SEGURO DE VIDA X EMBRIAGUEZ DO MOTORISTA - O
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E O EQUILÍBRIO CONTRATUAL DIANTE DO
AGRAVAMENTO DO RISCO
Janaína Rosa Guimarães
Em decisão publicada no DJe de 15 de setembro de 2008, o Superior Tribunal
de Justiça, por unanimidade, decidiu que a embriaguez passa a ser agravante no
risco do seguro de vida. A 3ª Turma, ao não conhecer do recurso especial (REsp.
973725-SP – Acórdão COAD 126696), fez valer uma decisão do Tribunal de Justiça
de São Paulo que excluiu o prêmio de um segurado por conta da embriaguez.
O processo foi levado à Turma pelo ministro Ari Pargendler, que modificou
decisão que anteriormente tinha dado. Ele havia aplicado a jurisprudência da Turma
segundo a qual a ingestão de bebida alcoólica não seria suficiente para não pagar o
prêmio ao segurado.
Segundo a antiga jurisprudência, a indenização era justa ainda que a
dosagem de álcool no organismo do motorista estivesse acima do permitido pela
legislação de trânsito. O entendimento era que o juiz deveria analisar caso a caso
para saber se o álcool era causa determinante e eficiente para a ocorrência do
sinistro.
Não obstante a edição da Lei 11.705/2008 – mais conhecida como “Lei Seca”
– a lógica agora seguida pelo STJ, acerca do agravamento do risco, tem como
fundamento o antigo Código Civil, para quem segurado e segurador são obrigados a
guardar no contrato a mais estreita boa-fé e veracidade. Dentro deste contexto, a
seguradora não pode suportar riscos de fato ou situações que agravam o seguro,
ainda mais quando o segurado não cumpriu com o dever de lealdade.
De acordo com as alterações trazidas pelo novo Código Civil, duas novas
questões envolvendo o pagamento de prêmio nos contratos de seguro passaram a
ser reguladas: tornou obrigatório o pagamento do seguro se a morte ocorreu por uso
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de transporte mais arriscado, prática de esportes, ato de humanidade para o outro
ou prestação de serviço militar; outro ponto está no suicídio, eis que o novo código
regulou a indenização à família, desde que o suicídio do titular tenha ocorrido dois
anos depois do início do contrato.
Assim, a ementa se apresenta:
“SEGURO DE VIDA – EMBRIAGUEZ. A cláusula do contrato de seguro de vida que
exclui da cobertura do sinistro o condutor de veículo automotor em estado de
embriaguez não é abusiva; que o risco, nesse caso, é agravado resulta do senso
comum, retratado no dito “se beber não dirija, se dirigir não beba”. Recurso especial
não conhecido. “
Contudo, observando julgamentos anteriores, vê-se entendimento diverso do
Tribunal Cidadão. As decisões ora apresentadas apontam que o estado de
embriaguez do motorista não teria o condão de excluir a cobertura do seguro, eis
que tal condição não seria suficiente para agravar o risco da relação contratual
firmada pelas partes.
“SEGURO DE VIDA – CONDUÇÃO DO VEÍCULO PELO SEGURADO EM ESTADO
DE EMBRIAGUEZ – EXCLUDENTE DE COBERTURA DO SEGURO NÃO
CARACTERIZADA. O fato de o segurado dirigir ocasionalmente em estado de ebriez
não constitui causa para a perda do direito ao seguro, por não configurar tal
circunstância agravamento do risco. Precedentes do STJ.” (STJ – REsp. 212725-RS
– 4ª Turma – Rel. Min. Barros Monteiro – Publ. em 19-12-2003)
“EMBRIAGUEZ DO SEGURADO – AGRAVAMENTO DO RISCO POR PARTE DO
SEGURADO – AFASTAMENTO. A embriaguez do segurado, por si só, não exime o
segurador do pagamento de indenização prevista em contrato de seguro de vida.”
(STJ – AgRg no Ag 895146-SC – 3ª Turma – Relª Minª Nancy Andrighi – Publ. em
26-11-2007)
Neste sentido, destaque para acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul:
“SEGURO DE VIDA – CLÁUSULA DE EXCLUSÃO – INTERPRETAÇÃO. Não há
como enquadrar a causa da morte do seguro na hipótese de exclusão securitária
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aduzida pela seguradora, pois a ingestão de álcool não acarretou “a alteração
mental em conseqüência do uso de álcool, de drogas, de entorpecentes ou de
substâncias tóxicas”. Em se tratando de contrato de adesão, as cláusulas contratuais
devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, a teor do que
preceitua o artigo 47 do CDC, pois as cláusulas ambíguas ou contraditórias se fazem
contra o estipulante, em favor do aderente. As cláusulas restritivas, portanto, devem
ser interpretadas restritivamente. Apelo desprovido.” (TJ-RS – Ap. Cív. 7000959540
– 5ª Câm. Cív. – Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack – Julg. Em 7-10-2007)
Contudo, esta não é a tendência seguida pelos Tribunais estaduais. A decisão
proferida pelo STJ, data vênia, além de robustecer a guarida dada às seguradoras
pelos Tribunais estaduais, no que se refere à recusa de indenização pelo
agravamento do risco por parte do segurado, também propicia inúmeros
questionamentos a essa orientação.
Ao que se extrai dos artigos 422, 765 e 766 do Código Civil, o equilíbrio
contratual no contrato de seguro de vida, assim como em qualquer outro contrato,
deve ser mantido pela conduta das duas partes. Comprovada a ofensa ao equilíbrio
contratual por conduta do segurado legalmente proibida, deve ser reconhecido ao
segurador o direito à negativa de indenização.
Segundo preceito estabelecido no artigo 765 do Diploma Civil, o segurado e o
segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais
estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e
declarações a ele concernentes.
Neste caso, a boa-fé deve ser entendida como boa-fé objetiva, consagrada
como princípio pelo artigo 422 do CC e aplicável a todas as relações obrigacionais.
Muito embora o Código Civil de 1916 não tenha previsto a boa-fé como
princípio, esta foi referência em vários dispositivos, objetivando reconhecer a
importância da crença do agente, de que agia conforme o direito e, inclusive, para
alterar soluções que seriam diversas caso não fosse considerada a posição
psicológica daquele.
Em linhas gerais, a boa-fé subjetiva impunha ao agente exclusivamente o
dever de abster-se de prejudicar e era entendida como o convencimento do agente
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de que estava agindo de forma correta e de que seu comportamento estava acorde
com o Direito. Por sua vez, a boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental do
agente, mas sim ao seu comportamento.
A boa-fé objetiva exige que o agente coopere para a consecução dos
objetivos do negócio jurídico e constitui elemento de interpretação do contrato,
visando à apreciação da conduta das partes na celebração e na execução de suas
obrigações contratuais. Exige-se das partes que se conduzam com lealdade e
honestidade, que esclareçam reciprocamente os fatos referentes ao contrato e o
conteúdo das cláusulas contratuais, visando à manutenção do equilíbrio contratual e
evitando o enriquecimento sem causa.
No mesmo posicionamento ora adotado pelo STJ, pinçamos alguns julgados
dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e Rio Grande do Sul:
“INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SEGURO DE VIDA – CLÁUSULA LIMITATIVA
DE COBERTURA DE RISCO – REDAÇÃO CLARA E DESTACADA – MOTORISTA
ALCOOLIZADO – DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. O Código de Defesa do
Consumidor não proíbe as cláusulas contratuais limitativas de direito, mas impõe
que sejam elas redigidas de forma clara e inteligível. A cláusula de exclusão de risco
segurado, além de ser redigida com destaque, dela o segurado há de ter ciência
inequívoca. O motorista que se embriaga voluntariamente e conduz seu veículo em
contramão direcional agrava o risco, propiciando a perda do direito da indenização
securitária pelo sinistro ocorrido.” (TJ-MG – Emb. Inf. 2.0000.00.517972-2/001 – 17ª
Câm. Cív. – Relª Desª Márcia de Paoli Balbino – Publ. em 19-10-2006)
“DIREÇÃO SOB EFEITO DE BEBIDA ALCÓOLICA – AGRAVAMENTO DO RISCO
(...) A embriaguez do condutor importa agravamento do risco segurado, afastando a
obrigação contratual da seguradora de pagar a indenização securitária reclamada.
(...)” (TJ-MG – Ap. Cív. 2.0000.00.498583-1/000 – 14ª Câm. Cív. – Rel. Des. Dárcio
Lopardi Mendes – Publ. em 1-2-2006)
“SEGURO DE VIDA – ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – AGRAVAMENTO DOS
RISCOS – EMBRIAGUEZ – CLÁUSULA EXCLUDENTE DE COBERTURA – NÃOABUSIVIDADE. A embriaguez ao volante é causa de agravamento de risco de
acidente automobilístico, cabendo à beneficiária de vítima fatal que dirigia
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embriagada a prova de que o sinistro se deu por causa estranha à ebriedade, não
sendo abusivas as cláusulas contratuais que excluem da cobertura do seguro os
acidentes
causados
pelo
uso
abusivo
do
álcool.”
(TJ-MG
–
Ap.
Cív.
2.0000.00.475922-0 – 9ª Câm. Cív. – Rel. Des. Walter Pinto da Rocha – Publ. em
17-3-2005)
“ÓBITO DO SEGURADO, VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO – NEGATIVA DE
PAGAMENTO
DA
INDENIZAÇÃO
–
EMBRIAGUEZ
AO
VOLANTE
–
AGRAVAMENTO DO RISCO. Comprovada a embriaguez do motorista por laudo
pericial, em quantidade de álcool por litro de sangue elevada (8 decigramas) resta
desobrigada a seguradora, pelo pagamento de indenização especial por morte
decorrente de acidente. Válida, eficaz e legal a cláusula que limita os riscos
garantidos pela apólice. Respeito ao princípio da boa-fé e do equilíbrio contratual.
(...)” (TJ-RS – Ap. Cív. 70022201065 – 6ª Câm. Cív. – Rel. Des. Osvaldo Stefanello
– Publ. em 27-5-2008)
“SEGURO DE VIDA – EMBRIAGUEZ – PERDA DA COBERTURA. Desaparece o
direito ao seguro quando provado que o motorista, voluntariamente, se colocou em
situação de aumento de risco. (...)” (TJ-RS – Ap. Cív. 598228815 – 6ª Câm. Cív. –
Rel. Des. Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior – Publ. em 5-5-99)
Não obstante a tendência de julgamentos, importante considerar a
peculiaridade de cada caso, pois a embriaguez, embora comprovada, pode não ter
contribuído para o evento. Assim, como fica esta questão se tanto as decisões do
Judiciário quanto as cláusulas excludentes de cobertura nos contratos de seguro são
lacônicas, limitando-se a colocar o uso do álcool como justificativa da negativa da
indenização?
Existem hipóteses em que a morte do segurado não é motivada pelo
consumo do álcool e isso não vem sendo analisado pelas companhias seguradoras
e pelo Judiciário.
O nexo de causalidade deve ser analisado e considerado, pois a existência do
elo entre o consumo da bebida e o evento danoso que ocasionou o sinistro é
relevante para que se estabeleça a exclusão do pagamento do prêmio. O simples
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diagnóstico da substância no organismo do segurado não pode ser justificativa
bastante para a negativa de pagamento da indenização prevista em apólice.
Com o julgamento do REsp. 973725-SP, vê-se que o atual entendimento do
STJ passa a ser um norte para outros julgamentos junto aos Tribunais estaduais.
Muito embora a decisão fundamente-se em parâmetros estabelecidos pelo Código
Civil, não se pode deixar de destacar as considerações trazidas pela legislação
consumerista. Em regra, a embriaguez é citada nos contratos de seguro como item
excludente de cobertura. Contudo, por não haver um posicionamento preciso do
Judiciário, ora o cliente ganhava, ora perdia.
Desta feita, a decisão pode provocar uma unificação de jurisprudências,
permitindo a interpretação de que a presença da embriaguez já desobrigue a
empresa de pagar o seguro.
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