Seminário URBFAVELAS 2014
São Bernardo do Campo - SP - Brasil
URBANIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS E INTEGRAÇÃO DE INVESTIMENTOS
MUNICIPAIS COM O PAC E O PMCMV – O CASO DE SÃO BERNARDO
Nilza Aparecida de Oliveira (Sec. Orçam. e Planej. Particip. SBC) - [email protected]
Secretária de Orçamento e Planejamento Participativo de São Bernardo do Campo. Pedagoga, MsC
Tássia de Menezes Regino (Secretaria de Habitação de São Bernardo ) - [email protected]
Secretária de Habitação de São Bernardo do Campo. Assistente social
URBANIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS E INTEGRAÇÃO DE
INVESTIMENTOS MUNICIPAIS COM O PAC E O PMCMV – O CASO DE SÃO
BERNARDO
Nilza Aparecida de Oliveira1 Tássia de Menezes Regino2
RESUMO
A viabilização de soluções de moradia adequada para os assentamentos precários é
componente fundamental do enfrentamento dos problemas habitacionais das
cidades brasileiras e exige a ação integrada de todos os entes da federação.
Desde 2009 a Prefeitura de São Bernardo do Campo estabeleceu a habitação como
prioridade e se organizou institucionalmente para desenvolver uma política
abrangente que prioriza a intervenção nos assentamentos precários.
A experiência de São Bernardo mostra um contexto institucional nacional favorável a
este enfrentamento, dado pela combinação de uma política aderente à problemática
predominante no país - especialmente quanto às cidades metropolitanas - com
volumes de investimentos inéditos, tanto na urbanização, quanto na produção
habitacional. Entretanto, mostra também que há limitações que precisam ser
enfrentadas na atual modelagem de combinação de recursos para urbanização de
assentamentos precários, por meio do PAC e para a produção habitacional
associada, por meio do PMCMV. Fazer estes aprimoramentos e manter os
investimentos em urbanização é fundamental para que se possa manter a dimensão
inovadora que a política nacional de habitação passou a ter no momento em que
finalmente passou a tratar a forma de moradia de grandes parcelas da população
brasileira como elemento de política de Estado.
Palavras-chave: Política Habitacional, Urbanização de Assentamentos Precários,
PAC - Favelas, Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV
ABSTRACT
The feasibility of adequate housing solutions for slums is critical component of
addressing the housing problems of Brazilian cities and requires integrated action of
all the federal entities.
Since 2009, with the Participatory PPA, Sao Bernardo do Campo established
housing as a priority and institutionally organized to develop a comprehensive policy
that prioritizes intervention in slums. The experience of Sao Bernardo shows a
national institutional framework conducive to this confrontation, given by the
combination of an adherent to the prevailing political problems in the country especially in metropolitan cities - with unprecedented volumes of investment, both in
urbanization, as in housing production. However, it also shows that there are
limitations that need to be addressed in the current modeling combining resources for
slum urbanization through PAC and the associated housing production through the
PMCMV. Make these improvements and maintain investments in development is
critical to maintain innovative dimension that national housing policy acquired when
finally came to discuss the form of housing for large portions of the population as an
element of state policy.
Key Words: Housing Policy, Slums Urbanisation, PAC - Slums, Minha Casa Minha
Vida Program - PMCMV
1
Secretária de Orçamento e Planejamento Participativo de São Bernardo do Campo. Pedagoga, MsC.
2
Secretária de Habitação de São Bernardo do Campo. Assistente social.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo busca discutir possibilidades e desafios do enfrentamento do problema
dos assentamentos precários a partir da integração da política nacional de habitação
com as políticas municipais. Em especial, trata dos desafios dados pelo contexto
institucional atual que combina uma política aderente à problemática predominante
no país em relação ao tema, com volumes de investimentos inéditos, tanto na
urbanização, quanto na produção habitacional, mas que tem limitações na
modelagem adotada para a produção de novas unidades associadas a este
processo de urbanização.
Para compreender as especificidades do contexto atual, é importante recuperar
como o tema urbanização de assentamentos precários foi tratado no âmbito dos
governos nacionais. No início do século XX, e antes da institucionalização do BNH,
os governos passaram do “desconhecimento” da favela (neste artigo denominada
como assentamento precário) às políticas pautadas no controle e repressão ou
clientelismo. Os programas oficiais de governo não atenderam os moradores de
favela e a erradicação delas foi a solução apontada (DENALDI, 2004). A partir da
década de 70, quando o Estado intervém, admitindo a urbanização das favelas, ele
faz com “programas alternativos” de pequena abrangência e desligados do eixo
estrutural da política habitacional e das estruturas institucionais.
No período do BNH, quando se estrutura o SFH para uma política habitacional
nacional, a favela é tratada como déficit de construção de novas moradias, mas o
SFH não permitia a produção habitacional subsidiada e a população favelada não
conseguia moradia do sistema (DENALDI, 2004).
No Governo Itamar Franco, inicia-se uma inflexão nesta lógica de abordagem com a
criação do Programa Habitar Brasil, que destina recursos do OGU ao
desenvolvimento de ações de urbanização, porém em escala muito pequena. Esta
inflexão tem continuidade no Governo Fernando Henrique Cardoso, quando o
Programa Habitar Brasil é mantido com recursos do OGU, e novos programas são
desenvolvidos, o programa Habitar Brasil – BID e PROMORADIA, com recursos do
FGTS. Entretanto, o volume de recursos investidos nesses programas foi pequeno e
o impacto pontual.
A partir de 2003, esta lógica começa a ser alterada de forma integrada à nova
institucionalização do Planejamento Urbano no Brasil. Destaca-se neste contexto a
criação do Ministério das Cidades, ao qual foram incorporadas as áreas de
Transporte e Mobilidade Urbana, Saneamento Ambiental e Programas Urbanos,
buscando pensar de forma integrada políticas que historicamente estavam
desarticuladas (FERREIRA, 2003).
Na área de habitação, a nova institucionalidade se expressa na formulação da
Política Nacional de Habitação, do Plano Nacional de Habitação – PlanHab, na
criação do Sistema na Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS e no
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS.
Junto com esta nova institucionalidade, o fortalecimento da questão habitacional se
dá com o expressivo crescimento dos investimentos em habitação no país,
revertendo a estagnação presente no setor desde a extinção do Banco Nacional de
Habitação - BNH, em 1986.
Com a elaboração do Plano Nacional de Habitação, tem-se a retomada do
planejamento habitacional, por meio de uma estratégia de longo prazo até 2023,
buscando universalizar o acesso à moradia, em especial para a população de baixa
renda que vive em assentamentos precários.
Porém, foi a partir de 2007, com a criação do Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC, uma medida anticíclica à crise econômica, que o volume de
investimentos públicos para urbanização de assentamentos precários ganhou escala
muito significativa (MAGALHÃES, 2013).
Em 2009, após a finalização do PlanHab, foi lançado o Programa Minha Casa Minha
Vida - PMCMV. Focado na produção habitacional, tem uma meta ousada e traz
possibilidades reais de enfrentamento do déficit quantitativo de forma inédita. Do
ponto de vista da gestão, tem como diferencial específico na área de HIS a
promoção pelos entes privados (CARDOSO, 2013). Após o lançamento do PMCMV,
os projetos de urbanização de favelas adotaram este Programa como instrumento
de execução da produção habitacional associada aos processos de urbanização, e
este é o foco deste artigo.
Este tema é tratado a partir da experiência de organização institucional do município
de São Bernardo do Campo para desenvolvimento de política habitacional que
prioriza a intervenção em assentamentos precários. Aprofunda-se em caso
específico cuja contratação se deu integrando o PAC e o PMCMV, no caso, o
Projeto de Urbanização Integrada do Complexo de Assentamentos Precários Silvina/
Audi, objeto de contrato com o PAC – Fase 2 e da sua área de reassentamento, o
empreendimento Residencial Ponto Alto, em contratação com o PMCMV.
O caso de São Bernardo demonstra que em termos de Política, programas e
volumes de investimento, tem-se um momento com enormes possibilidades de
fortalecimento da ação integrada da política nacional de habitação com as políticas
municipais para o enfrentamento do problema dos assentamentos precários em
larga escala. Mas, também, que há limitações específicas a serem superadas
quanto à modelagem atual de participação do município no PMCMV, especialmente
para a integração da intervenção de urbanização por meio do PAC e a produção
habitacional por meio do PMCMV. A intervenção nos assentamentos precários e em
áreas mais complexas exige intervenções de interesse público que muitas vezes não
possíveis serem equacionadas no tempo e na forma adequado com a modelagem
atual do PMCMV, especialmente quando a lógica da ação de maior interesse público
não é compatível com os parâmetros de ação do setor privado.
2 SÃO BERNARDO DO CAMPO: DIMENSÃO DO PROBLEMA HABITACIONAL E
ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO
O município de São Bernardo do Campo está localizado a sudeste da Região
Metropolitana de São Paulo, conhecida como ABC Paulista, privilegiadamente
situado entre o Porto de Santos e a capital do Estado. A região do ABC, composta
por sete municípios - Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,
Diadema, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Mauá - tinha em 2010
aproximadamente 2,5 milhões de habitantes (OLIVEIRA, 2014).
2.1 Características Gerais da Cidade
São Bernardo do Campo, com população de 765.463 habitantes, é o maior
município da Região do ABC, estendendo-se por 408,4 Km², dos quais 70%
inseridos em área de Proteção Ambiental (apenas 30% em zona urbana). A
expansão urbana de São Bernardo do Campo reflete as características de outras
cidades brasileiras, cuja urbanização está diretamente ligada ao processo de
industrialização. O Município foi fortemente marcado pela industrialização pesada a
partir de meados da década de 1950, do que decorreu a implantação dos eixos
rodoviários, com destaque para a Via Anchieta. O crescimento, marcado por forte
segregação e fragmentação do espaço urbano, potencializou o processo de
construção de grandes periferias e gerou uma cidade de grandes contrastes. De um
lado, uma imagem de dinamismo e poder econômico, “a montadora Volkswagen”; do
outro, a imagem da absoluta pobreza (OLIVEIRA, 2014).
Atualmente, o município goza de posição privilegiada do ponto de vista econômico,
estando entre os de maior arrecadação do País. Segundo dados da Secretaria do
Tesouro Nacional (STN, 2012), é o décimo maior orçamento do País na ótica da
Receita Orçamentária, e na ótica dos investimentos, o Município aparece em quarto
lugar (OLIVEIRA, 2014). Apesar de ter capacidade de investimento para enfrentar
esse expressivo déficit, o histórico de investimentos realizados em períodos
anteriores a 2009 apontam a falta de prioridade dada à política habitacional. Os
investimentos aportados na função habitação disponibilizados pelo Ministério da
Fazenda demonstram que o município ficou abaixo da média nacional entre 1998 e
2009 (STN/FINBRA, 2011). Apesar dessa condição de investimento e da dimensão
do problema, quando o Prefeito Luiz Marinho assumiu em 2009, encontrou o
município despreparado institucionalmente para desenvolver ações voltadas à
redução da pobreza e o déficit habitacional. O município não dispunha de política
específica para habitação, ou mesmo de plano habitacional para as demandas mais
urgentes. Não existiam dados atualizados e sistematizados sobre a questão nem
ações consistentes para enfrentar os problemas evidentes.
A partir de 2009, foi definida uma estratégia de intervenção na área habitacional,
inserida no planejamento global de governo. Esta estratégia assentou-se em três
elementos essenciais: criação da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB);
realização de um diagnóstico situacional para conhecimento das necessidades
habitacionais do município; e a estruturação do planejamento habitacional inserido
na lógica de planejamento local de governo, nas diretrizes da política nacional de
habitação, mas também nas características das necessidades habitacionais
mapeadas e numa leitura de suas prioridades.
A política habitacional foi definida como prioridade de governo, as diretrizes e metas
estabelecidas no PPA Participativo e os recursos assegurados para a função
habitação somaram R$ 1,2 bilhão, o que corresponde a 8,3% de investimento na
área de habitação. Este volume de investimento assegurado nos PPAs considera
recursos próprios em montante muito superior às médias nacionais, mas também
considera a captação continuada de recursos federais, para assegurar o
atendimento compatível com a dimensão do problema.
O conjunto de intervenções em andamento no município atualmente é resultado de
uma ação estruturada, mas também deste volume de investimentos, que é inédito na
história da cidade, conforme a Tabela 1.
Tabela 1 – Participação da Habitação no orçamento de gestões municipais em São
Bernardo do Campo (1998-2014).
PPA
1998-2001
2002-2005
2006-2009
2010-2013 (Recursos previstos no PPA)
2010-2013 (Recursos captados e em captação no PPA)(1)
2014-2017 (Recursos previstos no PPA)
%
0,6%
0,5%
0,03%
6,7%
8,3%
6,0%
% em R$
64,4 Mi
53,7 Mi
3,2 Mi
718 Mi
1,014 bi (2)
991,1 Mi
Valor Global do PPA 2010 – 2013: R$ 10,7 bi
(1) Quase 10 vezes mais que a média de investimento de municípios na Habitação, que é 0,7%
(2) % referente aos recursos viabilizados em 2010 e a executar em 2011-2013. Nesta porcentagem desconsiderou-se os
investimentos que não passam pelo orçamento municipal; os recursos em captação elevariam o total de 8,3% para 8,9%
2.2 Dimensão do Problema Habitacional - Déficit e precariedade
Em São Bernardo, o problema habitacional é agravado pelas características
ambientais do território: mais da metade do município é caracterizada como Área de
Proteção Ambiental (APA), em função da Reserva Florestal do Parque Estadual da
Serra do Mar e da Área de Proteção aos Mananciais da Bacia Hidrográfica do
Reservatório Billings - APRM -B conforme Legislação Estadual.
Para conhecimento da situação habitacional, dois estudos realizados entre 2009 e
2010 foram fundamentais: o Mapeamento de Assentamentos Precários e/ou
Irregulares (SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2010a) e o Plano Municipal de Redução
de Riscos – PMRR (SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2010b).
Por meio do Mapeamento identificou-se que em 2010 o município tinha 261
assentamentos precários e/ou irregulares, que abrangem um terço dos domicílios do
município. Entre os assentamentos mapeados, 155 estão implantados na APRM –B
e destes, 55% são loteamentos irregulares, enquanto 45% são favelas. Entre os 110
núcleos fora de APRM, 79% se caracterizam como favela e 21% como loteamentos
irregulares – o que denota predominância de loteamentos irregulares nas áreas de
proteção ambiental.
O PMRR, por sua vez, mapeou áreas em 95 assentamentos precários com indícios
de risco e em 63 delas identificou e propôs alternativas de intervenção para setores
de risco identificados de escorregamento, solapamento de margens de córrego,
inundação e alagamento, que somados resultavam à época em 203 setores, com
2.910 edificações.
A análise dos dados obtidos no Mapeamento e no PMRR demonstrou a existência
de características similares entre assentamentos quando se considerava
combinadamente a infraestrutura implantada, padrão de edificações e nível de
consolidação do parcelamento. Assim, a Prefeitura definiu tipologias de problemas
urbano-habitacionais para classificar os assentamentos mapeados e organizar as
intervenções exigidas em cada tipologia de problema. Este trabalho permitiu fazer o
cálculo do déficit acumulado nos assentamentos precários (Tabela 2).
Tabela 2 - Déficit acumulado nos assentamentos precários segundo as tipologias de
problemas urbano-habitacionais.
Tipologia de
problema
Tipologia 1
Tipologia 2
Tipologia 3
Tipologia 4
Total de UHs
Tipos de soluções
mapeadas
12.675
100% regularização fundiária
100% regularização fundiária + urbanização
21.977
pontual
93% ou 95% - regularização fundiária +
urbanização pontual
9.834
7 % ou 5% - reassentamento/ relocação
(dentro ou fora da APRM)
60% urbanização complexa
33.119
40% reassentamento/relocação
2.028
100% reassentamento/relocação
Tipologia 5
Tipologia 6
3.429
Conjuntos
C/projeto
SEHAB PAC 1
7.187
– Em 2009
Alojamentos
188
TOTAL
90.437
Fonte: PMSBC/SEHAB, 2011.
100% regularização fundiária
34% urbanização complexa + regularização
fundiária
66% reassentamento/relocação
100% reassentamento/relocação
Déficit
Déficit
qualitativo quantitativo
12.675
21.977
-
9.243
591
19.871
13.248
-
2.028
3.429
-
2.429
4.758
69.624
188
20.813
O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) completou os estudos para
apurar o Déficit Priorizado para a política habitacional de HIS no município. Este
estudo apontou um Déficit Habitacional Acumulado Priorizado que resulta em ações
abrangendo 107.641 unidades habitacionais. Ele é composto por um déficit
quantitativo de 38.017 novas unidades habitacionais a construir para famílias de
baixa renda (26.377 vinculado a assentamentos precários e 11.640 na Cidade
Regular) e um déficit qualitativo de 69.624 unidades, exclusivamente vinculado aos
assentamentos precários e/ou irregulares, que demandam ações de urbanização
e/ou regularização fundiária.
2.3 Estratégia de Intervenção, Prioridade para a Urbanização de Favelas –
Ações e Investimentos
Os estudos mencionados anteriormente consolidaram o entendimento de que uma
intervenção ampla e diversificada nos assentamentos precários e irregulares é
estratégica para a consolidação de uma política habitacional capaz de enfrentar as
características da problemática habitacional do município.
Para tanto, estruturou-se no PPA e no PLHIS duas linhas programáticas e quatro
programas em consonância com a Política Nacional e o PLANHAB: LPA 1 Integração Urbana de Assentamentos Precários e Informais, com três Programas de
intervenção: Urbanização Integrada e Regularização de Assentamentos Precários,
Regularização Fundiária de Assentamentos Consolidados e Redução de Risco e
Ações Emergenciais; e a LPA 2 - Produção da Habitação, com o programa
correspondente.
Considerando as características do conjunto das áreas e suas tipologias de
intervenção a estratégia de implementação destes programas priorizou a
combinação de ações de urbanização, com a produção habitacional a ela associada
para os assentamentos precários, tendo o risco à vida como critério de maior peso
na hierarquização; a regularização fundiária como ação prioritária para os
assentamentos consolidados; e as ações emergenciais voltadas ao risco para os
assentamentos em que esta medida foi recomendada pelo PMRR.
Com esta estratégia, somados os 4 programas, desde 2009 até o momento, a
intervenção nos assentamentos precários do município abrange 162 assentamentos
com intervenções com diferentes objetos e estágios.
Em parceria com o Governo Federal, nos Programas de Urbanização Integrada e
Produção Habitacional, tema deste artigo, são hoje 22 contratos e/ou seleções no
âmbito do PAC e PMCMV, que abrangem 49 áreas com obras asseguradas, em
estágios diversos de implementação, que beneficiam 23.233 famílias, uma escala de
intervenção inédita para o município.
A parceria com o Governo Federal nestes projetos resulta em investimentos da
ordem de R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 721.022.874,04 do Governo Federal, por meio do
PAC; R$ 355.242.592,16 também do Governo Federal, por meio do PMCMV; e R$
438.699.096,99 de contrapartida, sendo R$ 304.786.211,81 aportado pelo município
e R$ 133.912.885,18 pelo Estado.
A articulação dos investimentos do PAC/ Urbanização de Assentamentos Precários
com o Programa Minha Casa, Minha Vida, implementada pelo Governo Federal a
partir de 2010, é o objeto das reflexões que se busca fazer por meio do estudo de
caso tratado nos próximos tópicos.
O estudo em questão refere-se ao Projeto de Urbanização Integrada do Complexo
de Assentamentos Precários do Silvina- Audi, com obras em andamento pelo PAC e
de sua área de reassentamento, o Residencial Ponto Alto, com obras em
contratação pelo PMCMV.
A intervenção nesta área foi priorizada por duas razões centrais: o complexo Silvina/
Audi era em 2010 a área com maior concentração de setores de riscos mapeados
pelo PMRR, que ainda não tinha ações estruturantes em planejamento: e pela sua
integração com ações em desenvolvimento no âmbito da política habitacional na
região. Trata-se de uma obra que beneficia não apenas as famílias que residem nos
assentamentos precários cadastrados, mas a toda região, na medida em que
viabiliza uma grande melhoria da condição urbana do bairro como um todo.
3 O PROJETO DE URBANIZAÇÃO INTEGRADA DOS ASSENTAMENTOS
PRECÁRIOS SILVINA/ AUDI, SUA ÁREA DE REASSENTAMENTO E OS
DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DO PAC COM O PMCMV
O Projeto de Urbanização Integrada do Complexo de Assentamentos Precários do
Silvina- Audi foi desenvolvido com o objetivo geral de assegurar o direito à moradia
adequada e a eliminação de riscos à vida para as famílias residentes nos
assentamentos precários do Jardim Silvina. O projeto foi concebido de forma
articulada com a melhoria da qualidade de vida da região, especialmente em termos
de mobilidade urbana, redução dos riscos e melhoria na qualidade ambiental.
Dadas as características dos assentamentos e da região, após o desenvolvimento
dos projetos, evidenciou-se a necessidade de remoções da ordem de quase 30%
dos domicílios cadastrados e a impossibilidade de relocar todas estas famílias nos
próprios assentamentos.
Assim, para a plena implantação do projeto, foi concebida em terreno lindeiro aos
assentamentos precários, empreendimento habitacional de reassentamento
posteriormente denominado Residencial Ponto Alto (Figura 1).
Figura 1 – Área de Intervenção e Área de Reassentamento
O Projeto de Urbanização Integrada foi objeto da seleção realizada em 2010 pelo
PAC e, dentro da nova regra, teve a intervenção de urbanização contratada com o
PAC 2 (Contrato nº 0352.792-10/2011), parte das unidades a serem construídas no
interior dos assentamentos serão objeto de contrato com o PMCMV e a Área de
Reassentamento, é objeto de contrato com o PMCMV.
Para melhor compreensão do projeto e seu processo de contratação, estão
apresentados as seguir a caracterização das áreas de intervenção, a síntese dos
projetos, o processo de contratação e os desafios da integração do PAC com o
PMCMV para intervenção em assentamentos precários.
3.1 Caracterização das áreas de intervenção
A área de intervenção está localizada a 4,8 km do centro da cidade, paralela à Via
Anchieta e é composta por Assentamentos Precários antigos do Bairro Jardim
Silvina e abrange também parte do Loteamento Jardim Silvina, que apesar de
regular tem inadequações importantes de infraestrutura (Figura 1).
3.1.1 Características Gerais do Complexo de Assentamentos Precários Silvina/
Audi
Implantada em área de morros situada na sub-bacia do Ribeirão dos Meninos,
afluente do Alto Tamanduateí, Bacia do Alto Tietê, a área dos assentamentos é
definida pelas encostas de uma formação montanhosa, que conforma terreno
acidentado, com amplitudes da ordem de 100 m e declividades predominantes
variando entre 15 e 45%, recortado por linhas de drenagem natural encaixadas.
É caracterizada pela presença de riscos diversos, desde escorregamentos e
alagamentos até riscos tecnológicos decorrentes da presença da Adutora de Água
da SABESP e o de oleoduto da PETROBRÁS.
No total, a poligonal de intervenção abrange 348.000m² e 3.265 imóveis
cadastrados, nos quais residem cerca de 6,6 mil habitantes (Tabela 3).
Tabela 3 - Unidades Cadastradas na Poligonal de Intervenção
ÁREA
Silvina Audi
Rua Washington Luís
Gaspar de Souza
Bananal
Loteamento HIS Jardim Silvina
TOTAL
Fonte: SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2010c
Nº DE UNIDADES
CADASTRADAS
1.938
419
120
103
685
3.265
As sub-áreas que compõem o complexo podem ser agrupadas em três grandes
porções, quando às suas características urbano-habitacionais: assentamentos
precários com presença de setores de risco e grande precariedade de infra-estrutura
e de moradias; assentamentos parcialmente urbanizado, resultante de intervenção
pública anterior, com inadequações diversas de infra-estrutura, setores de risco
pontuais e parcela minoritária de moradias não consolidáveis; e o loteamento regular
de HIS Jardim Silvina com inadequações de infra-estrutura
Do ponto de vista fundiário, a maior parte da poligonal configura-se como ocupação
de área privada, sobre a qual não foi movida ação de reintegração de posse,
cabendo demarcação urbanística sobre a mesma; a menor parte é composta por
Áreas públicas municipais. Todas as áreas de intervenção estão gravadas como
Zona Especial de Interesse Social – ZEIS.
A população residente tem perfil sócio-econômico típico dos assentamentos
precários do município, apresentando uma média de 3,6 moradores por domicílio,
com famílias conviventes em apenas 2,7% destes. A maioria dos domicílios é
chefiada por mulheres (51,9%) e em 33,9% das famílias não há segundo
responsável. A renda domiciliar está concentrada na faixa de até 3 salários mínimos
(73,0%) e a população com ocupação remunerada atinge 41,8%. 45,1% dos
entrevistados afirmam morar na área há mais de 10 anos e apenas 14,4% tem até 1
ano de moradia na área.
3.1.2 Características Gerais da Área Selecionada para Reassentamento
Para implantação do Conjunto Habitacional de Reassentamento, foi selecionada
área contígua ao complexo de assentamentos precários, também gravada como
ZEIS no Plano Diretor Municipal. Trata-se de terreno vazio com 177.979,700 m2 de
área total, que faz divisa com o Assentamento Rua Washington Luiz.
Grande parcela da área apresenta declividades acentuadas e é coberta por mata
secundária e reflorestamento de eucaliptos.
Embora com condições topográficas desfavoráveis, a área foi selecionada por
permitir manter as famílias na mesma região em que moram, mantendo-se o uso
dos atuais equipamentos públicos que as atendem e as relações sociais e de
vizinhança já constituídas ao longo dos anos de ocupação. Além disso, a sua
ocupação adequada contribui no esforço de qualificação da região e impede a
expansão de novas ocupações inadequadas.
Originariamente pertencente à empresa BRASERVICE, foi desapropriada pela
Prefeitura para implantação do empreendimento.
3.2 Proposta de Intervenção Desenvolvida
Para cumprir seus objetivos o projeto foi organizado em quatro ações estratégicas
integradas a seguir sintetizadas3.
a) Obras e ações de natureza urbano-habitacionais e ambientais, que são
distintas nos assentamentos precários e na área de reassentamento e
abrangem: Urbanismo e paisagismo do parcelamento; implantação de toda
infraestrutura; e execução das obras habitacionais, assim como, de unidades
comerciais de reposição;
b) Obras e ações de infraestrutura pública para o bairro, voltadas para a
melhoria na mobilidade urbana, redução dos riscos geotécnicos e tecnológicos e
melhoria na qualidade ambiental;
c) Regularização urbanística e fundiária, abrangendo atividades para as áreas
de urbanização, consolidação e regularização fundiária (preconizando a
demarcação urbanística como instrumento de regularização da ocupação nas
áreas particulares) e atividades relacionadas à produção habitacional, segundo
regras do Programa Minha Casa Minha Vida.
d) Trabalho social e participação das comunidades, estruturado em torno de
cinco eixos: Mobilização e Organização Comunitária; Trabalho Social de Apoio
às Obras e Reassentamentos; Educação Sanitária e Ambiental; Ações de Apoio
à Geração de Trabalho e Renda e Articulação Institucional para Inclusão Social;
e Avaliação e Acompanhamento Pós-Ocupação
Dado o foco do artigo, tem-se a seguir a síntese das obras e ações de natureza
urbano habitacional nos assentamentos precários e na área de reassentamento
3
Para maior detalhamento ver São Bernardo do Campo / Secretaria de Habitação (2013)
3.2.1 Obras e ações de natureza urbano-habitacionais nos Assentamentos
Precários
O processo de desenvolvimento do projeto iniciou no final de 2009 e ao final do
processo a condição encontrada, apresentada a seguir na Figura 2, resultava nos
seguintes elementos estruturantes para atender aos objetivos do projeto:
• A consolidação da maioria das unidades habitacionais cadastradas é possível,
por meio de obras de urbanização e melhoria de infra-estrutura, mas para isto
remoções são necessárias;
• A eliminação de condições de riscos à vida para as famílias residentes e
cadastradas exige a remoção de parcela importante de moradias que não são
consolidáveis
• A manutenção da maioria das famílias na região recomenda a remoção de
moradias eventualmente em bom estado, mas situadas em bolsões de
precariedade que geram áreas de produção habitacional; e
• A melhoria das condições de infra-estrutura e mobilidade do bairro é possível,
porem exige alto investimento, dada a interferência de diversas situações de
risco tecnológico.
Figura 2 - Mapa síntese do Diagnóstico dos Assentamentos Precários
Diante de tais condições, nos termos apresentados na Figura 3, a seguir, ao final do
processo de elaboração do projeto e do diálogo com as comunidades, o Projeto de
Urbanização Integrada foi consolidado contemplando uma ampla melhoria da região
e soluções habitacionais diversificadas que abrangem 2.781 famílias atendidas nas
próprias áreas de urbanização, sendo: 2.344 famílias com unidades consolidadas
por urbanização e regularização; e 437 famílias atendidas em novas unidades
construídas nas próprias áreas.
Figura 3 - Urbanismo Proposto para as Áreas de Urbanização
O atendimento ao total de cadastrados se completa com o reassentamento externo
das famílias remanescentes no Residencial Ponto Alto, tratado a seguir.
3.2.2 Obras e ações de natureza urbano-habitacionais na Área de
Reassentamento/ MCMV Ponto Alto
O Conjunto Habitacional de reassentamento abrange a construção de 560 unidades
habitacionais. São dois condomínios com 24 blocos de edifícios de apartamento
(Figura 4), alguns com entrada intermediária sem uso de elevador, sendo: 13 blocos
com cinco pavimentos (térreo + 4), 5 blocos com seis pavimentos (térreo + 5), 3
blocos com sete pavimentos (térreo + 6), 3 blocos com oito pavimentos (térreo + 7).
Todos os apartamentos têm dois dormitórios, sala com dois ambientes (estar e
jantar), cozinha e lavanderia, totalizando uma área privativa média de 47,27 m2.
Figura 4 - Urbanismo Proposto para a Área de Reassentamento
Por meio do Programa Minha Casa Minha Vida, além da construção das unidades
habitacionais serão executadas as obras relativas à infraestrutura interna ao
parcelamento, com sistema viário, drenagem, redes de água, esgoto, bem como,
implantação de paisagismo e áreas verdes e de lazer.
No parcelamento, tem-se duas áreas destinadas a equipamentos públicos, que
serão implantados pelas políticas específicas, de Educação e de Saúde.
3.3 O processo de contratação dos projetos e o investimento combinado entre
PAC e PMCMV
Na composição do investimento a plena implantação do projeto ficou dividida em
três contratos: sendo um contrato com o PAC e dois contratos com o PMCMV.
3.3.1 Metas Físicas e Financeiras do investimento combinado entre PAC e
PMCMV
Com a soma de soluções geradas nas áreas de urbanização e reassentamento,
tem-se uma meta de atendimento de 3.341famílias, conforme Tabela 4.
Tabela 4 – Metas Físicas do Projeto Integrado por Soluções habitacionais
ÁREA
Silvina Audi
SOLUÇÃO HABITACIONAL
Novas Unidades Para Relocação na Área de
Nº de
Total de
Urbanização
Unidades UHs a a
UHs a
Famílias
Lotes
Cadastra- Remover consoli- Conjuntos Conjuntos
Lote
Uso Atendidas
das
dar
Incluídos Incluídos no Unifamiliar /
Misto /
no MCMV
PAC
PAC
PAC
1.938 *
554 *
1.384
27
192
39
4
1.646
419
347
72
167
0
0
0
239
Gaspar de Souza
120
14
106
0
0
5
1
112
Bananal
103
6
97
0
0
2
0
99
Loteamento
HIS
Jardim Silvina
685
0
685
0
0
0
0
685
Sub-total Área de
urbanização
3.265*
921 *
2.344
194
192
46
5
Rua
Luís
Washington
MCMV – Area de
Reassentamento
2.781
437
560
560
TOTAL
3.265*
921 **
2.344
997 **
3.341
*172 Famílias já foram removidas por risco muito alto e estão atendidas por auxílio aluguel
** A reserva técnica de 76 Unidades é destinada a: erros de cadastro constatado, novas remoções
que se façam necessárias e atendimento de famílias em situação de co-habitação excessiva e
involuntária, para as quais um apartamento não é solução adequada.
Conforme Tabela 5 abaixo, com a soma dos investimentos, tem-se uma meta
financeira de aporte de R$ 180,2 milhões, divididos nos três contratos citados: um
Contrato com o PAC, que abrange as obras de urbanização e requalificação de
bairro, parte de produção habitacional (51 Unidades em lotes dispersos e 192
unidades implantadas em edifícios cujo andar térreo tem unidades comerciais para
reposição, o que é contrário às normas do PMCMV) e as ações de trabalho social e
regularização para toda a população beneficiária; um contrato com o PMCMV para
construção de parte das unidades no interior dos assentamentos (3 condomínios
que somam 194 unidades, em contrato a ser firmado quando da liberação das áreas
a partir das obras do PAC); e o contrato com o PMCMV para construção das 560
unidades na área de reassentamento externo.
Tabela 5 – Metas Financeiras do Projeto Integrado por Contrato
Contrato
PAC
MCMV/
Assentamentos
Precários
MCMV/
Área
de
Reassentamento
TOTAL
Valor total
(R$)
Governo federal
(R$)
Governo
Estadual/ Casa
Paulista (R$)
Município
(R$)
104.526.596,99
63.895.000,00
40.631.596,99
16.396.793,41
12.028.000,00
4.368.793,41
59.359.904,80
42.560.000,00
16.799.904,80
180.283.295,20
118.483.000,00
16.799.904,80
(1)
45.000.390,40
Cabe destacar que no contrato do PAC a parcela relativa à execução da obra é de
R$ 95.039.434,31 (o restante abrange Terreno, Projetos, Gerenciamento,
Regularização Fundiária e Trabalho Social) e que no Contrato com o PMCMV da
Área de Reassentamento, o valor aportado pela Prefeitura relativo à desapropriação
da área, não é incidente no contrato.
3.3.2 O processo de contratação e as dificuldades do investimento combinado
entre PAC e PMCMV nos assentamentos precários
A elaboração do Projeto de Urbanização Integrada do Complexo de Assentamentos
Precários teve início em 2010 com investimento de recursos próprios da Prefeitura,
com a expectativa de captação de recursos para sua realização por meio do PAC.
Neste sentido, ele foi apresentado e selecionado no processo de seleção realizado
em 2010. Dentro da nova regra, a seleção definiu que a produção habitacional é
objeto de contrato com o PMCMV.
O Contrato de Repasse do PAC foi assinado em dezembro de 2010, tendo cláusulas
resolutivas, entre as quais a viabilização definitiva da Área de Reassentamento. A
plena implantação do empreendimento implica em firmar mais dois contratos no
âmbito do PMCMV.
A Prefeitura dedicou parte do ano de 2011 a buscar empresas interessadas em
produzir as unidades habitacionais na área proposta para reassentamento, por ser
urbana e socialmente adequada. Na falta de empresas interessadas, especialmente
pelo argumento que não “fechava a conta”, em Junho de 2011 foi publicado o DUP e
em janeiro de 2012 a Prefeitura efetivou a desapropriação do terreno, de modo a
doá-lo ao FAR e contribuir com a viabilização financeira do empreendimento.
Com esta medida e o atendimento de outras pendências, foi emitido o SPA –
Síntese de Projeto Aprovado do Contrato do PAC/ Urbanização.
Em paralelo, a Prefeitura contratou os estudos necessários à definição das diretrizes
de disponibilização da área para o FAR cujo resultado apontou a possibilidade de
implantação de 800 unidades. Com esta diretriz, em junho de 2012 fez a Seleção
Pública de empresas para a execução do PMCMV no terreno de sua propriedade a
ser doado ao FAR.
Apesar da ampla divulgação, e mesmo com o convenio firmado entre o Governo
Federal e o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Agencia Casa Paulista,
para aporte complementar de recursos aos empreendimentos do PMCMV, apenas
uma empresa apresentou Manifestação de Interesse.
Passado o prazo dado para detalhamento de projeto, a empresa apresentou
proposta com 880 unidades habitacionais em edifícios com elevadores e com
edifícios garagens, que além de socialmente polêmica para famílias de baixa renda
tinha seus custos de implantação superiores aos limites do programa.
A partir daí teve-se quase um ano de apresentações e análise de propostas sem
viabilidade de implantação dentro dos limites do Programa e sem que a Prefeitura
tivesse meios legais de contratar de outra forma. As questões apresentadas pela
empresa – pertinentes - diziam sempre respeito aos custos de implantação do
empreendimento no terreno em questão, bem como, aos eventuais imprevistos que
poderiam surgir no curso das obras e que são de inteira responsabilidade do
empreendedor no PMCMV.
Durante este período o Contrato relativo à Urbanização de Assentamentos Precários
ficou em suspenso, seja pela regra do Programa (pertinente) que exige
simultaneidade na execução das duas intervenções, seja porque na estratégia
concebida para a intervenção, era mais adequado que a obra iniciasse pela Área de
Reassentamento, para reduzir as remoções provisórias e os custos sociais e
financeiros para a implantação.
Somente em maio de 2013 chegou-se à proposta considerada viável para a Área de
Reassentamento. Nesta proposta, para não haver novos atrasos nos licenciamentos,
a área foi desmembrada em duas e o empreendimento foi reduzido para as áreas
com melhores condições de implantação, chegando a 560 Unidades (compatível
com a demanda do Projeto de Urbanização).
A partir daí mais um ano foi necessário para a conclusão da elaboração dos
projetos, aprovação dos mesmos nos órgãos municipais e estaduais competentes;
aprovação na CAIXA e negociação com a Agencia Casa Paulista, já que o valor por
unidade é maior que o limite e o aporte complementar necessário era superior à
média estabelecida. Este aporte foi aprovado num Convenio maior, onde o valor
médio por unidade aportado pelo Estado continua sendo o mesmo. Neste
empreendimento ele será maior e em outros dois empreendimentos do município,
para compensar, ele será menor que a média.
Em paralelo, tendo segurança da viabilidade da área de reassentamento, em junho
de 2013 a Prefeitura publicou a licitação das obras de urbanização e, com
solicitação de excepcionalização para iniciar as obras de urbanização antes do
PMCMV, em outubro de 2013, emitiu a Ordem de Início dos Serviços para a área de
urbanização.
Em Junho de 2014, dois anos e meio após a efetivação da desapropriação da área
pelo município, a operação para a Área de Reassentamento ficou em condições de
ser contratada com o PMCMV.
A operação com o PMCMV para os condomínios a serem implantados nos
Assentamentos Precários, por sua vez, ainda tem muitos passos pela frente. Como
o FAR não aceita terrenos objeto de demarcação urbanística, a Prefeitura está
desenvolvendo o processo de exclusão destas áreas da demarcação urbanística
para efetivar a desapropriação. Após a desapropriação e a liberação das áreas
(atualmente ocupadas) no âmbito das obras do PAC Urbanização, que também
implanta a infra-estrutura externa, será realizada a seleção pública para execução
dos empreendimentos.
3.3.3 Os desafios e adequações necessárias para a utilização do PMCMV
articulado com o PAC, apontadas pela experiência de São Bernardo
O MCMV traz uma grande inovação e um elemento positivo para a produção
habitacional de interesse social, que é a experiência e a capacidade de trabalho do
setor privado para se somar em um segmento de produção que estava quase
restrito ao setor público ou as iniciativas de movimentos sociais. Isto é muito
positivo, já que a capacidade instalada no setor público é insuficiente para fazer
frente à dimensão do déficit brasileiro.
Entretanto, o outro lado disto está dado pela característica deste agente: o mercado
se interessa pelos negócios que atendem aos parâmetros de ganhos e riscos com
os quais o mercado trabalha. Logo, a existência única e quase exclusiva desta via
para a produção habitacional de interesse social é um elemento dificultador para a
viabilização da produção habitacional em situações mais complexas, especialmente
aquelas associadas às soluções integradas de assentamentos precários, onde o
interesse público não necessariamente é compatível com os parâmetros de
empreendimento pelo mercado.
Este dificultador existe tanto nos empreendimentos associados aos assentamentos
precários, quanto naqueles que devem se dar dentro dos próprios assentamentos.
As dificuldades que vem se dando na experiência de São Bernardo podem indicam
elementos a serem abordados nestas adequações que se fazem necessárias.
a) Dificuldades Específicas da produção habitacional pelo MCMV no interior da
favela
Quatro aspectos se destacam quanto à incompatibilidade entre o formato exclusivo
do PMCMV e a produção habitacional no interior da favela, no caso de São
Bernardo:
• O primeiro diz respeitos às condições fundiárias do assentamento precário (área
particular irregularmente ocupada que cumpre todos os requisitos de
demarcação urbanística, ação na qual não são demandados recursos do poder
público para desapropriação) que resulta em grandes dificuldades para se atingir
o estágio de disponibilização de área exigidos pelo MCMV. O melhor caminho
aqui está dado na produção pelo PAC: adota-se a estratégia de regularização
por meio da demarcação urbanística, desenvolve-se a produção para atender
aos beneficiários da demarcação e faz-se a transferência das unidades pelos
instrumentos previstos na demarcação;
• O segundo refere-se à execução por duas empresas diferentes de uma obra
completamente dependente de outra (é o PAC quem executa as obras das quais
o MCMV depende para começar a trabalhar: remove as moradias que ocupam
os futuros trechos de produção, retira o entulho, provê a infra-estrutura externa,
não incidente). O melhor caminho é a produção pelo mesmo responsável pela
obras de infra-estrutura, ainda que a fonte de recursos possa ser o PMCMV;
• O terceiro diz respeito aos limites financeiros do MCMV frente às características
exigidas de projetos em áreas ocupadas (neste caso, a tipologia habitacional
possível de ser implantada resulta em mais área construída do que a média que
“fecha a conta” no MCMV, por conta de circulação etc); e,
• Por fim, um problema ainda não testado neste caso, pode ser dar pelo baixo
interesse das empresas em trabalhar em áreas como esta em função da
dependência de obras de terceiros, da característica de imprevisibilidade de
obras realizadas em terrenos ocupados, incompatível com a condição de gestão
financeira dos contratos do MCMV.
b) Dificuldades Específicas da produção habitacional de reassentamento
externo associada à urbanização pelo PMCMV
Não há contradição em princípio de se usar o PMCMV para a produção habitacional
de reassentamento externo. A questão é ter-se apenas este caminho para os casos
de projetos que são interdependentes. No caso de São Bernardo a impossibilidade
da produção pública resultou:
• Incompatibilidade das premissas de análise do empreendimento entre a visão do
setor público e o do setor privado;
• Interesse público de produção habitacional em área complexa que, apesar de
ser socialmente mais adequada, não se enquadra no formato convencional do
PMCMV;
• Retardamento do início da obra de urbanização, em função da demora prazo do
processo de contratação do PMCMV muito mais demorada do que o previsto e
do que se teria numa contratação convencional, dada a necessidade de se
chegar a uma equação financeira do empreendimento viável para todos nas
regras do Programa.
5- CONCLUSÕES
O primeiro elemento importante a destacar a título de conclusão se refere à
importante ruptura que o momento atual da política nacional de habitação representa
frente a um histórico de ausência do tema ou de tratamento em escala incompatível
com a dimensão do problema nos períodos anteriores.
A política municipal de São Bernardo mostra que o PLANHAB formulado pelo
Governo Lula é coerente com a diversidade dos problemas habitacionais
encontrados nas cidades metropolitanas brasileiras, especialmente se incluídos dois
programas que estão inseridos não Planhab, mas nas ações da SNPU, o Programa
de Regularização Fundiária e o de Redução de Riscos.
Mas para isto, é fundamental que o município faça sua parte em termos de se
estruturar, fazer o planejamento de curto, médio e longo prazo (nos termos do que
propõe o conceito do PLHIS), definir investimentos próprios e estratégia de
contratação de recursos externos para fazer frente aos problemas.
Analisando os contratos firmados pelo município de São Bernardo com o PAC fica
evidente que o volume atual de investimento na política habitacional nacional é
muito importante para que se tenham condições de fazer frente ao volume do déficit
habitacional. Como se viu no caso de São Bernardo, apesar de investimentos locais
muito superiores às médias nacionais e da integração destes investimentos com o
Governo Federal, o percentual de assentamentos precários ainda sem intervenção é
muito significativo.
De outro lado, também é um elemento positivo o atual volume de investimentos para
a produção habitacional por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, programa
eleito como prioritário no Governo atual. Mesmo a alteração trazida com a inclusão
do mercado na produção habitacional de baixa renda é positiva, na medida em que
as estruturas públicas atuais tem dificuldades objetivas de responder na escala do
problema.
A questão analisada aqui, entretanto, trata de um aspecto específico do Programa,
que é a modelagem atual de intervenção nos assentamentos precários, que combina
a intervenção de urbanização por meio do PAC e a produção habitacional por meio
do Programa Minha Casa, Minha Vida. Esta modelagem tem contradições que
precisam ser enfrentadas e adequadas à realidade destas áreas.
O elemento mais problemático diz respeito à redução drástica do papel e das
possibilidades de ação do setor público no PMCMV (que deixa de ter a possibilidade
de produção direta, quando tem-se intervenções em que há interesse público, mas
não há interesse privado). Diante desta redução tem-se a dependência do setor
privado para desenvolver ações que são necessárias dentro da lógica do interesse
público, mas que muitas vezes não são coerentes com os parâmetros de ação do
mercado.
Neste sentido, o processo de contratação da área de reassentamento do Projeto de
Urbanização Integrada do Complexo Silvina Audi: dois anos e meio entre a
desapropriação da área que era urbana e socialmente adequada para atender as
famílias e a finalização do processo de contratação da operação PMCMV, porque as
dificuldades objetivas da área não se “enquadravam” na lógica de contratação e
aporte de recursos do programa frente à lógica da iniciativa privada de não querer
correr risco em um programa com margens estreitas.
Apesar de ser um elemento positivo contar com o setor privado, não é possível se
estruturar uma política nacional de habitação de interesse social em que se exclui
completamente a possibilidade de produção por iniciativa do setor público, que tem
outros trâmites legais a seguir, como licitações, entre outros. Objetivamente, há
situações que o setor público tem obrigação de fazer em que não há interesse do
setor privado, se os riscos ficarem por sua conta.
O outro aspecto problemático diz respeito à produção habitacional no interior dos
assentamentos precários por meio do PMCMV. Este aspecto abrange duas
questões: a contradição frente à condição fundiária destes assentamento, a base
legal atual incidente sobre o tema e às exigências do PMCMV quanto ao padrão de
disponibilização de área para contratação de empreendimento (propriedade da terra
transferida ao FAR – Fundo de Arrendamento Residencial) e as características das
obras nos assentamentos precários e a interdependência das obras do PMCMV com
o PAC em um território complexo.
Com relação a questão fundiária, no caso do Projeto de Urbanização Integrada do
Complexo Silvina Audi os três condomínios propostos no interior da favela que foram
definidos como PMCMV (apesar do pleito da Prefeitura de que todos fossem
contratados por meio do PAC) estão localizados na área da favela que não é pública
e cuja estratégia de regularização, com base na legislação atual, é a demarcação
urbanística,estratégia que não exige investimentos em desapropriação por parte da
Prefeitura. Para atender às exigências do PMCMV a Prefeitura terá que desapropriar
a área e, ainda que por compensação de dívida, fazer um aporte que não seria
necessário se a produção habitacional fosse de promoção pública, já que, como ela
se destina a atender quem ocupa a área, ela se insere nas ações possíveis de
serem realizadas em áreas de demarcação urbanística.
As limitações para utilização do PMCMV para produzir novas unidades no interior
dos assentamentos precários abrangem aspectos diversos: inicialmente a
dificuldade de compatibilizar os parâmetros de projeto e de investimento do PMCMV
(compatíveis para obras de pouca complexidade) com as características exigidas de
projetos em áreas ocupadas, que precisam se adaptar a área disponível e em geral
tem custos complementares de contenções e etc. A solução de aporte
complementar de recursos pelo município exige mais do que os recursos (menores
do que as contrapartidas das fases anteriores), exige a formulação de mecanismos
de seleção pública distintas do que está pensado para o PMCMV.
O outro aspecto diz respeito à execução da obra do PMCMV, a ser contratada com o
empreendedor que vencer a seleção pública/ chamamento. Esta obras será
necessariamente dependente e integrada às obras executadas por outra empresa,
vencedora da licitação para as obras do PAC, e isto pode exigir mais do que o
planejamento integrado das frentes de obras, já que em geral vai abranger
responsabilidades técnicas compartilhadas de obras que se complementam, tema
em que há pouco conhecimento acumulado.
Estes dois aspectos são totalmente conflitantes com a lógica que tem norteado a
avaliação de viabilidade de empreendimentos do PMCMV pelos empreendedores
privados, que optam por áreas em que: possa ser utilizado projeto arquitetônico
padrão, em relação ao qual a empresa conhece os custos; as condições de terreno
imponham baixo nível de dificuldade, para “caber” no valor passível de ser destinado
a infra-estrutura; e não hajam condições imponderáveis (como é comum nas áreas
ocupadas) que possam resultar em uma situação não prevista, cujo custo de
solução, na regra do PMCMV deve ser assumido integralmente pela empresa
proponente do empreendimento.
Não obstante a avaliação positiva do PMCMV como estratégia de enfrentamento do
déficit quantitativo brasileiro, que está explícita neste artigo, a experiência de São
Bernardo aponta para a necessidade de aprimorar aspectos da integração do
PMCMV e o PAC, de modo a assegurar que a produção habitacional que é item
indispensável à solução integral e integrada dos assentamentos precários, possa se
dar de forma coerente com as características das áreas sob intervenção e do próprio
perfil de um programa concebido para ser operado por meio da iniciativa privada (o
PMCMV).
Para além da questão que é o foco deste artigo, é indispensável registrar ainda que,
considerando as características do déficit acumulado no Brasil, a atual concentração
dos investimentos no Programa Minha Casa, Minha Vida – em certa medida em
detrimento ao PAC, que deixou de ter seleções anuais regulares – pode vir a romper
com a lógica de investir de forma coerente ao conjunto dos problemas. O PMCMV é
uma modalidade de intervenção - produção habitacional, que enfrenta um tipo de
déficit - o déficit quantitativo. Neste sentido, uma ação consistente com o que está
formulado na Política e no Plano Nacional de Habitação em vigor, exige equilíbrio
entre investimentos e problemas. A redução e a descontinuidade dos investimentos
em urbanização de favelas, problema numericamente tão ou mais significativo
quanto o déficit quantitativo nas grandes cidades, precisa ser corrigido. Investir
apenas na produção habitacional é uma estratégia que já foi adotada, como
mostrado no histórico apresentado neste artigo, e o resultado contribuiu para o
padrão atual de ocupação das cidades brasileiras, predominantemente excludente e
com grandes parcelas de precariedade.
A prioridade política e o nível de investimento atual em habitação, inédito em nível
nacional, faz deste um momento rico e desafiador para fazer da política habitacional
um instrumento de inclusão social em todas as suas dimensões, mas há ajustes a
serem feitos. E é necessário que se trate deles.
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OLIVEIRA, Nilza Aparecida. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do
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SÃO BERNARDO DO CAMPO, Prefeitura do Município / FUNDAÇÃO DE APOIO A
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SÃO BERNARDO DO CAMPO, Prefeitura do Município / FUNDAÇÃO DE APOIO A
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Riscos de São Bernardo do Campo. 2010b.
SÃO BERNARDO DO CAMPO, Prefeitura do Município / Instituto Corda Rede de
Projetos e Pesquisas. Relatório da Pesquisa de Caracterização Socioeconômica
e Informações Cadastrais – Projeto de Urbanização Silvina Audi. 2010c.
SÃO BERNARDO DO CAMPO, Prefeitura do Município / SECRETARIA DE
HABITAÇÃO – SEHAB. Projeto de Urbanização Integrada dos Assentamentos
Precários do Jardim Silvina Audi – Plano de Trabalho. 2013.
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Seminário URBFAVELAS 2014 São Bernardo do Campo