dever de fundamentar toda a parte
dispositiva da sentença criminal, inclusive a parte referente à graduação da
pena (o que inclui a apreciação das circunstâncias judiciais previstas no art.
59 do C.P.), por força do disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, que configura autêntica garantia fundamental, indispensável para
a preservação da segurança jurídica;
b) o fato de o Juiz estabelecer a pena no mínimo abstratamente cominado não o exime, de forma nenhuma, de fundamentar cada uma das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do C.P., uma vez que “a acusação
também tem o direito de conhecer as razões pelas quais a sanção não foi
exasperada, inclusive para poder impugnar a sentença nesse ponto”;
c) o posicionamento de que o Juiz, caso fixe a pena no mínimo legal,
não terá a necessidade de apreciar fundamentadamente as circunstâncias
judiciais, consubstancia clara afronta aos princípios da motivação das decisões judiciais, da individualização da pena, da proporcionalidade – em seu
plano horizontal (garantismo positivo: exigência da proteção eficiente dos
bens jurídicos tutelados pela norma penal) e da isonomia real ou material.
d) esse entendimento que excepciona o princípio da motivação das
decisões judiciais pode acarretar cerceamento de acusação, uma vez que,
devido ao excesso de trabalho e, quiçá, por mero comodismo, o Magistrado poderá preferir eximir-se de realizar uma incursão mais minuciosa nos
argumentos lançados pela acusação, optando simplesmente por manter a
pena-base no mínimo legalmente cominado, criando, assim, uma cultura
de permissividade e de ausência de resposta estatal adequada e eficiente
para a prática delitiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado-Juiz não pode ser para a nação brasileira aquela casa de
que falava Drummond no poema transcrito nas primeiras linhas deste artigo; deve, muito pelo contrário, desempenhar a contento a sua missão
constitucional de exercer, de forma responsável, a função jurisdicional,
contribuindo para a formação de uma sociedade mais justa, fraterna e
solidária, em que impere a preservação dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.
Na verdade, perfilhar o entendimento de que uma parte do dispositivo da sentença penal condenatória pode carecer de fundamentação,
122 Da Inafastabilidade da Fundamentação Judicial na Fixação da Pena-Base
desde que não haja prejuízo para o réu, significa trair os ideais do Estado
Democrático de Direito. Sobre isso é bom dizer que as “certezas” são bem
avalizadas pelo exemplo de Shakespeare em “Hamlet”, quando o príncipe
busca a vingança contra seu tio, embasado tão-somente num sonho e em
aparições fantasmagóricas.
A situação enseja, ainda, trazer recordações do processo socrático
de busca da verdade. O filósofo mostra que a discussão não é um combate
de opiniões e sim uma busca da verdade. Os diálogos socráticos, que terminam em “aporias”, isto é, em dificuldades que permanecem sem resposta, indicam que a busca da verdade não deve cessar nunca.
Oxalá, a Suprema Corte não repita decisões desse jaez, sob pena de
transmutar-se de guardiã em verdugo da nossa Carta Constitucional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Farewell. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 418.376/RS – STF – voto exarado pelo
Ministro Gilmar Mendes.
CORDEIRO, Antônio Sérgio. Piedade no curso de pós-graduação da Fundação
Escola Superior do MP/MT.
COLL, Maciel. A importância das decisões judiciais no processo penal – Uma análise à luz do garantismo de Ferrajoli e do Constitucionalismo de Canotilho.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões judiciais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
STRECK, Lênio. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição do
excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermasssverbot)
ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2005.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, Editora
Juspodivm, 4. ed.
DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS
DE ORIGEM LEGAL
Marcos Henrique Machado1
INTRODUÇÃO
O direito não possui apenas essência jurídica, licitude, mas também
escopos sociais e políticos, além do seu compromisso com a moral e a ética.
Esse é o resultado da tridimensionalidade do direito: norma, valor e fato.
Para se assegurar esses intuitos, apresentam-se os princípios que
legitimam o direito como sistema de pacificação social.
Sob o ângulo da norma, constrói-se o direito positivo, pertencente à
dogmática jurídica, que estuda o direito como ordem normativa.
De outro lado, os valores morais e éticos do direito são objetos
da deontologia jurídica, teoria que estuda os fundamentos e sistemas do
dever ser, ou a epistemologia, teoria que se dedica ao estudo crítico das
hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e que visa determinar
os fundamentos lógicos, o alcance e o seus objetivos.
CONCEITO
Princípio é o começo, o início. É a proposição que se põe a frente
de uma dedução, e que não é subtraída do sistema considerado e por isso
admitida como inquestionável ou superior.
OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DE NATUREZA LEGAL
PRINCÍPIO DA AÇÃO
Princípio da ação, ou princípio da demanda, indica a atribuição reservada à parte de iniciativa para provocar o exercício da função jurisdicional.
1 Promotor de Justiça em Cuiabá-MT, professor orientador de Direito Público na Faculdade de
Direito da Universidade de Cuiabá, membro da Academia Mato-Grossense de Direito Constitucional, pós-graduado em Direito do Estado, Direito Público, Direitos Difusos, Direito Processual
Civil e Direito Processual Penal.
124 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
Ação é o direito (faculdade e poder) de postular e de obter dos órgãos jurisdicionais a satisfação de uma pretensão, se procedente.
Observe-se, porém, que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (CPC, Art. 6º). Nasce
desse preceito, os institutos da legitimidade ordinária e extraordinária ou
anômala. Na primeira o titular do direito age em nome próprio, e na segunda apresenta-se o substituto processual, entre os quais o Ministério Público
em causas que versem sobre interesses transindividuais (difusos, coletivos
e individual homogêneo) e individuais indisponíveis (criança, adolescente, loucos de todo gênero, surdos e mudos, índios, idosos, deficientes
físicos), os sindicatos (CF, Art.8º, III), o cidadão para anular ato lesivo ao
patrimônio público, histórico ou cultural, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente (CF, Art. 5º, LXXIII e LAP), as pessoas jurídicas de direito
público em defesa de interesses transindividuais (LACP, Art. 5º), e partidos
políticos, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa de
seus membros e associados (CF, Art. 5º, LXX).
A jurisdição é inerte e, para sua movimentação, exige-se a provocação do interessado. É a isto que se denomina princípio da ação: nemo
iudex sine actore (CPC, Art.2º, 128, 262, CPP, Art.24, 28 e 30).
Existem exceções legais, na execução trabalhista (CLT, Art. 878), na
lei de falências (LF, Art. 162), na execução penal (LEP, Art. 105), no controle penal de legalidade (CPP, Art. 654, § 2º), justificáveis pela urgência
do provimento.
Registre-se, ainda, que a iniciativa de movimentar o órgão judiciário
também cabe ao réu (CPC, Art.315), através da reconvenção e pedido contraposto (CPC, Art. 278; LJE, Art. 17).
Por fim, não se pode confundir o direito de petição (CF, Art. 5º,
XXXIV, “a”) com direito de ação, pois enquanto este se dirige ao poder
jurisdicional e exige capacidade postulatória (CPC, Art. 36) ou titularidade
institucional (MP, AGU, PGE), aquele assegura a todos a defesa de direito
ou contra a ilegalidade ou abuso de poder em todos os Poderes Públicos
constituídos, pessoalmente ou com assistência profissional, sem exigência
de formação de qualquer elo (vínculo) processual.
Marcos Henrique Machado
125
PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE E DA INDISPONIBILIDADE
Denomina-se disponibilidade a liberdade que as pessoas têm de exercer ou não seus direitos em Juízo, retratado pela possibilidade de apresentar
ou não sua pretensão, bem como de renunciar, desistir, conciliar ou transigir.
No processo civil e trabalhista, essa faculdade é adotada em razão
da natureza do direito material debatido, tido como disponível. Há limitação quando o direito material é de natureza indisponível, no qual prevalece o interesse público sobre o privado.
Em sede de recursos, fala-se em disponibilidade dos recursos a possibilidade de desistência do recurso posterior à sua interposição, ou a
renúncia ao recurso anterior à interposição, antecipando a preclusão, extinguindo-se a via recursal (CPC, Art. 501 e 503). Anote-se que em matéria
processual penal a disponibilidade é relativa (CPP, Art. 576).
Nascem desses raciocínios os princípios da disponibilidade e da
indisponibilidade.
O próprio princípio da ação explica o princípio da disponibilidade, ao exigir que o interessado, somente se desejar, busque a
tutela jurisdicional (CPC, Art. 2º), pois antes de projetar a faculdade
postulatória há um juízo de valor sobre a obrigatoriedade do exercício
do direito material pelo interessado, seja titular ou daquele que tenha
expectativa de titularidade.
Em sede cível, não há instrumentos rígidos e eficazes que impõem
qualquer obrigatoriedade dos agentes públicos (MP, AGU, PGE), com legitimidade para defesa do interesse público, senão a íntima convicção de
agir conforme deveres instituídos, mas sob dependência de controle funcional superior, ao passo que, ao particular detentor de direito indisponível, sua faculdade de agir é absoluta.
Por outro lado, no direito processual penal, o princípio da indisponibilidade ou da obrigatoriedade, embora mitigado com a criação dos
Juizados Especiais Criminais e a permissão de conciliação e composição
em matéria penal (CF, Art.98, I e LJE, Art.72, 76 e 89), tem eficácia plena, já
que o ius puniendi deve ser exercido, considerando que Estado não tem
apenas o direito, mas sobretudo o dever de punir para assegurar a convivência dos indivíduos e a ordem pública na sociedade.
Observe-se que os órgãos incumbidos da persecução penal oficial
não são dotados de poderes discricionários para apreciarem a conveniên-
126 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
cia, quer do inquérito policial, quer da ação penal (CPP, Art.6º, 17, 42, 576),
afastadas as exceções nos casos de crimes de ação privada, nos quais se
exige queixa e admite renúncia, perdão e perempção (CPP, Art.30, 49, 51 e
60), e condicionados à representação ou solicitação do Ministro da Justiça
(CPP, Art.24, segunda parte). Se a persecutio criminis tornar-se inconveniente, cabe ao legislador não configurar tais fatos como ilícitos penais,
pois tipificado o fato pelo direito objetivo não há discricionariedade dos
órgãos incumbidos da persecução. É certo que deve haver o controle judicial que evite ações penais sem justa causa ou inúteis.
PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE
A oficialidade pode ser considerada como desdobramento ou
subprincípio da indisponibilidade, pois patente apenas no direito processual penal.
Na persecução penal, é a regra que os órgãos incumbidos sejam
estatais, isto é, oficiais. A pretensão punitiva do Estado, assim, deve ser
investigada e deduzida por agentes públicos (CPP, Art. 4º e 5º e Art. 24 ),
sem prejuízo, porém, de qualquer pessoa do povo provocar a iniciativa do
Ministério Público, fornecendo-lhe informações sobre o fato e autoria nos
crimes de ação pública (CPP, Art. 27).
A exceção é reservada aos crimes de ação privada, em que inquérito
policial e ação penal só se iniciam por provocação do interessado (CPP,
Art. 5º, § 5º, e 30).
PRINCÍPIO DA LEALDADE OU DA PROBIDADE PROCESSUAL
A boa-fé e a honestidade são pressupostos de todas as relações do
direito. A verdade, por sua vez, é a essência do processo, sendo reprovável
que as partes se sirvam dele para fins ilícitos ou imorais.
O princípio que impõe esses deveres de probidade e moralidade
recai sobre todos que participam do processo (juízes, partes, advogados e
membros do Ministério Público), e denomina-se lealdade processual.
É indiscutível que a lide representa uma situação de discórdia entre
as partes, podendo ser palco de vindicta e abuso do direito de defesa.
O princípio da lealdade visa conter os litigantes e a lhes impor uma
conduta que possa levar o processo à consecução de seus objetivos.
Marcos Henrique Machado
127
O desrespeito ao dever de lealdade processual traduz-se em ilícito
processual (compreendendo o dolo e a fraude processuais), que impõe
sanções processuais.
A preocupação fundamental é o comportamento ético das pessoas
que atuam no processo (CPC, Art. 14, 15, 17, 18, 31, 133, 135, 144, 147,
153, 193, 600 e 601).
Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como
autor, réu ou interveniente (terceiro), cabendo ao Juiz, de ofício ou a requerimento da parte prejudicada, condenar o litigante de má-fé a indenizar
a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários e as
despesas que efetuou (CPC, Art.16 e 18, § §), no próprio processo em que
se verificou violação aos deveres de lealdade.
Não se trata de multa, mas repressão contra atos atentatórios à dignidade da Justiça, cabendo ao Juiz impor ao litigante de má-fé indenização
pecuniária, calculada sobre o prejuízo, ainda que dependente de liquidação por arbitramento (CPC, Art.18 e 607).
Em matéria penal, não há expressa preocupação do CPP, a não ser
com o prazo para a realização de ato processuais (Art.799 e 801), coibindo
o retardamento intencional. Mas o Código Penal comina pena de detenção
para a fraude em processo civil ou procedimento administrativo, determinando a sua aplicação em dobro quando a fraude se destina a produzir
efeitos em processo penal (CP, Art. 347).
PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE
Considera-se eventual aquilo que depende de acontecimento incerto, casual, fortuito, acidental. A moderna doutrina processual vem reconhecendo, como princípio da eventualidade, a obrigação das partes indicarem, em suas peças processuais, tudo o que pretendem provar e obter
do órgão jurisdicional (CPC, Art. 282 e 283 e 301).
O autor, então, deve argüir, na inicial, toda matéria de fato e de
direito utilizando-se do pedido alternativo, em ordem sucessiva ou da
cumulação, apontando o conteúdo probatório que pretende produzir. Isto
porque, depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando
relativas a direito (material) superveniente = direito novo; competir ao juiz
conhecer delas de ofício (CPC, Art.267, § 3º); ou por expressa autorização
legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo (ex. CPC, Art.
128 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
305), consoante disciplina o Art.303 do CPC, sem que haja alteração do
pedido ou da causa de pedir.
O réu, por sua vez, deve alegar toda a matéria de defesa, expondo
as razões de fato e de direito, na contestação, além de especificar as provas
que pretende produzir para impugnar o pedido do autor.
Não obstante, cabe ao juiz, à luz dos brocardos latinos iura novit
curia (o juiz conhece o direito) e da mihi factum, dabo tibi ius (exponha
o fato, direi o direito) selecionar o conteúdo fático provado e o direito
vigente para formar sua convicção sobre o mérito da causa, sopesando as
pretensões do autor (pedido) e do réu (resposta).
PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO
Também denominado de princípio da congruência ou da adstrição do
juiz ao pedido da parte = sententia debet esse conformis libello, o princípio
da correlação impede que o julgamento ultrapasse os limites da lide = ne eat
iudex ultra petita partium (CPC, Art.459), ou que o pedido seja de natureza
diversa ou o objeto seja diverso do que fora pedido (CPC, Art.460).
Derivado do princípio da ação, o princípio da correlação proíbe o
julgamento ultra ou extra petita, valorizando a delimitação da lide pelo
pedido. Em suma, o pedido e a sentença devem ter correspondência.
No processo civil, o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer questões não suscitadas (CPC, Art.128,
primeira parte).
O fenômeno é semelhante no processo penal, onde o juiz pode dar
definição jurídica diversa ao fato delituoso em que se funda a acusação,
ainda que daí derive a aplicação de pena mais grave (CPP, Art.383 e 384,
caput), mas, nesses casos, observado o contraditório, não se caracteriza
julgamento ultra petita e sim a livre dicção do direito objetivo adequado
pelo juiz, em virtude da orientação romana jura novit curia.
Ressalte-se que, é o conteúdo fático que efetivamente vincula o juiz
ao direito, delimitando o campo de seu poder de decisão. Noutra banda,
é a qualificação a ser dada ao fato que constitui o juízo de valor inerente
ao órgão jurisdicional.
Marcos Henrique Machado
129
PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE
O processo é, em sua essência, um instrumento, composto pelo
conjunto de atos reduzidos a escrito, em forma apropriada, para que se
constitua um documento que o torne concreto, autêntico, provável e oponível contra terceiros.
Instrumentalidade é o princípio do aproveitamento dos atos processuais, de aplicação geral ao processo civil e penal, sob a ótica do prejuízo
(CPC, Art. 249, § 1º; CPP, Art. 563; CLT, Art. 794), e da finalidade (CPC, Art.
244). Segundo esse princípio, a imperfeição do ato processual não resulta
em nulidade ao ser submetido à prévia verificação de regras que valorizam
a instrumentalidade do processo.
Isto porque, o ato processual pode se convalescer, ou seja, ser recuperado, sanado, através de retificação, ratificação ou correção, pois é
possível repetir ou suprir o ato processual (CPC, Art. 249, 250; CPP, 568,
569, 573, caput; CLT, Art. 796, a).
Assim sendo, formam o princípio da instrumentalidade as seguintes
regras:
1)a nulidade não será reconhecida e decretada, a despeito da forma
não ser observada se o ato atingir sua finalidade. Havendo a consecução do objetivo visado, o ato, ainda que praticado contrariando
a forma prescrita, é válido (CPC, art. 244; CPP, 565, última figura);
2)não se admite a argüição de nulidade pela parte que tenha dado
causa, pois ninguém pode-se beneficiar da própria torpeza, seja
concorrendo voluntariamente, seja concordando com o resultado
(CPC, Art. 243, segunda parte; CPP, Art. 565; CLT, Art.796, “b”);
3)a nulidade recai sobre o ato viciado, e não em relação ao processo
(instrumento) ou procedimento (rito), derivando efeitos sobre os
atos subseqüentes que dele dependam (CPC, Art. 248; CPP, Art.
573, §§ 1º e 2º; CLT, 798). É possível que a nulidade de determinado
ato não prejudique os atos posteriores. Se verificado o raro fenômeno, os atos independentes permanecem inalterados. Também
se a nulidade for parcial, o ato poderá ser aproveitado em parte, se
for possível extrair o vício que parcialmente o contamina;
4)a nulidade também não será decretada sem que haja utilidade.
Em outras palavras, não será pronunciada quando o julgamento
do mérito for a favor da parte a ser beneficiada pelo seu reconhe-
130 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
cimento (CPC, Art. 249, § 2º) ou não tiver influído na apuração
da verdade substancial ou na decisão da causa (CPP, Art. 566).
Inclua-se, que a lei reclama o interesse da parte pela nulidade.
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Preclusão é perda de uma determinada faculdade processual civil,
ou pelo não exercício dela na ordem legal, ou por haver-se realizado uma
atividade incompatível com esse exercício.
O princípio da preclusão extingue o direito de praticar o ato, independentemente de declaração judicial, se, decorrido o prazo, não foi
exercido, ressalvada a possibilidade da parte provar que o não realizou por
justa causa (CPC, Art. 183, §§ 1º e 2º).
Esse princípio, ainda, impede a discussão, no curso do processo,
de questões já decididas (CPC, Art. 473), bem como convalida nulidade
relativa (CPC, Art. 245, caput).
PRINCÍPIO DA ECONOMIA
Justificada pela proporção entre fins e meios, o processo deve buscar o binômio custo-benefício.
O princípio da economia preconiza a efetividade da tutela jurisdicional com o mínimo de tempo, prazo e despesas possíveis.
Diz-se também economicidade, para indicar racionalidade dos serviços judiciários, principalmente em primeira instância.
Não obstante, a economia processual envolve: a) a concentração das
fases processuais (postulação, instrução e decisão) em único ato (CPC, Art.
275, I; LJE) e eliminação de providências desnecessárias e inúteis; b) a simplicidade das peças processuais produzidas em Juízo; c) a informalidade
das audiências e na avaliação do conjunto probatório; d) a celeridade para
a prática e sucessão dos atos processuais, visando a solução do litígio (CPC,
Art. 125, II); e) a oralidade dos atos processuais que, embora sejam datilografados ou escritos e após autuados, numerados e rubricados para integrarem
os autos (CPC, Art. 154, 166, 167, 169), tem origem na atividade regular do
órgão jurisdicional (audiências), onde o representante do Ministério Público,
os advogados e as partes, formulam alegações e provam os fatos e o juiz
decide, questões de forma, incidentais e o mérito da causa, oralmente.
Marcos Henrique Machado
131
Há doutrinadores que procuram destacar a celeridade e a oralidade
como princípios autônomos. No entanto, a rigor, é a LJE que indica expressamente a simplicidade, a informalidade, a celeridade e a oralidade
como critérios de orientação aos processos de competência dos Juizados
Especiais (Art.2º).
A oralidade no processo civil vem indicada no procedimento sumário (CPC, Art. 275-281); na esfera do processo penal a oralidade também
é limitada ao processo sumário (CPP, Art. 538-539), e ao plenário do Júri
(CPP, Art. 467, 471, 472, 473); no processo trabalhista operou-se importantes modificações em direção a um processo simples, acessível, rápido e
econômico, permeado de verdadeira oralidade (CLT, Art. 765).
Justifica-se esse princípio no fato de que a atividade jurisdicional é
um serviço público, que deve ser prestado à sociedade com o mínimo de
exigência possível.
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
O princípio dispositivo consiste na regra de que o juiz depende, na
instrução da causa, da iniciativa das partes quanto às alegações fáticas e
jurídicas, bem como às provas em que se fundamentará a decisão: iudex
secundum allegata et probata partium iudicare debet (CPC, Art. 128, segunda parte)
O princípio dispositivo tem íntima relação com os princípios da
ação e da correlação, e fundamenta-se na necessidade de salvaguardar a
imparcialidade do juiz.
Pondere-se, contudo, que em face da publicização do direito, o
princípio dispositivo atualmente é mitigado pelo interesse público, cabendo ao juiz, também, a busca da verdade real, com ampla liberdade na
investigação da prova, mesmo de ofício (CPC, Art. 130 e 440).
Não cabe, obviamente, ao magistrado suprir a inatividade das partes em relação à iniciativa e ao ônus probatório (CPC, Art. 333), sendo
certo que compete a cada uma das partes fornecer a prova das alegações que fizer; ao autor a prova do fato constitutivo, e ao réu a do fato
impeditivo, extintivo ou modificativo daquele. O direito processual, não
obstante, vem progredindo em matéria probatória, e busca substituir a
verdade formal (aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas
carreadas aos autos) pela real.
132 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
Para se afastar o princípio dispositivo, contudo, no direito processual­
civil, o direito ou interesse há de ser indisponível, segundo inteligência do
Art.331 do CPC. Interesses indisponíveis são todos os direitos da pessoa
que não tem conteúdo econômico (liberdade, educação, cultura, segurança, honra, nome, intimidade, alimentos), embora alguns deles possam ser
objeto de transação, em caso de conflito de interesses (Ex: ação alimentos
sobre o valor da prestação; indenização moral sobre o valor da reparação).
Não deixa de ser indisponível, porém o é dado estimativa de valor.
No processo penal sempre predominou o sistema da livre investigação de provas, pois deve o juiz atender à averiguação e ao descobrimento da verdade real (ou verdade material), como fundamento da sentença
(CPP, Art. 383 a 386). Os atos não verdadeiros ou omissões das partes não
podem prevalecer sobre o direito punitivo do Estado.
No processo trabalhista, embora disponível o interesse debatido, os
poderes do juiz na colheita das provas também são amplos (CLT, Art. 765),
justificados pelo interesse social que a relação de emprego representa.
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO OU DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ
O princípio da imediação ou da identidade física do juiz é aquele que
exige a vinculação direta do juiz com as partes e as provas, a fim de que
forme serena e verdadeiramente a convicção sobre a causa que irá julgar.
Como corolário indispensável da imediação, o julgador deve ser o
mesmo que concluiu a instrução da causa, salvo casos excepcionais (CPC,
Art.132).
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ
A maior justificativa do devido processo legal é a posição eqüidistante do juiz em relação às partes e às provas.
Imparcialidade, além de princípio também da jurisdição, é considerada pressuposto para que a relação processual se instaure validamente
(CPC, Art.219 – Juízo).
A isenção do juiz representa sua capacidade subjetiva. Com efeito,
a incapacidade subjetiva se origina da proibição de exercer suas funções
no processo ou da suspeita de sua imparcialidade (CPC, Art134 e 135; CPP,
Art.252 e 254).
Marcos Henrique Machado
133
A imparcialidade do juiz é um direito das partes e, para ser exercício,
é assegurado excepcionar, i.e. excetuar, excluir, o juiz (CPC, Art.304 e 312).
Note-se que, no plano internacional, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, proclamou que: “toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por
um tribunal independentemente e imparcial, para a determinação de seus
direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em
matéria penal”.
PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL
Instaurada a relação processual, cabe ao juiz dar impulso oficial aos
atos do procedimento até exaurir a função jurisdicional (CPC, Art. 262),
velando sempre pela rápida solução do litígio (CPC, Art. 125, II).
No entanto, o princípio do impulso oficial possui limites no processo civil, reservando oportunidade para que as partes pratiquem atos que
dependem de sua iniciativa, decorrentes de forma e prazos processuais
(CPC, Art. 181 e 182), ou provenientes de obrigações e ônus (CPC, Art.
14 e 333). No processo penal, em virtude da indisponibilidade do direito
material, o princípio do impulso oficial é inerente à atividade judicial.
Note-se que a atividade individual da parte é a essência do princípio
da ação e do princípio dispositivo, e está intimamente ligada ao princípio
da preclusão, pois se não exercida a faculdade de praticar o ato a possibilidade de iniciativa se exaure.
PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL DO JUIZ OU DO LIVRE
CONVENCIMENTO MOTIVADO
A atividade jurisdicional possui regras para valoração da prova. A
persuasão racional ou o livre convencimento motivado indica como o juiz
deve formar sua convicção para julgar.
Tal princípio é contemplado pelo direito processual civil (CPP, Art.
131) e penal (CPP, Art. 157), ressalvada a competência do Tribunal do Júri,
onde é adotada a regra secundum conscientiam = segundo a consciência
(CPP, Art. 5º, XXXVIII, alínea “c”).
Embora livre a apreciação da prova pelo juiz, está vinculado ao conteúdo dos autos (quod non est in actis non est in mundo).
134 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
Não há hierarquia definida para as provas, critérios legais determinados ou mesmo prova com preferência (CPC, Art. 131 e 436; CPP,
Art.157 e 182). O raciocínio sobre as provas é alcançado após um exercício
intelectual-lógico do juiz.
Registre-se que o princípio da persuasão racional completa o princípio da imediação.
PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA
Sucumbência, na linguagem forense, significa “ser vencido; ser derrotado”. Justifica-se o princípio porque não é admissível que a utilização
do processo, para obter decisão justa sobre fato, possa reverter em prejuízo a quem tenha razão.
Assim sendo, a sentença que julgar a lide deverá condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios, mesmo em relação ao advogado que funcionou em causa própria
(CPC, Art. 20, caput).
Além da decisão da causa, todo incidente ou recurso julgado gera
condenação do vencido nas despesas (CPC, Art. 20, § 1º). Note-se que as
despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, mas também a
indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente
técnico (CPC, Art. 20, § 2º).
O Código de Processo Civil define os critérios para fixação de honorários, somente afastados quando lei especial disciplina o arbitramento de
forma diversa, ou há enunciado jurisprudencial específico (Súmulas do STJ
nº 14, 29, 105, 110, 111, 131, 141).
No tocante à assistência judiciária gratuita (Lei nº 1.060/50), haverá
isenção do beneficiário vencido do pagamento também da verba honorária, enquanto persistir a situação de pobreza. Trata-se de uma desobrigação
portanto que não afasta a fixação da sucumbência, mas tão somente elide
sua exigibilidade.
Doutro lado, se cada litigante for em parte vencedora e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles
os honorários e as despesas (CPC, Art.21).
Na hipótese de litisconsórcio, os vencidos respondem pelas despesas e honorários em proporção, não superior a 20% (CPC, Art. 23 e STF,
RTJ 79/667).
Marcos Henrique Machado
135
Tratando-se de jurisdição voluntária, não há sucumbência, e havendo despesas adiantadas pelo requerente serão rateadas entre os interessados (CPC, Art. 24).
Nos juízos divisórios (ação de demarcação, divisão e partilha), não
havendo litígio, os interessados pagarão as despesas proporcionalmente
aos seus quinhões (CPC, Art. 25). Em caso de transação, em nada dispondo
as partes quanto às despesas, estas serão divididas igualmente (CPC, Art.
26). Não obstante, o reconhecimento imediato do pedido, que deveria ser
um incentivo ao litigante, estabelece responsabilidade ao réu pelas despesas e honorários em favor do autor.
Arremate-se, que não há sucumbência em relação ao Ministério
Público quando exerce a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, bem como aos legitimados ao exercício da ação
civil pública e, por óbvio, sua execução (LACP, Art. 5º cb. 18), e também
ao cidadão quando se utiliza da ação popular (LAP, Art.13), ressalvada a
hipótese de má-fé.
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
Entende-se por princípio da causalidade a imposição de despesas e
honorários advocatícios àquele que deu causa à instauração de demanda
e dela desistiu após formada a relação processual (CPC, Art.26); à instauração de incidente processual manifestamente protelatório, impertinente
ou supérfluos (CPC, Art.31); ao réu por não argüir na sua resposta fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor bem como dilatar
o julgamento da lide (CPC, Art. 22 e 267, § 3º, segunda parte).
Particularmente em relação às objeções que o réu tem por obrigação
alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, é necessário distinguir aquelas que podem ser consideradas retardamento. Com
efeito, entre as objeções manejadas pelo réu estão as de ordem processual
e de direito material. Entre as primeiras estão: a) por fato impeditivo entende-se a incapacidade processual e postulatória das partes, a litispendência,
a incompetência absoluta, as nulidades absolutas, as condições da ação;
b) por fato extintivo considera-se a prescrição em causas que não versem
sobre direitos patrimoniais, a coisa julgada, e a morte se intransmissível a
causa; c) por fato modificativo a morte. Entre as segundas estão: a) por fato
impeditivo compreende-se a incapacidade civil, a ilicitude da obrigação e
136 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
os vícios do ato jurídico (dolo, fraude, erro, e coação); b) por fato extintivo
o pagamento; c) por fato modificativo apresentam-se a novação, a dação
em pagamento, o pagamento parcial, a compensação e a alienação da
coisa ou do direito litigioso.
Embora não exista definição legal das questões que levam à pena
por retardamento, o juiz não pode conhecer de ofício o mérito da causa,
sem que haja afronta ao princípio dispositivo. Sendo assim, parece razoável que o juiz somente possa impor responsabilidade ao réu se as defesas
forem pertinentes ao processo.
São despesas processuais, decorrentes da causalidade, as multas
(CPC, Art. 529); as custas de retardamento (CPC, Art. 22, 29, 31, 113, § 1º,
181, § 2º, 267, § 3º, 412, 453, § 2º); a condenação do juiz e do Ministério
Público nas custas (CPC, Art. 29, 314).
Atente-se, enfim, que o princípio da causalidade não se confunde com o princípio da sucumbência, pois independe do responsável ser
vencido ou vencedor. Tem, contudo, relação próxima com o princípio da
eventualidade, visto que se o réu não observá-lo o fenômeno da causalidade poderá incidir.
PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE
Trata-se de uma limitação do princípio do duplo grau de jurisdição
que define o sistema recursal em rol exaustivo, ou seja, numerus clausulus. Em outras palavras, o princípio da taxatividade reconhece como
recursos somente os instrumentos impugnativos previstos e regulados pela
lei processual (CPC, Art. 496). Evidencia, pois, a competência federal para
legislar sobre direito processual (CF, Art. 22, I).
PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE
Em sintonia com o princípio da taxatividade, o princípio da singularidade retrata a vedação de escolha discricionária do recurso, reconhecendo que somente há um recurso para cada ato judicial suscetível de
impugnação.
Fica defeso ao recorrente a possibilidade de, no caso de recursos
com duplicidade de regime, escolher mais de uma via para impugnar o
mesmo pronunciamento judicial, pois cabível um único tipo de recurso.
Marcos Henrique Machado
137
Havendo interposição simultânea de dois recursos distintos, contra
única decisão, haverá sobrestamento de um deles até o julgamento do outro
(CPC, Art. 498 e 538). Nada obsta, porém, que haja dupla interposição de
recursos da mesma espécie contra a decisão (ex. apelação do autor e do réu)
PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE
O recurso é uma faculdade, se não indisponível o direito material
ou não dependente de reexame necessário (CPC, Art.475). Voluntariedade é elemento da faculdade recursal (CPC, Art.499). O princípio da
voluntariedade, então, requer a manifestação de vontade de recorrer
por parte do vencido, não sendo conhecido o recurso em casos de
desistência (CPC, Art.501), ou mesmo reconhecido prazo para recurso
se houver renúncia (CPC, Art. 502) ou aceitação expressa ou tácita da
decisão (CPC, Art.503).
Em regra, somente se efetiva o duplo grau de jurisdição se e quando o vencido apresentar recurso contra a decisão de primeiro grau. Há,
assim, necessidade de nova provocação do órgão jurisdicional, por parte
de quem foi desfavorecido pela decisão. Note-se, contudo, que num justificável controle do interesse público, há exceção ao princípio com a figura
da remessa necessária ao Tribunal das decisões monocráticas que versem
sobre causas consideradas especiais (CPC, Art.475; CPP, Art.574, I - III cb.
Art.411, e Art. 746), tanto verdade que não transita em julgado a sentença
se houver omissão ao recurso ex offício, que considera a interposição ex
lege (Súmula 423 do STF).
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL
Fungível, em direito, representa substituição por outros da mesma
espécie, qualidade e quantidade. Fungibilidade é a possibilidade de, em
caso de erro escusável ou de dúvida sobre qual o recurso cabível, substituição de um recurso interposto por outro que seria, na verdade, o apropriado para a obtenção de uma nova decisão.
O princípio era consagrado expressamente no Código de Processo
Civil de 1939.
Não se admite, contudo, a fungibilidade na hipótese de erro grosseiro,
i. e., quando a lei prevê o recurso cabível para impugnar a decisão mas, ao
138 Dos Princípios Processuais de Origem Legal
contrário do comando legal, há interposição de outro recurso em seu lugar.
A fungibilidade é sustentável sempre que a disposição normativa
sobre o recurso não possibilita a interpretação textual, surgindo lacunas e,
por isso, o emprego de outros métodos de interpretação ou mesmo a integração do direito. As maiores dificuldades em matéria de recursos ocorrem
em disposições normativas dos Tribunais que, por deferência constitucional (CF, Art.96, I), estabelecem competência recursal a órgãos de segundo
grau via de Regimentos Internos.
CONCLUSÃO
Os princípios são, pois, raciocínios ideais que representam uma aspiração social, política e jurídica, i.e, o valor do fato através de normas.
Ressalte-se, ainda, que os princípios processuais têm aplicação diversa no campo do processo civil e do processo penal, apresentando, às
vezes feições ambivalentes, isto é, distintas.
Note-se, por fim, que nos princípios constitucionais, sobretudo, é
que se embasa o direito processual, permitindo, assim, criar-se uma plataforma comum para o estudo de uma teoria geral do processo.
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SÍTIOS CONSULTADOS
www.stf.gov.br - Supremo Tribunal Federal
www.stj.gov.br - Superior Tribunal de Justiça
POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS:
UMA AVALIAÇÃO INICIAL ACERCA DOS
ASPECTOS JURÍDICOS E ECONÔMICOS
Marli Teresinha Deon Sette1
Jorge Madeira Nogueira2
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A preocupação com os resíduos sólidos é crescente em todas as sociedades contemporâneas. Os efeitos negativos, mormente os ambientais3
causados pelos resíduos sólidos e pela sua disposição inadequada, são
motivos para que todos – desde o cidadão comum até o formulador de
políticas públicas busquem alternativas ajustadas à realidade atual. Alguns
fatores, em especial, o aparecimento de grandes cidades, o aumento populacional, o consumo exponencial na busca de satisfação de desejos humanos ilimitados e a corrida do setor produtivo para atendê-lo, têm gerado
cada vez mais resíduos inerentes à produção e ao consumo. A quantidade
de resíduos sólidos tem sido superior à capacidade que o próprio ambiente
tem de absorver ou diluir. O acumulo de resíduos sólidos tem efeitos negativos diretos e indiretos tanto sobre a saúde humana quanto sobre a resiliência
do meio ambiente, a exemplo da contaminação dos lençóis freáticos pela
1 Marli Deon Sette é mestra em Gestão Econômica do Meio Ambiente pela Universidade de Brasília UnB, possui graduação em Direito pela Universidade de Cuiabá UNIC/IUNI e graduação
em Ciências pela Fundação Alto Uruguai para Pesquisa e Ensino Superior de Erexim/RS, FAPES/
URI. É pesquisadora associada do Centro Integrado de Ordenamento Territorial da Universidade de Brasília CIORD/UnB, na qual leciona diversas disciplinas em cursos de pós-graduação.
Também leciona na Universidade de Cuiabá/MT, UNIC/IUNI. Tem experiência nas áreas de
Direito Ambiental, Civil e Administrativo, atuando nas seguintes disciplinas: Direito Ambiental,
Obrigações (Parte Geral e Contratos), Licitações e Contratos Administrativos, Agentes Públicos,
e Políticas Públicas relacionadas à Ordem Urbanística. Atua/atuou no serviço público do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, como Conselheira do Conselho Estadual do Meio
Ambiente de Mato Grosso CONSEMA, como conselheira do Conselho Estadual de Recursos
Hídricos de Mato Grosso CEHIDRO e como Vice-Presidente da Comissão do Meio Ambiente da
OAB/MT, secção de Várzea Grande/MT.
2 Jorge Madeira Nogueira é Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de
Brasília, doutor em Economia pela Universidade de Londres, com pós-doutorado em Economia
dos Recursos Naturais pela Universidade de Cornell (EUA).
3 Apenas a título ilustrativo, remetemos o leitor interessado ao histórico dos eventos mencionados no
Projeto de Lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, encontrado no endereço http://
www.camara.gov.br/sileg/integras/501911.pdf , pesquisado em 08.09.2010.
142 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
deposição do chorume, a infestação de ratos e baratas, a coleta de alimentos
deteriorados para alimentação de populações economicamente necessitadas, alagamentos, mau cheiro, etc (DEON SETTE, 2009, p. 254-255).
Esses efeitos negativos são ainda mais graves em países, como o
Brasil, que carecem de uma gestão eficaz e eficiente desses resíduos. Segundo pesquisa realizada por Teixeira, Murilo e Marques, Telma Maria4,
vê-se que em 1989, indicadores nacionais mostraram que 78% da população urbana brasileira tinham acesso ao serviço de coleta de lixo. No entanto, 50% dos resíduos coletados foram depositados em vazadouros a céu
aberto, ou áreas alagadas, sem qualquer cuidado para evitar a contaminação. Os 50% restantes receberam algum tipo de tratamento, sendo que 22%
foram encaminhados a aterros controlados e 23% a aterros sanitários. Uma
pequena parcela dos resíduos foi compostada ou reciclada. Se for considerada a soma dos resíduos dispostos em aterro controlado e em vazadouros
a céu aberto, verifica-se que 72% do lixo coletado foram dispostos sem
controle sanitário e ambiental.
A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, mencionada pelos mesmos autores, realizada em 1991 pela Fundação Nacional de Saúde, demonstrou que eram geradas diariamente 241 mil toneladas de resíduos
sólidos, das quais 130 mil eram domiciliares e os restantes 111 mil eram
industriais, de serviços de saúde, comerciais e públicos. Deste total, 76%
eram dispostos a céu aberto e apenas 24% recebiam tratamento adequado
(13% iam para aterros controlados, 10% para aterros sanitários, 0,9% para
usinas de compostagem e 0,1% para usinas de incineração). Essa realidade
ficou ainda mais preocupante nos quase vinte anos desde a realização da
Pesquisa. Atualmente mais da metade dos municípios brasileiros abandona
o lixo a céu aberto5. Ao longo desse período os legisladores federais brasileiros tiveram a oportunidade de debater e definir a Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS) brasileira, finalmente sancionada pelo Presidente
da República em 2 de agosto de 2010 (Lei n. 12.305).
4 Teixeira, Murilo e Marques, Telma Maria. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:N2Nvdf1oY3gJ:www.aedb.br/seget/artigos04/140_RECICLAGEM%2
520DE%2520PET%2520NO%2520BRASIL.doc+QUANTIDADE+DE+LIXO+DEPOSITADO+EM
+CEU+ABERTO+RECICLADO+DISSERTA%C3%87%C3%83O+DE+MESTRADO&cd=5&hl=ptBR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em 9 set. 2010.
5 Dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgados no
Jornal Nacional, (agosto/2010), que divulgou ainda que em conseqüência desta disposição inadequada do lixo, quase 41% das cidades sofrem com inundações causadas principalmente por
obstrução de bueiros (em 47% dos casos de alagamento), sendo o segundo fator de alagamento,
a ocupação desordenada do solo, (43%).
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
143
O Projeto de Lei que instituiu a PNRS6 subsidiou suas justificativas
com a informação de que indicadores oficiais mostram que no ano 2000,
cerca de 60% dos resíduos coletados foram depositados inadequadamente
em lixões, 17% em aterros controlados e 13% em aterros sanitários. Além
disso, afirmou que em uma década houve um aumento de cerca de 12%
dos resíduos dispostos inadequadamente no solo. Em 2009, o Ministério
do Meio Ambiente constatou que no Brasil, cerca de 97% do lixo eram coletados das residências. Todavia, quase 60% dos municípios depositavam
seus resíduos em lixões e apenas pouco mais de 15% depositavam-nos em
aterros sanitários controlados (BRASIL 20097 in SANTOS, 2009)8.
Outro dado relevante do Projeto de Lei que Instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos diz respeito à presença de catadores nas áreas
de disposição final. Eles somavam cerca de 25.000 em 2000, dos quais
22,3% tinham até 14 anos de idade. É de se mencionar que além desses,
existiam ainda os catadores nas ruas das grandes cidades brasileiras.
Fica evidenciado, então, que historicamente há um descaso com
o tratamento dos resíduos sólidos, desde a coleta até a deposição, no
Brasil. Tem-se, por outro lado, interpretado como “fatalidade” ou “tragédia” algumas das conseqüências desse descaso: alagamentos, inundações,
condições desumanas de sobrevivência dos catadores. Os efeitos indiretos
também parecem ser ignorados, apesar de significativos: vetores de doenças, doenças decorrentes de alimentação e contato dos catadores com os
resíduos, entre outros. Esses efeitos diretos e indiretos têm gerado enormes
dispêndios financeiros, sociais e emocionais, sem falar, nos imensos problemas ambientais, tais como poluição por chorume, poluição de águas,
cheiro, uso desregrado de recursos ambientais, para mencionar apenas os
mais importantes.
6 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/501911.pdf>.
7 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Ações do MMA para os municípios. Coordenação Ronie
Lima, Projeto Gráfico Rodrigo Braga, Edição e redação Daniela Mendes e Suelene Gusmão e
Assistência de Produção Paula Ramos e Rebecca Celso. Brasília, DF. Assessoria de Comunicação, 2009. p.10-13. texto Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/
cartilha_182.pdf>. Acesso em: 9 set. 2010.
8 SANTOS, Hugo dias Hoffmann. INVENTÁRIO E REVISÃO DE MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
DE SERVIÇOS DE SAÚDE (RSS) NO PRONTO SOCORRO E HOSPITAL MUNICIPAL DE VÁRZEA
GRANDE/MT Cuiabá – Mato Grosso – 2009. Monografia apresentada ao Instituto de Biociências (Depto. de Botânica e Ecologia) da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, para
obtenção do título de Especialista em Ciências Ambientais. Disponível em: <http://www.scribd.
com/doc/18982260/HOFFMANNSANTOS-HD-2009-Inventario-e-revisao-de-manejo-de-RSS-noPSHMVG>. Acesso em: 9 set. 2010.
144 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
É nesse contexto que emerge a Lei n. 12.305/2010, que traça definições , princípios, objetivos, metas, ações, diretrizes e instrumentos com
vistas ao gerenciamento e gestão integrada dos resíduos sólidos, bem
como atribui responsabilidade àqueles que de alguma forma estejam envolvidos com a produção, consumo, gestão ou gerenciamento de materiais
e/ou serviços que possam gerar resíduos sólidos. Quais são os princípios
norteadores e as características jurídicas gerais da Lei? Quais as avaliações
e os instrumentos econômicos que a Lei enseja e estimula? Essas são as
perguntas básicas que o presente artigo responde. Ao assim fazê-lo busca
contribuir para um adequado entendimento do instrumento e alertar para
possíveis dificuldades em sua regulamentação e durante a sua implantação.
9
A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS):
UMA LEITURA JURÍDICA.
PRINCÍPIOS NORTEADORES DA POLÍTICA NACIONAL
DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Para que se possa destacar os princípios norteadores da Lei n.
12.305/2010 é relevante lembrar Lorenzetti (1998, p. 312) ao destacar que
se pode conceituar princípio como “uma regra geral e abstrata que se obtém indutivamente, extraindo o essencial de normas particulares, ou como
uma regra geral preexistente”. A esfera ambiental é norteada por vários
princípios gerais, que têm seu foco na sustentabilidade do meio ambiente.
A lei da PNRS, além de respeitar os princípios gerais, traça alguns específicos. Aqui, citaremos de forma an pasan os princípios gerais do direito
ambiental, remetendo o leitor interessado a material informativo e daremos
maior atenção aos princípios específicos.
Os princípios gerais do direito ambiental, segundo Deon Sette
(2009, p. 55-65)10 são: a) Princípio do Direito Humano Fundamental (também conhecido como Princípio do Ambiente Ecologicamente Equilibrado);
9 Em especial chama a atenção a definição, na Lei, de resíduos sólidos: “material, substância,
objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação
final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou
semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem
inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso
soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível”.
10 Para conhecer os conceitos dos princípios gerais relacionados, ver a obra aqui citada.
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
145
b) Princípio da Ubiqüidade; c) Princípio da Responsabilidade Social; d)
Princípio da Função Socioambiental da Propriedade; e) Princípio do Desenvolvimento Sustentável; f). Princípio do Poluidor Pagador (PPP) e Princípio do Usuário Pagador (PUP); g) Princípio da Prevenção; h) Princípio da
Precaução; i) Princípio da Participação: este princípio desdobra-se em dois
aspectos, quais sejam: Princípio da Informação Ambiental e Princípio da
Educação Ambiental; j) Princípio Democrático, que pode ocorrer em três
esferas, a saber: na esfera legislativa, na esfera administrativa e na esfera
processual; k) Princípio do Equilíbrio; e, l) Princípio do Limite. Além dos
princípios citados, é de bom alvitre lembrar valores constitucionais que
embasam as concepções ambientais, mormente o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana e a garantida do exercício da cidadania, fundamentos
necessários para que se possa falar na construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, com possibilidade de viver com bem-estar, em ambiente
saudável11.
Os princípios específicos arrolados na Lei da PNRS são (artigo 6º,
incisos I a XI, da Lei n. 12.305/2010):
a) Principio da Prevenção: Esse princípio impõe ao empreendedor a
obrigação de tomar medidas que possam evitar ou minimizar a ocorrência
de dano ambiental, utilizando medidas mitigadoras e preventivas. Tem na
sua essência a idéia de “agir antecipadamente” e, para tanto, é necessário
que o empreendedor tenha conhecimento do que sua atividade pode causar para poder prevenir (DEON SETTE, 2009, p. 61).
b) Princípio da Precaução: esse princípio impõe cautela, pois prega
que, se nos estudos realizados para desenvolver determinada atividade,
não se consegue obter conhecimento suficiente sobre os efeitos que a
atividade possa causar ao ambiente, deve-se evitar o seu desenvolvimento.
Diferencia-se do Princípio da Prevenção, pois naquele busca-se minimizar
os efeitos e, nesse, evita-se a implementação da atividade (DEON SETTE,
2009, p. 62).
c) Princípio do Poluidor-pagador: dispõe que as pessoas naturais
ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou pelo direito privado,
devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a
contaminação ou para reduzí-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas
equivalentes que assegurem a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo
11 Para mais informações acerca destas garantias, ver DEON SETTE e NOGUEIRA, 2007.
146 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
Poder Público competente (FIORILL0, 2003, p. 28). O PPP busca evitar a
ocorrência de danos ambientais, na medida em que atua como estimulante negativo ao poluidor do meio ambiente e o faz agindo com cunho
preventivo – quando internaliza as externalidades, e repressivo – quando
determina a responsabilidade civil de reparar o dano, independentemente
da apuração da culpa, preferencialmente devolvendo o statu quo ante e,
em não sendo isso possível, indenizando (DEON SETTE, 2009, p. 59-60).
d) Princípio do Protetor-recebedor: este princípio prega que aquele
agente público ou privado que protege um bem natural em benefício da
comunidade deve receber uma compensação financeira como incentivo
pelo serviço de proteção ambiental prestado. Trata-se de um fundamento
da ação ambiental que pode ser considerado o avesso do princípio usuário-pagador, que postula que aquele que usa um determinado recurso da
natureza deve pagar por tal utilização. Sua aplicação destina-se à justiça
econômica, valorizando os serviços ambientais prestados generosamente
por uma população ou sociedade, e remunerando economicamente essa
prestação de serviços porque, se tem valor econômico, é justo que se receba por ela.
e) Princípio da Visão Sistêmica na Gestão dos Resíduos Sólidos: a
visão sistêmica consiste na habilidade em ter o conhecimento do sistema
como um todo, com ciência dos conceitos e características de cada parte,
de modo a permitir a análise e/ou a interferência no todo. Especificamente, no caso dos resíduos sólidos, o todo é o conjunto de “resíduos” e as
partes, também chamadas variáveis, são a ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e saúde pública.
f) Princípio do Desenvolvimento Sustentável: Visa à racionalização
na utilização dos recursos naturais renováveis e não renováveis, com vistas
a harmonizar a antiga ideia da existência de dicotomia entre “crescimento
e meio ambiente”, buscando realizar trade-offs eficientes. O conteúdo desse princípio é a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do
homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens, e desses com o meio ambiente, para que as futuras
gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos
que temos hoje à nossa disposição (FIORILLO, 2006, p. 27).
g) Principio da ecoeficiência: o princípio visa a busca simultânea da
eficiência da produção e descarte dos bens necessários a uma boa qualidade de vida e a observância dos valores ecológicos. Dito de outra forma,
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
147
o princípio busca a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades
humanas e tragam qualidade de vida com o consumo de recursos naturais
a um nível equivalente à capacidade de sustentação do planeta, reduzindose os impactos ambientais.
h) Princípio da cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade: Significa um
trabalho concatenado e em cadeia entre a União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, setor empresarial e demais segmentos da sociedade, com o fim
de cooperar técnico e financeiramente entre si para a gestão integrada de
resíduos sólidos, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento, diminuição de rejeitos e, concomitantemente, redução dos custos envolvidos.
i) Princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos: consiste em estruturar um conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana
e de manejo dos resíduos sólidos, com vistas a minimizar o volume de
resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida
dos produtos12.
j) Princípio do reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho
e renda e promotor de cidadania: o princípio tem como finalidade dotar
de valor econômico, ou seja, atribuir preço aos resíduos sólidos passíveis
de reutilização ou de reciclagem, com vistas a reaproveitar os recursos
disponíveis nos resíduos sólidos e, conseqüentemente, economizar recursos naturais in natura e, ainda, gerar emprego e renda, incrementando e
promovendo o reconhecimento da cidadania.
k) Princípio do Respeito às diversidades locais e regionais: o princípio visa à valorização dos aspectos locais/regionais no direcionamento da
forma de gerenciar os resíduos sólidos. Ou seja, de acordo com as especificidades locais e/ou regionais, quanto ao tipo de lixo predominante associado ao tipo de sensibilidade ambiental, os planos de gerenciamento dos
resíduos devem definir qual é o tipo de reaproveitamento ou disposição
mais adequada para o resíduo sólido naquele local ou região.
12 Princípio relacionado com o conceito constante do inciso XVII, do artigo 3º, d Lei n. 12.305/2010.
148 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
l) Princípio do direito da sociedade à informação e ao controle social : O princípio relaciona-se com o princípio da informação ambiental que
garante o direito de acesso tanto às informações ambientais internas, quanto
externas. O princípio garante à sociedade o direito ao acesso às informações
acerca dos resíduos sólidos, reunidas em banco de dados alimentado por
todos os entes federados, dados estes que devem ser considerados quando
do planejamento da gestão dos resíduos sólidos. O órgão responsável pela
gestão da informação ambiental no âmbito dos resíduos sólidos é o Sistema
Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir).
m) Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade: O princípio
da razoabilidade utiliza-se da regra do meio-termo aristotélico, que, conforme Kelsen (1998), é norma de justiça: “como norma referida ao modo
de tratar os homens surge também o preceito geral do comedimento, a
idéia de que a conduta reta consiste em não exagerar para um de mais
nem para um de menos, em manter, portanto, o ‘áureo’ meio termo”, e, o
princípio da proporcionalidade deve ser utilizado como “parâmetro para
se evitarem os tratamentos excessivos, inadequados, buscando-se sempre
no caso concreto o tratamento necessariamente exigível, como corolário
ao princípio da igualdade” (MORAES, 2002, p. 115). No direito ambiental,
estes dois princípios devem servir de parâmetro para equilibrar garantias
constitucionais aparentemente adversas, como, por exemplo, possíveis restrições de direitos fundamentais versus proteção do meio ambiente. Diz-se
que são garantias aparentemente diversas, porque, na verdade, a constituição garante a proteção dos bens ambientais em prol da vida humana
das presentes e futuras gerações, logo, na escolha de uma das garantias,
deve ser considerada a proporcionalidade e a razoabilidade. No caso dos
resíduos sólidos, os princípios devem pautar decisões relativas ao seu uso
e disposição, considerando os parâmetros de necessidade e adequação.
13
ASPECTOS GERAIS DA LEI DA POLÍTICA NACIONAL
DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Além dos princípios mencionados, é de bom alvitre lembrar que
para quer se possa falar em bem-estar de uma sociedade, o mínimo que
13 Esse princípio relaciona-se com a garantia constitucional no inciso IV, do § 1º, do artigo 225,
da Constituição Federal e é regulamentado pela Lei n. 10.650/2003, que dispõe sobre o acesso
público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades existentes nos órgãos do
Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
149
se deve garantir aos cidadãos é o direito ao exercício da cidadania e dignidade à pessoa humana. É certo que um ambiente poluído, com restos de
resíduos produzidos no dia a dia, depostos de qualquer forma, em nada
corresponde a tais garantias e princípios.
Deve-se, então, identificar o que são resíduos sólidos e quais são os
resíduos que devem ser objeto de cuidados durante o seu ciclo de vida14,
para, em seguida, atribuir responsabilidades aos geradores dos resíduos.
Nos termos do inciso 11, do artigo 3º, da Lei n. 12.305/2010, considera-se
resíduos sólidos:
Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades
humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe
proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas
particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de
esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou
economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
Ao tratar do assunto, Pereira Neto, (1999, p. 9), relaciona os resíduos
sólidos ao termo “lixo” e, levando em conta a noção de que a natureza
tende a não suportar os padrões de vida da população, afirma que o lixo
nada mais é do que “uma massa heterogênea de resíduos sólidos, resultantes das atividades humanas, os quais podem ser reciclados e parcialmente
utilizados, gerando, entre outros benefícios, proteção a saúde pública e
economia de energia e de recursos naturais”.
Quanto à classificação, os resíduos sólidos podem ser15: a) quanto
à periculosidade: como perigosos – aqueles que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de
acordo com lei, regulamento ou norma técnica; ou, como não perigosos;
e, b) quanto à sua origem: como resíduos sólidos urbanos, domiciliares,
decorrentes de limpeza urbana, resíduos de estabelecimentos comerciais
14 Lei n. 12.305/2010, inciso IV - ciclo de vida do produto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o
consumo e a disposição final
15 Artigo 13, da Lei n. 12.305/2010.
150 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
e prestadores de serviços, resíduos dos serviços públicos de saneamento
básico; resíduos industriais; resíduos de serviços de saúde; resíduos da
construção civil; resíduos agrossilvopastoris; resíduos de serviços de transportes; e, resíduos de mineração.
A ideia é abarcar quaisquer geradores de resíduos sólidos16, com
vistas a minimizar a quantidade de rejeitos17 bem como, proceder à disposição adequada destes, com o objetivo de alcançar padrões sustentáveis
de produção e consumo. Com efeito, a pretensão é observar na gestão e
no gerenciamento dos resíduos sólidos a seguinte ordem de prioridade:
não geração, redução, reutilização18, reciclagem19, tratamento dos resíduos
sólidos (como a compostagem, por exemplo) e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos20 (artigo 9º, da Lei n. 10.305/2010), com
valorização de políticas coleta seletiva21, recuperação e aproveitamento
energético – quando comprovada a viabilidade técnica e ambiental, tudo
com constante envolvimento social22.
Para evidenciar a pretensão da lei, vamos desenvolver um modelo
que contenha a linha de pensamento nela contida. O primeiro passo é a
aplicação da preciclagem – que consiste na preocupação dos consumidores (ou dos produtores) em diminuir a produção dos resíduos logo no ato
da compra (ou no ato de produzir), optando pelos produtos de material
16 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso IX - geradores de resíduos sólidos: pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades,
nelas incluído o consumo.
17 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso XV - rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas
todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e
economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.
18 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso XVIII – reutilização: processo de aproveitamento dos resíduos
sólidos sem sua transformação biológica, física ou físico-química, observadas as condições e os
padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa.
19 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso XIV - reciclagem: processo de transformação dos resíduos
sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com
vistas à transformação em insumos ou novos produtos, observadas as condições e os padrões
estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa.
20 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso VIII - disposição final ambientalmente adequada: distribuição
ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar
danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos.
21 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso V - coleta seletiva: coleta de resíduos sólidos previamente
segregados conforme sua constituição ou composição.
22 Entende-se por envolvimento social, o efetivo controle social, consistente no “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade informações e participação nos processos
de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos
sólidos”( Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso VI).
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
151
biodegradável ou reciclável. Disso resultaria não geração ou redução de
resíduos. O passo seguinte é a coleta seletiva, que consiste no recolhimento dos materiais que são passíveis de serem reciclados, previamente separados na fonte geradora. Dentre esses materiais podemos citar os diversos
tipos de papéis, plásticos, metais e vidros. A separação na fonte evita a
contaminação dos materiais reaproveitáveis, aumentando o valor agregado
destes e diminuindo os custos de reciclagem.
A partir da coleta seletiva vários destinos podem ser dados aos residuos solidos. Inicialmente pode ser feita a reutilização ou reaproveitamento. O procedimento de recliclagem é o caminho para a reutilização
e reaproveitamento de materiais beneficiados como matéria-prima para
um novo produto23. Há também a possibilidade de reaproveitar parte dos
residuos orgânicos pela compostagem, que consite em um conjunto de
técnicas aplicadas para controlar a decomposição de materiais orgânicos,
com a finalidade de obter, no menor tempo possível, um material estável,
rico em húmus e nutrientes minerais, com atributos físicos, químicos e biológicos superiores (sob o aspecto agronômico) àqueles encontrados na(s)
matéria(s) prima(s), a exemplo, do adubo orgânico.
Esgotadas as possibilidades de evitar descarte de dejetos, deve-se
buscar a melhor alternativa para a disposição final destes. Um exemplo é
a construção de aterro sanitário, que permite a disposição de resíduos sólidos de forma ambientalmente segura, com preservação da saúde pública
(SANTOS, 2009, p. 34). É de bom alvitre lembrar que a impermeabilização
com instalação de drenos de efluentes líquidos levam o chorume para as
lagoas de decantação, onde ele é tratado e devolve-se o líquido ao ambiente em condições de manter o equilíbrio ambiental; e, os drenos gasosos conduzem os gases para a superfície para aproveitamento energético.
Já, os materiais que possam causar contaminação, como, por exemplo, os
hospitalares, devem ser incinerados24 (SCHNEIDER et al., 2004).
23 A reutilização ou reaproveitamento pode resultar num roduto identico ao primeiro, e neste caso
diz-se “produto reciclado”, como, por exemplo, latinhas, ou, então, com propriedades distintas
do primeiro – reutilizável ou reaproveitável, a exemplo do papel reciclado. Também pode
dar-se de duas maneiras, quais sejam, criar um novo produto – papel reciclado, que possui características distintas do papel original, ou, então, dar destino diferente do original ao produto,
como, por exemplo, construir uma casa utilizando-se de garrafas PET).
24 A incineração consiste na conversão de materiais combustíveis em resíduos não combustíveis
ao final, resultando em cinzas e emissão de gases por meio de oxidação dos materiais a altas
temperaturas, sob condições controladas e monitoramento contínuo dos controles e dos parâmetros de combustão (SCHNEIDER et al, 2004).
152 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
E, finalmente, aqueles materiais não passíveis de serem processados
por um dos mecanismos citados, tais como pneus, embalagens de agrotóxos, óleos lubraficantes, baterias, pilhas e similares, devem ser objeto de
políticas reversas,25 que consiste em operacionalizar uma logistica reversa
caracterizada por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos,
ou outra destinação final ambientalmente adequada.
As prioridades mencionadas buscam a atender aos objetivos específicos da política de resíduos sólidos, relacionados exaustivamente no artigo 7º
e seus quinze incisos, entre outros: proteção da saúde pública e da qualidade
ambiental; não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos
resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos
rejeitos; incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso
de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;
capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos; integração dos
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a
responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; etc.
Para alcançar os objetivos da norma, a Lei atribui responsabilidade
aos geradores de resíduos sólidos e ao Poder Público, ora individual, ora
compartilhada e ainda solidária. Assim, estão sujeitos às disposições contidas na Lei n. 10.305/2010 “as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público
ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada26
ou ao gerenciamento de resíduos sólidos27”, excetuados os rejeitos radioativos, que são regulados por legislação específica (§§ 1º e 2º, do artigo 1º,
da Lei n. 10.305/2010).
25 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso XII - logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a
viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento,
em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada
26 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações
voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões
política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável.
27 Lei nº 12.305/2010, artigo 3º, inciso X - gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de ações
exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e
destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos
sólidos ou com plano de gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei.
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
153
Com efeito, verifica-se a aplicação da responsabilidade individual,
por exemplo, no caso dos geradores de resíduos sólidos domiciliares, que
devem fazer a disponibilização adequada dos resíduos e ao fazê-lo têm
cessada sua responsabilidade pelos resíduo28. A responsabilidade compartilhada verifica-se, por exemplo, na imposição de sistema de logística para
implementação da política reversa29, em que são envolvidos na seqüência de obrigações desde o fabricante até o consumidor e vice-verso. Já
a responsabilidade solidária se faz presente quando se extrai a essência
dos artigos 2030 c/c § 1º, do artigo 2731, que dispõem que ainda que as
pessoas físicas ou jurídicas referidas na lei como sujeitas obrigatoriamente
à elaboração de planos de gerenciamento de resíduos sólidos contratem
de terceiros os serviços de coleta, armazenamento, transporte, transbordo,
tratamento ou destinação final de referidos resíduos, ou de disposição final
de rejeitos, isso não as isenta da responsabilidade quanto aos referidos
serviços, que passa a ser solidária entre ambos.
28 Lei n. 12.305/2010, Art. 28. O gerador de resíduos sólidos domiciliares tem cessada sua responsabilidade pelos resíduos com a disponibilização adequada para a coleta ou, nos casos
abrangidos pelo art. 33, com a devolução. 29 Lei n. 12.305/2010, Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do
serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de: I - agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como
outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de
gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas
pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas; II - pilhas e baterias; III pneus; IV - óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; V - lâmpadas fluorescentes, de vapor
de sódio e mercúrio e de luz mista; VI - produtos eletroeletrônicos e seus componentes. 30 Lei n. 12.305/2010, Art. 20. Estão sujeitos à elaboração de plano de gerenciamento de resíduos
sólidos: I - os geradores de resíduos sólidos previstos nas alíneas “e”, “f”, “g” e “k” do inciso I
do art. 13; II - os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que: a) gerem resíduos
perigosos; b) gerem resíduos que, mesmo caracterizados como não perigosos, por sua natureza,
composição ou volume, não sejam equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público
municipal; III - as empresas de construção civil, nos termos do regulamento ou de normas
estabelecidas pelos órgãos do Sisnama; IV - os responsáveis pelos terminais e outras instalações referidas na alínea “j” do inciso I do art. 13 e, nos termos do regulamento ou de normas
estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e, se couber, do SNVS, as empresas de transporte; V - os
responsáveis por atividades agrossilvopastoris, se exigido pelo órgão competente do Sisnama,
do SNVS ou do Suasa. Parágrafo único. Observado o disposto no Capítulo IV deste Título, serão
estabelecidas por regulamento exigências específicas relativas ao plano de gerenciamento de
resíduos perigosos. 31 Lei n. 12.305/2010, Art. 27. As pessoas físicas ou jurídicas referidas no art. 20 são responsáveis
pela implementação e operacionalização integral do plano de gerenciamento de resíduos sólidos aprovado pelo órgão competente na forma do art. 24. § 1o A contratação de serviços de
coleta, armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos, não isenta as pessoas físicas ou jurídicas referidas no art.
20 da responsabilidade por danos que vierem a ser provocados pelo gerenciamento inadequado
dos respectivos resíduos ou rejeitos. 154 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
Em síntese a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em seus
artigos 25 a 36, §§ e incisos, atribui as responsabilidades pelos resíduos
sólidos da seguinte forma:
a) as geradores: incumbe a responsabilidade sobre os resíduos sólidos gerados ou administrados e sobre os respectivos resíduos sólidos
reversos, e ainda, garantir a segurança dos processos produtivos; manter
informações atualizadas; permitir a fiscalização; recuperar as áreas degradadas/contaminadas32 sob sua responsabilidade; e, desenvolver programas
de capacitação continuada;
b) a toda a sociedade: incumbe a responsbilidade pela efetividade
das ações que envolvam os resíduos sólidos; c) ao Distrito Federal e aos Municípios: cabe a responsabilidade por
adotar tecnologias para absorver ou reaproveitar os resíduos sólidos reversos dos sistemas de limpeza urbana e dar disposição final ambientalmente
adequada aos rejeitos; e, articular com os geradores a implementação de
estrutura necessária para garantir o fluxo de retorno dos resíduos sólidos
reversos sob sua responsabilidade;
d) aos fabricantes e importadores: incumbe adotar tecnologias para
absorver ou reutilizar os resíduos sólidos reversos sob sua responsabilidade; coletar os resíduos sólidos sob sua responsabilidade e dar disposição
final ambientalmente adequada aos rejeitos; articular com sua rede de comercialização para a implementação de estruturas para o fluxo de retorno
dos resíduos sólidos reversos de sua responsabilidade; informar ao consumidor sobre as possibilidades de reutilização e tratamento dos produtos,
advertindo dos riscos ambientais resultantes do descarte inadequado; e,
divulgar mensagens educativas para combater o descarte inadequado dos
resíduos sólidos de sua responsabilidade;
e) aos revendedores, comerciantes e distribuidores: incumbe receber, acondicionar e armazenar temporariamente os resíduos sólidos do
sistema reverso sob sua responsabilidade; criar e manter centros de coleta
para garantir o recebimento dos resíduos sólidos reversos sob sua responsabilidade; informar ao consumidor a indicação dos pontos de coleta
e divulgar por meio de campanhas publicitárias e programas, mensagens
educativas de combate ao descarte indevido e inadequado; e,
32 Lei n. 12.305/2010, art. 3º, inciso II - área contaminada: local onde há contaminação causada
pela disposição, regular ou irregular, de quaisquer substâncias ou resíduos.
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
155
f) aos consumidores: incumbe acondicionar adequadamente e de
forma diferenciada os resíduos sólidos gerados (segundo as definições do
Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e dos sistemas de coleta
seletiva locais), atentando para as práticas que possibilitem a redução da
geração de resíduos sólidos. Após a utilização do produto, efetuar a entrega dos resíduos sólidos reversos aos comerciantes e distribuidores ou
encaminhá-los aos postos de coleta especificados;
g) No caso de áreas órfãs,33 a lei atribui ao governo Federal obrigação de estruturar e manter instrumentos e atividades voltados para promover a sua descontaminação, sem prejuízo de outras esferas governamentais
o fazerem, e, se, após descontaminação de sítio órfão realizada com recursos do Governo Federal ou de outro ente da Federação, forem identificados os responsáveis pela contaminação, estes ressarcirão integralmente o
valor empregado ao poder público.
Em relação à instalação e o funcionamento de empreendimento ou
atividade que gere ou opere com resíduos perigosos34, a Lei prevê que tais
empreendimentos somente podem ser autorizados ou licenciados pelas
autoridades competentes se o responsável comprovar, no mínimo, capacidade técnica e econômica, além de condições para prover os cuidados
necessários ao gerenciamento desses resíduos, impondo-lhes a obrigação
de: elaborar um plano de gerenciamento de resíduos perigosos; manter registro atualizado e facilmente acessível de todos os procedimentos relacionados à implementação e à operacionalização do plano previsto; informar
anualmente aos órgãos competentes sobre a quantidade, a natureza e a
destinação temporária ou final dos resíduos sob sua responsabilidade; adotar medidas destinadas a reduzir o volume e a periculosidade dos resíduos
sob sua responsabilidade, bem como a aperfeiçoar seu gerenciamento; e,
informar imediatamente aos órgãos competentes sobre a ocorrência de
acidentes ou outros sinistros relacionados aos resíduos perigosos.
Percebe-se que a Lei da PNRS faz uma mescla das políticas adotadas
na Europa e nos Estados Unidos. Com efeito, a Europa responsabiliza preponderantemente o poluidor, por meio da responsabilidade estendida ao
produtor. Ou seja, ao produzir deve-se pensar no destino que será dado ao
produto ao final da sua vida útil. Isso induz à produção e comercialização
33 Artigo 41 da Lei n. 12.305/2010. 34 Aos interessados remetemos a leitura dos artigos 37 a 41, §§ e incisos da Lei n. 12.305/2010.
156 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
de produtos que gerem o mínimo de resíduos que necessitarão de uma
destinação final. A Alemanha, Por exemplo, é pioneira na adoção de medidas destinadas a equacionar a questão dos resíduos sólidos. De uma política que previa a coleta dos resíduos gerados e a valorização ou a simples
deposição desses resíduos, passou a aplicar, essencialmente, os princípios
de evitar e valorizar os resíduos antes da eliminação. Já nos EUA, observase a maior responsabilidade atribuída ao consumidor final, com evidente
aplicação do princípio do poluidor-pagador, valorizando, especialmente o
conceito do ciclo integral do produto (JURAS, 2005)35.
PARTICULARIDADES DA LEI
a) Gestão integrada e cooperação entre os entes federados, o setor
empresarial e demais segmentos da sociedade
Com vistas à elevação das escalas de aproveitamento, diminuição de
rejeitos e, concomitantemente, redução dos custos envolvidos na gestão integrada de resíduos sólidos, a Lei prevê mecanismos para que seja desenvolvido um trabalho concatenado e em cadeia entre a União, Estados, Distrito
Federal, Municípios, setor empresarial e demais segmentos da sociedade.
Assim, determina que devem ser criados planos36 de gestão de resíduos
sólidos em nível nacional, estadual, microrregionais, regiões metropolitanas
ou aglomerações urbanas; intermunicipais; municipais de gestão integrada
de resíduos sólidos. Devem ser criados também planos de gerenciamento
de resíduos sólidos, assegurada ampla publicidade ao conteúdo dos planos,
bem como controle social em sua formulação, implementação e operacionalização, observadas as disposições concernentes ao direito de informação,
Lei n. 10.650/2003 e as disposições do artigo 47, da Lei n. 11.445/2007.
Esses planos devem conter basicamente diagnósticos, metas, projetos, ações, programas, análise de custos, medidas, diretrizes e normas
que possibilitem apurar a situação dos resíduos sólidos existentes, para
35 JURAS, Ilidia da A. G. Martins - LEGISLAÇÃO SOBRE RESÍDUOS SÓLIDOS: EXEMPLOS DA
EUROPA, ESTADOS UNIDOS E CANADÁ – Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados –
Centro de Documentação e Informação – Coordenação de Biblioteca, 2005. Disponível em:
http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1043/legislacao_residuos_juras.
pdf?sequence=4>. Acesso em: 2 set. 2010.
36 Para conhecer particularidades acerca dos planos, remetemos o leitor interessado à leitura dos
artigos 14 à 24, da Lei n. 12.305/2010.
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
157
um horizonte de planejamento de 20 anos e revisto de 4 em 4 anos, no
caso do plano nacional e estadual. Além disso, eles devem ser capazes de
gerir os resíduos de forma a atender aos objetivos gerais da norma de não
geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos
e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, com valorização
de políticas de coleta seletiva, recuperação e aproveitamento energético,
tudo com constante envolvimento da sociedade, e em observação da preponderância dos interesses locais, regionais, etc.
Há de se consignar que na formulação dos planos pelo setor empresarial, demais segmentos da sociedade e entes federados, é previsto pela
lei a possibilidade de realização de acordos setoriais e de compromissos
entre as partes. No entanto, os acordos setoriais e termos de compromisso
firmados em âmbito nacional têm prevalência sobre os firmados em âmbito regional ou estadual, e esses sobre os firmados em âmbito municipal
(artigo 34 e § 1º, da Lei n. 12.305/2010). Por fim, é importante mencionar
que a elaboração dos planos de resíduos sólidos, nos termos da Lei, é pressuposto para que os estados e municípios possam ter acesso a recursos da
União referente à cooperação técnico e financeira, bem como a incentivos
de créditos e de financiamentos das entidades federais. É de se mencionar
que a existência ou inexistência de planos municipais de gestão de resíduos sólidos não interfere na necessidade e possibilidade de avaliação e
concessão de licenças ambientais pelos órgãos competentes.
b) Proibições
A Lei assinala terminantemente como proibição as seguintes formas
de destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos37: lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos38; lançamento
in natura a céu aberto, excetuados os resíduos de mineração; queima a
céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados
para essa finalidade, salvo se decretada emergência sanitária e desde que
autorizada e acompanhada pelos órgãos competentes; e outras formas vedadas pelo poder público.
37 (artigos 47 a 49 da Lei nº 12.305/2010)
38 Lei n. 12.305/2010, art. 47, § 2o Assegurada a devida impermeabilização, as bacias de decantação de
resíduos ou rejeitos industriais ou de mineração, devidamente licenciadas pelo órgão competente do
SISNAMA, não são consideradas corpos hídricos para efeitos do disposto no inciso I do caput.
158 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
Também proibiu, nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos, as seguintes atividades: utilização dos rejeitos dispostos como alimentação; catação; criação de animais domésticos; fixação de habitações temporárias ou permanentes; e outras atividades vedadas pelo poder público.
Além disso, proibiu a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos,
bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio
ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para
tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação. c) Criminalizações
Sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de
culpa, reparar eventuais danos causados, a ação ou omissão das pessoas
físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos da Lei da PNRS
e/ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei,
em especial às fixadas na Lei n. 9.605/1998. Também insere como “fato
tipo” do artigo 68, da Lei de Crimes Ambientais (também chamada Lei da
Natureza), deixar aqueles a quem compete, de atualizar e disponibilizar
informações completas sobre a implementação dos planos, manter registro
atualizado, disponibilizar informações acerca da destinação dos resíduos,
adotar medidas de redução de volume e periculosidade dos resíduos e informar eventuais acidentes relacionados a resíduos perigosos (inteligência
dos artigos 23 e § 2o do art. 39 , da Lei n. 12.305/2010 c/c artigo 68, da Lei
n. 9.605/1998). Por fim, mudou a redação do texto do § 1o do art. 56 da
Lei no 9.605/1998, para Ҥ 1o Nas mesmas penas incorre quem: abandona
os produtos ou substâncias referidos no ‘caput’ ou os utiliza em desacordo
com as normas ambientais ou de segurança; e. manipula, acondiciona,
armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento”.
d) Política reversa
Uma abordagem interessante acerca dos resíduos sólidos é a contundência da Lei da PNRS no trato da política reversa. Com efeito, a Lei
em seu artigo 33, §§ e incisos, impõe aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes a obrigação de estruturar e implementar sistemas
de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo con-
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
159
sumidor, dos seguintes produtos: agrotóxicos, seus resíduos e embalagens,
assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos
e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e
de luz mista; e, produtos eletroeletrônicos e seus componentes. Também
assinala a possibilidade de serem regulamentados acordos setoriais e
termos de compromisso entre o poder público e o setor empresarial, para
estender a política reversa para produtos comercializados em embalagens
plásticas, metálicas ou de vidro, e produtos correlatos que causem impacto
à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados, quando houver
viabilidade técnica e econômica. A lei ainda faculta aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes nos sistemas de logística reversa,
contratar o serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos
sólidos, mediante remuneração.
Para viabilizar a política reversa, além das exigências especificadas
em lei, devem os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes
dos produtos passíveis de reversão tomar todas as medidas necessárias
para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa, sendo facultado, a seu encargo implantar procedimentos de
compra de produtos ou embalagens usados; disponibilizar postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis e atuar em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis. Também devem manter e disponibilizar informações completas
sobre a realização das ações sob sua responsabilidade.
Por seu turno, os consumidores deverão efetuar a devolução após
o uso, aos comerciantes ou distribuidores, e esses aos fabricantes ou aos
importadores, dos produtos e das embalagens passíveis de serem objeto de política reversa, cabendo aos últimos a função de dar destinação
ambientalmente adequada aos produtos e às embalagens reunidos ou
devolvidos, sendo o rejeito encaminhado para a disposição final ambientalmente adequada.
e) Catação
A catação de lixo está entre as ocupações mais perigosas e socialmente marginais. A maioria das famílias de catadores vive em situação
degradante, alimentando-se de restos descartados no lixo e sobreviven-
160 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
do economicamente com a venda dos materiais recicláveis coletados. Por
meio da constante exposição a materiais perigosos e fumaças tóxicas nos
aterros, os catadores de lixo estão submetidos a um alto risco de acidentes
e doenças, mormente porque geralmente trabalham à noite em áreas perigosas e com pouca proteção policial. Além disso, devido a sua associação
com o lixo, essas pessoas tendem a ser menosprezadas.
A PNRS prega a inclusão social e a emancipação econômica de
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, integrando-os nas ações
que envolvem o fluxo de resíduos sólidos. Para incentivar a implantação
da coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de
associação de catadores, a Lei prevê prioridade aos municípios que adotarem tal postura de acesso aos recursos da União, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos
sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de
entidades federais.
f) Aspecto temporal
A Lei 12.305/2010 entrou em vigência em agosto de 2010, fixando
um prazo de 4 anos a partir da sua publicação para que os agentes públicos e privados passem a fazer a disposição final ambientalmente adequada
dos rejeitos. Também fixou o prazo de 2 anos a partir de sua publicação,
para que entrem em vigência os planos estaduais e municipais de resíduos
sólidos. Finalmente, dispôs que a logística reversa relativa aos produtos
passiveis de serem revertidos, deve ser implementada progressivamente
segundo cronograma estabelecido em regulamento.
INSTRUMENTOS
A tradição de “instrumentos de comando e controle39”, típica da
política ambiental brasileira mais uma vez fica evidente na PNRS, como se
afere na longa lista de instrumentos gerais nela previstos, quais sejam: os
planos de resíduos sólidos; os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos; a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa
e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade
39 Remetemos o leitor interessado em conhecer mais acerca dos instrumentos de Comando e Controle à Leitura DEON SETTE (2006, 97 p.).
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
161
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; o incentivo à criação e
ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação
de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; o monitoramento e
a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária; a cooperação técnica e
financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de
pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de gestão,
reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos.
A Lei também aponta como instrumentos para a sua implantação
a pesquisa científica e tecnológica; a educação ambiental; os incentivos
fiscais, financeiros e creditícios; o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; o Sistema
Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir); o
Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa); os conselhos de meio ambiente e, no que couber, os de saúde; os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços de resíduos
sólidos urbanos; o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos; os acordos setoriais; no que couber, os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, entre eles: a) os padrões de qualidade ambiental; b)
o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou
Utilizadoras de Recursos Ambientais; c) o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; d) a avaliação de impactos
ambientais; e) o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente
(Sinima); f) o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; os termos de compromisso e os termos de ajustamento
de conduta; e, o incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de
cooperação entre os entes federados, com vistas à elevação das escalas de
aproveitamento e à redução dos custos envolvidos.Percebe-se que a Lei
por meio dessa listagem exaustiva de instrumentos tenta abarcar todos que
possibilitem de fato efetivar a sua finalidade precípua. Acreditam os legisladores que tudo foi contemplado, já que ela exige desde o diagnóstico
da situação existe (por meio dos planos), até a estruturação de formas de
cooperação entre os entes federados para elevar a escala de aproveitamento e redução de custos, passando por educação ambiental, incentivos
tecnológicos, interferência na forma de produção, a exemplo da fixação
de padrões, incentivos financeiros e fiscais, etc.. Além disso, há o usual
compromisso que tudo será gerido com transparência.
162 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
Não obstante, o evidente viés dos instrumentos de comando e controle, a Lei autoriza o poder público a instituir medidas indutoras40 e linhas
de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas de: prevenção e redução da geração de resíduos sólidos no processo produtivo; desenvolvimento de produtos com menores impactos à saúde humana e à
qualidade ambiental em seu ciclo de vida; implantação de infraestrutura
física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de
associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas
por pessoas físicas de baixa renda; desenvolvimento de projetos de gestão
dos resíduos sólidos de caráter intermunicipal ou regiões metropolitanas,
aglomerados e microrregiões; estruturação de sistemas de coleta seletiva
e de logística reversa; descontaminação de áreas contaminadas, incluindo
as áreas órfãs; desenvolvimento de pesquisas voltadas para tecnologias
limpas aplicáveis aos resíduos sólidos; e, desenvolvimento de sistemas de
gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos
produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos.
Essa não menos exaustiva lista de possíveis instrumentos nada mais
é do que a possibilidade de ingerência, com uso de instrumentos econômicos, na forma de produção e consumo, conforme autoriza a CF/88, ao
tratar da ordem econômica (artigo 170 e seguintes), que permite, inclusive,
tratamento e critérios diferenciado conforme for “ambientalmente amistosa” a atividade. Há, ainda, a possibilidade de que os entes federados
concedam incentivos fiscais41, financeiros ou creditícios, para indústrias e
entidades, consociadas42 ou não, dedicadas à reutilização, ao tratamento e
à reciclagem de resíduos sólidos produzidos no território nacional; projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas de associação
de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas
físicas de baixa renda e empresas dedicadas à limpeza urbana e a atividades a ela relacionadas. 40 Lei n. 12.305/2010, artigo 42.
41 Vale destacar que toda forma de incentivo, financiamento e similar, deve ser efetivado em consonância
com a Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como com as diretrizes e objetivos do respectivo plano
plurianual, as metas e as prioridades fixadas pelas leis de diretrizes orçamentárias e no limite das disponibilidades propiciadas pelas leis orçamentárias anuais. 42 Lei n. 12.305/2010, artigo 45. Os consórcios públicos constituídos com o objetivo de viabilizar a
descentralização e a prestação de serviços públicos que envolvam resíduos sólidos, têm prioridade na
obtenção dos incentivos instituídos pelo Governo Federal. Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
163
ANÁLISE DOS INSTRUMENTOS ECONÔMICOS PASSIVEIS
DE SEREM APLICADOS NA IMPLEMENTAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO
DA LEI N. 12.305/2010
A simples listagem de medidas indutoras sugere que o legislador
ou não acredita na eficácia de instrumentos econômicos (IE) em política
ambiental ou desconhece a existência desses instrumentos. Qualquer que
seja a possível explicação, lamenta-se que mais uma vez o legislativo brasileiro perdeu uma oportunidade de equiparar o Brasil aos países líderes na
gestão ambiental. Nesses, qualquer política de resíduos sólidos tem como
espinha dorsal os instrumentos econômicos. Esses atuam sobre as forças de
mercado, em particular sobre os preços, buscando alterar as suas condições
e modificar preços relativos. Desta forma os próprios agentes econômicos
são levados a mudar o seu comportamento frente à poluição ou degradação.
De acordo com Mota e Sayago (1998, p. 9), os IE são mais flexíveis
porque incentivam maior redução do nível de uso dos serviços ambientais
por parte daqueles usuários que enfrentam custos menores para realizar
reduções no degradar ou no poluir. Isto, conseqüentemente, torna menor
o custo total de controle para a sociedade. Assim, quando se utiliza IE na
gestão ambiental, o próprio agente econômico decide o quanto vai passar a utilizar do recurso em função da variação ocorrida nos seus custos.
Dito de outra forma, cada usuário pode definir, a partir de seus próprios
custos, até quanto está disposto a pagar pelo uso do patrimônio natural. A
autoridade pública incentiva essa decisão via sua capacidade de influenciar
preço ou via limite de uso conjunto do recurso ambiental.
Os principais instrumentos econômicos são: depósitos reembolsáveis, licenças negociáveis, subsídio e tributação ambiental (DEON SETTE,
2009, p. 26). Em particular, o instrumento denominado sistema de depósito
reembolsável (SDR) é um dos mais antigos usos da lógica econômica na
busca de um meio ambiente menos degradado. O SDR funciona da seguinte forma: há um depósito na compra de um produto e há a devolução
do valor depositado quando se restitui a embalagem do referido produto,
como por exemplo, na compra de bebidas em garrafas, em que o consumidor paga pelo frasco para levar o produto e, ao devolver o frasco é reembolsado do valor do depósito. O objetivo é evitar que as embalagens sejam
depositadas na natureza (DEON SETTE, 2009, p. 26-27). É o tipo ideal de
instrumento para ser aplicado para produtos recicláveis/reutilizáveis de
164 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
fácil devolução, como latas, vidros, metais e similares, pois o consumidor
entende o instrumento como um incentivo à devolução do resíduo, sem
se importar com a “cobrança” na hora que adquire o produto desejado.
Já, o tributo ambiental é um instrumento econômico de política
ambiental baseado na cobrança dos poluidores ou degradadores de um
valor equivalente aos custos sociais de suas externalidades (PERMAN et.
al., 1999, p. 307), valor esse que deve representar o “preço a ser pago”
pelo poluidor ou degradador pela poluição causada. O fato de ter que
pagar por cada unidade usada do patrimônio ambiental incentiva o produtor ou consumidor a utilizar esses bens ou serviços tão eficientemente
quanto possível. A hipótese, ao se propor um tributo ambiental, é a de que
sem arcar com os custos pelo uso/poluição do bem ou serviço ambiental,
não haveria incentivo para que agentes econômicos refletissem acerca das
consequências ambientais de suas ações e fossem mais cuidadosos na
utilização dos recursos ambientais (JACOBS, 1995, p. 268). Por meio dessa
cobrança, a autoridade ambiental consegue fazer cumprir com os objetivos propostos de regular a utilização dos recursos naturais e ambientais
(DEON SETTE, 2009, p. 515-516). Este é o instrumento econômico apto
a ser utilizado para inibir atividades que possam causar dano ambiental,
como, por exemplo, aquelas que produzam resíduos não recicláveis e de
difícil dissolução na natureza.
O subsidio ambiental é, por sua vez, o reverso do tributo, pois com
o subsídio o agente econômico recebe algum tipo de incentivo para ajudálo a suportar os custos de controle da poluição, enquanto que com o tributo os agentes econômicos pagam para exercer suas atividades de produção
ou consumo (BELLIA, 1996, p. 201). É basicamente isso que acontece com
as políticas fiscais e de financiamentos com foco facilitado para atividades
“ambientalmente amistosas”, em que, o poder público e/ou os bancos oficiais subsidiam investimentos privados com vistas a favorecer o controle
da poluição e a proteção ambiental (TURNER, PEARCE & BATEMAN, 1993,
p. 145). No caso da política de resíduos sólidos o subsídio pode ser aplicado para fomentar a busca de tecnologias que resultem menos produção
de resíduos, maior aproveitamento de resíduos, atividades que envolvam
consórcios, cooperativas, associação de catadores, etc.
Outro instrumento que pode ser utilizado é o denominado de licença negociável. Esse instrumento fixa metas a serem atingidas e deixa
os agentes negociarem entre si para atingirem referidas metas. Para situar
Marli Teresinha Deon Sette / Jorge Madeira Nogueira
165
o leitor, lembramos que foi ele o instrumento utilizado pela Resolução n.
13/2001, da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, quando da
instituição do programa emergencial de redução de energia elétrica, mais
conhecido como “apagão” em que na sua regulamentação, permitiu que
grupos de grandes consumidores comercializassem energia entre si. Pode
ser aplicado na gestão de resíduos sólidos, principalmente pelos municípios, aglomerados urbanos e microrregiões para fixar metas de deposição
de resíduos sólidos para grandes condomínios, setores industriais, aglomerados comerciais, deixando os agentes econômicos negociarem entre si
quanto à melhor maneira de atenderem às metas fixadas.
Em relação à política reversa de produtos que não têm facilidade de
devolução, como embalagens de agrotóxicos, pneus, óleos, pilhas e baterias, é essencial que sejam fixadas atribuições e logísticas de forma transparente. A Lei já fixa as atribuições, no entanto, joga a responsabilidade para
fabricantes e importadores para, a seu encargo implantar procedimentos
de compra de produtos ou embalagens usados e disponibilizar postos de
entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis, fatores esses essenciais para
que o mecanismo funcione. O ideal é que os postos de entrega tenham
uma logística popular, de conhecimento público e notório e de fácil deposição, já que, nesta política, em regra o consumidor não tem incentivo
econômico direto para fazer a devolução. Aliás, pensamos que o ideal seria combinar a política reversa com instrumentos econômicos, como, por
exemplo, depósito reembolsável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade brasileira esperou vinte anos para que seus legisladores aprovassem uma política nacional para os resíduos sólidos. Ao longo
de todo esse período, grupos de interesse defenderam suas posições em
negociações com deputados e senadores. Essas pressões tiveram evidentes
influencias no resultado final da Lei da PNRS. Ao mesmo tempo que parece abrangente, ela é genérica. Ao listar todos os possíveis e imagináveis
instrumentos para facilitar sua implantação, a Lei não identifica entre eles
aqueles que serão priorizados. Fica a impressão ao analista de que muito
é sinônimo de nada. As pressões de diferentes segmentos sociais não deixaram o legislador confortável para priorizar responsabilidades na gestão
dos resíduos sólidos no Brasil: todos (governos, empresas, consumidores,
166 Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma avaliação inicial acerca dos aspectos jurídicos...
comerciantes, etc.) são responsáveis, de maneira que nenhum será responsável por conduzir o processo de mudança.
Ao ser genérica em muitos de seus aspectos, a Lei transfere para
a sua regulamentação pelo Executivo a definição do que será priorizado e
de que maneira isso será priorizado. Espera-se que os regulamentadores
tenham claro que a PNRS brasileira alterará oferta, demanda e mercados
de resíduos sólidos no país. Ao alterar tudo isso, influenciará preços praticados nas diferentes atividades relacionadas com resíduos sólidos. Ofertantes (consumidores ou produtores) poderão ser mais estimulados se o
preço aumentar; no entanto, demandantes de resíduos sólidos (empresas
de reciclagem ou de reaproveitamento) podem ser prejudicados com um
preço de resíduo mais elevado. O novo equilíbrio entre oferta e demanda
poderá desestimular a participação dos agentes privados na PNRS, jogando
toda a responsabilidade no colo do conjunto da sociedade. Essa análise da
“economia da PNRS” é, sem dúvida, uma linha de pesquisa que deve ser
explorada com a máxima urgência.
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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO
ELEITORAL BRASILEIRO: UM COMPARATIVO
COM OS ESTADOS UNIDOS
Orivaldo Peres Bergas1
Helio Udson Oliveira Ramos2
INTRODUÇÃO
Discutir o Direito Eleitoral tornou-se fundamental no mundo contemporâneo, e ter um melhor entendimento sobre o modelo institucional
da organização do Sistema Eleitoral do Brasil e dos Estados Unidos da
América, com certeza nos ajudará a compreender o fenômeno da cidadania e a importância da participação direta ou indireta de todos os cidadãos
nesse processo, que lhes permitirá influenciar no futuro das políticas governamentais, no sentido de buscarmos melhorias para o país.
Na visão de Chimenti:
A cidadania, sob o aspecto eleitoral, significa o ato de exercer direitos
políticos. O direito de escolher os governantes ou de ser escolhido para
governar, porém a cidadania pode ter a sua dimensão diferenciada para
alguns, como para os analfabetos, onde o Direito que lhe é concedido
é o ato de votar, mas não de ser votado.3
E é através de uma democracia semidireta, onde as manifestações são
feitas por meio de representantes eleitos pelo povo, que no Brasil atual
a soberania popular tem sido exercida.4
1 Graduado em Ciências Sociais, História e Geografia pela FAFIPA-PR, Mestre em Agricultura
Tropical –UFMT, Mestrando em Gestão Educacional pelo INSET-SP, Especialista em Metodologia
do Ensino Superior FGV – RJ. Professor de Ciência Política e Coordenador de Metodologia de
Pesquisa no Curso de Direito pela UNIC, Professor de pós-graduação pela UNIPÓS – MT, e de
Mestrado no INSET –SP, e-mail: [email protected].
2 Graduado em Direito – UNIC e Teologia – FAETEPEMAT. Pós-graduado em Processo Civil e em
Direito Público. Professor de Direito Eleitoral e Direito Penal. Doutorando UMSA – Argentina.
3 CHIMENTI, R. C. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p.45
4 Idem, p.47
170 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
Diferentemente do que ocorre aqui no Brasil, o sistema eleitoral
Norte-Americano funciona através de um sistema de votação indireta, no
qual os candidatos a Presidente não vencem pelo número de votos no
país. “Cada Estado elege um determinado número de delegados, que representarão seus respectivos estados votando no candidato que venceu
em sua região”.5
Outro aspecto que merece atenção é que nos Estados Unidos, o
comparecimento do eleitor para votar é menor do que em outras democracias. Esse fato vem sendo registrado desde 1960, onde se observou que
o comparecimento dos eleitores teve uma redução de 64% e teve pouca
alteração em 1996, onde se registrou pouco mais que 50%.
Os direitos políticos que lhes são concedidos através da democracia
parecem ter efeitos contrários mediante a apresentação desses fatos,
já que estão relacionados a essa redução da participação popular, com
a não obrigação do voto, ou seja, a votação nesse país é voluntária,
também pelo fato de terem que se registrar para estar qualificados para
votar, ou até mesmo por terem que contribuir várias vezes com o voto
para que sejam preenchidos os milhares de cargos eletivos em todo o
país, causando certo esgotamento dos eleitores qualificados.6
Partindo desse princípio, ao voltarmos à atenção para o caso do
Brasil, onde o voto é obrigatório, devemos considerar a experiência vivida
pelos Norte-Americanos? Onde sendo o voto facultativo, muitos deixam de
exercer o seu direito político pelos mais variados motivos.
Fazer considerações acerca dos procedimentos adotados nas eleições no Brasil e nos Estados Norte-Americanos nos remete a um breve
estudo sobre o regime adotado nesses países e os respectivos resultados
alcançado. O comparativo aqui proposto não objetiva determinar o melhor
sistema, mas se deve ao fato de compararmos o processo eleitoral brasileiro com o que é feito em um dos maiores centros financeiros do mundo.
5 CARVALHO, W. Eleições Norte-americanas e brasileiras: diferencial de paradigmas. Artigo, 2008.
Disponível em: www.jurisway.org.br. Acesso em: 28 out. 2009.
6 EUA, Departamento de Estado dos. Panorama das Eleições EUA. 2008. Disponível em: www.
embaixadaamericana.org.br. Acesso em: 26 out. 2009
Orivaldo Peres Bergas / Helio Udson Oliveira Ramos
171
O DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO
De posse dos direitos políticos que nos confere o Estado democrático, com o direito ao voto, percebemos então que nos é atribuído o direito
de intervir de maneira ampla ou mais restrita nas escolhas políticas de
nosso país, conforme a intensidade desses direitos.
Nesse sentido, Queiroz conceitua o direito eleitoral, baseado no art.
12 do Código Eleitoral:
O direito eleitoral é o ramo do direito público, mais especificamente uma especialização do direito constitucional, cujo conjunto
sistematizado de normas coercíveis destina-se a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, precipuamente de votar
ou de ser votado.7
Cândido, por sua vez, em discussões acerca do assunto, conceitua
o Direito Eleitoral como sendo “o ramo do Direito Público que trata de
instituições relacionados com os direitos políticos e das eleições, em todas
as suas fases, como forma de escolha dos titulares dos mandatos eletivos e
das instituições do Estado”.8
É a Constituição Federal a fonte principal do Direito Eleitoral, ou
seja, é ela quem estabelece os fundamentos e princípios que regem o Direito Eleitoral no Brasil por toda a sua trajetória de existência.
Dessa forma, consideremos a Constituição da Republica Federativa
do Brasil, em seu art. 1º para melhor entendimento dos preceitos que regem a legislação eleitoral no país:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – o pluralismo político.
7 QUEIROZ, A. F. de. Direito Eleitoral. 4. ed. Goiânia: Jurídica IEPC, 1998, p.27.
8 CÂNDIDO, J. J. Direito Eleitoral Brasileiro. 12. ed. rev. atual. e ampl. Bauru-SP: EDIPRO, 2006.
172 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.9
A premissa apresentada por Neto que “não há Direito Eleitoral onde
não funcione a participação popular na construção da soberania de determinado Estado”10 está de acordo com a Constituição Federal. Porém esse
autor conclui que:
As expectativas dos constituintes em 1988 eram muitas, mas a avidez
na busca por mudanças no sistema de acesso e participação no poder
não obteve merecida atenção por parte da camada política quanto à
defensiva dos princípios constitucionais, nem se procedeu à inclusão de
uma cultura política mais adequada e ações que preservassem o Estado
Democrático de Direito.11
No Brasil, diferentemente de muitos outros países, inclusive dos
Estados Unidos, cabe à Justiça Eleitoral, órgão especializado do Poder Judiciário, toda a administração do processo eleitoral, incluindo desde o alistamento de eleitores até a finalização da contagem dos votos e diplomação
dos candidatos eleitos.
É um modelo de organização que confere ao órgão plenos poderes na
administração das eleições sem a interferência dos poderes Executivos
e Legislativos. Também é a Justiça Eleitoral quem decide o contencioso
eleitoral através de seus três níveis, sendo o Juiz eleitoral na primeira
instância, o Tribunal Regional Eleitoral em segunda instância e no nível
estadual ou distrital, e o Tribunal Superior Eleitoral, em última instância
e em nível nacional, conforme o estipulado no art. 118 da Constituição
Federal de 1988.12
Queiroz, “discute que a capacidade política ativa no Brasil pode ser
9 BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 2006.
10 NETO, A. A. S. Direito Eleitoral – teoria e prática. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2008.
11 Idem.
12 FILHO, G. G. A Justiça Eleitoral no Brasil: a desconfiança como elemento fundamental de nosso
sistema eleitoral. Artigo, 2004. Disponível em: www.senado.gov.br. Acesso em: 25 out. 2009.
Orivaldo Peres Bergas / Helio Udson Oliveira Ramos
173
tratada como um dever-direito, já que existe uma obrigatoriedade no voto
para todos os cidadãos qualificados, entre 18 e 70 anos de idade, mas também pode ser facultativa em alguns casos”.13
Para Cândido:
Para ser eleitor e, conseqüentemente, poder votar, a condição é, na prática, uma só, ou seja, ter inscrição eleitoral válida. Para obtenção desta,
aí sim, há requisitos, assim demonstrados.
Inscrição Eleitoral (requisitos):
— Obrigatória
— nacionalidade brasileira;
— mínimo de 18 anos;
— quitação com o serviço militar;
— não ser conscrito obrigatório;
— ser alfabetizado.
— Facultativa
— analfabetos;
— maiores de 70 anos;
— mais de 16 e menos de 18 anos à época da inscrição.14
CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE NO PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO
Elegibilidade na visão de Costa, “é o direito de praticar atos de campanha eleitoral e de ser votado”.15
A Constituição Federal de 1988 (art. 14, § 3º) estabeleceu alguns
pressupostos para o direito de ser votado, praticando atos de campanha.
Tais pressupostos, denominados condições de elegibilidade.
De acordo com o art. 14, § 3º, da Constituição Federal - CF são condições de elegibilidade, na forma da lei:
I – nacionalidade brasileira;
II – o pleno exercício dos direitos políticos;
III – o alistamento eleitoral;
13 QUEIROZ, A. F. de. Direito Eleitoral. 4. ed. Goiânia: Jurídica IEPC, 1998.
14 CÂNDIDO, J. J. Direito Eleitoral Brasileiro. 12. ed. rev. atual. e ampl. Bauru: EDIPRO, 2006, p. 119.
15 COSTA, A. S. da. Inelegibilidade e inabilitação no Direito Eleitoral. Publicado em 2008. Disponível em: <http://www.blog.direitoeleitoral.org.br/> Acesso em: 28 out. 2009.
174 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;
V – a filiação partidária;
VI – a idade mínima de 35 anos para presidente da República, vicepresidente da República e senador; a idade mínima de 30 anos para governador e vice-governador de estado e do Distrito Federal; a idade mínima de 21 anos para deputado (federal, distrital ou estadual), prefeito,
vice-prefeito e juiz de paz; e idade mínima de 18 anos para vereador.16
Afora as condições constitucionais de elegibilidade, “há os pressupostos infraconstitucionais como a filiação em partido político e aprovação
em convenção partidária com a indicação para concorrer pela legenda a
um mandato eletivo. Não basta obter o registro de sua candidatura”.17
Todavia a Constituição Federal exige nacionalidade original para o exercício de alguns cargos públicos (art. 12, § 3º). Assim, como o alistamento
eleitoral, o domicilio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária e a
idade mínima.18
Dos cargos eletivos por votação direta, são privativos de brasileiros natos os de presidente e vice-presidente da República. Para ser senador,
deputado federal ou estadual, vereador, governador, prefeito ou juiz de
paz (há previsão de sua eleição no art. 98 da CF, com mandato de quatro anos), exige-se apenas a condição de brasileiro (nato ou naturalizado). Para ser presidente da câmara ou do senado, contudo, é necessária
a condição de nato.19
São brasileiros natos os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país, jus solis, também os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde
que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil e os
nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, ainda que não
16 BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 2006.
17 COSTA, A. S. da. Inelegibilidade e inabilitação no Direito Eleitoral. 2008. Disponível em: <http://
www.blog.direitoeleitoral.org.br/> Acesso em: 28 out. 2009.
18 CHIMENTI, R. C. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
19 Idem.
Orivaldo Peres Bergas / Helio Udson Oliveira Ramos
175
estejam a serviço do Brasil, desde que venham a residir em território nacional e optem, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira, prepondera
o jus sanguinis.
São brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiriram a
nacionalidade brasileira, (exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral),
ou ainda os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes no Brasil
há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que
requeiram a nacionalidade brasileira.
Há pleno exercício dos direitos políticos quando o cidadão reúne
tanto o ius suffragii quanto o ius honorum.
Dentre os direitos políticos sobreleva o direito de votar, ou seja, o direito subjetivo de participar ativamente das eleições, ao qual denomina-se
comumente de ius suffragii e o direito de ser votado, de poder postular
concretamente o voto dos demais cidadãos, direito este também conhecido como ius honorum.20
A Lei 9.504/1997 em seu art. 11, § 2º estabelece que “a idade mínima
é adquirida gradativamente, deve estar completa no dia da posse. Não há
idade máxima que limite o acesso aos cargos eletivos”.21
Pereira considera que “não basta ao cidadão preencher os demais
requisitos necessários a fruição de direitos políticos se não providenciar
junto ao órgão competente sua inscrição como eleitor”.22
Subentende-se que a elegibilidade é um direito com conteúdo específico e duração determinada, pertencente a todos os brasileiros, embora
nem todos os nacionais sejam elegíveis. Pois sem o registro não há condi20 PEREIRA, R. T. V. Breves apontamentos sobre Condições de Elegibilidade, Inegilidades, Registro
de Candidaturas e Ação de Impugnação de Pedido de Registro de Candidatura. Palestra proferida no III Encontro de Juízes e Promotores Eleitorais, promovido pelo Tribunal Eleitoral de
Santa Catarina, Florianópolis 2000. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/cjd/doutrinas/
ricardo1.html> Acesso em: 21 out. 2009.
21 BRASIL, República Federativa do. Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, Estabelece normas para
as eleições. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º out. 1997. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em 27 out. 2009.
22 PEREIRA, R. T. V. Breves apontamentos sobre Condições de Elegibilidade, Inegilidades, Registro
de Candidaturas e Ação de Impugnação de Pedido de Registro de Candidatura. Palestra proferida no III Encontro de Juízes e Promotores Eleitorais, promovido pelo Tribunal Eleitoral de
Santa Catarina, Florianópolis 2000. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/cjd/doutrinas/
ricardo1.html> Acesso em: 21 out. 2009.
176 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
ções de angariar para si votos através de campanhas, que culmina com o
total de votos obtidos no dia da eleição, assim sendo, não existe o direito
ius honorum supracitado.
Portanto, não basta para uma pessoa poder concorrer a qualquer
cargo eletivo e que possua condições elegíveis, é imperativo, que não incida em qualquer causa de inelegibilidade.
AS CAUSAS DE INELEGIBILIDADE
As inelegibilidades podem ser previstas pela Constituição Federal ou
em lei complementar federal.
Segundo a Constituição Federal no art. 14:
São inelegíveis ao inalistável (incluindo estrangeiros) e os analfabetos,
são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os
parentes consangüíneos e afins, até o segundo grau, por adoção, do
Presidente da República, do Governador de Estado ou território, do
Distrito Federal, de Prefeito ou de quem o haja substituído dentro dos
seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e
candidatos a reeleição.23
Nos termos do § 4º do art. 14 da Constituição Federal, são inelegíveis
para qualquer cargo eletivo, em todo o território nacional os inalistáveis e
os analfabetos (inelegibilidade absoluta).
Conforme leciona Chimenti:
A ausência de comprovante de escolaridade junto ao pedido de registro
da candidatura autoriza o juiz a aferir, por outros meios (que preservem a
dignidade do examinado) a condição de alfabetizado (art. 28, § 5º, da Resolução TSE nº 21.608/2004). São inalistáveis os menores de 16 anos (até
a data da eleição, nos termos do art. 14 da Resolução nº 21.538/2003),
os estrangeiros, os conscritos (aqueles que, regularmente convocados,
prestam o serviço militar obrigatório ou serviço alternativo) e os privados
definitiva ou temporariamente dos seus direitos políticos.24
23 BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 2006.
24 CHIMENTI, R. C. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
Orivaldo Peres Bergas / Helio Udson Oliveira Ramos
177
Segundo Costa, “até bem pouco tempo não havia nenhuma preocupação com a inabilitação, porém com a democratização do país e a liberdade de informação houve uma mudança forçosa nos hábitos políticos, a
questão da inabilitação, passou a ganhar maior destaque”.25
Para Antônio Carlos Mendes citado por Pereira configura inelegibilidade como: “a existência de proibição que impossibilita a candidatura”.26
Embora sejam muitas as causas de inelegibilidade, atualmente a Lei
Complementar nº 64, de 18 de março de 1990, dispõe sobre muitos desses
casos. “Ainda que esteja longe de ser uma lei modelo, a LC nº 64 trata-se
de uma boa lei”,27 afirma Cândido.
A LC nº 64/1990 (Lei da inelegibilidade) trata de questões polêmicas,
como a corrupção no meio político, crimes contra a economia popular, a
fé pública, o mercado financeiro, dentre outros. Contudo não é eficaz, pois
estipula que a condenação deve ser em última instância.
O DIREITO ELEITORAL NORTE-AMERICANO
Nos Estados Unidos, como já é sabido, adotou-se o sistema de votação indireta, ou seja, vincula nesse país o perfil democrático indireto que
conforme conceitua Neto, “nada mais é do que a democracia representativa, na qual o povo, embora fonte única do poder outorga parcela deste aos
representantes, escolhidos e legitimados através de eleições periódicas”.28
Nesse contexto, “o sistema se divide em duas fases, sendo formado
na primeira fase um colégio eleitoral por meio de delegados elegidos através do voto direto do povo, que, por conseguinte elegerão os candidatos
à Presidência da República numa segunda fase”.29
Porém não há nenhuma regulamentação na constituição e nem mesmo lei federal que obrigue que os eleitores escolhidos pelo povo em deter25 COSTA, A. S. da. Inelegibilidade cominada por rejeição das contas. Boletim Jurídico, ISSN
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26 MENDES, Antonio Carlos apud PEREIRA, R. T. V. Breves apontamentos sobre Condições de Elegibilidade, Inegilidades, Registro de Candidaturas e Ação de Impugnação de Pedido de Registro de
Candidatura. Palestra proferida no III Encontro de Juízes e Promotores Eleitorais, promovido
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27 CÂNDIDO, J. J. Direito Eleitoral Brasileiro. 12. ed. rev. atual. e ampl. Bauru: EDIPRO, 2006.
28 NETO, A. A. S. Direito Eleitoral – teoria e prática. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p.23
29 QUEIROZ, A. F. de. Direito Eleitoral. 4. ed. Goiânia: Jurídica IEPC, 1998.
178 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
minado Colégio Eleitoral, que efetivem seu voto de acordo com a escolha
popular de seu Estado. “A maioria dos Estados já estão amparados por
leis que determinam que esses representantes do povo sejam multados e
desqualificados do cargo, por não retratarem a vontade da população depositando um voto inválido”.30
Em se tratando da administração das eleições Norte-Americanas, “é
de competência dos Estados e cada Estado, possui um administrador chefe
das eleições, que é normalmente o Secretário de Estado”.31
Dessa forma, são atribuídos a milhares de administradores de eleições:
A organização e o seu respectivo controle, sendo responsáveis inclusive
pela elegibilidade dos candidatos, pelo registro dos eleitores qualificados, pela preparação das listas de eleitores, recrutamento de pessoas
para administrar a votação no dia da eleição, até a tabulação e certificação dos resultados.32
Ao contrário do que ocorre no Brasil,
Nos Estados Unidos da América não há uma lista nacional de eleitores
qualificados, primeiramente cada eleitor tem que se qualificar efetuando esse registro de acordo com a sua moradia e esse registro tem que
ser refeito caso ele mude para outra localidade.33
Nos EUA admite-se o sufrágio universal para todos os maiores de
18 anos. “Entende-se por sufrágio universal “o poder ou o direito de se
escolher um candidato” aos cidadãos qualificados pela Justiça Eleitoral”.34
Quanto ao contencioso eleitoral cabe aos tribunais ordinários federais inteira responsabilidade. Enquanto que o Congresso permanece como
juiz da verificação dos poderes. “Eles ainda podem contar com uma Comis30 EUA, Departamento de Estado dos. Panorama das Eleições EUA. 2008. Disponível em: www.
embaixada-americana.org.br. Acesso em: 26 out. 2009
31 EUA, Departamento de Estado dos. Panorama das Eleições EUA. 2008. Disponível em: www.
embaixada-americana.org.br. Acesso em: 26 out. 2009
32 Idem.
33 Ibidem.
34 CÂNDIDO, J. J. Direito Eleitoral Brasileiro. 12. ed. rev. atual. e ampl. Bauru: EDIPRO, 2006, p. 193.
Orivaldo Peres Bergas / Helio Udson Oliveira Ramos
179
são Federal de Eleições – FEC, cuja competência é gerir o financiamento
público federal das eleições, onde também muitas vezes assessora o Estado quanto a financiamentos”.35
O sistema é bipartidário, no qual dois partidos dominam a política
eleitoral, os Republicanos e os Democratas, ocorre também que:
Por ser um sistema distrital, permite que apenas um partido vença em
um distrito, e isso exige que eles tenham todo um aparato de recursos
financeiros, gerenciamento e apoio popular na corrida da conquista
dos votos. Dessa forma, os partidos menores ficam em desvantagem
já que possuem menos recursos e pouco apoio popular e acabam não
conquistando nenhuma representação nacional.36
A ELEGIBILIDADE E INELEGIBILIDADE NORTE AMERICANA:
UM COMPARATIVO
O Brasil é um Estado Democrático de Direito, onde todo o poder
procede do povo, exercido por representantes eleitos, diferentemente dos
demais países, inclusive dos Estados Unidos.
Ademais é da participação direta ou indireta dos cidadãos que nascem e desenvolvem os direitos políticos.
Para Cantor:
A forma democrática de governo americana é baseada em eleições livres e abertas e em uma tradição de pluralismo pela qual interesses
concorrentes competem para influenciar a política pública. Essa caracterização é adequada, especialmente hoje em dia, quando o tamanho
do eleitorado leva à dependência da mídia de massa para comunicação
com os eleitores, pelo menos em eleições para os cargos majoritários. A
propaganda no rádio e na TV é um meio eficiente, porém dispendioso,
de atingir as audiências de massa.37
35 FILHO, G. G. A Justiça Eleitoral no Brasil: a desconfiança como elemento fundamental de nosso
sistema eleitoral. Artigo, 2004. Disponível em: www.senado.gov.br. Acesso em: 25 out. 2009.
36 EUA, Departamento de Estado dos. Panorama das Eleições EUA. 2008. Disponível em: www.
embaixada-americana.org.br. Acesso em: 26 out. 2009.
37 CANTOR, J. E. Eleições 2004: A situação do financiamento de campanha. 2004. Disponível em:
www.embaixada-americana.org.br. Acesso em: 26 out. 2009.
180 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
Enquanto no Brasil qualquer pessoa em condições elegíveis pode
concorrer a um cargo eletivo, nos Estados Unidos – EUA, o processo eleitoral possui particularidades que tornam disputadíssimo o cargo político
mais influente do mundo.
No processo eleitoral americano o Estado escolhe um pré-candidato
preferido para disputar a vaga pelos dois partidos principais Democratas e
Republicanos, o pré-candidato vencedor terá um determinado número de
delegados na convenção nacional do partido e ganha àquele que obtiver
maior número de delegados.
Assim, Saçashima destaca:
É nesse momento que o processo eleitoral americano mostra algumas
de suas particularidades, pois a forma com que os eleitores elegem seu
político preferido difere de um Estado para outro. Isso se deve ao fato da
escolha respeitar à legislação eleitoral local. É uma lei estadual, por exemplo, que estipula que New Hampshire, que ostenta o status de “primeiro
da nação”, seja o primeiro a realizar uma primária no país. Iowa, por sua
vez, conta com uma lei estadual que estipula que seja o primeiro Estado a
ter qualquer tipo de votação no país. Por isso, foi em Iowa que a corrida
presidencial teve início, não com uma primária, mas com um cáucus.38
Então podemos notar as duas formas que os americanos adotaram
para escolher o seu candidato partidário: o caucus e as primárias.
O caucus pode ser definido como assembléia de eleitores. Eles se reúnem em determinados locais (casas, escolas, igrejas, edifícios públicos,
por exemplo), que são os distritos eleitorais cadastrados, onde discutem
os candidatos e suas propostas. No Partido Republicano, o caucus é
decidido através do voto informal (levantando a mão, por exemplo).
Sai vitorioso o presidenciável com maior número de votos. No Partido
Democrata, o processo é mais complexo. Para permanecer na disputa,
cada pré-candidato deve obter pelo menos 15% dos votos em cada um
dos distritos eleitorais cadastrados.39
38 SAÇASHIMA, E. Entenda o processo eleitoral dos EUA que irá levar um pré-candidato até a Casa
Branca. São Paulo. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/01/08/ult23u898.
jhtm> Acesso em: 27 out. 2009
39 Idem.
Orivaldo Peres Bergas / Helio Udson Oliveira Ramos
181
As primárias como é conhecida o processo de escolha (1ª etapa)
acontece como se fosse uma eleição interna dos partidos, porém os eleitores do Colégio Eleitoral não têm o mesmo poder de independência que os
fundadores da nação imaginaram que teriam quando elaboraram a Constituição em 1787.
A 2ª etapa do processo eleitoral americano acontece o confronto
direto entre os candidatos definidos, os debates, as intensas campanhas
publicitárias e o “corpo a corpo” em cada Estado.
Ao contrário do que acontece no Brasil, “eleições diretas, nos Estados Unidos quem faz isso é o povo, direta ou indiretamente. Porém,
existem várias legislações para a escolha do presidente, e cada um dos 50
estados define o sistema de escolha dos candidatos juntos aos partidos”.40
Segundo o Departamento de Estado dos EUA, “cada cargo eletivo
federal tem requisitos diferentes, expostos nos Artigos I e II da Constituição dos EUA”.41 Assim como no Brasil é regido pela Constituição e
até se assemelha com as condições de elegibilidade brasileiras, quanto à
nacionalidade do candidato, a idade mínima e domicilio eleitoral, porém
tais semelhanças param aí, pois a 22ª Emenda da Constituição dos EUA,
ratificada em 1951 proíbe que alguém seja eleito presidente mais de duas
vezes. No entanto, não impõe nenhum limite de mandato a deputados e
senadores no Congresso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente ao exposto parece que a regra geral é que qualquer pessoa
pode escolher seus representantes seja nas casas legislativas, seja para
administração da coisa pública e até mesmo se candidatar para o cargo
eletivo, mas como tudo o que ocorre em sociedade, existem um conjunto
de normas que regulamentam tais direitos.
O que se entende no Brasil é que um sistema é mais democrático
quanto maior a participação do povo na escolha de seu governante. Mas
vejamos o caso dos Estados Unidos, que através de um sistema de votação
indireta pode eleger um candidato com menor votação popular do que
40 FROTA, M. O complexo sistema eleitoral americano: Em meio às primárias, entenda como será
eleito o presidente dos EUA. São Paulo: 2008. Disponível em: <http://www.universia.com.br/
materia/imprimir.jsp?id=1555> Acesso em: 27 out. 2009.
41 EUA, Departamento de Estado dos. Panorama das Eleições EUA. 2008. Disponível em: www.
embaixada-americana.org.br. Acesso em: 26 out. 2009
182 Breves considerações sobre o Direito Eleitoral brasileiro: um comparativo com os Estados Unidos
seus adversários. Mesmo que na grande maioria das vezes o resultado da
eleição tenha refletido a vontade da população, ocorreram em algumas
eleições resultados inversos ao voto popular, já que os candidatos são eleitos pelo número de votos dos Colégios Eleitorais, e isso com certeza deve
causar certa falta de confiança no sistema.
No Brasil, as críticas giram em torno da obrigatoriedade do voto, no
qual é previsto no § 1º, do art. 14, da Constituição Federal, sanção para o
cidadão que deixa de cumprir o seu “direito”. A contradição também está
aqui imposta, pois então não poderia o cidadão deixar de se apossar desse
seu direito?
No processo eleitoral Norte-Americano, observa-se que existe uma
monopolização dos partidos republicanos e democratas, impedindo que
partidos menores possam obter alguma representação nas eleições. Essa
questão merece atenção no sentido de se analisar a flexibilidade das posições políticas adotadas nos EUA, onde esses dois partidos tem se revezado
no controle da máquina governamental.
Constatamos que mesmo que a lei da inelegibilidade não sirva para
penalizar, tem sido bastante discutida hoje, porém deveriam sim ser revistas com a finalidade de coibir a improbidade e a defender a moralidade
dos que exercem cargos eletivos.
Nunca se combateu tanto a corrupção no Brasil como agora. A
sociedade brasileira está cansada dos desvios de conduta, dos malfeitores
na administração pública e os cidadãos acreditam que combater aos desmandos é o caminho para a moralidade da vida pública e o princípio de
mudanças nas formas eletivas de um país democrático.
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de 1988. Brasília: Senado, 2006.
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Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º out. 1997. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em 27
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Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/cjd/doutrinas/ricardo1.html> Acesso em: 21 out. 2009.
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EUTANÁSIA:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Wanderlei José dos Reis1
BREVE INTRÓITO
Tem o homem o direito de dispor de sua própria vida? Podem os
familiares deliberar pelo destino de um de seus entes em estado terminal?
Quando acaba a vida? Legalmente, no Brasil, decidimos que a vida acaba
com a morte cerebral? A morte é um preço que merece ser pago para o alívio da dor? Eis a polêmica questão envolvendo o direito de matar e morrer
que muita discussão tem suscitado ao longo da história.
No ano em que se discutiu no Brasil, já em nível de nossa Suprema
Corte de Justiça, o uso de células embrionárias em pesquisas científicas,
defendendo-se, de um lado, que tais células eram as que possuíam o maior
potencial terapêutico já descoberto até hoje, e, de outro, que o uso de
células-tronco embrionárias feriria de morte o mais fundamental dos direitos – a vida –, foi amplamente divulgado pela mídia internacional o caso
da francesa Chantal Sébire que lutou na justiça de seu país pelo direito
de escolher como morrer, suicidando-se no momento que quisesse e com
a assistência de um médico.
Ela sofria de uma doença incurável, estando com o rosto já deformado por causa de um tumor, que atingia a cavidade nasal, o que lhe causava
dores terríveis. Teve seu pedido negado pela justiça francesa e poucos dias
depois foi encontrada morta em casa, segundo noticiado pela imprensa. O
código penal francês distingue a eutanásia ativa da passiva, sendo a primeira considerada homicídio, enquanto que a passiva é tida como omissão
de atendimento. Não se confundindo, também, ortotanásia (descontinuar
um tratamento em um paciente terminal) com a administração ativa de
drogas que provocam a morte do paciente (eutanásia ativa).
O caso serviu para reacender a chama em torno do tema eutanásia,
não só na França, mas em todo o mundo.
1 Juiz de Direito em Mato Grosso. Graduado em Matemática. Especialista em Educação pela UFRJ.
Especialista em Direito Público Avançado e Processo Civil Avançado.Doutorando em Direito
pela UCSF/Argentina. Cursa MBA em Judiciário pela FGV. Membro da Academia Mato-grossense
de Letras (Cadeira 5).
186 Eutanásia: Algumas Considerações
DESENVOLVIMENTO
A eutanásia é um assunto que diz respeito à medicina, aos costumes, à moral, às religiões e ao Direito. Etmologicamente, eutanásia vem do
grego e significa “morte doce, morte calma”. Apresenta inúmeros conceitos
similares como homicídio consensual, homicídio caridoso, homicídio piedoso, homicídio caritativo, homicídio compassivo, morte suave, morte boa
e honrosa e alívio da dor.
O Art. 5º, caput, de nossa Carta Política, prescreve que “todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
A teoria da eutanásia jamais foi admitida pela legislação brasileira.
Recordo-me que na Constituinte de 1988, o tema foi amplamente analisado
e debatido com bastante vigor pelos parlamentares e com a participação
de vários segmentos da sociedade, sendo, por fim, sua adoção rechaçada.
No nosso ordenamento jurídico não há eutanásia e os atos praticados em seu nome são taxativamente rotulados de homicídio, pouco
importando para a lei se o crime fora cometido contra alguém de doença
incurável ou que tivesse poucos minutos ou segundos de vida. Pesará,
tão-só, o fato de o agente ter praticado a conduta com a vontade livre e
consciente de matar – o animus necandi.
Em diversos diplomas legais vê-se essa preocupação do legislador
brasileiro em resguardar a vida humana. Inaugurando a parte especial de
nosso Estatuto Repressivo, tem-se a previsão no Art. 121 do delito de homicídio (“matar alguém”), pena de 6 a 20 anos de reclusão. Consabido que aí o
bem juridicamente tutelado é a vida, denotando a preocupação do legislador
em resguardá-la, punindo quem contra ela atentar, pois, trata-se de um direito indisponível, inegociável e irrenunciável. Assim, pelo Código Penal, ressai
que a eutanásia pode ser tida como uma espécie de homicídio privilegiado,
com a pena de 6 a 20 anos, reduzida de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), isso
numa interpretação judicial da norma subsumida ao caso concreto, sendo
que alguns Tribunais já têm reconhecido essa causa de diminuição de pena
do homicídio privilegiado, mas o assunto ainda não foi enfrentado pelas
cortes superiores – o Tribunal da Cidadania ou o Pretório Excelso.
No delito seguinte, Art. 122, tem-se a previsão do crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, tipo penal que não se confunde
Wanderlei José dos Reis
187
com a prática da eutanásia. Assim, o suicídio não é crime, ao passo que
quem induz, instiga ou auxilia ao suicídio comete crime.
O Art. 129 do mesmo Codex, ao tratar do crime de lesão corporal,
é peremptório ao prescrever: “Ofender a integridade corporal ou a saúde
de outrem.” Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. A auto-lesão ou
lesão auto-infligida não é punível em nosso ordenamento jurídico por não
constituir ilícito, ou seja, quando o agente ofender a própria integridade
corporal ou sua saúde não comete crime, salvo se o fizer com o fito de
haver indenização ou valor de seguro, respondendo aí, neste caso, por
estelionato previsto no Art. 171, § 2º, V, do Código Repressivo.
O Código Penal tipifica, também, o constrangimento ilegal, prevendo-o no seu Art. 146, com a exceção de seu § 3º, inciso I, que estabelece
que a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente
ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida,
não constitui constrangimento ilegal. Ressaindo daí, mais uma vez, que dos
bens da vida, a vida está no patamar mais elevado daqueles juridicamente
tutelados pelo Estado.
Os Códigos de Ética médica, por sua vez, também prescrevem que o
médico deve utilizar-se de todos os recursos para salvar a vida das pessoas
que são o alvo de toda a sua atenção e atividade. Assim como os profissionais do Direito, os médicos, em regra, realizam uma atividade de meio
e não de fim, ou seja, comprometem-se em utilizar-se de todos os seus
conhecimentos técnicos em prol do tratamento do paciente independentemente dos resultados (exceto, é claro, os casos de cirurgiões plásticos, v.g.,
em que o compromisso é com resultados).
Perscrutando, ainda, nas Sagradas Escrituras, encontramos inúmeras passagens de onde se depreende que a vida nos foi concedida por
Deus e somente Ele poderia dela dispor:
Não matarás. Ex. 20:13
O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz subir.
1. Sm 2:6
Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás, também ordenou: Não
matarás. Ora, se não adulteras, porém, matas, vem a ser transgressor da
lei. Tg 2:11.
188 Eutanásia: Algumas Considerações
Nossa literatura, por seu turno, apesar de parca sobre o tema, demonstra uma ligeira inclinação à admissão da eutanasia entre nós, sem
reservas, para alguns, ou com a observância de algumas condições pré-fixadas em lei, como muito bem observado pelo Prof. José Ildefonso Bizatto:
Entretanto, para a efetivação da aplicação da eutanásia deverão ser seguidos alguns trâmites legais, tais como:
Autorização por escrito do paciente ou de seu representante legal, devendo
a autorização ser feita por instrumento público, em qualquer dos casos;
A existência de um laudo médico composto por uma junta de, no mínimo,
três profissionais, com laudos individuais e de distintas especialidades;
Parecer do Ministério Público que aprecia a legalidade do pedido, sem
ater-se ao mérito da doença, pois este é da competência da junta médica.
Se possível, a presença de um laudo feito pela assistência social, que
relatará tudo o quanto a família tem e vem sofrendo, bem como disporá
quanto à situação financeira da família.2
Um dos fortes argumentos utilizados pelos defensores da eutanásia
ativa é o de se evitar que o doente venha a cometer o suicídio, o que geraria grande sofrimento para a família, sendo que em países como a Suiça,
Holanda e Bélgica há permissivo legal para a eutanásia ativa – aquela em
que há a prática de atos que conduzem à morte do paciente terminal. Já
a ortotanásia, que consiste no desligamento de aparelhos ou retirada de
medicamentos do paciente, cessando-se o uso de recursos que prolongam
artificialmente a sua vida quando não há mais chances de recuperação, é
autorizada em países como a França e a Alemanha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eutanásia é um assunto que tem, ainda hoje, suscitado um grande
espaço na mídia internacional, sobretudo quando surge um novo caso a lhe
dar alento, sendo, sem dúvida, um tema palpitante e polêmico, que apresenta fortes controvérsias, acirradas discussões, possuindo, dessarte, várias
frentes para ser enfocado. Havendo aqueles que defendem a sua adoção
com entusiasmo e adversários acirrados que, também, inúmeros argumentos
2 Eutanásia e Responsabilidade Médica. Porto Alegre: Sagra, 1990, p. 55.
Wanderlei José dos Reis
189
expendem no sentido diametralmente oposto, verificando-se na questão que
há uma evidente colidência entre o direito à vida e o direito à morte.
Concordamos sim que o direito à vida é inerente ao ser humano,
devendo ele ser protegido por lei e ninguém poderá ser arbitrariamente
privado de sua vida (Pacto de San José da Costa Rica – Art. 4º e Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos – Art. 6º, adotados pelo Brasil),
tendo nossa Lei Fundamental consagrado tal direito em seu Art. 5º, caput,
já citado alhures. Ocorre que o direito à vida não é absoluto, há de se considerar sua relativização, como se vê com freqüência em diversos institutos
do Direito Penal.
Parece-nos que, diante de relatos de médicos que revelam ser a
eutanásia, apesar de não disciplinada em lei, uma prática habitual em UTIs
do país, no exato momento histórico em que nossa Suprema Corte manifestou-se acerca da constitucionalidade da chamada Lei de Biossegurança,
bem como nossa Carta Mater completa seus vinte anos de promulgação, o
nosso legislador, de lege ferenda, deveria volver ao tema, que é delicado,
mas demanda uma manifestação, estabelecendo-se critérios e condutas
éticas para uma morte sem dor, pois, apesar de que cada caso é um caso,
tem-se que o sofrimento do paciente e da família, a ausência de expectativa de recuperação, a irreversibilidade da situação e vários outros aspectos,
quase sempre são comuns.
Em contrapartida, por derradeiro, há de se considerar, a priori, também, se nosso Estado possuiria aparato físico e humano ou teria condições
de providenciá-lo a fim de implementar e fiscalizar um eventual permissivo
legal nessa área, ilidindo-se abusos ou burlas, sobretudo quando se vê, à
guisa de exemplo, o descalabro existente no sistema prisional brasileiro,
onde suas mazelas estão expostas a longa data, apesar da existência de
uma verdadeira Lei de Execução Penal de primeiro mundo.
Considerando que a legislação vem na esteira do fato social, sopesando, concluímos que urge sim uma reabertura de discussão legislativa
em torno do tema eutanásia no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. Porto Alegre: Sagra, 1990.
190 Eutanásia: Algumas Considerações
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. São Paulo: Fundo Editorial Byk Procienx, 1975.
HUNPHRY, Derek. A Solução Final. Justificativa e Defesa da Eutanásia. Tradução
de Ênio Silveira. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1994.
RODRIGUES, Paulo Daher. Eutanásia. Belo Horizonte: Editora Del Rey. 1993.
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192 Normas e Instruções aos Colaboradores da Revista Jurídica da Universidade de Cuiabá – Unic
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