RECONHECIMENTO E TRAJETÓRIAS ACADÊMICAS DE ESTUDANTES DE
ORIGEM POPULAR NA UFRB
José Raimundo Santos
Prof. Assistente CFP/UFRB
[email protected]
À GUISA DE UMA INTRODUÇÃO...
Dentre os estudos críticos e as pesquisas sobre educação há aqueles que objetivaram
compreender a relação emancipatória da educação, com relação às políticas de ações
afirmativas e de inclusão social de jovens de origem popular nas universidades
brasileiras, observando o processo de aceitação e reconhecimento destes nos espaços
acadêmicos. O principal objetivo desses estudos está em pensar a emancipação do
homem, enquanto um sujeito crítico à forma instrumental de uso da racionalidade, ou
seja, busca-se compreender não apenas os conflitos presentes na lógica da organização
social vigente, mas a expressão de um comportamento crítico como uma relação
dialógica ao conhecimento produzido e à realidade social.
Ao se pensar o projeto de educação das instituições de ensino superior
e a
implementação de políticas de inclusão social e de ações afirmativas, objetiva-se,
também, desvelar a relação entre o discurso institucional e as práticas cotidianas
instituídas. Práticas estas que, subliminarmente, estabelecem regras de conduta e
convívio para as relações sociais, autenticam os saberes e conhecimentos e, possibilitam
aos indivíduos o trânsito descontraído pelos espaços sociais que orientam esses projetos.
Consequentemente implica em debater as formas de reconhecimento dos indivíduos em
suas individualidades, das identidades em sua coletividade e, da educação em seu papel
universal de inclusão e promoção do indivíduo à condição de cidadão.
A universalização do acesso à educação superior, inicialmente fundada em processos
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classificatórios e meritocráticos como o vestibular e, atualmente, ampliada para
mecanismos de inclusão por meio de políticas públicas de acesso e, mais recentemente,
o Sistema de Seleção Unificado que usa a média do Exame Nacional do Ensino Médio,
está baseada em modelos hegemônicos e homogêneos de percepção acerca da educação.
Esta universalização, ao tempo em que, estabelece políticas reparatórias no acesso, têm,
ainda, no interior das instituições, práticas cotidianas instituídas que não asseguram a
isonomia na permanência dos sujeitos no sistema formal de educação no país. Por esta
razão, o permanecer na universidade com acesso às bolsas de iniciação à pesquisa e/ou
extensão, como também às atividades de ensino e/ou aos benefícios da assistência
estudantil ainda são regidas por práticas instituídas que não percebem estes novos
sujeitos e suas especificidades e, portanto, o são, consequentemente, excludentes.
Estes modelos minimizam as tensões sociais produzidas historicamente pela não
participação de parcelas da população no processo educacional. Ou seja, há grupos de
indivíduos que desprovidos de um dado capital cultural1 não dispõem das mesmas
condições para a disputa das oportunidades, mesmo que essas sejam disponibilizadas
universalmente. E, na lógica produtiva e capitalista da sociedade, esses indivíduos, são
aqueles que passam a serem percebidos como coisas, dissolvidos das suas
características humanas e, de forma latente, vistos como partes operantes no
funcionamento da máquina capitalista, que tende a economicizar o homem e a vida
cotidiana.
Assim, tem-se que nesta lógica instrumental de universalização da educação, opera a
individualização, enquanto movimento processual e dinâmico que inclui a
especialização do homem nos diversos campos que atua – social, econômico, científico
e político – e, no desenvolvimento do trabalho. Esse indivíduo é produto do que é
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“O capital – que pode existir no estado objectivado, em forma de propriedades materiais, ou, no caso do
capital cultural, no estado incorporado, e que pode ser juridicamente garantido – representa um poder
sobre um campo (num dado momento) e, mais precisamente, sobre o produto acumulado do trabalho
passado (em particular sobre o conjunto dos instrumentos de produção), logo sobre os mecanismos que
contribuem para assegurar a produção de uma categoria de bens e, deste modo, sobre o conjunto de
rendimentos e ganhos.” (BOURDIEU, 1989, p. 134).
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orquestrado
pela
racionalidade
predominante
no
sistema
capitalista
na
contemporaneidade, que destitui do homem a possibilidade de se perceber e ser
percebido como um ser outro, preenchido de história e cultura, sujeito-ator que fala de
um lugar, cujas identidades, foram ultrajadas pela lógica homogeneizante imposta pela
sociedade capitalista nas suas práticas de formação e especialização por meio dos
sistemas formais de ensino.
É por esta razão que compreender as trajetórias acadêmicas de jovens de origem popular
e as formas de reconhecimento no interior das universidades significa empreender um
debate sobre as formas de desrespeito e reconhecimento a que estão submetidos esses
jovens no processo de afiliação e participação na sociedade e na vida acadêmica.
ENTRE O INSTITUCIONAL E O INSTITUÍDO
A idéia homogeneizante que recai sobre o conceito de ser universitário, traz consigo um
modelo ideal e reprodutor de pensar este estudante no campo acadêmico e científico,
como também, estabelece uma prática meritocrática de classificação que redesenha para
dentro e para fora da universidade a forma como estes novos atores do ensino superior
devem se comportar, agir e atuar. Este modelo estabelece, que a permanência destes
jovens está condicionada a aceitação das regras para o trânsito e mobilidade e, para
aceitação dos objetos de estudo disponibilizados para o desenvolvimento de suas
pesquisas.
Neste sentido, os saberes estruturantes deste ser universitário é entendido como aqueles
que são apreendidos num processo histórico e ontológico que referenciam o ser em sua
existência, e que estão relacionados a um lugar e um tempo, são redistribuídos e
redirecionados para uma visão homogênea que simplifica as relações sociais e ameniza
os conflitos, a partir de uma idéia universal de conhecimento, legitimado, no espaço
social acadêmico, como a representação mais próxima do que é apreendido e
reconhecido como cientifico.
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Esta forma de redistribuição e reclassificação dos indivíduos no interior das
universidades está condicionada ao lugar que este reivindica para si na instituição, que,
por outro lado, apresenta de forma meritocrática as condições objetivas e subjetivas de
inscrição destes sujeitos nos grupos de pesquisa, ensino e extensão, institucionalmente
estabelecidos e reconhecidos como produtores de conhecimento. Neste campo, das
afiliações e pertencimento aos grupos de pesquisa, ensino e extensão, circunscrevem-se
as formas classificatórias de identificação e reconhecimento dos sujeitos, denominandoos como produtivos e/ou não produtivos, hierarquizando-os e impondo sobre eles uma
forma alienante de produção do conhecimento, circunscrito a um objeto que já fora
desenhado por aqueles líderes e pesquisadores do grupo.
É assim que ocorre uma espécie de reificação do jovem iniciante na pesquisa científica,
uma forma de coisificação deste ser producente, que passa a operar de forma
instrumental, como reprodutor dos saberes que orienta racionalmente o fazer científico
sob a lógica do já instituído e estabelecido.
O acima dito, está presente no que Boaventura Santos denomina como Sociologia das
Ausências. Nesta, ele nos apresenta um modelo teórico conceitual que contribui para
elaboração de um quadro diagnóstico acerca da afiliação e reconhecimento de
estudantes de origem popular na universidade.
Segundo Boaventura há cinco formas de produzir ausência em
nossa racionalidade ocidental que as ciências sociais compartem. A
primeira seria a monocultura do saber e do rigor – aquela para a
qual existe um único saber científico, os outros não têm validade,
eliminam as realidades fora dos padrões ocidentais, os saberes
populares. “(…) Essa monocultura do rigor baseia-se, desde a
expansão européia, em uma realidade: a da ciência ocidental”. Essa
monocultura do saber e do rigor ao negar as outras formas de se
produzir conhecimento, produz o que Boaventura chama de
“epistemicídio”: “a morte de conhecimentos alternativos”. A
segunda seria a monocultura do tempo linear: “(…) a idéia de que a
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cultura tem um sentido, uma direção, e de que os países
desenvolvidos estão na dianteira”. Parte do pressuposto que tudo
que existe nesses países desenvolvidos estão à frente dos outros
países, eles se colocam na condução da história. A terceira
monocultura da naturalização das diferenças: Naturaliza as
condições das diferenças, como se as hierarquias fossem frutos de
classificações naturais, “(…) não se pensa diferenças com
igualdade; as diferenças são sempre desiguais”. A quarta seria a
monocultura da escala dominante: Coloca a Hegemonia do global,
universal, invisibiliza o local, o particular. A quinta e última forma
de produzir ausências seria a monocultura do produtivismo
capitalista: a idéia de que o ciclo de produção determina a
produtividade humana, tudo que não é produtivo na lógica
ocidental é considerado improdutivo e estéril. Ser improdutivo é a
maneira de produzir ausência.(SANTOS, 2010:2)
A monocultura do saber é um instrumento de reprodução do conhecimento já
estabelecido, que opera de forma impositiva no processo de reificação dos jovens de
origem popular, destituindo-lhe qualquer espécie de capital cultural ou saber, que possa
ser reconhecido no campo científico. Este modelo de monocultura apresentado é o que
legitima e dá origem às formas de epistemicídio cometidos pela modernidade.
Boaventura Santos pressupõe a existência de uma forma de superação desta
monocultura, compreendida como sendo a ecologia dos saberes que é representada pela
idéia,
de que não há, pois, nem ignorância em geral nem saber em geral.
Cada forma de conhecimento reconhece-se num certo tipo de saber
a que contrapõe um certo tipo de ignorância, a qual, por sua vez, é
reconhecida como tal quando em confronto com esse tipo de saber.
Todo saber é saber sobre certa ignorância e, vice-e-versa, toda
ignorância é ignorância de um certo saber. (SANTOS, 2000, p.78
apud OLIVEIRA, 2008, p.75).
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Boaventura Santos apresenta-nos o conceito de epistemicídio como um mecanismo de
exclusão de saberes alternativos ao instituído, e coloca que este processo, de morte aos
saberes não estabelecidos e reconhecidos pelas universidades, está presente no modelo
de supremacia de uma monocultura do saber e de rigor, que nega outras formas de se
produzir conhecimentos. Ou seja, a monocultura do saber empreende uma lógica de
saber formal que legitima a ciência moderna e a credencia como critério único de
verdade. A superação, segundo Boaventura Santos, está na identificação de conceitos e
práticas, onde cada saber opera como um instrumento crítico de validação dos saberes
aplicados. Nesta lógica e buscando romper com a idéia homogeneizante de
naturalização das diferenças, as universidades têm o papel de redesenhar os conceitos e
suas interpretações, constituindo uma contra hegemonia que favoreça a ampliação da
diversidade de práticas sociais como forma alternativa de enfrentamento à globalização
do local e dos saberes nele reconhecidos.
São cinco as Ecologias para tornar as experiências ausentes em
experiências presentes: A primeira é a ecologia dos saberes – Fazer
com que o saber científico dialogue com todos os saberes, fazendo
um uso contra-hegemônico da ciência hegemônica. Essa ecologia
contraria a idéia de ciência única e valoriza outros saberes, os
conhecimentos tradicionais. A segunda é a ecologia das
temporalidades – reconhecer a existência de outros tempos além do
tempo
linear.
Se
reduzirmos
todas
as
temporalidades
a
temporalidade linear afastamos todas as outras coisas diferentes das
nossas. Ex: O tempo dos antepassados nas comunidades africanas,
“os que estão antes estão conosco”. Cada um tem o seu tempo. A
terceira é a ecologia do reconhecimento – somente aceitar as
diferenças depois que as hierarquias forem descartadas.
Descolonizar as mentes para entender o que é produto da
hierarquia e o que não é. A quarta é a ecologia da transescala –
Articulação em nossos projetos das escalas locais, nacionais e
globais. O local pode ser embrionário se pode conduzir ao nacional.
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A quinta e última é a ecologia das produtividades – recuperação e
valorização
dos
sistemas
alternativos
de
produção,
das
organizações populares, cooperativas, movimentos sociais que a
ortodoxia capitalista desacreditou. (SANTOS, 2010:3) [grifo nosso]
De fato a ecologia do reconhecimento complementa a ecologia dos saberes e desloca a
categoria moderna de tempo, destituindo a linearidade da história e dos fatos,
consequentemente, propõe (re)inaugurar, um fazer científico que desvele as máscaras
estigmatizadas impostas pelo modelo racional moderno - presente e predominante nas
universidades -, sobre os saberes tradicionais que trazem consigo esta demarcação etno
racial que caracteriza uma coletividade e seus indivíduos, atribuindo-lhes identidades.
Nesta lógica, pressupõe-se um modelo contra hegemônico ao modelo instrumental
desenhado pela sociedade capitalista, que quer se ter como um modelo que seja
representativo das múltiplas vozes que ecoam nas universidades, representativas de
lugares, gêneros, raças e religiosidades, dentre outros, e, que trazem consigo as
significações e racionalidades que atribuem a si e ao outro, a essência que o identifica e
o reconhecimento de ser parte de um grupo.
O RECONHECER E O SER RECONHECIDO
Ao se pensar uma ecologia dos saberes e do reconhecimento, propõe-se, inicialmente,
romper com a monocultura da naturalização das diferenças, que caracterizam como
naturais e estabelecidas as formas de hierarquização presentes na sociedade e
reproduzidas no interior das universidades. Esta monocultura atua sobre os currículos
existentes nas universidades, impondo aos cursantes deste nível de educação uma forma
de igualdade que os desiguala, ou seja, há uma escala de importância socialmente
constituída sobre as profissões e que reproduz-se nas universidades, fazendo com que os
sujeitos cursantes destas futuras profissões também sejam hierarquizados e
diferenciados no interior das mesmas.
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Logo, não se pode pensar em uma única forma de reconhecimento, mas sim, nas
múltiplas formas de reconhecer-se e ser reconhecido. Nesta lógica, a forma de
reconhecimento pode ser referenciada e incorporada pelo sujeito, a partir de uma
experiência negativa, cuja ruptura implica em ultrapassar as barreiras transcritas pelo
habitus2 vigente, constituindo um contra-habitus a este modelo hegemônico referendado
e que legitima as formas de estar e o permanecer na Universidade.
A experiência negativa, produto da expropriação da identidade e dos saberes associados
à origem dos estudantes de origem popular, é percebida como um despertar acerca da
sua condição de ser universitário. E, este momento implica em indagar-se sobre as
formas de classificação e reconhecimento a que estão submetidos, observando o jogo
simbólico de negociações e estratégias desenvolvidas para anular o efeito danoso
imposto pelas relações sociais estabelecidas e representadas na forma de um habitus
acadêmico.
Neste sentido, observa-se o crescimento de grupos e associações das mais distintas
ordens no interior das universidades. O surgimento e o crescimento dos grupos de
orações cristãs - evangélicas e católicas –, por exemplo, representa para muito dos
jovens participantes a possibilidade de ser reconhecido pela associação a uma ética e a
uma moral religiosa que os legitima para atuar em outros campos, classificados como
importantes para a consolidação de uma carreira acadêmica, quer seja, pesquisa, ensino
e/ou extensão. Contudo, em contraposição, ao assumir-se como participante de religiões
de matriz africana, os jovens que o fazem são destituídos de um certo rigor para prática
científica, visto que, pejorativamente esta religião é associada ao animismo e a crenças
que ultrapassam a racionalidade, assumindo formas metafísicas de expressão da fé, onde
2
Habitus, para Bourdieu é um conhecimento adquirido, uma disposição incorporada, é aquilo que
incorpora “o sentido do jogo [onde o indivíduo] que não tem de raciocinar para se orientar e se situar de
maneira racional num espaço”. Logo o contra-habitus, seria esta disposição contrária àquilo que é
esperado como incorporado por indivíduos pertencentes a uma classe social distinta da dominante,
principalmente, quando se refere ao acesso ao ensino superior por alunos oriundos das classes
desfavorecidas e estudantes das escolas públicas brasileiras.
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o homem passa a ser receptor de uma entidade divina, cujos comportamentos encarnam
práticas do sacrifício e da transfiguração do humano.
Esta leitura sobre as religiões de matriz africana presente na sociedade e reproduzida em
determinados espaços da universidade recai de forma negativa para esses estudantes.
Mas, quando a busca por parte dos docentes e pesquisadores é compreender o
conhecimento acerca das folhas e ervas utilizadas nos rituais sacros e práticas de cura
nestas religiões, então, ainda que momentaneamente, é valorizado este saber e, assim,
ocorre de reconhecer estes estudantes como sujeitos producentes e aptos aos fazer
científico. Contudo, a definição desse objeto como científico, não implica no
estabelecimento de uma relação dialógica entre os saberes tradicionais e acadêmicos.
Como também, não ocorre o reconhecimento destes saberes - sobre as folhas e plantas, e
rituais de cura produzidos nas comunidades terreiros - como equivalentes aos
produzidos nas universidades, pois o discurso do rigor e a exigência de um método
legitimado pela ruptura com a linguagem, que implicam no uso de uma forma
monolinguística de expressar os achados que legitima o fazer cientifico, não
reconhecem as culturas ágrafas - no sentido moderno de conceituação sobre língua e
linguagem - como legitimadas para produção e reprodução de conhecimento.
Então, ao reivindicar uma identidade – política, social, racial ou de gênero – esses
jovens passam a falar de um lugar e, importam para si uma historicidade de lutas e
enfrentamentos que os legitima como sujeitos políticos, cujos ideais e as estratégias
transpõem o local (universidade) e conduzem as lutas para um campo global
(sociedade). Portanto, constituem um bloco contra-hegemônico ao estabelecido e
passam a protagonizar a transformação, ainda que pontual, do habitus estabelecido que
busca tratar os desiguais de forma igual.
Este processo de reconhecimento implica em associações e dissociações, rupturas e
alianças, mas, acima de tudo, representa uma estratégia de enfrentamento ao
estabelecido e o desvelar das formas de reconhecimento e exclusão presentes nas
instituições de ensino superior. Assim, as vozes que ecoam no interior das universidades
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quando distribuídas pela origem social, demonstram, para aqueles de origem popular,
que a busca em transformar em objeto de estudo os problemas existentes nas
comunidades de origem é um entrave para a afiliação desses jovens aos grupos
pesquisa, ensino e/ou extensão.
JOVENS DE ORIGEM POPULAR E A UNIVERSIDADE: Afiliações e Estratégias
As vozes dos jovens de origem popular aqui analisadas pertencem aos estudantes da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, mais precisamente aos estudantes do
Campus Cruz das Almas, e aos cursos das áreas das ciências agrárias e ambientais e
biológicas, como também os cursos das ciências exatas e tecnologias. E, foram
coletadas durante o ano de 2009 e o primeiro semestre de 2010, no desenvolvimento das
disciplinas de Filosofia e de Metodologia Científica.
O instrumento para a coleta foi proposto em forma de uma autobiografia, cuja ênfase
estava em apresentar a representação social do ser universitário e as estratégias pensadas
como forma de inserir-se e ser reconhecido como parte do curso. Orientou-se para uma
estrutura de redação que apresentasse a condição socioeconômica, o lugar de origem e a
perspectiva futura com o diploma universitário, mais precisamente, foi sugerido um
roteiro de escrita que possibilitasse ao pesquisador rascunhar sobre as estratégias para o
permanecer de forma qualificada na universidade; os objetivos pessoais da obtenção do
diploma e; em alguns casos, as associações individuais e coletivas e, então, a
reivindicação de identidades por parte dos jovens.
No que tange a permanência qualificada, buscou-se a relação entre objeto de estudo e
pesquisa com a comunidade de origem e, a afiliação e inscrição nos grupos de pesquisa
já estabelecidos. Para tanto a inscrição em bolsas de pesquisa e em projetos de ensino
ou extensão, rascunhavam outra possibilidade de análise do reconhecimento atribuído e
do uso social da racionalidade por parte dos jovens.
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Institucionalmente a Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis afirma
que,
Na UFRB, as ações voltadas para os/as estudantes compreendem
um amplo conjunto de Políticas Afirmativas e Estudantis que
asseguram direitos e garantem condições diferenciadas para o
acesso (Programa Universidade Para Todos – UPT; Rodas de
Formação no ensino médio; ENEM; Sistema de Reserva de Vagas –
Cotas Sócio-Raciais); a permanência (Programa de Permanência
Qualificada – PPQ; Conexões de Saberes; PIBIC Ações
Afirmativas; PET Conexões 2010), através das políticas
institucionais de assistência consubstanciadas pelo Plano Nacional
de Assistência Estudantil – PNAES; a pós-permanência em
articulação com o desenvolvimento regional. (PROPAAE, jul./set.,
2010)
Dentre as ações da PROPAAE/UFRB para a assegurar a permanência dos estudantes de
graduação no ensino superior tem-se no PPQ um instrumento institucional de fomento à
participação dos estudantes em projetos de ensino, pesquisa e extensão, que lhes
assegurem um reconhecimento acadêmico para dentro e fora da instituição. Dentre os
objetivos do PPQ tem-se:
1. Garantir a permanência dos estudantes dos cursos de graduação
da UFRB, ao assegurar a formação acadêmica dos integrantes
do Programa, através de seu aprofundamento teórico por meio
da participação em programas de extensão, atividades de
iniciação científica vinculadas aos projetos de pesquisa
existentes nos Centros, atividades de ensino/acadêmicas
relacionadas à sua área de formação e ao desenvolvimento
regional.
2. Implementar na Instituição a adoção de uma política de
permanência associada à excelência acadêmica.
3. Contribuir para reduzir o tempo médio de permanência dos
alunos de graduação.
4. Combater o racismo e as desigualdades sociais.
De fato, ao apresentar tais objetivos, a Instituição reconhece os conflitos sociais e
raciais presentes na Universidade e, propõe políticas específicas para o combate e
superação dos mesmos. Ao tempo em que cria e estabelece condições de permanência
associada ao desenvolvimento acadêmico dos discentes. Este Programa pressupõe uma
relação interdependente entre o processo formativo do estudante e o desenvolvimento
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regional, propõe a afiliação destes estudantes aos grupos estabelecidos, levando em
consideração que os seus problemas de pesquisa, fazem parte de suas trajetórias
pessoais e, os saberes, também são aqueles historicamente incorporados que, em
essência, influenciam no seu olhar sobre o conhecimento cientificamente apresentado na
Instituição.
RAZÕES PARA PROSSEGUIR O ESTUDO
Os primeiros momentos do reconhecimento se dão conforme a natureza do gênero masculino ou feminino –, mas os demais são fruto das relações sociais e dos valores
compartilhados nos grupos onde o sujeito interage. Portanto, reivindicar uma
identidade, representa optar por associações e dissociações com grupos e indivíduos e,
acima de tudo, requer que o indivíduo reúna as condições, materiais e simbólicas, para o
enfrentamento dos conflitos no processo de reconhecimento e auto-reconhecimento no
interior da Universidade, circunscrito aos distintos campos legitimados pela instituição.
Neste sentido, apreender o fazer institucional através das estratégias dos estudantes de
origem popular para permanecer na universidade, assegurando para si uma trajetória
acadêmica qualificada, revela-nos um conflito entre, o modelo hegemônico de ciência
que se isola na forma de uma monocultura de saber e no uso da racionalidade, em
contraposição, ao discurso contra-hegemônico que propõe uma relação dialógica e
comprometida dos sujeitos produtores do conhecimento.
Portanto, tem-se a partir da ecologia dos saberes pensada por Boaventura Santos uma
forma de superação das ausências promovidas pela monocultura do saber e do rigor, que
em associação com a monocultura da naturalização das diferenças e, dentre outras, com
a do produtivismo capitalista, estabelece uma metodologia de análise do uso social da
racionalidade e da sua relação com o epistemicídio dos saberes destes jovens no
empreender dialógico dos saberes e na afiliação aos grupos instituídos. Ou seja, ao se
buscar a valorização dos conhecimentos tradicionais e o estabelecimento de categorias
multireferenciais de observação e análise dos fenômenos na construção de uma relação
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dialógica e de um modelo contra-hegemônico à ciência hegemônica estabelecida na
Instituição, ter-se-á uma análise sobre o uso da racionalidade e a produção do
conhecimento sob a lente multifocal dos estudantes de origem popular.
Finalmente tem-se que, a afiliação circunscrita pelo institucionalmente estabelecido
deveria se dar de forma eqüitativa e os partícipes, discentes bolsistas (PROPAAE;
PIBIC/AF; PIBIC/FAPESB/CNPQ; PROEXT; CONEXÕES DE SABERES; PET, etc.)
deveriam desempenhar os mesmos papéis nos projetos inscritos. Contudo, o que ecoa
das falas dos discentes do PPQ/UFRB é um tratar que os iguala nas obrigações
acadêmicas vinculadas meritocraticamente ao desempenho nas disciplinas, mas os
desiguala nas atividades desenvolvidas, em virtude de um suposto baixo capital cultural
que lhes é atribuído para o não desempenho da iniciação científica. Portanto, entre o
discurso institucional e a prática instituída persiste a ausência de reconhecimento dos
saberes destes jovens de origem popular como forma de hierarquização e de prevalência
de uma monocultura de saber e de uma prática instituída de naturalização das diferenças
que aniquila as identidades e silencia as vozes.
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Extraído
de http://jaquelinecontraoepistemicidio.blogspot.com/2010/06/producaointelectual-das-mulheres_09.html , em junho de 2010.
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José Raimundo J Santos - XI Congresso Luso Afro Brasileiro de